a praça do relógio e o obelisco à cidade de manaus

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A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus 1 Evany Nascimento 2 Introdução A cidade de Manaus, capital do Amazonas surgiu a partir da construção de uma fortaleza na confluência dos rios Negro e Solimões, em 1669. Passou de aldeia à vila e de vila à cidade, em 1848; em 1850, com a elevação do Amazonas à categoria de Província, passa a ser a capital e a receber “melhoramentos” e intervenções urbanas. Com a riqueza proporcionada pela economia da borracha, a cidade foi remodelada especialmente no período de 1890 a 1910, quando foi dotada de arquitetura eclética, com prédios inspirados nos padrões estéticos europeus, jardins públicos e monumentos comemorativos. O espaço privilegiado por estas modificações compreende hoje o Centro Histórico da cidade, que passa por um processo para ser tombado como patrimônio nacional. Dentro deste processo de intervenções urbanas do final do século XIX e início do século XX, foi aberta uma avenida no Centro, a partir do porto e que termina em uma grande praça e com um prédio onde funcionaria o Palacete Provincial. Esta Avenida tem hoje o nome de Avenida Eduardo Ribeiro, em homenagem ao governador responsável pelas transformações urbanas, pois sua administração aconteceu no período de maior arrecadação do Estado (1892 a 1896). A Avenida Eduardo Ribeiro atravessa as principais ruas do centro histórico que também se tornou centro comercial com a implantação da Zona Franca em 1967. Praticamente toda a extensão da avenida, dos dois lados é ocupada por estabelecimentos comerciais. No entanto, observamos uma diferença dos tipos de estabelecimentos. No alto da Avenida, mais próximo ao Teatro Amazonas, situam-se os mais “nobres”, com produtos mais caros, e na parte baixa, mais próxima ao porto, os mais populares, incluindo aí a feira de camelôs. 1 Este texto faz parte de um artigo originalmente apresentado como paper final da disciplina de Antropologia do Espaço (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRJ), ministrada pelo professor José Reginaldo, em agosto de 2010. 2 Arte-educadora, pesquisadora sobre patrimônio e monumentos urbanos em Manaus. Atualmente doutoranda em Design-PUC-Rio. Bolsista da FAPEAM.

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Aspectos históricos, sociais e antropológicos sobre a praça do Relógio Municipal e o Obelisco comemorativo à Cidade de Manaus.

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Page 1: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus1 Evany Nascimento2

Introdução

A cidade de Manaus, capital do Amazonas surgiu a partir da construção de uma

fortaleza na confluência dos rios Negro e Solimões, em 1669. Passou de aldeia à vila e

de vila à cidade, em 1848; em 1850, com a elevação do Amazonas à categoria de

Província, passa a ser a capital e a receber “melhoramentos” e intervenções urbanas.

Com a riqueza proporcionada pela economia da borracha, a cidade foi remodelada

especialmente no período de 1890 a 1910, quando foi dotada de arquitetura eclética,

com prédios inspirados nos padrões estéticos europeus, jardins públicos e monumentos

comemorativos. O espaço privilegiado por estas modificações compreende hoje o

Centro Histórico da cidade, que passa por um processo para ser tombado como

patrimônio nacional.

Dentro deste processo de intervenções urbanas do final do século XIX e início do século

XX, foi aberta uma avenida no Centro, a partir do porto e que termina em uma grande

praça e com um prédio onde funcionaria o Palacete Provincial. Esta Avenida tem hoje o

nome de Avenida Eduardo Ribeiro, em homenagem ao governador responsável pelas

transformações urbanas, pois sua administração aconteceu no período de maior

arrecadação do Estado (1892 a 1896).

A Avenida Eduardo Ribeiro atravessa as principais ruas do centro histórico que também

se tornou centro comercial com a implantação da Zona Franca em 1967. Praticamente

toda a extensão da avenida, dos dois lados é ocupada por estabelecimentos comerciais.

No entanto, observamos uma diferença dos tipos de estabelecimentos. No alto da

Avenida, mais próximo ao Teatro Amazonas, situam-se os mais “nobres”, com produtos

mais caros, e na parte baixa, mais próxima ao porto, os mais populares, incluindo aí a

feira de camelôs.

1 Este texto faz parte de um artigo originalmente apresentado como paper final da disciplina de

Antropologia do Espaço (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRJ), ministrada pelo

professor José Reginaldo, em agosto de 2010. 2 Arte-educadora, pesquisadora sobre patrimônio e monumentos urbanos em Manaus. Atualmente

doutoranda em Design-PUC-Rio. Bolsista da FAPEAM.

Page 2: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

No alto da Avenida, temos o Largo São Sebastião e o Monumento à Abertura dos

Portos3, o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça. Na parte baixa da mesma Avenida, o

Porto, A Igreja, o Relógio, e o Obelisco em Homenagem à Cidade de Manaus.

Este trabalho visa tratar desse espaço da parte baixa. Para tanto foi feito, além de

pesquisa bibliográfica, uma pesquisa de campo com entrevistas com os frequentadores

da praça. Somando-se a isso, um referencial teórico especialmente Giulio Carlo Argan,

Kevin Linch e Michel de Certeau.

Praça do Relógio

A Praça da Matriz (antigo Largo da Matriz), com jardins distribuídos na frente, à

esquerda e à direita da Catedral, apesar de ter perdido também parte de sua área frontal

(para o terminal de coletivos em 1975, por exemplo), constitui-se ainda num dos lugares

mais arborizados do Centro. Sofreu inúmeras intervenções, teve suas obras removidas

de lugar, depredadas e descaracterizadas. Hoje, está tomada pelo comércio informal, o

que torna o trânsito de pedestres tumultuado. No final de 2002 sofreu novas

intervenções, toda a praça recebeu gradeamento. Esse gradeamento limitou o acesso

maior à praça da Igreja, deixando mais popular a praça do Relógio.

A chamada Praça do Relógio, por ser o lugar onde está situado o Relógio Municipal que

foi colocado em 1929, é uma das áreas laterais da praça da Matriz e tem um desenho

retangular. Nesta calçada do Relógio, existem lanchonetes-restaurantes e o comércio

ladeando toda a área: de um lado as lojas, do outro os camelôs. A lanchonete à noite

torna-se um bar e o som que toca à noite é o mesmo do dia: atualmente o ritmo

preferido é o forró e calypso. Ao final dessa calçada, de frente para a entrada do porto

nos limites do terminal central de ônibus, situa-se o Obelisco que homenageia a cidade

de Manaus.

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O Monumento à Abertura dos Portos que fica no Centro da Praça São Sebastião, ainda que não esteja

na linha reta da Avenida, foi tomado aqui como elemento de análise por fazer parte do projeto urbanístico

de embelezamento da cidade, compondo com a Igreja, a Praça e o Teatro uma área nobre do alto da

Avenida.

Page 3: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

O obelisco, de aproximadamente 4m de altura, fica em frente à entrada do Porto de

Manaus, no limite da Av. Eduardo Ribeiro. É, na verdade, um Monumento

Comemorativo ao 1º Centenário da Elevação da Vila da Barra do Rio Negro à

Categoria de Cidade (1848-1948), conforme informações obtidas na própria peça.

Tais informações também esclarecem que sob projeto de Branco e Silva4, o

monumento foi construído por Tupinambá Nogueira e as placas de mármore

colocadas pela “A Reformadora Marmoraria”, pessoas e empresas residentes em

Manaus.

Formalmente apresenta três faces lisas e na face frontal, parte superior, as datas

referentes ao centenário (1848-1948). O pedestal de cimento pintado de vermelho

possui arabescos na parte inferior e superior. Nas quatro faces do pedestal encontram-

se placas de mármore, onde estão discriminados os nomes que compunham, na época,

o Governo do Estado, o Tribunal de Justiça, a Assembléia Legislativa, bem como a

Representação Federal. É um monumento político.

9 Branco e Silva nasceu em Manaus em 1896 e foi registrado como Leovegildo Ferreira da Silva. Estudou

no Liceu de Artes de Lisboa, Portugal. Na praça da Matriz, o busto de Floriano Peixoto também leva

sua assinatura e data de 1966.

Page 4: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

Na face frontal do pedestal, parte superior lê-se as datas de 1848 e 1948 e na

parte inferior:

1o CENTENÁRIO DA

ELEVAÇÃO DA VILA DA

BRARRA DO RIO NEGRO

À CATEGORIADE CIDADE

O obelisco é um pilar de pedra alto e agulhado com estrutura quadrangular e ápice

piramidal. Por estar apontando para o alto, no Egito era símbolo de culto ao deus-sol;

significa também a ligação entre a terra e o céu. Seu caráter de apontar para o alto,

elevar, talvez justifique a escolha da peça para simbolizar este acontecimento de

grande importância para o Estado, embora na execução não se tenha levado em conta

a estética.Na face frontal do obelisco, parte superior vê-se as datas, emolduradas por

ramos de louro e abaixo, os dizeres referente a elas. As placas de mármore encontram-

se sujas, pichadas e com algumas bordas rachadas.

Hoje, este talvez seja o monumento mais invisível no Centro Histórico de Manaus, no

entanto, sua colocação a pouco mais de 50 anos, foi cercada de grandes festejos, de

acordo com o Jornal do Comércio (número avulso, de 26 de outubro de 1948), na data

de sua inauguração, toda a sociedade esteve presente, pois foi este o momento mais

importante dos festejos dos 100 anos de elevação da vila de Manaus à categoria de

cidade. Durante uma semana, do dia 17 (domingo) ao dia 24 (domingo), a sociedade

amazonense viveu entusiasmada a programação dos festejos comemorativos do 1o

centenário da fundação da cidade de Manaus. A programação contou com concursos

de tiro ao alvo, matinal dançante, jogos de futebol, apresentações de bandas nos

coretos das praças, cinema ao ar livre, bailes, palestras nas escolas, e outros eventos

em locais públicos e clubes da cidade para toda a população.

No Jornal do Comércio, do dia 26 de outubro, saíram ainda algumas notas sobre a

inauguração do monumento, programações especiais nas rádios e as mensagens

Page 5: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

enviadas a este jornal por outros jornais nacionais. Seguem as palavras entusiasmadas

do Jornal sobre os festejos e a inauguração do monumento.

Dia solar de exaltação cívica e de entusiasmo patriótico, o de

ante-ontem, marcado eternamente pelas comemoraçõesdo primeiro

centenário da cidade de Manaus. Estão de parabéns o dr.Menandro

Tapajós, governador do Estado, e o dr. Chaves Ribeiro, prefeito da

Capital, a quem coube a honrosa missão de presidir tão gratas

celebrações, e que a elas souberam imprimir o cunho de uma festa

nitidamente popular, com decidida participação de todas as classes de

nossa sociedade. Não apenas as elites se regozijaram, nos salões

elegantes, mas principalmente o povo vibrou de júbilo nas ruas,

assistindo seus espetáculos prediletos e alegremente aplaudindo-os.

E não resta dúvida que o ponto mais alto das comemorações foi

o ato inaugural do belo obelisco erguido à entrada da cidade,

assinalando a primeira centúria de Manáus. Ali, a população

confraternizou, rendendo tributo de homenagem a seus dirigentes, que

tão fielmente interpretaram seus sentimentos, demorando-se todos na

admiração do monumento magnífico, que guardará para as gerações

vindouras a lembrança dêste instante glorioso da nossa História.

Estão de parabéns o governador e o prefeito, pela inteligência

e pelo critério com que se conduziram, e está de parabéns o povo, pela

sabedoria com que escolheu seus condutores. Em nenhuma outra

oportunidade, como nessa, os corações amazonenses bateram assim

unissonamente... A festa histórica teve o condão de unir a todos

fraternalmente, para honrar a gente e homenagear a terra bem amada.

E quando a noite caiu, que a chuva fez descer as suas

tristonhas cortinas líquidas sobre a cidade, era a tradução fiel da

própria melancolia coletiva, por ver que se iam, fechados nas paginas

da História, os momentos maravilhosos vividos no domingo de maior

gloria e maior beleza deste primeiro século de vida de nossa Manáos.

Agora, de retorno à vida laboriosa de todos os dias,

trabalharemos ainda com maior resolução, com maior espírito de

sacrifício, com maior dedicação, para tornar cada vez mais rica a

terra e opulenta, mais farto e mais feliz o povo. Trabalharemos pelo

desenvolvimento de Manáos, pelo progresso do Amazonas, pela

grandeza do Brasil.5

Idealizado para marcar um acontecimento de grande importância para a cidade e o

Estado e comemorado com todas as honrarias merecidas, foi colocado na entrada da

cidade (à época). Hoje, com todas as modificações sofridas nesse espaço do Centro, é

pouco observado, chegando a ficar invisível. Quem lembrará deste dia de glória em

11

Jornal do Comércio. Manaus, 24 de outubro de 1948.

Page 6: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

que o monumento foi inaugurado, das festas que o precederam, dos sentimentos de

patriotismo e amor à cidade que fervilhavam por todos os cantos da cidade? Hoje, o

monumento é uma peça de cimento suja e sem significado para quem passa por ele.

Por outro lado, não foi modificado e nem tão pouco alterado, a não ser pelas pinturas

superficiais, sua invisibilidade acontece pelo trânsito e pela poluição visual ao seu

redor.

Os monumentos à Abertura dos Portos e à elevação de Manaus à categoria de cidade,

são obras idealizadas e construídas pelo poder público, mas em momentos econômicos

diferentes. E além dessa memória oficial, guardam a memória construída pela

população que transita por essas obras. Mesmo porque a arte não pertence unicamente a

uma camada social, principalmente a que se aloja em espaços públicos. Argan faz uma

análise sobre isso:

Se disséssemos que a arte é um componente essencial do

sistema cultural burguês estaríamos reduzindo-a a um âmbito étnico e

cronológico certamente por demais restrito e não estaríamos levando

em consideração o fato de que a burguesia, apesar de desde o início

não ter vocação para tanto, assumiu o poder e ainda o detém agora

com modos que nada têm a invejar aos das mais turvas monarquias

absolutas. Diremos apenas que a arte se manifesta nas culturas ou nas

camadas culturais que, em qualquer tempo e lugar, fundamentam a

realidade social, sempre e tão só no contexto de uma ética dos valores,

isto é, de uma concepção da vida como trabalho produtivo, das

relações humanas como intercâmbio de experiências, da política como

dialética de autoridade e liberdade. Em toda a sua história, a arte

sempre se encontra no pólo oposto do poder carismático e do

dogmatismo político. Mesmo quando se apresenta formalmente sujeita

a um poder despótico, faraônico, resgata e realiza em si, em seu fazer-

se, a liberdade negada pelo sistema. Se toda a história fosse uma

história do poder (Estado e exército), não haveria uma história da

arte.6

Esse conjunto de relações que cerca a arte, especialmente os monumentos, reafirma a

capacidade deste de ser ponto de confluência para onde convergem memórias

individuais, coletivas, oficiais, históricas. Confere ao monumento um significado que

transcende seu valor material, pois que se aloja no imaginário das pessoas e da cidade. E

por mais que a sociedade hoje não lembre dos acontecimentos que estes monumentos

08

ARGAN, op. Cit., p. 42.

Page 7: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

inscreveram na história da cidade (porque o momento é outro) e não se permitam

observa-los pacientemente (porque o ritmo também é outro), a memória que eles

guardam encontra-se num plano subterrâneo, inscritas nas suas placas de mármore ou

bronze, guardadas em jornais, livros antigos, pessoas mais velhas que, interrogadas,

podem deixar fluir lembranças de um tempo passado e que pode se fazer presente ao se

deter diante do monumento e do tempo para recordar.

Mas não só para recordar serve o monumento, também para informar os contextos

políticos que determinaram sua criação. Observando o monumento e as informações

contidas em suas placas de mármore, é possível perceber a vida política de Manaus

inscrita nos nomes. Quem fazia parte do cenário político de Manaus em 1948, continuou

a fazer parte nas décadas seguintes incluindo suas novas gerações.

As entrevistas na Praça do Relógio foram feitas entre 14h e 16hs, com as pessoas que

estavam sentadas nos bancos de concreto, entre a lanchonete e o obelisco. Todas

estavam esperando por alguém e citaram a praça como um lugar que visitam com

freqüência.

O calor, o movimento e a poluição sonora (buzinas, música, pessoas), estavam muito

mais intensos neste lugar. As pessoas entrevistadas demonstraram não estarem muito

incomodadas com todo esse contexto. Mas, se pronunciaram contrárias aos vendedores

ambulantes que abordam constantemente as pessoas que estão paradas ali. O que causa

medo de assalto. Outro fator de incômodo apontado por alguns foi o som alto da

lanchonete.

Ao serem questionados sobre o Obelisco, disseram que não sabiam porque estava ali e

que não servia para nada. A localização e o aspecto formal do Obelisco, principalmente

o seu tamanho, torna-o sem destaque no movimentado Centro de Manaus.

As pessoas que circulam pela Praça do Relógio, estão indo ou vindo do terminal de

ônibus da Matriz, em direção ao trabalho ou às suas casas. Muitos também passam pela

Praça em direção às compras, vindos dos barcos que aportam nas proximidades. As

lojas com preços populares e a variedade de artigos atrai quem deseja fazer compras em

Manaus.

Page 8: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

A Praça do Relógio para essas pessoas, não constitui um lugar para passeio e sim um

lugar de passagem. Mas, os bancos e a sombra em alguns momentos do dia, oferecem

um convite para ficar um pouco mais, funcionam como ponto de encontro. Alguns dos

entrevistados apontaram como necessidade para o Centro, a limpeza dessa Praça.

Quanto ao Obelisco, como as pessoas não conhecem o valor histórico da obra, as

intenções de sua colocação e o que representava no período, ele não faz sentido para

essas pessoas. Desprovido de atrativos estéticos, não é considerado como arte, diferente

do Monumento à Abertura dos Portos que, mesmo sem conhecerem os aspectos

simbólicos e históricos de sua implementação, o consideram importante pelo lugar que

ocupa, pela sua imponência e pelos detalhes apreciáveis. O Obelisco é desprovido

desses detalhes. Ele apenas está ali e as pessoas se acostumaram com ele.

Ao serem questionadas sobre o termo patrimônio, as pessoas entrevistadas deram as

seguintes respostas:

No Largo de São Sebastião7 Praça do Relógio

8

01 Algo muito importante, que não pode

se desfazer.

Patrimônio da cidade: Teatro Amazonas.

02 Patrimônio histórico vem ser isso aqui.

(referindo-se ao Largo)

Patrimônio é o que eu construí.

03 É o bem que alguém construiu num

determinado tempo. Patrimônio

histórico é isso aí. (Teatro Amazonas)

É uma coisa histórica, faz muito tempo

que tem.

04 Tudo isso: o Teatro, a praça, escolas...

patrimônio público.

É uma coisa que não pode ser expandida,

por exemplo a cultura indígena não pode

ser muito revelada.

05 Penso em algo que tem que ser

conservado... é do povo.

É aquilo que a gente consegue.

06 Tudo é patrimônio, nada deixa de ser, É como um prédio desses, como o

7 Coluna de respostas das pessoas que foram entrevistadas no Largo de São Sebastião.

8 Coluna de respostas das pessoas que foram entrevistadas na Praça do Relógio.

Page 9: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

porque vem dos antigos e dos

portugueses e assim se torna uma

história.

mercado que estão reformando e vai

ficar, é relíquia.

Pelas conversas com os entrevistados, percebi um aspecto muito prático no discurso

mas, ficou clara a noção de patrimônio como um bem coletivo. E ainda que os prédios

restaurados do período da borracha tenham sido apontados como exemplo de

patrimônio, ficou evidente também a questão dos serviços. Interessante a noção global

de patrimônio, principalmente associada ao bem comum.

Outros pontos do centro foram citados como a Manaus Moderna (rua que circunda a

orla de Manaus e que serve ao comércio informal e ao trânsito de quem viaja de barco),

como espaços bonitos mas que precisavam de cuidados. Apenas um dos entrevistados

citou a Praça do Relógio como um dos seus lugares preferidos no Centro, enquanto que

todos os entrevistados do Largo o incluíram como lugar que mais gostam de freqüentar.

O que configura a Praça do Relógio como um lugar de passagem.

Considerações finais

Observando o tema aqui apresentado e uma vez que não foi possível identificar de

forma mais substancial, categorias nativas relacionadas ao uso dos espaços e ao

patrimônio em Manaus, a partir das entrevistas realizadas, pretendo abordar, a título de

conclusões, as categorias indicadas por Kevin Lynch9: vias, limites, bairro, pontos

nodais e marcos.

O Centro Histórico de Manaus, como fora abordado no início deste texto, constitui o

centro histórico da cidade e o centro comercial. A Avenida Eduardo Ribeiro apresenta

em sua extensão, alguns limites demarcados pelos produtos dispostos nas lojas, pelos

espaços da parte baixa e da parte alta, pelas praças e monumentos. Esses limites são

percebidos pelo aspecto formal, o cuidado com as restaurações e pelo público que

freqüenta. A Avenida Eduardo Ribeiro é uma das principais vias do Centro histórico.

Por ela perpassam outras tantas ruas mais estreitas e com intenso comércio.

9 LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Page 10: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

A Praça do Relógio, pela proximidade com o terminal de ônibus já se constitui um

ponto de passagem. Dos dois lugares aqui abordados, o Teatro é o grande marco

referencial do Centro, pelo seu valor histórico e artístico, suas dimensões e localização.

No entanto o Relógio e outras construções mais antigas também funcionam como ponto

de referência para quem deseja se localizar no Centro.

A partir das conversas e entrevistas realizadas no Centro, foi importante perceber como

as pessoas e o poder público atribuem valor diferenciado aos objetos. Para o poder

público, a concluir pelos projetos de revitalização e patrimonialização da arquitetura do

período da borracha, essa necessidade de continuidade é importante. É o que atribui

valor à cidade, como uma prova de que sua história não é recente. E com isso, alguns

prédios são restaurados e espaços revitalizados sem um diálogo com seus usuários10

.

Para as pessoas, o que vale é o bem-estar coletivo, as soluções práticas e os espaços

mais arborizados. O Teatro Amazonas é o bem mais amplamente reconhecido como

patrimônio, ainda que muitas pessoas não tenham acesso a ele. Já está consolidado

como bem da cidade. Quanto aos outros, o valor que o Estado imprime a eles, ainda não

foi assimilado pelas pessoas, ou estas, lhes atribuem outros valores.

Esta abordagem, me alertou para os significados em relação aos discursos do

patrimônio. A noção dos monumentos como patrimônio é presente no poder público e

intelectuais da cidade. Enquanto a maioria das ações se limita às obras, as pessoas

querem perceber modificações no entorno. Dessa forma fica a impressão (uma vez que

são considerações ainda não estudadas adequadamente), de que os discursos políticos

em relação ao patrimônio constroem uma cidade para o olhar do outro (de um externo,

de um turista) e não para a vida de quem está ali. Ou ainda, que os espaços são

remodelados para atender a um pequeno grupo, e tornam-se, pela sua configuração,

limites velados de distinção social.

10

Como no caso da revitalização da Praça da Saudade, inaugurada em 2010, e sem uma consulta prévia

com as pessoas que freqüentavam o local. A praça teve o retorno do seu desenho circular de 1960 e com

apenas o monumento de Tenreiro Aranha ao centro, assemelhando-se ao Largo de São Sebastião. Antes a

praça era dotada de muitas barracas de lanche, um mini-anfiteatro, um mini-parque de diversões com

alguns brinquedos, lanchonetes e sorveteria ao redor e até um prédio de três andares. Agora ficou o

monumento e as áreas de circulação com poucos bancos que aguardam que as plantas trepadeiras cresçam

para oferecer sombra.

Page 11: A Praça do Relógio e o Obelisco à Cidade de Manaus

Referências Bibliográficas

ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte Como História da Cidade. São Paulo:

Martins Fontes, 1998.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano.Petrópolis,RJ: Vozes, 2009.

LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.