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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
Maria João da Câmara Andrade e SOUSA
FCSH-UNL
Baseada num arquivo familiar e desenvolvida durante a elaboração da tese de
mestrado, a análise do grupo familiar da linhagem dos Figueiredos (chamados escrivães da
Fazenda) percorre três séculos em que o Império português desempenha inevitavelmente um
papel de relevo nas várias gerações estudadas. Quer através de doações – a capitania dos
Ilhéus da Baía é uma delas – quer na participação na Jornada dos Vassalos, ou através de
nomeações na Índia, podemos ver as ligações entre esta linhagem e o Império português
sobretudo entre 1534 e 1722.
Palavras chave – Linhagem, Império, Arquivo familiar, Figueiredo
The relations between Figueiredo’s lineage and the Portuguese empire (XVI-XVIII’s
centuries)
Based on a family archive and developed during the preparation of master's thesis, the
analysis of the family lineage of Figueiredo (so called Escrivães da Fazenda) through three
centuries reveals how the Portuguese empire plays an important role in several generations of
the family. Either through donations, serving in the war and defense of the territory, or by
appointments in India and Angola, we will show the connections between this lineage and the
Portuguese Empire from 1534 to 1722.
Keywords -Lineage, Empire, Family Archive, Figueiredo.
Maria João da Câmara Andrade e Sousa
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Tendo como objectivo elencar as relações entre uma linhagem e o império
ultramarino, este texto baseia-se num trabalho terminado no ano de 2007 no âmbito da tese de
mestrado1
que se debruça sobre o percurso da linhagem dos Figueiredos, entre os séculos XVI
e inícios do XVIII. Sintetizando aquilo que conseguimos apurar sobre a trajetória dos
Figueiredos no Portugal tardo-medieval, e no sentido de fazermos o enquadramento desta
linhagem, podemos afirmar que se tratava de uma linhagem da fidalguia que servia a Coroa
desde o século XIII2. A linhagem desdobrou-se em vários ramos e a partir do final do século
XV, o ramo que estudámos, apesar de ser um ramo secundário da linhagem, consegue
permanecer nas franjas do poder. Estes Figueiredos acabaram por ser denominados pelos
genealogistas3
como «escrivães da Fazenda» ou «senhores de Ota», sendo geralmente assim
conhecidos. Relativamente ao Império português, só no segundo quartel do século XVI esta
família se relaciona com os territórios ultramarinos, o que, mesmo assim, nem sempre
implicou uma presença física dos seus membros nos mesmos territórios como veremos.
Importa ainda esclarecer as designações dadas a esta linhagem: a denominação
‹‹Figueiredos Escrivães da Fazenda›› relaciona-se com o facto de, pelo menos desde meados
do século XV, os seus primogénitos ocuparem este ofício. Henrique, Rui, Jorge e Rui são
sucessivamente escrivães da Fazenda de D. Afonso V a D. Sebastião. Embora tenhamos
notícias de cargos militares, desempenhados por vezes simultaneamente, podemos dizer que,
acompanhando a crescente burocratização do governo do reino e tirando vantagem da
importância crescente da escrita e do documento escrito, a partir de Henrique de Figueiredo
verificamos uma clara opção desta linhagem pelo oficialato régio4.
A primeira geração que estudámos é representada por Rui de Figueiredo, filho de
Henrique, que acompanha este movimento de burocratização e permanece no reino sem
relação com o império. É este que compra, em 1499, o foro da Quinta de Ota ao convento de
Odivelas, uma importante propriedade, e é precisamente por isso que esta linhagem também é
designada como ‹‹senhores de Ota››, embora nunca ali tenham detido senhorio jurisdicional.
Cerca dos anos 20 do século XVI o primogénito deste Rui de Figueiredo, Jorge de Figueiredo
Correia, herda o cargo de escrivão da Fazenda, que lhe havia sido deixado pelo pai em
1 Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Da Linhagem à Casa: estratégias de mobilidade social numa família
do Portugal Moderno (séculos XVI-XVII), Tese de dissertação de Mestrado em História Moderna, Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 2007. 2 Manuel José Felgueiras Gayo, Nobiliário das Famílias de Portugal, cit., vol. V, p. 198.
3 Maioritariamente: Manuel José Felgueiras Gayo, Nobiliário das Famílias de Portugal, vol. V, Edições
Carvalho de Basto, Braga, Edições Carvalho de Basto, 1992. Mas também Manso de Lima, Famílias de
Portugal, Edição dactilografada, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1925. 4 Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Da Linhagem à Casa…, cit., pp. 38 e seguintes.
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
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testamento datado de 15175. Cavaleiro da Casa Real com 2$000 réis de moradia
6, Jorge de
Figueiredo terá desempenhado este ofício a partir de 1526, altura em que teria cerca de 26
anos, uma vez que, para exercer um ofício na justiça, fazenda ou governo, era exigida esta
idade mínima. Sendo também requisito para o desempenho do cargo, que o oficial fosse
casado7
deduzimos que Jorge de Figueiredo tenha contraído matrimónio por volta dessa data
com Catarina de Alarcão, dama colaça da rainha D. Catarina8. E é nesta geração – a segunda,
e de que existe já alguma documentação no arquivo familiar -que se estabelece a ligação com
o império. Com efeito, a 26 de Julho de 1534 Jorge de Figueiredo Correia obtém de D. João
III a mercê da capitania dos Ilhéus da Baía9. Muito possivelmente a doação desta capitania
dos Ilhéus da Baía estaria relacionada com os «muitos e continuados serviços» que se
esperaria deste donatário, mas também com os «merecimentos de sua pessoa». Segundo
António Vasconcelos de Saldanha, as capitanias do Brasil foram cedidas pela Coroa como
recompensa por serviços militares – sobretudo em África –, mas também devido a “méritos
próprios” ou pessoais, sobretudo no caso dos primeiros donatários10
, como era o caso.
Segundo o mesmo historiador, «fenómenos de especial valimento político e cortesão
justificaram também a concessão de capitanias (…).»11
. Com base nos dados de que
dispomos, afigura-se bastante plausível pensar, por exemplo, que Jorge de Figueiredo terá
recebido esta doação por ter participado ativamente no conjunto das importantes reformas
administrativas levadas a cabo por D. João III12
.
Mas outra explicação possível para esta mercê real é o facto de Jorge de Figueiredo ter
5 ACBL, Testamentos, Cx.12, doc. nº 1.
6 António Caetano de Sousa, Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Atlântida – Livraria
Editora, Lda., Coimbra, 1947, Livro IV, II parte, p. 468. 7 Ordenações Manuelinas, Lv. I, Titulo LXXXVI, apud Maria Leonor Garcia da Cruz, A governação de D. João
III: A Fazenda Real e os seus Vedores, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2001, p. 161 8 AN/TT, Chancelaria de D. João III, Lv. 50, fl. 38. No entanto, esta data não é confirmada por Manso de Lima
(Famílias de Portugal…, cit., vol. 10, p. 498), que afirma que este ofício lhe foi dado «por carta dada em
Almeirim a 24 de Maio de 1524». No entanto devemos colocar a possibilidade de que a data apontada por
Manso de Lima possa estar incorreta e que Jorge de Figueiredo tenha tido carta de escrivão no ano de 1526 e não
em 1524. Este ponto é corroborado pela data do casamento da própria rainha D. Catarina com D. João III, que
ocorreu em Fevereiro de 1525. Como Jorge de Figueiredo casou com uma dama desta rainha, tudo leva a crer
que este enlace se deu depois do matrimónio real. 9 AN/TT, Chancelaria de D. João III, Lv. 10, fl. 70.
10 António Vasconcelos de Saldanha, As Capitanias do Brasil. Antecedentes, desenvolvimento e extinção de um
fenómeno Atlântico, Lisboa, C.N.C.D.P., 2000, p. 103. 11
António Vasconcelos de Saldanha, As Capitanias do Brasil…cit., p. 104. 12
Dentro destas poderemos citar, por exemplo, a delimitação de fronteiras e as reformas administrativa e
eclesiástica, elaboradas a partir do numeramento efectuado entre 1527 e 1532. Ver: João José Alves Dias, Isabel
M. R. Mendes Drumond Braga, Paulo Drumond Braga, «A conjuntura», in A. H. de Oliveira Marques, Joel
Serrão (dir.), Nova História de Portugal, (vol. V), João Alves Dias, (coord.) Do Renascimento à crise dinástica,
Lisboa, Editorial Presença, 1998, p. 727.
Maria João da Câmara Andrade e Sousa
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casado com uma dama da casa da rainha D. Catarina e sua colaça13
. É plausível pensar ainda
que Jorge de Figueiredo teria acumulado ambos: o favor da rainha através da sua mulher e o
prestígio próprio suficiente para que nesta doação se tenha chegado ao ponto de, ao conjunto
dos poderes comuns à generalidade dos primeiros donatários do Brasil, se acrescentar o
privilégio excepcional de a poder nomear «em sua vida ou por seu falecimento a sucessão da
dita capitania a qualquer dos seus filhos ou filhas»14
.
Mas terá Jorge de Figueiredo Correia retirado algum benefício desta especial mercê
régia? Olhando para a situação das Capitanias por volta de 1540, sabemos que esta não era
animadora. As cartas enviadas ao rei com pedidos de socorro urgente para resolver os
conflitos com indígenas e fazer frente às pressões dos franceses, são uma constante15
. O
aumento efetivo da presença do governo real através do governo-geral a partir de 1548,
revelou, antes de mais, uma clara intenção colonizadora e este órgão, apesar de se revelar
eminentemente administrativo, tinha um papel importante no apoio às capitanias, apesar de
retirar alguma autoridade ao capitão-mor16
. Quanto a Ilhéus da Baía, sabemos que Jorge de
Figueiredo entregou o seu governo a Filipe Guilhem17
, que aí permaneceu cerca de dez anos,
como ele mesmo afirmava numa carta ao Rei : «(…) ora faz hum ano justamente que Tomé de
Sousa me mandou chamar da parte de Vosa A. A capitania de Jorge de Figueiredo, onde
estava avia dez anos ajudandoa a sustentar e governar: parecendo me que em asï o fazer fazia
a Vosa A. Serviço (…)»18
. Com a saída de Guilhem, Jorge de Figueiredo Correia fez uma
sesmaria da capitania a Lucas Giraldes em 1547, cedendo-lhe quase todos os seus direitos19
.
Ou seja, Jorge de Figueiredo, como a maioria dos capitães donatários, esteve ausente do
13
13
Apurámos apenas que ela fazia parte da casa da rainha através de uma referência à mesma como dama
castelhana da casa da rainha. Ver: Maria José Azevedo Santos, Assina quem sabe e lê quem pode, Coimbra,
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2004, p. 59. 14
António Vasconcelos de Saldanha, As Capitanias do Brasil…, cit., p. 121. De facto, Jorge de Figueiredo
transmitirá a capitania ao seu filho segundo, Jerónimo, cujos pormenores acompanharemos no capitulo 2.3.2.. 15
Arno Wehling; Maria José Wehling, «Processo e procedimento da institucionalização do Estado Português no
Brasil de D. João III», in Roberto Carneiro, Artur Teodoro de Matos, (dir.) D. João III e o Império, Actas do
Congresso Internacional, Lisboa, CHAM, 2004, p. 234. 16
Arno Wehling; Maria José Wehling, «Processo e procedimento da institucionalização do Estado Português no
Brasil de D. João III»…cit., pp. 237-238. 17
Sousa Viterbo, Trabalhos náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Reprodução em fac-simile do
exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia das Ciências, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da
Moeda, 1988, pp. 138 e segs. Onde se faz menção a Filipe Guilhem, castelhano que teria vindo para Portugal no
ano de 1519e fora boticário no Porto de SantaMaria. Era muito eloquente, segundo a referência e teria sido vedor
e avaliador de drogas na Casa da Índia, desde 18 de Junho de 1527, cargo importante para o qual eram
necessárias habilitações especiais, que lhe não faltariam. Teria inventado um instrumento para «Tomar o sol a
todas as horas e a altura do pólo». Em 1528 foi-lhe concedida a mercê de 15$000 reis de tença e o hábito de
Cristo a qual começaria a receber em Janeiro de 1529. 18
Sousa Viterbo, Trabalhos náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, … cit., p. 147-8. 19
Maria Beatriz Nizza da Silva, «Fidalgos e Nobres na Terra de Santa Cruz»», in, D. João III e a formação do
Brasil, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2004, p.68.
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governo da capitania desde o seu início, não havendo indícios de que tenha sequer visitado o
território da sua jurisdição, cuja situação era bastante crítica, sendo mesmo uma das capitanias
mais instáveis e conturbadas, e, ao mesmo tempo, das mais frágeis ao nível do domínio
português. Depois de uma correição, em 1552, o capitão-mor foi substituído e foi reforçado o
aparelho da justiça em vilas e povoações, onde foram erigidos pelourinhos, cadeias e casas de
audiência20
. Em 1553 constatou-se que o apoio às capitanias acabou por gerar uma situação
híbrida nas relações entre o centro regional – sito em Salvador – e as donatarias, já que este
auxílio implicou a redução efectiva dos senhorios, sem os extinguir. Este hibridismo no
entanto, «revelou-se positivo já que conseguiu consolidar o processo [de colonização] em
capitanias de duvidosa estabilidade, como a de Ilhéus (…)»21
.
Como se disse acima, o carácter excepcional da doação da capitania dos Ilhéus da
Baía, ao permitir que o donatário pudesse designar quem quisesse para a sucessão da
capitania dos Ilhéus da Baía, possibilitou a Jorge de Figueiredo Correia a nomeação do seu
sucessor, não no seu filho primogénito varão (Rui de Figueiredo Correia), mas sim no seu
filho segundogénito, Jerónimo de Figueiredo de Alarcão. No seu “escrito de testamento”,
deixou as seguintes instruções: «diguo eu Jorge de figueiredo corea que fazendo deus de mim
alguma cousa não fazendo eu testamento nomeyo a minha quintaã d Ota em meu filho Ruy de
figueiredo E a minha capitania do brasil em yeronymo de figueiredo e porque disto sou
contente fiz este per minha mão e aosiney a doze dias de dezembro de mil quinhentos e trinta
e cynco»22
.
Apesar de se tratar de uma doação “de juro e herdade”, como todos os bens da coroa, a
capitania estava sujeita à confirmação real e Jerónimo de Figueiredo vem a obtê-la a 14 de
Maio de 156023
. No entanto Jerónimo que afirmava que: «para assentar a dita terra e se tornar
a restaurar para a poder vender o capitão tem necessidade de fazer muitas e mui grandes
benfeitorias e despesas e gastos»24
, ou seja, estando a capitania sujeita à voragem dos gentios,
que a destruíam, bem como à sua fonte de rendimento – os engenhos de açúcar -, pouco lhe
renderia. Estaria também: «muito danificada e inquieta dos gentios naturais dela que têm feito
e fazem muito dano, e os engenhos de açúcar que nela havia estão queimados do dito gentio
20
Arno Wehling; Maria José Wehling, «Processo e procedimento da institucionalização do Estado Português no
Brasil de D. João III»…cit., p.241. 21
Arno Wehling; Maria José Wehling, «Processo e procedimento da institucionalização do Estado Português no
Brasil de D. João III»…cit., p.243. 22
AN/TT, Filipe I, Doações, Liv. 12, fl.424 vº. 23
AN/TT, Filipe I, Doações, Livro 12, fl. 425-426. 24
António Vasconcelos de Saldanha, As Capitanias do Brasil …”, cit., p. 123.
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da terra»25
, pelo que, para realizar as obras e reparações imprescindíveis, seria necessária uma
enorme soma de dinheiro, «que ele suplicante não pode fazer por ser solteiro e muito pobre,
como por a dita terra ser tão longe deste reino e em lugar remoto a que ele suplicante não
pode acudir»26
. Assim sendo, Jerónimo de Figueiredo pede autorização régia para vender a
capitania ao mercador italiano Lucas Giraldes, o que vem a suceder em Novembro de 1560, o
mesmo Lucas Giraldes que, desde 1534 negociava em prata na cidade de Lisboa27
e que já
tinha obtido de Jorge de Figueiredo a cedência da capitania em sesmaria, como vimos acima.
O montante envolvido era avultado, constando de «quatro mil oytocentos e uinte e cinco
cruzados per que lhe comprou a sua capitania dos ylheos nas teras do brasil (…) nesta cydade
de Lyxboa aos seis dias do mês de nouembro do ano paçado de quinhentos E sesenta», sendo
uma parte paga com um padrão de juro no valor de «hum conto e duzentos mil reis e a tença
de yuro que neles montaua ao dito yeronimo de larcão de figueiredo em parte de paguo dos
ditos quatro mil e oyto centos e vynte cinco cruzados»28
. Jerónimo de Figueiredo receberia
como parte do pagamento da venda da capitania um Padrão de Juro no valor de 58.400 reis
assentes na Chancelaria da Casa do Cível29
. O seu irmão mais velho, Rui de Figueiredo (II),
terá ainda tentado embargar a dita venda, acabando por desistir de uma demanda que trazia
contra seu irmão, segundo nos informa o documento de venda existente na chancelaria. Rui de
Figueiredo faz um instrumento de desistência a favor de Jerónimo de Figueiredo e consente
na venda da capitania como se pode ler no mesmo documento da chancelaria: «E porque ao
tempo que o dito yeronimo de larcão vendeo ao dito Lucas giraldes a dita capitanya do brasil
consentio e outorguou na dita venda dela Ruy de figueiredo corea seu yrmão mais velho
fidalguo de minha casa com tal condição e declaração deu seu consentimento a dita venda e
disistyo da demanda que lhe tinha mouyda pera lhe ympedir e tolher a dita venda e não em
25
António Vasconcelos de Saldanha, As Capitanias do Brasil …”, cit., p. 123. 26
António Vasconcelos de Saldanha, As Capitanias do Brasil …”, cit., p. 123. 27
Virgínia Rau;”Os Mercadores-Banqueiros Estrangeiros em Portugal no Tempo de D. João III (1521-1557)”, in
José Manuel Garcia, (Introdução e organização), Estudos sobre História Económica e Social do Antigo Regime,
Editorial Presença, s.l. 1984, p.80. 28
AN/TT, Filipe I, Doações, Liv. 12, fls. 492-492vº. 29
AN/TT, Filipe I, Doações, Liv. 12, fl. 426vº; Ver ainda José da Costa Gomes, Colecção de Leis da Dívida
Pública Portugueza, Lisboa, Imprensa Nacional, 1883, pp.58-59, onde é referida a forma como era vendido o
padrão de juro, neste caso: «quando os padrões de juro se transmitiam por um contrato de venda, passava-se ao
comprador um novo padrão, no qual era incorporado textualmente o antigo, e quasi sempre trasladada a escritura
que provava o contrato, rompendo-se o padrão vendido, no acto de assinatura do novo. Tudo isto se fazia a
requerimento do comprador, que tinha de pagar os direitos de chancelaria (…) como se se tratasse de uma
operação de venda de juros feita pelo estado, quando na verdade o padrão não mudava de condições, nem de
cláusulas especiais que melhorassem o direito do novo possuidor na segurança do capital, ou na certeza do
pagamento da renda». No caso de sucessão, a transmissão processava-se através de uma apostila, mediante
sentença do juiz das justificações que habilitava o herdeiro a suceder na heranças.
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outra maneira»30
.
Da venda desta capitania podemos retirar alguns factos extremamente interessantes
sobre as atitudes de um fidalgo no século XVI: em primeiro lugar, verifica-se o absentismo
dos capitães donatários uma vez que, nem Jorge de Figueiredo nem o seu herdeiro colocaram
a hipótese de se deslocarem ao Brasil para governarem eles mesmos a capitania justificandose
«por a dita terra ser tão longe deste reino e em lugar remoto a que ele suplicante não pode
acudir», optando por ceder os seus direitos. Relativamente a Jerónimo de Figueiredo ele
mesmo se define como um fidalgo muito pobre, justificando assim a venda da dita capitania e
afirmando que, com o dinheiro da venda ele «pode comprar tença ou rendas de juro em que se
poderá melhorar sustentar e governar»31
. A venda da capitania solucionaria (pelo menos em
parte) os problemas financeiros de Jerónimo, de facto «incompatíveis com as obrigações ou
os proventos magros de capitanias semi-abandonadas»32
. Com a morte de Jerónimo de
Figueiredo de Alarcão em 1571, este padrão de juro voltaria ao ramo principal da linhagem
por herança: «por yeronimo de larcão ser falecido e os nouenta e seis mil reis de yuro e erdade
pera sempre a condição de Retro que ele tinha por este padrão pertencerem a Ruy de
Figueiredo fidalguo de minha casa seu yrmão que socedeo neles»33
. Se a capitania dos Ilhéus
da Baía, foi deixada a um secundogénito e vendida por necessidade do seu herdeiro, o
determinismo biológico faria com que o produto dessa venda retornasse ao primogénito da
linhagem
Para continuarmos a acompanhar a trajetória quinhentista dos Figueiredos, voltaremos
a Rui de Figueiredo Correia, filho de Jorge de Figueiredo Correia fidalgo da Casa Real, que,
também ele, herdou o cargo de escrivão da Fazenda. E é nesta ocasião que constatamos que,
apesar da existência de um laço de parentesco presidir, em muitos casos, à escolha dos oficias
para este cargo, havia também uma exigência de competência no seu desempenho: Rui de
Figueiredo (II) recebia, em 1551, 10$000 réis de mercê pelo seu ofício, 3$000 réis de vestiaria
e 4.100 réis de escrivaninha e saco. Mas também um escravo de 10$000 réis no tesoureiro da
Casa da Mina e uma arroba de especiaria no tesoureiro da mesma casa34
. A 26 de Dezembro
de 1555 Rui de Figueiredo Correia somou a estes benefícios uma mercê da rainha D. Catarina
30
AN/TT, Filipe I, Doações, Liv.12, fls. 430. 31
António Vasconcelos de Saldanha, «As Capitanias do Brasil …», cit., p. 124. 32
António Vasconcelos de Saldanha, «As Capitanias do Brasil …», cit., p. 123. 33
AN/TT, Filipe I, Doações, Liv.12, fl. 430 vº. 34
Maria Leonor Garcia da Cruz, A Governação de D. João III: A Fazenda Real e os seus Vedores, Lisboa,
Centro de História da Universidade de Lisboa, 2001, p. 165. Este seria um bom ordenado já que a autora cita um
caso de acumulação de funções de escrivão da fazenda e de escrivão dos Contos do Algarve, com um ordenado
de 20$000 reis, proporcionalmente muito menor do que o de Rui de Figueiredo Correia.
Maria João da Câmara Andrade e Sousa
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de 12$000 réis, por seis anos, assentes nos portos secos35
. Apesar deste conjunto de mercês e
privilégios inerentes ao ofício que detinha, a partir de meados do século XVI verifica-se uma
importante alteração. Com efeito, se até aí a aposta de serviços à Coroa se centrou na fazenda
régia, num cargo com um carácter eminentemente financeiro, a 30 de Setembro de 1564 Rui
de Figueiredo (II) renunciou ao ofício de escrivão da Fazenda, recebendo um alvará através
do qual, «em contentamento e satisfação do dito oficio», obteve a mercê de «sessenta mil
reais de tença cada anno em dias de sua vjda», a possibilidade de manter os privilégios de
escrivão da Fazenda e a «merce que os manjnhos da villa da couilha que nelle ora tem em sua
uyda da Coroa de meus rejnos os aja per seu fallecimento huo seu filho barão lidimo mais
velho que delle fiquar»36
. É impossível não destacar a importância deste gesto e do seu
significado. Tratou-se sem dúvida de um momento de viragem, pois representou a troca de
um ofício na administração da Coroa – neste caso na Fazenda –, por mais uma vida nas rendas
e direitos reais de uma donataria chamada dos Maninhos da Covilhã (que seu pai e avô
haviam possuído). A constatação da mudança do eixo de investimento da linhagem dos
Figueiredos é significativa, uma vez que a posterior trajetória dos Figueiredos, se ligará ao
desempenho de serviços militares no reino e no império, como veremos. Os preconceitos que
a aristocracia alimentou, cada vez mais, quer a respeito dos letrados37
, quer acerca de todos
aqueles que desempenhavam cargos diretamente relacionados com dinheiro e gestão
financeira, quer, ainda, por cargos de carácter assalariado terão sido decisivos nesta alteração,
uma vez que esta é uma linhagem que tem um percurso de mobilidade ascendente bastante
bem documentado e estudado. E esta viragem é confirmada precisamente pelo facto de Rui de
Figueiredo ter acompanhado D. Sebastião na jornada de Alcácer-Quibir38
. Com efeito, a
participação numa batalha como a de Alcácer-Quibir, onde o próprio monarca tomou parte,
poderia proporcionar uma excelente oportunidade de aumentar o prestígio da linhagem dos
Figueiredos. O campo de batalha era encarado como um teatro onde os mais nobres
mostrariam a sua “generosidade”, ou seja, a sua capacidade para o autosacrifício e desta
forma poderiam merecer a atenção dos seus pares e do monarca. Estas inclinações marciais da
nobreza tinham pois o objectivo de mostrar coragem e bravura perante o rei, o que, por sua
vez, permitia o reforço da característica pessoal dos laços políticos. Ao adquirir glória no
campo de batalha, o nobre provava o seu valor perante o rei e seus pares, os quais tomariam
35
ACBL, Mercês da Coroa, cx.14, doc. nº 3. 36
AN/TT, Chancelaria de D. Sebastião, Lv. 6, fl. 277vº. AN/TT, Chancelaria de D. Sebastião, Lv. 8, fl. 164vº. 37
Fernando Dores Costa, «A nobreza é uma elite militar? O caso Cantanhede-Marialva em 1658-1665» in, Nuno
Gonçalo Monteiro, Pedro Cardim, Mafalda Soares da Cunha (orgs.), Óptima Pars, Elites Ibero-Americanas do
Antigo Regime, Lisboa, I.C.S., 2005, p. 175. 38
Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Da Linhagem à Casa…, cit., pp. 49-50.
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nota do seu valor39
. Depois vinha a publicitação (em listas com os heróis de cada batalha) dos
feitos de cada um, que era depois capitalizada em prestígio, mercês e benesses: «Pelo valor
dos serviços, suspeita-se que seria importante ser nominalmente incluído como bom servidor
da Coroa, num relato histórico ou numa gazeta impressa. Melhor ainda seria ver as acções
relevantes larga e minuciosamente descritas»40
. A participação na «guerra viva» era, neste
contexto, muito valorizada e era uma forma, não só de obter recompensa para si mesmo, mas
também para os seus descendentes, os quais relembrariam o rei do valor, da honra, do
combate, das feridas ou da morte do seu ascendente. Finalmente, mas não menos importante,
não devemos esquecer que a aura que envolvia a nobreza refletia ainda o vigor de uma mística
da cavalaria, a qual por sua vez se refletiu no espírito de restauração católica que se viveu a
partir do concílio de Trento. Ou seja, as autoridades religiosas reafirmaram o «predomínio
natural do grupo» nobiliárquico e justificaram esse predomínio, para além da “natural”
vocação da aristocracia para a milícia, baseando-se numa argumentação religiosa, aspecto
especialmente importante numa sociedade onde o Catolicismo ocupava um lugar
absolutamente central como elemento identitário41
. Foi neste universo de valores, neste
imaginário da honra e da nobreza, que Rui de Figueiredo (II) se moveu. Com efeito, o nome
deste fidalgo foi incluído nas listas de quantos nela pereceram42
e a memória deste feito, com
a «componente sacrificial» do herói que arriscava a vida pelo bem da comunidade, terá sido
importante para a projeção da linhagem na centúria seguinte uma vez que «a aristocracia
sempre cultivou a lembrança dos gestos de bravura que atestavam a posse da nobreza»43
. O
serviço à Coroa foi portanto um elemento fundamental para a consolidação das linhagens e
para o alinhamento das mesmas dentro do grupo nobiliárquico e, no que diz respeito ao grupo
familiar dos Figueiredos, verificamos que a partir da terceira geração a grande maioria dos
filhos varões será precisamente canalizada para a guerra e/ou para postos militares no império
ultramarino.
Depois do desaire de Alcácer-Quibir e da morte do Cardeal D. Henrique, encontramos
39
Jay Smith, The Culture of Merit – Nobility, Royal Service, and the Making of Absolute Monarchy in France,
1600-1789, Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1996, pp. 37-39. 40
Fernanda Olival, As ordens militares e o estado moderno : honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-
1789), Lisboa, Estar Editoria Lda, 2001, p. 24. 41
Pedro Cardim, O Poder dos Afectos: Ordem Amorosa e Dinâmica Política no Portugal do Antigo Regime, (ed.
Mimeo), Tese de dissertação de doutoramento em História Moderna, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
Universidade Nova de Lisboa, 2000, p. 441. 42
Gaspar de Faria Severim, «Rol de Todos os fidalgos assi vivos como mortos assi na batalha como fora dela se
doença os octenta que se resgatarão como reféns (…)», P. e da Nobreza de Portugal, (Manuscrito), B. N., Cod.
13177, fl. 288 vº. André de Resende, Apontamentos e trechos de obras sobre Historia de Portugal dos reinados
de Dom Manuel, Dom João III, Dom Sebastião e período filipino. (Manuscrito), Cod. 398, fl. 15. Inclui a lista
com o título «Mortos na batalha d’Alcacere», na qual figura, com o nº 109, Rui de Figueiredo. 43
Pedro Cardim, O Poder dos Afectos…, cit., p. 437.
Maria João da Câmara Andrade e Sousa
10 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
as três gerações seguintes deste grupo familiar no Portugal enquadrado na Monarquia
Hispânica.
Começamos pelo filho de Rui de Figueiredo Correia, Jorge de Figueiredo (II), fidalgo
da casa real matriculado em 158844
, de quem, paradoxalmente, não encontramos registos de
nomeação ou de desempenho de qualquer tipo de ofício ou cargo militar antes da Restauração
de 1640. Mas seu irmão, Rui de Sousa de Alarcão, esse dispôs-se a servir no império
ultramarino: dele sabemos que esteve primeiro na Índia, e que depois foi nomeado capitão da
ilha de S. Tomé em 160445
. Nessa ocasião foi passada uma provisão de D. Filipe II para que
se lhe lançasse o hábito de Cristo na dita ilha, em 10 de Abril do referido ano46
. Exercendo
funções governativas em S. Tomé, Rui de Sousa de Alarcão auferia 400$000 réis, acrescidos
de 320$000 réis de ajudas de custo para embarque e 20$000 réis anuais por cada um dos 20
homens da guarda a que tinha direito47
. O valor e a dignidade deste posto não equivalia de
forma nenhuma a um vice-reinado indiano ou ao governo-geral do Brasil. É preciso ter em
conta que a hierarquia dos governos ultramarinos derivava sobretudo do seu peso económico
e do seu potencial expansionista e S. Tomé não seria, desde este ponto de vista e no conjunto
dos postos ultramarinos, um dos mais apetecidos ou prestigiados, até porque era conhecido
pela elevada mortalidade que o caracterizava. No entanto, há que referir que a nomeação para
este governo deveria ser feita «pelo modo antigo a fidalgos» e não a letrados, como se havia
«introduzido» alguns anos antes das cortes de Tomar de 158148
. De facto, os critérios de
seleção para o governo de S. Tomé eram socialmente menos rigorosos do que os que
vigoravam para os governos de Angola, da Índia ou do Brasil. Todavia, os titulares do
governo de S. Tomé «revela[va]m melhores qualidades sociais que os seus congéneres cabo-
verdianos». A explicação pode residir no facto de S. Tomé se revestir de maior importância
estratégica e económica, nomeadamente devido à produção açucareira que cresceu durante
todo o século XVI, com a consequente ocupação da ilha e desenvolvimento do tráfico
44 António Caetano de Sousa, Suplemento às Provas da História da Casa Real Portuguesa, tomo VI, II parte, p.
370. 45
AN/TT, Chancelaria de D. Filipe II, próprios, Lv.9, fl. 377vº. A ilha de S. Tomé foi concedida em donataria
em 1485. Revertendo para a Coroa em 1522 foi elevada a governo no ano de 1586. Ver: Nuno Gonçalo
Monteiro, Mafalda Soares da Cunha, “Governadores e Capitães-mores do Império Atlântico Português…”, cit.,
p. 202. 46
ACBL, Mercês da Coroa, cx.14, doc. nº 6. 47
47
Nuno Gonçalo Monteiro, Mafalda Soares da Cunha, “Governadores e Capitães-mores do Império Atlântico
Português nos séculos XVII e XVIII”, in Nuno Gonçalo Monteiro, Pedro Cardim, Mafalda Soares da Cunha
(orgs.), Optima pars…, cit., p. 207. 48
Nuno Gonçalo Monteiro, Mafalda Soares da Cunha, “Governadores e Capitães-mores do Império Atlântico
Português…”, cit., p. 216. A pressão exercida pelo grupo nobiliárquico para que lhe fossem concedidos os
governos do Império ultramarino e os postos mais destacados do reino, nem sempre teve resposta afirmativa por
parte da Coroa. Embora a monarquia reconhecesse como justo este princípio, reservava-se o direito de nem
sempre corresponder a este anseio.
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 11
negreiro. No entanto, este eixo de interesses vai-se deslocar para Angola49
.
Com base nos dados de que dispomos, podemos afirmar que Rui de Sousa de Alarcão
se inseriu no imenso grupo de fidalgos que, a partir do terceiro quartel do século XVI, serviu
em postos no império de alguma forma impulsionados pela Coroa, a qual concedeu maiores
dignidades e honras a quem os desempenhasse50
. Dentro destes incentivos, para além do
aumento de soldos e de mercês remuneratórias, incluíam-se, entre outros, a concessão de
comendas ou do hábito da Ordem de Cristo, como sucedeu neste caso. Rui de Sousa de
Alarcão terá sido, portanto, o primeiro membro da linhagem dos Figueiredos a receber o
hábito desta Ordem, precisamente pelo facto de ser nomeado para um posto no império
ultramarino. Foi também o primeiro elemento deste grupo familiar que se dispôs a ocupar um
posto com estas características. Posteriormente, e como pagamento dos seus serviços no
governo daquela ilha, receberia a mercê da comenda de Santiago de Besteiros51
.
A importância dos serviços militares à Coroa no império ultramarino refletiu-se, com
grande intensidade na quinta geração desta linhagem, mais precisamente na geração seguinte.
O que nos importa sublinhar aqui é o facto de que, desenhando uma estratégia que incluía
certamente a expectativa de uma recompensa adequada, Jorge de Figueiredo procurou colocar
os seus cinco filhos varões (Rui, Henrique, Luís, Manuel e António) nos territórios
ultramarinos, coincidente com uma estratégia ascensional que implicava o serviço durante
oito anos, ou mais, na guerra no Norte de África, na Índia, ou nas galés e Armadas52
. Assim,
Manuel de Sousa de Alarcão serviu D. Filipe III na Índia como soldado e capitão, durante oito
anos, «sendo ferido por uezes ferido na guerra»53
; quanto a António de Figueiredo, terá
participado, ao lado de Rui de Figueiredo de Alarcão, na «Jornada dos Vassalos» a São
Salvador da Baía em 1625 e depois em Pernambuco na guerra contra os holandeses, como
soldado e capitão de infantaria. Como recompensa destes serviços, Manuel de Sousa de
Alarcão obteve a capitania de Damão e António de Figueiredo recebeu o hábito de Cristo e a
promessa de uma comenda do lote de duzentos mil réis, «de que o mandaria prouer nas
primeiras Comendas que vagassem e que emquanto não fosse provido della se lhe dessem em
capellas ou outra couza cem mil reis de renda cada anno»54
. Além disso, em data anterior a
49
Nuno Gonçalo Monteiro, Mafalda Soares da Cunha, “Governadores e Capitães-mores do Império Atlântico
Português…”, cit., p. 220.. 50
Nuno Gonçalo Monteiro, Mafalda Soares da Cunha, “Governadores e Capitães-mores do Império Atlântico
Português…”, cit., p. 235. 51
AN/TT, Chancelaria Antiga da Ordem de Cristo, Lv. 28, fls. 38-38vº. 52
Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, cit., pp. 54-55. 53
AN/TT, Chancelaria de D. Filipe III. Doações, Lv. 36, fl. 71. 54
AN/TT, Chancelaria de D. Filipe III. Doações, Lv. 36, fl. 71
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12 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
1633 recebeu também uma viagem de capitão-mor das naus da Índia55
. Não sabemos como ou
onde morreu Manuel de Sousa de Alarcão, mas tudo indica que terá sido num dos postos que
ocupou em data que, infelizmente, não foi possível apurar. No que diz respeito a António de
Figueiredo, por carta de 4 de Novembro de 1636 foi convocado para combater juntamente
com mais «gente portuguesa» na Catalunha56
, morrendo em combate ao largo de Cádis,
embarcado numa armada, a qual, «emcontrando hua Capitania de turcos que abordou a Vrca
pellejando o ditto António de figueiredo ser morto de hua balla de mosquete»57
.
Depois da morte destes dois filhos ao serviço da monarquia, e muito possivelmente
com vista a receber o pagamento dos seus serviços, Jorge de Figueiredo deslocou-se a
Madrid58
. Com efeito, a resolução de petições, mercês e graças, bem como do pagamento de
serviços implicava na maioria das vezes, a deslocação dos requerentes à corte madrilena.
Como assinala Fernando Bouza, «não obstante o crescente recurso a memoriais e à consulta
escrita, continuou a ser indispensável a presença, na corte, das partes interessadas»59
. As
mercês eram alvo de negociações complexas e este era um dos traços mais marcantes da sua
concessão, a qual era assente em expectativas e garantias mútuas de serviços, fidelidades e
recompensas60
. Confirmamos portanto a presença física de Jorge de Figueiredo (II) naquela
cidade já no final da década de 30, pois encontramo-lo como eleitor do governo da Irmandade
de Santo António dos Portugueses da Corte, no ano de 163861
. Talvez em resultado da pressão
exercida naquela corte, Jorge de Figueiredo recebeu nos dois anos seguintes um apreciável
fluxo de mercês: a 20 de Outubro de 1638, o alvará para poder testar a capitania de Damão,
55
AN/TT, Chancelaria de D. Filipe III. Doações, Lv. 36, fl. 71 e 71vº. 56
AN/TT, Manuscritos da Livraria, nº 2714. Sabemo-lo através da cópia de uma carta enviada pelo secretário
Diogo Soares a António de Figueiredo. 57
AN/TT, Chancelaria de D. Filipe III, Doações, Lv. 36, fl. 71. 58
ACBL, Tombo de 1722, fl. 59. Alvará da Comenda de 30 de Março de 1635, AN/TT, Chancelaria Antiga da
Ordem de Cristo, Lv. 28, fl. 10vº. Carta da Comenda de 11 de Janeiro de 1636, AN/TT, Chancelaria Antiga da
Ordem de Cristo, Lv. 28, fl. 38. Antes de seu pai, também Rui de Figueiredo de Alarcão se havia deslocado à
corte de Madrid, certamente para obter despacho do pagamento dos seus próprios serviços. Esta suposição
baseia-se no facto de existirem num Tombo de 1722 do arquivo familiar duas referências (embora não existam os
documentos em questão) que nos confirmam essa deslocação. A primeira é uma petição de Rui de Figueiredo:
«no tempo dos Fellipes de Castella pedindo Remuneração de Serviços». Tudo leva a crer que esta referência diga
respeito à comenda de Santiago de Besteiros, tal como vem explicitado no Tombo de 1722: «Carta da Comenda
de S. Tiago de Besteiros da ordem de Crixpto por mercê feita por El Rey D. FelLippe no anno de 1636 ao Sr.
Ruy de Figueyredo por Vacatura de Luis Torres». É igualmente referenciado «Hum papel do Sr. Ruy de
Figueyredo estando em Madrid para seu Pay, e da conta ter se lhe dado huma Comenda»
59
Fernando Bouza Álvarez, Portugal no tempo dos Filipes Politica, Cultura, Representações (1580-1668).
Lisboa, Edições Cosmos, 2000, p. 213. 60
Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, cit., p. 146. 61
Fernando Bouza Álvarez, Portugal no tempo dos Filipes…, cit., p. 239.
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 13
que havia recebido em 163062
e também o alvará do cargo de capitão-mor das Naus da Índia;
a 6 de Novembro desse mesmo ano de 1638, D. Filipe III outorgou a remuneração dos
serviços dos seus filhos António e Manuel63
; em Agosto do ano seguinte foi concedido a
Jorge de Figueiredo a administração da comenda de S. Salvador de Santarém64
, seguindo-se-
lhe outro alvará para ser armado cavaleiro de Santiago, bem como a carta do hábito, ambos de
7 de Setembro de 164065
. Já a carta da comenda do Salvador de Santarém recebeu-a depois da
restauração brigantina, em 23 de Agosto de 164166
.
Jorge de Figueiredo morreu por volta de 26 de Outubro de 1645, como atesta a
abertura do seu testamento67
. Relativamente ao percurso dos outros dois filhos segundos,
Henrique e Luís Gomes de Figueiredo, ambos se envolvem na guerra da Restauração e nela
morrem também68
, não tendo nenhum deles, que saibamos, ocupado nenhum cargo no
império.
Relativamente ao primogénito, Rui de Figueiredo de Alarcão, esteve uns
impressionantes 36 anos ao serviço da Coroa, servindo antes e depois da aclamação de D.
João IV. A ligação que encontramos com o império ultramarino é precisamente a chamada
«Jornada dos Vassalos» (1625), juntamente com seus irmãos António e Luís Gomes de
Figueiredo69
. Podemos dizer que Rui de Figueiredo, procurando servir a Coroa na guerra, fez
parte de um conjunto de fidalgos «principais pelo nascimento»70
que lutaram e venceram na
guerra da Restauração: «a elite aristocrática do novo regime emergira e consolidara o seu
estatuto em larga medida no decurso da guerra»71
. Participando ativamente na conjura de
1640 – fez parte do grupo de fidalgos que concretizou a revolta do 1º de Dezembro e que
colocou D. João IV no trono -e no desenrolar da guerra, (sobretudo nos primeiros anos) com
62
ACBL, Tombo de 1722, fl. 32. Cuja referência exacta é a seguinte: «Carta de previlegio digo carta da
Capitania da fortaleza de Damão por merce feita por El Rey D. Fellippe ao Sr. Jorge de Figueyredo no anno de
1630». ACBL, Mercês da Coroa, cx. 14, doc. nº 10. 63
AN/TT, Chancelaria de D. Filipe III, Doações, Lv. 36, fl. 71 e 71vº. ACBL, Mercês da Coroa, cx. 14, doc. nº
10. Não deve ter sido indiferente à obtenção da mercê de remuneração dos serviços, a morte de dois filhos.
Apesar de não termos notícia de serviços próprios, o regimento datado de 1671 previa que os pais podiam
requerer, usando os serviços dos filhos falecidos, porque «a dor que tiveram na perda de seus filhos, supra o
requisito de serviços próprios». Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno…, cit., p. 124. 64
AN/TT, Chancelaria Antiga da Ordem de Santiago. Próprios, Lv.14, fl. 22. 65
AN/TT, Chancelaria Antiga da Ordem de Santiago. Próprios, Lv.14, fl. 121. 66
AN/TT, Chancelaria Antiga da Ordem de Santiago. Próprios, Lv.14, fl. 341vº. No Índex de todos os Papeis
do Archivo da Caza, existe a referência a uma carta de D. João IV pela qual «faz mercê a Jorge de Figueiredo,
fidalgo da sua casa da Comenda do Salvador da Villa de Santarém da ordem de S. Thiago, e que possa testar
d’ella. Dado em Lisboa em 23 de Agosto de 1641.» (fl. 187). 67
ACBL, Inventários e partilhas, cx.1, doc. nº 5, fl. 76. 68
Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Da Linhagem à Casa:... cit., pp. 128-129. 69
Bartolomeu Guerreiro, A Jornada dos Vassalos da Coroa de Portugal, B. N., res.-1304P, fl. 18. 70
Nuno Gonçalo Monteiro, «A Guerra da Aclamação» in Nova História Militar de Portugal, Lisboa, Círculo de
Leitores, 2004, vol.2, p. 281. 71
Nuno Gonçalo Monteiro, «A Guerra da Aclamação…», cit., p. 281.
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louvor do próprio rei, veio depois a alinhar pelo partido de D. Pedro72
.
Rui de Figueiredo de Alarcão morreu em 17 de Janeiro de 1679 deixando seis filhos.
Sabemos que Pedro de Figueiredo o primogénito desempenhou cargos militares e
diplomáticos na Europa de então. João de Meneses, foi fidalgo da Casa Real, com mil réis de
moradia, por alvará datado de 9 de Setembro de 169973
, «viveu em Ota e indo para Lisboa no
ano de 1702 morreu de um acidente no convento de Santa Mónica»74
. Das duas filhas, Leonor
Margarida de Meneses foi recolhida no Mosteiro de Santos, e Maria de Meneses chamada «a
capuchinha», foi freira na Madre de Deus.
Mas o que realmente importa destacar nesta geração são, sem dúvida, os préstimos no
império ultramarino de Henrique de Figueiredo de Alarcão. Nascido em Lisboa, foi batizado
na Sé desta cidade a 5 de Dezembro de 1658 por frei Luís de Sousa, esmoler-mor75
. Em 1695
recebeu o alvará de moço fidalgo, com 1$000 réis de moradia e um alqueire de cevada por
mês76
. No ano seguinte obteve o foro de fidalgo-escudeiro, acrescentado a fidalgo-cavaleiro,
com 2.562.5 réis de moradia por mês e 1 alqueire de cevada por dia77
. Segundo Manso de
Lima, ter-se-ia formado em cânones78
e em Março de 1696, por resolução de D. Pedro II, foi
nomeado para um posto no vice-reino da Índia – «em consulta do conselho ultramarino de 3
do mesmo [mês] pela qual se fez mercê ao Senhor Henrique de Figueiredo, Filho do Senhor
Ruy de Figueiredo sobre a boa vontade com que se offereceo para hir servir no estado da
Índia»79
, com o posto a designar pelo Vice-rei. Henrique de Figueiredo recebeu então a
«promeça de comenda na ordem de Christo de lote de 200$000 reis e emquanto nella não
entrar, os mesmos de tença effectivos nos Almoxarifados do Reino, dos quais logrará doze a
titulo do habito da dita Ordem, e que vença na Índia soldo e moradia», tendo além disso,
72
Depois da morte de D. João IV (1656), Rui de Figueiredo entrou ao serviço do infante D. Pedro como gentil-
homem da sua Câmara, permanecendo neste cargo entre 1663 e 1665. Manuel José Felgueiras Gayo, Nobiliário
das Famílias…, cit., vol.V, p. 104; Manso de Lima, Famílias de Portugal…, cit., p. 504. Ainda encontramos
referência a este cargo no Tombo de 1722, fl. 57vº, em que é referenciada uma «portaria do Sr. Ruy de
Figueyredo Ser Camarista do Sr. Infante D. Pedro no anno de 1663». E ainda uma resolução em publica forma
referenciada no Índex de todos os Papeis do Archivo da Caza, fl. 190, em que se afirma: «e o dito seu Pai haver
sido Gentilhomem da Camera e Governador das Armas da província de Traz os Montes». ACBL, Pedro de
Figueiredo – Portalegre, doc. nº 22 cx.36, transcrito em: Maria João da Camara Andrade e Sousa, Pedro de
Figueiredo…cit., p. 280. 73
ACBL, Índex de todos os Papeis do Archivo da Caza, fl. 189. 74
Manso de Lima, Famílias de Portugal…, cit., p. 503. 75
AN/TT, R.P. Baptismos, Lisboa, Sé, Lv. 5, cx.2, fl. 88vº. 76
AN/TT, R.G.M., Lv. 10, fl. 61vº. 77
AN/TT, R.G.M., Lv. 10, fl. 61vº. 78
Manso de Lima, Famílias de Portugal…, cit., p. 502. Não encontrámos referência a esta formação a não ser
neste genealogista. 79
AN/TT, R.G.M., Lv. 10, fl. 61.
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
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250$000 réis de ajudas de custo80
.
Assim, em Março de 1696 partiria para a Índia como capitão da nau Nossa Senhora da
Glória, obtendo ainda um padrão de 100$000 réis adiantados de torna-viagem81
. Recebeu
ainda nesse mesmo mês um alvará para que pudesse gozar de sua moradia na Índia82
, onde
permaneceu mais de dez anos. Em Março de 1702 recebeu uma tença de 12$000 réis efetivos
cada ano, com o hábito de Cristo83
, sendo nomeado em 5 de Abril, de 1709 para o posto de
general dos Galeões da Índia84
. Foi também nomeado nas pautas para suceder naquele
governo ultramarino85
.
Voltando ao reino em 1713, Henrique de Figueiredo de Alarcão foi escolhido para
governador de Angola em 171686
, onde permaneceu até 1722. Segundo Maria Goretti Leal
Soares, no estudo que dedicou aos governadores e magistrados do governo de Angola, os
primeiros dignitários nomeados para esse posto eram na sua maioria militares, recrutados
dentro do grupo que havia prestado relevantes serviços à Coroa em várias partes do império,
exercendo-os em postos como oficiais generais. A nomeação de Henrique de Figueiredo de
Alarcão enquadra-se, portanto, nos procedimentos adoptados até então pela Coroa, já que para
este posto foram escolhidos preferencialmente militares com experiência. Segundo a mesma
autora, este era um cargo problemático devido aos conflitos permanentes entre o governador e
as populações indígenas a que acresciam as dificuldades decorrentes da sobreposição de
funções e concorrência de diferentes autoridades portuguesas presentes no terreno. Além do
mais, o facto de o cargo de governador ser exercido por um curto período de tempo, apenas
permitia um tipo de governação quase interina de todo o território87
. Por outras palavras, era
sabido que o tipo de serviço desempenhado em Angola – essencialmente ligado à gestão
casuística dos muitos problemas e conflitos que iam surgindo – não era propício ao
desempenho de feitos que, posteriormente, pudessem ser utilizados para reivindicar à Coroa
mercês mais ou menos avultadas.
Depois de ter exercido este posto durante cerca de sete anos, Henrique de Figueiredo
de Alarcão regressou a Portugal no ano de 1722, morrendo pouco tempo mais tarde, a 6 de
80
ACBL, Índex de todos os Papeis do Archivo da Caza, fl. 190; ACBL, Mercês da Coroa, cx.14, doc. nº 27.
AN/TT, R.G.M., Lv. 10, fl. 61vº. Provisão para ajuda de custo de 250.000 reis na viagem para a Índia. 20-03-
1696. 81
AN/TT, R.G.M., Lv. 9, fl. 279. 82
AN/TT, R.G.M., Lv. 10, fl. 61vº; fl. 80. 83
AN/TT, R.G.M., Lv. 10, fl. 80vº. 84
ACBL, Mercês da Coroa, cx.14, doc. nº 29. 85
Manso de Lima, Famílias de Portugal…, cit., p. 502. 86
AN/TT, Chancelaria de D. João V, Lv. 45, fl. 204vº. 87
Maria Goretti Leal Soares, “Governadores e Magistrados no Governo de Angola Durante o século XVIII”,
Anais de História de Além-Mar, vol. V, 2004, p. 505.
Maria João da Câmara Andrade e Sousa
16 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Abril de 1723, sem descendência88
. Em virtude disso, os serviços que desempenhou
reverteram a favor de seus sobrinhos, Rodrigo António e Madalena Luísa.
Existem no Arquivo familiar cinco cartas dirigidas a Pedro de Figueiredo (escritas
entre 1702 e 1710), nas quais Henrique de Figueiredo invocava a importância de que se
revestia a Casa a que pertencia. A propósito de um pedido para obter o rendimento de uma
ilha, afirma: «…e gastando em benfeitorias algum dinheiro poderei fazer uma renda mui
considerauel em breves anos parece-me que a recomendação nesta matéria é escusada a Vossa
Mercê porque suposto que para mim ha-de ser a mercê para seus filhos de Vossa Mercê há-de
ser o proveito porque não tenho outros herdeiros nem tenção de os ter»89
.
Ao pedir ao seu irmão a intervenção ou intercessão para obter uma mercê real,
Henrique de Figueiredo de Alarcão justificava o pedido precisamente pelo facto de serem os
seus sobrinhos os beneficiários: «quando não seja por meu respeito, por darem esta
conveniência a meus sobrinhos que é para quem mais esta mercê desejo», ou ainda: «neste
mundo o mais que apeteço é o aumento da sua casa e estimava ter muitas ocasiões de grande
merecimento para que tudo fosse remunerado em Vossa Mercê e seus filhos»90
. Henrique de
Figueiredo reafirmava este ponto dizendo que os seus serviços tinham, por «intento que foi
sempre e é de que vossa merce e os seus descendentes devam ao meu merecimento alguma
cousa»91
.
Tal como dissemos acima, tendo estado cerca de quinze anos servindo nos domínios
ultramarinos, Henrique de Figueiredo de Alarcão contribuiu efetivamente para o
acrescentamento da Casa, quer através dos seus serviços, quer através de vários negócios que
efetuou. Como se sabe, no Portugal do século XVII o trato comercial conduzido por fidalgos
(além da dimensão pouco honrosa deste tipo de atividade) tinha uma feição ambígua: por um
lado autorizavam-se alguns carregamentos para o reino, mas por outro coibia-se os
governadores de exercerem esta prática durante os seus mandatos92
. Neste caso tratar-se-ia de
um negócio com alguma consistência, pois entre 1718 e 1722 Henrique de Figueiredo
movimentou um total de 107.660$968 réis e, para além do transporte de gado, da venda de
escravos e de aguardente entre Angola e a Baía, constatamos a posse de um navio (Nossa
Senhora da Encarnação) e o envio de dinheiro de Henrique de Figueiredo de Alarcão para
88
AN/TT, R. P., Óbitos, Lisboa, Santiago, Lv.2, cx.8, fl. 68. 89
ACBL, Carta de Henrique de Figueiredo, 1708. 90
ACBL, Carta de Henrique de Figueiredo, 1708. 91
ACBL, Carta de Henrique de Figueiredo, 1710. 92
Nuno Gonçalo Monteiro, O Crepúsculo dos Grandes…, cit., p. 349.
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
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Lisboa para seu irmão93
. Isto significa que, Henrique de Figueiredo não deixou de aproveitar a
ocasião proporcionada pelo facto de ser governador de Angola, para obter proventos.
Terminámos a nossa investigação no primeiro quartel do Setecentos, na geração de
Henrique e de Pedro de Figueiredo, momento em que ficou suficientemente demonstrada a
mobilidade ascendente da linhagem dos Figueiredos até à chamada «primeira nobreza de
corte»94
. Das oportunidades de serviço à coroa, no reino, na Europa mas sobretudo no
império, este grupo familiar retirou vantagens patrimoniais e proventos significativos e com
eles representatividade social. A despeito das adversidades, que certamente sofreu, a posição
dos Figueiredos dentro do grupo da «primeira nobreza de corte» assentava já em bases
sólidas, o que é atestado pela permanência da linhagem no serviço à Coroa ao longo de todo o
século XVIII. Tornando-se eminentemente palatina, desempenhando várias funções junto da
família real95
, na oitava geração, Vasco Manuel de Figueiredo Cabral da Câmara, amigo de
infância do príncipe D. João96
, acabou por ascender à titulatura e acompanhou a família real
na sua partida para o Brasil. Podemos, pois, afirmar que o Império Ultramarino contribuiu em
para a mobilidade ascendente dos Figueiredos.
93
Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Pedro de Figueiredo…, cit., p. 202-213. 94
Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Da Linhagem à Casa:..., cit., p. 165. 95
Ver: Maria João da Câmara Andrade e Sousa, Da Linhagem à Casa:..., cit., pp. 197 e segs. 96
A. H. de Oliveira Marques, “D. João VI”, in, D. João VI e seu tempo, Catálogo de exposição, Palácio Nacional
da Ajuda, Lisboa, 1999, p. 29.
Maria João da Câmara Andrade e Sousa
18 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Fontes e Bibliografia97
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97
Remetemos a referência pormenorizada das fontes para o trabalho de mestrado em que baseámos este artigo.
A linhagem dos Figueiredos e o Império Português (séculos XVI-XVIII)
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 19
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