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A temática Regiões do Brasil em um projeto pedagógico para aulas de Português
Língua Adicional: produzindo vídeos-receita e fôlderes informativos
Bruna Sommer Farias, Camila Alexandrini e Tess Simas Pinto
Introdução
O projeto aqui relatado foi planejado e desenvolvido em duas turmas de nível
Básico II do Programa de Português para Estrangeiros (PPE) da UFRGS. Tendo como
temática o eixo “Regiões do Brasil”, o projeto foi estruturado para mobilizar a
produção de dois gêneros como produtos finais: uma vídeo-receita de uma comida
típica de uma região do Brasil e um fôlder informativo sobre as atrações turísticas da
região escolhida. A relação entre as produções se justifica frente ao interlocutor eleito:
os vídeos foram reproduzidos e os fôlderes foram entregues para participantes da II
Feira Cultural do PPE, que se realizou no primeiro semestre de 2013 no Instituto de
Letras da UFRGS. A Feira Cultural é um evento organizado tanto para alunos e
professores estrangeiros do programa quanto para toda a comunidade da
universidade. Desse modo, a pesquisa sobre pontos turísticos e curiosidades sobre a
gastronomia de outras regiões tornou-se relevante tanto para os alunos que
empreenderam a pesquisa quanto para os interlocutores participantes da Feira.
As tarefas que compunham o projeto ancoraram-se nos seguintes objetivos
gerais: (a) instigar a autonomia dos alunos através da realização de pesquisas sobre as
regiões, (b) promover a integração entre os alunos por parte do trabalho em grupos,
(c) promover a produção oral e escrita de PLA em contexto real de utilização da língua;
bem como nos objetivos específicos: (a) ampliar o contato com textos autênticos em
língua portuguesa através da leitura de gêneros como reportagens, mapas,
propagandas, receitas, além de exemplos de textos base do produto final, vídeos-
receita de outras comidas e fôlderes de outras regiões do Brasil e de outros países; e
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(b) trabalhar as habilidades orais e escritas que estão em jogo na produção final de
vídeos-receita e fôlderes informativos.
As seções seguintes apresentarão as etapas de desenvolvimento do projeto
com relação às tarefas realizadas e algumas considerações a respeito da aplicação das
tarefas em uma das turmas, visto que cada uma apresentou um ritmo e por vezes, tal
fato demandou uma adaptação específica do percurso do projeto. Para melhor
especificar os detalhes de planejamento em relação ao andamento, optamos por
relatar o ocorrido com uma das turmas. Apesar de este relato estar direcionado para
aulas de Português como Língua Adicional em um contexto específico, acreditamos
que ele possa servir de base para o desenvolvimento de projetos sob essa temática em
outros contextos, tanto através da produção dos gêneros referidos quanto através de
adaptações para outros gêneros orais e escritos, como apresentação de seminários e
escritura de reportagens.
Produzindo uma vídeo-receita
Inicialmente, foi apresentada a proposta de projeto, a qual agradou bastante os
alunos. Caso não houvesse aprovação por parte deles, repensaríamos a proposta.
Também já havíamos definido um cronograma de trabalho flexível com duração de
quatro semanas, durante as quais eles trabalhariam em grupos. A cada semana, os
alunos trabalhavam três horas na vídeo-receita e uma hora e meia no fôlder.
A divisão dos grupos foi feita pelos próprios alunos entre cinco possibilidades:
região norte, região nordeste, região centro-oeste, região sudeste e região sul do
Brasil.
Com a ajuda dos alunos, construímos os critérios de avaliação do projeto, que
incluíam a realização de pesquisas, produções textuais e orais, reescritas, respeito aos
prazos, cooperação com os colegas, presença em aula, etc. Cada aluno tinha consigo,
ao longo do projeto, cópias do cronograma e dos critérios para se situar nas aulas.
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Para iniciar as tarefas, foi feita uma discussão acerca do que os alunos já sabiam
sobre a culinária brasileira em geral e, mais especificamente, a culinária de cada
região. Durante essa tarefa foram levantados fatores que contribuíram para a distinção
de hábitos alimentares entre os locais. A partir de textos informativos sobre o assunto,
eles aprofundaram a discussão inicial em relação à culinária brasileira. Os grupos
buscaram pratos típicos da região escolhida como tarefa de casa. O objetivo era que
cada grupo trouxesse no mínimo três receitas diferentes para selecionar a que seria
realizada e filmada pelo seu grupo. Foi sugerido que os alunos levassem em conta o
preço dos ingredientes, a possibilidade de acesso aos mesmos e a dificuldade de
realização da receita.
Paralelamente a essa pesquisa, houve foco de estudos no vocabulário utilizado
para quantificar ingredientes. Os alunos praticaram os termos escrevendo a lista de
compras necessária para realizar suas receitas preferidas. Na aula seguinte, estudamos
a linguagem de uma receita escrita enfocando o uso do imperativo. Os alunos
retomaram a lista de compras, que virou uma lista de ingredientes, para escrever suas
receitas favoritas. Após a reescrita, os alunos compartilharam as produções no grupo
da turma no Facebook.
Em seguida, foi trabalhado o gênero textual “vídeo-receita” e o modo como a
sua linguagem se distingue daquela das receitas escritas. Após vários exemplos que
serviram de inspiração, como vídeos-receita de canais de culinária do Youtube, os
alunos montaram um roteiro para gravar seus próprios vídeos-receita. As gravações
foram feitas em locais diferentes, na casa de um dos alunos de cada grupo. Os vídeos
foram visualizados em aula e a turma deu sugestões de melhora aos colegas, que
reeditaram os vídeos quando necessário.
Para divulgar a apresentação dos vídeos na feira cultural, os grupos elaboraram
cartazes (os quais eles decidiram fazer à mão para dar um toque artesanal). Os
cartazes ficaram expostos por algum tempo nos corredores do prédio de aulas.
A apresentação agradou tanto aos alunos quanto ao público. Optamos por
realizar vídeos sabendo que a exposição na feira poderia intimidar os alunos que, em
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geral, estavam no seu primeiro semestre de estudos no Brasil e, eventualmente, na
sua primeira experiência de aprendizado através da pedagogia de projetos.
Após a feira, os alunos avaliaram como positivo o projeto como um todo e
criaram laços de afetividade enquanto grupo.
Produzindo um fôlder informativo
Uma vez que os alunos já estavam inteirados do projeto a ser executado pela
turma, foi proposta a produção de fôlderes informativos como produto final
complementar aos vídeos-receita. Primeiramente, a fim de dispor aos estudantes a
importância de tal tarefa, foi produzida uma atividade introdutória sobre as regiões do
Brasil, na qual eles eram questionados sobre cidades importantes do país e convidados
a localizá-las no mapa geográfico brasileiro. Com essa atividade, buscou-se revelar
neles a vontade de estudar o assunto, além de propor pequenos desafios, já que tais
questões também norteariam a pesquisa que cada grupo faria sobre a região
escolhida. O próximo passo foi o de conhecer e analisar o gênero fôlder. A partir de
tarefas de compreensão e contato inicial com o gênero escolhido, os alunos puderam
compreender e compartilhar com a turma os elementos que constituem esse texto,
dessa forma, organizando os itens necessários a qualquer fôlder informativo - itens
que guiariam a produção dos grupos, os quais eram anotados no quadro conforme
observados pelos alunos. Através do contato com os mais diversos fôlderes, a turma
encontrou a possibilidade de, inclusive, preparar uma apresentação diferenciada do
produto final, buscando outras diagramações e outra organização das informações
nele contidas. Na segunda parte dessa aula, em conjunto, foi elaborado no quadro um
texto com informações turísticas sobre a cidade de Porto Alegre, para que a atividade
a ser desempenhada pelos grupos estivesse bem clara. Sendo assim, foram elencadas
características importantes desse gênero, tais como: quais são os propósitos dessa
produção? Quem é o interlocutor? Quais efeitos no mundo essa produção
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desempenha? Que adequações linguísticas devem ser feitas para garantir o interesse
na leitura?
Na aula seguinte, cada grupo organizou breves apresentações orais a respeito
do início da pesquisa. Eles estavam livres para dividir com os colegas vídeos, músicas,
fotografias, sites e, assim, multiplicar o conhecimento adquirido. Após cada
apresentação, os demais colegas poderiam questionar sobre o que foi apresentado,
complementar com outras informações e sugerir informações novas sobre a região do
grupo, visto que alunos estrangeiros costumam viajar muito pelo país. Desse modo, a
interlocução entre os alunos garantiu que o produto final fosse de interesse da turma,
e que o projeto possuísse relevância a seus participantes. Além disso, cada grupo
deveria entregar, nessa ocasião, um esboço do texto que estaria no fôlder. Dois dos
quatro grupos entregaram a atividade de produção, os demais tiraram dúvidas que
ficaram da aula anterior e se responsabilizaram a trazer a tarefa na aula seguinte.
Na terceira aula, todos os alunos encontraram-se no laboratório de informática.
Lá os grupos que tinham se organizado previamente, como foi solicitado pela
professora, poderiam executar a produção do fôlder. Entretanto, tendo em vista que
alguns alunos não puderam conversar e discutir ideias nos períodos fora de sala de
aula, esse momento foi o de combinar a divisão dos trabalhos, unir informações
pesquisadas, selecionar o que seria colocado no fôlder, escolher a apresentação visual
mais adequada e produzir os textos contidos no fôlder. Evidentemente, a esses grupos,
o tempo da aula não foi o suficiente para colocar em dia as tarefas atrasadas, mas
teríamos ainda mais uma aula para revisão dos fôlderes, na qual eles puderam mostrar
os produtos finais à professora e aos colegas e ainda fazer os ajustes finais. Foi
interessante perceber que dois grupos escolheram construir seu fôlder
artesanalmente, o que configurou, nesse caso, um empenho maior com os detalhes
visuais. Embora saibamos que fôlderes informativos no mundo servem para ampla
circulação, os demais grupos não puderam reproduzir em grande número os produtos
finais, uma vez que todos eles possuíam imagens coloridas, o que acarretaria custos
não previstos anteriormente pelo projeto.
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Na feira cultural, cada grupo apresentou o fôlder produzido sobre a região
escolhida. Ali pode-se perceber que a atividade, mesmo com alguns contratempos, foi
muito proveitosa, uma vez que era evidente a integração do grupo, a satisfação dos
alunos em ver o produto final sendo observado pelos demais colegas e outros
interessados e a proximidade com a qual eles falavam sobre o Brasil, revelando, assim,
que a aquisição de uma língua adicional se constrói a partir da integração desses
falantes à cultura e que é, inclusive, por meio dos laços afetivos que ela se mantém.
Resenha: assistir as apresentações e participar nos discursos que surgem a partir
delas
A participação dos alunos na feira cultural não se limitou a apenas apresentar
seus trabalhos, mas também em prestigiar o trabalho de outros colegas. Assim, cabe
finalizar nosso relato especificando que a sequência didática incluía a escritura de uma
resenha a respeito de uma das atrações assistidas na feira. Pelo fato de frisarmos a
importância de uma interlocução real como constitutiva da produção textual em sala
de aula, uma participação efetiva na feira também convocava uma produção como
resposta ao que haviam assistido. Desse modo, foram trabalhadas tarefas que
refletiam sobre o uso social do gênero resenha e os recursos linguísticos que
normalmente são utilizados. Pensamos que produzir um texto para um interlocutor
específico nos prepara enquanto falantes de uma língua, mas os alunos também
devem ser capazes de se colocar como interlocutores ativos em situações de uso da
língua, no sentido de se sentirem capazes de participar dos discursos que surgem a
partir das práticas em que estão inseridos, nesse caso, uma feira cultural. O modo que
encontramos de solicitar sua participação foi propor a expressão de sua opinião
através de uma resenha, que poderia ser entregue aos colegas que haviam
apresentado a atração escolhida para ser resenhada.
A produção dos vídeos-receita, dos fôlderes informativos e das resenhas, por
fim, representa uma possibilidade de trabalho com gêneros que se insere em um
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projeto, o qual prevê a produção de textos em um contexto real de utilização da
língua. O relato dessa experiência revela possibilidades pedagógicas de trabalho com
diversos gêneros, os quais podem ser adaptados para outros contextos de ensino-
aprendizagem que envolvam diferentes práticas discursivas. O intuito desse relato é
contribuir com uma prática de sala de aula que busca o ensino contextualizado da
língua através de tarefas que contemplem textos autênticos e prevejam uma
interlocução real com base em uma vivência significativa de alunos e professores.
Bruna Sommer Farias - mestranda em Teorias
do Texto e do Discurso na UFRGS, professora do
Programa de Português para Estrangeiros (PPE-
UFRGS) e do Programa de Apoio à Graduação -
Língua Portuguesa (PAG-UFRGS).
Camila Alexandrini - doutoranda em Teoria da
Literatura na PUCRS, professora do Programa
de Português para Estrangeiros (PPE-UFRGS).
Tess Simas Pinto - licencianda em Letras na
UFRGS e professora do Programa de Português
para Estrangeiros (PPE-UFRGS).