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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ALEXANDRE GALVÃO DA COSTA
A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS POR
DERIVAÇÃO NO ÂMBITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
Biguaçu 2008
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ALEXANDRE GALVÃO DA COSTA
A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS POR
DERIVAÇÃO NO ÂMBITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
Monografia apresentada como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel
em Direito pela Universidade do Vale do
Itajaí, Centro de Educação de Biguaçu.
Orientador: Prof. MSc. Juliano Keller do Valle
Biguaçu
2008
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ALEXANDRE GALVÃO DA COSTA
A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO NO ÂMBITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO.
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de
Bacharel em Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade
do Vale do Itajaí, Centro de Educação de Biguaçu.
Área de Concentração: Direito
Biguaçu, 12 de novembro de 2008.
Prof. MSc. Juliano Keller do Valle UNIVALI – CE de Biguaçu
Orientador
Profa. MSc. Rita de Cássia Pacheco UNIVALI – CE de Biguaçu
Membro
Prof. MSc. Luiz César Silva Ferreira UNIVALI – CE de Biguaçu
Membro
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente
trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação
do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e
qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 12 de novembro de 2008.
Alexandre Galvão da Costa Graduando
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DEDICATÓRIA
Dedico este estudo, primeira e especialmente,
aos meus pais, Zeferino da Costa Júnior e Lisete
Aparecida Galvão da Costa, pelo amor
incondicional, bem como por todo o esforço que
realizaram para que eu pudesse concluir o ensino
superior. Seguindo, dedico este às minhas irmãs
Cristiane Galvão da Costa e Mariane Galvão da
Costa, bem como ao meu “meio-irmão” Paulo
Afonso Galvão, pelo companheirismo em todas as
fases de minha vida. Não poderia deixar de
mencionar, também, o nome de Milena Thiemy
Silveira Waki, que apesar de todos os percalços
pelos quais passamos continua a ser muito
especial e importante em minha vida. Por fim,
incluo nesta dedicatória todos os amigos que
conquistei no decorrer da minha existência, em
especial os grandes amigos que obtive no período
da faculdade, os quais faço questão de nomear:
Alencar Konell e Guilherme Silva Pereima.
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AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus e a Nossa Senhora Aparecida
por toda a proteção, bem como a todos aqueles
que de alguma forma contribuíram para a feitura
deste estudo, em especial ao meu pai Zeferino da
Costa Júnior, minha irmã Cristiane Galvão da
Costa e meu orientador Juliano Keller do Valle,
não esquecendo do mestre e amigo Rodrigo
Mioto dos Santos.
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Quem não luta pelo que quer não merece o
que deseja.
Autor desconhecido
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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART. Artigo
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
INC. Inciso
Nº Número
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
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ROL DE CATEGORIAS
Estado Democrático de Direito
Significa a exigência de reger-se por normas democráticas, como eleições livres,
periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos
direitos e garantias fundamentais.1
Persecução penal ou persecutio criminis
Nos termos do art. 4º do CPP, cabe à polícia judiciária, exercida pelas autoridades
policiais, a atividade destinada à apuração das infrações penais e da autoria por
meio do inquérito policial, preliminar ou preparatório da ação penal. À soma dessa
atividade investigatória com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou
ofendido se dá o nome de persecução penal (persecutio criminis).2
Princípio da Economia Processual
Fala-se, ainda, no princípio da economia processual, que preconiza a escolha,
entre duas alternativas, da menos onerosa às partes. Não significa isso que se
suprimam atos previstos no rito processual estabelecido em lei, mas a
possibilidade de se escolher a forma que causa menos encargos.3
1 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2006. 972p. p.17.
2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2006. 818p. p.56.
3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.31.
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RESUMO
No Brasil, o legislador restringiu negativamente os meios de prova, determinando assim, as espécies que possuem sua utilização vedada no ordenamento jurídico pátrio. Dentre estas restrições, encontra-se a inadmissibilidade das provas ilícitas, bem como das provas derivadas destas. Traz-se à baila, então, os elementos que embasam a fase probatória do processo penal brasileiro, assim como a abordagem geral sobre esta, para que se possa alcançar, ao final, a discussão acerca da vedação ou não das provas ilícitas por derivação no âmbito do processo citado alhures. Objetiva-se, assim, verificar a admissibilidade ou não das provas ilícitas por derivação no âmbito processual penal brasileiro. Utiliza-se para este fim o método indutivo; dividindo a pesquisa, que se funda na revisão de literatura, em três capítulos, com o escopo de facilitar a compreensão. Destarte, inicialmente centra-se no debate acerca dos princípios e garantias fundamentais penais, e daqueles princípios peculiares ao direito processual penal que guardam relação com a atividade probatória ocorrida dentro do processo. Logo após, realiza-se uma abordagem geral sobre os institutos relativos à prova e ao seu exercício. E por fim, trata-se especificamente sobre a problemática das provas ilícitas por derivação na seara processual penal brasileira. Por intermédio da pesquisa bibliográfica desenvolvida sobre o tema, constata-se que o processo penal brasileiro possui uma regra geral no sentido de sua inadmissibilidade, utilizando-se a Teoria norte-americana dos Frutos da Árvore Envenenada, para assegurar que a ilicitude da prova originária macula também as provas que desta advenham, tornando-se, assim, também inadmissíveis. Em que pese o entendimento supracitado, observa-se também, a existência de hipóteses autorizadoras de sua utilização, como é o caso da existência de fonte independente daquela ilícita, pela qual se poderia chegar a mesma prova; e da aplicação do princípio da proporcionalidade, segundo o qual se suavizaria a vedação imposta a estas provas quando a mesma se mostrar essencial à demonstração da inocência do acusado, visto que esta proibição entraria em conflito com um direito fundamental do réu.
Palavras-chaves: Processo penal. Provas ilícitas por derivação.
Inadmissibilidade.
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ABSTRACT
In Brazil, legislators have negatively restricted the ways of evidence, thus determining the species that have their use banned in the national juridical order. Among these restrictions, the inadmissibility of illicit evidence as well as evidence derived from these can be found. The elements that base the evidential phase of the Brazilian criminal procedure are then brought to focus, as well as its overall approach, so that a discussion can be reached, on the ban or not of the illicit evidence by derivation in the sphere of the aforementioned procedure. Thus, the aim is to verify the inadmissibility or not of the illicit evidence by derivation in the Brazilian procedural sphere. The inductive method is used for that purpose; dividing the research, which is based on review of literature, into three chapters, with the scope of making comprehension easy. Therefore, we initially focus on the debate on the fundamental penal principles and guaranties, and on those principals peculiar to criminal procedural law which relate to evidential activity carried out during the procedure. Soon after, a general approach on the institutions related to the evidence and its exercise is taken. Finally, the problematic of illicit evidence by derivation in the Brazilian penal procedural field is dealt with. Through bibliographical research carried out on the theme, it is stated that the Brazilian penal procedure has a general rule in the sense of its inadmissibility, using the North American Fruits of the Poisoned Tree Doctrine, to assure that the illegality of the original evidence also maculates the evidence that come from it, thus also becoming inadmissible. Notwithstanding the aforementioned conclusion, the existence of hypotheses that authorize its use is also observed, as is the case of the existence of a source regardless of the illicit one, through which one can come to the same evidence; and of the application of the proportionality principle, according to which the ban imposed to this evidence would be soothed when it proves to be essential to the demonstration of the defendant‟s innocence, seeing that this ban would get into conflict with one of the defendant‟s fundamental right.
Keywords: Penal procedure. Illicit evidence by derivation. Inadmissibility.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 .................................................................................. 15 1 DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS PENAIS ................................ 15 1.1 INTRÓITO ....................................................................................................... 15 1.2 DA LEGALIDADE ........................................................................................... 16 1.3 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL .................................................................. 20 1.4 DO CONTRADITÓRIO.................................................................................... 22 1.5 DA AMPLA DEFESA ...................................................................................... 25 1.6 DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ................................................................ 27 1.7 DO IN DUBIO PRO REO ................................................................................ 31 1.8 DA VERDADE REAL ...................................................................................... 33
CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 35 2 DA PROVA PENAL .......................................................................... 35 2.1 INTRÓITO ....................................................................................................... 35 2.2 DO CONCEITO DE PROVA ........................................................................... 36 2.3 DO OBJETO DE PROVA ............................................................................... 38 2.4 DOS MEIOS DE PROVA ................................................................................ 41 2.5 DA CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS ............................................................ 43 2.5.1 QUANTO AO OBJETO ....................................................................................... 43 2.5.2 QUANTO AO EFEITO ........................................................................................ 44 2.5.3 QUANTO AO SUJEITO....................................................................................... 45 2.5.4 QUANTO À FORMA .......................................................................................... 46 2.6 DO ÔNUS DA PROVA.................................................................................... 46 2.7 DOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS ........................................ 48 2.8 DOS PRINCÍPIOS REFERENTES À ATIVIDADE PROBATÓRIA ................. 51
CAPÍTULO 3 ........................................................................................ 54 3 DA UTILIZAÇÃO DA PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO NO ÂMBITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO ................................ 54 3.1 INTRÓITO ....................................................................................................... 54 3.2 DAS PROVAS ILÍCITAS................................................................................. 55 3.3 DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO ................................................. 59 3.4 DA APLICAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ...................................................................... 60 3.4.1 DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO ........................... 60 3.4.2 DA ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO .............................. 63 3.4.2.1 Admissibilidade advinda da Lei nº 11.690/2008.................................... 64 3.4.2.2 Admissibilidade proveniente da aplicação do princípio da proporcionalidade ............................................................................................... 66
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 75
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INTRODUÇÃO
É cediço que quando do cometimento de um crime, surge para o Estado o
direito-dever de punir o autor do fato delituoso (jus puniendi). Contudo, o autor do
delito também possui seu direito à liberdade (jus libertatis) contraposto àquele;
assim, uma vez confrontados esses interesses concorrentes, surge a denominada
lide penal. Para dirimir este conflito o Estado utiliza-se, então, do processo, que o
solucionará respeitando uma série de direitos fundamentais ao acusado.
No decorrer deste processo, tanto o Estado quanto o réu buscarão o
convencimento do magistrado de que seu interesse deve se sobrepor ao do outro,
visando, respectivamente, à condenação e à absolvição. Os meios utilizados para
criar, na mente deste, tal convicção são as provas. No direito processual
brasileiro, como será visto a frente, não há a limitação das ações ou meios
utilizados para pesquisar ou demonstrar a verdade, desde que produzidos
licitamente, haja vista que qualquer limitação prejudicaria a obtenção da verdade
real, e em conseqüência, a justa aplicação da lei, como restará demonstrado no
desenvolvimento desta pesquisa.
Ante o exposto, denota-se a existência de certas provas, que a primeira
vista, não são admitidas no processo penal brasileiro, por sua produção ter
decorrido de atos ou meios contrários à lei vigente, são as denominadas provas
ilícitas. Por sua vez, como regra geral, são também proibidas no processo penal,
as provas advindas de informações provenientes destas, as intituladas provas
ilícitas por derivação.
Este trabalho terá como tema, então, a questão das provas proibidas no
processo penal brasileiro, tendo como parâmetro a elucidação do seguinte
problema: Existe a possibilidade de ver-se aceita uma prova ilícita por derivação
no processo penal brasileiro? Abordando-se, para este fim, acerca das correntes
doutrinárias e jurisprudenciais que defendem os entendimentos divergentes de
que estas nunca serão admissíveis ou serão admissíveis em situações
excepcionais.
Destarte, este estudo tem por fim verificar a existência, ou não, da
possibilidade de utilização da prova ilícita por derivação na seara processual
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penal brasileira. Justificando-se pela necessidade de se criar limites ao direito de
prova para que o processo tenha desenvolvimento sob a égide de um rigoroso
regramento moral, sem, contudo, impossibilitar o direito garantido ao acusado de
defender-se quando processado judicialmente.
Mostra-se importante salientar, ainda, que durante a composição desta
pesquisa bibliográfica foi utilizado o método indutivo, o qual se caracteriza por
“pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter
uma percepção ou conclusão geral”.4
Diante do exposto, para o melhor desenrolar da presente pesquisa e de
modo a facilitar o entendimento dos assuntos abordados, esta se apresenta
subdividida em três capítulos, todos de suma importância para o deslinde da
problemática proposta.
O primeiro destes tratará acerca da conceituação e aplicabilidade dos
princípios e garantias fundamentais penais constitucionalmente previstos.
Observar-se-á, assim, a importância dos princípios da legalidade, do devido
processo legal e seu decorrente devido processo penal, bem como a abordagem
sobre os princípios do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência
do acusado. Contemplar-se-á neste capítulo, ainda, os princípios do in dubio pro
reo e da verdade real, ambos peculiares ao direito processual penal, mas que
também se mostram essenciais para o estudo das provas no que tange ao
processo penal brasileiro.
Em seu turno, o segundo capítulo será dedicado ao estudo da matéria
concernente à generalidade da prova penal. Nesta senda proceder-se-á à análise
da conceituação do instituto prova no processo penal, contemplando seu objeto,
ônus e meios. Tratar-se-á, da mesma forma, acerca de sua classificação
doutrinária, dos sistemas pelos quais esta é valorada pelo magistrado que preside
o processo, não esquecendo, ainda, da importância dos princípios atinentes à
atividade probatória.
Findo estes dois primeiros capítulos, adentrar-se-á no cerne deste estudo,
estando o terceiro capítulo dedicado ao exame da possibilidade ou não de
utilização da prova ilícita por derivação na seara processual penal brasileira.
4 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o
pesquisador do direito. 9.ed. Florianópolis: OAB/SC, 2005. 243p. p.104.
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Desse modo, no desenvolvimento deste tratar-se-á acerca da conceituação e
aplicabilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro, o mesmo ocorrendo
com as provas decorrentes destas, as denominadas provas ilícitas por derivação.
Por fim, no tocante a estas últimas analisar-se-á as exceções à regra geral, que
prevê a sua inadmissibilidade, observando-se a sua vertente legal, assim como a
que provém da aplicação do princípio da proporcionalidade.
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CAPÍTULO 1
1 DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS PENAIS
1.1 INTRÓITO
Iniciando-se a linha de pensamento sintetizada na introdução deste trabalho,
tem-se que o homem é um ser que não vive isolado, necessitando do convívio com
os demais para a sua existência plena, razão pela qual se organiza em sociedades
nas quais todos estão interligados e cooperando uns com os outros. Entretanto, a
vida em conjunto acaba por criar interesses divergentes entre seus integrantes,
vindo a causar, assim, conflitos que não devem ser solucionados através da
imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco, o que levaria ao caos social.
Como meio de solução para as contendas existentes na sociedade, relativas aos
bens mais importantes dos indivíduos, e com o escopo de manter a paz social no
âmago da coletividade, surge o Direito Penal, definidor das condutas consideradas
ilícitas e suas conseqüentes penas; bem como o Direito Processual Penal, regulador
da forma de aplicação dessas sanções5.
A legislação penal deve, então, ser respeitada por todos de forma irrestrita.
No entanto, isso nem sempre acontece, e por este motivo, quando de sua violação,
surge para o Estado o jus puniendi, que se configura como o direito-dever de punir o
transgressor da norma penal. Nesta senda, mostra-se imperioso assinalar que o
Estado não pode aplicar a sanção cabível ao caso concreto de plano ou
arbitrariamente, haja vista que o autor do ilícito penal também possui seu direito à
liberdade (jus libertatis). Dessa forma, uma vez confrontados esses direitos
concorrentes, tem-se formada a denominada lide penal.
Para dirimir este litígio, o Estado utiliza-se do processo, no caso em tela
especificamente o processo penal, que o solucionará observando-se uma série de
garantias fundamentais constitucionalmente previstas, como por exemplo: o direito à
5 LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3.ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2005. 384p. p. 01.
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legalidade, ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e à presunção
de inocência, que servem de freios para possíveis abusos por parte do poder
estatal6.
Acerca destas garantias fundamentais penais leciona TUCCI:
Essas regras, na sua essencialidade de Direito Processual Constitucional, firmando direitos subjetivos individuais e as correspondentes garantias, são, exatamente, os por nós denominados regramentos constitucionais do processo penal, e podem ser alinhados a partir da concepção de Direito Processual como „expressão de conteúdo próprio, em que se traduz a garantia de tutela jurisdicional do Estado através o procedimento demarcado formalmente em lei‟
7.
Não obstante a existência destas garantias citadas alhures, o Direito
Processual Penal, como ramo autônomo do direito que é, também possui seus
princípios orientadores, que se caracterizam como “normas que, por sua
generalidade e abrangência, irradiam-se por todo o ordenamento jurídico,
informando e norteando a aplicação e a interpretação das demais normas de
direito”,8 ou seja, são preceitos primários que embasam toda a construção legislativa
e interpretativa da matéria processual penal. Para efeito deste estudo, mostra-se
relevante a análise dos princípios do in dubio pro reo e da verdade real.
Tendo visto isso, pode-se denotar a importância das garantias constitucionais
concernentes ao Direito Processual Penal, bem como dos princípios peculiares a
este, como forma de proteção jurídica ao acusado durante todo o desenrolar do
processo.
Passa-se, então, ao estudo individual e pormenorizado desses princípios e
garantias orientadoras do processo penal.
1.2 DA LEGALIDADE
6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.03-06.
7 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 477p. p.52. 8 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 794p.
p.34.
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Dar-se-á início a este estudo, então, pela análise detalhada do princípio da
legalidade, tratando tanto acerca de sua faceta ampla, quanto de sua faceta peculiar
à ciência criminal.
Primeiramente, mostra-se importante revelar que este surgiu com o propósito
de apresentar oposição “a toda e qualquer forma de poder autoritário,
antidemocrático”,9 tendo por origem o artigo 6º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, estabelecida com o término da Revolução Francesa em 1789,
que expressamente expunha a idéia de lei como ato superior a qualquer outro direito
que dela não adviesse, como se pode observar em sua redação original:
A liberdade consiste no poder de fazer tudo o que não ofende outrem; assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites além daqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos. Esses limites não podem ser estabelecidos senão pela lei.
10
No Brasil, hodiernamente, o mesmo entendimento encontra-se contemplado
entre os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, mais precisamente no art.
5º, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil, que, in verbis,
preceitua: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”.11 Resta conferido, assim, apenas à lei o poder de indicar as condutas
que se mostram em desacordo com a vida pacífica em sociedade, e dessa forma
restringi-las.
Uma vez delimitado, faz-se mister ressaltar que o princípio da legalidade é
vigente no Estado Democrático de Direito e imune da representação de
autoritarismo, em decorrência da presunção de que as leis exprimam a vontade de
toda a nação,12 haja vista que a função de criá-las é de competência do Poder
Legislativo, órgão este que é composto pelos representantes escolhidos diretamente
pelos próprios cidadãos, e desse modo, é o povo quem escolhe, mesmo que
indiretamente, as normas segundo as quais estará submetido. Provindo daí, então, a
9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12.ed. São Paulo:Saraiva, 2008. 811p.
p.600. 10
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 640p. p.154. 11
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2007. 88p. 12
SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 655p. p.477.
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presunção de que as leis se apresentam em conformidade com os anseios de toda a
sociedade, não possuindo origem arbitrária.13
Exposta a conceituação dada pela própria CRFB/88, mostra-se imprescindível
a feitura de uma ressalva no que diz respeito a sua interpretação em relação aos
particulares, bem como à administração pública, posto que ocorrem de forma
diversa. No que tange às relações entre particulares, então, aplica-se este princípio
com a interpretação literal do expresso no art. 5º, inc. II da CRFB/88, ou seja, pode-
se realizar tudo o que não for proibido por lei. Entretanto, já no que diz respeito às
relações desempenhadas pela administração pública, dá-se interpretação divergente
da supracitada, entendendo-se que esta somente poderá agir de acordo com o que
a lei expressamente permitir.14
Posto isso, pode-se observar que o escopo primordial deste princípio é a
garantia da liberdade, de toda a sociedade, frente a possíveis arbítrios de quem
porventura exerça alguma posição de poder em relação aos demais, fazendo com
que a autoridade destes esteja, obrigatoriamente, adstrita às preceituações legais,
que em seu turno, também devem estar em consonância com a Carta Magna
brasileira.15
Finda a abordagem acerca do princípio da legalidade em sua visão ampla,
torna-se oportuno a cognição de sua aplicabilidade em âmbito mais restrito, como é
o caso da aplicação deste no que concerne ao direito penal, em que atinge seu
ponto alto mais expressivo.16 O Código Penal brasileiro o contempla já em seu art.
1º, ao aduzir que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem
prévia cominação legal”,17 repetido na redação do art. 5º, inc. XXXIX, da CRFB/88,
que recepcionou o citado dispositivo.
Destarte, da lei penal nasce tanto o direito do cidadão em não se ver
penalizado por uma ação não considerada ilícita, quanto o direito do Estado de punir
quem viola estas normas incriminadoras18, que dão valor a um bem jurídico.
Entretanto, importante é salientar que este poder repressivo do Estado não deve ser
executado de forma ilimitada, para que seus possíveis excessos sejam reduzidos ao
13
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.155. 14
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p.600-601. 15
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.155. 16
SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. p.424. 17
BRASIL, Decreto-Lei n. 2.848/40, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: . Acesso em: 22 jun.2008. 18
JESUS, Damásio de. Direito penal. V.1. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 750p. p.61.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm
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máximo em virtude do valor dos bens tutelados por este ramo do direito, como a
liberdade, por exemplo. Assim, mostra-se imperioso o controle cuidadoso do poder
punitivo do Estado para que se evite as arbitrariedades que possam advir deste.19
O interesse exacerbado do princípio da legalidade para o direito penal
decorre justamente desse ponto, aparecendo, assim, como o limitador do poder do
Estado, assegurando que a fixação das condutas tidas como criminosas será de
competência exclusiva da lei, ou seja, para que um fato seja considerado crime,
deve haver, obrigatoriamente, uma lei prévia descrevendo-o de forma precisa e
cominando a sanção conseqüente pelo seu descumprimento, restando vedado ao
Estado, desse modo, atribuir valores e sanções diferentes para situações idênticas.20
Corroborando com este entendimento, GIACOMOLLI assevera em seu estudo
que:
[...] um fato somente constituirá uma infração criminal quando assim estiver previsto em uma norma legal, no momento em que foi praticado e, ainda, ao sujeito condenado se aplicarão a espécie e a quantidade de pena prevista no tipo penal (arts. 5º, XXXIX, da CF e 1º do CP). Assim, ninguém pode ser castigado por um fato que, no momento da conduta, não esteja previsto num preceito normativo como infração criminal, por mais nocivo, cruel ou hediondo que seja. Também, ao fato praticado somente e apenas pode ser aplicada a espécie de pena e possível quantia já prevista no tipo penal transgredido, por mais ínfima que pareça. Deste modo, mesmo em sua concepção formal, este princípio „limita a intervenção estatal‟ e „serve para evitar uma punição arbitrária e incalculável, ou baseada numa lei imprecisa ou retroativa‟, ou seja, como uma garantia ao indivíduo.
21
Ante o exposto, pôde-se denotar que tanto em seu sentido amplo quanto
estrito, o princípio da legalidade se apresenta como um garantidor da liberdade dos
cidadãos frente a possíveis arbitrariedades cometidas pelo Estado, visto que uma
vez respeitado, as relações entre estes se dará em conformidade com os preceitos
legais vigentes, sob pena de ver-se acionado o Poder Judiciário, para que seja
garantido o gozo pleno deste direito.
19
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 754p. p.10. 20
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. p.11. 21
GIACOMOLLI, Nereu José. O princípio da legalidade como limite do jus puniendi e proteção dos direitos fundamentais. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v.6, n.23, p.153-177, 2007.
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1.3 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Historicamente o princípio do devido processo legal (due process of law)
provém do direito anglo-americano, nascido da decisão do Chief Justice Taney, no
caso Dred Scott22 e amparado nas emendas à Constituição Americana, números 5 e
14.23
Em nosso país este foi incorporado e decorre do expresso no inc. LIV do art.
5º da CRFB/88 que, in verbis, preceitua que “ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal”,24 ou seja, “para um cidadão sofrer o
alcance de uma norma, seja em processo judicial seja em processo administrativo,
torna-se necessário que o parâmetro da legalidade seja obedecido”.25
Doutrinariamente o devido processo legal pode ser entendido em suas duas
figuras: a formal e a material. Com relação à primeira, imperioso é o resgate de
conceitos acerca do processo.
Como visto alhures, o processo é, de forma objetiva, o meio pelo qual o
Estado exerce seu poder jurisdicional, podendo ser considerado como o conjunto de
atos concatenados e seqüenciais que objetivam a aplicação da lei ao caso concreto
que se apresenta ao magistrado. No entanto, para o desenrolar adequado deste, os
atos devem ser praticados, por todos os sujeitos processuais, seguindo-se as
formalidades previstas em lei, até culminar na prolação da decisão acerca do mérito
da causa em litígio.26 É nesse ponto que incide o devido processo legal, visto que os
cidadãos não têm apenas o direito a pleitear a solução dos conflitos pelo órgão
jurisdicional competente, mas sim que este execute o processo regularmente na
forma prescrita em lei,27 e esta regularidade reside justamente na forma como este
será conduzido e na observação dos direitos e garantias fundamentais do acusado.
22
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.192. 23
SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. p.477. 24
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2007. 88p. 25
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.192. 26
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 657p. p.17. 27
CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 582p. p.64.
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21
Sobre as formalidades existentes no decorrer do processo é que incide,
então, o devido processo legal formal, como bem ensina AGRA:
Seu objetivo é propiciar aos litigantes um processo que siga os procedimentos estatuídos em lei, ensejando igualdade entre as partes e possibilitando sua defesa [...] visando à defesa dos cidadãos contra leis arbitrárias que pusessem em risco a vida, a liberdade e a propriedade do indivíduo.
28
Já referente á sua figura material, pressupõe-se a “elaboração regular e
correta da lei, bem como sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas
preceituações constitucionais”,29 levando-se em consideração, desse modo, o ato de
legislar e o conteúdo da norma.
Na mesma linha, FERNANDES assevera que:
Atualmente, a doutrina entende que a garantia não se circunscreve no âmbito estritamente processual, assumindo também uma feição substancial. Sob essa nova ótica, a observância da garantia exige que as normas advenham de um processo legislativo de elaboração previamente definido e „não sejam desarrazoadas, portanto intrinsecamente injustas‟.
30
Posto isso, observa-se que estas figuras se diferenciam no momento de seu
emprego, uma vez que o devido processo legal na sua forma material atenta para o
modo com que a lei foi elaborada, bem como para o seu conteúdo, enquanto que o
devido processo legal formal preocupa-se com a posterior aplicação correta desta
legislação no decorrer do processo.31
Findo o debate acerca das duas facetas do aludido princípio, mostra-se
imperioso ressaltar a verdadeira importância desta garantia fundamental,
caracterizando-se como o princípio garantidor de todos os demais, e desse modo,
como leciona CHIMENTI, “bastaria tal princípio para que daí decorressem todas as
conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e
a uma sentença justa”.32
28
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.192-193. 29
CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias. Curso de direito constitucional. p.64. 30
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 415p. p.47-48. 31
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.193. 32
CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias. Curso de direito constitucional. p.64.
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22
Isso posto, na seara processual penal fala-se, ainda, em devido processo
penal, que procede a análise das garantias atinentes ao devido processo legal, só
que se utilizando especificamente do processo penal como objeto.33
Sobre este, também, pronuncia-se TUCCI:
A pessoa física integrante da coletividade não pode ser privada de sua liberdade, ou de outros bens a ela correlatos, sem o devido processo penal, em que se realize a ação judiciária, atrelada ao vigoroso e incindível relacionamento entre as preceituações constitucionais e as normas penais – quer de natureza substancial, quer de caráter instrumental -, e de sorte a tornar efetiva a atuação da Justiça Criminal, tanto na inflição e na concretização da sanção (pena ou medida de segurança), como na afirmação do jus libertatis.
34
Denota-se, assim, ser este, talvez, o principio mais importante a ser
respeitado em relação à atividade jurisdicional praticada pelo Estado, visto figurar
como uma espécie de certificador dos demais.
1.4 DO CONTRADITÓRIO
Primeiramente urge salientar que o contraditório decorre do princípio do
devido processo legal e teve sua incorporação à Constituição Brasileira em 1937,
sendo mantido em todas as cartas subseqüentes.35 No presente momento, é
garantido pelo art. 5º, inc. LV da CRFB/88, que, in verbis, aduz: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.36
Consiste este princípio, então, na obrigatoriedade de que ambas as partes
conflitantes (acusação e defesa) sejam cientificadas sobre todos os atos praticados
dentro do processo, e uma vez conhecendo-os tenham a oportunidade de refutá-
33
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.48. 34
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. p.68. 35
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.67. 36
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2007. 88p.
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23
los,37 pressupondo, assim, dois elementos primordiais, “a necessidade de
informação e a possibilidade de reação”.38
No mesmo diapasão, LOPES JR. apresenta seu entendimento sobre o
contraditório:
É o método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado em ficar livre das acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas).
39
Uma vez conceituado, deve-se destacar seu objetivo primordial, muito bem
trabalhado por CHIMENTI:
O objetivo principal da garantia não é a defesa, entendida no sentido negativo de resistência ou oposição, mas sim a influência, tomada como direito ou possibilidade de atuar na formação do convencimento do juiz e no resultado do processo. Significa que as partes terão direito de pleitear a produção de provas, de participar dos atos probatórios e de pronunciar-se sobre seu resultado.
40
Visto isso, imperioso se faz, a diferenciação da aplicação do contraditório no
âmbito processual civil e penal, haja vista que em relação ao primeiro “é dado
conceito restrito ao princípio do contraditório, que se expressa pela ciência inicial da
ação e a oportunidade dada ao réu de, se quiser, se defender”,41 e em relação ao
segundo, “a contrariedade deve ser efetiva, real, em todo o desenrolar da
persecução penal, a fim de que, perquirida à exaustão, a verdade material, reste
devidamente assegurada à liberdade jurídica do indivíduo enredado na persecutio
criminis”.42
Nesta senda, segue o ensinamento de FERNANDES:
No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do contraditório durante toda o desenrolar da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a possibilidade
37
CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias. Curso de direito constitucional. p.65. 38
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.63. 39
LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. p.17. 40
CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias. Curso de direito constitucional. p.65. 41
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.66. 42
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. p.211
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24
formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los.
43
O mesmo autor aponta, ainda, a razão para a existência dessa diferenciação
entre as divergentes classes do direito processual. Constata-se, assim, que o
processo penal, ao contrário do que ocorre no cível ou trabalhista, lida com o direito
a liberdade do acusado, direito este considerado indisponível, e por esse motivo, o
magistrado tem o dever de garantir a plenitude e efetividade do contraditório no
processo penal, equilibrando-se, com isso, as ações da acusação e da defesa.44
Faz-se mister ressaltar, também, que o contraditório apenas é assegurado na
fase processual, não se estendendo à fase investigatória do processo penal, assim,
não há observação deste durante o inquérito policial, isso porque a CRFB/88 é
taxativa quanto à sua obrigatoriedade apenas em processos judiciais ou
administrativos,45 e o inquérito não se configura como nenhum desses, haja vista a
lição de FERNANDES, ao aduzir que este:
[...] constitui um conjunto de atos praticados por autoridade administrativa, não configuradora do um processo administrativo. Sequer o inquérito é procedimento, pois falta-lhe característica essencial do procedimento, ou seja, a formação por atos que devam obedecer a uma seqüência predeterminada pela lei, em que, após a prática de um ato, passa-se à do seguinte até o ultimo da série, numa ordem a ser necessariamente observada.
46
Uma vez que resta negado o direito ao contraditório no decorrer da fase
inquisitorial do processo penal, sua observação dar-se-á em momento posterior, já
com a instauração do processo, oferecendo à defesa a oportunidade de contestar as
provas de caráter cautelar e pericial produzidas durante a fase de inquérito policial.47
Concluída a exposição acerca do contraditório pode-se constatar ser este “a
possibilidade de se produzir uma assertiva contrária àquela que foi realizada pela
acusação, ou seja, nenhuma decisão judicial pode ser prolatada antes que sejam
ouvidas ambas as partes no processo”.48
43
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.63. 44
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.67. 45
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.69. 46
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.69-70. 47
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. p.71. 48
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.193.
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25
1.5 DA AMPLA DEFESA
O princípio da ampla defesa, também corolário ao do devido processo legal,
encontra-se expresso no mesmo dispositivo aludido no tópico antecedente (art. 5º,
LV, da CRFB/88), constituindo-se, por sua vez, no direito à feitura da defesa por
todos os meios e recursos possíveis e permitidos pela legislação, revelando-se ser,
assim, prerrogativa privativa dos acusados,49 aos quais se assegura, então, “ampla
possibilidade de interferência na produção da prova e no debate das mais variadas
quaestionis juris”.50
Analogamente, MARTINS conceitua esta garantia como:
[...] a condição de quem esteja sendo submetido a procedimento administrativo ou criminal para apuração de responsabilidade vir a se defender da imputação, usando para tanto de todos os meios lícitos previstos, como impedindo o desrespeito à sua condição paritária no processo, seja ele de que natureza for.
51
Daí surge, então, a necessidade do significado da expressão “defesa” no
âmbito processual penal, conceito este exposto com maestria por MARQUES:
Defesa é o direito que tem o réu ou acusado de opor-se à pretensão do autor (público ou privado), no curso do processo instaurado contra este. E como o processo tem duplo conteúdo – um processual e outro de mérito - distinguem-se duas formas de defesa: a defesa processual e a defesa de mérito. Com a primeira, o acusado procurará mostrar, quando isto couber, que é inadmissível a prestação jurisdicional pedida, por falta de algum pressuposto processual, condição da ação ou de procedibilidade; e com a segunda, tentará demonstrar que inexiste o direito de punir, ou que a acusação, no todo ou em parte, é improcedente.
52
Uma vez conceituado, passa-se a tratar acerca de sua obrigação, como
assinala AGRA:
Incube ao juiz de direito velar pela realização da ampla defesa. Porém, o acusado não se encontra obrigado a utilizar todos os meios de prova em
49
SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. p.498-499. 50
LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Ampla defesa e processo penal. Revista do tribunal Regional Federal, 4ª Região, Porto Alegre, v.15, n.54, p.13-82, 2004. p.77. 51
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. A interpretação da ampla defesa no processo penal conforme a constituição. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária, Porto Alegre, v.49, n.289, 2001. p.88. 52
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. V.1. 2.ed. Campinas: Millennium, 2000. 520p. p.102-103.
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26
todos os momentos processuais. A possibilidade da ampla defesa precisa estar a sua disposição, podendo ser usada de acordo com a sua vontade. É uma prerrogativa disponível do acusado.
53
Em que pese esse entendimento, sua aplicabilidade no âmbito penal se faz
de forma diversa, uma vez que a Súmula nº 523 do Supremo Tribunal Federal veda
essa disponibilidade, por parte do acusado, ao estabelecer que “no processo penal,
a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se
houver prova de prejuízo para o réu”,54 considerando-se, assim, “indispensável, sob
pena de nulidade, a defesa técnica do réu, assegurando-lhe contrariar a acusação,
produzir provas e manifestar, acerca delas, juízo crítico”.55
Em interpretação à súmula nº 523 do STF, LENZ assevera, ainda, que:
Por conseguinte, para tornar efetiva a garantia constitucional insculpida no art. 5º, LV da CF/88, é imperioso assegurar ao acusado, no decorrer do processo penal, a ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes, devendo o seu procurador, constituído ou dativo, empenhar-se efetivamente em sua defesa, sob pena da posterior declaração de nulidade do processo, na forma da Súmula 523 do Pretório Excelso.
56
Ante todo o discutido, adverte-se que para exercer a defesa em toda sua
plenitude, pode, o acusado, proceder à utilização dos meios e recursos permitidos
em lei, e dessa maneira, LENZ aponta a responsabilidade conferida ao legislador em
decorrência deste princípio:
Em cumprimento ao mandamento constitucional, impõe-se ao legislador ordinário, por meio da legislação processual penal, conferir ao acusado a possibilidade de defender-se da forma mais completa possível, sem, contudo, inviabilizar o normal prosseguimento da ação penal.
57
Portanto, cabe ao legislador criar normas que visem propiciar as
oportunidades e os meios para a “realização de atos positivos em prol da tese
sustentada pelo acusado, reclamando de seu procurador empenho efetivo no
decorrer da instrução probatória”,58 para que este possa construir sua defesa de
forma eficiente e plena.
53
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. p.194. 54
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 523. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2008. 55
LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Ampla defesa e processo penal. p.78. 56
LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Ampla defesa e processo penal. p.80. 57
LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Ampla defesa e processo penal. p.77. 58
LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Ampla defesa e processo penal. p.78.
http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumula/anexo/Sumulas_1_a_736.pdf
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27
Fica claro, assim, que se deve “buscar encontrar em disposições legais
infraconstitucionais consonância com o preceito inserido na Constituição da
República Federativa do Brasil”.59
Visto isso, MARTINS assinala a importância da ampla defesa no campo
penal:
No processo penal, onde o resultado pode vir a redundar na privação da liberdade do agente, com mais vigor se expressa a importância da defesa plena, com o fito de se evitar o reconhecimento da responsabilidade penal em face de não se ter permitido o combate aos elementos de prova que lhe são contrários.
60
Desse modo, pôde-se mostrar a imprescindibilidade do princípio da ampla
defesa, fazendo com que o magistrado oportunize ao acusado o acesso aos meios e
recursos pelos quais possa exercer sua defesa em sua plenitude e assim obtendo-se
o desenrolar regular do processo penal.
1.6 DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Também decorrente do devido processo legal é o princípio da presunção de
inocência que, igualmente proveniente da Declaração do Homem e do Cidadão, foi
incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro através da Carta Magna de 1988,
que em seu art. 5º, inc. LVII, preceitua que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”,61 vindo impedir, assim, a
privação desnecessária da liberdade do acusado.62
Acerca deste princípio, ensina BONCHRISTIANO:
No Estado Democrático de Direito, como vem no preâmbulo de nossa Constituição, é assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, para os quais estão estipulados direitos e garantias, como é o caso do
59
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. A interpretação da ampla defesa no processo penal conforme a constituição. p. 88. 60
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. A interpretação da ampla defesa no processo penal conforme a constituição. p.89. 61
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2007. 88p. 62
LIMA, Wanderson Marcello Moreira de. Presunção de inocência. Revista dos Tribunais, v.90, n.786, p.520-530, 2001. p.520-521.
-
28
citado inciso LVII do art. 5º, que determina o reconhecimento de culpa somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória, regra que deve ser aplicada em sua plenitude.
63
Em sua obra, TUCCI apresenta, da mesma forma, seu entendimento a
respeito da presunção de inocência, ao preceituar que uma vez atribuída a prática
de uma infração penal ao acusado, o mesmo apenas e tão somente poderá ser
considerado culpado por tal conduta após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, nunca anteriormente a esta.64
Estabelecido seu conceito, OLIVEIRA define o âmbito de aplicação do
princípio da presunção de inocência:
Afirma-se em doutrina que o principio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específica em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação.
65
No mesmo diapasão vem o complemento trazido por CAPEZ:
O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à analise da necessidade da prisão cautelar.
66
Passa-se, então, á analise detalhada das regras supracitadas, assinalando-
se, porém, que a avaliação da carga probatória duvidosa em favor do réu,
mencionada por CAPEZ, diz respeito ao principio do in dubio pro reo, o qual será
estudado em tópico apartado.
A priori, faz-se mister salientar que este princípio encontra ampla aplicação no
que concerne às prisões processuais (prisão temporária, prisão preventiva e prisão
63
BONCHRISTIANO, Carlos Augusto. A aplicação do princípio in dúbio pro reo nos tribunais. Revista de Julgados do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, v.29, p.13-27, 1996. p.15. 64
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. p.380. 65
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 810p. p.31. 66
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 735p. p.44.
-
29
em flagrante).67 Isso ocorre pois, uma vez que o acusado seja presumidamente
considerado inocente, o cerceamento de sua liberdade somente será permitido
quando apresentar caráter cautelar, necessitando-se, assim, que todos os requisitos
exigíveis à estas espécies de prisão estejam presentes.68
Acerca do cuidado na aplicação destas medidas cautelares expõe
DONADELI:
As medidas cautelares penais restritivas de liberdade individual, devem ser aplicadas cuidadosamente e de forma moderada, já que lhes falta a característica do contraditório. Por isso, devem ao máximo, restringir-se aos limites da lei, observando os direitos do cidadão e os princípios constitucionais do processo, com aplicação somente em casos excepcionais e sempre com a devida prudência, buscando, estritamente, realizar suas finalidades, sob pena de não se validar. Essas exigências, decorrem do fato de que elas atacam os bens mais preciosos do ser humano, que é a liberdade de locomoção, privando o sujeito do direito de ir e vir.
69
Contrariamente ao exposto acima, o art. 594 do Código de Processo Penal
preceitua que “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança,
salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença
condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto”,70 bem como a Súmula
nº 9 do Superior Tribunal de Justiça, que em seu turno aduz que “a exigência da
prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de
inocência”,71 permitindo-se, assim, a prisão do acusado, independente do seu
caráter cautelar, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Em que pese às normas supracitadas, imperioso é ressaltar que estas vão de
encontro à garantia constitucional expressa no art. 5º, inc. LVII, da CRFB/88,
conforme é posto por TOURINHO FILHO:
E hoje toda a doutrina, nacional e estrangeira, proclama não poder haver, em face da consagração do princípio da presunção da inocência, nenhuma antecipação de pena. A prisão provisória só se justifica se for necessária. E ela o será apenas em duas hipóteses: para preservar a instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.
67
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. p.31. 68
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. p.64. 69
DONADELI, Paulo Henrique Miotto. Cautelaridade penal e o princípio da presunção de inocência. Revista Jurídica da Universidade de Franca, São Paulo, v.6, n.11, p.179-187, 2003. p.180-181. 70
BRASIL, Decreto-Lei n. 3.689/41, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: . Acesso em: 22 jun.2008. 71
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 9. Disponível em: . Acesso em: 23 jun. 2008.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htmhttp://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=350http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=350
-
30
[...]
Do contrário, o réu estaria sofrendo uma pena antecipadamente, e isso violenta o princípio da presunção de inocência. Não havendo perigo de fuga do indiciado ou imputado e, por outro lado, se ele não estiver criando obstáculo à averiguação da verdade buscada pelo Juiz, a prisão provisória torna-se medida inconstitucional.
72
Desse modo resta demonstrado de forma acintosa a inconstitucionalidade
destas normas, seguindo na mesma linha o entendimento de TUCCI:
Conseqüentemente, somente em relação aos primeiros, ou seja, quando for o caso de prisão provisória tipicamente cautelar, é que, por não ocorrer apriorística consideração de culpa do investigado, indiciado ou acusado, nenhuma afronta sofrerá o preceito constitucional analisado.
73
Findo esse debate, o segundo ponto relevante a ser abordado, no que condiz
ao princípio da presunção de inocência, diz respeito à fase probatória do processo,
em que cabe ao Estado-administração, através do Ministério Público, trazer aos
autos prova da culpa do acusado, não sendo necessário, então, que este prove sua
inocência, uma vez que ela é presumida previamente.74
Embasando este entendimento, não é outra senão a lição de FURTADO:
O Estado, ao dar início à persecução penal, ao pôr em funcionamento as formidáveis engrenagens que lhe estão a disposição para tal mister, há que se lembrar que tem diante de si um acusado que tem o direito constitucional de ser presumido inocente, pelo que possível não é que desta inocência o mesmo tenha que fazer prova. Cumpre então a ele (Estado) a obrigação de estar imbuído da idéia que é exclusivamente sua, a responsabilidade de levar a bom termo, com supedâneo em prova lícita e moralmente encartada aos autos, a acusação formalizada inicialmente, sob pena de, em não fazendo o trabalho que é seu, arcar com as conseqüências de um veredicto valorado em favor do acusado a proferir o non liquet. O contrário, da imposição ao acusado de fazer prova de sua inocência, seria a consagração do absurdo constitucional da presunção de culpa, situação intolerável no Estado Democrático de Direito.
75
Na mesma linha, LOPES JÚNIOR afirma que uma vez presumido inocente,
então, o acusado nada necessita provar, cabendo à acusação desconstituir esta
presunção através das provas trazidas aos autos.76
72
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. p.64-65. 73
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. p.383. 74
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 13.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. 889p.p.26 75
FURTADO, Renato de Oliveira. Presunção de inocência e ônus da prova penal. Revista Jurídica, Porto Alegre, v.50, n.297, p.86-89, 2002. p.88. 76
LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. p.189.
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31
Tem-se, assim, que o Ministério Público “deve provar a existência do fato
típico, ilícito e culpável, narrado na denúncia e praticado pelo réu, assumindo, por
inteiro, o ônus da acusação feita”,77 com isso, observa-se que a presunção de
inocência configura-se como um preceito constitucional que inverte o ônus da prova
para o órgão acusador.78
1.7 DO IN DUBIO PRO REO
Surge então o momento propício para que o princípio do in dubio pro reo seja
tratado. Como visto alhures, este se fundamenta na presunção de inocência e
configura-se na premissa de que “somente a certeza da culpa surgida no espírito do
juiz poderá fundamentar uma condenação [...] havendo dúvida quanto à culpa do
acusado ou quanto à ocorrência do fato criminoso, deve ele ser absolvido”.79 Este
princípio encontra-se positivado no CPP em seu art. 386, inc. VII.
Pode-se observar, assim, que este tem sua razão de ser na possibilidade de
falha inerente a qualquer ser humano, dessa maneira, a vontade do direito foi de que
a acusação restasse sempre comprovada de forma cabal, e no caso de não lograr
êxito nessa demonstração e assim persistirem as dúvidas, o mais correto seria a
decisão pela absolvição do acusado.80
Corroborando com este entendimento, BONCHRISTIANO assevera, também,
que:
Segundo este princípio, qualquer dúvida acerca da verdade dos fatos opera a favor do acusado, o qual somente pode ser condenado se o Tribunal não tem dúvida sobre a veracidade das provas produzidas. Disso conclui-se que não é o acusado que tem que provar sua inocência, mas sim o Estado que tem que provar a acusação feita.
81
Essa conceituação é ampliada por TOURINHO FILHO, ao apresentar como
objeto deste princípio não apenas a absolvição em caso de dúvidas, mas também a
77
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p.27. 78
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p.30. 79
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.47. 80
WEINMANN, Amadeu de Almeida. O princípio do in dúbio pro reo. Revista Jurídica, Porto Alegre, v.48, n.278, p.61-65, 2000. p.64. 81
BONCHRISTIANO, Carlos Augusto. A aplicação do princípio in dúbio pro reo nos tribunais. p.16.
-
32
interpretação das normas, tendo-se, assim, que caso não se mostre “possível uma
interpretação unívoca, mas se conclua pela possibilidade de duas interpretações
antagônicas de uma norma legal [...], a obrigação é escolher a interpretação mais
favorável ao réu”.82 Pensamento, este, seguido também por RANGEL ao trazer a
baila que “o elemento impulsionador da interpretação que se deve adotar para
alcançar a norma mais favorável, diante de dois caminhos que se possa adotar, é
exatamente o favor rei”.83
Ultimada a conceituação, torna-se inevitável traçar as diferenças entre os
princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, o que BONFIM o faz com
maestria:
Ambos são manifestações ou espécie do favor rei; contudo, são realidades jurídicas distintas em relação ao momento em que são aplicadas: o princípio in dúbio pro reo somente é aplicável quando já houver sido produzida prova processual, e somente quando esta não desvirtuou a “presunção” de inocência, vale dizer, quando não se logrou provar a autoria delitiva (ou materialidade do fato criminoso). A presunção de inocência, a seu turno, é uma ”presunção” juris tantum que vige desde o inicio do processo penal, que, para ser desvirtuada, requer atividade probatória suficiente da autoria do crime. A “presunção” de inocência (princípio do estado de inocência) informa genericamente o processo – dele decorrerem várias conseqüências – desde seu início, referindo-se aos fatos, enquanto o princípio in dubio pro reo, se dirige ao juiz, vedando-lhe a condenação em caso de dúvida, após realizada a atividade probatória.
84
Ante todo o exposto, tem-se que em conseqüência ao princípio in dubio pro
reo, a dúvida vem sempre em benefício do acusado, seja na aplicação da
interpretação mais benéficas das normas, seja optando pela sua absolvição em
decorrência da dubiedade ou fragilidade das provas colhidas no decorrer do
processo,85 haja vista que o processo penal exige “prova da autoria e da
materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do
contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento [...] a absolvição é
imperativa”.86
82
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. p.73. 83
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p.30. 84
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.48. 85
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.44. 86
LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. p.190.
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33
1.8 DA VERDADE REAL
Por fim, o princípio da verdade real consiste no dever, inerente ao juiz penal,
de averiguar como os fatos ocorreram na realidade, não se contentando, assim, com
as “verdades” trazidas aos autos pelas partes, podendo, dessa forma, questionar
sobre tudo que julgue obscuro e duvidoso,87 haja vista que o direito penal envolve o
bem mais precioso do cidadão (sua liberdade) e sendo assim, a sanção apenas
pode ser imposta a quem “tenha cometido uma infração; portanto o Processo Penal
deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material,
como fundamento da sentença”.88
Disso decorre que:
O dever de produção de provas não é apenas das partes, portanto. Havendo interesses maiores em discussão, as provas são produzidas em favor da sociedade. Para tanto, além das próprias partes, também o órgão julgador deverá diligenciar na busca de todos os elementos que permitam a reconstrução dos acontecimentos levados a juízo. Nesse sentido, o juiz, por expressa previsão legal, poderá determinar a produção de provas que repute relevante (art. 156 do CPP).
89
A verdade real é, então, peculiar ao Processo Penal, “já que no cível o juiz
deve conformar-se com a verdade trazida aos autos pelas partes, embora não seja
um mero espectador inerte da produção de provas”.90 Fica clara, assim, a diferença
da verdade buscada na seara processual penal para a aplicada nos demais ramos
processuais. Acerca desta diferenciação discorre TOURINHO FILHO:
De fato, enquanto o juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no Processo Penal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração e em que condições a perpetrou, para dar base certa a justiça.
91
Esse entendimento é compartilhado por BONFIM, ao lecionar que:
87
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.28. 88
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. p.36. 89
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.49. 90
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.28. 91
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. p.37.
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34
A distinção se justifica. No âmbito cível, a maioria das causas versa sobre interesses patrimoniais disponíveis, que em tese têm menor grau da relevância para a sociedade. Já no âmbito penal, tendo em vista a possibilidade concreta de aplicação de penas que restrinjam o direito fundamental da liberdade, bem como pelo elevado grau de interesse social com relação às condutas tuteladas no direito penal material, é muito mais relevante que a elucidação dos fatos que fundamentam a decisão seja feita de forma mais acurada possível.
92
TOURINHO FILHO apresenta, ainda, o motivo pelo qual se busca a verdade
real no processo penal:
A natureza pública do interesse repressivo exclui limites artificiais que se baseiam em atos ou omissões das partes. A força incontrastável desse interesse consagra a necessidade de um sistema que assegure o império da verdade, mesmo contra a vontade das partes.
[...]
Essa posição ativa e proeminente do Órgão Jurisdicional Penal, deriva, desde logo, da natureza pública do interesse repressivo e contrasta com a posição do Juiz cível, cujos poderes estão, geralmente, condicionados e limitados pela iniciativa das partes.
93
Denota-se, então, que este princípio “procura estabelecer que o jus puniendi
somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos
limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na
iniciativa das partes”94.
Com isso, pôde-se observar que o princípio da verdade real garante a
investigação dos fatos, pertinentes à solução do processo, de forma a se chegar o
mais próximo possível da realidade ocorrida, almejando-se, como isso, a prolação da
sentença penal mais justa ao caso concreto, haja vista, mais uma vez, a importância
dos bens em jogo neste ramo do direito.
92
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.49. 93
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V1. p.37-39. 94
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.25.
-
35
CAPÍTULO 2
2 DA PROVA PENAL
2.1 INTRÓITO
Findo o estudo relativo aos princípios e garantias fundamentais a serem
respeitadas no processo penal, passa-se à análise concernente à atividade
probatória realizada dentro deste.
A priori, faz-se mister ressaltar que o processo é composto por atos, uns
subseqüentes aos outros, até que se culmine na decisão do magistrado acerca do
mérito da contenda.95 Assim, para que o magistrado possa proferir sua decisão de
forma justa, torna-se imprescindível a ocorrência, anteriormente a esta, de atos que
levem ao seu conhecimento todos os elementos sobre a infração cometida,
compreendendo as alegações tanto da acusação quanto da defesa, bem como os
atos probatórios que visarão a comprovação das alegações procedidas pelas partes.
Ao conjunto deste atos denomina-se instrução criminal.96
Inserto na instrução criminal encontra-se, então, a instrução probatória, a qual
tem como marco inicial o interrogatório do acusado. Nesta fase as partes produzem
as provas que servirão de base para a fundamentação da sentença prolatada pelo
juiz.97
Sendo assim, para que se possa discorrer a respeito da possibilidade de
utilização de uma prova ilícita por derivação no âmbito do processo penal, imperioso
se faz a abordagem sobre a generalidade da prova, tema primordial deste capítulo.
Destarte, tratar-se-á, neste momento, acerca da conceituação da prova, seu objeto,
a quem incumbe o ônus de provar o fato alegado, os princípios atinentes às provas,
os meios segundo os quais esta pode ser produzida, bem como a sua classificação
e a forma como é valorada.
95
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.4. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 673p. p.01. 96
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. V.2. 2.ed. Campinas: Millennium, 2000. 575p. p.325. 97
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. V.2. p.327.
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36
2.2 DO CONCEITO DE PROVA
O processo é constituído de alegações realizadas tanto por quem acusa
quanto pela defesa, ambos com o intuito de revelar ao julgador como os fatos
ocorreram, contudo, estas devem gerar na mente do magistrado a certeza de que
estão em consonância com a realidade.98 Entende-se, assim, a prova como o
instrumento de que se valem os sujeitos processuais para demonstrar a veracidade
ou não dos fatos que permeiam o processo, ou seja, é o modo pelo qual se
demonstrará a verdade dos fatos apresentados.99
Não é outro senão o conceito proposto por CAPEZ:
Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2º parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex. peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.
100
Conceituação similar é apresentada por MARQUES:
A prova é, assim, elemento instrumental para que as partes influam na convicção do juiz, e o meio de que esse se serve para averiguar sobre os fatos em que as partes fundamentam suas alegações. Com a prova, o que se busca é a configuração real dos fatos sobre as questões a serem decididas no processo. Para a averiguação desses fatos, é da prova que se serve o juiz, formando, ao depois, sua convicção.
101
Em que pese as conceituações expostas, há o entendimento de que “para
sermos absolutamente técnicos, devemos compreender que o termo „prova‟, no
vocabulário jurídico brasileiro, é plurívoco, ou seja dotado de significados
diversos”.102 Três são, então, os significados atribuídos à prova, para que sua
conceituação torne-se completa, quais sejam:
98
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p.249. 99
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.289. 100
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.282. 101
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. V.2.p.330. 102
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.289.
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37
a) prova como atividade probatória: ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção do Juiz sobre a existência ou inexistência de determinada situação factual; b) prova como resultado: a convicção do Juiz formada no processo sobre a existência ou não de uma dada situação de fato; e c) prova como meio: o instrumento probatório para formar aquela convicção.
103
Na mesma linha, vem o ensinamento de BONFIM ao conceituar a prova, em
sua tripla forma, como:
a) a atividade realizada, em regra, pelas partes, com o fim de demonstrar a veracidade de suas alegações [...]; b) os meios ou instrumentos utilizados para a demonstração da verdade de uma afirmação ou existência de um fato [...]; c) o resultado final da atividade probatória, ou seja, a certeza ou convicção que surge no espírito de seu destinatário.
104
Assim, de sua própria conceituação decorre a ciência de sua finalidade
essencial, qual seja, criar no íntimo do magistrado a certeza de que este necessita
para julgar a causa. As provas têm como escopo, então, trazer ao conhecimento do
julgador a veracidades dos fatos alegados pelas partes, para que assim a decisão
seja proferida de modo justo.105 Neste tocante, TOURINHO FILHO traz a lume,
utilizando-se da analogia para facilitar a compreensão, o fim a que a prova se
destina, ao aduzir em sua obra que:
É o Juiz quem vai dizer se o acusado é culpado ou inocente, e para tanto ele precisa saber o que realmente aconteceu, quando e como aconteceu. Seu trabalho se equipara ao de um historiador que procura, com os meios de que dispõe, reconstruir fatos passados. Assim, a finalidade das provas é mostrar para o Julgador o que realmente ocorreu, para que ele faça um juízo de valor e procure restaurar, na medida do possível, a verdade real.
106
Denota-se, então, que seja seu conceito uno ou tríplice, a prova estará
sempre ligada à demonstração da veracidade dos fatos contidos no corpo do
processo, com o escopo de formar a convicção de que necessita o magistrado, para
julgar o caso que a ele se apresenta.
103
SILVA, Germano Marques da. apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. p.214. 104
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.289-290. 105
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p.405. 106
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2007 669p. p.214.
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38
2.3 DO OBJETO DE PROVA
Uma vez conceituada a prova, urge questionar sobre o que incide esta, ou
seja, qual seu objeto. Em sua obra, RANGEL, traz a definição completa em relação
ao objeto da prova:
O objeto da prova é a coisa, o fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que possa emitir um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa o caso penal. Ou seja, é o thema probandum que serve de base à imputação penal feita pelo Ministério Público. É a verdade dos fatos imputados ao réu com todas as suas circunstâncias.
107
De modo geral, o objeto da prova é, então, “toda circunstância, fato ou
alegação referente ao litígio, sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser
demonstrados perante o juiz, para o deslinde da causa”108, com isso, “apenas os
fatos que constituem, sob a incidência do ordenamento jurídico, as relações jurídicas
relevantes para a resolução da lide é que deverão ser provados”109.
Acerca do tema leciona MARQUES:
Fatos que não pertencem ao litígio e que relação alguma apresentam com o objeto da acusação, consideram-se fatos sem pertinência, e que, portanto, devem ser excluídos do âmbito da prova in concreto. Inadmissíveis também são, como objeto de prova, os fatos que não influem sobre a decisão da causa, embora a ela se refiram.
110
Em síntese, então, como conseqüência ao princípio da economia processual,
a atividade probatória deve ater-se tão somente aos fatos que demonstrem
relevância para a solução da contenda, e ainda assim, aqueles que gerem incerteza
quanto a sua existência ou não.111
Do exposto, surge a dúvida acerca da necessidade de comprovação dos fatos
incontroversos. Bom, à primeira vista estes não precisam ser provados, entretanto,
no processo penal não é defeso ao julgador questionar os fatos duvidosos que a ele
se apresentam, mesmo que acusação e defesa concordem com a sua ocorrência.
Tem-se, assim, que caso o fato gere incerteza na avaliação realizada pelo
107
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p.405-406. 108
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.282. 109
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.290. 110
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. V.2. p.332. 111
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p.282.
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39
magistrado, mesmo que incontroverso, deve ser objeto de prova112, haja vista que “o
juiz penal não está obrigado a admitir o que as partes afirmam contestes, uma vez
que lhe é dado indagar sobre tudo o que lhe pareça dúbio ou suspeito”113.
Em relação aos fatos incontroversos assinala, ainda, BONFIM:
Quanto aos fatos incontroversos, aqueles que alegados por uma das partes e não contestados pela outra, estes devem ser comprovados, diversamente do que ocorre no juízo cível, em razão da busca da verdade real. Dessa forma, o art. 156 do CPP permite que o juiz ordene diligências para averiguar determinada prova, a despeito de as partes acordarem ou não quanto à sua existência ou inexistência.
114
É cediço, porém, que alguns fatos, mesmo que relevantes à solução do
conflito, independem de provas, sendo assim excluídos do objeto da prova penal,
são eles: os fatos notórios e as evidências; o direito nacional; a presunção absoluta
(juris et de jure); e os fatos incontroversos, estes últimos somente quando não
criarem dúvidas na mente do magistrado, como observado anteriormente.
Primeiramente, fatos notórios são aqueles que fazem parte da cultura geral de
um povo, ou seja, são caracterizados como ”de conhecimento comum do homem
médio de determinada sociedade. Não há necessidade de provar, por exemplo, que
o Carnaval é comemorado no mês de fevereiro”115.
No mesmo diapasão, acerca destes e das evidências, TOURINHO FILHO
assevera que:
O fato evidente representa o que é certo, indiscutível, induvidoso, de maneira segura, rápida, sem necessidade de maiores indagações. Notórios são os fatos que pertencem, como diz Brichetti, ao patrimônio estável do conhecimento do cidadão de cultura média, em determinada sociedade.
116
[...]
O que não se deve é confundir a notoriedade com a voz populi, „porque esta pode divulgar um fato que não é verdadeiro, enquanto que a notoriedade de um fato constitui prova de sua verdade‟. Note-se, contudo, que o conceito de notoriedade é relativo. Um fato pode ser notório em determinado lugar e para determinadas pessoas.
117
112
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. p.217. 113
MANZINI, Vincenzo. Apud. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. V.2. p. 332 114
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.292. 115
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.291. 116
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. p.215. 117
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. p.216.
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40
Uma vez conceituado o fato notório, o mesmo autor leciona sobre a sua não
incidência como objeto da prova penal:
Somente os fatos que possam dar lugar a dúvida, isto é, que exijam comprovação, é que constituem objeto da prova. Desse modo, excluem-se os fatos notórios. Provar a notoriedade é tarefa de louco, já se disse. Tanto a evidência como a notoriedade não podem ser postas em dúvida. Ambas produzem no Juiz o sentimento da certeza em torno da existência do fato.
118
Em seu turno, o direito nacional igualmente independe de prova, uma vez que
é presumidamente conhecido pelo magistrado. No entanto, mostra-se relevante
assinalar que “os costumes, regulamentos, portarias, Direito estrangeiro podem ser
notórios em determinado lugar e em determinada esfera social, mas, se não forem
da ciência do Juiz, devem ser provados”.119
Entendimento este compartilhado por BOMFIM:
Em regra o direito não necessita de prova, vigindo o princípio “iura novit curia” (o juiz conhece o direito), cabendo tão-somente a parte narrar-lhe o fato, conforme o brocardo “narra mihi factum, dabo tibi jus”. No entanto, quando se tratar de direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, o art. 337 do CPC estabelece que a parte que alega deverá provar seu teor e vigência.
120
Por conseguinte, a presunção absoluta, de igual sorte, não necessita ser
provada, conforme acentua TOURINHO FILHO:
Também as presunções (juris et de jure) dispensam ser provadas pelas partes que as alegam. Se o querelante afirma que Tício estuprou Pafúncia, menina de 9 anos, muito embora seja indispensável a violência para a configuração do estupro, está o acusador dispensado de prová-la, pois, nos termos do art. 224, a, do CP, presume-se a violência quando a ofendida for menor de 14 anos.
121
Seguindo a mesma direção, traz-se à baila a lição de BONFIM:
Há situações em que a própria lei assume, a priori, a veracidade de um fato determinado, e, nesse caso, também se utiliza a doutrina da expressão presunção. Assim é que, por exemplo, presume-se a violência se a vítima de estupro não é maior de 14 anos, é alienada ou débil mental ou não podia oferecer resistência (art. 224 do Código Penal). Incidindo a presunção, não será necessária a produção de provas que demonstre a ocorrência da
118
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. p.215. 119
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. V.3. p.216. 120
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. p.292. 121
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Process