adesao ue a cedh

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DEBATER A EUROPA Peridico do CIEDA e do CIEJD, em parceria com GPE, RCE e o CEIS20. N.4 Janeiro/Junho 2011 Semestral ISSN 1647-6336 Disponvel em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/

Relaes entre TJUE e TEDH no contexto de adeso da UE CEDHCarla Sofia Abreu Prino Mestranda FD-FCSHUNL

Resumo Uma adeso por parte da Unio Europeia a uma conveno de direito internacional pe em causa a harmonia jurisdicional europeia h tanto reivindicada e conquistada. Com o Tratado de Lisboa ultrapassa-se o limite formal artigo 6 n 2 TUE - que tornaria a Unio Europeia apta a aderir Conveno Europeia dos Direitos do Homem, questo h muito debatida, mas ficam as dvidas quanto ao modo de articulao entre o TJUE, tribunal da UE, e o TEDH, tribunal regional europeu, neste contexto de adeso. Temese uma invaso do direito internacional no direito comunitrio que possa interferir e prejudicar a autonomia da ordem jurdica comunitria, contudo um modelo eficaz de cooperao entre o TJUE e o TEDH com base nos princpios da harmonizao das decises internacionais e do reconhecimento mtuo pode ser a regra-chave para estabelecer a harmonia do Direito no Espao Europeu. Palavras-chave: Conveno Europeia dos Direitos do Homem, Tribunal de Justia da Unio Europeia, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, autonomia, harmonia

Abstract Membership of the European Union of a Convention under international law undermines European judicial harmony both claimed and conquered. The Treaty of Lisbon extends beyond the formal limit article 6 paragraph 2 TEU - which would make the EU fit to join the European Convention on human rights, a much debated issue, but there are doubts as to the manner of articulation between the EU Court and the ECHR, the European regional court, in the context of accession. It is feared an "invasion" of international law into Community law that can interfere and adversely affect the autonomy of the community legal order, but a model of effective cooperation

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between the EU Court and the ECHR on the basis of the principles of harmonization of international decisions and mutual recognition can be the key rule to establish the harmony of the Law in the European area. Keywords: The European Convention of Human Rights, the Court of Justice of the European Union, the European Court of Human Rights, autonomy, harmony. Com a adeso Conveno Europeia dos Direitos do Homem, surgem dvidas quanto ao modo de articulao entre o TJUE, tribunal da UE, e o TEDH, tribunal regional europeu, pois teme-se a invaso por parte do direito internacional no direito comunitrio, uma invaso que ponha em causa a autonomia da ordem jurdica comunitria. O presente trabalho1 procura analisar a questo da adeso Conveno, comeando pela evoluo da questo da necessidade da existncia de um catlogo de direitos que, por sua vez, vai dar origem necessidade da adeso CEDH como forma de fortalecer a proteco constitucional europeia. Esta adeso est prevista no Tratado de Lisboa. De seguida, procede-se ao estudo das ordens jurdicas existentes - nacional, e da Unio Europeia - para averiguar de que modo a adeso influenciar nas relaes entre essas mesmas ordens, passando-se para uma anlise da autonomia da ordem jurdica comunitria, essencial para se compreender de que modo esta autonomia no posta em causa pela interveno do TEDH, pois este no pode decidir sobre a interpretao de normas europeias ou sobre a validade de actos emanados de instituies, rgos e organismos europeus. De interesse pode ser a revelao na Ordem internacional de um princpio geral da harmonia de decises judiciais. O presente trabalho culmina com o reconhecimento do poderoso contributo da actividade judicial europeia para a harmonizao do Direito, tarefa a que hoje, no plano do Direito constitudo, se prefere o simples reconhecimento mtuo. evocada apenas, no , contudo, abordada. Esta questo,

I.

Porque se coloca a questo das relaes entre TJUE e TEDH?

1. Perspectiva histrica da evoluo dos direitos fundamentais no ordenamento comunitrio: o catlogo de Direitos.1

Trabalho realizado no decurso do estgio no Gabinete de Documentao e Direito Comparado da Procuradoria Geral da Repblica, em Junho de 2011

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com o Tratado de Maastricht que se desencadeia toda uma revoluo no mbito dos direitos fundamentais, numa tentativa de humanizar a Comunidade Econmica Europeia e trazer o cidado no s o trabalhador para o ncleo da construo europeia. No entanto, a partir da jurisprudncia do Tribunal de Justia dos anos 60 (caso Stauder) que se constri o caminho para uma nova fase no legado do direito europeu de reconhecimento diligente dos direitos fundamentais, relativizando-se a imposio do primado2 que, at ento, constitua principal entrave ao recurso dos Direitos Fundamentais como mtodo/mecanismo de apreciao da validade dos atos comunitrios. O denominado mtodo jurisdicional de defesa dos direitos fundamentais surge com o Acrdo de 12 de Novembro de 1969 relativo ao caso Stauder, o qual demarca a importncia da existncia de um catlogo de direitos que se encontrem compreendidos no ncleo do direito comunitrio. o prprio TJ que vem defender, numa perspectiva diferente do que at ento se tinha proposto, a necessidade de proteco dos direitos fundamentais por parte dos tribunais, invocando os princpios gerais do direito comunitrio. Nesta mesma linha de pensamento resolvido o caso Internationale Handelsgesellsschaft de 12 de Dezembro de 1970, invocando-se as tradies constitucionais comuns como principal arma de proteco dos direitos fundamentais e como esteio a ser tido em conta para a descoberta dos princpios gerais de direito; apelase ao direito interno como exemplo a seguir no mbito da estrutura e dos objectivos da Comunidade. Esta deciso de 1970 vem responder reivindicao por parte dos Estados membros do seu direito a declararem inaplicveis no seu ordenamento, quaisquer actos de direito comunitrio que afrontem direitos protegidos constitucionalmente, perante a falta de um catlogo europeu de direitos fundamentais que constitua um ncleo comum de proteco desses mesmo direitos. Em especial, com a deciso Solange I , do BverfG, que se atenta na inexistncia de um tal catlogo, afirmando o tribunal a sua competncia para formular juzos de conformidade entre as normas comunitrias face ao regime de proteco dos direitos fundamentais concedido no seu ordenamento, por considerar que tal se encontra melhor estruturado relativamente aos parmetros - que julga serem frgeis - adoptados a nvel comunitrio. Caminha-se para a consolidao de um critrio material de Direitos Fundamentais que ver a sua melhor construo com o famoso caso Nold II, no qual o TJCE vem fixar um terceiro elemento que, juntamente

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A ideia de primado parte da prpria jurisprudncia, no acrdo COSTA/ENEL de 1964.

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com a referncia s tradies constitucionais comuns e s Constituies dos Estadosmembros, determinam o ncleo que serve a salvaguarda dos direitos fundamentais: os instrumentos internacionais relativos proteco dos direitos humanos aos quais os Estados-membros estejam vinculados. Ao recorrer pela primeira vez CEDH no acrdo Rutili de 1975, o TJ demonstra o seu interesse em fazer vigorar este essencial instrumento internacional de modo a contribuir para a construo de um sistema de proteco que tutele autonomamente o ncleo comum de direitos fundamentais que, to bem, os tribunais alemes e italianos reivindicaram. Toda a revolta jurisprudencial vivida a partir dos anos 60 tornou o TJ consciente dos efeitos nocivos que o alargamento do campo de aplicao do direito comunitrio e a consequente actividade da Comunidade Europeia poderiam provocar nas esferas de proteco pessoais dos particulares.

2. Parecer 2/94 de 28 de Maro de 1996 no contexto de todo este debate jurisprudencial que o Conselho da Unio Europeia pede parecer ao Tribunal de Justia sobre a Adeso da Comunidade Conveno para a Proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no intuito de ver esclarecida a questo da vinculao CEDH e das respectivas relaes entre aquele tribunal e o TEDH. Trata-se da primeira oportunidade de discusso pblica sobre o problema que, desde o aparecimento da Conveno, atormenta o TJCE: a adeso Conveno compatvel com o direito comunitrio, em especial, com as competncias implcitas no Tratado que institui a Unio Europeia? Ao consagrar a proteco dos direitos fundamentais atravs dos princpios gerais de direito comunitrio, aludindo s tradies constitucionais comuns e aos instrumentos internacionais em especial, a Conveno- tornou-se evidente o interesse do Tribunal em contribuir na evoluo da Comunidade em matria de respeito pelos direitos do homem. Deste modo, se foi traando o caminho para atingir o objectivo de adeso Conveno que vinculasse formalmente a Comunidade. Objectivo este desde h muito reclamado como essencial para um desenvolvimento do direito comunitrio enquanto regulador de um espao de liberdade, segurana e justia; um espao que deixasse de ver o cidado europeu como mero trabalhador no mbito de uma Europa/Comunidade de cariz essencialmente econmico para passar a encar-lo como sujeito de direitos e garantias fundamentais. Por tudo isto se considera o Parecer 2/94 de 28 de Maro de 65

1996 um importante marco que vem frisar o problema da falta de adeso CEDH de forma oficial, lanando a discusso para a gora da Comunidade. Muito embora fosse unnime a posio que defendia a proteco dos direitos do Homem como um dos objectivos do direito comunitrio, inerente prpria consagrao da cidadania da Unio, o TJ - admitindo a falta de um catlogo de direitos que legitimasse tal proteco - entendeu que a Comunidade no teria competncia para aderir Conveno devido condio em que se encontrava o direito comunitrio altura do parecer em estudo: a adeso Conveno implicaria uma alterao substancial do regime comunitrio actual de proteco dos direitos do homem, na medida em que implicaria a insero da Comunidade num sistema institucional internacional distinto, bem como a integrao do conjunto das disposies da conveno na ordem jurdica comunitria3. Ou seja, uma alterao do regime comunitrio ultrapassaria os limites do artigo 235 TCE (relativo s competncias implcitas da comunidade, actual artigo 268 do TUE), o que s poderia suceder mediante a realizao de uma modificao do Tratado que consentisse/previsse a adeso Conveno Europeia dos Direitos do Homem.

3. Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia Ao instituir-se a cidadania da Unio, coloca-se o ser humano no cerne da aco europeia, cerne esse que se viu ampliado com a constitucionalizao da Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia no Tratado de Lisboa, onde lhe atribudo efeito jurdico vinculativo, a qual vem suplantar, em certo modo, um dos problemas debatidos no mbito tanto da jurisprudncia como do parecer 2/94, embora ficasse dispensada a necessidade da consequente adeso Conveno por nos encontrarmos no domnio de dois tipos de tutela distintos: a Carta tem por fim garantir a devida proteco do indivduo perante o modo de proceder das instituies europeias; por sua vez, a Conveno visa asseverar essa mesma proteco face ao comportamento dos Estados. No seu essencial, a Carta - para alm da jurisprudncia constante - veio complementar a Conveno, colmatando as omisses em matria de direitos sociais, de igualdade e de direitos associados ao progresso econmico. Afasta-se o tradicional mtodo pretoriano de proteco dos direitos fundamentais em prol de um campo de proteco mais seguro e previsvel e refora-se a segurana jurdica europeia.

3

Memorando 34, Parecer 2/94 de 28 de Maro de 1996

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A luta dos Altos Tribunais nacionais e todos os debates jurisprudenciais a favor de um catlogo de direitos fundamentais que regesse o direito comunitrio terminam vencedores com a conquista4 do nascimento do Povo Europeu, unido por valores comuns.

4. Tratado de Lisboa: a adeso CEDH com o Tratado de Lisboa que se consegue suprir uma outra lacuna apontada pela jurisprudncia ao longo das ltimas dcadas e referida como principal obstculo no Parecer 2/94: a necessidade de dotar a Unio de capacidade constitucional para aderir Conveno Europeia dos Direitos dos Homens. Esta adeso encarada como o vnculo de obrigatoriedade necessrio para tornar mais srio e eficaz o mbito de salvaguarda dos Direitos Fundamentais, aproximando o direito da unio europeia do direito europeu dos direitos do homem. O artigo 6 n2 do Tratado de Lisboa5 vem superar a inexistncia de uma tal habilitao constitucional, concedendo a formalidade exigida para a adeso, corroborando o quadro jurdico de proteco dos Direitos Fundamentais ao nvel da Unio. A adeso formal Conveno resulta num meio de garantir a coerncia entre a prpria Unio e a Europa, ao mesmo tempo que fortalece a proteco do cidado face aos actos da Unio e promove o desenvolvimento harmonioso da jurisprudncia do TJ e do TEDH. Cabe, agora, questionarmo-nos sobre o impacto desta adeso sobre o princpio da autonomia do direito da Unio: pode a adeso vir pr em causa a posio e a autoridade do Tribunal de Justia? De que modo se articularo o TJ e o TEDH?

II Tribunal de Justia e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: como se articulam? Que tipo de relao?

1. Princpio da autonomia do direito comunitrio.

Conquista esta que se materializa com a Carta dos Direitos Fundamentais, h tanto proclamada. A Unio adere Conveno Europeia para a proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Essa adeso no altera as competncias da Unio, tal como definidas nos Tratados.5

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A ordem jurdica comunitria autnoma. Por autnoma entende-se dotada de mecanismos especficos independentes, que a caracterizam com um regime prprio que se distingue da ordem jurdica internacional por fora dos seus princpios criadores e finalidades distintas. Os tratados europeus reflectem este intuito de criao de uma Comunidade autnoma, incumbida de determinados poderes que lhe garantem uma autoridade institucional face aos interesses nacionais e internacionais; um sistema em que prevalece o interesse comunitrio. A existncia de um quadro normativo especfico, cuja criao est a cargo de instituies determinadas para tal competncia juntamente com um regime de proteco jurisdicional prprio encarregue da regulao, interpretao e aplicao do direito comunitrio fundamentam a autonomia e a prevalncia das normas comunitrias. com base neste contexto que se questiona o Tribunal de Justia sobre as suas verdadeiras razes para a no adeso Conveno: uma questo de salvaguarda da autonomia do direito comunitrio, como fundamento da ordem jurdica comunitria, associada preservao do seu estatuto jurisdicional supremo e exclusivo?

1.1 Estanqueidade da ordem judicial interna face ordem judicial internacional comunitria? Ao falarmos de estanqueidade6 das ordens referimo-nos aos muros tradicionais que impedem a harmonizao da lei e a respectiva aplicao do direito que no lhes seja originalmente intrnseco. Esta questo revela-se de extrema importncia pois, tal estanqueidade, se realmente se verifica, constitui um potencial entrave aplicao do direito internacional, mesmo que este beneficie de primazia. O artigos 19 do TUE e 267 do TFUE regulam o instrumento de cooperao do reenvio pr-judicial, o qual se encontra a cargo do TJ e lhe determina a competncia em questes de interpretao do direito comunitrio, a pedido prvio do juiz nacional que entenda necessria a sua interveno. O TJ, no uso desta sua faculdade legal, limita-se a apreciar a questo que lhe colocada, no procedendo a uma anlise concreta de resoluo do caso; o seu domnio de actuao confina-se, sim, a interpretar o direitoO conceito de estanqueidade tem vindo a ser abordado, embora de forma no directa, na jurisprudncia do TEDH, nomeadamente: Acrdo proferido na queixa n31122/05 Chigo contra Malta; Acrdo proferido na queixa n12849/87 Vermeire contra a Blgica; Acrdo proferido na queixa n14556/89 Papamichalopoulos e outros contra a Grcia; Acrdo proferido na queixa n21188/09 Gluhakovic contra a Crocia; Acrdo proferido na queixa n 62540/00 The Association for European Integration and Human Rights and Ekimdzhiev contra Bulgria.6

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comunitrio de modo a orientar o juiz nacional na sua deciso. Mesmo no se tratando de uma deciso, isto , de um acto executivo de sentena, o certo que o parecer emitido pelo Tribunal de Justia vai vincular a actuao do juiz nacional que recorreu ao reenvio; o qual, por via do disposto nos artigos 8 e 16 da CRP, se encontra sujeito ao pleno respeito pelo direito comunitrio. Assim, muito embora ainda nos encontremos no permetro restrito da ordem interna, as muralhas formais so j penetradas pelo direito comunitrio, que se lhe impe e garante a autonomia e a harmonizao da ordem internacional comunitria. O princpio da autonomia do direito comunitrio v, deste modo, a sua fora asseverada face a uma maior permeabilidade da ordem interna, que lhe permite intervir durante o desenrolar do processo da relao controvertida, influenciar na deciso, proporcionando uma harmonizao prvia das decises luz do direito comunitrio. O princpio do caso julgado7 surge, por sua vez, como um forte argumento a favor da estanqueidade da ordem interna, pois, tal princpio, decorrente do princpio da segurana jurdica, consiste na insusceptibilidade de alterao de uma sentena quando esta tenha transitado em julgado. A consolidao do caso, com vista concretizao do ideal da paz jurdica, concretiza-se com a sua resoluo definitiva, isto , quando j no seja susceptvel de qualquer recurso; quando j estejam esgotadas todas as fontes internas. Esta inalterabilidade surge como uma caracterstica inerente ordem interna portuguesa que lhe garante a coeso e firmeza necessrias para manter a ordem e a segurana judiciais. Torna a ordem nacional impermevel ordem internacional Esta estanqueidade destaca-se como princpio do mtodo jurdico, criando-se uma fortaleza aparentemente impenetrvel por via de uma deciso cimentada. Deste modo, o que fazer perante uma deciso emitida pela ordem internacional, a que o interessado tenha recorrido no pleno uso dos seus direitos presentes na CEDH, aps ter esgotado todas as fontes de resoluo a nvel interno? A soluo passa pelo mecanismo do recurso de reviso8 que transponha a deciso efectuada a nvel internacional para a ordem interna, para assegurar o respeito devido ao primado do Direito Internacional. TalContrape-se com o conceito de deciso definitiva promovido pelo TEDH: quando - em recursos internos o problema material j est resolvido e s muito excepcionalmente ser a deciso modificada; enquanto para haver caso julgado necessrio no haver mais recursos judiciais. Esta distino no despicienda na medida em que o TEDH vem considerando, nos casos portugueses, que foi ultrapassado o prazo de seis meses para apresentar a queixa, quando a queixa apresentada poucos dias depois da notificao da deciso do Tribunal Constitucional, por exemplo. Pelo que se sugere a queixa ao TEDH nos seis meses a seguir notificao de deciso da seco do STJ sobre o assunto. 8 Recurso de amparo, em pases como Espanha e Alemanha; recurso de reviso em ordens como a Portuguesa e Holandesa.7

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instrumento de recurso , desde logo, permitido pela prpria Constituio, no seu artigo 29 n6 que prev, exactamente, o direito reviso de sentena, de modo que todo o regime esteja mais ajustado quer CEDH quer s decises e normas emanadas dos rgos competentes das organizaes internacionais que Portugal integra. No mbito do processo civil, o recurso de reviso est previsto no artigo 771, alnea f) do CPC e no mbito do processo penal no artigo 449 n1 alnea d) do CPP; ambas as disposies referem a admisso de recurso de sentenas transitadas em julgado nos caso em que tal seja inconcilivel com deciso definitiva de uma instncia internacional de recurso vinculativa para o Estado Portugus, como o seja o TEDH. Diferentemente do que se verifica com o mecanismo do reenvio pr-judicial, neste contexto deparamo-nos com uma verdadeira deciso vinculativa que modificar a deciso tomada dentro da robustez nacional. No entanto, esta modificao carece da devida transposio para a ordem interna, apenas possvel se o interessado nessa mesma transposio activar o mecanismo do recurso de reviso. Ora, este recurso surge-nos como o nico mecanismo interno vivel e praticvel para combater a estanqueidade evidente, nico capaz de derrubar as barreiras internas de proteco paz jurdica alcanada com a efectivao do caso julgado. A ordem interna prima, assim, pela coeso e estanqueidade no domnio judicial, ao colocar o trnsito em julgado como entrave suposta recepo automtica das decises internacionais.

1.2 Estanqueidade da ordem comunitria face ordem internacional? com base numa poltica de defesa de auto-suficincia do sistema comunitrio que se fundamenta a autonomia da ordem jurdica comunitria; reivindica-se uma independncia administrativa europeia face ordem internacional, praticada de forma equivalente a nvel nacional. As instncias comunitrias, inseridas num quadro institucional nico da Unio (artigo 13 n1 TUE), assumem a posio dos tribunais nacionais no contexto de interaco da ordem interna comunitria com a ordem Internacional, assumindo-se o direito europeu como aparentemente estanque face ao direito internacional. Mas de que modo se concretiza esta impermeabilidade9 do Direito da Unio Europeia? Primeiramente, no mbito do Direito da Concorrncia deparamo-nos com uma competncia jurdica exclusiva da U.E., no existindo legislao nacional nesse sentido;Primado relativamente s ordens nacionais, as verdadeiramente internas; autonomia relativamente ao Direito Internacional, tambm assim manifestada.9

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o prprio artigo 3 n1 alnea b) do Tratado da U.E. constitui uma garantia da uniformidade da aplicao do direito da concorrncia, vista como objectivo fundamental do mercado interno que fortalece a ideia de autonomia defendida pela jurisdio europeia. O controlo jurisdicional neste ramo jurdico , tambm, exclusivo da Unio Europeia, mais concretamente, do Tribunal de Primeira Instncia (TG) em sede de impugnao das decises da Comisso principal responsvel pela actividade concorrencial - por parte de pessoas singulares ou colectivas e, em sede de recurso, do Tribunal de Justia. As sentenas do TJ vinculam os tribunais nacionais, reforando a ideia de harmonizao e autonomia que caracteriza a estanqueidade da ordem comunitria. O Direito da Concorrncia representa uma forma de autonomizao especfica, dotando a Comunidade de uma jurisdio consolidada e construda de forma a salvaguardar a actividade judicial europeia a que se junta a existncia de um Tribunal da Funo Pblica, uma jurisdio especializada no domnio do contencioso da funo pblica da U.E., regulada no artigo 270 TFUE, reflexo do funcionamento administrativo nacional. Tal instncia trata dos litgios existentes entre a Comunidade e os seus agentes no mbito das relaes laborais e do regime de segurana social, proporcionando todo um regime de proteco em prol dos trabalhadores da Unio Europeia, garantindo um sistema uniforme caracterstico de uma unio que se ambiciona em todos os nveis dos objectivos inerentes ordem comunitria. Assim, tal como sucede no mbito nacional, a Unio est provida de um Tribunal de Primeira Instncia (artigo 256TFUE), o j referido Tribunal Geral, que competente para as aces e recursos interpostos pelas pessoas singulares ou colectivas contra os actos das instituies, dos rgos e organismos da Unio Europeia e actos regulamentares ou contra uma absteno destas instituies, rgos e organismos, bem como dos recursos interpostos pelos Estados-Membros contra a Comisso e dos recursos interpostos pelos Estados-Membros contra o Conselho, das aces destinadas a obter o ressarcimento dos danos causados pelas instituies da Unio Europeia ou pelos seus agentes, das aces emergentes de contratos celebrados pela Unio Europeia, em que o mesmo seja competente. Por ltimo, h que referir os recursos, limitados s questes de direito, contra as decises do Tribunal da Funo Pblica da Unio Europeia, como uma competncia que garante um segundo nvel de proteco aos trabalhadores da Unio Europeia, daqui resultando um mtodo eficaz e auto-suficiente da administrao europeia. 71

Quanto ao Tribunal de Justia, o Tribunal da ordem comunitria, este beneficia de mecanismos prprios e autnomos de controlo jurisdicional sobre toda a actividade tanto dos Estados Membros como de todas as instituies, rgos ou organismos da Unio: a aco por incumprimento com vista a fiscalizar o cumprimento pelos E.M. das obrigaes que lhes incubem por fora do Direito da Unio; a aco por omisso com o intuito de fiscalizar a legalidade da inaco das instituies, dos rgos ou dos organismos europeus e o recurso de anulao cuja deciso resulta na anulao de um acto proveniente de uma instituio, rgo organismo. Destaco o recurso de deciso, limitado s questes de direito, e o mecanismo de reapreciao das decises do TG sobre os recursos interpostos das decises do TFP como reflexo de uma articulao proveitosa em prol da uniformizao e primado do Direito da Unio Europeia que lhe permite a independncia administrativa, reforada por uma competncia exclusiva de controlo judicial dos tribunais comunitrios e dos prprios tribunais nacionais, nos quais os juizes surgem como principais intrpretes e aplicadores do direito europeu; uma competncia que parece no se coadunar com a ordem internacional e que constri toda uma fortaleza incompatvel com o Direito Internacional.

2. Primado do Direito Internacional. Diante de uma aparente autonomia por parte da ordem interna face ordem comunitria e, por sua vez, desta face ordem internacional, cabe questionar se no estaremos perante uma estanqueidade meramente formal que superada pelo primado da norma fundamental como o o Direito Internacional. Um primado verdadeiramente alcanado por via da adeso Conveno Europeia dos Direitos do Homem, que vem impor a cooperao e comunicao entre todas as ordens prevenindo a implementao de primados de poder judicial. No contexto portugus, os artigos 8 e 16 da Constituio da Repblica Portuguesa clarificam o primado do Direito Internacional, pois temos a prpria norma fundamental interna a autorizar uma recepo automtica das normas internacionais, muito embora tais tenham de recuar se forem contra os princpios basilares do Estado Democrtico. No entanto, tal recuo no ser passvel de acontecer, tendo em conta que o prprio Direito Internacional um reflexo das tradies constitucionais e, como tal, ter na sua base os mesmos valores remanescentes da ordem interna, permitindo uma harmonizao judicial necessria para o bem estar entre a ordem interna, comunitria e internacional. 72

3.

As relaes entre o Tribunal de Justia da Unio Europeia e o Tribunal A adeso Conveno Europeia dos Direitos do Homem suscita dvidas quanto

Europeu dos Direitos do Homem. ao modo de articulao possvel entre o Tribunal de Justia, o supremo no sistema eurocomunitrio, e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o supremo, por sua vez, no sistema da grande europa - internacional. Tais dvidas reflectem-se no receio de ameaa ao princpio da autonomia do direito da Unio e respectivo estatuto de jurisdio suprema e exclusiva do Tribunal de Justia face ao direito internacional e sua fiscalizao por parte do TEDH, muito embora o TJ se mantenha como rgo jurisdicional supremo e nico relativamente s questes de interpretao do direito da Unio e validade dos seus actos e o TEDH, por sua vez, como rgo jurisdicional supremo no respeito CEDH. Tratar-se- de uma relao de especializao e no de natureza hierrquica entre os dois tribunais europeus com fim a garantir uma maior proteco aos cidados no mbito de actuao da Unio. Pretende-se, deste modo, a criao de um regime integral que permita aos dois tribunais um funcionamento equilibrado e articulado com recurso a uma relao de dilogo e cooperao que apenas ser concretizvel atravs da adeso Conveno, a qual proporcionar uma harmonizao legislativa e jurisprudencial dos ordenamentos jurdicos e o consequente desenvolvimento harmonioso dos dois tribunais em matria de direitos humanos. Resta saber de que modo se verificar esta harmonia, recorrendo-se anlise das formas de processo pertencentes a cada jurisdio.

3.1 Formas de Processo 3.1.1 Mecanismo de queixa para o TEDH De acordo com o disposto no artigo 35 da CEDH, o Tribunal Europeu s pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas; trata-se do mecanismo de queixa, com carcter subsidirio, que coloca no Estado o poder de resoluo do conflito que esteja em causa, devendo aquele harmonizar a sua deciso conforme a CEDH e respectiva jurisprudncia. O TEDH constitui a melhor arma contra a actuao do Estado no que toca aos direitos presentes na Conveno que so, no fundo, os mesmo direitos consagrados a nvel constitucional, no exemplo portugus: o direito internacional destaca-se como 73

principal meio, a favor do particular, de levantar uma queixa contra um Estado que tenha violado algum dos direitos. Trata-se de um poderoso instrumento de oposio soberania estatal. Falamos do mecanismo do direito de queixa, devidamente consagrado no artigo 34 CEDH, de acordo com o qual o TEDH pode receber peties com base numa violao por qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Conveno ou nos seus protocolos, dentro de um perodo de seis meses aps a deciso definitiva. 3.1.2 Mecanismo de reenvio prejudicial para o TJ Ao funcionarem como rgos de aplicao do direito comunitrio, os tribunais nacionais tm a seu cargo a grande tarefa de interpretao e aplicao o mais prxima possvel do Direito da UE que os obriga a afastarem-se dos conceitos e das regras interpretativas especficas do direito nacional. S este afastamento permite a construo de um regime jurisdicional coeso e harmonioso fulcral para a existncia do direito da Unio Europeia, capaz de satisfazer os objectos da Comunidade e de possibilitar a comunicao firme e eficaz entre todas as Altas Partes Contrantes. Cabe questionarmonos sobre o modo de proporcionar este ideal de regime e a resposta parece ir de encontro com o mecanismo de reenvio prejudicial, o qual permite a interveno directa do direito da UE durante o desenrolar do processo, ou seja, antes da deciso definitiva, fomentando a colaborao entre os rgos jurisidicionais nacionais e o TJ de modo a que haja uma correcta interpretao e aplicao do direito europeu. O reenvio prejudical vem previsto no artigo 267 do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia, o qual completado pelo artigo 23 do Protocolo n3 relativo ao Estatuto do Tribunal de Justia da Unio Europeia. Um importante mecanismo, que o juiz nacional acciona face a uma objeco sobre a interpretao de normas europeias ou sobre a validade dos actos adoptados pelas instituies. ao juiz nacional que cabe o poder de deciso final, ou seja, a este que compete a aplicao do direito aos factos e s no caso de considerar que a interveno do TJ ser necessria para a resoluo da relao controvertida ele poder ou dever, dependendo se a deciso seja ou no passvel de recurso na ordem interna, sujeitar a questo suspeita ao juiz europeu (TJ), ao qual competir responder mas somente no mbito da pergunta levantada, isto , s quanto interpretao da disposio que esteja em causa ou quanto validade do acto comunitrio, no podendo reportar-se ao caso concreto, resolvendo a questo de forma autnoma. Este parecer orientar o juiz nacional na deciso do litgio, proporcionando-se, ao mesmo tempo que se garante a devida harmonia no mbito da 74

jurisdio europeia. Uma verdadeira relao de colaborao em detrimento de um vnculo que seria encarado como de hierarquia.

3.1.3

Contencioso Comunitrio A Unio Europeia encontra-se provida de um sistema judicial baseado em dois

nveis de jurisdio, em que todos os casos resolvidos em primeira instncia pelo Tribunal Geral podem ser objecto de recurso relativo, a questes de direito, para o Tribunal de Justia. O Tribunal Geral da Unio Europeia (art.256 TFUE) surge como rgo independente apenso ao Tribunal de Justia da Unio Europeia e competente para resolver, em primeira instncia, as aes instauradas por particulares, empresas e algumas organizaes ou relacionadas com a legislao em matria de concorrncia10. Primeiramente, ao TG que cabe conhecer os recursos de anulao (art.263TFUE) e de omisso (art.265TFUE). Estes dois tipos de aco caracterizam-se pela repartio de competncias existente entre este tribunal e o TJ, competncia essa que tem de ser averiguada no mbito do disposto nos artigos 256TFUE em contraposio com o artigo 51 ETJUE, dependendo do tipo de litgio e da condio do demandante ou do demandado; h que verificar a que tribunal se circunscreve a relao controvertida em causa. A aco por anulao tem como obejcto a impugnao de actos praticados pelas instituies, rgos ou organismos da U.E., com base no princpio da constitucionalidade dos actos europeus, enquanto que a aco por omisso visa constituir um meio de fiscalizao da legalidade da inaco das instituies, dos rgos ou dos organismos da Unio. Ainda no crculo de competncias do TG, este est apto a conhecer dos recursos sobre litgios entre a Unio e os seus agentes, isto , conflitos derivados do funcionalismo pblico europeu. Trata-se de um recurso de uma deciso originria do Tribunal da Funo Pblica, uma jurisdio especializada no domnio do contencioso da funo pblica europeia quanto aos litgios entre as comunidades e os seu agentes, no mbito das relaes laborais e do regime da segurana social. Por sua vez, das decises do TG sobre os recursos interpostos das decises do TFP pode haver uma reapreciao, a ttulo excepcional, por parte do TJ (artigo 270TFUE).

10

Tema que foi abordado no ponto 1.2

75

Acrescenta-se a aco de responsabilidade civil extra-contratual, prevista no artigo 272 TFUE, referente responsabilidade da Unio na celebrao de contratos tanto de direito pblico como de direito privado, da competncia do TG em primeira instncia com recurso para o TJ, limitado s questes de direito. Por fim, na rea do contencioso comunitrio, temos o reenvio prejudicial, j mencionado, e o processo por incumprimento. A aco por incumprimento tem como fim fiscalizar o cumprimento pelos Estados Membros das obrigaes que lhes incumbem por fora do direito da Unio, tutelando os interesses daqueles mesmos e da prpria Unio Europeia. Cabe Comisso (art.258 TFUE) ou a qualquer E.M. (art.259TFUE) a legitimidade processual para a interporem, caracterizando-se tal mecanismo por conter duas fases: uma fase administrativa com natureza pr-litigiosa que funciona como filtro, isto , d a Comisso uma oportunidade ao Estado infractor de cumprir a obrigao que lhe foi imputada antes de se recorrer via judicial (art.260 n1 TFUE), a qual s ter lugar em caso de inrcia por parte daquele e levar a uma deciso de incumprimento que imponha aos Estados a tomada das devidas medidas de execuo do acrdo do TJ.

4.

Princpio da Harmonia das Decises Judiciais Internacionais consensual o requisito de esgotamento das fontes internas para se poder

accionar o mecanismo de queixa, incluir tanto as fontes internas nacionais como as comunitrias, demonstrando-se, deste modo, o empenho em aproximar, desde logo, o direito da lei internacional, no que toca Conveno Europeia dos Direitos do Homem, dando-se a devida oportunidade jurisdio comunitria de resolver os litgios a nvel interno, constituindo o TEDH o ltimo recurso possvel. Portanto, no se coloca a questo de receio por parte do TJ de se subjugar ao controlo e fiscalizao do Tribunal Europeu, at porque este s pode reportar-se aos direitos implcitos na Conveno, o que significa que o TEDH nunca poder intervir na interpretao das normas europeias nem na validade dos actos emanados das instituies, rgos ou organismos europeus, ficando o seu campo de actuao restrito conformidade das decises europeias com a Conveno e dependente do devido impulsionar do mecanismo de queixa (artigo 35 CEDH). Quanto estanqueidade entre as ordens, aquela parece ter menor impacto entre a ordem interna e a comunitria relativamente ao que se verifica entre a ordem comunitria e internacional, pois apesar do TJUE ser concebido como tribunal 76

interno/nacional da Unio Europeia, usufrui das caractersticas de um verdadeiro tribunal internacional, o que permite uma relao prxima entre o TJUE e o TEDH. A natureza internacional do TJUE s posta em causa no mbito do mecanismo de queixa, quando adquire uma natureza interna para efeitos de interpretao do direito europeu, reflexo da cooperao entre os dois tribunais que contraria o receio de uma invaso do direito internacional na jurisdio nica europeia. Por sua vez, o reenvio prejudicial constitui um instrumento que a nvel prtico tem superado muitas das expectativas sobre ele criadas, ao conseguir criar e manter as condies necessrias para uma efectiva unidade de interpretao e aplicao do direito comunitrio, cumprindo devidamente o seu objectivo de conciliao jurdica entre a ordem interna nacional e a ordem comunitria. Assim, no reenvio existe plena harmonia legislativa e jurisprudencial, resultante da eficaz relao de cooperao entre a jurisdio nacional e europeia que assenta num dilogo praticado durante a construo do que vir a ser a deciso final do litgio em causa, fruto de um autntico trabalho de equipa. Neste sentido, a opinio de alguma doutrina que tal mecanismo podia tambm ocorrer entre o prprio TJ e TEDH no caso de dvidas quanto interpretao da CEDH, no entanto, torna-se dispensvel tal formalizao das relaes entre os dois tribunais europeus perante o que se constata ser um dilogo, j desde h muito, regular11 entre o TJUE e o TEDH, o qual s beneficiou com a adeso formal CEDH. O importante que se verifique um dilogo jurisprudencial contnuo entre os dois tribunais, cabendo ao TJ procurar harmonizar as suas decises de acordo com o defendido pelo TEDH, independentemente de o fazer modo formal ou no, bastando o contacto necessrio para que as duas jurisdies trabalhem em funo da mesma tarefa: fazer jus aos direitos consagrados na Conveno12. O artigo 35 n2 alnea b surge-nos como instrumento de combate fragmentao da jurisdio europeia - internacional, quando tem implcito o respeitado princpio geral de direito ne bis in idem, ou seja, o TEDH no conhecer de qualquer petio individual (artigo 34 CEDH) que seja idntica a uma petio anteriormente examinada pelo Tribunal ou j submetida a outra instncia internacional de inqurito ou de deciso e noEntendimento defendido pelo Parlamento Europeu no Relatrio de 6 de Maio de 2010 sobre Os aspectos institucionais da adeso da Unio Europeia para a Proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais , com fundamento na Declarao n2 ad n2 do artigo 6 do TUE; 12 Entendimento retirado das Reunies de Trabalho do Grupo de Trabalho Informal do CEDH sobre a adeso da Unio Europeia Conveno Europeia dos Direitos do Homem com a Comisso Europeia (CEDH-UE). Agradecimentos so devidos Sra. Dra. Maria de Ftima Carvalho, Agente do Governo Protugus junto do TEDH pela disponibilizao destes importantes elementos de estudo.11

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contiver factos novos, evitando-se, deste modo, o choque de decises entre as vrias jurisdies ou dentro da mesma jurisdio13, como forma de fomentar a harmonia e criar condies para que as ordens jurisdicionais estejam lado a lado no propsito que as une e que passa por uma melhor proteco ao nvel dos direitos humanos, uma proteco que consiga ser transfronteiria, eficaz num plano universal. Em suma, temos que o princpio da harmonia das decises dos tribunais nacionais, europeus e internacionais constitui um princpio basilar de uma boa mecnica jurisdicional europeia, ao mesmo nvel que o so os princpios da proporcionalidade e igualdade, os quais so tidos como verdadeiros princpios gerais de direito14. Assim, urge considerar-se o princpio da harmonia como um autntico princpio geral de direito, que possa condicionar e orientar a compreenso do ordenamento jurdico, estabelecendo-se como um alicerce que permite a implementao de um sistema jurisdicional coeso e eficaz.

III Concluso: adeso CEDH como elo de harmonia entre a Pequena e a Grande Europa Analisando a mecnica geral das relaes entre o TJ e o TEDH, prevalece um modelo de cooperao entre os dois tribunais europeu-internacional, em que o TJUE surge como juz final na interpretao da lei comunitria e o TEDH como entidade externa especialista destinada a avaliar se a U.E. cumpre as obrigaes resultantes da sua adeso CEDH; uma cooperao assente na fico de que o TJ funciona no mbito13

Ver, OBoyle, Michael, Ne bis in idem for the benefit of states?, in Liber Amicorum Luzius Wildhaber, Human Rights Strasbourg Views, 2007 14 Os Princpios Gerais de Direito, oriundos do costume internacional e delineadores da Ordem Jurdica Mundial, tm na Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948 a sua primeira apario, reflexo da importncia acrescida que lhes foi sendo atribuda; mas com a sua codificao na Carta Internacional dos Direitos do Homem que so devidamente positivados, existindo o sentimento generalizado da sua obrigatoriedade (opinio juris) e o sentimento generalizado de que so obrigatrios (vel necessitatis). Deste modo, so princpios intrnsecos s NU, ao PIDCP e aos seu Protocolos, ao PIDESC, CEDAW, CERD, CAT, CRC, assim como prpria CEDH, Carta Europeia dos DH e Conveno Interamericana dos DH. So princpios que se extraiem das diversas normas ou proposies jurdicas, diferindo consoante o contexto em que estejam incorporados, mas que servem o mesmo propsito de justia e partilham a mesma mecnica material (exemplo do artigo 235 do antigo TCE). Dentro destes princpios gerais, distinguem-se os que se reportam aos direitos humanos dos que se limitam ao modo de afirmao dos direitos em geral: o princpio da proporcionalidade opera numa deciso para medir a correspondncia entre um comportamento e a sua consequncia; a equidade serve a deciso justa, assim como a imparcialidade ou o direito a ver a sua deciso proferida num prazo razovel. Deste modo, nos atrevemos a considerar o princpio (geral) da harmonia de decises das instncias internacionais de controlo, sabendo-se que no so de recurso mas sim de queixa, no existindo nenhuma hierarquia entre elas e que, sob pena de quebra do direito internacional pblico, as decises no podem ser contraditrias. Mais se acrescenta que este princpio ter um correspondente interno que justifica a fixao interna de jurisprudncia, tema que no poder merecer, neste trabalho, maior ateno.

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do Direito interno Comunitrio e o TEDH no mbito do Direito Internacional. Os dois tribunais surgem como dois rgos autnomos e complementares: o Tribunal de Justia mantm competncia exclusiva para interpretar a Lei Europeia, enquanto o Tribunal de Estrasburgo se mantm como o tribunal no mecanismo da CEDH. Uma relao assente numa harmonia jurisprudencial, a qual comea por se implementar, desde logo, a nvel nacional, onde o prprio juz nacional de primeira instncia surge como primeiro juz da Conveno, quando se guia pelas suas disposies. Em suma, verifica-se que a interveno correctora dos ordenamentos nacionais efectuada pelo TEDH proporciona a harmonizao do Direito no Espao Europeu. Por sua vez, neste mesmo espao, o princpio da harmonia das decises encara-se de modo diferente, pois os dois tribunais europeus caminham de mos dadas, contribuindo, decisivamente, para a harmonizao dos ordenamentos nacionais, formando um verdadeiro Direito europeu. Deixar-se- o reconhecimento mtuo para as questes de funcionamento da Unio, em especial na rea da justia. A tarefa mais nobre da harmonizao do direito deslocar-se- do direito legislado para o direito dito e praticado, da pena do administrador, do tcnico e, tambm, do legislador para o jurisprudente, para o pretor e este objectivo de harmonizao ser tanto melhor conseguido quanto mais convincente uma boa deciso de direitos humanos for. Fontes e Bibliografia

Fontes Relatrios da 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Reunies de Trabalho do Grupo de Trabalho Informal do CEDH sobre a adeso da Unio Europeia Conveno Europeia dos Direitos do Homem com a Comisso Europeia (CEDH-UE) de Setembro de 2010 a Maro de 2011 Relatrio Final do Grupo II do Presidente do Grupo de Trabalho sobre a Integrao da Carta/Adeso CEDH, Conveno Europeia, Bruxelas 22 de Outubro de 2002 Documento de Reflexo do Tribunal de Justia da Unio Europeia sobre determinados aspectos da adeso da Unio Europeia Conveno Europeia para a Proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 5 de Maio 2010

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Joint communication from Presidents Costa and Skouris, 24 January 2011 Relatrio de 6 de Maio de 2010 sobre os aspectos institucionais da adeso da Unio Europeia Conveno Europeia para a proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, Parlamento Europeu Jurisprudncia: Acrdo do Tribunal de Justia da Unio Europeia, processo 26/69 de 12 de Novembro de 1969, Erich Stauder contra cidade de Ulm Acrdo do Tribunal de Justia da Unio Europeia, processo 11/70 de 17 de Dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft contra Einfuhr- Vorratsstelle fur Getreide und Futtermittel Acrdo do Tribunal de Justia da Unio Europeia, processo 4/73 de 14 de Maio de 1974, J. Nold Kohlen und Baustoffgrobhandlung contra Comisso das Comunidades Europeias Acrdo do Tribunal Constitucional Alemo, BverfGE 37, 271 2 BvL 52/71 Solange I BeschluB, de 29 de Maio de 1974 Acrdo do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, processo 24833/94 de 18 de Fevereiro 1999 Matthews contra Reino Unido Acrdo Supremo Tribunal de Justia n 104/02.5TACTB- S1 de 23 de Abril de 2009

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