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Luciana Lelis Resende
A relação entre o Sagrado e o Profano na paisagem urbana
Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2015
Luciana Lelis Resende
A relação entre o Sagrado e o Profano na paisagem urbana
A Igreja Católica e a Umbanda como agentes atuantes na paisagem de Belo Horizonte
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável.
Área de concentração: Ambiente Construído
Linha de pesquisa: Gestão do Patrimônio No Ambiente Construído
Orientadora: Profª Dra. Beatriz Alencar d’Araújo Couto
Co-orientador: Silvio Pinto Ferreira
Junior
Belo Horizonte
Escola de Arquitetura da UFMG
2015
RESUMO
Esta dissertação se envolve na problematização da paisagem urbana analisando-a a
partir dos conceitos de sagrado e de profano, de forma a entender como a paisagem
da urbe Belo Horizonte foi formada e é assimilada. Utilizou-se a perspectiva das
manifestações religiosas da Igreja Católica e da Umbanda. Assim realizou-se uma
pesquisa histórica e conceitual sobre a cidade de Belo Horizonte e sua relação com
os templos católicos, representados pelo caso da Igreja Nossa Senhora da Boa
Viagem, e com os umbandistas, representados pelo Centro Espírita São Sebastião.
Buscou-se entender tanto a religião católica quanto a umbandista e como os ritos de
passagem, do batizado e do casamento, se desenvolvem e se realizam nelas.
Dessa forma foi possível perceber a apropriação e a construção destas religiões
com o espaço público e citadino.
Palavras chave: Paisagem urbana; sagrado e profano; Igreja Católica; Umbanda;
Belo Horizonte.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Cena da primeira missa celebrado no Brasil, por Victor Meirelles 1861. ... 24
Figura 2: Arquidiocese de Belo Horizonte, abrangendo toda a Região Metropolitana.
.................................................................................................................................. 30
Figura 3: Compound, a terra dos Batammariba. ....................................................... 47
Figura 4: Localização de Belo Horizonte. .................................................................. 51
Figura 5: Planta Cadastral do arraial Curral Del Rei, de autoria da Comissão
Construtora da Nova Capital. Localização da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem
destacada pelo retângulo em vermelho. ................................................................... 54
Figura 6: Rua General Deodoro, a principal do arraial, vendo-se ao fundo a Matriz de
Nossa Senhora da Boa Viagem ................................................................................ 57
Figura 7: Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem em 1896 ........................................ 57
Figura 8: Trecho do Largo da Matriz e início da Rua do Capão, vendo-se casa
comercial. .................................................................................................................. 59
Figura 9: Capela Nossa Senhora do Rosário em 1895. ............................................ 60
Figura 10: Capela de Santana existente no arraial Curral Del Rei. ........................... 61
Figura 11: Planta cadastral do extinto arraial Curral Del Rei comparada com a planta
da nova capital, Belo Horizonte. Elaborado pela Inspetoria Técnica da Prefeitura, na
década de 1940. Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem marcada em vermelho.
Igreja Nossa Senhora do Rosário maçada em verde. Igreja Santana marcada em
azul. ........................................................................................................................... 62
Figura 12: Capela Nossa Senhora do Rosário em 1902. .......................................... 63
Figura 13: Capela Nossa Senhora do Rosário em 2013. .......................................... 64
Figura 14: Portal e estátua de Iemanjá, situados na Lagoa da Pampulha. ............... 68
Figura 15: Mapa da Forania de Nossa Senhora da Boa Viagem. ............................. 70
Figura 16: Casas de Umbanda existentes em Belo Horizonte. Com destaque para o
Centro Espírita São Sebastião indicado pela seta preta e Avenida do Contorno, limite
da área urbana do projeto de Aarão Reis, em vermelho. .......................................... 72
Figura 17: Mapeamento da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem. Igreja
Nossa Senhora da Boa Viagem destacada em vermelho. Igreja do Sagrado Coração
de Jesus destacada em verde. .................................................................................. 73
Figura 18: Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, situada em praça de mesmo nome
e seu entorno. ........................................................................................................... 75
Figura 19: Igreja n. S. Boa Viagem vista a partir da rua Sergipe. Jardim com
vegetação de grande porte........................................................................................ 76
Figura 20: Área da praça N. S. Boa Viagem utilizada como estacionamento,
destaque para o piso em paralelepípedos. ............................................................... 77
Figura 21: Batistério do antigo templo. ...................................................................... 77
Figura 22: Cruzeiro existente na praça N. S. Boa Viagem. ....................................... 78
Figura 23: Planta da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. 1. Vitrais da capela-mor.
2. Altar-mor. 3. Altar sul. 4. Altar norte. 5. Nave. 6. Altar de Nossa Senhora de
Fátima. 7. Lavabo. 8. Capela do sepulcro. Em vermelho grades fechando as
entradas laterais. ....................................................................................................... 80
Figura 24: Entrada lateral, porção norte, do templo. ................................................. 81
Figura 25: Lavabo em pedra sabão na lateral sul. .................................................... 82
Figura 26: Porta de entrada, após o exonártex. ........................................................ 83
Figura 27: Espaços na entrada do templo, do lado sul e do lado norte, nessa ordem.
.................................................................................................................................. 85
Figura 28: Vista interna da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. .......................... 86
Figura 29: Vista do coro lateral sul. ........................................................................... 87
Figura 30: Vista do coro lateral sul, mureta que é o guarda corpo e fila de colunas
que divide o coro. ...................................................................................................... 88
Figura 31: Vista do coro lateral norte. ....................................................................... 88
Figura 32: Vista do coro principal. ............................................................................. 89
Figura 33: Coro principal. .......................................................................................... 89
Figura 34: Detalhe do altar existente no coro principal. ............................................ 90
Figura 35: Altar principal. .......................................................................................... 91
Figura 36: Altar na lateral sul..................................................................................... 92
Figura 37: Batistério situado no lado sul do templo. .................................................. 92
Figura 38: Confessionário existente em ambas as laterais do templo. ..................... 93
Figura 39: Altar lateral norte. ..................................................................................... 93
Figura 40: Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem ilustrando os adendos construtivos
realizados ao longo to tempo. ................................................................................... 95
Figura 41: Localização do Centro Espírita São Sebastião. ....................................... 96
Figura 42: Setorização do Centro Espírita São Sebastião. ....................................... 97
Figura 43: Batizado de Julio Pires, filho de Dilma Pires da Silva e Edemir Alves da
Silva, acontecido na Igreja N. S. Boa Viagem e teve como padrinhos Osmary Pires
da Silva (a mulher) e Osmany Pires da Silva (o homem). ....................................... 106
Figura 44: Maria do Rosário e Mário na saída da igreja após o rito religioso. ......... 111
Figura 45: Vista da nave da Igreja N. S. Boa Viagem durante o casamento de Maria
do Rosário e Mário. ................................................................................................. 112
Figura 46: Troca de alianças durante o rito religioso do casamento católico. ......... 113
Figura 47: Esposos assinando a ata comprobatória do casamento. ....................... 113
Figura 48: Festa pós cerimônia religiosa, no salão do Minas Tênis Clube. Ao fundo
mesa dos noivos e seus pais e em primeiro plano, o bolo no formato da igreja em
que se casaram. ...................................................................................................... 114
Figura 49: Batizado do filho primogênito de Sérgio Fernando Cury Junior e sua
esposa, Cristina. Na foto, a mãe segura a criança recém batizada, o pai está do seu
lado direito e ambos são ladeados pelos pais de santos responsáveis pelo Centro
Espírita Cabana de Oxóssi. ..................................................................................... 116
Figura 50: Mãe de santo derramando água na cabeça da criança durante batizado
umbandista. Na fotografia se vê o bojo onde é derramada a água, tal bojo é
escolhido pela mãe de santo e não tem característica predeterminada. ................. 118
Figura 51: Batizado umbandista. ............................................................................. 119
Figura 52: Entidades encorporadas nos médiuns abençoam a criança, durante
batizado umbandista. .............................................................................................. 120
Figura 53: Procissão de entrada do casamento umbandista de Cristina e Sérgio. Na
fotografia observa-se o corredor feito com ciprestes e pétalas de rosas, a estrutura
semelhante a uma sombrinha carregada por médiuns do Centro Espírita Cabana de
Oxóssi, os noivos e a dama de honra. .................................................................... 122
Figura 54: Cerimônia do casamento umbandista de Cristina e Sérgio. Vestindo
verde, os médiuns da casa...................................................................................... 123
Figura 55: Mãe de santo encorporada presidindo a celebração do casamento
umbandista. ............................................................................................................. 123
Figura 56: Partilha da bebida da entidade encorporada. ......................................... 124
Figura 57: Saída em procissão dos noivos e seus convidados. .............................. 124
Figura 58: Noivos em frente ao altar do Centro Espírita Cabana de Oxóssi. .......... 125
Figura 59: Noivos, dama de honra, pai e mãe de santo. ......................................... 125
Figura 60: Gabriella e Lucas durante celebração de seu casamento, no Lar Sol
Nascente. ................................................................................................................ 128
Figura 61: Cerimônia de casamento com a presença dos médiuns da casa. ......... 128
Figura 62: Decoração preparada para o casamento. .............................................. 129
Figura 63: Noivos recebem vinho como oferta. ....................................................... 130
Figura 64: Médiuns durante celebração do casamento de Gabriella e Lucas. ........ 130
Quadro 1: Classificação dos orixás mais cultuados no
Candomblé.................................................................................................................40
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10
2 SAGRADO E PROFANO ......................................................................... 12
3 PAISAGEM URBANA .............................................................................. 16
4 IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA ........................................ 23
4.1 Denominação e Origem......................................................................................................... 23
4.2 Compromisso ou incumbência .............................................................................................. 24
4.3 História .................................................................................................................................. 24
4.4 Estrutura administrativa........................................................................................................ 29
4.5 O Culto, as principais festas e as cerimônias de iniciação e de casamento .......................... 32
5 UMBANDA ............................................................................................... 35
5.1 Denominação e origem ..................................................................................................... 36
5.2 Compromisso ou incumbência .......................................................................................... 38
5.3 História .............................................................................................................................. 41
5.4 Estrutura administrativa .................................................................................................... 45
5.5 O Culto, as principais festas e as cerimônias de iniciação e de casamento ...................... 48
6 BELO HORIZONTE .................................................................................. 50
7 A RELAÇÃO ENTRE O SAGRADO E O PROFANO NAS FESTAS
RELIGIOSAS .......................................................................................................... 102
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 132
10
1 INTRODUÇÃO
A composição da paisagem urbana é entendida através do uso sagrado e profano
nos espaços públicos e este é o foco desta pesquisa. Utilizar-se-á o estudo de caso
da cidade de Belo Horizonte, situada no estado brasileiro de Minas Gerais, por
incidirem aí características de criação, formação e desenvolvimento marcantes. Uma
dessas características, comum à maioria dos municípios mineiros, e a alguns
brasileiros, é a origem da formação e ocupação dos centros urbanos no país.
Corresponde a uma relação própria e intrínseca desses centros urbanos com os
templos religiosos, uma vez que os templos cristãos católicos são historicamente
pontos convergentes das cidades, as outras edificações são construídas no seu
entorno. Diferentemente, templos de religiões de origem afro-brasileiras foram e
ainda são expulsos do centro e direcionados à periferia.
As duas manifestações religiosas analisadas foram escolhidas devido a sua
relevância na composição da sociedade brasileira. Destaca-se que tais
manifestações relacionam o sagrado e o profano através das celebrações e festas
que acontecem tanto dentro do espaço interno do templo quanto no seu entorno,
questão central ao interesse dessa análise.
A análise interdisciplinar do conceito de paisagem urbana, realizada nesta pesquisa,
proporciona uma aproximação para interpretar a paisagem gerada a partir da ligação
entre o sagrado e o profano. As características mencionadas do município em
questão são associadas ao conceito de paisagem difundido pelo geógrafo britânico
Denis Cosgrove, um dos expoentes da escola anglo-saxônica da Geografia Cultural
contemporânea. Propõe-se aqui uma análise da apropriação e do controle do
espaço urbano, especificamente de Belo Horizonte, vinculando-a as ações e
transformações ocorridas ao longo dos anos.
Na Igreja Católica, de acordo com a geógrafa Zeny Rosendahl, a territorialidade
expressa uma estrutura formal e perene definida pelas paróquias e dioceses;
entretanto, a apropriação desse território pode assumir uma dimensão afetiva,
derivada das práticas especializadas realizadas por parte de grupos distintos
definidos segundo renda, etnia, religião, sexo, idade ou outros atributos.
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De forma diversa, fontes orais, indicam que a Umbanda exerce uma territorialidade
mais efêmera, os freqüentadores de cada casa a procuram mais por afinidade
religiosa e menos por sua localização, que não obedece a padrões pré-definidos de
abrangência territorial.
A riqueza da análise da atração exercida por um lugar, assim como da apropriação
do mesmo, encontra-se na definição dada por Cosgrove de paisagem. De acordo
com tal autor, a paisagem é um produto cultural cheio de significados em torno das
relações entre sociedade e natureza, vinculada à ação prática em um período de
transformações na sociedade e envolvendo a apropriação e o controle do espaço. O
estudo da apropriação de um determinado espaço envolve tanto a subjetividade das
decisões pessoais quanto a atratividade exercida pelo espaço. Ou seja, a relevância
como paisagem cultural de um determinado espaço depende tanto das vontades
pessoais e características do grupo frequentador quanto das alterações exercidas no
espaço para que ele atenda às demandas do público. Assim, o estudo do tema
proposto se justifica a partir da análise da paisagem urbana, criada pela Igreja
Católica e pela Umbanda, como agente ativo da atração da população belo-
horizontina de forma que esta se aproprie do espaço. Analisando especificamente a
integração entre os espaços sagrados, caracterizados pela igreja católica Nossa
Senhora da Boa Viagem, localizada na regional centro-sul de Belo Horizonte, a casa
umbandista Centro Espírita São Sebastião, localizado no bairro Concórdia na
direção norte do município, e as festas do batismo e do casamento, com origem
religiosa mas que se estendem para além do espaço sagrado.
O primeiro passo da pesquisa intitulada “A relação entre o sagrado e o profano na
paisagem urbana” foi uma busca bibliográfica sobre os conceitos de paisagem
urbana, de sagrado e de profano. Em seguida pesquisou-se, em documentos
próprios e através de entrevistas com praticantes, a origem, o compromisso ou a
incumbência, a história, a estrutura administrativa, o formato do culto, as principais
festas religiosas e as cerimônias de iniciação e casamento tanto da Igreja Católica
quanto da Umbanda. Isto visa a entender como funciona cada uma das religiões e
como seus preceitos e ritos influenciam na paisagem, na sociedade e na política ao
longo de sua história.
O próximo passo foi o entendimento da formação histórica da cidade de Belo
Horizonte, focando em seus espaços religiosos, especialmente os concernentes a
12
Igreja Católica e a Umbanda. Realizou-se mapeamento e descrição das paróquias e
terreiros da cidade, e contextualização da paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem
e do Centro Espírita São Sebastião.
A igreja Nossa Senhora da Boa Viagem foi selecionada porque, segundo Barreto
(1995), existe desde os primórdios de formação do arraial Curral Del Rey, antes
mesmo da implantação da cidade de Belo Horizonte. Mesmo que tenha sido
reconstruída e que a atual edificação seja recente, o local onde se situa sempre
abrigou o templo e as festas religiosas, configurando uma referência duradoura da
paisagem local. O Centro Espírita São Sebastião, segundo Morais (2010) e fontes
orais, é uma das casas de Umbanda mais antigas da cidade. Contrariamente à
territorialidade da religião cristã católica, sua permanência está associada ao
histórico de vida de suas figuras religiosas condutoras: a primeira mãe de santo
responsável já faleceu, tendo assumido sua filha, mas permanece sob a
responsabilidade da mesma família e preserva as mesmas diretrizes originais.
Com o entendimento de como são essa religiões e como elas se situam na cidade,
foram focadas as cerimônias de iniciação (batismo) e de união entre fiéis
(casamento). Essas cerimônias foram escolhidas por acontecerem em ambas as
religiões e por possuírem tanto um rito sagrado quanto uma manifestação profana.
Assim, busca-se entender qual a relação entre o sagrado e o profano nas festas
dentro da Igreja Católica e dentro da Umbanda. Além disso, também estabelecer
uma correlação entre essas festas nas duas religiões.
2 SAGRADO E PROFANO
Os conceitos de sagrado e profano são sempre analisados em conjunto, uma vez
que são entendidos como dialéticos. Mircea Eliade (2011, p.17) resume bem o
entendimento sobre a relação entre sagrado e profano. Segundo ele, “A primeira
definição que se pode dar ao sagrado é que ele se opõe ao profano.” Assim, a
oposição sagrado/profano é uma oposição entre real e irreal ou pseudo-real, uma
vez que, para o homem das sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder,
à realidade. Neste sentido o conceito de sagrado e de profano abarca o conjunto da
cultura, pois é ao mesmo tempo uma dicotomia e uma superposição.
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Ao narrar um processo de julgamento, acontecido entre o final do séc. XV até cerca
da metade do séc. XVI, Ginzburg (1989, p.33) ressalta a identificação entre os
elementos narrativos considerados sagrados e os considerados profanos: a Virgem,
termo usado como representação do sagrado, identifica-se com o diabo, termo
caracterizando o profano. No relato, leva-se em consideração a maneira como foram
conduzidos os interrogatórios, a identidade entre as duas aparições (Nossa Senhora
e o demônio) está continuamente presente para quem interroga e, com perguntas
apropriadas, ele procura fazer com que as duas imagens se confundam,
demonstrando a dificuldade de distinção.
Da mesma forma, Agamben (2012) diz que o termo latino sacer significa tanto santo
quanto maldito.
Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é licito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que 'se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida'. Disso advém que um homem malvado ou impuro costuma ser chamado sacro. (Festo apud Agamben, 2012. p. 74).
Tal ambiguidade dada ao termo sacro, refere-se a ambos os termos santo e maldito
e que, ao mesmo tempo, exclui incluindo. Há também a antítese sacro e impuro,
iluminada por Durkheim (1989, p. 448): “Com o puro se faz o impuro e vice-versa: a
ambiguidade do sacro consiste na possibilidade desta transmutação.” O que remete
à análise feita nesta pesquisa e demonstrada nos próximos capítulos, essa
dicotomia conceitual entre sagrado e profano é presente nos ritos e celebrações
religiosas e também na organização e reconhecimento do espaço.
Chama a atenção o conceito de profano no senso comum apresentado pelo
dicionário de português Houaiss (2001): oriundo do latim significa o que está em
frente ao templo, que não entra nele. Ou seja, é uma definição que espacializa as
dimensões e institui sua oposição. Além dessa, aparece também como o que não
pertence ao âmbito do sagrado; o que é estranho, que não pertence à religião; o que
deturpa ou viola a santidade das coisas sagradas; o que não é religioso, é leigo,
temporal, secular; e o que não tem finalidade religiosa, é mundano.
O termo sagrado, para o senso comum, é tudo aquilo relativo ou inerente a Deus, a
uma divindade, à religião, ao culto ou aos ritos; é o local vedado à profanação, o
local privilegiado. Em entendimento arquitetônico, o termo sagrado envolve um
contexto espacial e histórico. Segundo a Encyclopédie de L'architecture et de la
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construction (PLANAT, 1938), para os povos primitivos a religião era o ponto de
assimilação e conhecimento indistinto. Todos os fenômenos desconhecidos eram
atribuídos a causas sobrenaturais. A classe que intermediava os deuses e os
humanos detinha o conhecimento, a cultura e era responsável pela transmissão da
cultura. A religião é também a fonte da filosofia, da moral e da ciência. Agamben
(2012) afirma que o conceito de sacer está vinculado às esferas do político, do
jurídico e do religioso. O religioso pertence também à esfera da emoção, assim o
conceito de sagrado se funde com os conceitos de obscuro e impenetrável.
Roger Bastide (1971, p.189) acrescenta ao falar das artes como forma de
aprisionamento do sagrado: as artes plásticas “aprisionam o sagrado, localizam-no
na pedra ou na madeira, o que diminui o misticismo do resto da natureza, tornando-o
mais próximo de nossa natureza”. A arte também exerce influência sobre a religião,
uma vez que o próprio rito já é arte. Este aprisionamento do sagrado pelas artes
varia conforme a sociedade e a época em que o artista está inserido: “Toda época
tem uma visão de mundo, uma certa concepção das coisas que exprime sua alma
profunda” (BASTIDE, 1971, p.193).
As expectativas da sociedade são, então, impressas nas artes e, especificamente,
na arquitetura. Planat (1938) diz que a arquitetura é, por excelência, a arte que se
destina a expressar a religiosidade. Isso porque é a arte arquitetônica que projeta e
constrói os espaços de adoração, de culto religioso.
A espacialização na definição de sagrado e de profano remete tanto a Eliade quanto
a Ricouer, significando que o profano é a ausência de centralidade, ausência do
reconhecimento do lugar, e isso não é inerente ao conforto da pessoa na e com a
paisagem. Para Eliade, o espaço profano é neutro, homogêneo. O espaço profano
mantém a homogeneidade e portanto a relatividade do espaço. Já não é possível nenhuma verdadeira orientação, porque o 'ponto fixo' já não goza de um estatuto ontológico único; aparece e desaparece segundo necessidades diárias (ELIADE, 2011, p. 27).
O mundo sem organização, com o universo fragmentado, é uma massa amorfa com
uma infinidade de lugares mais ou menos neutros. Ricouer diz que “a inquietante
estranheza – Unheimlichkeit – ligada ao sentimento de não estar em seu lugar
mesmo em sua própria casa nos assombra, e isso seria o reinado do vazio” (2010,
p. 158). Este reinado do vazio é, então, a neutralidade, a ausência de orientação. E
assim, quando acontece a falta de reconhecimento, até a casa representa o profano.
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Contudo, Eliade (2011, p. 36). afirma que “instalar-se num território equivale, em
última instância, a consagrá-lo.” É o homem pré-moderno que sacraliza o mundo em
que vive, separando-o e organizando-o, pois para ele o lugar sagrado é o centro do
mundo e é em torno deste lugar sagrado que ele se instala.
Complementarmente, Brandão (2006) menciona que a cidade imaginária surge da
finitude e limitação humana, lutando para superar suas fragilidades e impasses. Ela
não é modelo abstrato de beleza, mas princípio de virtù e instrumento de combate
mais ético que estético. Assim o vazio/fragilidade do homem faz com que ele
organize e sacralize o mundo, elencando espaços de proximidade com Deus.
Espaços estes que serão objeto de desejo de proximidade, então é em torno deles
que o homem se instala e se aglomera, formando as vilas e cidades.
A especialista em geografia cultural, Zeny Rosendahl (2001), também entende o
sagrado como separação e definição, que sugere sentido de ordem, totalidade e
força. O homem consagra um espaço porque sente necessidade de viver num
mundo sagrado, hierarquizado, organizado. Assim, tudo é potencialmente sagrado.
O poder do sagrado pode ser atraente, tornando o lugar um centro convergente de
crentes ou ser apavorante e repelente, tornando o lugar um tabu, maldito. Quando
lugares sagrados se tornam centros de convergência e irradiação passam a ter uma
dinâmica de peregrinação. Isso pode não remeter unicamente à escala regional,
mas também à escala local relacionada aos deslocamentos dos fiéis dentro do
núcleo urbano. Como os freqüentadores de um determinado templo que se
deslocam grandes distâncias urbanas para participar de celebrações semanais. Os
limites dessa área de abrangência são fornecidos, então, pelo comportamento dos
peregrinos, pela localização característica, e pelas atividades auxiliares associadas.
O lugar sagrado caracteriza-se ainda por conter em si mesmo um sentido de
obrigação intrínseca, encoraja a devoção ou induz a aceitação intelectual ou reforça
o compromisso emocional do devoto.
Pode-se dizer, então, que a sacralização dos espaços, ou seja, a organização dos
espaços, foi a primeira forma de modificação da paisagem. Historicamente, a
localização dos templos religiosos ditou a formação de muitas cidades e ainda tem
poder de modificação da paisagem urbana. A Igreja Católica entende isso de forma
explicitamente manifesta, enquanto a Umbanda é mais sutil, porém ambas afetam
de alguma forma a paisagem.
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3 PAISAGEM URBANA
O conceito de paisagem urbana é objeto de muitas abordagens, aqui faremos um
rápido panorama focando principalmente os estudos realizados por geógrafos
acrescidos por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento.
Complementarmente, serão utilizados os termos espaço e território, uma vez que as
expressões religiosas estudadas se manifestam no espaço e dominam e atuam no
território.
Os estudos de Milton Santos (2006), apresentados no livro “A natureza do espaço”,
nos dizem que a paisagem é configurada por um conjunto de objetos reais e
concretos, é transtemporal pois junta objetos passados e presentes numa
construção transversal, é a composição dos objetos e das formas, é um sistema
material, relativamente imutável que existe através de suas formas, criadas em
momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual. Esta
conceituação exclui o valor ajuizado pela sociedade, que consiste na importância
que o grupo social dá a cada lugar, pois esta característica é inserida no conceito de
espaço e não no de paisagem.
Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. Já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso, esses objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de significação, de valor sistêmico. A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente. (SANTOS, 2006, p.67)
Santos diz ainda que a paisagem é uma porção da configuração territorial e esta
última consiste no conjunto de elementos naturais e artificiais que fisicamente
caracterizam uma área.
Já o filósofo Roy Wagner (2010, p.208) diz que:
Se queremos entender as origens do homem e sua existência fenomênica, precisamos examinar sua criatividade tal como se manifesta em todos os pontos de sua vida cultural corrente, e não apenas em retrospecto. É certo que muitas inovações de ontem se tornam parte da 'cultura' transmitida de amanhã, quer isso envolva assimilação delas aos papéis sociais supostamente 'inatos' das sociedades tribais e camponesas ou as culturas conscientemente fabricadas das civilizações urbanas.
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Nestes termos, pode-se entender a paisagem como um fenômeno resultante da
criatividade humana tanto no passado quanto no presente. Luchiari (2001, p.15)
coaduna com tal afirmação quando busca a origem da paisagem no domínio da
natureza e sua representação artística. “Até o século XVIII, a paisagem era,
portanto, sinônimo de pintura. Assim, foi na mediação com a arte que o sitio – o
lugar – adquiriu estatuto de paisagem.” Com o processo de industrialização e
urbanização a representação simbólica da paisagem se dissociou da organização
material das paisagens. A expressão das paisagens contemporâneas remete à
natureza domesticada. Luchiari (2001, p.12), afirma também que a concepção de
paisagem surge simultaneamente à separação entre sociedade e natureza.
Contudo, “seu significado estético, eivado de subjetividade, transformou a paisagem
em antídoto para o homem, que havia dessacralizado a natureza e rompido com o
animismo.” Assim, conclui que o entendimento da paisagem não pode se distanciar
das práticas sociais. No caso desta pesquisa, as práticas religiosas através das
quais se cria relação própria entre a população e a paisagem urbana.
Da mesma forma, para Michel de Certeau (2001) o entendimento da paisagem
passa pelo indivíduo, que é a unidade elementar para a análise da sociedade, a
partir do qual são compostos os grupos. Cada individualidade é o lugar onde atua
uma pluralidade. A redistribuição do espaço é resultado da atuação dos indivíduos
que o transformam e o conduzem à determinação do espaço ou ao colapso do
mesmo. Complementarmente, Brandão (2006) relaciona paisagem urbana com a
cidade, sendo que cidade é, por excelência, o lugar do conflito e da conciliação.
Abriga as dimensões da materialidade, da realidade, da fantasia, do imaginário e do
simbólico. E é caracterizada por conter em si vários tempos e espaços e por abrigar
todas as esferas da vida: física, espiritual e social. Seguindo a mesma linha da
intervenção individual e coletiva que produz a paisagem urbana, Françoise Choay
(1979) lembra que Marx e Engels definem a cidade como o lugar da história, onde a
burguesia se desenvolveu e exerceu seu papel revolucionário. Conceito este
exemplificado pela praça e entorno da igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, objeto
de estudo desta pesquisa, existente desde os primórdios da cidade de Belo
Horizonte, ponto de encontro da população, principalmente por causa das festas
religiosas. E alvo da atuação política da população que vetou a demolição da igreja
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contrariando a vontade política, conforme será discutido mais detalhadamente nos
próximos capítulos.
Herman Hertzberger no clássico, “Lições de Arquitetura” (1999), ao falar de
paisagem urbana usa o termo espaço e o subdivide em públicos ou privados.
Segundo ele, a relação entre público e privado é uma questão de pessoas e grupos
em interrelação e compromisso mútuo, é uma relação entre coletividade e indivíduo.
A definição de espaço público depende de uma série de qualidades espaciais que se
referem à responsabilidade, ao acesso, à propriedade e à supervisão. Os usuários
influenciam o espaço e essa influência pode ser estimulada a partir do grau de
acesso, das demarcações territoriais, da organização, da manutenção e da divisão
de responsabilidades. Os templos religiosos possuem qualidades que os
caracterizam tanto como espaços públicos ou como privados, os da Igreja Católica
são abertos a todos, contudo a manutenção e a propriedade são vinculadas apenas
ao grupo de fiéis. Os templos da Umbanda são abertos apenas aos fiéis e seus
convidados, não se apresentam tão reconhecíveis e expostos quanto os católicos.
Além disso, muitos rituais particulares da Umbanda acontecem em áreas de
propriedade, manutenção e uso públicos como matas, praças, cursos d’água.
Manuel Teixeira (2012) trata em seu livro sobre as cidades de origem portuguesa,
seu traçado e seu planejamento. Diz que as praças urbanas (praças, largos,
terreiros, campos, adros, etc.) têm papel importante na compreensão da paisagem,
da identidade morfológica e da estruturação dos traçados urbanos de origem
portuguesa. Pois são locais privilegiados de encontro, de troca e de sociabilidade e
variam conforme suas funções, formas e relações com a malha urbana. A igreja
Nossa Senhora da Boa Viagem é implantada em praça de mesmo nome,
configuração existente desde a primeira edificação da igreja, mantida pela Comissão
Construtora da Nova Capital e ainda existente. É um resquício das orientações
presentes nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (VIDE, 2010), que
diz que as igrejas católicas deveriam ser construídas em largos ou praças, de forma
a proporcionar espaço para os festejos religiosos e também com o objetivo de
distanciá-las das edificações sem uso religioso. E remete à forma de urbanização e
planejamento urbano português exercido durante o período colonial. A conceituação
dada para praça é relevante e coerente com o termo paisagem urbana para esta
19
pesquisa dada a importância das praças como espaço para a realização de
cerimônias e festas tanto da Igreja Católica, quanto da Umbanda.
E em termos voltados para a preservação do patrimônio, Low (2001) destaca que a
paisagem pode ser vista a partir do sistema econômico e social, com base nas
histórias individuais, necessidades, valores e relações sociais. O que é totalmente
pertinente a ambas as religiões estudadas, mesmo que entendido de formas
diferentes. A paisagem formada pela Igreja Católica faz parte de um sistema
tradicional e bastante interconectado com o sistema político, sendo marcante e
visível na paisagem urbana. Enquanto a paisagem estabelecida pela Umbanda é
sutil, por historicamente estar muito ligada a perseguições dos fiéis, e efêmera, pois
a influência exercida pelas cerimônias religiosas na paisagem termina tão logo se
encerra a cerimônia. Cabe também destacar a forma diferenciada de apropriação do
espaço público realizada pelos umbandistas, que utilizam de lagos, de parques, de
praças, das esquinas e de espaços vagos da cidade como espaços de interação
com os orixás1.
Outros geógrafos pesquisados, como Cosgrove (1988), Correa (2011) e Soja (1993)
utilizam o conceito de paisagem apresentado por Santos e adicionam o elemento
social, o que condiz mais com a visão desta autora e com os objetivos desta
pesquisa. Cosgrove e Daniels (1988) afirmam que a paisagem não é apenas
produto, mas agente ativo que desempenha importante papel na reprodução da
cultura. Ela vincula-se à ação prática em um período de transformações na
sociedade, envolvendo a apropriação e o controle do espaço. Destaca ainda que
todas as paisagens são dotadas de significados distintos, pois são criadas por
distintos grupos sociais. Edward Soja (1993), define paisagem como a espacialidade
que é produto social e uma força (ou meio) que modela a vida social. Não é uma
estrutura separada nem simplesmente uma expressão da estrutura de classes que
emergem das relações sociais de produção, são espaços heterogêneos de
localizações e relações. Tal autor cita Foucault quando este cria o conceito
heterotropias para nomear espaços característicos do mundo moderno. E também
Lefebvre através do conceito de 'l'espace vicu', que é a espacialidade vivida e
socialmente criada, simultaneamente concreta e abstrata, a contextura das práticas
sociais. Segundo Lefebvre (apud SOJA, 1993), natureza é um contexto
1 Divindades africanas ligadas aos elementos da natureza.
20
ingenuamente dado; enquanto 'segunda natureza' é a espacialidade transformada e
socialmente concretizada que emerge da aplicação do trabalho humano deliberado,
ou seja, a paisagem urbana.
Roberto Lobato Correa (2011), retrata a paisagem como um produto cultural, ou
seja, o significado da paisagem é dado em torno das relações entre sociedade e
natureza. Isso implica em considerar a paisagem como expressão fenomênica do
modo como uma sociedade específica está organizada em um dado tempo e
espaço. Outros dois termos que Correa utiliza são polivocalidade e paisagem de
consumo. Polivocalidade consiste nas múltiplas construções de significados que se
fazem presentes ao se apresentar a mesma cena a pessoas com interesses e
visões de mundo diferentes, enquanto paisagem de consumo se refere ao tipo de
ocupação existente. Esses dois últimos termos são ricos e podem ser bem aplicados
a esta pesquisa, uma vez que se observa tanto a múltipla possibilidade de
significado das áreas estudadas, quanto a diversidade de usos dessas áreas.
Numa linha diferente, contudo ainda pertinente, o geógrafo Michael Conzen (1966),
que trabalhou com urbanismo e morfologia urbana, caracteriza a paisagem urbana
como resultado da acumulação de formas ao longo do tempo. Ou seja, se compõe a
partir das transformações da paisagem já existente: a natureza forma um substrato
que suporta e impregna toda a paisagem. Reforça que tal paisagem é a
materialização do espírito da sociedade - Genius Locci. Caracteriza-se pela cultura e
pela condição histórica que refletem tanto sobre o trabalho e as aspirações da
sociedade atual quanto às que a precederam. Conzen (2004), define paisagem
urbana como o ponto de encontro entre a ação dos arquitetos e planejadores
urbanos e o entendimento dos geógrafos. É caracterizada por atributos formais,
funcionais, morfológicos e históricos. “A paisagem urbana é um espelho do
funcionamento da vida da sociedade urbana” (CONZEN, 2004, p. 49. Tradução
nossa). A historicidade de uma paisagem urbana é dada pelo acúmulo dos períodos
de urbanização, da diversidade e da força das intervenções sociais e culturais.
O diferencial de Rosendahl (2001), para os objetivos desta pesquisa, é que ela
acrescenta que o espaço é percebido de acordo com os valores simbólicos ali
representados, de forma que a paisagem é resultado da interação homem-ambiente
e que é afetada pelo sistema de fé. Ou seja, a forma como é expressa a religião e a
religiosidade popular altera significativamente a paisagem urbana.
21
No caso das Igrejas Católicas essa atuação na paisagem tem sido marcante desde
a fundação das primeiras vilas brasileiras, principalmente por força da legislação
através das Ordenações Manuelinas (PORTUGAL, 1603) e das Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia (VIDE, 2010). Entretanto permanece ainda
marcante na paisagem urbana a presença tanto dos edifícios das igrejas católicas
quanto das festas, quermesses, reinados e várias outras celebrações religiosas
vinculadas à Igreja Católica. De tal forma que a paisagem vinculada à Igreja Católica
cria um espaço religioso e sagrado. Quanto à Umbanda e seus terreiros, sua
presença na paisagem urbana é mais sutil, uma vez que os terreiros e as
celebrações acontecem em domicílios que se misturam a tantos outros nos bairros
residenciais. Ao mesmo tempo, manifestações religiosas vinculadas à Umbanda se
apropriam, de forma pontual e temporária, do espaço e da configuração urbana, por
exemplo os trabalhos e oferendas a Exu feitos nas encruzilhadas ou esquinas,
sugerindo uma territorialização religiosa. Observa-se que este último elemento posto
por Rosendahl é um elemento chave para esta pesquisa, quando relaciona o
conceito de paisagem com o de sagrado. É por esta relação estabelecida que tal
autora é apresentada tanto na conceituação de sagrado e profano quanto no de
paisagem urbana.
As manifestações religiosas são relevantes no estabelecimento e modificações nas
paisagens urbanas. Belo Horizonte faz parte de um país tradicionalmente católico e
colonizado por uma nação católica, Portugal, que à época da colonização possuía
uma legislação civil intensamente atrelada às normas religiosas. A Constituição
Manuelina (PORTUGAL, 1603), elaborada no período de regência do rei Dom
Manoel, vigorou até o ano de 1603. Seus termos eram rígidos com relação à forma
de vivência da religião. No Título XLI do Livro II diz inclusive que judeus ou mouros
não poderiam morar nem trabalhar no Reino de Portugal. O Título XXXIII do Livro V
fala das proibições e punições com relação às pessoas que tomassem parte de ritos
não católicos, invocassem espíritos, praticassem feitiçaria, fizessem vodos (que são
vigílias de dormir, comer e beber), guardassem por devoção dias da semana que
não o domingo. Apesar de a Constituição Filipina, que entrou em vigor no ano de
1603, assim como todas as subseqüentes válidas na história do Brasil, estabelecer a
liberdade de culto, as religiões não cristãs católicas sofreram preconceito e
segregação espacial.
22
Assim, a paisagem urbana criada pela Igreja Católica é marcante e por isso a
análise da territorialidade exercida pelos seus cultos e celebrações festivas é
importante para esta pesquisa. Associada a esta multi secular forma de segregação,
como contrapartida, serão descritas e analisadas as formas de territorialidade
exercidas pelo culto e celebrações da Umbanda. A Umbanda torna-se relevante por
sua marginalização histórica, pouco aceitação pelas políticas sociais e, ao mesmo
tempo, a exclusão e reclusão de seus templos.
O terreiro de Umbanda e a Igreja Católica serão tratados por representarem locais
de referência para a manifestação religiosa de dois grupos tradicionais componentes
da sociedade brasileira. Além disso, estas duas manifestações religiosas se
relacionam com a paisagem urbana de forma marcante, peculiar e distinta. A
justificativa de denominação, a origem, o compromisso ou incumbência, a história, a
estrutura administrativa e o culto da Igreja Católica Apostólica Romana e da
Umbanda serão descritas conforme pesquisa em bibliografia recomendada por seus
praticantes. Ressalta-se que a narrativa oral, através de entrevistas, também foi
utilizada como fonte de informação. Tais características vão influenciar tanto na
inserção paisagística como na relação com as festas e cerimônias.
Segundo Gennep (2011) as cerimônias são regidas pela decisão coletiva e são
dotadas de um tempo e de um espaço, o que as relaciona com a composição da
paisagem urbana. Além disso, são também regidas pela necessidade do indivíduo
de transformar o mundo e a si mesmo com o intuito de viver em sociedade,
relacionando com os conceitos já expostos de sagrado e de profano. Para tal autor,
essas cerimônias são uma encenação mítica que representa a passagem do mundo
profano para o do sagrado. Utiliza o conceito ‘ritual de passagem’ e foi o primeiro a
pesquisá-lo como fenômeno social. Afirma que o rito de passagem é um interstício
que possibilita o indivíduo refletir sobre sua existência na sociedade e que sua
eficácia não está no ato em si, mas no sentido que damos a ele, sua força vem do
transcendente.
Os rituais não são apenas simples formalidades. As análises rituais, pelo contrário, permitem descortinar um panorama muito mais amplo. As diversas abordagens teóricas demonstram a vitalidade do estudo sobre os rituais, tomados como ferramenta conceitual privilegiada para nos ajudar a entender um pouco mais determinada sociedade, seus valores pensados e vividos. (RODOLPHO, 2004)
23
O batismo, tanto na Igreja Católica quanto na Umbanda, é a cerimônia de iniciação
na qual a pessoa faz a passagem para o mundo sagrado, ela morre no mundo
profano para renascer no mundo sagrado. Da mesma forma, a cerimônia do
casamento é o ritual de passagem da vida de solteiro para uma vida conjugal,
implica uma metamorfose.
Nas sociedades antigas os ritos de passagem eram um grande evento. Por exemplo, a união sexual era sagrada. A iniciação sexual dos gregos se dava nos templos e eles chamavam o casamento de télos, a consagração, e o ritual nupcial assemelhava-se ao dos mistérios nos templos. (AMADO, 2014)
Justifica-se, então, a pesquisa do conceito e da forma das cerimônias de iniciação
do fiel (batismo) e de união entre fiéis (casamento), ampliando-a para as
comemorações pós cerimônia religiosa, relativas ao profano.
4 IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA
Toda a pesquisa sobre a Igreja Católica foi baseada em Arns (1985), inclusive a
conceituação dos termos em latim, hebraico ou grego.
4.1 Denominação e Origem
O nome oficial é Igreja Católica Apostólica Romana, é Católica porque é destinada a
levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade; é Apostólica porque conserva
a pregação escrita e viva, transmitida desde o tempo dos Apóstolos de Jesus; e é
Romana porque o líder espiritual, representante de Deus na terra está na cidade
italiana de Roma. O termo Igreja vem do latim 'Ecclesia', transmitindo o conteúdo do
termo hebraico 'qahal' ou 'qehal', que significa ato da reunião ou também a própria
comunidade reunida.
Contudo, os cristãos católicos utilizam diversos nomes para se referir à Igreja, dentre
eles estão: Povo de Deus – que é uma expressão retirada da Bíblia e remete à
história do povo; Corpo de Cristo – esse termo foi criado por São Paulo e remete à
comunhão dos fiéis; Reino de Deus – é uma expressão mais ousada, pois a Igreja é
santa e pecadora. o Concílio Ecumênico Vaticano II prefere dizer que a Igreja é a
semente e o início do Reino de Deus; Sociedade – que remete à “associação moral
24
e segura de muitas pessoas, para realizarem uma finalidade pela ação comum”
(ARNS,1985, p.14); Esposa de Cristo; Templo de Deus; Cidade; Vinha; Casa;
Rebanho – todos estes últimos remetendo à uma imagem e uma comparação que
conta parte do que é e do que tenta realizar a Igreja; Mistério – é a “comunidade
que, pela ação do Espírito Santo, deve tornar presente Jesus Cristo, morto e
ressuscitado, que salva os homens, levando-os a realizar seu fim último”
(ARNS,1985, p.15).
Segundo os cristãos católicos, origem da Igreja é Jesus Cristo, a partir de seu
nascimento, presença de Deus no mundo. São lembrados dois momentos históricos
importantes na fundação da Igreja: última ceia de Jesus com seus amigos (onde
aconteceu a instituição da Eucaristia e o perdão dos pecados) e convocação das
pessoas que devem realizar a Igreja (discípulos e apóstolos de Jesus).
4.2 Compromisso ou incumbência
A Igreja Católica, possui três missões gerais: evangelizar, santificar e pastorear.
Evangelizar é “levar a Boa Nova a todos os homens, de qualquer país e de qualquer
meio” (ARNS, 1985, p.27). Pastorear é a missão decorrente da necessidade das
pessoas de estarem unidas e organizadas, especialmente do Povo de Deus. E
santificar é levar os homens a se assemelharem a Cristo.
4.3 História
A história da Igreja Católica é bastante longa e contada em riqueza de detalhes por
seus historiadores. Entretanto, a seguir faremos apenas um retrospecto da história
da instauração da fé católica no Brasil, que aconteceu a partir da vinda dos
colonizadores portugueses.
Figura 1: Cena da primeira missa celebrado no Brasil, por Victor Meirelles 1861.
25
Fonte: Infoescola Serviços em Informática Ltda.
A Igreja Católica teve início no território da Palestina, onde hoje é o país de Israel,
há cerca de dois mil anos, contudo veio ao Brasil com a colonização portuguesa. O
poder civil era completamente entrelaçado com os interesses da Igreja Católica.
Conforme visto nas Ordenações Manuelinas (PORTUGAL, 1512), o catolicismo era
a religião oficial e a única aceita. Religiosos vinculados à Igreja Católica vieram da
Europa para o Brasil com a função de catequizar os nativos e de propagar a fé
cristã.
No Brasil, houve quatro grandes períodos para o estabelecimento e fortalecimento
da Igreja Católica. Primeiro o Litorâneo, de 1531 a 1654, Nóbrega e Anchieta são as
figuras representativas nesse período que consiste na época de exploração do pau
brasil e também do cultivo da cana de açúcar. O período Sertanejo é o momento de
ocupação do sertão através dos rios, com destaque para o rio São Francisco. A
atividade econômica básica é o gado e destaca-se a figura do capuchinho bretão
Martinho de Nantes. O período seguinte é o Maranhense, entre 1615 (expulsão dos
franceses de São Luiz do Maranhão) e 1759 (expulsão dos jesuítas e outros
missionários da Amazônia), com a economia das drogas do sertão. O quarto e
último período de estabelecimento da Igreja Católica no Brasil é o Mineiro, que se
26
caracteriza pela ausência de ordens religiosas e força das irmandades. Ressalta-se
que este ciclo possui uma vertente Paulista, que nasce de um processo de
catequese indígena irradiado do colégio jesuíta de São Paulo, mas que se torna
centro de captura de índios para serem vendidos como mão de obra escrava.
É durante o Ciclo Mineiro que muitas das cidades de Minas Gerais são formadas e
estruturadas. Neste momento de formação das cidades mineiras, tais como Ouro
Preto e Mariana, grande parte da população residente consistia nos escravos
negros, e se inicia por aqui a intrínseca relação entre a cultura de origem africana
com a Igreja Católica e também a relação de ambas com a paisagem urbana em
formação. As aglomerações urbanas aconteciam devido à exploração do ouro. Em
todo agrupamento urbano uma das primeiras edificações a ser erguida era uma
capela católica, norma estabelecida pelas Constituições Primeiras do Arcebispado
da Bahia (VIDE, 2010) que ratifica a Constituição Filipina (PORTUGAL, 1603) e
cumpre a vontade de todo o povo residente. Todavia, em muitos casos essa vontade
se dava mais por tradição e superstição que por fidelidade à fé cristã. Na maioria
dos casos havia a igreja, mas não havia o clero para residir nela e para cuidar do
povo. Os fiéis então mantinham sua religiosidade entranhada com elementos
diversos e distintos, nem sempre inerentes e coerentes com o cristianismo. Os
negros eram batizados, mas não catequizados, e misturavam à religiosidade cristã
os elementos de origem da fé em África. Então “as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, de 1707, adaptam a legislação eclesiástica a esta sociedade
colonial e escravocrata” (ARNS, 1985, p. 125), negociando a permanência de alguns
elementos da cultura africana nas manifestações religiosas dos negros, desde que
estes permanecessem fiéis à fé cristã.
Com a independência e a não alteração da estrutura escravocrata, as ordens
religiosas da Igreja entram em decadência, uma vez que os jesuítas foram expulsos
e a política pombalina exigiu que todas as ordens se distanciassem da obediência a
superiores fora de Portugal. Assim, a Igreja no Brasil teve atrito com a de Roma, ela
continuava com o regime do Padroado (a nomeação de bispos e vigários vinculada à
autoridade e iniciativa do Estado). Na segunda metade do século XIX, o bispo D.
Viçoso de Mariana, liderou uma reforma do clero, afastando-o da política e da
sociedade e centrando-o na religião. A força da religião passa das ordens para o
Episcopado e para o clero secular.
27
Após o forte estabelecimento da Igreja Católica no Brasil, outros períodos podem ser
descritos, estes, contudo, remetem unicamente à passagem de tempo e são
definidos por características genéricas e delimitados por eventos isolados. O
primeiro deles compreende os anos entre 1871 e 1930 e caracteriza-se por ser um
período liberal. Chegam ao país, imigrantes estrangeiros de todas as religiões,
inclusive de religião protestante. A Igreja se mantém alheia à manifestações sobre a
escravidão e sobre a república. Há a separação entre a Igreja e o Estado em 1890, e
Roma assume a responsabilidade da reforma da Igreja no Brasil. “A velha
Constituição Primeira do Arcebispado da Bahia é substituída pelas normas do
Concílio Plenário Latino-americano reunido por Leão XIII em 1899 em Roma.”
(ARNS, 1985, p. 128). Novas congregações se implantaram no país, como
beneditinos, franciscanos e carmelitas. Congregações religiosas femininas vêm
assistir no âmbito hospitalar, educacional, em asilos e em orfanatos. A Pastoral
Coletiva é fundada em 1915 para atuação na vida da sociedade brasileira, cultural,
social e política. Há uma diferenciação entre o catolicismo popular, vivido no interior
do país, e o catolicismo romanizado, presente entre a população de classe média
nas grandes cidades e entre os imigrantes no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina. O catolicismo mais popular e de estilo luso-brasileiro sofreu repressão por
parte da Igreja. Houve resistência popular a esta mudança religiosa. “Há ainda a
resistência no quotidiano, no apego popular às suas festas e santos, às suas rezas e
devoções.” (ARNS, 1985, p.129). Esse apego remete ao sincretismo religioso muito
comum em terras brasileiras.
Em outro período, do ano de 1930 ao ano de 1964, a Igreja entra na fase populista.
A Constituição de 1934 estabelece uma relação colaborativa entre o Estado e a
Igreja, consta o ensino religioso facultativo nas escolas públicas, a assistência
religiosa às Forças Armadas, a legislação familiar pautada pelos princípios da Igreja,
o nome de Deus na Constituição. A ação política da Igreja acontece através da Liga
Eleitoral Católica (LEC), que recomendava aos eleitores os candidatos dos partidos
mais comprometidos com as suas reivindicações. A ação social e religiosa da Igreja
se pauta na mobilização dos leigos através da Ação Católica com atenção
direcionada especificamente para cada grupo, como a juventude operária (JOC),
juventude agrária (JAC), juventude estudantil (JEC), juventude universitária (JUC),
juventude independente (JIC) e ramos também para adultos. A atuação da Igreja na
28
educação se ampliou dos colégios católicos para o ensino superior com a criação da
primeira universidade católica no Rio de Janeiro em 1942.
Neste mesmo período, intensifica-se a existência de outras influências religiosas,
como o espiritismo, o protestantismo pentecostal e os cultos afro-brasileiros nas
periferias dos centros urbanos. Na área rural, a Igreja também começa a perder
força e então se compromete com a educação de base através da rádio e na
formação de sindicatos rurais.
Após o sucesso da revolução cubana em 1959, alguns setores da Igreja se definem
pelo socialismo, o que provoca crise da JUC com a hierarquia. A criação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1952, deu mais consistência e
entrosamento ao Episcopado e proporcionou a elaboração de um planejamento mais
orgânico.
Entre os anos de1964 e 1980, a Igreja assume uma faceta popular e entra em
conflito com o Estado de Segurança Nacional. Com a subida dos militares ao poder,
começam os conflitos entre Igreja e Estado, uma vez que militantes cristãos da Ação
Católica e padres foram presos e expulsos do Brasil. Entra em colapso a concepção
da Igreja de “estabelecer uma ponte entre a Igreja e o mundo e finalmente a de
consagrar um mundo dessacralizado” (ARNS, 1985, p.135). Com uma nova
proposta de teologia e com a opção pelos pobres e oprimidos, a Igreja do Brasil
investe nas comunidades de base. Assim começa uma discussão dentro da Igreja
pela valorização da religiosidade popular e um compromisso com as lutas do povo.
Ao mesmo tempo, surge um grupo na Igreja mais voltado à intensificação do
espiritualismo, como grupos do Espírito Santo, de renovação carismática, de
pascoalização.
Entre os anos de 1980 e 2010 as informações sobre a história da Igreja Católica são
dispersas e não foi possível coletá-las.
Na atualidade, predomina o declínio do número de cristãos católicos no Brasil. No
censo de 2010 (IBGE, 2010) 64,6% dos brasileiros se declaravam Cristãos
Católicos. Observa-se também o aumento da diversidade de religiões: 22,2% são
Evangélicos, 2% se declaram Espíritas; 0,3% se dizem pertencentes à Umbanda e
ao Candomblé; o Islamismo detém 2,7%; apenas 0,1% não responderam tal quesito.
Neste censo, a presença dos sem religião acentua-se, com a taxa de 8%. Segundo
29
cálculos de projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os
católicos por volta de 2030 responderão por menos da metade dos habitantes do
Brasil.
Toda a história da Igreja Católica é representativa da importância e relevância dessa
religião e seus templos. Cabe destacar, contudo, como diz Murillo Marx (1999), que
a Igreja Católica é um dos principais agentes estruturadores do espaço urbano
colonial brasileiro. A ligação feita entre o poder do Estado e da Igreja, principalmente
no que diz respeito à legislação, condicionou a estrutura urbana das vilas e cidades
coloniais. Desde o período colonial brasileiro, a Igreja Católica exerce influência na
vida e na paisagem urbana, principalmente pelo fato de que suas edificações
constituem marcos de referência.
4.4 Estrutura administrativa
A Igreja Católica articula-se num sistema territorial hierárquico e burocrático; é uma
organização religiosa, política e econômica. Engloba dois tipos de territórios: lugares
sagrados e edifícios da igreja, e estrutura administrativa. Tais territórios são
agrupados e organizados hierarquicamente em paróquias, dioceses e arquidioceses.
Paróquia é a menor unidade e compreende a comunidade local de fiéis. A diocese é
o agrupamento de paróquias e as arquidioceses são grandes dioceses
principalmente situadas no meio urbano das grandes metrópoles.
Os responsáveis pela Igreja Católica são todos na comunidade de fiéis, agrupados
conforme sua função religiosa em leigos, religiosos, padres, bispos e papa.
A palavra Leigo2 vem do grego laós, que significa povo não iniciado. Ou seja, não
especialmente consagrado a Deus, na igreja, significa os não clérigos. Para o
Concílio Vaticano II3, os leigos são os fiéis incorporados em Cristo participantes no
múnus (tarefa sagrada) sacerdotal, profético e régio de Cristo; exercendo sua parte
na missão de todo o povo cristão, na Igreja e no mundo. O leigo age como indivíduo,
como membro de grupos, ou inserido em todas as associações dos construtores do
2 Segundo Houaiss (2001) a palavra leigo tem origem etimológica do latim laicus ou laico, é sinônimo
de secular e significa o que ou aquele que não recebeu ordens sacras.
3 Concílio é a reunião de bispos da Igreja Católica. O Concílio Vaticano II aconteceu entre 1962 e 1965, convocado pelo Papa João XXIII.
30
mundo, colocando em prática as possibilidades cristãs e evangélicas nas coisas do
mundo.
Figura 2: Arquidiocese de Belo Horizonte, abrangendo toda a Região Metropolitana.
Fonte: ARQUIDIOCESE de Belo Horizonte, 2008.
Os Religiosos são as pessoas consagradas que se dedicam exclusivamente à
oração, alguns são contemplativos e também se distinguem por estudos, trabalhos
manuais ou intelectuais. A maioria, além dos momentos fortes de oração, trabalha
na formação do povo e nas iniciativas pastorais e sociais.
Padres são os religiosos com a missão de abrir novos horizontes, de desenvolver a
característica missionária da Igreja, manter e renovar a fé entre os fiéis. “O padre
reúne os fiéis numa só família e os conduz a Deus, que é Pai.” (ARNS, 1985, p.80).
As funções do Padre são: presidir e orientar comunidades, formar novos padres e
leigos, coordenar a Pastoral no setor, na região ou na igreja particular, orientar a
Pastoral Ambiental, termo que define grupos formados para atuar em diversos
31
setores da sociedade como, por exemplo, universitários, jovens, menores, famílias,
escolas, justiça e direitos humanos.
Os Bispos são os responsáveis por uma diocese ou Igreja Particular. São ações dos
Bispos definidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1965
através do Plano de Pastoral de Conjunto: promover a unidade, o treinamento de
pessoas e a atualização das estruturas; tratar dos problemas de evangelização,
atingindo pessoas que vivem à margem do Evangelho; incentivar a catequese em
todas as áreas e situações das pessoas, celebrando o testemunho e a crença e
levando o compromisso com a fé; levar o povo a uma participação ativa na
Eucaristia e demais sacramentos e a um relacionamento pessoal e comunitário com
Deus; acabar com preconceitos, organizar serviços sociais em comum com os
irmãos protestantes e outros; promoção humana em toda a sua amplidão.
O Papa é o responsável último, é eleito por alguns bispos chamados cardeais dentre
eles mesmos. Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos
Apóstolos, Sumo Pontífice da Igreja Universal, Patriarca do Ocidente, Primaz da
Itália, Arcebispo e Metropolita da Província Romana, Soberano do Estado da Cidade
do Vaticano, Servo dos servos de Deus, são algumas atribuições e títulos dados ao
Papa. “Dizem os historiadores que, sobretudo pela sucessão de Papas, a Igreja se
tornou a única instituição fiel a si mesma, tanto do ponto de vista religioso como
moral.” (ARNS, 1985, p.96).
O Papa é o responsável por toda a igreja e conta com o suporte e orientação do
Colégio de Cardeais. Os Cardeais são bispos escolhidos pelo Papa e que, na
ausência de um Papa, são os responsáveis por escolher um novo Papa. O Bispo é o
responsável por gerir, cuidar e orientar uma diocese. Para auxiliá-lo existe a Cúria
Diocesana, que é presidida por um Padre (chamado Vigário Geral), e é um dos
meios para promover as ações do Bispo. Abrange três seções: Pastoral (leva
incentivos e orientações até as comunidades mais distantes), administrativa (zela
pelos bens do Povo de Deus, além de conservá-los e atualizá-los), e jurídica (trata
dos processos matrimoniais e outros). O Conselho de Presbíteros, ou Senado de
Padres, composto de representantes dos padres, zela pela vida e missão dos
Padres da diocese e assessora o Bispo no governo da Igreja. E, nas dioceses
maiores, o Cabido Diocesano ou Metropolitano é responsável pelas celebrações
solenes na Catedral e por fazer com que a Catedral exerça plenamente sua função
32
de igreja-mãe de todos os demais templos. Seus membros são chamados Cônegos.
Há ainda o Conselho administrativo, composto de três ou mais leigos, que assessora
o Bispo com conselhos para a administração eficiente dos membros e recursos
materiais. Por fim, o Conselho Pastoral, composto por Padres, Religiosos e Leigos,
que é responsável por atualizar a ação da Igreja em todos os meios e pelos
instrumentos adequados.
No âmbito paroquial, o Padre responsável pela administração, orientação e direção
é chamado de Pároco. Em uma paróquia pode existir mais de uma edificação de
igreja e o padre responsável pela igreja é chamado de Vigário.
Toda a estrutura organizacional da Igreja Católica confirma a idéia de que tal religião
se impõe na paisagem urbana de uma forma organizada e institucional. Não são
apenas os edifícios que estão inseridos maciçamente na paisagem urbana, mas
também a forma de atuação religiosa que tem relação particular com o espaço físico
e com a comunidade.
4.5 O Culto, as principais festas e as cerimônias de iniciação e de casamento
A cerimônia do culto na Igreja Católica é uma série de orações feitas pela
comunidade, sob a presidência do padre. É denominada pelos cristãos de missa. É
dividida em duas partes: partilha da palavra e partilha do alimento. Na primeira parte
são lidos e meditados trechos a Bíblia, o livro sagrado. Enquanto na segunda parte,
o pão e o vinho são consagrados e partilhados entre os fiéis.
A festa mais importante é a que se celebra a ressurreição de Jesus Cristo4,
chamada Páscoa, que acontece anualmente 40 dias após o carnaval. O nascimento
de Jesus, celebrado no dia 25 de dezembro, também é uma data comemorativa.
Assim como as datas relativas à vida de Jesus, datas relacionadas aos santos da
Igreja Católica também são festividades importantes. Contudo, essas últimas
assumem relevância variada conforme a localidade em que a igreja está situada e
sua tradição relativa à vida do santo. As festas de santos como São Sebastião, São
4 Segundo a crença cristã católica, Jesus Cristo é o filho de Deus feito homem, parte da Santíssima
Trindade juntamente com o Pai e o Espírito Santo. Nasceu, cresceu e viveu no território da Palestina há cerca de 2000 anos. Foi condenado à morte por crucificação na cidade de Jerusalém e ressuscitou no terceiro dia após ser enterrado.
33
Benedito, São Jorge, São Cosme e São Damião e Nossa Senhora do Rosário, ou
seja, santos de devoção para os negros, são as que relacionam as festas católicas
com as umbandistas. Cabe ressaltar, a importância do Reinado de Nossa Senhora
para a cultura e a religião afro-brasileira. Contudo, como veremos no capítulo
relacionado à Umbanda, nessa religião a organização temporal das festas religiosas
é relacionada ao calendário cristão-católico e não há uma festa que seja
significativamente mais importante do que as outras.
Outras cerimônias muito importantes para a Igreja Católica são as relativas aos
sacramentos. Segundo os cristãos, sacramentos são sinais da graça divina presente
para os homens. A Igreja Católica é o sacramento originário e dela partem outros
sete: batismo, comunhão, reconciliação, crisma, ordem, matrimônio e unção dos
enfermos. Nestas cerimônias são observadas relações sucessivas entre o sagrado e
o profano. A seguir detalharemos e explicaremos cada um deles.
Pelo batismo, a pessoa ingressa na comunidade de Cristo e assume sua missão.
Essa missão, conforme fala na 1ª Epístola de São Pedro, é sacerdotal, profética e
régia: “Podemos falar com Deus, ser testemunhas d'Ele diante dos homens e
transformar o mundo para o bem de todos” (ARNS, 1985. p.40). Este é o
sacramento que representa a cerimônia de inserção do fiel na comunidade dos
crentes. É uma festa tanto religiosa quanto social, é costume o batizado ocorrer
ainda na primeira infância e, então a cerimônia acontece dentro do templo com a
presença dos pais e familiares mais próximos. Normalmente acontece no período
matutino e é comum a família organizar um almoço de comemoração fora do templo,
o que indica a relação existente entre o sagrado e o profano.
A comunhão ou eucaristia significa agradecimento, “por ela agradecemos a morte e
ressurreição de Jesus, mas ao mesmo tempo as tornamos presentes” (ARNS, 1985,
p.41). É o momento em que o fiel participa da partilha do pão durante o rito. A
primeira comunhão é marcada por uma celebração especial dentro do templo e
normalmente também por uma festa familiar fora dele, esta é mais uma celebração
que caracteriza a relação entre sagrado e profano nas festas religiosas.
O sacramento da reconciliação (ou confissão ou penitência) é o sinal do perdão e da
paz. Segundo a Igreja Católica, o cristão vive num mundo de tensões e experimenta
em si o pecado e as consequências do pecado. Pecado significa ruptura de
34
comunhão com Deus e afastamento da comunidade eclesial e humana. O
sacramento acontece fora do rito, numa conversa entre o padre e o fiel. Não há
cerimônia religiosa nem festa após a celebração do sacramento.
Na crisma ou confirmação o cristão recebe, pelo Espírito Santo, força especial para
o bem e a verdade. É um sacramento de maturidade, normalmente a cerimônia
acontece quando o fiel já tem poder de decisão, depois do início da adolescência.
Após o qual pode acontecer uma celebração festiva familiar fora do templo.
Ordem é a resposta dos cristãos ao chamado de Jesus para o serviço total à Igreja,
é conferido em três graus: diaconato, presbiterato (padre) e episcopado (bispo). A
festa após o sacramento acontece fora do templo, com a presença da comunidade e
da família.
O matrimônio ou casamento é a união de duas pessoas para a vida toda, é Deus
presente no amor conjugal, uma vez que Deus é Amor e Aliança. Essa união tem o
caráter religioso de unir corações e despertar vida nova para a humanidade. “A
benção e entrega das alianças com as orações lembra constantemente que Deus há
de estar presente, com sua força e seu amor” (ARNS, 1985, p.47). É uma
celebração com rito próprio, que acontece com a presença do padre e também da
comunidade. Em geral, após a celebração do rito, há uma festa com comes e bebes
e com muita alegria em um lugar diferente do templo, caracterizando a relação entre
o sagrado e o profano.
A unção dos enfermos é o sacramento que dá força ao cristão doente para ter a
saúde, ou a coragem e a força de sofrer, unindo seu sofrimento a todo valor do
sofrimento de Cristo, que morreu crucificado. Em geral, a cerimônia religiosa
acontece fora do templo, onde o doente estiver. E não há festa.
Destaca-se que, para os cristãos, a celebração de todos estes sacramentos é uma
festa. Que, em muitos casos, se prolonga para além da esfera religiosa e também
para fora do espaço físico do templo. Sendo esta junção entre a festa religiosa e a
festa profana objeto de estudo desta pesquisa, a destacaremos em capítulo
posterior. O enfoque será sobre a festa que acontece após os sacramentos do
batismo e do matrimônio. A seleção destes dois sacramentos se deve pela
representatividade e predomínio que eles exercem sobre os outros sacramentos e
sobre a comunidade.
35
5 UMBANDA
O estudo sobre a Umbanda foi baseado principalmente em Silva (2005) e em Morais
(2010). Cabe dizer que há diversas formas de explicação e de entendimento sobre
em que consiste, a origem e as formas de culto dessa religião. Observou-se que há
três modelos de entendimento da Umbanda, um desenvolvido por umbandistas
intelectuais e de classe média que teorizaram a própria religião, outro elaborado por
estudiosos que tentaram entender e explicar as religiões afro-brasileiras e até as
relacionaram com a África. E o terceiro diz respeito aos praticantes que buscam não
teorizar, apenas vivenciar a cura espiritual e do corpo providenciada pela Umbanda.
Nesta pesquisa, tentou-se conhecer essas visões da Umbanda, contudo não temos
a pretensão de abranger a todas.
Outro ponto que antecipamos é a preferência pelo uso do termo encorporação em
detrimento de incorporação, e suas variações. A definição deste termo se faz
necessária uma vez que esta é premissa da religião umbandista e acontece nos ritos
e cultos, conforme será explicitado neste capítulo. Segundo Houaiss (2001),
encorporar é a forma não preferencial de incorporar e significa dar ou tomar corpo,
revestir(-se) de uma forma material. Superficialmente falando, daria no mesmo usar
qualquer um dos termos e até seria preferível, numa linguagem formal, usar
incorporar. Contudo, levamos em consideração a grande utilização do termo
encorporar pelas camadas mais pobres da sociedade, que são também as camadas
que predominam na prática umbandista. Consideramos também os significados dos
prefixos in e em expostos por Houaiss (2001). In pode ser entendido tanto como
prefixo de negação quanto de superposição, aproximação, transformação. O prefixo
em, por sua vez, pode significar tanto superposição, aproximação, introdução,
transformação quanto penetração em determinado espaço, meter ou colocar em; ou
ainda aquisição de uma qualidade ou de um estado novo. O fato para o qual aqui
utilizaremos a palavra incorporação ou encorporação é o envolvimento físico,
espiritual, emocional e psicológico entre o médium e a entidade. Assim, a entidade
passa a fazer parte do médium e o médium da entidade, assumindo um as
propriedades e características do outro. Dessa forma, nem a negação nem a
superposição do prefixo in são adequados para exprimir o fato. Porém, a
36
superposição acrescida da penetração e de colocar-se em exprimem com clareza a
relação que acontece entre médium e entidade. Um coloca-se no lugar do outro,
fundindo-se. Por esse motivo, em todo o texto dessa dissertação se preferirá o uso
da palavra encorporação em detrimento de incorporação.
5.1 Denominação e origem
A Umbanda, juntamente com o Candomblé, são religiões afro-brasileiras, vinculadas
a segmentos marginalizados da sociedade como os negros, os índios e os pobres
em geral.
Os termos utilizados para definir tais religiões afro-brasileiras são diversos e com
ausência de consenso sobre suas origens. Como as religiões afro-brasileiras se
desenvolveram em praticamente todos os estados onde houve a presença do negro
e de seus descendentes, os cultos apresentam características regionais e
nomenclatura próprias. Na Bahia é chamado de Candomblé, no Rio Grande do Sul
de Batuque e em Pernambuco de Xangô. São todas variações do rito jeje-nagô. No
Maranhão e no Pará o culto aos voduns, divindades dos jejes, e o culto a divindades
não africanas se desenvolveu e assumiu o nome de tambor-de-mina ou tambor-da-
mata ou terecô. Na região do Espírito Santo, o culto assumiu o nome de cabula5 e
possui grande influência das práticas bantos. No Rio de Janeiro assumiu o nome de
macumba e cultua entidades como orixás, inquices, caboclos e santos católicos. O
culto aos caboclos (espíritos donos da terra e representam os índios que aqui
viviam) remete ao culto de origem angola presente no Recôncavo Baiano e deu
origem ao Candomblé de Caboclo. No norte do país, a intensa presença do índio faz
com que cultos de origem indígena como Catimbó, Pajelança ou Cura assumam
características afro-brasileiras.
Contudo, no Brasil, o primeiro termo usado para nomear o culto religioso dos negros
foi Calundu, palavra de origem banto.
Os calundus não são entendidos aqui como a origem do candomblé e da umbanda, mas como manifestações religiosas de diversas índoles, praticadas por africanos e seus descendentes no Brasil no período da colonização, e que apresentam características que remetem às atuais religiões afro-brasileiras. (MORAIS, 2010, p.18 e 19)
5 O termo Cabula também foi usado em Minas Gerais, sendo que se transformou em Umbanda.
37
Observa-se que, a partir do momento em que o termo Candomblé passa a nomear
os cultos afro-brasileiros, o termo calundu entra em desuso. De acordo com Morais
(2010, p. 26), o primeiro registro de um termo que remete à atual grafia do nome
candomblé data de 1807 e foi utilizada em registros do Arquivo Eclesiástico da
Arquidiocese de Mariana sobre um processo de bruxaria e adoração de uma panela
(processo esse que será citado no próximo capítulo).
Segundo os teóricos umbandistas ligados à Umbanda Esotérica e que queriam
demonstrar sua origem antiqüíssima, o vocábulo Umbanda é oriundo do sânscrito6.
Sua etimologia remete ao termo “aum-bandha”, significando “o limite no limitado”.
De acordo com Héli Chantelain (1889) em seu dicionário etimológico, o termo
Umbanda significa a arte da cura. Sendo que essa cura é entendida tanto como
espiritual quando como corporal.
A origem das religiões afro-brasileiras é vinculada ao início da colonização do Brasil,
a partir da relação entre três tipos de religiosidade: o catolicismo do colonizador
europeu, as crenças dos grupos indígenas e as religiões das várias etnias africanas.
O desenvolvimento do Candomblé foi marcado pela necessidade dos negros de
reelaborarem sua identidade social e religiosa sob a adversidade da escravidão e do
desamparo social. As referências são as matrizes religiosas de origem africana. A
organização social e religiosa dos terreiros enfatiza a reinvenção da África no Brasil.
Uma linha de pesquisa mais acadêmica afirma que a formação da Umbanda é mais
recente e foi marcada pela busca de um modelo de religião que pudesse integrar
legitimamente as contribuições dos grupos formadores da sociedade brasileira:
negros, brancos e índios. Foi iniciada por segmentos brancos de classe média
urbana, muito influenciada pelo pensamento nacionalista que também resultou na
Semana de Arte Moderna de 1922. Enfatiza sua existência como genuinamente
nacional, “uma religião à moda brasileira” (SILVA, 2005, p.15)
Diferentemente da religião dos orixás, a umbanda, com seus caboclos, exus e pretos-velhos, começou a organizar-se não com a intenção de reconstruir uma África no Brasil. Tampouco buscou um retorno nostálgico ao passado negro. A umbanda surgiu como algo novo, em um período marcado por uma revolução de idéias acerca da brasilidade, em meio ao avanço de uma sociedade urbana e industrial. Esses aspectos são preponderantes na formação da religião, que reúne elementos africanos, indígenas e europeus,
6 “Língua sagrada de que descendem as demais línguas existentes no mundo” (MORAIS, 2010, p.44)
38
reproduzindo no campo religioso a fábula das três raças formadoras da sociedade brasileira, e que apresenta uma hierarquia não mais baseada em um parentesco mítico, como o candomblé, mas em uma estrutura mais burocratizada, típica das sociedades modernas. (MORAIS, 2010, p.40)
Porém, segundo Morais (2010), há dois outros entendimentos sobre a origem da
Umbanda, ambos não acadêmicos e conseqüentes do entendimento da classe
média branca. Um, ligado ao pesquisador e frequentador W.W. da Matta e Silva, diz
que povos antigos da África a teriam aprendido com os povos hindus, oriundos do
continente perdido da Lemuria (Austrália, Australásia e ilhas do Pacifico são porções
sobreviventes); este pensamento foi difundido no Primeiro Congresso de Espiritismo
de Umbanda, em 1941. O outro afirma que é africana a origem da palavra Umbanda,
oriunda de uma tribo banto, os lundas-quiocos, situados no sul de Angola; este
pensamento enfatiza a África como berço da humanidade e descobertas
arqueológicas tornam-se provas científicas das origens das religiões. Tal versão é
vinculada à Federação Umbandista do Rio de Janeiro, fundada por Tancredo da
Silva Pinto.
Percebe-se que além de não haver um consenso, há ainda uma disputa interna
entre correntes de pensamento que visam valorizar a Umbanda através de sua
origem e sua correlação com a origem da humanidade. Portanto, teremos sempre
em mente que não existe a religião Umbanda única, uniforme e padronizada.
5.2 Compromisso ou incumbência
A missão comum a todos os terreiros de Umbanda é promover a caridade e a ajuda.
Os caboclos e os pretos-velhos são centrais nessa religião e seu trabalho consiste
em irmanar todas as raças e classes sociais que representam o povo brasileiro.
A Umbanda e o Candomblé têm seus princípios doutrinários estabelecidos e
transmitidos oralmente, não existem livros sagrados (como por exemplo a Bíblia para
os católicos). A Umbanda não possui, nem pretende possuir, uma codificação, ela
permite que as lideranças espirituais criem ritos. Essa idéia da codificação vigorou
em meados do século XX, contudo já perdeu sua força. Na cerimônia umbandista,
há o culto às divindades africanas e indígenas e as entidades são chamadas para
'baixar' e trabalhar para ajudar os crentes. As principais entidades que se
39
manifestam espiritualmente são: preto-velho7, caboclo8 e criança9. No Candomblé, a
cerimônia consiste apenas em louvação aos orixás encorporados nos médiuns. Os
orixás mais cultuados no Candomblé estão expostos no Quadro 1.
Cabe ressaltar que na Umbanda pode haver diferenças de relação entre cores, dias
da semana e o orixá, se comparado ao Quadro 1. Tais diferenças acontecerão
também entre as diversas linhas da Umbanda. A diversidade de possibilidade das
cores e dos dias da semana se deve às diferenças de entendimento, uma vez que a
semana iorubá (onde nasce tal relação) possui apenas quatro dias.
Na Umbanda, na linha de pensamento dos umbandistas que a teorizam, as
entidades espirituais se situam a meio caminho entre a concepção dos orixás do
Candomblé e os espíritos dos mortos dos kardecistas. Os orixás passam a ser na
Umbanda, na maioria das vezes, espíritos evoluídos, de luz, e só ocasionalmente
descem à Terra e mesmo assim apenas na forma de vibração. Abaixo dos orixás
estão os espíritos um pouco menos evoluídos, caboclos e pretos velhos, que são
espíritos de indivíduos remetendo aos segmentos formadores da sociedade
brasileira. Abaixo desses espíritos intermediários estão os espíritos das trevas, que
encorporam nos médiuns para serem doutrinadas e trabalharem a fim de evoluírem
espiritualmente. São exus e pombagiras. Outras entidades podem se situar no
mesmo plano dos exus e pombagiras ou um pouco acima em termos de evolução
espiritual: zé-pilintra, marinheiros, baianos e ciganas.
7 Pretos velhos são tanto espíritos de idosos africanos escravizados e trazidos para o Brasil, quanto
de negros que nasceram em solo pátria. São símbolos de sabedoria e humildade.
8 Caboclos são espíritos de índios brasileiros, sul ou norte-americanos que possuem conhecimento milenar xamânico do uso de ervas para banhos de limpeza e chás para auxílio à cura das doenças. São entidades simples, diretas, por vezes altivas.
9 Crianças trazem alegria e o poder da honestidade, da pureza infantil. Aparentemente frágeis, têm muita força na magia e atuam em qualquer tipo de trabalho.
40
Quadro 1: Classificação dos orixás mais cultuados no Candomblé.
Orixá Elemento natural
Domínio, local de
culto
Atividade humana
Atributo, qualidade humana
Cor Oferenda alimentar
Sacrifício animal
Dia
Exu fogo Estrada (caminhos) porta (locais de passagem) encruzilhada cemitério
comunicação Deus mensageiro fecundidade zombeteiro vingativo
Vermelho preto
Pimenta, álcool farofa com dendê
Cabrito, galo frango preto
Segunda sexta
Ogum Fogo, ar ferro (metais)
Estrada (caminhos)
Guerra metalurgia
Violência virilidade
Azul-escuro vermelho
Inhame assado feijão preto
Cabrito galo
Terça
Oxóssi mata Árvores, mata floresta
caça Provedor agilidade
Azul-claro verde
Feijão fradinho milho coco
Animais de caça (coelho, tatu, etc.)
Quinta
Obaluaiê terra cemitérios medicina Saúde e doença
Marrom preto branco
Abadô (milho torrado) pipoca
porco Segunda
Ossaim Folha planta
Árvores mata floresta
medicina Saúde e doença segredo da magia das plantas
Verde branco
Mel fumo
cabrito Segunda quinta sábado
Oxumarê arco-íris Poço fonte de água
- Serpente sagrada continuidade
Verde amarelo
Aberém (bolo de milho ou arroz)
Cabrito galo
Terça
Xangô Raio trovão
Pedreira pedras de raio
justiça Vaidade, realeza riqueza
Vermelho branco
Amalá (quiabo cozido com farinha)
Carneiro cágado
Quarta
Oxum Água doce Rio, lago fonte cachoeira
procriação Fertilidade feminilidade riqueza, amor
amarelo Omolocum (feijão fradinho e ovos) ipeté (massa de inhame com camarão)
Cabra galinha
sábado
Iemanjá Água salgada
Mar, praia procriação Fertilidade maternidade
azul-claro Arroz, milho branco
Cabra peixe
sábado
Iansã Vento raio tempestade
cemitérios bambual
- Sensualidade coragem (domínio sobre os mortos) impetuosidade
Vermelho marrom rosa
Acarajé (bolo de feijão fradinho)
Cabra galinha
Quarta
Oxalá ar Todos os lugares
criação Criação dos homens paciência sabedoria
branco Acassá (bolo de arroz sem sal), mel
Ibí (caracol) Sexta
Fonte: SILVA, 2005.
A forma de entendimento da Umbanda dos praticantes que não buscam teorizar e
sim vivenciar a religião, acredita que os exus e as pombagiras não são espíritos das
trevas nem inferiores às outras entidades. O exu é a dinamicidade, o movimento e
também a confusão, liga o mundo espiritual ao físico. Assim fica mais próximo dos
41
seres humanos. É representado por um falo ereto, por isso a relação com a
sexualidade, ou por três ou sete caminhos. A representação através dos três
caminhos é visualizada como um tridente, o que fez com que, no sincretismo, fosse
comparado com o demônio. Dessa forma, assumiu um aparente caráter assustador
e negativo.
Largamente aceita a definição de sincretismo é um amálgama de concepções
heterogêneas. No caso do Candomblé, tal sincretismo acontece devido à
semelhança entre o conceito de orixá dos iorubás, de vodum dos jejes e de inquice
dos bantos10. Todos são forças da natureza humanizadas, com personalidades
próprias, características físicas, domínios naturais e algumas viveram na terra antes
de se tornarem divinizados. Estas religiões de matriz africana, assim como o
catolicismo, também tinham a crença num ser supremo, chamado de Olodumarê
entre os iorubás, de Mawu-Lissa entre os jejes e de Zambi entre os bantos.
No caso da Umbanda, essa absorção do sincretismo é uma tradição cultural
continuada, foi pensado de forma a refletir, no nível religioso, as contribuições (e
contradições) dos grupos formadores de nossa experiência social e histórica. Os
intelectuais da Umbanda pretendem que ela seja genuinamente nacional, uma
religião à moda brasileira.
As linhas são as orientações, as diretrizes da Umbanda. Existem sete linhas
dirigidas por orixás principais, cada linha é composta por falanges ou legiões. Há
diversas formas de se pensar quais são essas linhas e não há um consenso, como
as possibilidades não alteram o entendimento da Umbanda demandado para esta
pesquisa, não entraremos em detalhes sobre tal assunto.
5.3 História
A vertente de pesquisa da história das religiões afro-brasileiras utilizada neste
trabalho assume que o Candomblé teve suas primeiras manifestações ainda nos
navios que traziam os negros do continente africano para o Brasil. Enquanto a
10
Os negros que foram trazidos ao Brasil e escravizados, eram costumeiramente caracterizados pela localização do porto em que embarcavam na África. Entretanto, nestes portos reuniam-se negros capturados tanto no litoral quanto no interior em diversas localidades do continente. Assim, não se sabe ao certo as etnias e grupos dos quais procederam, destacam-se dois grupos principais: os sudaneses e os bantos.
42
Umbanda se originou mais tarde, no início do século XX. Contudo uma religião é
estritamente vinculada à outra e a história de ambas no Brasil é entrelaçada. Por
este motivo, ao tratarmos da história da Umbanda, falaremos também sobre a
história do Candomblé.
Segundo Morais (2010), os negros que foram trazidos para o Brasil, contra sua
própria vontade e exclusivamente para se dedicarem ao trabalho, através de um
regime escravocrata, pertenciam a diferentes nações africanas. Com os conflitos
existentes, entre as nações, dentro de uma mesma nação e também entre europeus
e negros, os vencidos eram capturados e vendidos como escravos. Cada uma
destas tribos, cidades e vilas africanas cultuava um orixá, vodum e/ou inquice e cada
pessoa pertencente a tal tribo carregava consigo a devoção a tal divindade. Quando
capturada e vendida, essa pessoa não abandonava suas crenças. Contudo, quando
dentro de um navio negreiro, vindo para uma terra estrangeira, esses inimigos em
terras africanas se uniam no temor e raiva ao inimigo comum. Separados da família
e da nação de origem, em muitos casos os negros escravizados se uniam entre si
pela semelhança dos problemas. Ao invés de anularem os mais fracos em
detrimento da fé do mais forte, uniram todas as crenças em uma só comunidade de
fortalecimento das lembranças e tradições da terra de origem. Assim surgiu a crença
em diversos orixás do Candomblé.
Com o domínio dos homens brancos sobre os negros e índios, a religião daquele foi
imposta a estes, que a interpretaram e vivenciaram segundo suas próprias tradições,
origens e experiências religiosas. Desse sincretismo com as simbologias da Igreja
Católica, com a cultura indígena e com a multiplicidade de tradições das diferentes
tribos africanas é que surgiu o Candomblé nas terras brasileiras.
Cabe ressaltar que no Candomblé, apesar de se agruparem diversas culturas (cristã
católica e indígena) e orixás de diversas tribos africanas, há modelos de ritos que
aludem a grupos étnicos africanos específicos, o que cria uma classificação relativa
aos ritos denominada nação. São identificadas duas matrizes lingüísticas originais:
Bantus e Sudanesa, que abrangem diversos povos. A matriz Bantus é oriunda da
região que engloba toda a área do continente africano abaixo da linha do Equador;
eram maioria durante o período colonial e deram origem às nações de rito angola
43
(como angola-congo, moxi-congo). A Sudanesa11 provém da região que abrange a
África Ocidental, na faixa do Golfo do Benin que vai dos atuais países Senegal até
Nigéria; predominaram no tráfego negreiro durante o século XIX e deles surgiram as
nações nagô (como queto, ijexá) e jeje (como jeje-fon, jeje-marrin).
A Umbanda acrescenta a todo o sincretismo entre o catolicismo dos europeus, os
cultos indígenas e a religiosidade dos negros, a doutrina espírita desenvolvida por
Allan Kardec. Originou-se por volta das décadas de 1920 e 1930, quando a classe
média branca juntamente com a classe pobre começa a frequentar a religião afro-
brasileira, vindo a se tornar a mais popular experiência religiosa dos brasileiros. O
kardecismo12 de classe média, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul,
passa a mesclar em suas práticas elementos das tradições religiosas afro-
brasileiras, como cargos e elementos litúrgicos da cabula.
Durante muito tempo toda a história e a tradição da Umbanda foi passada oralmente
e, quando começou a ser escrita, diversas pessoas escreveram sua própria versão e
visão, o que gerou uma multiplicidade de histórias. Entretanto é consenso que uma
das primeiras e mais conhecidas casas de Umbanda é o Centro Espírita Nossa
Senhora da Piedade fundado por Zélio de Moraes, em meados da década de 1920,
em Niterói.
Segundo relato publicado por Peixoto (2008), a origem do culto da Umbanda
aconteceu no dia 16 de novembro de 1908, a partir da manifestação do Caboclo das
11
A matriz lingüística sudanesa não se relaciona ao país Sudão, apesar da semelhança gráfica. Envolve o povo Iorubá e os seus inimigos, chamados jejes.
12 O kardecismo é uma doutrina religiosa criada na França por Allan Kardec (pseudônimo de Léon Hippolyte Dénizart Rivail) e chegou ao Brasil em meados do século XIX. Estabelece a existência de um Deus criador, onipotente e onipresente (o mesmo da tradição judaico-cristã), porém muito distante dos homens. Mais próximos dos homens estão os guias (espíritos dos mortos, desencarnados), que tem como missão ajudar os homens a evoluir através da prática da caridade, do bem e do amor aos semelhantes. Prega também a crença na reencarnação, onde os espíritos passariam por sucessivas encarnações ao longo das quais, dotados do livre-arbítrio, poderiam evoluir através da prática do bem, ou regredir cedendo aos vícios do corpo material. A Terra é considerada um planeta de aprendizado, expiação, solidariedade e caridade. A mediunidade é a capacidade de entrar em contato com o mundo invisível dos espíritos e é uma qualidade inata e necessária ao homem em seu processo de evolução. Utiliza-se dos métodos e explicações científicas para o entendimento dos fenômenos sobrenaturais. Praticado por um estrato social mais elevado da população, se considera uma religião cristã, legitima a possessão dos espíritos e mantém um discurso racional frente aos fenômenos mágicos.
O movimento espírita desenvolveu-se articulando suas várias áreas de atuação em federações. Essas federações não eram regulamentadoras, mas compunham o sistema organizacional e foram os canais de desenvolvimento.
44
Sete Encruzilhadas no jovem Zélio Fernandino de Moraes com 17 anos na época.
Tal manifestação já havia acontecido anteriormente, mas não havia sido
reconhecida e aceita pelos estudiosos e médiuns kardecistas, membros da
Federação Espírita de Niterói – RJ.
Às 20 horas em ponto, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas, para declarar que naquele momento se iniciava um novo culto, em que os espíritos de velhos africanos escravos e de índios brasileiros, os quais não encontravam campo de atuação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas em sua totalidade para os trabalhos de feitiçaria, trabalhariam em benefício de seus irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social. A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, seria a característica principal do culto que teria por base o Evangelho de Jesus (PEIXOTO, 2008, p.20).
A Umbanda se desenvolveu simultaneamente em diversos estados pela influência
de diversos terreiros. No final da década de 1930 e início da década de 1940, já
acontece um movimento umbandista, sendo fundada a primeira federação de
Umbanda no Rio de Janeiro, chamada União Espírita da Umbanda do Brasil. A
organização dos terreiros umbandistas foi um primeiro sinal do anseio de
reconhecimento e tinha por principal objetivo oferecer ajuda jurídica aos seus
afiliados.
A federação do Rio de Janeiro organizou o Primeiro Congresso do Espiritismo de
Umbanda, em 1941, onde se definiu as principais diretrizes da religião.
A partir da década de 1950, extratos mais baixos da população, geralmente negros e
mulatos, começaram a contestar o distanciamento da Umbanda das práticas
africanas.
Em 1961, aconteceu, no Rio de Janeiro, o Segundo Congresso de Umbanda. Os
participantes lotaram o estádio do Maracanãzinho, vinham de dez diferentes estados
brasileiros e houve presença de políticos municipais e estaduais. Na década de
1960, a Umbanda conseguiu ampliar sua organização e legitimação perante a
sociedade através de suas alianças políticas. Com o Concilio Vaticano II, finalizado
em 1965, o ecumenismo entrou em voga no discurso católico e a Umbanda ganhou
o posto de “religião dos humildes”, que também tinha a participação de pessoas de
outras classes sociais, tornando-se digna de ser estudada.
Durante a ditadura militar, a Umbanda foi reconhecida como religião e muitos de
seus feriados religiosos foram encorporados aos calendários públicos locais e
nacionais. Foi também durante a ditadura que os terreiros deixaram de necessitar da
45
licença da Delegacia de Jogos e Costumes para que pudessem funcionar, por meio
da publicação do Decreto-Lei 25.095, de 15 de janeiro de 1976.
O terceiro Congresso de Umbanda aconteceu em 1973 e a Umbanda afirmou-se
definitivamente como religião que mais crescia e como uma força expressiva no
campo das atividades assistenciais. Esses primeiros Congressos de Umbanda foram
importantes para a organização e reconhecimento da religião, contudo perderam sua
força e participação com o tempo. Atualmente não existem mais congressos, ou pelo
menos não são mais tão divulgados e não são do conhecimento dos praticantes da
Umbanda com os quais conversamos.
O processo de legitimação da Umbanda favoreceu à permissão legal e o apoio
institucional dos órgãos governamentais para a realização das suas festas em locais
públicos. No Rio de Janeiro, o dia 31 de dezembro foi proclamado em 1967 como o
Dia do Umbandista.
5.4 Estrutura administrativa
A tradição oral das religiões afro-brasileiras diz que a família de santo é a forma de
organização dos cultos aos deuses africanos no Brasil, não sendo possível
identificar a data exata em que as primeiras se formaram. Os primeiros terreiros de
Candomblé foram fundados no estado da Bahia por africanos de uma mesma etnia,
onde se iniciavam outros africanos da mesma etnia ou de etnias diferentes. Com o
passar do tempo, ingressaram também crioulos, mulatos e posteriormente brancos.
Assim a família de santo foi perdendo sua característica étnica e passou a ligar os
terreiros fundados pela geração dos africanos aos fundados pelas gerações
seguintes por vínculos religiosos. A família de santo também estabelece ligação de
parentesco entre terreiros parentes de uma mesma família fundadora.
Na África, em cada região uma família ou grupo de sacerdotes controlava e era
responsável por cultuar determinados deuses. Por exemplo, entre os iorubás a
adivinhação era função dos babalaôs, que cultuavam o deus Ifá (divindade que
prevê o futuro através de jogos adivinhatórios). Os cultos tinham caráter familiar e
eram exclusivos de uma linhagem, clã ou grupo de sacerdotes. Dessa forma, os
templos africanos restringiam-se ao culto de apenas uma ou poucas divindades.
46
No Brasil, a hierarquia religiosa se adaptou ao contexto histórico.
A escravidão separou famílias e etnias trazendo escravos de lugares diferentes, com cultos e conhecimentos diferentes em relação aos segredos rituais de sua religião. Somando a isso, o extremo rigor da perseguição aos cultos africanos no Brasil não permitiu que os templos pudessem se multiplicar ao ponto de se dedicar ao culto exclusivo de apenas um orixá. (SILVA, 2005, p. 62)
Assim, os terreiros agruparam em seu culto várias entidades. Inclusive, por causa do
contato dos negros com as culturas do catolicismo e dos negros, somou-se ao culto
dos deuses africanos, o culto aos santos católicos e às divindades indígenas.
Dessa forma, cada terreiro é uma unidade autônoma e o líder máximo é o pai
(babalorixá) ou mãe de santo (iyalorixá), que assume diversas funções. As outras
posições na hierarquia são dadas de acordo com o cargo e função de cada pessoa.
Na Umbanda um terreiro não interfere no culto de outro terreiro mesmo que ambos
tenham sido fundados por um mesmo terreiro irmão ou que um tenha fundado o
outro. A forma do culto é dada pelo guia espiritual do pai ou mãe de santo. A
mudanças na liturgia do terreiro podem acontecer por orientação do guia, por troca
de chefe do terreiro, por vontade do chefe de terreiro, ou por guerra de magia entre
os terreiros. Diferentemente, no Candomblé, apesar de o terreiro ser autônomo, não
pode fazer deliberadamente o que quiser. De fato, ninguém vai fechar o terreiro, mas
ele não será respeitado.
Territorialmente, os terreiros brasileiros podem se estruturar de forma a reunir num
mesmo espaço o local de moradia e o de culto. Contudo, alguns zeladores de santo
na Umbanda preferem separar sua residência do trabalho no terreiro, pois lhes dá
privacidade. É uma forma de separação entre o sagrado e o profano tão
entranhados na casa de Umbanda. De forma similar, no tempo do Brasil Colônia, e
ainda hoje em paróquias mais distantes e precárias, o edifício da Igreja Católica
também possuía (ou possui) um cômodo utilizado como residência do padre. A
sacristia, presente também na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, é um resquício
dessa vinculação entre o sagrado e o profano na Igreja Católica. Na África, entre os
Batammariba, as famílias moravam em habitações coletivas chamadas compounds
ou egbes, que era um conjunto de casas pequenas construídas lado a lado. As
aberturas davam para o pátio interno onde acontecia o convívio social. A proteção
espiritual dessas habitações era assegurada por um altar dedicado a Exu localizado
próximo à entrada. Os mortos eram sepultados e cultuados no interior do
47
compounds. No Brasil alguns elementos foram preservados, como a proteção da
entrada por Exu, a divisão dos quartos para os orixás e o culto aos mortos no quarto
de balé ou de egun (espírito dos mortos). Nessa estrutura física do terreiro brasileiro,
há ainda um espaço separado para o encontro religioso e a realização das festas
públicas, reproduzindo o pátio interno do compound.
Figura 3: Compound, a terra dos Batammariba.
Fonte: UNESCO, s/data
A Umbanda se inspirou nas associações civis (cartoriais) para estabelecer sua
organização sócio-religiosa. O terreiro funciona segundo um estatuto que estabelece
cargos (presidente, secretário, tesoureiro), funções dos membros, horários de
funcionamento e de atendimento ao público, as formas de ingresso e os direitos e
deveres de cada sócio. No topo da hierarquia religiosa está o líder espiritual (pai ou
mãe de santo), que é auxiliado por assessores (pai ou mãe pequena, cambonos e
tocadores de atabaque) e pelo corpo de médiuns, os filhos de santo ou filhos de fé.
Ressalta-se que o núcleo religioso é diferente da associação civil, não sendo
vinculado o cargo administrativo com a responsabilidade religiosa. Portanto, uma
pessoa não praticante da Umbanda pode exercer cargo na associação civil que
representa o terreiro.
A federação umbandista, União Espírita da Umbanda do Brasil, possui funções
ligadas ao sagrado como patrocinar cerimônias religiosas coletivas, organizar
eventos de divulgação da religião, impor alguma regulamentação sobre as práticas
rituais e doutrinárias, ministrar cursos de formação, fiscalizar as atividades dos
48
terreiros filiados e também funções civis como fornecer assistência jurídica aos seus
filiados contra a perseguição policial.
5.5 O Culto, as principais festas e as cerimônias de iniciação e de casamento
A forma do ritual umbandista pode variar de uma casa para outra, é uma reunião de
busca por cura tanto espiritual quanto corporal. Os fiéis contam seus problemas e
escutam as orientações das entidades espirituais encorporados nos zeladores ou
médiuns. Consiste em cânticos harmônicos, com possibilidade de utilização de
atabaques e palmas. De acordo com a tradição, com o passar do tempo algumas
casas começaram a utilizar atabaques. Normalmente a vestimenta é branca.
Capacetes, espadas, cocares, vestimentas de cor, rendas e lamês não eram aceitos.
As guias, colares de contas coloridas, usadas eram apenas as determinadas pela
entidade que se manifestava. Os banhos de ervas, os amacis (mistura de ervas
maceradas acrescentada à água de cachoeira), a concentração nos ambientes
vibratórios da natureza e o ensinamento doutrinário com base no Evangelho
constituem os principais elementos de preparação do médium.
Cada terreiro define a dinâmica de suas sessões, bem como o dia e a hora em que faz os atendimentos, mas existe uma sequencia básica para os trabalhos, que pode ser dividida em duas etapas: a preparação do terreiro e dos médiuns para a atividade mediúnica e o momento em que os clientes são atendidos. Primeiro “despacha-se o exu”, uma cerimônia semelhante à do candomblé. Canta-se para esse guia no intuito de que ele proteja o terreiro durante a sessão. Em seguida, são entoadas cantigas de louvor às almas. Passa-se para a defumação, feitas com ervas especiais em um utensílio semelhante ao turíbulo. Tanto o terreiro quanto os médiuns são defumados e, em seguida, são pembados – uma espécie de purificação com um pó sagrado chamado pemba, soprado por uma pessoa que ocupa lugar de destaque na hierarquia. É feita uma oração para início dos trabalhos e canta-se em louvor aos orixás. O chefe do terreiro faz um breve sermão, em que exorta a prática das virtudes cristãs, ensina a perfeição na conduta litúrgica e transmite os recados ao corpo mediúnico da casa.
Começa, então, a segunda etapa da sessão espírita. São entoadas cantigas que convidam os guias para “descerem” nos médiuns, ou seja, incorporarem. Já incorporados os guias iniciam atendimentos. Quando o último assistente termina sua consulta, outros pontos são cantados para que os guias se despeçam e deixem os corpos dos médiuns. Além dos guias chamados para o atendimento, outros podem também descer durante a sessão, antes ou depois das consultas, para limpeza e descarrego do terreiro e das pessoas presentes. A sessão é finalizada com cânticos e orações, que tem o objetivo de agradecer por tudo ter transcorrido bem e de pedir que os guias continuem assistindo todos. (MORAIS, 2010, p. 48)
As principais festas umbandistas são muito relacionadas às festas católicas e às
datas representativas na história da escravidão brasileira. São algumas delas: Dia
49
de São Sebastião (Oxóssi) em 20 de janeiro, Dia de São Jorge (Ogum) em 23 de
abril, Dia de São Cosme e Damião (Ibejis) em 27 de setembro, agradecimentos aos
Pretos Velhos que podem acontecer a partir da segunda quinzena de maio até o
mês de agosto. A festa de Iemanjá, que em Salvador acontece no dia 02 de
fevereiro, em Belo Horizonte acontece no dia 15 de agosto coincidindo com a festa
da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Boa Viagem.
No Candomblé, a iniciação torna uma pessoa parte do terreiro e de sua família de
santo. A partir daí, a pessoa assume um nome religioso (africano) e um
compromisso eterno com seu deus pessoal e ao mesmo tempo com seu pai ou mãe
de santo. O iniciado torna-se filho espiritual de seu iniciador e assim começa a fazer
parte de toda a família. E como tal, as relações devem ser pautadas na
consideração, no respeito, no amor e na obediência. A iniciação na Umbanda varia
conforme a pessoa que está sendo iniciada, a casa e o pai de santo responsável.
Consiste no desenvolvimento mediúnico da pessoa que pode já ser membro da casa
ou nunca ter ido a uma casa de Umbanda na vida.
O processo iniciático na umbanda segue rituais diferentes dos encontrados no candomblé. Muitas vezes, o médium tem manifestações espirituais desde a infância e é levado por familiares ou amigos a um centro espírita para tomar passes e benzeções. Nesse caso, ele pode ser convidado a participar das atividades da casa e, aos poucos, começar a trabalhar com seus guias no atendimento ao público. Nem sempre, no entanto, o médium teve manifestações espirituais anteriores, mas sente a vontade de trabalhar em um terreiro. Os pretendentes devem freqüentar as sessões de desenvolvimento, que são encontros voltados para a preparação do futuro médium, nas quais ele aprende os arquétipos de cada entidade e recebe orientações sobre conduta no terreiro. Esses encontros são geralmente acompanhados de sessões de estudo, em que o corpo mediúnico da casa discute obras da literatura kardecista e umbandista. Em alguns casos, nos terreiros mais africanizados, os médiuns precisam ficar recolhidos, como no candomblé. No entanto, os rituais pelos quais eles passam são diferentes e o período de recolhimento é menor. (MORAIS, 2010, p. 49)
As cerimônias de batizados e de casamentos na Umbanda não possuem uma
uniformidade de rito, cada casa decide como celebrar cada cerimônia da forma que
considerar mais adequada. Segundo Margarida, filha biológica da zeladora de santo
D. Izabel do Centro Espírita São Sebastião em Belo Horizonte, há uma preparação
nos dias que antecedem a cerimônia com rezas e preceitos. A cerimônia e festa
comemorativa acontecem ambas na casa umbandista, numa mistura de celebração
sagrada e profana em um mesmo espaço físico.
50
6 BELO HORIZONTE
Os templos cristãos católicos são historicamente o centro das atenções da cidade e,
em função disso, se percebe que outras edificações se desenvolvem ou se
aglutinam no seu entorno. Por oposição, os templos de religiões de origem afro-
brasileiras são historicamente relegados à periferia e assim pouco manifestos na
paisagem urbana. A escolha do município de Belo Horizonte, situado no estado
brasileiro de Minas Gerais, como locus desta pesquisa se deu por dois motivos,
primeiro porque é a cidade onde reside a autora e há aí uma relação de afetividade.
Segundo, pelas características próprias da cidade no que concerne à sua formação
e evolução urbana. Sendo comum à maioria dos municípios mineiros e a alguns
brasileiros, a origem da formação e ocupação dos centros urbanos no país possui
uma relação própria e intrínseca com os templos religiosos.
A seguir exporemos a história da formação da cidade de Belo Horizonte, baseado
principalmente nos dois livros de Abílio Barreto (1996) que narram desde as
primeiras ocupações do território pelos bandeirantes até a criação da nova capital
sob a responsabilidade do engenheiro Aarão Reis. Ressalta-se que o olhar sobre
essa história será direcionado à formação dos espaços religiosos contidos no
município, uma vez que esta pesquisa é voltada à relação entre o sagrado e o
profano na paisagem urbana.
6.1 Formação histórica dos espaços religiosos de Belo Horizonte – no que
concerne à Igreja Católica e aos terreiros de Candomblé e Umbanda
Com a proclamação da república no Brasil, os políticos mineiros consideraram que a
então capital do estado, Ouro Preto, era muito vinculada ao império. Decidiram
construir uma nova capital mais condizente com os princípios da democracia,
possuindo um desenho urbano mais moderno. Além disso havia um esforço de
organização e integração de todo o território do estado de Minas Gerais. Foi então
realizado um estudo sobre diversas localidades no estado, para a eleição da mais
propícia. A área onde se situava o arraial Curral Del Rei foi escolhida e então e
foram iniciados os trabalhos de elaboração do projeto e de construção da nova
capital. Belo Horizonte situa-se na porção centro-sul do estado de Minas Gerais e
tornou-se a capital do estado em 1897.
51
Figura 4: Localização de Belo Horizonte.
Fonte: SOUSA; ROESER; MATOS, 2002. Modificado pela autora desta pesquisa.
A ocupação do território mineiro se originou de expedições realizadas por
missionários e aventureiros a mando do governo das capitanias. Em fins de 1553 ou
princípio de 1554, o castelhano Francisco Bruza liderou a primeira expedição que
partiu da Bahia e penetrou nos sertões de Minas Gerais, em busca de esmeraldas.
De acordo com Barreto (1995), o padre Aspilcueta Navarro acompanhou e narrou a
expedição, contudo não nos foi possível localizar tal texto. Ele foi o primeiro padre
em Minas Gerais e trabalhou batizando mineiros, combatendo a antropofagia e
erguendo a primeira cruz no estado. Além disso, foi também geógrafo, cronista e
naturalista neste território. A partir de então houve várias outras expedições. Fernão
Dias Paes liderou a primeira bandeira paulista e fundou diversos povoados, dentre
eles Santana do Paraopeba (hoje Bonfim) e Sumidouro (hoje Lapinha). Seus
sucessores foram Garcia Rodrigues, seu filho legítimo, e Manuel da Borba Gato, seu
genro. O pessoal de Borba Gato foi o primeiro a povoar as localidades marginais do
Rio das Velhas até o Rio São Francisco.
52
Em 1720 foi criada a capitania das Minas Gerais. Até então existiam três comarcas
em território mineiro, todas criadas em 1714: de Ouro Preto, de Sabará (ou Rio das
Velhas) e Rio das Mortes, cujas cabeças de comarcas eram Vila Rica (atual Ouro
Preto), Vila Real de Sabará (atual Sabará, município pertencente à RMBH13) e São
João Del Rei, respectivamente.
João Leite da Silva Ortiz, genro de Bartolomeu Bueno, impressionado com a beleza
da serra das Congonhas (atual do Curral), foi o primeiro a se instalar no “belo sitio
com ótimas terras de cultura e magníficos pastos para criação” (BARRETO, 1996,
p.91), nos primeiros anos do século XVIII. A esta área, que viria a ser Belo
Horizonte, ele chamou de Cercado. A sede da fazenda ficava onde hoje é a região
entre os bairros Santa Lucia e Havaí, perto da Av. Barão Homem de Melo, na porção
oeste da cidade.
A antiga fazenda do Cercado foi de propriedade de João Leite até o ano de 1721, do
Alferes de Dragões Antônio Teixeira Pinto até 1752 e, posteriormente arrematado
por Antônio de Souza Guimarães. Barreto (1996, p. 102) afirma que em Curral Del
Rei não havia grandes minas e sim faisqueiras de ouro de aluvião. De modo que,
enquanto Vila Rica, Sabará e Serro Frio constituíam centros populosos e ricos por
sua situação em terrenos auríferos de exploração permanente, Curral Del Rei
estacionou em seu desenvolvimento.
Devido às condições da localidade e à existência de grande quantidade de gado
para o abastecimento das zonas auríferas, Cercado tornou-se ponto de
concentração dos rebanhos. Além disso, o nascente Curral Del Rei tornou-se um
dos mais providos celeiro de cereais que abasteciam as grandes minerações. O
arraial crescia de importância e em 1718 já era freguesia. Contudo, conforme citado
por Barreto (1996), Curral Del Rei era paróquia anteriormente a 1718. Uma vez que,
de acordo com o mesmo autor, a ordem régia de 9 de novembro de 1712, ao
mencionar que já existiam nas Minas cerca de 20 igrejas ou paróquias, faz crer que
já existia a paróquia de Curral Del Rei. Estes templos mencionados eram “pequenos,
rústicos e cobertos de colmo” (BARRETO, 1996, p.139). Neste período, a
responsabilidade eclesiástica das Minas era dividida entre a Bahia e o Rio de
Janeiro. Sendo que ambos passavam provisões e recebiam o dízimo, cada um de
13
Região Metropolitana de Belo Horizonte.
53
parte das Minas mais próxima de si. Ressalta-se que naquele tempo não havia
registro paroquial no arraial.
O senhor João Leite da Silva Ortiz trabalhou em prol do desenvolvimento de Curral
Del Rei. Entretanto, depois de sua partida para bandeiras em Goiás, em 1721, o
arraial teve seu primeiro período de desânimo. O arraial ficou inclusive em vias de
baixar de freguesia a curato. Naquele mesmo ano, o governador propunha ficar nas
Minas apenas algumas dentre as 50 paróquias então levantadas, dentre elas a
vigaria de Vila Real de Sabará tendo como filiais as capelas curadas14 de Roça
Grande, Curral Del Rei e Raposos. Barreto diz não ter podido verificar se tal
proposta foi aceita, contudo, afirma que logo depois, em 1723, a igreja Nossa
Senhora da Boa Viagem foi elevada à categoria de matriz da paróquia e o sacerdote
Antônio da Silva Prado ocupou a função de pároco. O primeiro vigário colado da
freguesia de Curral Del Rei foi o padre Felipe da Silva. Dela faziam parte, como
filiais, as igrejas de Betim, Contagem e Nossa Senhora das Neves de Sabará. “Em
1750, já criado o primeiro bispado em Minas, foi dividida a freguesia de Curral Del
Rei pelo bispo D. Frei Manuel da Cruz, desmembrando dela a capela de Piedade do
Paraopeba” (BARRETO, 1996, p.161), mostrando como a região estava se
desenvolvendo. Contudo, em 1752 o rei anulou tal divisão.
Consequentemente, o que está provado é que a freguesia da Boa Viagem foi criada pelo Cabido
15 Sede Vacante do Rio de Janeiro anteriormente a
1714: foi proposta para capela curada em 1721; foi de novo freguesia em 1723; sendo erigida em nova vigária colada pelo rei, em 1752. (BARRETO, 1996, p.161)
Em 1735, o arraial já possuía diversas casas de construção definitiva e foi percebido
que o primitivo e provisório templo onde os católicos se reuniam era deficiente e
acanhado. Cogitou-se, então, a construção de igreja definitiva para a matriz Nossa
Senhora da Boa Viagem. Segundo Barreto, é desconhecida a data precisa em que o
templo foi edificado, contudo “pode-se indicar que foi entre os anos de 1755 a 1765,
tendo sido construída por partes” (BARRETO, 1996, p.175).
14
Capela curada é a capela pertencente à Cúria, que é o órgão centralizador das igrejas e paróquias do território de uma diocese.
15 Cabido é uma espécie de senado ou conselho do bispado.
54
Figura 5: Planta Cadastral do arraial Curral Del Rei, de autoria da Comissão Construtora da Nova Capital. Localização da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem destacada pelo retângulo em vermelho.
Fonte: BARRETO, 1996
A igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, juntamente com outras igrejas matriz, como
a de Santo Antônio do Retiro da Roça Grande, a de Nossa Senhora da Conceição
de Raposos, a de Nossa Senhora do Pilar das Congonhas, a de Santo Antônio do
Rio das Velhas e a de Nossa Senhora da Conceição do Rio das Pedras, pertencia,
em 1788, à comarca de Rio das Velhas cuja sede era Sabará.
Em 1814 começou a funcionar a escola erigida pelo professor Marcelo da Silva
Lobato, paga pela fazenda pública. A base econômica do arraial era a lavoura, a
criação e negociação de gado e fabricação de farinha.
Consoante afirma o padre Francisco Martins Dias em seus Traços Históricos e Descritivos de Belo Horizonte, em 1815 a freguesia de Curral Del Rei dominava uma área de 95km (sic), com uma população de quase 18.000 habitantes, distribuídos pela sede e capelas filiais de Sete Lagoas, Contagem, Santa Quitéria, Buritis, Capela Nova do Betim, Piedade do Paraopeba, Brumado, Itatiaiuçu, Morro do Mateus Leme, Neves, Aranha e Rio Manso. É ainda esse mesmo padre quem afirma que em 1846 a freguesia contava 18.227 habitantes; em 1864, 8.000; 1877, 4.000; e em 1893, 2.650 (BARRETO, 1996, p.173)
Em 1864 existiam duas capelas, a matriz Nossa Senhora da Boa Viagem e a de
Nossa Senhora do Rosário. E, apesar da redução populacional, devido às
desmembrações sofridas pelo arraial, em 1865 possuía 395 casas, 23 fazendas de
cultura (milho, feijão, arroz, mandioca, mamona, cana e algodão), quatro retiros de
criar gado, 42 comerciantes, 66 indivíduos de ofícios úteis e indústria para
55
fabricação de pano de algodão. Tem de norte a sul sete léguas e de leste a oeste
três. Fica a 800m acima do nível do mar, confinado a leste com o distrito de Sabará,
a oeste com o arraial de Contagem, ao sul com Vila Nova de Lima e ao norte com o
arraial de Venda Nova.
O primeiro serviço postal organizado de Curral Del Rei foi inaugurado em 1881.
Apesar do crescimento econômico e de importância social do arraial, a população
não possuía espaço de lazer.
Não havia casas de diversões no povoado, a não ser um grande e térreo rancho de tropas, junto à casa do senhor Eduardo Edwards, no Largo da Matriz, improvisado em teatro, sem o mínimo de conforto, onde a companhia dramática do grande ator Brandão havia trabalhado em 1890 (BARRETO, 1996, p.243)
As únicas festas que aconteciam no espaço público eram as de fundo religioso,
como procissões. As principais festas eram a da Padroeira, a 15 de agosto, a do
Divino, a de Santa Ifigênia, a de São Sebastião, a de Santo Antônio e as da Semana
Santa. Destaca que a Semana Santa, que era celebrada com pompa, nos últimos
anos do arraial enfraqueceu-se. As festas de São Sebastião e de Santo Antônio
eram realizadas irregularmente, entretanto as do Divino e de Santa Ifigênia
aconteciam com regularidade, sendo que nos últimos anos do arraial eram
efetuadas juntamente com a festa da padroeira.
Na primeira dominga de outubro realizava-se o Reinado ou Reisado, a festa favorita dos pretos, os quais atroavam o arraial com os seus adufes, tambores, sambucas, puítas, e reco-recos, dançando em louvor de Nossa Senhora do Rosário. (BARRETO, 1996, p.264)
As irmandades também eram objeto de interesse da população, especialmente a
Irmandade do Sacramento e a do Rosário. Na narrativa de Abílio Barreto, até este
momento não são mencionadas outras religiões ou manifestações religiosas além da
cristã católica. Contudo, Morais (2010) afirma que Minas Gerais era o estado onde
se concentrava a maior parte dos casos de calundus setecentistas, por causa da
proliferação de vilas e arraiais e da grande concentração de escravos. Conta o caso
do casal Francisca e Manoel, uma liberta e o escravo do Sr. Ignácio Xavier da
Rocha Villa Verde, que está nos registros do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese
de Mariana. O casal é acusado, entre 1756 e 1757, de bruxaria e adoração de uma
panela. Pela narrativa encontrada há semelhanças com o calundu, mas também há
imprecisão e diferenças. É um exemplo de uma possibilidade de existência de culto
afro-brasileiro na região de Bento Pires, fazenda situada onde hoje estão as
56
regionais Pampulha e Venda Nova. A sede da fazenda ficava onde hoje é a Toca da
Raposa, às margens da Lagoa da Pampulha. É possível que Barreto não cite
manifestações religiosas da cultura afro-brasileira por não considerar importante, por
não ser costume na época de sua pesquisa escrever sobre a população
marginalizada, por não haver suficientes fontes de informação oficial, ou por simples
preconceito. Não há como o sabermos. Contudo sabemos que o Código Penal de
1890, escrito pós proclamação da república, vai na contramão da constituição
vigente e cerceia a liberdade recém conquistada dos negros criminalizando a cultura
negra manifesta principalmente na expressão religiosa. Fato esse que pode ser o
inibidor da manifestação explícita dos terreiros nas cidades e também da pesquisa e
publicação sobre eles.
Em 1893 havia três templos católicos: a matriz Nossa Senhora da Boa Viagem e as
capelas de Nossa Senhora do Rosário e de Santana.
Chegava-se à primeira depois de penetrar no arraial pela extensa Rua de Sabará, uma das mais retas e largas, logo que se transpusesse uma ponte tosca, de madeira, à entrada do Largo, onde ciciavam continuamente algumas casuarinas, projetando sua sombra sobre verdejante gramado natural que tapeteava esse largo. Os outros dois templos estavam colocados nas partes mais altas do arraial. O primeiro destes assentava-se no Largo do Rosário, pouco acima do local que fica hoje, entre a Av. Álvares Cabral e as ruas da Bahia, Guajajaras, Espírito Santo e Timbiras. O segundo estava localizado na Rua Santana, no ponto em que está hoje o quarteirão formado pelas ruas Sergipe, Cláudio Manoel, Alagoas e Santa Rita (BARRETO, 1996, p. 244)
57
Figura 6: Rua General Deodoro, a principal do arraial, vendo-se ao fundo a Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem
Fonte: BARRETO, 1996
O arraial possuía, então, dois largos, suas ruas eram estreitas e tortuosas e as
edificações eram baixas e simples, sem vidraças e sem alpendres.
Figura 7: Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem em 1896
Fonte: BELO HORIZONTE, 2008
As igrejas também não eram edificações opulentas, Abílio Barreto assim as
descreve:
58
Matriz da Boa Viagem – Erguida no centro do Largo que lhe tomava nome, no cruzamento das ruas Sabará, Capão e General Deodoro, formando estas duas últimas como que um segundo plano do povoado, com mais de 4m de elevação sobre o nível da primeira, a velha matriz ficava como soterrada pelo lado da última daquelas ruas, arrimada ao muro do adro, dentro do qual havia um relógio de sol ao lado de uma bela e olente esponjeira. Em torno do adro estendia-se um gramado verde e natural, em ligeiro declive, alastrando-se pelo Largo, até as margens do córrego Acaba-Mundo.
Era um templo mal estilizado, exteriormente deselegante, acaçapado, de linhas incorretas, sem ornato, pesado e desproporcional. Media 36m e 60cm de comprimento sobre 15m e 60cm de largura e 18m de altura, da base do vértice das torres. Sua fachada era baixa e de feio aspecto. Tinha a porta de entrada encimada por duas janelas e, aos lados, as duas torres. Na torre direita havia um relógio antigo que badalava as horas. Entre o tapa-vento e a porta da entrada, à esquerda, ficava a pia batismal, sem arte, num bloco de pedra sabão. O corpo principal e a nave eram construídos de pedra e, pequena parte, de tijolo cru. No corpo da igreja achavam-se alguns quadros da via-sacra, duas tribunas, dois púlpitos, o coro, com um harmônio, e 4 altares; os do lado do Evangelho, com um Senhor dos Passos, Nossa Senhora das Dores, S. João Evangelista, Santa Mara Madalena, S. João Batista, S. José, S. Francisco de Assis, São Sebastião e, na urna, o Senhor Morto; em outro, Nossa Senhora do Rosário. Nos do lado da epístola, um com S. Miguel, Santa Quitéria, S. Domingos Gusmão e Nossa Senhora das Mercês, em outro, Nossa Senhora da Conceição, Santa Luzia e Santa Bárbara. Todos esses altares haviam sido dourados em 1808. As imagens de S. José e S. Domingos foram feitas pelo curralense habilidoso Sr. José Aires de Miranda Costa, que as trabalhara durante longo tempo, a canivete.
Na capela-mor havia um altar com imagens de Nossa Senhora da Boa Viagem e Nossa Senhora da Conceição, e, em dois nichos laterais, Santo Antônio e S. João Nepomuceno. Aí se viam ainda quadros da via-sacra e dois painéis com a Anunciação e o Casamento de Nossa Senhora.
Nas duas portas de entrada para o trono lia-se a data 1788. Nas naves, que eram de estilo barroco, tanto no corpo da igreja como no altar-mor, havia pinturas bastante antigas.
Do lado da Epístola ficava a capela do Santíssimo Sacramento, com as imagens do Sagrado Coração de Jesus ao centro e as de Nossa Senhora de Lourdes e S. José aos lados. Do lado do Evangelho ficava a sacristia com um arcaz e sobre ele um nicho com o Senhor Ressuscitado; ao lado, um lavabo de pedra sabão com a data de 1793 e um retrato do bispo D. Viçoso.
As torres eram de madeira, desproporcionais em comparação com o resto da igreja, medindo, cada uma, 4m e 20cm, de pé direito, assentada sobre o corpo do edifício. A ornamentação interna do templo era em geral pesada e sobrecarregada de tintas douradas, que fatigavam a vista. As duas datas acima reproduzidas indicavam que a sacristia só fora construída cinco anos depois do altar-mor, ignorando-se a data precisa da construção do templo.
À frente da igreja ficava o cemitério, fechado por pequeno adro, cuja terra empapassada de óleo humano e entremeada de ossos, acusava excessiva quantidade de cadáveres humanos que havia recebido, além da sua capacidade. Aí, a abertura de uma cova era espetáculo curioso para os desocupados, que se divertiam vendo desenterrar quatro ou cinco ossadas juntas. Tempos antes, os enterramentos se faziam também dentro da matriz. (BARRETO, 1995, p. 248-251)
59
Figura 8: Trecho do Largo da Matriz e início da Rua do Capão, vendo-se casa comercial.
Fonte: BARRETO, 1996
A matriz era, já nos tempos do arraial, o edifício mais importante. E ainda hoje
continua tendo grande relevância para a paisagem urbana. Mas existiam outros dois
templos:
Capela do Rosário – Seguindo-se pela Rua General Deodoro e subindo-se pela do Rosário, chegava-se ao largo que tinha igual nome, em cujo centro se erguia a Capela de Nossa Senhora do Rosário, sem beleza, sem arte, mas admiravelmente bem colocada, em um alto, de onde se descortinava belo panorama do arraial.
Nesse largo, em frente à casa em que pouco depois se instalou o Hotel Lima, casa do capitão José Carlos Vaz de Melo, ficava essa bela árvore – a Saponária -, ainda hoje existente na Avenida Álvares Cabral.
A capela era um templo muito simples. Não tinha torres. Media 8m77 de frente por 30m50 de fundo e 10m13 de altura, contornada por um paredão de pedras de 0,m33 de espessura e 1,35 de altura. Nesse adro também se faziam sepultamentos. Ficava situada, mais ou menos, no atual cruzamento da Avenida Álvares Cabral com a Rua da Bahia. Esse pequeno templo completamente desprovido de ornatos e alfaias, quase nada tinha de interessante.
O sino desta capela acha-se na torre de uma das igrejas de Contagem. Data de 1822, ano da proclamação da nossa Independência. (BARRETO, 1995, p. 257)
60
Figura 9: Capela Nossa Senhora do Rosário em 1895.
Fonte: Arquivo Público de Belo Horizonte
Capela de Santana – Deixando-se o Largo do Rosário e seguindo-se pela Rua da Boa Vista, que de norte para sul se dirigia rumo ao local em que fica hoje a Secretaria da Agricultura, chegava-se à Capelinha de Santana, erguida um pouco além e abaixo daquela secretaria, na rua que tinha o nome da mesma santa, rua que se alongava na direção da atual Rua de Sergipe, até o local onde está hoje a Avenida Cristóvão Colombo, nascendo e terminando na mencionada Rua da Boa Vista. (BARRETO, 1995, p. 257-258)
61
Figura 10: Capela de Santana existente no arraial Curral Del Rei.
Fonte: Arquivo Público de Belo Horizonte
Não há registro de templos de outras religiões. E, neste período antes da construção
da nova capital, as festas religiosas são as referências mais fortes do lazer no
arraial, com destaque para as festividades de Nossa Senhora do Rosário. Contudo,
tais festividades são despidas de luxo e consistiam em missa no interior da matriz de
Nossa Senhora da Boa Viagem, procissão no entorno desse templo ou entre os
templos existentes no arraial, e quermesses no adro do templo.
62
Figura 11: Planta cadastral do extinto arraial Curral Del Rei comparada com a planta da nova capital, Belo Horizonte. Elaborado pela Inspetoria Técnica da Prefeitura, na década de 1940. Igreja Nossa
Senhora da Boa Viagem marcada em vermelho. Igreja Nossa Senhora do Rosário maçada em verde. Igreja Santana marcada em azul.
Fonte: Fundação João Pinheiro, 1997.
Após a decisão política de construir, na área do arraial de Curral Del Rei, a nova
capital de Minas Gerais, veio também a decisão de demolir os antigos templos para
a construção de outros mais modernos e coerentes com o plano proposto.
Como se vê, naqueles dias, era pensamento do Governo a demolição da tradicional Matriz da Boa Viagem, apesar do seu alto valor histórico; mas este pensava assim porque, não delineada ainda a planta da capital, acreditava que a permanência daquele templo ali perturbaria o traçado da nova cidade. Certo é, porém, que a importância tradicional daquele templo se impunha tão eloquentemente que a Comissão Construtora, de acordo com o Governo, julgou de melhor aviso conciliar o traçado da capital com a conservação da Matriz, providenciando para que o local em que ela se achava se convertesse em uma praça, como ao tempo do arraial. (BARRETO, 1996, p. 178)
Tanto a população quanto o poder eclesial embargaram a vontade política de
demolição da matriz. Contudo, o mesmo não aconteceu com os outros dois templos.
63
A capela de Santana simplesmente foi demolida e a capela do Rosário, por sua
importância nas festas de Nossa Senhora do Rosário, só foi demolida após a
construção de um templo que a substituiria. A construção deste templo iniciou-se em
1895 e foi concluída em 1897. O novo templo não foi localizado no mesmo local
onde estava o antigo, foi situado no cruzamento da Avenida Amazonas com as ruas
São Paulo e Tamoios.
A Capela do Rosário, por certo período, anexa ao Orfanato de Santo Antônio, constitui, atualmente, a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário. Esse templo, construído segundo as concepções do neogótico, conserva, ainda hoje, em seu aspecto exterior, suas características originais. Já o seu interior perdeu importantes elementos ornamentais, como, por exemplo, o retábulo em madeira entalhada, o pára-vento e a pintura em chapa das paredes. Conserva, por outro lado, a balaustrada do coro, de execução aprimorada. (BARRETO, 1996, p.241, nota de rodapé)
Figura 12: Capela Nossa Senhora do Rosário em 1902.
Fonte: Arquivo Público de Belo Horizonte
64
Figura 13: Capela Nossa Senhora do Rosário em 2013.
Fonte: Acervo particular da autora, 2013.
No plano da nova capital era prevista a construção de uma nova igreja, mais
suntuosa, localizada no alto da Avenida Afonso Pena, que seria a matriz em
detrimento da provincial igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. Entretanto, ela não
chegou a ser construída.
Neste momento, pela primeira vez, Barreto menciona a existência de outra religião,
o culto metodista, mas que não possuía templo próprio e os cultos eram realizados
em casas particulares.
Como em toda parte, em Minas, era a religião católica, apostólica romana a que predominava em Belo Horizonte, mas, desde a instalação da Comissão Construtora, adeptos de outras crenças, como os metodistas, por exemplo, começaram a congregar-se aqui, realizando o seu culto em casas particulares, por falta de templo. (BARRETO, 1996, p. 609)
Benvindo Lima (s/d) afirma que em 1910 havia na cidade quatro igrejas cristã-
católicas, sendo que a igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem deixou de ser a
matriz. As outras três igrejas são: a Matriz de São José situada na Avenida Afonso
Pena, a Igreja do Coração de Jesus na Avenida Carandaí e ainda a Capela do
Rosário. A igreja São José passa a ser a matriz, pois assume importância uma vez
que ficava no centro da cidade e atendia a todos os bairros.
65
A única igreja metodista ficava na Avenida Afonso Pena, onde hoje é o Edifício
Acaiaca.
Na primeira década do século XX a comunidade envolvida com a Igreja de Nossa
Senhora da Boa Viagem, apoiada pelo pároco, sentiu necessidade de construir um
templo mais suntuoso. Assim, em 3 de setembro de 1911 foi lançada a pedra
fundamental da nova igreja. A construção acontecia próximo à antiga edificação, na
mesma praça sem, contudo, demolir a edificação da igreja pré-existente, onde ainda
aconteciam celebrações. A construção estava prevista para durar dez anos e a
demolição da antiga igreja aconteceu aos poucos. Em 1914 aconteceu a primeira
descaracterização do templo antigo, com a demolição das torres sineiras e da
fachada frontal, substituída por nova parede frontal com pequena rosácea
centralizada. Em 1921, na medida em que o novo edifício se erguia e para abrir
espaço para aquele, o que restava da velha matriz foi demolido. E, no dia 15 de
agosto de 1923, dia de Nossa Senhora da Conceição, o novo edifício da igreja foi
inaugurado passando a ser oficialmente a Catedral16 de Belo Horizonte. Embora,
conforme Mourão (1977), apenas metade do templo estivesse concluída. A sagração
da catedral, construída em estilo neogótico, aconteceu no dia 15 de agosto de 1932
A pia batismal do templo anterior permanece no mesmo local, inserido na atual
praça que circunda a nova edificação, como forma de lembrar o templo antigo e o
tempo vivido.
O registro mais antigo de uma casa umbandista data de 1933. Isso não quer dizer
que não houvesse atividades anteriores, só não nos foi possível levantá-las. Neste
período os templos das religiões afro-brasileiras se registravam na Delegacia de
Jogos e Costumes17 para fugir da repressão policial. Contudo, mesmo com tal
16
Sede da cátedra episcopal, ou seja sede da diocese e do bispo.
17 Delegacia criada para controlar as manifestações populares. Mesmo que a Constituição de 1891,
ainda vigente, estabelecesse liberdade de culto e de crenças, o Código Penal de 1890 segundo Serafim e Azeredo (2009) criminalizava a cultura negra expressa principalmente através da capoeira e da religião. Esta situação decorre do medo que as elites da nova república sentiam de possíveis manifestações e mudanças exigidas pela população negra nas cidades, uma vez que agora essa era maioria e contribuía para o vertiginoso crescimento populacional urbano. Era então necessário disciplinar este novo contingente de negros nas cidades. Além disso, o elemento africano era considerado não civilizado e a construção do Brasil moderno demandava sua eliminação. Os negros eram vistos pela sociedade como perigosos, vagabundos e desordeiros. O elemento negro não era apenas uma característica física pessoal, mas era sim um agravante na caracterização do nível de delinqüência do acusado ou da acusada.
Tal situação jurídica só foi alterada com o novo Código Penal, de 1940, demandado principalmente
66
registro, os templos não se impunham na paisagem urbana, o que nos faz crer que
mesmo sem a imposição oficial as normas das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia ainda influenciavam a paisagem urbana. A tipologia desses
templos normalmente apresentada é de edificação residencial de média ou baixa
renda, uma edificação pequena, de um único pavimento, com grande espaço livre no
lote configurando o quintal.
Os terreiros foram surgindo aos poucos. Muitos começaram funcionando em um cômodo da casa do próprio médium e, à medida que a demanda por atendimento ia crescendo, outras pessoas passavam a fazer parte do corpo mediúnico. (MORAIS, 2010, p.69)
Um exemplo é o Centro Espírita São João Batista e a Guarda de Moçambique de
Nossa Senhora do Rosário e São João Batista, tradicionalmente situados no Bairro
Santo André, regional Noroeste de Belo Horizonte, comandados por Maria Elizabete
Gonçalves, a D. Bela. Ela morava no mesmo imóvel onde é a sede do terreiro. Vinda
de família católica, procurou um centro espírita kardecista por causa de um
problema de saúde e posteriormente fundou a casa umbandista. Outro umbandista
bastante conhecido em BH, fundador da Tenda Espírita Imaculada Conceição, é o
Seu Didi.
Sua casa já chegou a ter 200 médiuns, na década de 1960, quando funcionava em um galpão na rua Pitangui, no bairro Floresta, onde ficou por mais de 30 anos. A primeira casa de Seu Didi foi aberta em 1953. Seu grupo espírita começou em um apartamento no Barro Preto. (MORAIS, 2010, p.72)
O médim Ildeu Amaro da Silva, que todos chamavam de Odorico, segundo Morais
(2010), também fez fama e contribuiu na difusão da Umbanda na cidade. Em sua
juventude, ele foi à Bahia e lá residiu por três a quatro anos. “Da viagem, ele trouxe
um atabaque, instrumento ritual do candomblé, mas que ainda não era usado pelos
umbandistas mineiros” (MORAIS, 2010, p.74) e o inseriu no culto do terreiro que
freqüentava, no Morro do Pau Comeu, atualmente Vila Nossa Senhora de Fátima,
no Aglomerado da Serra.
Os festejos e cultos às divindades e entidades louvadas na Umbanda, em meados
das décadas de 1950 e 1960, normalmente aconteciam em espaços públicos, como
pela mudança política que culminou com a Constituição de 1937, chamada Polaca por influência da constituição da Polônia e do forte autoritarismo. Neste novo código a capoeira e as manifestações religiosas afro-brasileiras deixaram de ser crime. Serafim e Azeredo (2009) justificam tal descriminalização com a mudança da forma como o negro era visto, sendo entendido como elemento da formação singular, que é a mistura de raças, da população brasileira.
67
a Lagoa da Pampulha. Essa era “uma forma de garantir o espaço da religião em
uma sociedade fortemente marcada pelo catolicismo e preconceituosa em relação
às manifestações de matriz africana” (MORAIS, 2010, p.79). Representa a
apropriação da cidade, o sagrado se apropriando do espaço profano para suas
manifestações.
“Em Minas, de 18,165 adeptos passa-se para 23.309, de 1965 a 1969. Foi nesse
tempo que surgiram os primeiros terreiros de candomblé em Belo Horizonte”
(MORAIS, 2010, p.83). Segundo tal autora, esses dados foram obtidos no Anuário
do IBGE e são os primeiros realizados. Então não se sabe a quantidade de adeptos
da Umbanda anterior a este período. Na década de 1960, com o aumento do
registro de umbandistas, observa-se o surgimento de programas de rádio, gravação
de discos e publicações voltadas para a religião. Em 1977, foi realizado um
Simpósio de Umbanda em Belo Horizonte. E em 1982 foi inaugurado o monumento
a Iemanjá, na Lagoa da Pampulha, e a Praça 13 de Maio, no bairro Silveira (regional
Nordeste). Tais elementos correspondem a uma representação simbólica na
paisagem urbana das manifestações afro-brasileiras. Em 1984, o movimento negro
se une ao segmento religioso de matriz africana e faz acontecer o Seminário
Tradição dos Orixás, Religião e Negritude. Duas leis são publicadas em 1986
oficializando as festas de Preto Velho (Lei 4.454) e de Iemanjá (Lei 4.463). Nestas
leis, o então prefeito Sérgio Ferrara determina que a partir do ano seguinte a
prefeitura consignará recursos próprios para os festejos. Contudo, no ano seguinte,
é sancionada nova norma dispondo sobre as festas, que determina que os eventos
sejam promovidos pela Federação Espírita Umbandista do Estado de Minas Gerais
com apoio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Já no ano de 2007, o
artista plástico Jorge dos Anjos confeccionou o Portal de Iemanjá, uma estrutura de
ferro com símbolos das divindades africanas, na margem da Lagoa da Pampulha,
próximo de onde está a imagem de Iemanjá. Tal estrutura, assim como a imagem de
Iemanjá, ainda está no mesmo lugar e ainda é referência para os praticantes das
religiões afro-brasileiras.
68
Figura 14: Portal e estátua de Iemanjá, situados na Lagoa da Pampulha.
Fonte: Acervo particular da autora, 2015.
Apesar de a participação dos negros na construção de Belo Horizonte, assim como
suas tradições e heranças culturais, ter sido esquecida em muitos registros oficiais,
observa-se sua presença na paisagem urbana existiu e persiste principalmente
através das pontuais manifestações religiosas. Como, por exemplo, através das
oferendas a Exu nas esquinas ou das oferendas a orixás nos elementos da natureza
(lagoas, parques).
6.2 Mapeamento das paróquias e das áreas de influência dos terreiros em Belo
Horizonte
A Arquidiocese de Belo Horizonte envolve toda a região metropolitana da capital,
incluindo os municípios Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves,
Santa Luzia, Ibirité, Sabará, Vespasiano, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Esmeraldas,
Lagoa Santa, Caeté, Brumadinho, Sarzedo, São José da Lapa, Raposos, Mário
Campos, Rio Acima, Belo Vale, Bonfim, Confins, Nova União, Rio Manso,
Crucilândia, Piedade das Gerais, Moeda e Taquaruçu de Minas. Possui quatro
69
regiões episcopais18: de Nossa Senhora Aparecida, de Nossa Senhora da
Conceição, de Nossa Senhora da Esperança e de Nossa Senhora da Piedade.
Estas quatro regiões episcopais se subdividem em 36 foranias. A Região Episcopal
Nossa Senhora da Piedade que possui 66 paróquias, organizadas em 10 foranias. A
Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, objeto desta pesquisa, faz parte da forania
e paróquia de mesmo nome da igreja.
18
Região Episcopal é uma divisão territorial administrativa da Igreja Católica.
70
Figura 15: Mapa da Forania de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Fonte: TEZZI, 1991
71
Apesar de a Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem se situar na Regional Centro Sul,
possui influência não só sobre seu entorno, mas sobre todo o município. Isso por
sua tradicionalidade histórica e cultural, uma vez que ela é a mais antiga da cidade e
onde se realizam as festas da padroeira.
As casas de Umbanda influenciam a população de modo mais sutil. Suas
edificações não constituem marcos na paisagem urbana, contudo seus
freqüentadores podem vir de qualquer parte do município, uma vez que eles
procuram e confiam é na força de determinado pai ou mãe de santo. Não se
relaciona necessariamente com a proximidade com seu próprio domicílio,
diferentemente da Igreja Católica que define seus paroquianos, além da questão
afetiva, também por questão geográfica. Não me foi possível encontrar dados exatos
e inquestionáveis sobre a localização e mapeamento dos terreiros. Contudo, foi
observado que existe apenas um terreiro registrado na região central do município,
na área interna ao plano projetado pelo engenheiro Aarão Reis. Por minhas
observações são duas as possíveis explicações, a primeira é a simples constatação
de que as religiões afro-brasileiras sofreram preconceitos e marginalização e por
isso foram relegadas à periferia juntamente com a população pobre do município. A
segunda diz respeito aos princípios litúrgicos da religião, uma vez que é importante a
presença da natureza nos seus cultos. Assim, os terreiros inicialmente procuraram
se instalar na periferia da cidade grande em busca de mais espaço para seus cultos
e de um maior contato com a natureza. Contudo, atualmente esta explicação deixa
lacunas uma vez que freqüentadores da Umbanda me informaram a possibilidade de
existência de uma casa umbandista até em um pequeno apartamento, desde que
haja vasos com plantas e os elementos sagrados. Sinal da adaptação da religião à
intensa urbanização.
72
Figura 16: Casas de Umbanda existentes em Belo Horizonte. Com destaque para o Centro Espírita São Sebastião indicado pela seta preta e Avenida do Contorno, limite da área urbana do projeto de
Aarão Reis, em vermelho.
Fonte: http://www.mapeandoaxe.org.br/mapas/belohorizonte19
Grifos nossos.
Acesso em 10 set 2014
6.3 A paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem
A paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem se situa na regional Centro Sul de
Belo Horizonte, congrega dois templos da Igreja Católica: a matriz N.S. da Boa
Viagem e a igreja do Sagrado Coração de Jesus. Sua área abrange importantes
áreas de uso público como parte do Parque Municipal e a praça da Liberdade. A
paróquia e seus limites são apresentados na figura a seguir.
19
Segundo a página na internet do Mapeando o Axé, que é uma pesquisa socioeconômica e cultural das comunidades tradicionais de terreiro, em Belo Horizonte há casas de Candomblé fundadas desde 1875. E a casa umbandista mais recente, fundada em 2010 (ano do fim da pesquisa), é a chamada Ilé Axé Odé Niré, situada próximo ao Aeroporto da Pampulha.
73
Figura 17: Mapeamento da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem. Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem destacada em vermelho. Igreja do Sagrado Coração de Jesus destacada em verde.
Fonte: TEZZI, 1991
74
Tanto por sua implantação urbana como pela riqueza de detalhes arquitetônicos, a
Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem revela toda a tradição e importância da
história da religião cristã católica e de Belo Horizonte. A história da igreja de Nossa
Senhora da Boa Viagem se confunde com a história da cidade, conforme descrito
nos itens anteriores. Durante o período do arraial Curral Del Rei, todos os
casamentos e batizados eram realizados nesta igreja. Após a inauguração da nova
capital, a tradicionalidade da igreja ainda representava um atrativo. Com a
construção da nova igreja e sua sagração como catedral essa atratividade se tornou
inegável. Ainda hoje essa atratividade é traço marcante. Segundo dados fornecidos
pela própria igreja, no ano de 2012 foram realizados 164 casamentos e 72 batizados
na Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, em 2011 foram realizados 164
casamentos e 92 batizados, em 2010 foram realizados 65 casamentos e 85
batizados, em 2009 foram 180 casamentos e 104 batizados e em 2008 foram 75
casamentos e 75 batizados. As informações de toda a arquidiocese são recolhidas e
processadas pela Cúria Metropolitana e posteriormente publicadas no Relatório “Ad
Limina”. Tal relatório reúne as informações de alguns anos para publicação, e o
último abrangia as informações dos anos de 2002 a 2008. Até a finalização desta
pesquisa, não haviam sido publicados dados mais recentes. Mas para simples efeito
de comparação, observa-se que no ano de 2007 foram realizados em toda a
arquidiocese 38.031 batizados e 8.250 casamentos. Enquanto só na igreja de N.S.
da Boa Viagem, em 2008, foram realizados 75 casamentos e 75 batizados. O que
corresponderia a 0,2% dos batizados e 0,9% dos casamentos realizados na
arquidiocese. Esse número é relativamente grande, uma vez que a arquidiocese
possui 254 paróquias e um número não calculado de igrejas. Por exemplo, se
fossem divididos igualmente a quantidade de casamentos e batizados pelas
paróquias da arquidiocese, cada paróquia teria realizado 149,72 batizados e 32,48
casamentos no ano de 2007. Pode-se então, observar que a igreja N.S. da Boa
Viagem realizou mais que o dobro de casamentos e metade dos batizados devidos
para a sua paróquia. Tais números nos dão uma perspectiva da relevância desta
igreja para a arquidiocese e, consequentemente, para a cidade.
75
Figura 18: Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, situada em praça de mesmo nome e seu entorno.
Fonte: Acervo particular da autora, 2013.
A Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem está localizada em praça de mesmo nome,
delimitada pelas ruas Alagoas, Aimorés, Sergipe e Timbiras. Sendo que a rua
Alagoas está topograficamente mais elevada e a igreja se acomoda no talude
formado pelo terreno. A praça possui vegetação de grande porte, jardins bem
cuidados e grama aparada. O piso dos acessos é em paralelepípedos retangulares e
regulares, instalados formando desenhos circulares, nas vias onde circulam veículos
e é utilizada como estacionamento. Entre estas e os canteiros do jardim existem
passeios em cimento. Há passeios também circundando a edificação do templo,
com 50 centímetros de largura. No jardim, do lado sul do templo, há uma cruz de
ferro com base em granito e a inscrição “Cruz louvai o meu Pai dos céus e no
silêncio falai de mim aos homens”. Tal cruz foi erguida em fevereiro de 1996 como
homenagem aos 75 anos da Arquidiocese de Belo Horizonte, conforme inscrição no
próprio monumento. Do lado norte, fica o batistério original do antigo templo,
cercado por grades de ferro com um metro e meio de altura (ver Figura 23).
76
Figura 19: Igreja n. S. Boa Viagem vista a partir da rua Sergipe. Jardim com vegetação de grande porte.
Fonte: Acervo particular da autora, 2013.
77
Figura 20: Área da praça N. S. Boa Viagem utilizada como estacionamento, destaque para o piso em paralelepípedos.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
Figura 21: Batistério do antigo templo.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
78
Figura 22: Cruzeiro existente na praça N. S. Boa Viagem.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
O padre Francisco Dias era o responsável pela matriz Nossa Senhora da Boa
Viagem no período da demolição da antiga edificação e construção da nova igreja,
inclusive foi ele quem fez o inventário do acervo da matriz.
Em duas portinholas ao pé do altar mor, e que dão entrada para subir-se ao throno, lê-se a data de 1788; e em uma das sacristias, na do lado do evangelho lê-se a de 1793.
O móvel metálico é regular, si bem que não suficiente: - consta de três cálices, um de ouro, outro de prata dourada e outro de prata, dourada só no interior da taça; duas banquetas de prata, jarro e bacia de prata, thuribulo com naveta, uma cadeirinha, três cruzes, uma lâmpada, um vaso, uma coroa grande com sceptro, uma taça, uma salva grande, uma menor, tudo de prata; duas ambulas, uma custodia de prata dourada e outros objetos de menor valor. (PROJETO, [201-])
A autoria do projeto do templo é desconhecida. Contudo, conforme informação da
igreja, a torre e a decoração interna em estuque da nave e da capela-mor foram
projetadas por João Morandi, arquiteto suíço que se mudou para Belo Horizonte a
pedido da Comissão Construtora. O templo possui planta em forma de cruz latina e,
nos fundos, edificação anexa contigua a ele. São edificações com função de apoio,
salões para reuniões e seminários, salas de atendimento e secretarias, alguns dos
quais o acesso se dá pela rua Alagoas. Os que se acessam diretamente pela praça
são, na porção sul, a secretaria paroquial, instalações sanitárias, algumas salas de
79
atendimento e uma capela dedicada a São Pedro Julião Eymard. Na porção norte é
a capela para adoração noturna. As paredes são de alvenaria com
aproximadamente 50cm de largura e pintadas em tons pastéis tanto interna quanto
externamente. Do lado externo, próximo às entradas laterais os rodapés são
pintados de preto. As paredes externas possuem baixos relevos, vincos, formando
retângulos de 20x50 centímetros.
A igreja está implantada centralizada no quarteirão que configura a praça, de forma
que a porta principal é voltada para o leste, assim como é previsto nas Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia. A cobertura sobre a nave é em telhado de duas
águas; na interseção da nave e do transepto está a cúpula flanqueada por torreões e
coroada por lanterna e remates; e a torre central se destaca encimada por agulha,
onde se localiza o relógio e a cruz. Encimando as escadas de acesso ao coro estão
dois torreões menores e ao longo do perímetro do edifício há contrafortes ritmados
coroados por gabletes e pináculos.
O acesso à porta principal é marcado pelo nártex20 de 4,0m por 4,0m com piso em
ardósia polida, na frente do qual há uma escada com quatro degraus em piso de
granilito. Suas laterais são rampas com piso em ardósia marcado com faixas
antiderrapantes. Tal espaço é delimitado por arcos ogivais apoiados em duas
colunas circulares e na parede externa do templo, e coroado por um pontalete. E foi
um acréscimo posterior à construção do templo, realizado no início da década de
1980 por Eurico de Castro.
20
Nártex é todo pórtico na frente de uma edificação religiosa, é a galeria onde ficavam os penitentes e os não iniciados na Igreja Católica. Quando há dois nártex, o mais interno se chama esonártex. Quando o nártex é descoberto, é chamado de exonártex.
80
Figura 23: Planta da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. 1. Vitrais da capela-mor. 2. Altar-mor. 3. Altar sul. 4. Altar norte. 5. Nave. 6. Altar de Nossa Senhora de Fátima. 7. Lavabo. 8. Capela do
sepulcro. Em vermelho grades fechando as entradas laterais.
Fonte: PROJETO de restauração e consolidação dos elementos artísticos da Catedral da Boa Viagem.
As duas entradas laterais são fechadas com grades de ferro, de um metro e meio de
altura, passiveis de serem abertas em três diferentes trechos. Esta grade é instalada
no limite do passeio que circunda a edificação, de forma que se inicia e também
termina nas paredes daquela. A partir da grade, na direção dos três trechos em que
ela pode ser aberta, há quatro degraus em granito preto, marcados em suas
extremidades por faixa (de cinco centímetros) de antiderrapante. Cada bloco de
degrau é dividido ao meio por um corrimão em estrutura metálica. Depois há um
patamar com piso em cerâmica bege, cada peça com formato hexagonal e
dimensão de 15x15cm, que possui no ponto central 4m de largura. No limite entre o
patamar e os degraus, nos trechos onde não existem degraus, há uma mureta em
alvenaria com 50cm de altura pintada com tinta bege. Na lateral sul, no centro deste
patamar, há um pequeno altar em mármore branco e base em granito preto com a
imagem de Nossa Senhora de Fátima. Possui a seguinte inscrição: “A 13 de junho
do ano santo mariano de 1954 comemorando-se nesta paróquia de Nossa Senhora
da Boa Viagem o primeiro aniversário da visita da virgem peregrina de Fátima os
devotos construíram este altar”. Na extremidade direita desta entrada, há ainda um
lavabo em pedra sabão datado de 1793, segundo placa de vidro instalada próxima,
onde se lê:
Esse lavabo pertenceu à antiga Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, do Arraial do Curral Del Rei, e ficava instalado no fundo da sacristia lateral
81
esquerda da igreja. Com a demolição da Matriz, em 1932, foi adaptado como chafariz em área externa da nova Catedral.
Em 1942, foi doado ao acervo do Museu Histórico Abílio Barreto, por iniciativa da Cúria Arquiepiscopal de Belo Horizonte. Naquela ocasião, decidiu-se por mantê-lo exposto no mesmo local onde se encontrava. Somente em 1986, foi transferido para a sede do Museu, instalando-se uma réplica de cimento em seu lugar.
Em 1999, o Projeto de Extensão do Museu Histórico Abílio Barreto na Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem retornou o lavabo para a igreja. Após ser restaurado, foi adaptado neste espaço em dezembro de 2000.
Este Projeto de Extensão é um tributo à Matriz colonial desaparecida e pretende reafirmar o sentido simbólico desta Catedral como espaço consagrado à memória coletiva de Belo Horizonte, em seu universo religioso, histórico e cultural.
As portas laterais do templo são protegidas por um corredor coberto criado pelos
arcobotantes da estrutura, limite marcado por um último degrau. Cada lateral possui
três portas de madeira com um metro de largura, que se abrem em duas folhas.
Ladeando a porta do meio existem dois quadros de aviso, um de cada lado,
incrustados na parede com fundo de cortiça e fechamento em vidro. O piso sob o
marco das portas é em mármore branco. Além destas três portas na lateral, em cada
lado do corpo do templo, existe outra porta perpendicular às primeiras que dá
acesso ao transepto.
Figura 24: Entrada lateral, porção norte, do templo.
Grade de ferro que fazem o fechamento nas laterais do templo.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
82
Figura 25: Lavabo em pedra sabão na lateral sul.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
A porta principal também é em madeira, com desenhos geométricos esculpidos e se
abre em duas folhas. Possui 2,5m de largura e 3,5m de altura. É encimada, no lado
externo, por uma imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem em alto relevo. Sob o
marco, o piso é em granito cinza. Ao se entrar na igreja pela porta principal, há um
intervalo21, o esonártex, antes da segunda porta de madeira, chamada tapa-vento.
Esta ultima com 2,0m de largura e 3,0m de altura, é dotada de desenhos
geométricos esculpidos na madeira e três faixas de vidro decorado e colorido em
cada folha da porta. De um lado são os seguintes desenhos: chaves cruzadas com a
inscrição penitentia; um cálice e uma hóstia sobre uma bíblia com a inscrição
sacerdotium; e uma âmbula com a inscrição extrema unctia. Na outra folha da porta:
uma mão com uma concha derramando água e a inscrição baptismus; uma pomba
com as asas abertas soltando raios luminosos e a inscrição confirmatio; e duas
mãos se apertando com a inscrição matrimonium. Encimando tal porta há um vitral
colorido com a ilustração de anjos e no centro um círculo com as letras JHS e,
embaixo, a inscrição regem regum daminum, venite adoremus e ‘Em Homenagem
21
Termo utilizado conforme conceitua Hertzberger (1999). É o espaço de transição e a conexão entre duas áreas de características distintas, como o dentro e o fora, é o espaço para as boas vindas e as despedidas.
83
aos Revmos. Pe José Ronardie e Pe Roque Colombos’. Ladeando esta porta estão
incrustados na parede dois quadros de aviso, com 80x40cm de dimensão, fundo de
cortiça e fechamento em vidro. Neste intervalo, o piso é em mármore branco
intercalado com doze quadrados de 25x25cm de mármore em tonalidade arroxeada,
dispostos em quatro colunas. O rodapé possui 1,0m de altura, é neste mesmo
mármore arroxeado com acabamento arredondado na parte superior. As paredes,
como em todo o interior da igreja, são pintadas em tons pastéis: bege no geral e
amarelo nos detalhes. Há um lustre em ferro fundido decorado.
Figura 26: Porta de entrada, após o exonártex.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
O esonártex possui 3,0 x 4,0 metros e, em cada lateral um espaço de dois 2,0 x
2,0m. Para acessar tais espaços há um degrau, sob portais de 2,0m de largura e
4,0m de altura, com acabamento superior em arcos ogivais e fechamento com
portões de ferro e estrutura vazada (chapas estreitas de ferro fazem desenhos
circulares e ovais, possuindo 1,80m de altura). O piso é semelhante ao do intervalo
e as paredes são dotadas do mesmo rodapé. Contudo, acima deste rodapé há uma
faixa de mármore bege, finalizado por um barrado arredondado no mármore
arroxeado. Acima disso, a parede é pintada de bege. Cada um desses espaços
possui quatro vitrais, cada qual com 70cm de largura e 3,0m de altura. Sendo um
84
voltado para a frente do templo (na mesma parede da porta principal), dois voltados
para a lateral e um para o interior (no corpo do templo). No espaço do lado norte, o
vitral voltado para frente possui ilustração de anjos de joelhos, nos da lateral
ilustrações de São Mateus e de São Lucas. No espaço do lado sul, o vitral voltado
para frente possui ilustração de uma mão que sai do céu, uma pomba descendo e
sete chamas; nos da lateral a ilustração de São Marcos e de São João. Em ambos
os lados, o vitral voltado para o interior possui ilustração de flores e da hóstia.
O espaço do lado sul é ocupado com uma representação da crucificação de Jesus
com as três Marias (Maria mãe de Jesus, Maria Madalena e Maria de Cléofas), com
imagens em tamanho natural. Ao lado do portal de acesso deste lado, há uma placa
de ferro com a seguinte inscrição: “Homenagem do povo de Caeté ao
desembargador José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, Visconde de Caeté,
primeiro presidente constitucional da província de Minas Gerais, nomeado em 25 de
novembro de 1823 pelo Imperador D.Pedro I e batizado nesta igreja. 23 de janeiro
de 1973 Jair de Carvalho – prefeito”. O espaço do lado norte abriga a Capela do
Sepulcro, um túmulo em granito preto onde estão enterrados os dois primeiros
arcebispos metropolitanos de Belo Horizonte: Dom Antônio dos Santos Cabral
(nascido em 08/10/1884 e falecido em 15/11/1967) e Dom João Resende Costa,
SDB (nascido em 19/10/1910 e falecido em 21/07/2007). Sobre o túmulo, em letras
douradas, está escrito: “No Senhor ponho minha esperança. N’Ele se encontra toda
graça e copiosa redenção (SL 129, 5-7)”.
85
Figura 27: Espaços na entrada do templo, do lado sul e do lado norte, nessa ordem.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
O piso no interior do templo, em seu corpo principal, é em taco de madeira e o
rodapé com 10cm também em madeira. Acima do rodapé, a parede é marcada por
uma pintura em tom acinzentado brilhante e o restante das paredes pintadas em
bege com os detalhes pintados em tom amarelo pastel. Os 14 quadros com
representação da via sacra estão dispostos nas paredes laterais da nave, são
figuras em baixo relevo, de gesso pintado a óleo, incrustados na parede e em tom
bege brilhante.
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Figura 28: Vista interna da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
No fundo do templo, lado oposto ao altar, existem duas portas de madeira, uma de
cada lado. Ambas com três folhas, sendo que uma delas é fixa e com desenhos
geométricos na madeira. Sua dimensão total é de 3,0m de largura, cada folha
dimensionada com um metro, e 3,0m de altura. Na parte superior a madeira é
recortada, gerando uma moldura decorativa com arcos ogivais, deixando vazios que
são vedados com vidro. A porta do lado sul leva a uma escada de 23 degraus em
espiral e com piso frio vermelho (pó xadrez), na base da qual está um pequeno
espaço destinado à Pastoral da Escuta com piso em taco de madeira. Na parede
circular da escada há quatro vitrais coloridos azuis e amarelos, lisos e sem
desenhos, com dimensão de 60cm de largura por 3,0m de altura. Esta escada leva
ao coro lateral, um mezanino com 3,0m de largura e 9,0m de comprimento
acompanhando longitudinalmente o corpo do templo. Na parte oposta à parede
externa, há uma mureta de 0,80m de altura funcionando como guarda corpo. Na
parede externa existem três vitrais redondos decorados e coloridos. Dividindo
longitudinalmente o coro há uma fila de 12 colunas circulares, com capitéis no estilo
Jônico, interconectadas por arcos ogivais. Acima desta fila de colunas, na parede
externa do templo, são dispostas três rosáceas em vidro colorido.
O lado norte, o qual é acessado pela outra porta mencionada, diametralmente
oposta, é exatamente igual, espelho do lado sul. Contudo a base da escada é
destinada a confissões. E, a partir do coro lateral, a escada continua com mais nove
87
degraus até o coro principal situado no fundo da igreja, no lado oposto ao altar. Este
coro ocupa toda a largura da nave da igreja (9,0m) e tem 4,0m de profundidade. Seu
piso é em ladrilho hidráulico com decoração floral predominando a tonalidade vinho.
Existe um guarda corpo de alvenaria, similar ao dos coros laterais. Na parede
externa está colocado um altar de madeira, pintado de branco com decoração floral
entalhada e pintada de dourado, no centro do qual há uma imagem de Santa Inês22.
Este altar é o retábulo do Sagrado Coração de Jesus da antiga matriz. Foi
desmontado e doado ao Museu Histórico Abílio Barreto em 1942, onde ficou até
1957, quando foi remontado e restaurado para 60º aniversário de Belo Horizonte.
Permaneceu no museu até 1999, quando foi novamente restaurado e transportado
para a catedral. Ladeando este altar existem dois vitrais (um de cada lado) com
ilustração de anjos.
Figura 29: Vista do coro lateral sul.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
22
Normalmente, neste altar fica uma imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Contudo, pela proximidade com o natal e da festa da padroeira, a imagem foi trocada. Isto porque, a construção do presépio localizado em frente ao altar onde fica a imagem oculta-a.
88
Figura 30: Vista do coro lateral sul, mureta que é o guarda corpo e fila de colunas que divide o coro.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
Figura 31: Vista do coro lateral norte.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
89
Figura 32: Vista do coro principal.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
Figura 33: Coro principal.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
90
Figura 34: Detalhe do altar existente no coro principal.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
O cruzamento, ponto de encontro entre o corpo e os braços, é encimado por uma
cúpula. Nas quinas entre os braços e a cabeça da cruz da planta do templo há um
chanfrado e em cada um está conectado um púlpito de mármore branco com
decoração de colunas com arcos ogivais. Acima dos quais há as inscrições
“adoremus” (sul) e “in aeternum” (norte).
O piso do altar é em mármore branco, sendo quatro degraus até onde está colocada
a mesa e depois mais dois até onde está o sacrário. Ao longo do segundo degrau há
uma mureta divisória em mármore branco decorado, de 0,70m de altura, com uma
abertura na parte central. No fundo do altar, fechando a curva da abside, há cinco
vitrais decorados e coloridos, com ilustração de anjos e dimensão aproximada de um
por 5,0m. Todo o altar é em mármore branco com coroamento em pontaletes. Na
parte central do altar está o sacrário que tem em si uma porta metálica em tom
dourado, acima da qual está apoiado o tabernáculo, à semelhança dos retábulos ou
portadas das igrejas coloniais, e o ostensório com fundo vinho e coroamento por
baldaquino23, branco, seus detalhes em dourado e encimado por crucifixo. O
sacrário é ladeado por imagens esculpidas de anjos e não possui outras imagens. A
mesa do altar é também toda em mármore branco. Nas laterais e à frente da mesa
do altar existem dois ambões de mármore branco, utilizados para as leituras bíblicas
23 Estrutura que lembra que lembra uma coroa, é uma pequena cobertura de mármore rendilhado que
possui função protetora encerrando o ostensório.
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durante o culto religioso. Nas laterais do altar, existe uma porta de cada lado que
levam às sacristias.
Figura 35: Altar principal.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
Nas extremidades do transepto existem altares laterais. Para acessá-los há dois
degraus com piso em mármore branco, mas o piso nos braços é em taco de
madeira. O altar propriamente dito é em mármore bege decorado, com três degraus
uma mesa estreita e, a ele acoplado, um sacrário com porta metálica em tom
acobreado e nichos para três imagens. Acima destes altares secundários estão três
vitrais decorados e coloridos, sendo que os dispostos nas laterais são menores que
o central. No lado sul, o altar possui detalhes no mesmo mármore que o compõe. A
imagem central é do Sagrado Coração de Jesus, a seu lado estão as imagens de
São José e de Nossa Senhora da Boa Viagem24. O vitral maior possui uma cena da
vida de Jesus Cristo. O batistério, em pedra, está situado neste espaço. No lado
norte, o altar possui detalhes em mármore rosado. A imagem central é de Nossa
Senhora da Boa Viagem, imagem que ficava na Capela do arraial de Curral Del Rei
vinda de Portugal numa nau comandada por Francisco Homem Del Rei em 1709, e
ao seu lado imagens menores ambas de São Pedro Julião Eymard, uma que
representa o santo de veste branca e outra em que ele segura um ostensório. O
24
Trocada com a de Santa Inês, que está no altar de madeira do coro central.
92
vitral maior ilustra uma cena da vida da igreja. Em cada um dos espaços há um
confessionário em madeira. E também uma porta que dá acesso às sacristias.
Figura 36: Altar na lateral sul.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
Figura 37: Batistério situado no lado sul do templo.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
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Figura 38: Confessionário existente em ambas as laterais do templo.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
Figura 39: Altar lateral norte.
Fonte: Acervo particular da autora, 2014.
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Ambas as sacristias possuem piso em ladrilho hidráulico com motivos florais, mesmo
do coro principal. São espaços com armários baixos de madeira e escada em espiral
de madeira. Possuem iluminação natural com vitrais coloridos sem desenhos e, na
sacristia do lado sul, há um lustre de cristal. As sacristias possuem continuidade em
corredores que interligam o templo com a edificação dos fundos.
A descrição realizada do templo permite enfatizar a herança da linguagem tanto
urbanística como arquitetônica, que destaca todo um legado histórico desenvolvido
para ressaltar os ritos. Observa-se que casamentos e batismos se inserem com
preferências explícitas de adornos e espaços.
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Figura 40: Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem ilustrando os adendos construtivos realizados ao longo to tempo.
Fonte: Projeto de restauração e consolidação dos elementos artísticos da Catedral da Boa Viagem.
A igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem foi tombada como patrimônio histórico
pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
(IEPHA/MG) em 1977.
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6.4 O Centro Espírita São Sebastião
O Centro Espírita São Sebastião é uma casa umbandista situada à rua Jataí 1309,
no bairro Concórdia, regional Nordeste de Belo Horizonte. Foi o primeiro terreiro
registrado do município, mas não podemos afirmar que seja o mais antigo. Sua
linguagem arquitetônica e urbanística é completamente diferente da igreja cristã
católica e reflete sua historicidade específica, conforme se verá.
Figura 41: Localização do Centro Espírita São Sebastião.
Fonte: Site Google Inc. Acesso em 20/11/14 Grifo nosso.
D. Isabel Casimira das Dôres Gasparino é a atual guardiã do terreiro assim como da
Guarda Moçambique Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário. Ambos herança
de sua mãe, Maria Casimira das Dores. D. Maria herdou o terreiro, que freqüentava
e onde atuava como médium, por decisão do antigo mentor e os objetos rituais
foram entregues na sua casa, onde D Isabel vive até hoje. Atualmente situa-se no
bairro Concórdia, entretanto antes de estar sob a responsabilidade de D. Maria
situava-se no bairro Santa Tereza, chamado de “Isolado” pois, desde 1910, abrigava
um hospital para tratamento psiquiátrico e de doenças infecto-contagiosas o que
gerava um relativo isolamento da área.
Nos dias atuais, a casa possui um corpo mediúnico forte e consistente, com pelo
menos quatro médiuns em cada culto. Os fiéis participantes dessa casa umbandista
são oriundos de diversas áreas da cidade, como os bairros Barro Preto e Barreiro.
Segundo seus dirigentes, possui boa relação com a vizinhança, sem haver
RUA JATAÍ
97
problemas ou reclamações. As reuniões acontecem às segundas, quartas e sextas,
sempre à noite, a partir das 19:30.
A casa onde funciona o centro umbandista é também residência de D. Isabel e seus
familiares. Contudo esta não é uma prática obrigatória, muitas casas de Umbanda
em Belo Horizonte são independentes das residências de seus zeladores
principalmente por motivo de manutenção da privacidade dos mesmos. O que expõe
a tendência de separação entre sagrado e profano, conforme definição dos termos
em capítulo anterior. Contudo, na casa umbandista objeto deste estudo, o sagrado e
o profano se misturam e são percebidos de forma sutil. Como por exemplo, a
retirada do calçado durante o culto.
Figura 42: Setorização do Centro Espírita São Sebastião.
Fonte: Site Google Inc. Acesso em 20 nov. 2014
O Centro Espírita São Sebastião é sediado em uma edificação de padrão construtivo
mediano, com paredes de alvenaria e cobertura em telhado cerâmico com estrutura
VEGETAÇÃO
CERCA FRONTAL
ACESSO SALÃO CULTO
DOMICILIO D. ISABEL
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de madeira, situada em um lote planificado de uma rua com declividade acentuada.
A elevada declividade da rua Jataí é conseqüência de sua implantação na encosta
do divisor de águas, é pois uma via grimpante, no cume do qual está a rua Jequirica.
O lote onde se localiza a sede da casa umbandista possui muros de arrimo em seus
limites com os lotes vizinhos e a divisa do lote com a rua é marcada por uma cerca
baixa de estrutura metálica. Não há nenhum tipo de placa ou sinalização do terreiro
no lado externo. Fotografias do espaço do templo não são proibidas tampouco são
incentivadas e, durante as visitas para esta pesquisa, não foi possível obtê-las.
A edificação está implantada no meio do lote, com afastamentos maiores na frente e
na lateral do lado mais baixo do terreno. Na área não edificada, o piso é cimentado e
possui vegetação, especialmente no limite do lote do lado mais baixo do terreno. Há
duas árvores de grande porte e diversas plantas de pequeno porte, tanto no solo
quanto em vasos. A construção possui um único pavimento e o cômodo mais
externo, com entrada independente, é a sala onde acontecem os ritos umbandistas.
Contíguo e no fundo deste estão os cômodos que constituem a residência de D.
Isabel e sua família.
Uma característica marcante é a presença de Exu, que é o orixá ligado à
dinamicidade, ao movimento. Por isso, ele é protetor dos caminhos e da entrada do
templo. Também é ele o responsável por ligar o mundo material ao mundo espiritual,
sendo eixo de correlação entre o sagrado e o profano. Assim é comum a existência
de uma tronqueira25 na entrada da casa, em qualquer lugar da entrada da casa. No
Centro Espírita São Sebastião há uma tronqueira de Exu, contudo sua exata
localização não pode ser informada para os não médiuns. Os médiuns acreditam
que a confidencialidade dessa localização é importante porque garante a
estabilidade e benfeitorias da energia e proteção dada por Exu à casa.
O cômodo reservado ao culto não apresenta forro, deixando aparente o telhado de
duas águas, estrutura de madeira e telha francesa. Dividindo longitudinalmente a
sala, existe uma estrutura de madeira encapada com tecido xadrez de verde e
25
Casa de Exu. “Nos terreiros, próximo aos portões, porteiras, entradas, portas ou inícios dos terrenos, quartinhas, árvores, ferros assentados ou casinholas, casas miniaturizadas ou mesmo outras de tamanhos convencionais, sinalizam que ali está e mora Exu – orixá interpretado primordialmente como guardião, dono da porta, cão de guarda, dono dos caminhos, o inaugurador por excelência. Quando casas convencionais, poderão ser pintadas interna ou externamente de vermelho e preto ou ainda ostentar um símbolo indicador do orixá Exu.” (LODY, 2006, p. 124)
99
branco. Presas a esta estrutura de madeira, estão duas luminárias de lâmpadas
fluorescentes tubulares. Próxima a altar, há outra luminária de lâmpada
incandescente com globo de vidro, que a única a permanecer acessa durante os
cultos. A partir daquela estrutura de madeira há múltiplas linhas de cordão ligando-
se às paredes laterais, nas quais há pequenas tiras de papel crepom na tonalidade
rosa apagado com comprimento de 20cm. Formando uma espécie de forro que
balança com o vento. As paredes são em alvenaria rebocada e pintada por fora de
verde e no interior em tom claro. O piso interno é de pó Xadrez vermelho.
Uma única porta dá acesso ao exterior da edificação. Esta porta possui estrutura de
ferro, pintada de azul claro, e vedação em vidro canelado, tem largura de 1,50m e
2,50m de altura. Contudo, apenas uma folha de 90cm por 2,10m se abre. Os outros
60cm na largura são divididos em trinta centímetros para cada lado de vidro fixo e
acima dos 2,10m em forma de arco também há vidro. Ao lado desta porta de entrada
há uma janela do tipo basculante com estrutura de ferro e vedação em vidro
canelado. Há outra janela tipo basculante na parede à esquerda de quem entra,
próxima ao altar. E duas outras portas que dão acesso ao interior da edificação,
ambas no fundo da sala e com dimensão de 2,10 por 0,90 metros. Uma na mesma
parede onde está o altar, que leva a um quarto destinado aos orixás, é o quarto de
santo. O acesso é exclusivo aos médiuns da casa e os ritos que ali acontecem são
sigilosos.
Quarto de Santo (s.m.) Espaço integrado ao conjunto de uma habitação, quarto individual de um santo – orixá, vodum ou inquice -, ou quarto de uma família de santos ou ainda quarto coletivo de todos ou quase todos os santos do terreiro. Geralmente quarto de santo ou casa de santo têm o mesmo significado independente da solução arquitetônica encontrada e representada nas diferentes tendências arquitetônicas. Convencionalmente, as construções são de taipa ou alvenaria, recebendo tapagens de folhas de coqueiro e telhas de barro. Possuem as casas, quando individualizadas, porta e janela, tendendo a exibir externamente cores simbólicas dos deuses habitantes. (LODY, 2006, p. 132)
A outra, na parede à direita de quem entra, leva aos cômodos da habitação da
zeladora de santo, D. Isabel, e sua família.
O cômodo dos cultos possui 3,0m de largura por 6,0m de comprimento e é dividido
transversalmente por uma cortina de tecido lilás, que é presa a um trilho fixado em
uma viga de madeira pintada de azul. Esta cortina pode ser fechada ou aberta
conforme a necessidade do culto, ela separa o espaço mediúnico do espaço da
assistência. Do lado oposto à porta de entrada, na parede diametralmente oposta,
100
fica o altar (pegê) que é uma mesa coberta com uma toalha branca e sobre ela, ao
centro, um grande oratório com aproximadamente um metro de altura, pintado de
azul e dentro do qual há diversas imagens de entidades da Umbanda e de santos
católicos. Em cima da mesa, ladeando o oratório, há dois vasos com variados tipos
de folhas. Ainda em cima da mesa há três grandes imagens, de São Jorge, de N.
Sra. Do Rosário e de N. Sra. Do Rosário juntamente com São Domingos de Gusmão
e com Santa Rita, e as quartinhas. As quartinhas são vasos de tamanhos diversos,
com alça de um ou dos dois lados, que contêm os elementos da natureza para se
fazerem presentes os orixás.
Hidrocerame 26
que comporta cerca de um quarto de litro de água. É utensílio dos mais comuns e também indispensável à vida religiosa dos terreiros, especialmente os de Candomblé. Às vezes é substituída pela moringa, funcionando como objeto componente de assentamentos e também na sinalização arquitetônica dos terreiros.
A quartinha, colocada na cumeeira, no portão, próximo a uma árvore ou em outro local de destaque e de fácil visualização, indica espaço ritual religioso, equivalente à cruz dos católicos ou à estrela-de-davi dos judeus.
A quartinha em barro cozido sem pintura é freqüente, como também as pintadas nas cores votivas de deuses africanos. (LODY, 2006, p. 114)
Deste lado da cortina, à esquerda do altar, há uma grande poltrona onde D. Isabel
se assenta durante o culto. Existem também banquetas que são colocadas ou
retiradas conforme a quantidade de médiuns que participarão do culto. Em tal
espaço acontece a roda e as danças dos médiuns durante o culto, por isso é
chamado espaço mediúnico. Do lado mais perto da porta existem bancos longos de
madeira, dispostos paralelos à parede da porta de entrada e de frente para o altar.
Sendo dois bancos com encosto e três sem encosto decorados com pintura de
flores, todos com 1,50m de comprimento. É nestes bancos que os participantes, não
médiuns, se assentam durante o culto, por isso é chamado espaço de assistência.
Nesse espaço da assistência, há ainda uma mesa de 2,0m por 0,90m que fica
encostada na parede à esquerda de quem entra, coberta com uma toalha e
encimada com um vaso de orquídea.
Decorando as paredes há diversos quadros. Na parede à esquerda de quem entra
há dois quadros, dimensionados em 10 x 25cm cada, com pinturas de tulipas; há
uma página de jornal emoldurada que fala sobre tambor; um quadro de preto velho;
foto de um senhor negro; impresso em sulfite com os seguintes dizeres: “Reunião
26
Vasilhame utilizado nos ritos umbandistas, outro nome dado à quartinha.
101
Pública – 20:00 às 22:00hs – segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira. *Favor ser
sucinto. *outros estão a esperar em aflição. *a casa tem regras. *permaneça em
oração e abandone as conversas vazias. *caso queira um atendimento particular,
indicamos alguns.”; certificado do 30º Festival de Congado agradecendo à Izabel
Cassemiro das Dores Gasparino27 emoldurado; quadro de divulgação do congado;
quadrinho com a imagem de Sta. Cecília; espelho de 1,00 por 0,40m; quadrinho com
ilustração de cruz e flores. Nesta mesma parede depois da cortina ainda há um
chocalho; o retrato Dr. Bezerra de Menezes; três quadros de santos diversos; um
pau d’água; uma carranca de madeira; um calendário; e no parapeito da janela
basculante, há um relógio e diversos patuás. Na parede do altar, entre as duas
portas internas, há um filtro cerâmico em cima de um banco de madeira. A parede à
direita de quem entra é decorada com um quadro da Guarda de Moçambique 13 de
Maio de N. S. do Rosário com foto e descrição da guarda; quadro para afixar avisos,
confeccionado em cortiça pintada de bege; foto emoldurada exibindo duas pessoas
dançando reinado; impresso em papel sulfite com dizeres iguais ao afixado na
parede em frente; quadro com a imagem da crucificação de Cristo; estandarte de
N.Sra. de Fátima. Ainda nesta parede, após a cortina, há um pequeno altar afixado
na parede com imagens de preto velho; dependurada em um prego uma pequena
sacola confeccionada em TNT verde; uma espada esculpida em madeira; um quadro
de Sta. Teresinha; o retrato da mãe de D. Isabel, Maria Cassimira das Dôres; banner
com a imagem de Efigênio Casemiro, irmão de D. Isabel, em homenagem ao seu
falecimento, escrito “As pessoas não morrem, ficam encantadas.”; uma estrela do
mar; uma borboleta de plástico e o retrato de Conceição Moreira, avó de D. Isabel.
Encostado na parede, atrás da porta de entrada há uma carranca esculpida em
madeira e um filtro do modelo de galão. No parapeito da janela basculante que fica
na mesma parede da porta de entrada, há um pequeno vaso de kalanchoe. Acima
da viga, de onde pende a cortina, ainda há uma boneca preta com vestido verde e,
dependurado no teto, um mensageiro do vento confeccionado com conchas do mar.
A parede, acima do altar, é decorada com cachos de uva de plástico e há um desses
preso na lâmpada com globo de vidro.
27
O Nome de D. Isabel está grafado exatamente desta forma no certificado, contudo confirmamos com a filha da mesma e a grafia correta é a usada anteriormente por nós: Isabel Casimira das Dôres Gasparino.
102
Importa destacar que toda esta decoração da sala de culto do Centro Espírita São
Sebastião não é definitiva e pode ser alterada a qualquer momento, de acordo com
a vontade da zeladora de santo. Aqui foi descrito o observado pela autora em visita
ao templo no dia 14 de janeiro de 2015.
Observa-se no espaço físico do terreiro uma setorização ritual pré estabelecida. A
exposição das figuras, imagens, objetos e eventos importantes para o grupo
religioso específico, retrata um quadro temporal que enfatiza o ciclo de lembrança da
vida familiar e do grupo presente.
7 A RELAÇÃO ENTRE O SAGRADO E O PROFANO NAS FESTAS
RELIGIOSAS
Há uma diversidade de festas tanto na Igreja Católica quanto na Umbanda, contudo
serão analisadas aqui as festas, citadas por Gennep (2011) como ritos de
passagem. Os casamentos e os batizados possuem celebração dentro do templo e
fora dele, possuem um rito próprio no âmbito religioso e também estimulam as
pessoas a festejarem, a celebrarem o ato fora do espaço sagrado. Destaca-se a
relevância de ambas as festas na paisagem urbana, uma vez que, por serem
celebradas dentro e fora do templo, exigem o deslocamento dos convidados e
também uma apropriação de dois espaços distintos.
7.1 A relação entre o sagrado e o profano dentro da Igreja Católica
Aqui serão descritos o rito religioso sagrado e a festa profana dos sacramentos do
batismo e do matrimônio, para os fiéis da Igreja Católica.
Batismo
O batismo na Igreja Católica atualmente é celebrado principalmente em crianças. O
batismo para esta religião possui uma longa história e vasta tradição, contudo não
cabe incluí-la neste trabalho. Aqui, apenas descreveremos o rito como ele acontece
atualmente, especialmente na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. Esta descrição
terá como base a observação e vivência da pesquisadora e também livro próprio
intitulado Batismo de Crianças, elaborado e aprovado pela 18ª Assembléia da
103
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizada na cidade de Itaici em
14 de fevereiro de 1980, e publicado pela editora Paulinas.
Como todo sacramento da Igreja Católica, antes do rito propriamente dito há uma
preparação. Como no caso do batismo as pessoas que receberão o sacramento são
crianças, em geral muito novas, e portanto não tem capacidade de entendimento, a
preparação envolve os pais e os padrinhos. Esta preparação tem formato variado,
conforme a paróquia em que está acontecendo. Na Igreja Nossa Senhora da Boa
Viagem, a preparação de pais e padrinhos para o batizado acontece sempre às
sextas feiras de 19 às 21 horas, no salão paroquial anexo à igreja. Consiste em uma
palestra, dada por leigos, explicando o que acontece no rito e o significado do
batismo.
Sempre no último domingo do mês, às 10 horas da manhã, acontece a cerimônia do
batismo na igreja em estudo. É uma cerimônia coletiva, ou seja, várias crianças são
batizadas no mesmo evento. Não há regra sobre o número máximo de crianças que
podem ser batizadas numa mesma cerimônia, contudo, por questões de praticidade
e logística, tal igreja evita um número maior que dez crianças. É importante que,
durante o batizado, as portas da igreja estejam abertas e que a comunidade assista
para testemunhar o sacramento. Comumente, esta comunidade consiste apenas dos
familiares e amigos da família das crianças que estão sendo batizadas.
O rito é dividido em quatro partes: ritos iniciais, liturgia da palavra, liturgia
sacramental e rito final. Os ritos iniciais são os primeiros momentos da celebração,
que começa com a chegada dos convidados, dos padrinhos, dos pais e da criança a
ser batizada. O padre, ou seus ajudantes, recebe as crianças na porta da igreja e as
conduz, juntamente com as outras pessoas, para dentro da igreja direcionando para
os bancos, próximos da pia batismal, onde devem se sentar. É a sacralização do
momento, a saída do espaço profano e entrada no espaço sagrado, ao mesmo
tempo em que se prepara o espírito e postura dos fiéis para o envolvimento no rito
religioso e sagrado. A pia batismal, também chamada batistério, é um bojo em pedra
com aproximadamente 1,0m de diâmetro apoiado sobre uma coluna da mesma
pedra com altura de 1,0m, se localiza no lado sul do transepto da Igreja Nossa
Senhora da Boa Viagem. É dentro deste bojo que fica a água que será usada no
batismo; esta água é aí colocada por pessoas que ajudam na igreja e pode ser
104
morna ou fria. Não é costume decorar a igreja de forma especial para a celebração
de batismos.
Depois de as pessoas estarem acomodadas nos primeiros bancos da nave da igreja
em estudo, o padre saúda os presentes e inicia a celebração em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo (referência a Santíssima Trindade, doutrina cristã que
professa Deus único preconizado em três pessoas distintas). Em seguida, os pais se
apresentam e apresentam o filho, dizendo seus nomes, e pedem o batismo para seu
filho(a). Este pedido consiste em uma frase simples a exemplo de: “Nós viemos aqui
pedir o batismo para nosso filho(a) (fala-se o nome da criança)”. O padre passa
então fazendo o sinal da cruz na testa de cada criança a ser batizada.
Na sequência acontece a liturgia da palavra, na qual é feita uma leitura da bíblia e o
padre faz a homilia de forma a testemunhar a presença de Deus aqui e agora.
Depois é feita a oração dos fiéis, onde se invoca a misericórdia de Deus, estas
preces podem ser lidas por qualquer um dos presentes. A seguir faz-se a invocação
dos santos, onde alguém lê o nome de alguns santos e a comunidade responde
“Rogai por nós”. O padre faz, então, uma oração para concluir esta parte e por fim,
acontece a unção pré-batismal. Nesta unção, o padre passa no peito de cada
criança o óleo do catecúmeno, este óleo juntamente com o óleo do Crisma, são
óleos sagrados da igreja e são produzidos em épocas e cerimônias especiais.
A liturgia sacramental é a próxima parte e se inicia com a oração sobre a água antes
de essa ser colocada dentro da pia batismal. A água no batismo possui diversos
significados: lembra a água do rio Jordão em que Jesus foi batizado por João seu
primo; mergulhar e sair da água significa morrer e ressurgir; os homens tomam parte
na morte e ressurreição de Cristo e são então incorporados a Cristo crucificado e
glorificado; a água dá vida; sem água morre a plantação, morrem os animais e as
pessoas; pela água do batismo o homem recebe a vida divina; a água lava; lava e
limpa o corpo e renova o espírito; destrói a corrupção, lembrando o dilúvio descrito
na bíblia; liberta do pecado. São então realizadas as promessas do batismo, os pais
e padrinhos fazem em nome da criança que está sendo batizada e assumem o
compromisso de educá-la na fé, que é a renúncia ao pecado e proclamação da fé
em Jesus Cristo. O padre então faz perguntas e os adultos respondem no singular,
renuncio ou creio. Tais perguntas são sobre a renúncia ao pecado e às suas
manifestações e ao demônio e sobre a profissão de fé onde se confirma crer em
105
Cristo e em tudo que Ele fez e anunciou. As crianças são então levadas pelos pais e
padrinhos, uma de cada vez, à pia batismal e o padre derrama um pouco de água na
testa da criança. À medida que há esta infusão, cada família volta ao seu lugar e
permanece sentada esperando até que o mesmo se faça com todas as crianças
presentes. Terminada esta etapa, há a unção com o óleo do crisma, na qual o
ungido recebe três missões: sacerdotal, através do serviço aos irmãos; profética,
através do testemunho da palavra; e real-pastoral, através do compromisso com a
transformação do mundo. O próximo momento da liturgia sacramental consiste no
rito da luz e do fogo, os padrinhos são convidados a ir acender a vela no sírio
pascal, levá-la e apresentá-la à criança dizendo “Recebei a luz de Cristo”.
Por fim, no rito final, a comunidade reza junto a oração do pai-nosso e o padre faz a
benção final agradecendo a Deus pelos bens que Ele nos dá. A comunidade se
dispersa, então, e sai do templo.
É comum as famílias se reunirem após o rito do batismo para um almoço ou uma
confraternização, que pode acontecer em um restaurante ou na casa da criança
batizada. É este o momento em que o sagrado e o profano se reúnem nesta
cerimônia: a devoção que provoca o reconhecimento da proximidade com Deus, o
sagrado, através do rito dentro do espaço consagrado e a festa profana que une as
pessoas entre si através da alegria, da comida e da bebida.
106
Figura 43: Batizado de Julio Pires, filho de Dilma Pires da Silva e Edemir Alves da Silva, acontecido na Igreja N. S. Boa Viagem e teve como padrinhos Osmary Pires da Silva (a mulher) e Osmany Pires
da Silva (o homem).
Fonte: Autor desconhecido, 1960. Acervo pessoal de Dilma.
Casamento
A outra vertente dessa relação entre o sagrado e o profano estudada neste trabalho
é a celebração do matrimônio. Na Igreja Católica ela é precedida por um curso
preparatório, sendo que na paróquia de Boa Viagem tal curso acontece sempre no
último domingo do mês, de dois em dois meses, de 7:30 às 19:00 horas. Neste
curso uma equipe de leigos conversa com um grupo de noivos sobre a realidade do
casamento, orçamento doméstico, dificuldades e formas de superação na vida do
casal, importância da oração em família e criação dos filhos. A participação dos
noivos é certificada em um documento, que é necessário para a marcação da
cerimônia do casamento na igreja. Também antes da celebração do casamento,
deve constar que nada impede a sua válida e lícita celebração. Por tal motivo, cada
casal de noivos conversa individualmente com o padre e a igreja faz correr os
proclames, que é uma divulgação dos nubentes e pesquisa em outras paróquias se
não há algum impeditivo. Destaca-se que antes da Constituição de 1891, quando o
Estado se tornou laico, o casamento realizado na Igreja Católica possuía também
valor civil.
107
De acordo com a Igreja Católica, através do livro Ritual do Matrimônio (RITUAL,
1993), deve-se tomar cuidado na celebração do sacramento com o luxo e os
excessos que anestesiam a emoção do sacramento. A decoração da igreja, com
flores e tapete, as fotografias e filmagens, e as expressões musicais são comuns
nas cerimônias observadas, contudo não fazem parte do rito oficial celebrado pela
Igreja Católica, são formas de envolvimento e invasão do profano no sagrado.
Conforme consta no livro mencionado, o Rito do Matrimônio, que aqui será descrito,
foi instaurado por decreto do Concílio Vaticano II no ano de 1969. Cabe ressaltar
que, apesar de o rito ter sido modificado nessa época, a tradição do casamento na
Igreja Católica remonta ao Antigo Testamento da Bíblia Sagrada. Para a Igreja
Católica, o Matrimônio28 é constituído pelo pacto conjugal, que é o consentimento
mútuo e irrevogável, no qual os cônjuges se doam e se recebem mutuamente.
Existem duas formas de se celebrar o casamento cristão católico: dentro da missa
ou sem a missa. Entretanto, em ambos os casos, devem aparecer claramente os
elementos principais: liturgia da palavra, consentimento dos nubentes, oração
invocando a benção de Deus sobre a esposa e o esposo, e a comunhão eucarística
dos noivos. Neste trabalho falaremos mais detalhadamente sobre a cerimônia do
matrimônio sem missa, uma vez que este costume é mais comum na Igreja Nossa
Senhora da Boa Viagem. É também possível que um leigo presida a celebração do
matrimônio no lugar do padre, contudo isso não é comum na igreja em estudo,
portanto não detalharemos esse caso. Outra possibilidade, que por não ser comum
no templo estudado não será descrita, é a possibilidade de casamento conjunto, no
qual existe mais de um casal nubente. Ressalta-se que a cerimônia é realizada
dentro do templo que deve manter suas portas abertas, postura tida como resquício
do período em que o casamento religioso e o casamento civil aconteciam na mesma
cerimônia e então era importante a possibilidade de manifestação contrária a
qualquer momento. É, pois, um sinal da vinculação entre o sagrado e o profano
ainda hoje persistente na cerimônia do casamento.
O rito do casamento na Igreja Católica não envolve a recepção, pelo padre, dos
noivos e convidados. Os noivos transitam do espaço profano para o espaço sagrado
28
Nome dado ao sacramento do casamento.
108
individual e separadamente, significando a liberdade de escolha e a vontade própria
dos noivos de estarem ali.
No início do rito, o padre, devidamente vestido e paramentado com alva29 ou
sobrepeliz30 e estola31 branca ou festiva, se dirige ao altar e o saúda com reverência
e o beija. Na sequência, entram em procissão dirigindo-se ao altar principal pelo
corredor central da nave, cada um por sua vez, o noivo juntamente com sua mãe (na
maioria dos casos, mas não é obrigatório), os casais de padrinhos, damas ou pajens
se houver e, por fim, a noiva acompanhada de seu pai (ou algum homem que o
represente). Estando os noivos dispostos lado a lado de frente para o altar principal
e para o padre e de costas para os convidados, é feito o sinal da cruz e o padre
saúda os noivos e seus convidados. Os pais e padrinhos podem se posicionar em
pé ao lado dos noivos e de frente para estes ou sentados nos primeiros bancos do
corpo do templo. O ministro faz, então uma breve alocução aos noivos e aos
presentes, predispondo-os à celebração do Matrimônio. Depois, de mãos
estendidas, o padre faz uma oração pedindo a Deus bênçãos para aquela união.
Neste momento se inicia a liturgia da palavra, na qual são lidos textos bíblicos
escolhidos pelos noivos juntamente com o padre. Tais textos devem falar claramente
sobre Matrimônio. Após a leitura, é feita uma homilia expondo, a partir do texto
sagrado, o mistério do Matrimônio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça do
sacramento e os deveres do casal, levando em conta a situação das pessoas.
Durante esta etapa, a comunidade presente fica assentada e os noivos podem se
assentar se houver um lugar destinado a isso. Contudo o padre fica em pé, tanto
neste momento quanto em todos os outros da cerimônia.
A partir de então, começa o rito sacramental do matrimônio. Estando todos de pé, o
padre dirige-se aos noivos falando que eles vieram à igreja para contrair o
Matrimônio e que Cristo abençoa com generosidade o amor conjugal. E então, o
padre interroga os noivos quanto à liberdade, à fidelidade e à aceitação e educação
29
Veste usada pelo padre em cerimônias religiosas, de cor branca, em formato de túnica que vai até os pés.
30 Veste sacerdotal, usada em cerimônias religiosas, em geral de cor branca, de comprimento pouco
acima dos joelhos, com mangas largas e folgadas.
31 Tipo de indumentária religiosa, usada pelos padres nas missas e outras cerimônias, tem formato de
uma faixa larga que é posta na nuca deixando as duas pontas deslizar sobre o peito chegando até próximo dos joelhos.
109
dos filhos. O padre convida os noivos a manifestar seu consentimento em selar a
sagrada aliança do matrimônio. Os noivos se viram de frente um para o outro e cada
um por sua vez diz receber um ao outro e promete ser fiel, respeitar, amar o outro.
Esse momento é chamado de Consentimento, é um momento importante e solene
porque, no rito da Igreja Católica, é a partir deste momento que os noivos passam a
ser esposos. Em seguida, o padre faz uma oração acolhendo o consentimento. E
convida todos os presentes para louvar a Deus. O próximo passo é a entrega das
alianças, nesse momento é comum acontecer uma música e entrar em procissão
alguém as trazendo. O padre abençoa as alianças, em alguns casos com aspersão
de água, e entrega aos esposos. Primeiro o esposo coloca a aliança no dedo anular
da esposa dizendo “N., recebe esta aliança em sinal do meu amor e da minha
fidelidade. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” Na sequência, a esposa
faz a mesma coisa dizendo as mesma palavras. Há então uma música de louvor.
Após o canto, o presidente da celebração convida para as preces dos fiéis e um
leitor faz as invocações, respondidas por todos de tal modo que cada invocação
esteja em sintonia com a benção nupcial, sem contudo repetir as mesmas intenções.
Pode então acontecer ou não a comunhão, que pode ser apenas para os esposos,
para os pais e padrinhos ou para todos os presentes. Se não acontecer comunhão,
neste momento reza-se em uníssono a oração do Pai Nosso e em seguida, o padre
invoca a benção de Deus sobre o casal. Durante a benção nupcial os noivos se
ajoelham. Após a oração do padre, todos rezam algum tempo em silêncio. Então, o
padre, voltado para o casal, de braços abertos, profere sobre eles uma oração
agradecendo a Deus pela benção da união do casal e pedindo que eles sejam
firmes e felizes juntos.
Se houver a comunhão, primeiro é proferida a benção nupcial, depois o padre ou o
leigo ministro extraordinário da comunhão vai ao sacrário, traz a âmbula, coloca-a
sobre a mesa do altar e faz a genuflexão. Só então o padre introduz a oração do Pai
Nosso e todos juntos a proclamam. Depois, se for oportuno, quem preside convida a
todos para a saudação da paz, em que os presentes se cumprimentam e desejam
uns aos outros a paz de Cristo. Terminada a saudação da paz, quem preside faz a
genuflexão, toma a hóstia sobre a âmbula, eleva-a um pouco e diz “Felizes os
convidados para a Ceia do Senhor. Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo.” E os que vão comungar respondem: “Senhor, eu não sou digno (a) de que
110
entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo (a)”. Um canto é
entoado e os que vão comungar se aproximam do padre. Depois, o padre faz uma
oração de conclusão da comunhão.
O rito se conclui com a benção dos esposos e do povo. Terminada a celebração, as
testemunhas e o ministro assinam a ata do casamento, na sacristia ou diante do
povo, mas nunca sobre a mesa do altar. Há uma música para este momento e é
comum acontecerem fotos dos esposos sozinhos, deles com o padre, com os pais e
com os padrinhos. Uma nova música se inicia e os esposos seguidos pelos pais e
padrinhos saem em procissão da igreja. Os convidados presentes se dispersam e
também saem do templo.
Neste rito, a relação com o sagrado se dá através da união entre duas pessoas. A
crença católica correlaciona o amor e a vontade de estar junto dos noivos com o
amor de Deus e Sua presença entre os homens. A celebração assim se estende
para o âmbito do profano, com uma festa em local distinto e com diversidade de
comidas e bebidas.
O casamento de Maria do Rosário de Bastos Pimenta (nome de solteira) e Mário
Martins Rodrigues Silva, realizado em 30 de dezembro de 1958, na Igreja N.S. Boa
Viagem é um exemplo dessa relação entre sagrado e profano. Fora do comum, tal
casamento realizou-se em uma terça feira às 17 horas, porque os noivos desejavam
que acontecesse no mesmo dia e na mesma celebração das bodas de prata dos
pais da noiva. Por este mesmo motivo, a cerimônia religiosa foi mais longa que o
comum, incluindo no rito descrito acima a benção das bodas e encerrando com uma
missa. Em entrevista com a noiva, foi dito que as únicas diferenças entre os
casamentos realizados na atualidade e o realizado em 1958, são a quantidade de
música, a quantidade de padrinhos e a forma como é realizada a entrada inicial. Em
1958, haviam menos músicas, menor quantidade de padrinhos e só entrava pelo
corredor central da igreja a noiva acompanhada de seu pai e as damas. Enquanto
atualmente, há entrada também do noivo e dos padrinhos, sendo que para cada
entrada há uma música diferente.
A igreja, para o casamento de Maria do Rosário e Mário, estava ornamentada com
folhas de fícus pintadas de prateado formando arranjos na lateral dos bancos e no
altar e com um tapete vermelho no chão do corredor central. Na saída da cerimônia,
111
os esposos receberam os cumprimentos dos convidados no exonártex e depois
todos saíram de carro em direção ao Minas Tênis Clube, situado na rua da Bahia, há
aproximadamente sete quadras distante da igreja. A festa, parte entendida como
profana da cerimônia do casamento, foi realizada nesse tradicional clube da cidade.
É interessante ressaltar que o bolo de casamento oferecido aos convidados, possuía
a forma da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, proporcionando um diálogo
entre o sagrado e o profano.
Figura 44: Maria do Rosário e Mário na saída da igreja após o rito religioso.
Fonte: Câncio de Oliveira, 30 de dezembro de 1958. Acervo pessoal de Maria do Rosário.
112
Figura 45: Vista da nave da Igreja N. S. Boa Viagem durante o casamento de Maria do Rosário e Mário.
Fonte: Câncio de Oliveira, 30 de dezembro de 1958. Acervo pessoal de Maria do Rosário.
113
Figura 46: Troca de alianças durante o rito religioso do casamento católico.
Fonte: Câncio de Oliveira, 30 de dezembro de 1958. Acervo pessoal de Maria do Rosário.
Figura 47: Esposos assinando a ata comprobatória do casamento.
Fonte: Câncio de Oliveira, 30 de dezembro de 1958. Acervo pessoal de Maria do Rosário.
114
Figura 48: Festa pós cerimônia religiosa, no salão do Minas Tênis Clube. Ao fundo mesa dos noivos e seus pais e em primeiro plano, o bolo no formato da igreja em que se casaram.
Fonte: Câncio de Oliveira, 30 de dezembro de 1958. Acervo pessoal de Maria do Rosário.
Observa-se que o rito religioso do casamento católico e a festa em seguida conectam no
espaço e no tempo o sagrado e o profano.
7.2 A relação entre o sagrado e o profano dentro da Umbanda.
As cerimônias de batizado e de casamento na Umbanda possuem as mesmas
características que os ritos ordinários, cada casa, cada situação e cada entidade
demanda um roteiro próprio. Ressalta-se também a inexistência de uma
formalização e de um texto obrigatório a ser seguido. As informações aqui expostas
foram coletadas através de entrevistas com fiéis umbandistas.
O médium Thiago disse não ter presenciado nenhum batizado no Centro Espírita
São Sebastião e disse ter vivenciado apenas um casamento na casa. Tal casamento
foi presidido por ele quando encorporado pelo preto velho Pai Joaquim, dessa forma
o médium não se lembra do ocorrido durante a cerimônia. Assim, o batizado e os
casamentos umbandistas descritos nesta pesquisa aconteceram em outras casas
umbandistas: o batizado e um casamento foram realizados no Centro Espírita
Cabana de Oxóssi, localizado em Antônio Carlos, município do interior de Minas
Gerais, e o outro casamento aconteceu no Lar Sol Nascente em Belo Horizonte.
115
Batizado
O Centro Espírita Cabana de Oxóssi é a única casa umbandista de Antônio Carlos,
município de Minas Gerais próximo à Barbacena. Possui uma reunião mensal, no
terceiro sábado do mês, sendo que o calendário é definido anualmente pelos pais de
santo em função do calendário civil. São duas pessoas as responsáveis pela casa,
um casal civilmente casado, pai e mãe de santo do templo. Durante o rito, participam
entre 130 e 140 médiuns, sendo que apenas entre 15 e 18 dão consulta para
aproximadamente 300 pessoas afluentes. Os freqüentadores são majoritariamente
oriundos de Barbacena; destaca-se que os pais de santo responsáveis residem em
Brasília e que o médium com o qual foi realizada entrevista, Sérgio Fernando Cury
Junior, reside em Belo Horizonte. Tal médium foi criado e educado na fé
umbandista, seus pais biológicos começaram seu envolvimento quando, há
aproximadamente 60 anos atrás, uma tia-avó do médium começou a apresentar sua
mediunidade.
Os três filhos de Sérgio foram batizados na Umbanda e na Igreja Católica, uma vez
que ele é umbandista e sua esposa é católica. Da mesma forma, o casamento dos
dois também foi celebrado nas duas religiões. A cerimônia religiosa em ambas as
religiões é importante para esta família.
A cerimônia de batizado na Umbanda do filho mais velho do médium Sérgio, assim
como todas as ocorridas no Centro Espírita Cabana de Oxóssi, aconteceu durante
um culto ordinário. O culto nessa casa umbandista se inicia às 14 horas, mas não
existe hora predeterminada para se encerrar. A abertura possui aproximadamente
trinta minutos e é o momento em que se iniciam as encorporações. Seguida pelo
desenvolvimento, com duração aproximada de uma hora e meia, que é um momento
de crescimento dos médiuns e de aproximação com suas entidades. Depois, quando
há crianças para serem batizadas, são realizados os batismos. A seguir acontecem
as consultas, quando os médiuns conversam com as pessoas sobre suas demandas
pessoais. Após as consultas, os consulentes vão se retirando aos poucos e esta
etapa dura enquanto houver demanda. Na sequência acontece a gira de quimbanda,
momento em que os médiuns encorporam caboclos e pombas gira, que é restrita
aos médiuns. Por fim acontece o encerramento dos trabalhos.
116
Figura 49: Batizado do filho primogênito de Sérgio Fernando Cury Junior e sua esposa, Cristina. Na foto, a mãe segura a criança recém batizada, o pai está do seu lado direito e ambos são ladeados
pelos pais de santos responsáveis pelo Centro Espírita Cabana de Oxóssi.
Fonte: Autor desconhecido, 2005. Acervo pessoal de Cristina.
Não há uma preparação própria e específica anterior ao momento do batismo, basta
que seja demandado e que o cidadão a ser batizado não tenha sido batizado
anteriormente em outra religião. Se o tiver sido, acontecerá apenas uma benção.
Não há idade exigida para o batismo, podem ser crianças ou adultos. Também não é
realizada uma decoração especial no terreiro.
No caso do médium Sérgio, como ele entende e sabe como fazer, antes do batizado
a criança tomou um banho de descarrego. Contudo não é comum que os pais dêem
banho de descarrego nas crianças que serão batizadas. A casa umbandista solicita
aos que vão ser batizados, que levem uma vela branca com uma fita cor de rosa
amarrada, rosas brancas e uma toalhinha branca com o nome do batizando
bordado. Os pais e convidados são orientados a irem vestidos com roupas claras,
contudo não é obrigatório. O pai de santo oficiante se veste com roupas brancas e
com o colar de contas.
No momento em que se inicia o batizado, os pais e padrinhos são convidados a se
aproximarem do altar com a criança. Enquanto a mãe segura a criança, a entidade
117
encorporada no pai ou mãe de santo fala apresentando-a a Deus; um dos padrinhos
segura a vela acesa e o outro segura as rosas. Na sequência, a entidade
encorporada no pai ou mãe de santo escolhe dois ou três padrinhos espirituais
dentre as entidades encorporadas nos médiuns da casa. Depois a entidade manda
trazer o jarro com água, um dos padrinhos segura a criança e o pai ou mãe de santo
derrama um pouco de água na cabeça da criança. A cabeça é então enxugada com
a toalhinha branca trazida. A entidade pega a criança no colo e a levanta
apresentando-a ao altar, a Deus e aos Orixás. Todas as entidades encorporadas
presentes, abençoam a criança. E o rito do batismo termina, dando continuidade,
então, ao culto e aos atendimentos do dia.
118
Figura 50: Mãe de santo derramando água na cabeça da criança durante batizado umbandista. Na fotografia se vê o bojo onde é derramada a água, tal bojo é escolhido pela mãe de santo e não tem
característica predeterminada.
Fonte: Autor desconhecido, 2005. Acervo pessoal de Cristina.
119
Figura 51: Batizado umbandista.
Fonte: Autor desconhecido, 2005. Acervo pessoal de Cristina.
120
Figura 52: Entidades encorporadas nos médiuns abençoam a criança, durante batizado umbandista.
Fonte: Autor desconhecido, 2005. Acervo pessoal de Cristina.
Após a cerimônia do batizado na Umbanda, os pais, padrinhos e amigos se
retiraram do templo e se dirigiram à casa dos pais da criança para uma festa de
comemoração. Configurando, similarmente à Igreja Católica, a parte profana da
celebração do batizado.
Casamento
O casamento ocorrido no Centro Espírita São Sebastião, conforme mencionado foi
presidido por Pai Joaquim e, de acordo com Thiago, antes da cerimônia os noivos
tiveram que cumprir alguns preceitos determinados pela entidade. Além disto,
aconteceram também orações e conversas entre os noivos e os responsáveis pelo
terreiro ou com a entidade. Durante a cerimônia a entidade falou para os noivos e
foram preparadas oferendas que foram levadas para o reino da natureza. Contudo,
não foi possível tomar conhecimento de maiores detalhes da cerimônia.
Foi então realizada entrevista com dois casais que se casaram na Umbanda:
Cristina e Sérgio, que se casaram no Centro Espírita Cabana de Oxóssi em vinte de
março de 2004 às 20 horas, e Gabriella e Lucas, no Lar Sol Nascente em 17 de
setembro de 2014 às 19 horas.
121
No Centro Espírita Cabana de Oxóssi não há preceitos a serem seguidos pelos
noivos antes da cerimônia do casamento. Geralmente os casamentos nesta casa
umbandista acontecem durante os cultos, contudo o de Cristina e Sérgio foi especial
e aconteceu em dia especial e exclusivo. Ressalta-se que Sérgio é médium da casa
e Cristina não é freqüentadora da Umbanda. A decoração do templo consistia em
uma corrente de cipreste colocada no chão, formando um corredor central que ligava
a porta de entrada ao altar e neste, corredor pétalas de rosas. A porta utilizada pelos
noivos para a entrada no templo é chamada porta espiritual. A porta espiritual
representa a ligação do mundo terreno com o espiritual, a ligação da humanidade
com as entidades. Durante os cultos umbandistas, tal porta permanece aberta,
contudo não é utilizada por nenhum freqüentador ou médium como acesso à parte
coberta do terreiro. Para o casamento, contudo, foi aberta uma exceção e os noivos
utilizaram tal porta, que fica na parede oposta ao altar. Os convidados eram tanto
praticantes da Umbanda quanto não praticantes, e foram orientados a ir de roupa
clara. Os noivos estavam vestidos de branco, a noiva de saia e o noivo de calça,
ambos descalços. O noivo usava colares de contas nas cores de seus orixás
protetores, tais colares são chamados de guias.
A cerimônia do casamento foi curta e se iniciou antes da presença dos noivos, com
a encorporação pelos médiuns das entidades. Essa encorporação, chamada
abertura dos trabalhos, acontece com preces, cantos, leituras e defumação. Em
seguida, os noivos entraram juntos em procissão, precedidos pela dama de honra.
Os noivos entraram embaixo de uma estrutura semelhante a uma sombrinha, com
quatro mastros e cobertura de tecido em tom claro. Lembra o pálio usado em
cerimônias sagradas da Igreja Católica formando uma cobertura que protege o
ostensório em procissões. Foi entoado o Hino da Umbanda32, sem palmas nem
atabaque. Depois a mãe de santo falou sobre respeito, união, fidelidade. Abençoou
as alianças e o casal colocou aliança um no outro. De acordo com Sergio, a fala dos
noivos durante a troca de alianças é parecida com a do rito na Igreja Católica,
contudo ele não se lembra das palavras proferidas. Os padrinhos escolhidos pelos
32
Refletiu a luz divina / com todo seu esplendor / vem do reino de Oxalá / onde há paz e amor / Luz que refletiu na terra / Luz que refletiu no mar / Luz que veio de Aruanda / para tudo iluminar / A Umbanda é paz e amor / é um mundo cheio de luz / é a força que nos dá vida / e a grandeza nos conduz. / Avante filhos de fé, / como a nossa lei não há... / Levando ao mundo inteiro / a bandeira de Oxalá! / Levando ao mundo inteiro / a bandeira de Oxalá!
122
noivos não entraram em procissão, mas foram chamados à frente e, junto com eles,
a entidade que preside o casamento encorporada na mãe de santo escolhe outros
padrinhos espirituais. Tais padrinhos espirituais são entidades que podem já estar
encorporadas ou encorporar nos médiuns da casa nesse momento. Houve uma
partilha da bebida que a entidade estava tomando com os noivos; este ato depende
da vontade da entidade não sendo, portanto, comum. Por fim a mãe de santo falou
encerrando a cerimônia e os noivos e seus convidados saíram. Os médiuns da casa
e os pais de santo ficaram para encerrar a gira e desencorporaram as entidades.
Figura 53: Procissão de entrada do casamento umbandista de Cristina e Sérgio. Na fotografia observa-se o corredor feito com ciprestes e pétalas de rosas, a estrutura semelhante a uma
sombrinha carregada por médiuns do Centro Espírita Cabana de Oxóssi, os noivos e a dama de honra.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
123
Figura 54: Cerimônia do casamento umbandista de Cristina e Sérgio. Vestindo verde33
, os médiuns da casa.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
Figura 55: Mãe de santo encorporada presidindo a celebração do casamento umbandista.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
33
Nos momentos de festa, os médiuns do Centro Espírita Cabana de Oxóssi usam roupa de trabalho nas cores verde e branco, pois remete à entidade cabocla Jurema que encorpora na mãe de santo da casa.
124
Figura 56: Partilha da bebida da entidade encorporada.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
Figura 57: Saída em procissão dos noivos e seus convidados.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
125
Figura 58: Noivos em frente ao altar do Centro Espírita Cabana de Oxóssi.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
Figura 59: Noivos, dama de honra, pai e mãe de santo.
Fonte: Autor desconhecido, 20 de março de 2004. Acervo pessoal de Cristina.
126
Após a cerimônia, os noivos ofereceram um bolo para os convidados na
copa/cozinha da casa umbandista. Esta cozinha é um cômodo localizado atrás da
parede do altar. Assim, pode-se dizer que a parte profana da celebração do
casamento acontece no mesmo espaço físico que o templo, ainda que os médiuns
da casa considerem como parte sagrada do templo apenas o espaço onde
acontecem as giras, o altar e o jardim situado do lado de fora da porta espiritual.
Observa-se o contraponto entre a decoração do bolo do casamento de Cristina e
Sérgio, que foi uma singela flor, com a do bolo de casamento de Maria do Rosário e
Mário, que foi uma miniatura da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem. Tal fato,
relativo à parte profana da celebração, remete à relação entre cada uma das
religiões estudadas com a paisagem urbana. Os templos da Igreja Católica que são
suntuosos e referência na paisagem, enquanto os templos da Umbanda se
confundem com as outras edificações dos bairros onde se situam e apresentam
estreita relação com elementos da natureza.
O casamento de Gabriella e Lucas foi celebrado na casa umbandista Lar Sol
Nascente, que Gabriella freqüenta. Lucas não é umbandista e vai à casa
esporadicamente. Segundo Gabriella, as cerimônias de casamento variam de casa
para casa e, no caso dela, foi uma benção mais abrangente. Aconteceu numa quarta
feira, às 19 horas, pois é o mesmo dia e horário do culto na casa e os noivos
preferiram não interferir em seu funcionamento cotidiano. O presidente da
celebração foi Pai Renato Silva, o zelador de santo da casa e, no momento da
celebração, não estava encorporado, o que diferencia este casamento dos outros de
que tive conhecimento. Diferente também porque aconteceram duas cerimônias em
dias distintos, a primeira na casa umbandista e outra, três dias depois, em um sítio,
ambas regidas por pessoas da Umbanda. Segundo Gabriella, a cerimônia no sítio
aconteceu de uma forma mais suave, sem preceitos umbandistas, sem falar
diretamente dos orixás e sem a presença de símbolos umbandistas, porque alguns
convidados não se sentiram confortáveis para participar da cerimônia na casa
umbandista e os noivos não queriam chocar os convidados expondo rituais e crença
diferente da deles.
A casa foi decorada pelo pai de santo responsável pela mesma com flores e frutas.
Todas as pessoas que participavam da sessão naquele dia participaram também da
cerimônia do casamento, incluindo médiuns, membros da assistência, amigos e
127
familiares dos noivos. Alguns convidados, que são amigos pessoais dos noivos, são
membros e freqüentadores de outras casas umbandistas em Belo Horizonte. Os
participantes estavam vestidos de roupas claras, as mesmas que costumam usar
quando vão ao terreiro. Os noivos estavam vestidos de branco, ela de vestido,
coroa, véu e colar de contas com as cores dos seus orixás protetores, e ele de
bermuda e blusa. Antes da cerimônia, a noiva tomou um banho de sal grosso, para
descarregar as energias e começar a nova fase renovada. O noivo não fez nenhuma
preparação específica. Os convidados, assim como os freqüentadores da casa,
chegaram para a cerimônia no horário regular de atendimento ao público da casa. O
noivo chegou neste mesmo horário, pois levou os familiares consigo, contudo a
noiva chegou um pouco antes para se trocar, vestindo um vestido branco, véu e
colares de contas.
A cerimônia do casamento teve início logo após o encerramento da reunião, assim,
os médiuns já não estavam encorporados. A canção Ave Maria foi cantada
acompanhada de atabaques e os noivos se apresentaram aos presentes. Ficaram
então, de pé, no centro de uma roda formada pelos médiuns da casa. Durante toda
a cerimônia, tanto os noivos quanto os presentes se mantiveram em pé. A cerimônia
consiste em uma benção dada pelo pai de santo, com o auxílio dos orixás e dos
espíritos protetores, durante a qual os noivos trocam alianças e recebem vinho e pão
como oferta. Entretanto não há nenhum tipo de oferenda aos orixás ou às entidades.
A cerimônia se encerra com a oração da Ave Maria, do Pai Nosso e da Salve
Rainha.
128
Figura 60: Gabriella e Lucas durante celebração de seu casamento, no Lar Sol Nascente.
Fonte: Autor desconhecido, 17 de setembro de 2014. Acervo pessoal de Gabriella.
Figura 61: Cerimônia de casamento com a presença dos médiuns da casa.
Fonte: Autor desconhecido, 17 de setembro de 2014. Acervo pessoal de Gabriella.
129
Figura 62: Decoração preparada para o casamento.
Fonte: Autor desconhecido, 17 de setembro de 2014. Acervo pessoal de Gabriella.
130
Figura 63: Noivos recebem vinho como oferta.
Fonte: Autor desconhecido, 17 de setembro de 2014. Acervo pessoal de Gabriella.
Figura 64: Médiuns durante celebração do casamento de Gabriella e Lucas.
Fonte: Autor desconhecido, 17 de setembro de 2014. Acervo pessoal de Gabriella.
131
Após a cerimônia religiosa, foi oferecido um jantar aos convidados no mesmo local
do casamento. Evento relativamente comum nas casas umbandistas, após o rito
religioso, a celebração profana acontece no mesmo espaço físico, de forma a unir o
mundano com o divino, o corporal com o espiritual, a vida quotidiana com a religião.
7.3 A relação entre as festas na Umbanda e as festas na Igreja Católica
O batizado e o casamento, festas para as quais este estudo se volta, são ritos de
passagem presentes multimilenarmente na humanidade e celebrações comuns tanto
à Umbanda quanto à Igreja Católica. São celebrações com ritos no âmbito sagrado e
festas no profano.
O batizado na Igreja Católica é a inserção do fiel na comunidade de fé, enquanto na
Umbanda é a apresentação a Deus, aos Orixás e às entidades. Contudo, mesmo
com tal diferença conceitual, ambas possuem, no rito religioso, o elemento água
utilizado como símbolo e derramado na cabeça de quem está sendo batizado. Além
disso, nas duas religiões, a festa após a celebração religiosa é subsequente,
importante e familiar. Cabe ressaltar que a diferença na festa pós cerimônia
religiosa, aqui entendida como a parte profana da cerimônia, está no lugar onde ela
acontece. Enquanto na Igreja Católica tal festa nunca acontece dentro do templo, na
Umbanda eventualmente pode acontecer. Este fato pode ser explicado pela rigidez
dogmática e ritual da Igreja Católica, e também pela multiplicidade de função
exercida pelo templo umbandista. Uma casa de Umbanda além de exercer a função
de templo sagrado, também pode ser residência, sede de reinado ou outras
manifestações culturais, ponto de encontro de amigos, espaço de tratamento físico
ou espiritual. O que flexibiliza e amplia as possibilidades de interação do fiel com o
espaço físico e arquitetônico.
Já o casamento possui significado similar nas duas religiões, é a união entre duas
pessoas em busca de amor, felicidade plena, companheirismo e cumplicidade. O
símbolo das alianças também está presente em ambas. Assim como a partilha do
alimento, que na Igreja Católica é a comunhão eucarística dos noivos e na Umbanda
é a partilha da bebida com a entidade encorporada. Novamente, a diferença
marcante está na festa pós cerimônia religiosa, que na Igreja Católica nunca
acontece dentro do templo, no mesmo lugar da cerimônia religiosa, sagrada.
132
Enquanto na Umbanda, pode acontecer no templo, desde que guardado o devido
respeito e cuidado com as coisas sagradas. Questão que se soma às características
arquitetônicas do templo para reforçar o caráter sutil da posição dos ritos e festas na
paisagem urbana.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação entre o sagrado e o profano na paisagem urbana se dá de forma distinta
nas expressões religiosas estudadas, a Igreja Católica e a Umbanda, uma vez que
cada uma dessas religiões se relaciona de uma forma diferente com a paisagem
urbana. A Igreja Católica se apresenta na paisagem de forma marcante e maciça,
historicamente chegou a determinar a forma da cidade e seus templos são
referência para a circulação e reconhecimento da paisagem urbana. Enquanto os
templos da Umbanda não se distinguem na paisagem urbana, contudo suas
cerimônias religiosas utilizam do espaço urbano e da natureza para acontecerem.
A relação com o sagrado e o profano também é diferente nas duas religiões. Para a
Igreja Católica a distinção entre eles é bem marcante, o templo e tudo que acontece
dentro dele é sagrado, havendo restrições até para o adro em seu entorno imediato.
Enquanto o espaço externo e as manifestações não aceitas no interior do templo
são profanas. Na Umbanda o limiar entre os dois conceitos é mais tênue, tanto
cerimônias ritualísticas quanto celebrações cotidianas da vida acontecem dentro do
templo, ao mesmo tempo cerimônias religiosas podem tomar posse do espaço fora
do templo para se realizar. Percebe-se que acomete às duas religiões a
necessidade de sacralização do espaço, a necessidade de centralização e de
reconhecimento do lugar. Contudo o entendimento sobre quais espaços serão
elencados como sagrados as distanciam. Para a Igreja Católica, o espaço sagrado
será marcado pela edificação de templo, que segundo as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia (VIDE, 2010) deve ser suntuoso e distante de outras
edificações, aspecto que persiste na tradição atual. Assim, o espaço sagrado é
preservado das apropriações mundanas e cotidianas da vida e, ao mesmo tempo, se
destaca e se mostra para os cidadãos. Já para a Umbanda, os espaços onde os
orixás se manifestam é que são sagrados. Estes espaços incluem cachoeiras,
133
lagoas, praias, cemitérios, esquinas, florestas. O espaço do templo se sacraliza pelo
ritual que ali acontece, e não o contrário como na Igreja católica (em que o ritual
acontece no lugar sagrado), para tanto elementos da natureza são trazidos para
possibilitar a personificação dos orixás no lugar.
Nestas duas religiões, a relação entre o sagrado e o profano atuando na paisagem
urbana é visível quando da celebração dos ritos de passagem: batismo e
casamento. O batismo em ambas é mais comum em crianças, acontece no interior
do templo e com a presença da comunidade. Entretanto na Igreja Católica é
necessária uma preparação prévia dos pais e padrinhos, é uma cerimônia coletiva,
com o batismo de várias crianças na mesma cerimônia, e acontece fora do culto
semanal. Enquanto na Umbanda não é necessária nenhuma preparação, o batismo
acontece durante o culto regular e de uma única criança por vez. Quanto aos
símbolos, nas duas religiões há a vela e a água, contudo os significados são
diferentes. Para a Igreja Católica a vela é a luz que ilumina os caminhos do neófito e
a água vem lavar, purificar. Para a Umbanda, a vela é o fogo e, juntamente com a
água, trazem a presença dos orixás para protegerem a criança. Diferenciam-se
também na escolha do lugar da celebração pós cerimônia, que é a partilha do
alimento e da bebida com os convidados, na Igreja Católica fora do templo e na
Umbanda acontece no templo, no mesmo lugar da cerimônia religiosa.
O casamento na Igreja Católica e na Umbanda também possui semelhanças e
diferenças. Na Igreja Católica é necessário um curso de preparação dos noivos, há
um roteiro ritualístico predeterminado e a na procissão de entrada os noivos entram
separados. Na Umbanda a preparação dos noivos é opcional e consiste em tomar
um banho de descarrego, a formalização do rito e o roteiro são inexistentes e na
procissão de entrada os noivos entram juntos de mãos dadas. Similarmente, nos
dois casos há a troca de alianças, a partilha do alimento, a fala do presidente da
celebração e o pedido de bênçãos, sendo que na Igreja Católica o pedido é a Deus
e na Umbanda também aos orixás e às entidades. A festa após a cerimônia, assim
como no batismo, difere apenas pela escolha do local.
A manifestação do sagrado exercida pela Igreja Católica e pela Umbanda é diferente
na edificação do templo e na forma de realização dos ritos e cerimônias. Assim
como a manifestação do profano, conforme conceito explicitado nesta pesquisa, se
diferencia principalmente na espacialização. De forma que ambas as religiões
134
interagem com a paisagem urbana de forma própria e particular, transformando e
conduzindo a determinação do espaço de forma única, a Igreja Católica de forma
fixa e ostensiva na própria edificação e a Umbanda de forma sutil na presença dos
orixás e dos fiéis.
135
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