a trajetória do indivíduo - fábio ribas

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Este livro conta a história de um personagem atormentado por vozes que gritam dentro dele. Inesperadamente, nosso personagem inicia sua trajetória em busca de respostas sobre as vozes e as personalidades internas que oprimem sua vida. Durante a trajetória, ele encontra novos personagens que apresentam para ele seus discursos e tentam convencê-lo de suas verdades. Contudo, a angústia do nosso personagem principal só aumenta conforme ouve outros discursos e ideias. Mas quem (ou o quê), na verdade, é o nosso personagem? Conseguirá explicação para sua alma atormentada? E o que o aguarda no fim dessa jornada? Esta história em versos foi escrita há 20 anos! Foi uma maneira pessoal de compreender e colocar em ordem o turbilhão de grandes mudanças que estavam ocorrendo naquele tempo: a minha conversão, a minha saída do império das trevas para o Reino da maravilhosa luz do Senhor Jesus. Depois de tantos anos, é muito bom poder revisitar aquele momento tão marcante na minha vida... F. Ribas

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  • [1]

  • [2]

    FBIO RIBAS

    A Trajetria

    do Indivduo

    Chapada dos Guimares - MT

    2015

  • [3]

    Dedico este livro aos professores e alunos do CLM daquela

    maravilhosa turma de 1995 da Misso ALEM.

  • [4]

    ndice

    APRESENTAO ..................................................................... 05 PREFCIO .................................................................................. 06 PREFCIO DO AUTOR .......................................................... 10 NASCEDOURO .......................................................................... 13 SINA ............................................................................................. 15 O OUTRO .................................................................................... 16 EU .................................................................................................. 17 O OUTRO .................................................................................... 18 O TROVO ................................................................................. 19 A LUZ ........................................................................................... 20 O SALTO ..................................................................................... 21 O CAMINHO .............................................................................. 22 A VERDADE .............................................................................. 23 A VIDA ......................................................................................... 24 A BUSCA ..................................................................................... 25 A CASA ........................................................................................ 26 QUASE ......................................................................................... 28 O NADA ....................................................................................... 30 O SONHO .................................................................................... 31 O NADA ....................................................................................... 34 O NADA ....................................................................................... 35 O DESNIMO ............................................................................ 37 A EXISTNCIA .......................................................................... 38 A CONVERSA ............................................................................ 39 A FILOSOFIA ............................................................................. 41 DIGRESSO ............................................................................... 43 AQUELA FOLHA DOS VERSOS .......................................... 46 RESPOSTA ................................................................................. 48 O PROFETA DO ENGANO .................................................... 49 O ESTRONDO ........................................................................... 50 O VULTO .................................................................................... 51 O VENTO .................................................................................... 52 O MILAGRE ............................................................................... 53 A POMBA .................................................................................... 54 A GUIA ...................................................................................... 58 O ENCONTRO-CONFRONTO .............................................. 59 EPLOGO ..................................................................................... 60

  • [5]

    Apresentao

    O poeta e ensasta mexicano Octavio Paz dizia que o homem tempo,

    perptuo movimento. Tal assertiva ocorreu-me ao avanar pelas linhas do

    livro A Trajetria do Indivduo, de Fbio Ribas. Um livro onde o dito e o

    no dito interpenetram-se, trabalham juntos pela construo do Sentido, ou

    para que o leitor colha o sentido que, num jogo de chiaroscuro (para usar

    um termo das artes plsticas) goteja das metforas e parbolas. E o

    mi(ni)strio da parbola aqui aflora como a relva dos campos, sobeja e

    farta; a psico-saga do autor em busca do Sentido narrada atravs de

    madura poesia e prosa potica larga e prenhe de conotaes, em voz cujo

    timbre lembra o Zaratustra nietzschiano, ou o Andr Gide de Frutos da

    Terra; mas, enquanto tais autores empreenderam o afastamento de Deus,

    equivocando-se em direo ao abismo, Ribas avana em caminho inverso,

    em busca de Redeno, escalando atravs de brumas e intempries o cume

    da transcendncia.

    Em sua jornada o autor vale-se do mtodo socrtico, dialgico,

    abraando/confrontando interlocutores, que so como estgios de sua

    peregrinao. A linguagem velada/parablica d o tom de suas

    elucubraes, so os enigmas/signos de sua batalha mental e espiritual. E

    gratificante acompanh-lo em seu avano, sua ascenso do vale do atesmo

    ao monte da transfigurao, sara onde o nico Deus se revela aos olhos

    da finitude humana.

    Um livro assaz singular dentro de nossa literatura potica crist, que

    surge para enriquecer o bastio de nossas letras.

    Sammis Reachers

  • [6]

    Prefcio

    Conheci o Fbio na primeira metade da dcada de 1990. Um jovem

    aluno de Letras que se destacava por sua facilidade com as palavras. Mais

    amante da Literatura que da Lingustica, disciplina que eu ensinava. Um

    dia, o Fbio brincalho fez uns trocadilhos a uma pergunta minha. No

    podia ficar calada. Falei, me revelei. A partir da a trajetria do Fbio rumo

    a outro caminho se inicia, no cronos.

    Muito do que ele passou durante essa trajetria eu j sabia. Mas, ao

    iniciar a leitura deste livro, fui descobrindo trajetos que desconhecia e que

    se parecem tanto com os meus, os do Bunyan, do Agostinho e de todos os

    caminhantes, peregrinos que somos. No sou da Literatura, nunca gostei de

    teoria nessa rea. Gosto de Literatura, sou leitora apaixonada! Linguista

    que sou, as palavras me encantam. Linguista que ama a Fonologia, no se

    pode deixar de amar a beleza que os sons podem trazer aos ouvidos, alma

    e ao corao. Esse A Trajetria do Indivduo encanta, seja pela

    construo morfossinttica bem elaborada, seja pela doura e dureza dos

    sons no encontro ou na solido das palavras, seja na tessitura dos sentidos.

    Que quero dizer ao meu ex-aluno de Fonologia e Semntica? O que

    digo que o texto do Fbio bem construdo, tanto na forma quanto no

    sentido terra tambm. Semelhante rasgo. Estreito. Tira os pontos e se

    ouvir outra coisa. Deixa os pontos, pois com eles ouo os passos no

    caminho. Fbio est caminhando, ora com passos curtos, ora largos e vice-

    versa. O estilo do Fbio satisfaz os ouvidos de quem ama profissionalmente

    os sons, mas, creio, tambm os ouvidos de quem simplesmente ouve. E a

    professora de Semntica, essa que se encanta com o universo da

    significao, o que tem a dizer? Digo que h denso contedo, de quem

  • [7]

    viveu na prpria alma o encontro com Aquele/Outro que no se confunde

    com qualquer um, e de quem se dedica a conhecer. Conhecer mais,

    conhecer tudo que pode ser conhecido No quero encontrar o outro se isso

    significa esbarrar em mim mesmo. Aqui os passos so largos, quase

    corrida. Nada pontua. E o sentido dessa noo de quem sou se escancara,

    mas tambm esbarra no se. Se no comigo o encontro, quero. Se sim,

    no quero. Fbio, estudioso de Filosofia, conhece essa dualidade e a

    formulao do desejo do Outro to famoso nos crculos intelectuais e como

    estudioso de Teologia, sabe que h Outro, Aquele Eu Sou, o nico que nos

    pode encontrar e que no se confunde com nenhum outro. Mas, como

    homem desgarrado, peregrino nessa trajetria imposta pelos nossos

    primeiros pais, ele sabe que s morto se continuares a permanecer vivo.

    Contudo, vivers se morreres da morte do Outro. Fbio sabe retrucar,

    como todo mortal Nada disso! Estou bem e satisfeito! Sou importante e

    filho abastado. Fbio, como todos ns se preocupa com a segurana que a

    famlia pode dar o que serei se deixar minha casa?

    Reconheci claramente o ex-aluno de Semntica nesse A Trajetria

    Deparei-me com referncias estranhas entre si sobre o mesmo referente.

    At Ducrot, Fbio? Ou ser Eco? Pode o objeto ser tantos? Pode algum

    estar enganado? Ou mentindo? (...) Seria a falncia do nosso discurso a

    falncia do prprio referente? Tenho que admitir, Fbio, voc entendeu!

    Me pergunto aqui se esse Quase no nasceu durante minha aula sobre

    Sentido e Referncia l no Torto. Talvez. Mas, aprendeu alm da teoria!

    Sigo o A trajetria. Me deparo com Kyrios e ouo Saulo Quem s

    tu, Senhor?. Saber que Fbio sempre esperava pelo nico Senhor

    entronizado faz a minha prpria trajetria se desenhar como certeza e

    incerteza: Todavia explicou-me que a morte era apenas uma figura de

    linguagem, um simples recurso de retrica. Nesse Nada creio que todos se

    reconhecem, pois, quem nunca? Quem nunca se perguntou se a trajetria

  • [8]

    leva mesmo a algum lugar? Que peregrino cristo nunca encontrou o

    Obstinado pelo caminho? Ou dentro de si mesmo? Nessa trajetria, o

    indivduo, seja Fbio, Paulo, Joo, Agostinho, o filho, a filha, sempre vai

    encontrar conversas que oscilam entre a Verdade e as verdades, a Palavra e

    as palavras, filosofias diversas, pois Os discursos esto enfermos.

    A inteligncia fina e o esprito filosfico do Fbio se revelam em

    Filosofia H uma quase eternidade e o que digo leva-me ora a um extremo

    e ora a outro e Digresso Marcelo, os vivos so mortos e Fbio

    poeticamente nos mostra que ningum por si mesmo pode guerrear para

    sair do tmulo. Esse indivduo se ofusca com o Vulto A luz do sol se fez

    sobre a guia que me levava em suas asas e vi seu bico abrindo-se para me

    devorar, cai com o Vento uma forte rajada de ar arremessara-me da asa

    da guia e se depara com o milagre que se apresenta na presena

    inesperada do Outro!

    Fbio narra poeticamente Certa vez, algum cantou que havia uma

    criada no alto de uma escada segurando um vaso. Por descuido da criada, o

    vaso caiu e se desfez em pedaos, em tantos cacos, todos esses cacos

    miravam os olhos da criada descuidada..., faz dissertar a Primeira Pessoa

    Fao a necessria distino entre a transparncia semntica do

    significante, para que flua o significado que determina... e mostra que

    mascarados somos todos at que se revele Aquele/Outro que nos

    desmascara e que no falseia o discurso cujas regras cria e respeita. A

    trajetria que se inicia na eternidade se aproxima do incio do fim perenal

    no encontro com o que Um em trs So apenas Um. Os trs so Um e

    que aponta para aquilo que o fim da busca. Fim que se bifurca em dois

    sentidos, no mnimo: limite/objetivo e o indivduo dessa trajetria, Fbio e

    todos ns, se encontra-confronta com a Morte e o Sangue! A sua sem

    sangue e a do Outro com seu sangue! Nessa altura de A Trajetria, choro!

    No o choro da tristeza, mas o choro da alegria de A certeza de ter sido

  • [9]

    encontrado! Agora no finzinho, s faltam trs pginas para terminar esse

    A trajetria, me pergunto o que vir e me deparo com uma pessoa livre

    Preste ateno: feneceste teu indivduo, nasceu tua pessoa: ests liberto!

    O sabor e o saber se encontram nas ltimas linhas da Trajetria e o Amor

    que o indivduo, agora pessoa, conheceu no Outro pode se dirigir a outro

    indivduo que sempre encontrar e ao qual poder comunicar Eu sou

    santo, porque o meu Deus Santo.

    O jovem estudante que conheci no incio dos 90 se revela nesse A

    Trajetria do Indivduo: um poeta, escritor. A leitura desse livro instiga,

    satisfaz o senso esttico e alimenta a esperana e a devoo.

    Dalva Del Vigna

    Braslia, dezembro de 2015

  • [10]

    Prefcio do autor

    Este livro conta a histria de um personagem atormentado por vozes

    que gritam dentro dele. Inesperadamente, nosso personagem inicia sua

    trajetria em busca de respostas sobre as vozes e as personalidades internas

    que oprimem sua vida. Durante a trajetria, ele encontra novos personagens

    que apresentam para ele seus discursos e tentam convenc-lo de suas

    verdades. Contudo, a angstia do nosso personagem principal s aumenta

    conforme ouve outros discursos e ideias. Mas quem (ou o qu), na verdade,

    o nosso personagem? Conseguir explicao para sua alma atormentada?

    E o que o aguarda no fim dessa jornada?

    Esta histria em versos foi escrita h 20 anos! Foi uma maneira

    pessoal de compreender e colocar em ordem o turbilho de grandes

    mudanas que estavam ocorrendo naquele tempo: a minha converso, a

    minha sada do imprio das trevas para o Reino da maravilhosa luz do

    Senhor Jesus.

    Depois de tantos anos, muito bom poder revisitar aquele momento

    to marcante na minha vida. Eu tinha apenas 22 anos de idade e cursava a

    Faculdade de Letras da Catlica em Braslia. Uma das minhas professoras

    era missionria e, graas ao seu testemunho, comecei a ser incomodado

    pelo Evangelho. Essa professora, Dalva Del Vigna, encaminhou-me a um

    curso de Lingustica, que, na verdade, era parte de um curso para formao

    de missionrios tradutores da Bblia. Descrente, pude ali ouvir a pregao

    do Evangelho e ouvir os mais diversos testemunhos dos alunos que

    atuavam nos campos espalhados pelo mundo, mas que se encontravam em

    Braslia para se aprimorarem ainda mais para o servio do Senhor. Era o

    curso do CLM (Curso de Lingustica e Missiologia) da Misso ALEM

    Associao Lingustica Evanglica Missionria.

  • [11]

    Naquele ano de 1995, encontrei muitas pessoas que me ajudaram a

    me ver como pecador e necessitado da glria de Deus. Uma dessas pessoas

    foi o professor Isaac Costa de Souza, que, naquele ano, deu-me as aulas de

    histria da evangelizao no Brasil Indgena. Com Isaac, pude conhecer um

    Brasil que a escola nunca me ensinou e, muito menos, os meus anos como

    seminarista catlico me contaram. At que ele me deu para ler o livro

    Fator Melquisedeque, de Don Richardson, que me mostrou que a Bblia

    um livro para todos os povos!

    A maneira que encontrei para lidar com tudo aquilo que acontecia

    dentro de mim foi escrever este livro, que fala de tudo isso que ocorreu

    comigo, mas de modo simblico e imaginativo.

    Espero que voc possa mergulhar nesse maravilhoso universo ao

    qual fui arrebatado pelo poder do Esprito Santo. Hoje trabalho entre povos

    indgenas do Brasil, sou pastor e missionrio. Tenho uma famlia linda e

    que s foi-me possvel t-la graas a minha salvao por Cristo Jesus.

    Casado com Lucila e pai de duas lindas mocinhas, Ana Lissa e Gisele. Por

    causa delas, tenho um blog pr-famlia, que o Casal 20

    (www.casal20ribas.blogspot.com.br). Alm disso, publico artigos sobre os

    mais variados assuntos no GospelPrime e no site Morvios.

    Publicar este livro escrito h tantos anos chamar voc para celebrar

    junto comigo Aquele que me salvou e tem cuidado de mim por todos estes

    anos. Portanto, a Ele toda a glria!

    Fbio Ribas, 18/11/2015

  • [12]

  • [13]

    NASCEDOURO

    (aviso aos que seguem)

    Os olhos vastos... Julguei luz,

    era treva o que havia, era cego...

    Piscadelas... Rastejei, revolvi

    conforme impele a natureza. Ca.

    Arrastei-me semelhana de meus pares,

    era reflexo o que as oculares de cada um via. Cegos.

    Da terra nasci. Herdado o mesmo p natural,

    do qual surgimos, compartilhamos a misria igual.

    Era de se esperar que a vida fosse o que se mostrava,

    entretanto, expeliu-me dali outra fora externa: o cu.

    No adianto nada, no entanto.

    A histria que conto minha.

    Diferi no que busquei (nada buscava),

    mas encontrei a mim e contedo outro.

    similar o nascedouro de todos. Trao a rota

    da minha procura e dela fao a tua angstia, leitor.

    Tu que, porventura, a estejas do lado outro desta janela,

    pela qual me vs e te vs. Irs rastejar comigo a nossa sina.

  • [14]

    Narro, assim, o nosso passo

    neste compasso de busca e perda, mas h o ponto

    (e sempre haver) em que devers, leitor, andar

    no outro caminho, mas teu prprio passo, desatar teu lao.

    Nascemos de mesma nascente. Nascedouro igual.

    Nascidos para nutrir o ventre com o p do qual viemos.

    Da terra nada sabia. E impelido no intuito de ir,

    segui nascido, despercebido do prprio caminho.

    Sei, meu caro, tambm aprendi:

    A linguagem uma fonte de mal-entendidos!

    Mas ouso seguir e quero que sigas tambm,

    pois os smbolos revelam velando e velam revelando

    at que haja o limite (e este sempre haver):

    a dilatao do signo, a fronteira responsvel do significado.

  • [15]

    SINA

    A vida a luta pela comida.

    A sobrevivncia aguerrida!

    Se ramos semelhantes, no o ramos ali.

    Na boca que sorve toda bebida da vida, a vida morte!

    A labuta nos regia. Operrios. Era terra o que se comia e eu

    temia que fossemos ns quem nos comamos. A luta do dia!

    Da terra se vinha, a terra era a vinha. A vinha era o outro.

    Ele gritava o grito rouco, morria. Ptria dos que se comiam.

  • [16]

    O OUTRO

    Esbarro no outro-coisa. Nada em mim, pensei, igual a ele.

    A boca vomita o que o ventre no sustenta. Mas permanece

    aberta a boca para o que vida. o outro, outro. No

    eu. Outro. Eu no sou o outro. Eu no quero ser o outro.

    Esbarro no outro-coisa. Nada em mim, pensei, idntico

    ao outro distante. O outro com sua baba morna e a fria.

    Acuado no encontro-confronto. E se o outro no existir?

    E se eu apenas tiver tropeado no espelho deste corredor?

  • [17]

    EU

    Acuado. E se o outro no existir?

    E se a vida for apenas este tropeo?

    Nada sei de mim a no ser o que esta natureza impele:

    Natureza escura. Natureza cho. Singro sobre os outros.

    sobre o outro que me vou. Anulo em meu p a pegada

    do outro. Engulo o outro. Trago o outro. Como o outro. Eu.

    E se eu for este to dessemelhante de mim?

    Se me soubesse to diferente de mim por igual ao outro,

    persistiria at o fim?

  • [18]

    O OUTRO

    Esbarro novamente. Ser espelho? Imagem de mim?

    Teria que me ver aceitando essa vista de ser to feio.

    Contudo, se no for espelho, ainda terei de ser feio:

    o outro veio do meu mesmo meio (da terra que sorvo).

    Somos milhares de tantos irmos. Filhos de igual groto

    seco, sem esteio. Esse nascedouro que nos faz todos iguais

    menos justo do que aquilo visto h pouco: o morredouro.

    O morredouro que nos invalida todas as diferenas. Sigamos.

  • [19]

    O TROVO

    O som. A surdez. Estancamos a rotina operria da terra.

    Oua. o barulho da luz quando faz guerra contra a treva.

    O estrondo abriu o nicho luminoso sobre mim. Dimenso

    inexistente at aqui. Abaixo, detrs, ao lado, frente. Segui.

  • [20]

    A LUZ

    O estrondo reagiu algo. Percebi-o. O frio sumiu. O frio.

    Revela-se a existncia do frio que nunca antes percebera.

    A treva surgira naquele momento ali no nicho aberto de luz.

    A treva, ento, fez-se no instante em que eu deixara de v-la.

  • [21]

    O SALTO

    Sa da malha a que pertencia. O tecido ao qual costurava

    minha pele branca, babada. Rasguei. A tessitura se desfez.

    Todos passaram despercebidos do rasgo ali no alto.

    A luz fazia o crculo. Eu na roda de luz. Subi s. Saltei.

  • [22]

    O CAMINHO

    terra tambm. Semelhante rasgo. Estreito.

    Da largura s de mim. Apertado. A passagem.

    Os gritos cessaram l embaixo. J no os ouo.

    A algazarra. Eram sempre gritos e eu no sabia.

    A luz revelara a treva e o silncio, o som.

    Afastei-me. Perplexo. No olhei para trs.

  • [23]

    A VERDADE

    - Ele existe.

    - Quem?, perguntei.

    - O Outro, respondeu-me a prpria luz.

    - Mas no procuro o outro. Deixei-os para trs!

    - Foges dos outros, porque foges de ti mesmo, mas acabars por encontrar o

    Outro...

    - o outro semelhante a mim?, indaguei sem saber de onde vinha aquela

    voz. - O outro, continuei, o outro, que sou eu, feio. A baba morna e a

    fria. No quero encontrar o outro se isso significa esbarrar em mim

    mesmo.

    - Irs encontr-lO, porque o Outro encontrou a ti primeiro.

    - inevitvel o encontro-confronto? Mas ele feio e no me quero saber

    assim. Fugi de mim e, agora, dizes que rumo ao outro? Sou

    demasiadamente semelhante a mim.

  • [24]

    A VIDA

    - Se no encontrares o Outro, permanecers morto.

    - Mas sou vivo, respondi asperamente.

    - s morto se continuares a permanecer vivo. Contudo, vivers se morreres

    da morte do Outro.

    - Mas sou vivo!, repeti com mais agressividade.

    - Irs te descobrir morto. O outro que viste espelho da tua imagem de

    agora, porm no foi assim desde o princpio. E retornars, se morto, ao

    princpio.

    - Mas eu sou vivo!!!, encerrei.

  • [25]

    A BUSCA

    O que buscaria aquele que nada saiu a buscar?

    No procurava e fui procurado. Estranho dilogo.

    Encontro ftuo entretece-me dentro.

    Percepo que se esvai esvanecendo...

  • [26]

    A CASA

    Rota estreita. Rota de poucos. Nada exato.

    Tudo (im)perfeito. Incomensurvel. Curto. Dilatado.

    Vasto. Pouco.

    Anseio indesejvel.

    - Quem s?, indaguei.

    - Sou mais um que segue adiante.

    - Por que pisas to devagar? Que isso?

    - Minha casa, respondia-me aquele novo personagem, meus bens,

    lembranas, gente. Outros, eu, tu, ontem, amanh, o lago, a floresta, o que

    sei, o que no sei, eles, a maaneta, a vida, substantivos, hiat...

    - E andas to devagar, repliquei, deixas essas coisas e vers...

    - No posso, ele me interrompeu. - E para que deixaria? Sei que chegarei

    l. minha casa. o que sou. Meu lar! Ests louco? Como encontrarei o

    Outro se no for mais eu mesmo?

    - Algum l atrs disse-me que era preciso a morte...

    - Nada disso! Estou bem e satisfeito! Sou importante e filho abastado.

    Influente de onde vim. minha identidade. O que serei se deixar minha

    casa?

    EU!, respodi em silncio. Era to semelhante a mim...

    a no ser pela casa carregada. Julguei-o at ser o outro,

    que eu mesmo nem procurava. Ele

    permaneceu ali no nada. E eu segui.

    Tentei dizer ainda alguma palavra

  • [27]

    para ver no que ela implicava ali,

    mas no deu em nada: a palavra sozinha muda,

    a palavra s carece de um mundo e eu no percebia.

  • [28]

    QUASE

    - Sou nada. Sou p. Da terra vim e para ela retornarei. Sou pequeno. Morri.

    - Morreste?!, surpreendi-me com a presena de uma nova criatura.

    - Terminei a caminhada. Eu O encontrei. No sou nada. Sou mnimo.

    Compreendi.

    - verdade, ento?! H o outro? Algum contou-me da morte, mas...

    - Compreendi todo plano, meu amigo, alcancei o que buscava. Agora,

    retorno ao meu modo de vida. Sei de todas as coisas. Entendi o Outro.

    Preciso voltar.

    - E voltar para onde?, perguntei. - No se pode permanecer no outro?

    - Para qu? Basta o encontro, o entendimento, a compreenso... alm disso,

    h a minha vida e eu preciso retornar a ela.

    - No disseste que passaste pela morte?, intriguei-me.

    - Sim! uma metfora! Uma imagem... Crias que seria literal?!

    - No... Literal no, mas, ao menos, queria que fosse real.

    - Meu amigo babento, disse-me rindo, a morte no mata. E o Outro o

    Outro. Dado o encontro, devo voltar. Foi um momento, um xtase, e ser

    para sempre uma lembrana...

    - O outro... a morte... imagens... Preciso definir significados. Sinto-me

    como que passando por uma floresta confusa onde olhares familiares, mas

    escondidos, miram este meu corpo...

    -

    - Deparei-me com referncias estranhas entre si sobre um mesmo referente.

    Pode o objeto ser tantos? Pode algum estar enganado? Ou mentindo? E se

    nada existir? Ou se no conseguirmos entender mais nada, porque nos

    afogamos em meio a tantos discursos sobre o referente? Seria a falncia do

    nosso discurso a falncia do prprio referente?... E se no houver, enfim, a

    verdade? Se existirem tantas leituras sobre o objeto, terminaremos por

    perd-lo de ns mesmos? Haveria ainda, em meio ao oceano histrico

  • [29]

    desse excesso de interpretaes, um lugar no qual poderamos nos

    encontrar? Sinto que as palavras se esvaziam de seus significados. Elas

    esto sangrando por este caminho sem volta e eu estou perdido em meus

    questionamentos...

    Temi, pois, quando o observei, vi que seu rosto falava

    do que sua boca no queria me dizer com as palavras...

    Ele saiu rindo, esse transeunte. Encontrar o outro isso?!

    Nada diferente. Nem este e nem o que carregava sua casa.

  • [30]

    O NADA

    Vi em ambos personagens a mesma baba e fria.

    E se for apenas o nada?... Adormeci cansado de palavras.

  • [31]

    O SONHO

    Nada nunca se mostrou aos meus olhos assim.

    Estas imagens nunca antes vira. Verde. Lago. Floresta.

    Quietude. Na relva, deixei-me observar aquele personagem

    em nada igual aos outros dois que conhecera nesta trajetria.

    Palavras brotavam das pegadas daquele novo personagem.

    Um jardim de letras em que me lia o que se ia em mim, vvido.

    Nele estava escrito:

    O LAGO E O LIDO

    Kyrios

    Ldimo discurso

    no decurso do verso

    palavra smen que enxerto

    No tronco largo do j dito

    tentar outra espcie, novo algo

    'tretanto, a lida se reflete, sei,

    as palavras so guas trotando

    Entre o lago e o lido

    h espelhos que repetem

    nossos infinitos vazios

    Kyrios

  • [32]

    espero

    remir

    (h corpos que so casas

    e o meu no casa. Meu

    corpo uma igreja pag)

    Almejo, como que entendendo:

    - Um s Senhor

    Kyrios

    entronizar

    escolha de outro, fixo-me entrada dessas praas,

    quero, contudo, cego,

    o outro

    para me contemplar

    que j s flor sobre meu

    altar

    H luz em ns e so trevas

    (quo densa treva minha luz...)

    Era de uma opacidade teus olhos

    (feito os olhos de tantos):

    duas tbuas escuras que me refletiam

    Nada de ti quando te chegavas,

    bom ser dito, todavia, a minha luz era de

    outro

    roubada

  • [33]

    do sol que furto a luz com a qual te encantavas

    e em ti no h nada alm de mim. Fria.

    No eras a mim que ansiavas: o brilho

    claro lanava-te de volta a ti.

    Podia perceber a aproximao dos teus passos

    Narcose dos teus preciosos passos

    Nem corrias e nem caminhavas

    circulavas em torno de si

    circundavas as margens

    Retesava-me a cada dia

    encantado encontrado

    em conto contava

    tua chegada, sim, guas clareadas

    era todo lume que em mim havia

    E quando te atiravas de joelhos

    orla do meu corpo, era meu o canto

    respirado sado mais mido

    dissonante canto meu que ouvias

    Ferido corpo, talho aberto ao toque de tuas mos em concha,

    permitido. Sei que eras bem vindo, mesmo que farsa fosse at

    mesmo

    meu corpo ferido. O que amei em ti o que de mim admiro...

    Feneceste-me em mim de tanto querer-te teu olhar

    era teu lume que em mim jazia

    esperando Kyrios, at Kyrios chegar!

    Fim

  • [34]

    O NADA

    Despertei. O pranto medo de esvanecer a razo. Ri de mim.

    Mas o que a loucura? Ter chegado aqui para descobrir o nada...

    Reter a vazo do leito que se esvai de mim.

    Palavras sangram e eu tambm...

    Verter a razo do rio que vai para muito alm de mim.

    Abandonei o tecido-casa da malha que me encadeava!

    nada a marcha travada. Indago se a luz no foi delrio,

    se sair a loucura e permanecer fosse sensato. Que sou?

    Se no houvera luz, no saberia da treva e do frio

    e no haveria esta dor que h agora. Quem Kyrios?

  • [35]

    O NADA

    - Para onde vais?

    - Vou, respondi aquele outro.

    - Mas se vais, vais ao nada, sabes?

    - No encontrastes o outro?, indaguei.

    - s mais um louco? No h o Outro?

    - Como? Se conheci quem passou por mim nesta trajetria e disse j o ter

    encontrado!

    - Ser? O que sabes ser o Outro?

    - preciso a morte...

    - E esse que dizes ter encontrado, por acaso ele estava morto?

    - Ele me disse que sim. Todavia, explicou-me que a morte era apenas uma

    figura de linguagem, um simples recurso de retrica.

    - O que a morte, meu amigo babado e viscoso?

    - no sei bem. Certa vez, vi um igual e seu grito rouco. Foi seu ltimo

    som. Dali j no se ergueu mais. Estava morto.

    - A morte dor ento?

    - No!... No sei.

    - A morte dor ento?

    - Talvez, respondi.

    - Ento, procuras deliberadamente a dor?, insistiu aquele outro.

    - No!... No sei. Ela apenas uma figura de linguagem, a morte.

    - E qual a validade de se buscar algo que no seja aquilo que se procura, ao

    contrrio, dizes que tua busca por um simulacro? Qual a validade desta

    tua trajetria? Afinal, procuras pelo smbolo ou pela realidade por este

    indicada?

    - Mas ele era igual a mim... o que me disse que havia morrido...

    - Quem?

    - Aquele que me disse ter encontrado o outro.

  • [36]

    - Aquele que, segundo ele mesmo te disse, estava morto?, riu-se de mim.

    - Sim. Havia nele esta mesma baba morna e a fria que agora vejo em ns.

    - E ele ia aonde quando o encontrou?

    - Retornava ao lugar de onde todos viemos.

    - Andar novamente na mesma malha? Viver aquela mesma vida? Ser da

    mesma forma? por isso mesmo que tanto buscas nesta trajetria?

    - No sei.

    - Oua-me, meu amigo confuso e perdido, o Outro no existe. O que h so

    peregrinos tristes e vazios e angustiados demais com este seguir da malha.

    No querer ir com a malha compreensvel e justo. Tomar outra direo,

    parar, lutar, conscientizar os indivduos da mutilao da malha isso tudo

    muito louvvel e preciso. Mas sair em busca do Outro que, no fim, no vai

    dar em nada?! O que procuras, meu jovem, o nada. a superstio. o

    produto da euforia das mentes fracas e cansadas...

  • [37]

    O DESNIMO

    Por horas, permaneci ali, ouvindo-o at que ele se fosse.

    O abismo em mim estava aberto, uma fissura de alto a baixo.

    Quando olhei dentro desse buraco, vi em mim esterco.

    O esterco mido das palavras daquele outro transeunte.

    O esterco lgico das suas ideias... Estava eu novamente

    arredado malha fria e v do nada.

    Era tudo nada. A caminhada nada do ser.

    A caminhada do ser. A c mi a a do r.

    A do r. Eu definhava.

    Eu era pedacinhos, pedacinhos cada vez menores...

  • [38]

    A EXISTNCIA

    Coloquei-me margem do caminho. beira. Deixei-me ali.

    O fim, decerto, viria. Enfado de tudo. Alma fatigada de falar,

    caminhar, pensar, viver, ser... Estanquei-me a mim, e no

    ao sangue que j se ia de mim, precipitado na rota de volta.

    Filete vermelho escoando

    como que retornando ao ralo de onde vim. Natureza.

    Tanto para vir at aqui

    e o que h em mim retorna a contragosto meu.

    Luta que se luta contra si mesmo,

    para, sarcasticamente, derruir na direo oposta desta luta.

    Silncio vacilante.

    As vozes andam de um lado a outro aqui dentro.

    Os su j e i t os di s p e r so s!

    Pattica cena da traio de mim mesmo,

    O que haveria de mais trgico do que o que h em mim?

    A ermo da orla do abismo da existncia

    vencida pela mtrica da anti-poesia. Palavra v. Luta v.

    Percurso ridculo do crculo que a esttica da nusea.

    A pattica trajetria do indivduo...

  • [39]

    A CONVERSA

    - Poeta, se no tivssemos te encontrado antes...

    - Cuidamos de ti. Costuramos os cortes e fizemos os curativos.

    - Poeta, que caminho querias seguir?

    - Sei que no seria o da paz. No te sinto em paz. O que est em torno de ti

    negro. Uma aura negra. Ests saturado. preciso desbloquear os fluxos

    de energia acumulados. Distender os seus pontos...

    - L vem novamente essa conversa. O que o Poeta vai pensar de ns dois?

    Ol, disse um deles se dirigindo a mim, ns somos os que seguem!

    - Por que estou sendo chamado assim?, perguntei ainda atordoado pelo

    cansao da trajetria.

    - Por causa disto. teu?

    - Sim... minha folha de versos...

    - Bonito, um deles disse.

    - Mas triste, Poeta!, disseram em unssono.

    - Triste foi a condio em que me encontraram. Obrigado.

    - No fales muito, perdeste muito do teu sangue.

    - Para onde seguis?

    - Qualquer caminho, respondeu um deles.

    - Qualquer caminho nos levar, disse o outro.

    - Aonde pretendeis chegar?

    - No Outro.

    - Todavia, disse um deles, que busca essa se o Outro j est dentro de

    ns? Vejo as criaturas da terra andando para l e para c em seus caminhos

    to dspares. Respeito todos, sei que, uma hora ou outra, todos chegaro ao

    Outro, porm a caminhada de alguns mais arrastada. Se ao menos as

    criaturas percebessem logo que o Outro est dentro de cada um de ns! Eu

    O encontrei. Descobri o Outro dentro de mim.

    - Sim, concordo, retornou o outro, quando dizes que todos os caminhos

  • [40]

    levaro ao nosso encontro com o Outro. Porm, no posso crer que

    devemos correr para dentro de ns. O Outro est l em algum lugar e vou

    encontr-lo. Cada qual no seu caminho, uma hora esbarraremos no Outro.

    A nossa procura ser atendida. Afinal, Ele nos deve isso.

    - Ele quem?, perguntei.

    - O Outro. Ele nos deve a resposta a nossa busca. Abandonamos casa,

    famlia, amigos, isso tudo deixamos por nossa busca. Ele nos deve!

    - Com certeza!, enfatizou o outro. - Por onde temos passado, respeitamos as

    trilhas alheias, o caminhar de cada um, somos instrumentos de paz.

    Levamos amor, alegria e f s criaturas. Deixamos marcas aonde quer que

    passemos. So obras que tem que ser levadas em conta! Somos sua imagem

    e semelhana e refletimos seu carter. Assim, estou convicto de que Ele

    pagar essa dvida para conosco. Somos to bons!

    - Como encontraste em ti o outro?, perguntei.

    - Ora, a minha busca veio mostrar a beleza que h nas criaturas. Somos

    seres de possibilidades infinitas, somos eternos! Nossa histria, Poeta, no

    se restringe ao que nossos olhos veem aqui. H um processo de busca que

    s terminar quando, finalmente, de to semelhantes a Ele, iremos nos

    misturar para sempre em sua essncia. Mas j somos o Outro. Estamos

    evoluindo!

    - No creio assim, interveio o outro, creio que h muitos caminhos e que a

    dvida ser paga para com a luta da criatura. Porm dizer que estamos

    evoluindo na terra do bicho que come o seu igual? H guerras, meu caro,

    h fome, h dor e, como vimos aqui mesmo, h o desejo da morte.

    - Isso so apenas interferncias, rudos, retornou o outro, so os que ainda

    no alcanaram o grau evoludo que ns j alcanamos que esto presos a

    esse tipo de coisas. Um dia, esses retornaro mais aperfeioados... Somos

    ainda um mundo de expiao! Creio, porm, que mais um pouco e

    estaremos numa nova era. O nosso mundo j est na nova era, mas nem

    todos despertaram ainda...

  • [41]

    A FILOSOFIA

    Quantos saberes! Quantos encontrares!!!

    H a baba morna e a fria em todos os meus interlocutores.

    Encontrarei tambm as suas perguntas e respostas?

    Se milhes de caminhos, milhares de entendimentos?

    Quantas verdades e eu sem nenhuma!

    O que j se pensou por toda a Histria?

    Quantas verdades? Quantas picadas abertas

    em meio terra? Careo ir...

    Os discursos esto enfermos.

    Digo: Pedra. Mas nada digo sobre a pedra.

    Digo: rvore. E nada digo dessa rvore.

    Digo: eu. E nada sabem de mim. Algo h, eu sei.

    Eu sei que Algo h,

    mas o que h no sei.

    H uma escurido luminosssima,

    um longo caminho entre um ponto e outro.

    Mesmo no quadro das possibilidades,

    h o campo da certeza, eu sei que h.

    Cada probabilidade deve conter em si

  • [42]

    o impulso que nos levar, sei, ao definido:

    - Ser o caos a nica alternativa ordem?

    H uma quase eternidade e o que digo

    leva-me ora a um extremo e ora a outro.

    Eles se foram e deixaram a folha de meus versos.

    Pagarei a dvida, pois sobrevivi a mim mesmo. Ir.

  • [43]

    DIGRESSO

    Dar-me um nome? Todo nome engano.

    O nome restringe, diz pouco. Nome no revela contedo.

    Se me desse um nome, teria que me dar vrios nomes:

    um substantivo a cada transeunte que vaga aqui dentro.

    Meus personagens no tm nome, pois o nome no diz nada.

    Nome no identidade. Meu nome no discursa sobre mim.

    Sou chamado por outros a vir a ser na existncia deles

    atravs de um nome, verdade, tolo acordo social...

    Mas nunca me chamam por inteiro,

    quando me chamam pelo meu nome.

    Que todo heri necessita um nome, eu sei

    A Historia silencia os annimos, tambm sei.

    E nada sabem os que me conhecem pelo meu nome.

    A criatura no cabe em seu nome, a criatura que sou

    contm a criatura que s, Marcelo, meu nome pouco,

    nada diz dos annimos que inscrevem guerra e paz em mim.

    Penso que todo heri desespera por um nome:

    Portanto, o teu ser Marcelo. Eis nosso nome.

    No que este seja o teu, mas por no ser...

  • [44]

    no den, onde vagueio e a tudo nomeio,

    Marcelo, consagro-te cavaleiro do Reino,

    embora tu no saibas o meu nome verdadeiro.

    Iludo-me crendo ser o meu nome terceiro,

    e h tantos quanto tantos so meus medos

    de me descobrir partido em muitos inteiros.

    H aqui bem dentro de mim, Marcelo, um ateu

    que por estes dias ou noites morreu!

    Ao lado dos outros, quiseste saber a hora segura,

    porm no posso precis-la em teu obiturio:

    atesto to somente que este ateu sequer nasceu...

    Est l, esttico, qual morto enganando-se estar vivo,

    feito louco que se sabe so ou dio que se anseia amor.

    Marcelo, mas no sei quando (se foi entre a tera-feira

    ou a quinta ou entre o sbado e a segunda) ele morreu...

    Esperava por algum entre os que aqui se encontram em mim

    que soubesse algo, entretanto, Marcelo, os vivos so mortos.

    Veja! Tive que gritar teu nome, Marcelo, meu Lzaro,

    que eras ftido e j morto de quatro dias: Vem para fora!

    Marcelo um nome esvaziado e preenchido de sentido

  • [45]

    quando sinto a falta de um amigo no silncio deste meu umbigo.

    Nome no diz nada, no chama nada, mas evoca:

    manifesta a tantos Marcelos e Pedros e rvores e

    cenas e tormentos e neuroses e meninas e histrias e tantas

    as personagens e quantos equvocos e sonhos quebrados e...

  • [46]

    AQUELA FOLHA DOS VERSOS

    , que ainda h esse beijo molhado

    ...se a criana no morre...

    Dos baldes, lembra?

    Ps e outros apetrechos

    levados praia: branca!

    Das manhs, nossas

    paz e castelos e planos

    cavados d'areia: monaztica!

    O Espao e o Tempo... ainda... 'inda...

    Do centro do trax ponta da mo, um metro, certo?

    A ampulheta marcando seu quarto de hora vaga...

    (Resvalam-se instantes eternais em se mirando

    gros tragados por um vo que, nem eu sabia,

    estrangulava o tempo no corpo fugidio d'areia)

    Estrelas so rasguinhos no vu que nos cobre

    Mnimas ilhas distantes demais...

    Estrelas em par so vesguinhos to tristes

    Mais tristes so aquelas espelhos de luzes alheias.

    Fomos trados, criana:

    Apagado o sol

    que beleza restaria?

    , que ainda h essa praia em nossas manhs!

  • [47]

    Ser o albor abeirando-se e j tragando todos?

    O monstro feio do fim do fogo ftuo das nossas frustraes!

    Queria dizer-te outras coisas:

    estrelas so respingos de um sol que se vai

    para que na noite haja a esperana ainda que esparsa...

    ...o mais belo dos beijos: o cu deita sobre o maro

    e o sol que se lana inteiro neste encontro

    respingos de si mesmo... (as estrelas, as estrelas!...)

    Entregar-te tais versos de alegria, mas no! As estrelas

    so expelidas das guas marinhas qual faz a esposa

    repugnada de um marido cujo corpo lhe causa asco...

    - Insensato, Poeta, que ouves as estrelas!

    Elas so p e iluso e mais nada... Elas, as estrelas

    sobrevivem de furtar o fogo fcil que arde nas lajes das necrpoles...

    Sobre o beijo molhado? H muito que, no msculo de sua lngua,

    a criana carrega um tumor que lhe putrefaz

    O albor dos castelos deixados beira mar...

    - O sol est mesmo morrendo afogado!

  • [48]

    RESPOSTA

    No, no quero mais findar. Perecer aqui.

    Sigo o luzeiro que um dia se abriu sobre mim.

  • [49]

    O PROFETA DO ENGANO

    - Ests mais prximo do que quando comeaste!

    - Quem s agora?, surpreendi-me.

    - Sou aquele que te apontar o Outro.

    - Muitos j tentaram fazer isso antes de voc, mas nada se deu em mim.

    Ainda ouo tantas vozes em mim, quanto percebo que estou distante de

    algum lugar que possa dar-me paz. E dizes que estou mais prximo do que

    quando comecei?, desistia diante daquele meu novo interlocutor.

    - Que queres?, enfatizou o Profeta.

    - Eu necessito de um ouvinte sensvel! Quero encontrar o que no sei o que

    , porm sei que me imprescindvel. Quero entender e ser entendido. Por

    que tantas vozes fora e dentro de mim e tantos caminhos e palavras

    semelhantes, mas dspares em contedo? Preciso definir...

    - Eu sei que a Tragdia e a Comdia so feitas das mesmas letras...

    - Quando digo outro, por que falamos de coisas diferentes e fingimos falar

    das mesmas coisas?, exigi esclarecimento.

    - O significado de uma palavra o seu uso na linguagem...

    - Preciso definir! As muitas leituras findam ambguas e contraditrias.

    Posso ser muitos, sendo um? Posso ser muitos sendo um? Posso ser tantos,

    ou tantos os quanto encontro so mopes e eu no caibo em olhar algum?

    Sou um diamante lapidado em dez mil faces ou apenas um vaso que caiu

    das mos da criada descuidada?

    - Irs ouvir o estrondo e devers seguir adiante. Encontrars o Outro,

    porque Ele j te encontrou. Irs ter todas as tuas respostas. Encontrars o

    Outro e Ele te far reinar ao lado dEle. Ele ser a sombra, o vulto que vers

    ao sair daqui. O Outro belo, majestoso e te far conhecer o revelado e o

    oculto. Queres ver o que o Outro v? Queres ter este poder?

  • [50]

    O ESTRONDO

    Um cheiro estranho invadiu-me as narinas.

    Era agradvel o odor que revelou o ftido que havia.

    Era malcheiroso o que se me ia s narinas

    E a descoberta disso revelaria o que estava ali.

    Fui alado ao alto mais uma vez. Novo salto.

    Deparei-me com um novo mundo e seu aprazvel ar.

    Vi aquelas que eram lendas contadas pelos antigos da malha.

    Lembrei-me daqueles que pereceram por ensinar esses mitos.

    Histrias alucinadas de ar. Os poetas mortos

    por sonhar com as estrelas e o mundo de c.

    Muito mais que meus versos pudessem criar: as estrelas!

  • [51]

    O VULTO

    Sob meus ps, a terra. A sombra ps-se diante de mim.

    sua presena, atemorizei-me por toda sua fora e fria!

    - Sou eu quem procuras. Sou o Outro.

    - s o outro?, surpreendi-me diante da excessiva sombra que via.

    - Sou eu quem procuras. por mim que anseias.

    - Quem o outro?, quis saber.

    - Sou a guia que plana no alto. Linda e robusta. Atravesso os milhares de

    quilmetros como se no fossem nada. Observo a terra e suas criaturas.

    Conheo o vero e o inverno. A altitude e a profundidade. O odor ftido de

    onde vens e o cheiro bom das estrelas.

    - De onde vim?

    - Vejas por ti mesmo.

    Tomou-me numa de suas asas

    e vi a terra da qual sa e abaixo dela a malha.

    - Vens da terra. Nasces da putrefao da vida. s verme. Mas evolustes

    agora e s Outro comigo. s deus! s o verme-deus! Nascestes da

    decomposio, entretanto s um deus de possibilidades infinitas! Creia em

    mim e te farei rei de todos os que nada entendem. Reine comigo sobre eles.

    - Um verme? Nascido da decomposio do que foi vida? Todavia, agora,

    sou chamado a reinar ao lado da bela guia neste mundo de menores.

    - Feche os olhos e creia!, enquanto ela falava a mim, vi o raiar da luz por

    detrs dela: o sol. A luz do sol se fez sobre a guia que me levava em suas

    asas e vi seu bico abrindo-se para me devorar.

  • [52]

    O VENTO

    Eu fora enganado. Caa no nada. Nada me sustentava.

    Uma forte rajada de ar arremessara-me da asa da guia.

    O corpo mnimo no ar, caindo.

    Fatalismo, entreguismo, resignao...

  • [53]

    O MILAGRE

    A mo fez-se sob minhas costas. A mo me sustentou.

    Sim! Era a presena inesperada do Outro!

  • [54]

    A POMBA

    Sob outra asa me encontrava. Salvo da queda.

    A mo que senti seria delrio? O devaneio do sumidouro?

    - Quem s?, quis saber.

    - O que buscas?

    - Um caminho, refleti.

    - S h um caminho, embora muitos peregrinos desta trajetria terminem

    por se perder nos atalhos e picadas abertas.

    - No incio, nada queria encontrar. Nunca desejei sair da malha. Se no

    fosse o crculo de luz que se abriu sobre mim e o turbilho de vozes que me

    atormentava...

    - Elas ainda atormentam?

    - Pensei que fosse a malha, mas carreguei em mim todas as vozes. Quantos

    podem habitar em mim?

    - No deveria ser assim.

    - Eu sou tantos. So tantos os que vagueiam aqui dentro. Cada um com sua

    face, histria e crena... Mas sei que h uma identidade por debaixo disso

    tudo. Preciso vir a ser!

    - Olha l embaixo e v a tua guia. O que vs? O teu caminho te levou ao

    engano dela. Quantos pensam ter encontrado o Outro? Quantos encontram

    aquela galinha e pensam ser ela a guia. Quantos j se deixaram ir nas

    palavras daquele profeta do engano. Tantos so os caminhos quantos so os

    enganos das criaturas!

    - Sinto que h entre as criaturas um contrato, um contrato entre o dito e o

    no dito. Todavia, conheci muitos nesta trajetria que tm rasgado o

    contrato. Eu creio no contrato que me impede de ir alm do escrito e de

    ficar aqum do no escrito. Eu preciso vir a ser!... E as vozes?

    - Certa vez, algum cantou que havia uma criada no alto de uma escada

  • [55]

    segurando um vaso. Por descuido da criada, o vaso caiu e se desfez em

    pedaos, em tantos cacos, todos esses cacos miravam os olhos da criada

    descuidada...

    - So cacos de um vaso nico, as vozes que sou?

    - Sim, as criaturas defrontam-se com seu turbilho de vozes. No so nem

    diversas identidades e nem identidades em constante mutao, so apenas

    mscaras! to mais fcil resignar-se e trat-las como naturais, que no se

    percebe mais os resqucios da imagem original por debaixo da dura e

    espessa crosta das mscaras. Suas vozes ou identidades so cacos de um

    vaso original. Tu s, meu filho, runa de glria que despencou no por

    descuido de algum, mas por tua prpria vontade.

    - Vejo que fui buscado!, surpreendi-me mais uma vez.

    - Se sabes ter sido buscado, bastaria um caminho traado?

    - No. No segui qualquer caminho, mas aquele que a luz me abriu. Fiz-me

    ir atravs da rea de luz.

    - O que buscas?

    - Aquele que, ento, buscou-me primeiro!

    - J sabes de onde vens?

    - Da terra. Da decomposio da vida. Sou verme. Minha natureza a baba

    morna e a fria!

    - Mas no deveria ser assim.

    - Como no? Tantos transeuntes e todos, at a galinha e o profeta do

    engano, todos exalavam a baba morna e a fria!

    - Olhes bem, disse-me apontando para si mesmo.

    Onde esto a baba morna e a fria naquele ser?

    Seria possvel livrar-me daquilo que de mim era to natural?

    - Aquele que te criou no te criou assim.

    - Eu sou o meu semelhante. A malha que h de iguais que lutam pela

  • [56]

    sobrevivncia e comem a terra e comem o outro. Mas, agora eu sei, h o

    Outro... A mo que me amparou a queda!

    - Fostes adulterado. s imagem do outro que do Outro. Olha a tua volta. O

    que h?

    - O azul e o marinho do cu. Sei que h estrelas, embora agora eu no

    possa v-las. H o ar agradvel s narinas, h essa luz da bola de fogo...

    - Por mais belo que tudo parea, meu filho, tudo o que vs foi vilipendiado.

    - Que poder este que fez quedar toda a beleza das estrelas?

    - Foi uma fora que alterou toda a ordem do Cosmos. O vaso que

    despencou e que os fez runas de glrias imemoriais.

    - Por que tuas palavras tm to clara luz?, indaguei seguro.

    - Meu filho, oua atentamente as palavras que agora falo: eu respeito o

    contrato. Fao a necessria distino entre a transparncia semntica do

    significante, para que flua o significado que determina, e a opacidade

    esttica que se aplica ao significante em variados graus, para que se abra o

    leque de significados. Labuto a mensagem real jogando com essas duas

    peas. Estabeleo de antemo as regras do discurso e nunca as traio, apenas

    as suplanto em momentos precisos. No confundo a clareza literal da

    minha mensagem com a surpresa e incerteza do sobre-cdigo superposto

    aqui. Tal preciso luminosa o que no se espera das criaturas, enquanto

    seres que se profanaram! Portanto, se no vs a verdade, isso deve-se aos

    teus olhos que no veem. Ento saiba, meu pequenino filho, que se

    chegares a ver a luz to somente porque fui eu mesmo quem demovi as

    trevas de tua cegueira.

    - Quem s tu?, finalmente perguntei.

    - Ns estvamos l e nos abrimos sobre ti em luz para te buscar. Somos o

    trovo. ramos a luz, o silncio, a voz e a mo a te suster. Estvamos

    sempre l!

    - s o Outro?

    - Somos o Outro!, respondeu poderosamente.

  • [57]

    - So muitos o Outro?

    - So apenas Um. Os trs so Um! Perplexo? Isto bom. A perplexidade

    a paixo que te levar ao conhecimento e o desejo de conhecer o anseio

    de ser encontrado! Olha para baixo e vers.

    - O que aquilo?

    - o fim da tua busca!

  • [58]

    A GUIA

    Dei-me conta do frio que me entranhava, insuportvel frio.

    Deixado ali perto daquilo. Era aquilo que eu procurava?!

    No era aquilo o que eu esperava. Fora uma vez mais enganado?

    Aquilo era um verme que agonizava diante de mim. Ser disforme

    era aquele verme diante de mim. Gritava seu gemido dilacerante.

    O seu aspecto no era agradvel aos meus olhos. Por qu?

    Ele estava ferido e se feria ainda mais. Consumia-me o frio

    e o horror daquela cena. Era por demais alto e aquele ar

    desaparecia. Onde? Onde a baba morna e a fria?

    Seu aspecto era mais grotesco do que o do verme!

    Depois de toda a trajetria, o fim nada? Morreramos ali?

    Arrancava com seu bico pedaos inteiros do prprio corpo!

    Era loucura a cena! As penas embebidas de sangue

    eram postas ao seu lado. Ele morria e eu tambm morreria.

    - Vai! Segue para debaixo das penas embebidas de sangue, ordenava-me a

    pomba!

  • [59]

    O ENCONTRO-CONFRONTO

    Aquecido, vi sua morte lenta e melanclica.

    Estranha caminhada. Exausto, eu adormeci.

    Abandonei-me ao universo das minhas inferncias.

    O bicho no estava mais ali, s a ausncia total da fria.

    Disse-me que seria o fim da minha busca.

    E o que encontrei? A certeza de ter sido encontrado!

    Ainda se me escorre a baba morna e a fria,

    mas me foi dado algo contra mim, enfim:

    A certeza daquilo que espero

    e a prova das coisas que ainda no posso ver!

    Fecho os olhos. As vozes cessaram.

    Tudo se fez novo: o vaso restaurado!

    Fecho os olhos. Sei dos estragos da nossa existncia:

    a cobia, o assassnio, a inveja, o cime, a mesquinhez.

    Ouo, agora, a voz da Pomba em mim:

    - O pecado a imagem de Deus corrompida em ns!

  • [60]

    EPLOGO

    - Quero ir!, insisti com a Pomba.

    - Sei que queres ir, disse-me afetuosamente.

    - Quero estar com a guia.

    - Certamente estars com ela, porque j estamos em ti.

    - Quero habitar com Ela, tentei convenc-la.

    - Certamente, irs, porque j habito em ti. Mas, agora, preciso que

    retornes.

    - Nesta trajetria, encontrei outro que retornava deste encontro... Ele queria

    retornar malha de onde todos viemos.

    - Foste encontrado por Aquele a quem muitos buscam. E por teres sido

    encontrado, achaste o que outros apenas dizem ter encontrado.

    - No entendo...

    - Neste momento, meu filho, as sombras do lugar realidade. H em ti

    mais que a simplria converso de convices: fez-se nova vida! preciso

    expandir os smbolos para que se tornem explcitas as referncias

    implcitas. Deves dominar o limite entre o que indica e o que indicado,

    para que no pervertas a tua adorao e venhas a substituir o Criador pela

    criatura, a Palavra pelas palavras. E, agora, preciso viver essa nova vida

    na volta ao outro.

    - Sinto-me como que marcado. Como que um selo estivesse sobre minha

    fonte e que agora sou propriedade dEle. Percebo a imagem dEle em mim...

    - E percebers cada vez mais se retornares. Preste ateno: feneceste teu

    indivduo, nasceu tua pessoa: ests liberto! Ters um nome novo pelo qual

    Ns te chamaremos e te traremos nova existncia.

    - preciso se saber conhecido!

    - Muito mais do que conhecer, preciso se saber conhecido por Ele. E Eu

    te farei lembrar de que s filho dEle.

    - Antes, eu vivia num quarto. Todos somos residentes desse quarto, havia

  • [61]

    uma porta num dos cantos desse quarto... Mas a porta era apenas um

    desenho. A porta intransponvel, porque inexistente! Era um engano...

    - Foi quebrada a parede deste quarto que te separava. No h mais

    separao entre ns. E tens que proclamar esta Verdade a outros: s h

    pessoa quando h relao! A descoberta da tua pessoa se expande na

    continuidade com o outro!

    - preciso amar!, compreendia naquele momento a razo porque deveria

    retornar.

    - preciso que reflitas a nossa imagem, amando como Ns nos amamos

    desde a eternidade. E amando o outro como aprendeste a amar a ti mesmo,

    porque descobriste que fora amado por Ns antes que nos conhecesse.

    preciso refletir a Nossa imagem, perdoando o outro como foste perdoado,

    pois encontraste abrigo atravs da morte dAquele que te ama: a guia

    revelou a Verdade! Meu filho, foste salvo pelo Amor. A guia manifestou

    um amor que tu no conhecias, mas estava bem prximo de ti: um amor

    gerado na Eternidade! Fizeste a paz consigo e preciso que faas a paz

    com o outro, apresentando a ele o Amor que conheceste da guia.

    - Preciso regressar e romper a superficialidade da malha!

    - O Amor que conheceste no um sentimento, mas uma deciso que

    transforma o teu ntimo e te leva a amar o outro. E essa deciso ser

    natural, porque Eu luto dentro de ti contra a baba morna e a fria.

    A trajetria do indivduo encerrava-se ali,

    porque no havia mais um indivduo, mas a pessoa.

    Lembrei-me que nasci cego.

    Compreendi que nascera morto.

    A busca do vir a ser:

    A minha identidade est guardada nas mos do Pai.

  • [62]

    Abro os olhos e miro no cu a guia

    e o trao do seu arco invisvel rasgando o azul.

    Persisto na rota desta fresta estreita:

    o sabor do saber inicia-se neste momento.

    a evidncia do Eterno! A fenda aberta e a trajetria:

    roturas feitas pela guia, Senhorio ao qual me entrego!

    Eu sou santo, porque o meu Deus Santo!