a relação teoria-prática no ensino de história e geografia

6
Revista de Educação 1997, Vol. 1, n° 3,45 - 50 A relação teoria-prática no ensino de história e geografia entre os professores do 10 grau Antonio Carlos Pinheiro. Apresentação o presente texto expressa as reflexões do autor sobre as atividades da área de Estudos Sociais, dentro do Projeto Universidadee Univer- so Escolar:Via de Mão Dupla, realizado em Cam- pinas-SP, no segundo semestre de 1996, pelo Núcleo de Educação da Pontifícia Universida- de Católica de Campinas. Participaram do pro- jeto 120 professores, de Ia à 4a séries, da Rede Estadual e Municipal de Ensino de Campinas. O trabalho contou com assessoria de diversas Unidades da Universidade, professores convi- dados e estagiários dos cursos de graduação. A área de Estudos Sociais foi assessorada pelo Professor Antonio Carlos Pinheiro, do Instituto de Ciências Humanas e teve a participação da Professora Silvia Regina Mascarin, a qual mi- nistrou as Oficinas e da Estagiária Sônia Maria Blelia, do 4° ano de História. Este projeto é um Programa de Capacita- ção Continuada de professores de 1° grau, que busca desenvolver com base nas necessidades das escolas onde os mesmos atuam, também ana- lisando os pressupostos das Propostas Curricula- res da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para o ensino de 1°grau, articulando teoria e prática didático-pedagógica, através das oficinas, jornadas e atividades culturais, envolvendo pro- fessores das escolas, estagiários, capacitadores e equipe de assessoria para a participação nas ativi- dades programadas de pesquisa-ação. Este artigo não pretende esgotar-se nes- tas reflexões. O que se apresenta aqui são algu- mas questões reveladas pelo presente Projeto. Acredita-se que estes apontamentos sejam im- portantes, pois mostram para todos os partici- pantes questionamentos referentes à Escola de 1° grau e Universidade. Também o Projeto possibilitou uma maior aproximação entre estes níveis, desmistificando, em ambos os lados, vi- sões que ainda perduram na realidade. O texto, aqui descrito, resultou da análise de vários dados quantitativos/qualitativos, obtidos por meio das avaliações dos professo- res participantes do Projeto, discussões nas Ofi- cinas, reflexões dos estagiários e encontro com os alunos da graduação. Busca-se, neste traba- lho, um exame qualitativo dos dados. De forma geral, percebeu-se que a pro- blemática da dicotomia teoria e prática não é um atributo apenas da Escola de 1° grau, mas também da Universidade. Entre outros fatores, tal dicotomia resulta de um método que enco- bre esta relação, tentando perpetuar-se no coti- diano. Especificamente, na Escola de 1° grau, este método permanece pela pouca reflexão realizada pelos professores, quase sempre resultante da falta de tempo e apoio institucional, além da formação deficitária deste profissional. Em relação à área de Estudos Sociais, observou-se a pouca inserção da História e Geografia nas séries iniciais do 1° grau. A falta de propostas de trabalho para estas séries e o pouco conhecimento específico destas discipli- nas pelos professores, dificultam um trabalho sistemático e contínuo, no processo de alfabeti- zação e construção do conhecimento com e pelo aluno. A prática dos Estágios foi lembrada pelos professores. Foi considerada desarticula- da da realidade das escolas. Os professores e os estagiários têm-se relacionado de forma distan- te, o que representa pouco avanço para a atuali- zação dos primeiros e formação dos segundos. 1. Professor dos Departamentos de Geografia e Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Mestre em Metodologia do Ensino Superior - Faculdade de Educação -PUC-Campinas.

Upload: others

Post on 20-Apr-2022

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A relação teoria-prática no ensino de história e geografia

44 Revista de Educação1997, Vol. 1, n° 3,45 - 50

A relação teoria-prática no ensino de históriae geografia entre os professores do 10 grau

Antonio Carlos Pinheiro.

Apresentaçãoo presente texto expressa as reflexões do

autor sobre as atividades da área de Estudos

Sociais, dentro do Projeto Universidadee Univer-so Escolar:Via deMão Dupla, realizado em Cam-pinas-SP, no segundo semestre de 1996, peloNúcleo de Educação da Pontifícia Universida-de Católica de Campinas. Participaram do pro-jeto 120 professores, de Ia à 4a séries, da RedeEstadual e Municipal de Ensino de Campinas.O trabalho contou com assessoria de diversas

Unidades da Universidade, professores convi-dados e estagiários dos cursos de graduação. Aárea de Estudos Sociais foi assessorada peloProfessor Antonio Carlos Pinheiro, do Instituto

de Ciências Humanas e teve a participação daProfessora Silvia Regina Mascarin, a qual mi-nistrou as Oficinas e da Estagiária Sônia MariaBlelia, do 4° ano de História.

Este projeto é um Programa de Capacita-ção Continuada de professores de 1° grau, quebusca desenvolver com base nas necessidadesdas escolas onde os mesmos atuam, também ana-

lisando os pressupostos das Propostas Curricula-res da Secretaria da Educação do Estado de SãoPaulo para o ensino de 1°grau, articulando teoria eprática didático-pedagógica, através das oficinas,jornadas e atividades culturais, envolvendo pro-fessores das escolas, estagiários, capacitadores eequipe de assessoria para a participação nas ativi-dades programadas de pesquisa-ação.

Este artigo não pretende esgotar-se nes-tas reflexões. O que se apresenta aqui são algu-mas questões reveladas pelo presente Projeto.Acredita-se que estes apontamentos sejam im-portantes, pois mostram para todos os partici-pantes questionamentos referentes à Escola de

1° grau e Universidade. Também o Projetopossibilitou uma maior aproximação entre estesníveis, desmistificando, em ambos os lados, vi-sões que ainda perduram na realidade.

O texto, aqui descrito, resultou da análisede vários dados quantitativos/qualitativos,obtidos por meio das avaliações dos professo-res participantes do Projeto, discussões nas Ofi-cinas, reflexões dos estagiários e encontro comos alunos da graduação. Busca-se, neste traba-lho, um exame qualitativo dos dados.

De forma geral, percebeu-se que a pro-blemática da dicotomia teoria e prática não éum atributo apenas da Escola de 1° grau, mastambém da Universidade. Entre outros fatores,

tal dicotomia resulta de um método que enco-bre esta relação, tentando perpetuar-se no coti-diano. Especificamente, na Escola de 1° grau,este método permanece pela pouca reflexãorealizada pelos professores, quase sempreresultante da falta de tempo e apoio institucional,além da formação deficitária deste profissional.

Em relação à área de Estudos Sociais,observou-se a pouca inserção da História eGeografia nas séries iniciais do 1° grau. A faltade propostas de trabalho para estas séries e opouco conhecimento específico destas discipli-nas pelos professores, dificultam um trabalhosistemático e contínuo, no processo de alfabeti-zação e construção do conhecimento com e peloaluno.

A prática dos Estágios foi lembradapelos professores. Foi considerada desarticula-da da realidade das escolas. Os professores e osestagiários têm-se relacionado de forma distan-te, o que representa pouco avanço para a atuali-zação dos primeiros e formação dos segundos.

1. Professor dos Departamentos de Geografia e Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas eMestre em Metodologia do Ensino Superior -Faculdade de Educação -PUC-Campinas.

Page 2: A relação teoria-prática no ensino de história e geografia

Antonio Carlos Pinheiro

A Relação Teoria-Prática

Entre as diversas questões explicitadaspelos professores, destaca-se a questão da rela-ção teoria-prática.

Existe, entre os professores, um discursoque expressa um senso comum muito homogê-neo e este se refere quase sempre à distânciaentre teoria e prática. Esta idéia está difundidatambém entre os alunos da Universidade. É

habitual a declaração:" ateoriapodeserboa,mas,na prática, nunca funciona". Em conformidadecom a realidade, muitas pessoas têm dificulda-des em articular a idéia do saber com ofazer eidentificar ej ou construir a teoria subjacente.Nos debates conjuntos com os professores deGeografia e História, notou-se que a maioriadefende uma abordagem dinâmica dos conteú-dos. Concordam com a premissa de que se deveconsiderar a realidade, os conhecimentos e

experiências prévias dos alunos, as influênciasdos meios de comunicação e informação no pla-nejamento curricular. Entretanto, percebeu-se,no decorrer das discussões, que - aforma comoestes conteúdossão trabalhadosrefleteum modo tra-dicional,ou seja,uma prática calcadanafragmenta-ção,descriçãoe memorização dos conteúdos.Alémdisso, observou-se que, ao estudar um tema, oprofessor normalmente adota modelos consa-grados no momento, sem uma reflexão apura-da, absorvendo superficialmente as técnicas emdetrimento da compreensão dos referenciaisteóricos. Desta forma, faltam condições para oentendimento e conseqüente sistematização desua prática cotidiana. Diversos professores do1° grau organizam trabalhos, valorizando arealidade do aluno como ponto de partida, masacabam no dia-a-dia da sala de aula, reprodu-zindo o modelo padronizado. Exemplo disto é aorganização dos conteúdos da Área de EstudosSociais nas séries iniciais do 1° grau utilizadasem muitas unidades escolares, como: escola -comunidade - município - estado - país -mundo. Esta disposição apresenta uma ordemhierárquica, reproduzindo uma visão unilate-ral do processo de relação entre o próximo e odistante, esta visão progressiva e evolucionistaquase sempre deixa de explorar as inúmerasinter-relações. Isto também ocorre com outrasnoções como: perto-longe, em cima-embaixo,

46

simultaneidade, distância, movimento, pers-pectiva, entre outras.

Quais os problemas que justificam amarcante visão, entre os professores, da dicoto-mia entre teoria e prática? Até que ponto a pro-dução acadêmica corresponde às necessidadesda escola de 1° grau? Será que o problema resi-de na formação do professor, que não tem pos-sibilitado condições para a compreensão dasteorias e a produção da prática? Esta questão re-presenta apenas um discurso ideológico, queserve para mascarar uma perspectiva teórica?Ou são as tendências teórico-meto do lógicasdesenvolvidas em nossas Universidades quenão têm aproximado estas dimensões?

A dicotomia existente entre teoria e prá-tica na escola e universo dos professores é con-creta. O fato de os professores do 1° graupedirem sugestões de atividades para o coti-diano da sala de aula explica-se pelo seguintemotivo: os professores,todo dia, exercem a prática,tododia, durante todooano,necessitamdesenvolveratividades na sala de aula com os seus alunos.

A realidade das turmas nas escolas pú-blicas configura-se por salas numerosas, com40, 50 ou mais alunos, estes são, na maioria,

crianças e adolescentes que vivem uma situa-ção de exclusão diante da sociedade atual; aescola para eles significa um dos poucos luga-res de socialização, lazer e possibilidade, comoacreditam, de ascender a uma vida melhor. Na

atualidade, estes alunos são influenciados porpropagandas e estilos de vida que não podempraticar. Esta situação provoca uma ansiedadeque a escola não consegue resolver. O profes-sor, nesta situação, para mantê-Ios ocupados,necessita desenvolver atividades todos os dias,

em todas as disciplinas. Se não o fizer, certa-mente os alunos o farão de seu modo, o quepode gerar indisciplina. Infelizmente, apesarda criatividade e energia de que dispõem, asações dos alunos, de maneira desorganizada,podem causar sérios problemas no cotidiano daescola, sobretudo na situação atual, ou seja,estabelecimentos de ensino com infra-estrutura

e segurança precárias.A situação acima agrava-se quando se

analisa a fundamentação teórica destes profes-sores e sua formação. Tanto os cursos de Magis-tério, como os de nível Universitário, têm sido

Page 3: A relação teoria-prática no ensino de história e geografia

46 A relação teoria-prática no ensino história e geografia entre os professores do 10grau 47

's- insuficientes para que o professor formule ati-vidades para seu dia-a-dia e produza teorias/conhecimentos. Este fato deve ser motivo de re-

flexão entre os profissionais que atuam nestesCursos de Formação. Se a teoria e prática são in-dissociáveis, ambas partindo de um mesmoprocesso, interligadas, é necessário explicitar ateoria praticada e refletir sobre a prática. Enten-demos que uma constrói a outra. Entrementes,crê-se que a prática é privilegiada, pois é refe-rencial fundamental na constituição dos cam-pos teóricos que explicam a realidade. apensamento dialético nos ensina que a práticadeve demonstrar a verdade. Voltando-se paraos professores, afirma-se que existe no processoda aprendizagem uma distância entre conteú-do e forma. Melhor, existem práticas resultan-tes de um conjunto de influências que nemsempre condizem com a realidade. a que osprofessores chamam de teoria, muitas vezes,compõe-se de discursos ideológicos fundamen-tados em princípios filosóficos que eles nãoconhecem. A confusão reside nestes aspectos,ou seja, prática e teoria são confundidos comprática e discurso.

A prática contém uma teoria subjacente.É preciso compreendê-Ia, buscar a essência desua existência. Também, à medida em que asinfluências ideológicas não são explicitadas,assimilar uma teoria ou desenvolver um con-

teúdo exige do professor uma mudança de pos-tura no tratamento destes conhecimentos. É

necessário partir da prática, construir umareflexão que envolva a realidade e os referen-ciais teóricos existentes. Deve-se confrontarestas dimensões, estabelecendo uma análise

que evidencie as contradições, podendo chegarà superação destes problemas.

Na perspectiva aqui exposta, a Dialética,o conhecimento da realidade compreende duasqualidades distintas da práxis humana. Pri-mordialmente, entendemos que o homem atuaobjetiva e praticamente sobre a realidade, po-dendo, então, examinar, refletir e compreenderteoricamente o processo de construção / aquisi-

a0-0-es;i-s-:lSe-

lei?

:lS

le

á-1-LU

]-

te

a,~r

Í-na,i-ai-.0

a>r

n

le;-5,5,i-

.eIr

lS

.a

ção do conhecimento. A realidade, na visão deKosik (1976),2 apresenta-se como o campo emque se exercita sua atividade prático-sensível,sobre cujo fundamento surgirá a imediata in-tuição prática. a processo de compreensão re-vela contradições e conflitos, o que nem semprese apresenta em sua aparência concretamente.Entretanto entende-se que esta complexidadecompõe-se de um conjunto de fatores e estes, aointerelacionarem-se, compreendem uma totali-dade. Exemplificando: ao trabalhar com o temaMunicípio nas séries iniciais, o professor, naatualidade, deve considerá-l o em todas suas

inter-relações. Nas reflexões desenvolvidas porCarlos (1993), o lugar é, hoje, um ponto de arti-culação entre a mundialidade em construção eo local enquanto especificidade concreta e afir-ma que "...0 lugar aparececomofragmwto doespa-ço onde se pode apreender o mundo n/odemo"(CARLaS, 1993:303). Diante desta considera-ção, ao estudar o Município de Campinas comas crianças, deve-se entender que o desenvolvi-mento técnico-científico e ampliação dos mer-cados do capitalismo mundial aprimoraramas comunicações, transportes e informações. asalunos, no local-cotidiano, convivem com uma

multiplicidade de influências, materiais, pro-dutos, mercadorias, provenientes de diversoslugares do mundo.

Diante da situação acima apresentada, éimportante que o professor tenha consciênciada dinâmica atual podendo, juntamente com osalunos, estabelecer relações entre os diversosfenômenos históricos e geográficos que expli-cam a realidade em suas interações.

A formação do professora espaço-tempo escolar, com as mudan-

ças recentes ocorridas na educação e sociedade,tem-se modificado gradualmente. As novida-des que acontecem ampliaram a discussão so-bre o ensino para um número cada vez maior depessoas. A formulação de Propostas Curricula-res de Ensino por algumas Secretarias Esta-duais de Educação e a busca de outros métodos

;-2. Kosik afirma que "...a atitude primordial e imediata do homem, emface da realidade... ...é de um indivíduo histórico que

exerce sua atividade prática no trato com a natureza e outros homens, tendo em vista a consecução dos proprios fins e interes-

ses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais."

(Kosik. Karel, A Dialéticado Concreto, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. P. 9-10).

:e

;-o

Page 4: A relação teoria-prática no ensino de história e geografia

Antonio Carlos Pinheiro

de trabalho e avaliação provocaram um avançosignificativo nas vidas dos professores.

Embora o salário ainda continue insufi-

ciente para uma existência digna do professor,este profissional, em sua maioria, demonstraum desejo de aprimorar o trabalho. Por outrolado, estas mudanças, segundo Nóvoa (1995),têm acarretado forte tensão entre eles. As cons-tantes reformas nos currículos, o aumento dereuniões e discussões, assim como a intensifica-ção do trabalho cotidiano, através de um con-junto cada vez maior de funções, acabamdesenvolvendo neste trabalhador uma ansieda-

de em acompanhar este processo. À medidaque, na realidade, as condições de trabalho naescola pouco mudaram, este profissional viveuma acumulação de atividades intra e extra-classes.

A formação continuada pode solucionarestes problemas; entretanto é fundamental queesteja de acordo com as necessidades do profes-sor e escola. A organização de cursos, apenascom bases em conteúdos específicos, sem arti-culação com uma metodologia e realidade es-colar em que exerce seu trabalho, pode gerarmais ansiedades. Entende-se que a garantia deações concretas na escola esteja no próprio pro-fessor, pois vivencia o dia-a-dia do processo deensino-aprendizagem. Desta forma, o programade formação continuada deve pautar-se pelorespeito e apostar na autonomia intelectual quetodos possam assumir.

A escola de 10 grau, enquanto lugar detrabalho, é também uma formadora de profes-sores. Apesar de saber que este processo é con-tínuo, não se reduzindo aos 4 anos de Magistérioe Licenciatura, é fundamental que estes cursossejam capazes de construir uma base sólidapara que o profissional possa desenvolver-secom competência. Eliminar os cursos de Forma-ção de Professores não é a solução como apre-goa o Ministério da Educação na atualidade. Seestes cursos têm apresentado problemas, é por-que têm refletido toda uma visão que ainda im-pera em grande parte das Universidadesbrasileiras. A valorização da técnica em detri-mento da formação integral e filosófica, entreoutros fatores, justifica este problema. Contudoesta prática não se reduz à educação, mas sub-jaz a toda Ciência. Também relaciona-se a uma

48

política educacional excludente, voltada parainteresses de mercado e produção industrial.

Na atualidade, os ambientes de trabalho

têm servido de lugar de formação de profissio-nais. Muitas vezes, ao ingressar em uma em-presa, o trabalhador recebe uma nova formaçãoconforme os modelos instituídos por ela. Estefato tem ocorrido em todos os setores da socie-dade. As empresas de vários setores da econo-mia têm um estilo que, muitas vezes, nãocorresponde à prática ou com a teoria desenvol-vida nos cursos realizados. A formação forneci-da por estas empresas ocorre conforme a visãoda mesma. Na escola, a formação nos Cursos deLicenciatura e Magistério, em grande parte, nãocorresponde à realidade da maioria dos alunos;desta forma, os professores acabam apegando-se ao cotidiano viciado da escola.

A prática real de vários professores, háanos convivendo com as adversidades relativas

aos baixos salários, condições de trabalho insa-tisfatórias e constantes mudanças na sociedade,pouco satisfaz as necessidades concretas dosalunos. Esta prática resulta de uma aprendiza-gem ocorrida, muitas vezes, a partir de uma vi-são conservadora de educação e sociedade,aprimorada e reforçada na dureza do dia-a-dia.

Estas práticas estão o tempo todo emconflito. Junta-se a isso o saudosismo, ou seja, oapego aos modelos tradicionais, que resistem àassimilação de novas alternativas pedagógicaspara o trabalho escolar e as rápidas transforma-ções tecnológicas existentes exigidas pela reali-dade atual. O resultado quase sempre é oretorno às velhas práticas.

As dificuldades em rever as práticas rea-lizadas pelos professores veteranos e a insegu-rança dos novos para construir novas propos-tas acabam conduzindo a ações baseadas emantigas práticas arraigadas nas escolas. O fatoapresentado, ao mesmo tempo em que é motivode críticas e questionamentos, funciona comoalternativa segura para os novos professores.Estes procedimentos passam a ser um modeloseguido por eles que, somado a outros fatores,garantem a preservação de um ensino enfado-nho. Também é importante lembrar que a buro-cracia, ainda existente nas escolas - represetltadapelopreenchimento exageradode diários, boletirlseplanilhas, com espaçosdefinidos - contribui para

Page 5: A relação teoria-prática no ensino de história e geografia

48 A relação teoria-prática no ensino história e geografia entre os professores do 10grau

ra a formatação deste profissional, dificultandoseu crescimento intelectual.

Se a Universidade forma um profissio-nal, que, depois, é todo moldado na realidade,que está sendo significativo nesta formação?Que aspectos integram esta formação, que pou-co garante a este profissional atuar de maneiracriativa e autônoma na escola? Será que istoocorre na escola, porque a Universidade favore-ce esta assimilação pelo professor?

Considera-se que a formação deve ser in-tegral, no sentido da possibilidade de fornecercondições para que o professor possa compre-ender e desenvolver atividades, a partir de suarealidade. A autonomia técnico-política e inte-lectual são alternativas para que realize seu tra-balho na escola, considerando-a em suas inter-relações com o mundo. Entretanto, acredita-seque estes procedimentos devam existir tambémno cotidiano da Universidade. O futuro profes-sor, assim como seu Mestre, deve experienciaras possibilidades de trabalho na sala de aula eprocesso de sua formação.

A prática dos estágios é um meio de in-ter-relação enh'e o professor do 1°grau e conhe-cimentos produzidos na Universidade. Pormeio do estágio, os alunos da graduação po-dem aproximar-se da realidade, facilitandosuas reflexões sobre ela. No entanto é impor-tante que este trabalho aconteça de forma orga-nizada. Os estagiários devem apresentar umprojeto de estágio, orientado por seus professo-res. A antiga prática desta atividade, baseadaapenas em observação, resultando em preen-chimento de fichas pré-estabelecidas, restringea reflexão dos alunos e intimida o professor,que passa a ser analisado apenas no contexto dasala de aula e não em sua totalidade. Este fato

estende-se, também, ao Curso de Magistério.As posturas existentes entre os professo-

res e alunos universitários revelam, muitas ve-zes, um avanço nas discussões teóricas emrelação aos temas da atualidade. Os professoresde 1° grau almejam estas informações, desejamacompanhar estas discussões. Acreditam que aUniversidade produz um conhecimento verda-deiro,capaz de resolver seus problemas cotidia-nos, mas nem sempre este conhecimento,produzido pela Academia, chega até a sala deaula do ensino fundamental.

\0

0-

a-iotee-0-o,1-

:i-io

le

io

~s;0-

:lS

a-e,)s

a-'1-

e,i.moàiSa-li-o

a-1-s-mto'otO

S.

10

s,:)-

)-

ia

era

49

É comum a idéia de que a Universidadeseja palco de discussões teóricas. Evidente-mente, elas existem, mas percebe-se que os pro-cedimentos dos professores universitários sãomúltiplos; convivem aulas expositivas basea-das em textos ultrapassados com discussões eexperiências inovadoras. Este fato reflete, tam-bém, que os professores universitários devemcapacitar-se, pois aparentam estar atualizados,no entanto, muitas vezes, por desenvolveremuma disciplina especifica, resultante de seusvários anos de trabalho, parece que os mesmosentendem, profundamente, a Disciplina queministram e a Área do Conhecimento queatuam, o que pode ser um engano.

A especialização, impregnada na Ciênciamoderna, acaba mistificando a realidade do co-nhecimento e profissionais que a exercem. Ofato de um professor trabalhar com uma disci-plina específica não garante que conheçaprofundamente o assunto e este esteja acompa-nhando o que se tem produzido e descobertosobre esta área. Se a realidade é dinâmica e as

mudanças existem em uma totalidade, é impor-tante que os professores, em todos os níveis doensino, entendam que o conhecimento e as for-mas de abordagens sobre ele modificam-seconstantemente. É preciso acompanhar esteprocesso contínuo, conjuntamente.

A responsabilidade pela formação do ci-dadão é, em princípio, de toda a sociedade.Neste processo, a escola deve privilegiar a pro-dução/ construção/ sistematização do conheci-mento, possibilitando e facilitando a compre-ensão da realidade.

A precária inserção da História eGeografia (Estudos Sociais) noensino de 1a à lf,a séries

A Geografia e a História, enquanto áreasdo conhecimento, apresentam uma contribui-ção fundamental no processo de alfabetizaçãodo aluno. As noções e conceitos desenvolvidosatravés destas disciplinas são básicas para aconcepção do tempo-espaço da sociedade.

Na atualidade, vivemos em um mundode constantes transformações. Estas mudan-ças, com o advento do desenvolvimento tecno-

Page 6: A relação teoria-prática no ensino de história e geografia

Antonio Cartos Pinheiro

lógico, ganham a cada dia uma velocidadesingular. A todo momento, as pessoas recebem,em suas casas, informações e imagens difundi-das pelos meios de comunicação de todos os lu-gares do planeta, muitas vezes, com intervalode tempo ínfimo em relação a seu acontecimen-to (PINHEIRO e MASCARIN, 1996). Esta reali-dade exige um profissional que tenha oconhecimento básico para organizar suas aulas,considerando esta dinâmica.

Diante dos vários problemas existentes,inicialmente, destaca-se a formação profissio-nal do professor no Curso de Magistério, comhabilitação para atuar da 1a à 4aséries. Tradicio-nalmente, estes cursos não têm uma preocupa-ção relevante com a preparação dos futurosprofessores, no que se refere à metodologia econteúdos de Estudos Sociais. Isto tem ocorrido

por vários fatores, dentre os quais salientamoso fato de, na maioria das vezes, o profissionalque ministra essas aulas não tenha formaçãoespecífica em História ou Geografia; é, geral-mente, o pedagogo.

Este fato agrava-se quando notamosque, na composição das grades curriculares, degrande parte das Faculdades de Educação, asdisciplinas ligadas às Metodologias não con-templam temáticas atualizadas em EstudosSociais, além da carga horária que não possibi-lita o aprofundamento mínimo necessário àformação do profissional polivalente.

Observa-se, também, que, no âmbito daAcademia, nos Departamentos ligados às Ciên-cias Humanas e Sociais, pouco se tem discutidoe produzido sobre o ensino de Estudos Sociaisnas séries iniciais do 1° grau.

Embora esta tendência seja sentida nogeral encontramos, em algumas Universida-des, professores pesquisadores preocupadoscom esta questão e que têm produzido excelen-tes trabalhos, mas ainda o volume desta produ-ção é insuficiente para atender as demandas daescola de 1°grau. Outro problema ligado a estasituação é a distância entre a produção doconhecimento realizada por estes profissionaise o professor de 1° grau, que está na sala de aula.O que ocorre, na realidade, é a quase ausênciade conexão entre os dois.

Muito provavelmente, como foi analisa-do anteriormente, este precário elo passa a serum dos motivos que levam o professor poliva-lente a reproduzir, no cotidiano de suas aulas, o

50

conhecimento assimilado ao longo de sua for-mação educacional, sem a devida atualização.A ausência da formação continuada resulta deum conjunto de fatores. Enquanto ainda estu-dante, o atual professor polivalente, muito pro-vavelmente, teve poucas oportunidades departicipar j freqüentar jvivenciar eventos ex-traclasse, quais sejam: congressos, palestras, se-minários, encontros, importantes ao crescimen-to intelecto-profissional. Este fato resultounuma falta de hábito do professor pela busca,por si mesmo, de novos conhecimentos que, cer-tamente, enriqueceriam sua prática cotidiana.

Considerando que o indivíduo é resul-tante das interações do meio sócio-histórico econstroe-se no coletivo, é necessário que o pro-fessor tome consciência de si e relações que ocercam, pensando o conteúdo da Geografia eHistória, como parte de sua vida. Assim, enten-der o tempo e o espaço na atualidade implicaolhar o mundo em sua complexidade e totalida-de, identificando as reais condições de existên-cia dos indivíduos no contexto da sociedade

atual (PINHEIRO e MASCARIN, 1996).

Referências Bibliográficas

CARLOS, Ana Fani A. O lugar: modemização efragmentação. in Fim de Século e Globalização(Milton Santos, org), São Paulo: HUCITECjANPUH, 1993.

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1976.

NÓVOA, António (org). Vidas de Professores.Porto: Porto Ed, 1995.

PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Sil-via Regina, Problemas Sociais da Escola e acontribuiçãodo Ensino de Geografia.in RevistaTerra Livre nO 11-12, São Paulo: Ass. dosGeógrafos Brasileiros, 1996.

PROJETO: Universidadee Universo escolar:Via deMão Dupla. Campinas: Núcleo de Educação,PUCCAMP, 1996.

Proposta Curricular para o Ensino de História -1° grau, São Paulo: CENPjSecretaria daEducação do Estado de São Paulo, 1991.

Proposta Curricular para o Ensino de Geografia_1° grau, São Paulo: CENP jSecretaria Edu-cação do Estado de São Paulo, 1991.