a importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem...

19
49 A IMPORTÂNCIA DO TEMA ÁGUA DOCE NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA DE AULAS TEÓRICO-PRÁTICAS Fernanda LAGE 1 Marcos Gomes NOGUEIRA 2 Miriam Celi Porto FORESTI 3 Resumo: Este projeto procurou avaliar o resultado da aplicação de aulas práticas associadas a aulas teórico-expositivas, no processo de aprendizagem significativa de alunos do ensino fundamental, visando contribuir na formação de cidadãos atuantes e conscientes em relação a questões ambientais. A combinação de aulas teórica, práticas de campo e laboratório sobre o tema “Água”, permitiu avaliar a qualidade do aprendizado e também possibilitou, baseado nessa experiência, a elaboração de uma apostila, para ser utilizada como material de referência por professores de Ciências. Palavras-chave: água doce; educação ambiental; ensino fundamental; material didático. 1. INTRODUÇÃO O material apresentado neste estudo tem o intuito de oferecer subsídios ao professor de Ciências para o desenvolvimento de atividades de Educação Ambiental relacionadas ao tema “Água”. Por se tratar de um recurso que está presente no cotidiano da população, é muito importante obter um aproveitamento quantitativo e qualitativo das aulas sobre o tema, objetivando um aprendizado significativo. Segundo Piaget (Piaget, 1977), o meio pode funcionar como estímulo à aprendizagem, a qual ocorre através de descobertas que são incorporadas para compor a estrutura cognitiva, sendo mais tarde empregadas em novas situações. Com isso, se queremos contribuir na formação de cidadãos conscientes e participantes, devemos realmente ensinar o caminho do aprendizado concreto, para que compreendam os fatos colocados em pauta por nós, educadores. A realização de atividades teóricas, com participação ativa dos alunos, e de atividades de campo e laboratório, visando trabalhar a percepção sobre o mundo a sua volta, apresenta resultados positivos em relação ao aprendizado. A educação ambiental não deve ser utilizada e entendida de uma forma restrita ou específica. O pensamento de um educador ambiental deve ser holístico. Essa educação diz respeito à forma do ser humano se relacionar corretamente com o meio em que vive e do qual usufrui. Não há educação ambiental se a reflexão sobre as relações dos seres entre si, do ser 1 Aluna do Curso de Ciências Biológicas – Campus de Botucatu – UNESP, bolsista do Projeto do Núcleo de Ensino. 2 Departamento de Zoologia – Campus de Botucatu – UNESP. 3 Departamento de Educação – Campus de Botucatu – UNESP.

Upload: trinhanh

Post on 27-Aug-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

49

A IMPORTÂNCIA DO TEMA ÁGUA DOCE NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA DE AULAS TEÓRICO-PRÁTICAS

Fernanda LAGE1 Marcos Gomes NOGUEIRA2

Miriam Celi Porto FORESTI3

Resumo: Este projeto procurou avaliar o resultado da aplicação de aulas práticas associadas a aulas teórico-expositivas, no processo de aprendizagem significativa de alunos do ensino fundamental, visando contribuir na formação de cidadãos atuantes e conscientes em relação a questões ambientais. A combinação de aulas teórica, práticas de campo e laboratório sobre o tema “Água”, permitiu avaliar a qualidade do aprendizado e também possibilitou, baseado nessa experiência, a elaboração de uma apostila, para ser utilizada como material de referência por professores de Ciências.

Palavras-chave: água doce; educação ambiental; ensino fundamental; material didático.

1. INTRODUÇÃO

O material apresentado neste estudo tem o intuito de oferecer subsídios ao

professor de Ciências para o desenvolvimento de atividades de Educação Ambiental relacionadas

ao tema “Água”. Por se tratar de um recurso que está presente no cotidiano da população, é muito

importante obter um aproveitamento quantitativo e qualitativo das aulas sobre o tema, objetivando

um aprendizado significativo.

Segundo Piaget (Piaget, 1977), o meio pode funcionar como estímulo à

aprendizagem, a qual ocorre através de descobertas que são incorporadas para compor a

estrutura cognitiva, sendo mais tarde empregadas em novas situações. Com isso, se queremos

contribuir na formação de cidadãos conscientes e participantes, devemos realmente ensinar o

caminho do aprendizado concreto, para que compreendam os fatos colocados em pauta por nós,

educadores.

A realização de atividades teóricas, com participação ativa dos alunos, e de

atividades de campo e laboratório, visando trabalhar a percepção sobre o mundo a sua volta,

apresenta resultados positivos em relação ao aprendizado.

A educação ambiental não deve ser utilizada e entendida de uma forma restrita ou

específica. O pensamento de um educador ambiental deve ser holístico. Essa educação diz

respeito à forma do ser humano se relacionar corretamente com o meio em que vive e do qual

usufrui. Não há educação ambiental se a reflexão sobre as relações dos seres entre si, do ser

1Aluna do Curso de Ciências Biológicas – Campus de Botucatu – UNESP, bolsista do Projeto do Núcleo de Ensino. 2Departamento de Zoologia – Campus de Botucatu – UNESP. 3Departamento de Educação – Campus de Botucatu – UNESP.

Page 2: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

50

humano com ele mesmo e do ser humano com seus semelhantes não estiver presente em todas

as práticas educativas (Pedrini et al., 2000).

Quando o homem sente a necessidade de mudar algo, provavelmente a situação

presente o está incomodando. Somente na última década do século XX a percepção sobre a

complexidade dos problemas ambientais e as diversas interações entre os componentes dos

ecossistemas tornou-se mais clara, gerando ações internacionais e iniciativas nacionais mais

efetivas para o controle da qualidade e gestão das águas (Tundisi, 2003). Para tentar melhorar ou

tornar algo diferente, deve-se conhecer bem o fenômeno a ser mudado, enxergando assim as

possibilidades de trabalho. Portanto, a consciência do problema que impede atingir a qualidade de

vida desejada pelo grupo que participa do processo de educação ambiental é favorecida pelo

conhecimento da realidade local, global e do contexto em que se encontra o problema.

O que se tenta fazer através da educação ambiental é converter competição em

cooperação, visão particular em interdisciplinar, desperdício em otimização do uso,

irresponsabilidade social e ambiental em participação consciente do cidadão que reconhece os

seus direitos e deveres, exercitando ambos para o seu bem, e de todos os demais sobre o planeta

(Pedrini et al., 2000).

Os organismos vivos e o seu ambiente não vivo estão inseparavelmente inter-

relacionados e interagem continuamente. Tem-se como ecossistema qualquer unidade

(biossistema) que abranja todos os organismos que funcionam em conjunto (a comunidade biótica)

numa dada área, interagindo com o ambiente físico de tal forma que um fluxo de energia produza

estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e não-

vivas. Embora todos saibam que o ambiente abiótico ("fatores físicos") controla as atividades dos

organismos, estes influenciam e controlam o ambiente abiótico de muitas maneiras importantes

(Odum, 1988).

Acredita-se então que o conhecimento da fauna aquática regional, o estudo da

mesma, e o esclarecimento de seu papel no ecossistema possam ajudar no aprendizado sobre a

importância da água doce. Isso pode ser até melhor embasado na "Hipótese de Gaia", a qual

sustenta que os organismos, principalmente os microrganismos, evoluíram junto com o ambiente

físico, formando um sistema complexo de controle, o qual mantém, favoráveis à vida, as condições

da Terra.

O poder que o homem tem de transformar a natureza e usá-la em função de seus

interesses vem sendo ampliado graças às possibilidades da evolução tecnológica e científica.

Contudo, este modelo de desenvolvimento traz prejuízos ao homem submetido à alienação, não

Page 3: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

51

esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos,

causado pela exaltação indiscriminada do “progresso”.

Ao longo dos anos, depois de diversas experiências com inúmeras formas de

pensamento chegou-se na forma utilizada hoje, o "saber ativo". Este indica que o conhecimento

não parte apenas de noções e princípios, mas da própria realidade observada e submetida a

experimentações. Dessa forma, o saber deve retornar ao mundo para transformá-lo.

Altos níveis de perda no uso dos recursos hídricos, por exemplo, são intoleráveis e

representam, em muitos países, grandes desperdícios financeiros que poderiam ser investidos na

resolução de problemas de abastecimento e tratamento da água para milhões de pessoas. Se o

gerenciamento contar com a participação ativa de uma comunidade devidamente esclarecida, as

perdas poderão ser substancialmente reduzidas.

Observamos nos dias de hoje uma forte alienação relacionada aos direitos dos

seres humanos, que aparentemente estão muito em pauta, mas não se vêem refletidos em ações

reais dos cidadãos.

Em todos os sentidos existentes, há algo em comum no uso da palavra alienação:

no sentido jurídico, perde-se a posse de um bem; na loucura, perde-se a dimensão de si na

relação com o outro; na idolatria, perde-se a autonomia. Na concepção de Rousseau, o povo não

deve perder o poder; o homem comum alienado perde a compreensão do mundo em que vive e

torna-se alheio a sua consciência, um segmento importante da realidade em que está inserido

(Aranha et al.,1993).

A melhor forma de resolver nosso problema de água é a mobilização, em todos os

níveis, e a ampliação da compreensão das diversas conexões e interações entre os sistemas

aquáticos e as condições econômicas e sociais (Tundisi, 2003).

Por esses fatores, seguimos o pensamento piagetiano, o qual defende que a

motivação depende da força de estimulação do problema e das disposições internas e interesses

do aluno. Aprender torna-se uma atividade de descoberta, uma auto-aprendizagem, sendo o

ambiente apenas o meio estimulador. É retido o que se incorpora à atividade do aluno pela

descoberta pessoal, o que é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser

empregado em novas situações (Libâneo, 1987). Com esse intuito desenvolvemos um conjunto de

atividades que são descritas ao longo do texto.

Page 4: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

52

O principal objetivo do trabalho foi aumentar a capacidade de entendimento e

percepção ambiental dos estudantes, instigando a interpretação do meio aquático apresentado, a

fim de criar cidadãos conscientes e críticos, e também aportando novos conhecimentos científicos,

visando assim um aprendizado significativo.

2. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Na rede pública, o ensino do conteúdo sobre o tema "Água" é realizado na 5a série

do ensino fundamental, e esse foi um dos motivos de tê-la escolhido como público alvo, pois

acreditamos que quanto antes houver o desenvolvimento da conscientização ambiental, mais

efetiva será a participação do indivíduo na preservação do meio. O projeto pedagógico nos

auxiliaria a criar subsunçores sobre todo o conteúdo de água ou caso já existissem, poderíamos

desenvolver melhor a estrutura cognitiva dos alunos.

O trabalho foi desenvolvido apenas com uma turma, pois o intuito não era o de

comparar resultados das atividades, ou comparar a aplicação dessas atividades com uma aula

convencional. O objetivo era de avaliar as atividades desenvolvidas, visando à produção de um

texto impresso que servisse para subsidiar, posteriormente, o trabalho de professores sobre o

tema da água.

O conhecimento sobre esse assunto deve ser transmitido ao longo do

desenvolvimento do indivíduo, pois se trata da forma como este irá lidar com o meio em que vive.

Se não o fizer de forma otimizada, poderá prejudicar o equilíbrio necessário à vida de todos os

seres vivos. Desta forma, a atuação junto ao ensino fundamental pareceu-nos apropriada a este

aprendizado, indicando também o momento certo de esclarecimento de conteúdos e informações

transmitidas às crianças até então. Essas informações prévias têm se mostrado mais freqüentes

na mídia e nas escolas já que a preocupação com a situação do meio ambiente tem aumentado

devido aos inúmeros problemas decorrentes que têm nos atingido direta e indiretamente.

Para que houvesse um aproveitamento concreto dessas aulas, optou-se em aliar

aulas teóricas e práticas, mas todas com participação ativa dos alunos. Aulas teóricas servem

como base ao conhecimento novo, pois de alguma forma este deve ser transmitido, mesmo que

inicialmente ocorra uma aprendizagem “mecânica”. Com esta técnica o professor não precisa ser

conferencista e deve permitir e estimular a participação dos alunos com suas opiniões diversas e

dúvidas, o que enriquece muito a aula. Já as aulas práticas são importantes para a demonstração

do que se é aprendido. Essas têm função de facilitar, explicitar e esclarecer o novo conhecimento

para os alunos, que podem aprender significativamente com a experiência vivida, aliás é assim

que o conhecimento do homem vem sendo formado, a partir de suas experiências de vida.

Page 5: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

53

O tema escolhido foi "Água" por tratar-se de um bem tão necessário a todos os

seres vivos, tão utilizado e ao mesmo tempo tão mal cuidado pelo homem. Apesar de todo o apelo

da mídia sobre a importância da água, e de todos os problemas urbanos e ambientais envolvendo

este ambiente/ recurso, as pessoas parecem ainda não ter idéia da importância desse assunto.

Acreditamos que o que ocorra não seja a falta de reconhecimento de sua importância, mas sim a

falta de conhecimento concreto sobre o assunto. Trata-se de tema que acompanha a vida dos

alunos desde a infância, inclusive definido como conteúdo curricular do ensino fundamental.

Depois de planejado o trabalho, foi estabelecido contato com a professora de

Ciências de uma escola de Botucatu, a fim de propor a execução das atividades com uma turma

da 5ª série e levantar os conteúdos didáticos que estavam sendo implementados na mesma.

A proposta foi bem aceita pela professora, que a considerou muito interessante aos

alunos devido às aulas em campo e laboratório. Por serem diferentes das práticas pedagógicas

usualmente empregadas, poderia deixá-los mais interessados. A turma escolhida foi um grupo de

23 alunos do período da tarde, que tinham aulas de Ciências as quintas e sextas-feiras.

Como metodologia de desenvolvimento da proposta foi utilizado inicialmente um

questionário, a fim de levantar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto, ponto de

partida para as próximas etapas.

Como base nesse levantamento, uma aula teórica foi montada, como forma de

introdução para localizá-los no assunto, e conduzida de forma instigativa para que pudessem

mostrar o que sabiam, deixando-os mais interessados e participativos. Esta aula contou com a

exposição de material ilustrativo, a fim de proporcionar um maior entendimento e uma visão menos

abstrata do assunto. Foram produzidos dois cartazes, um representando as porcentagens de água

distribuídas na Terra e o outro o Ciclo da Água, ambos montados em sala pelos alunos (como

flanelógrafo).

As aulas práticas foram realizadas em campo, em um trecho do rio Capivara

localizado na zona rural do município (Botucatu-SP), e em laboratório, montado na própria aula.

Essas práticas auxiliam muito na obtenção de uma aprendizagem significativa, já que tornam o

novo conteúdo bem menos abstrato e portanto, mais próximo e palpável.

Para a atividade de campo foram utilizados materiais e equipamentos para coleta e

armazenamento da fauna. Previamente às atividades de campo, os alunos foram instruídos sobre

os trajes necessários para as aulas de campo, como o uso de roupa velha, incluindo calça

comprida e tênis, para que ficassem mais à vontade durante a coleta. Por ser uma atividade que

levaria toda tarde, também precisaram levar lanche.

Page 6: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

54

Já para a aula de laboratório, onde seria observado o material coletado, foi

necessário a utilização de lupas, microscópios, placas de petri, pinças e fotos dos organismos da

fauna que iriam ser analisados. Outra atividade realizada foi uma visita a SABESP, empresa

responsável pelo tratamento e abastecimento público de água no município. Esta foi agendada

para que pudessem ser obtidas mais informações, diretamente e não através da mídia, sobre a

condição da água distribuída na cidade. O conhecimento foi transmitido em parte teoricamente, na

forma de palestra, e na demonstração do processo de tratamento das águas, para que estas

possam ser utilizadas pela população. A demonstração, seguida à palestra, mostrou-se realmente

necessária para permitir que toda a informação não ficasse muito abstrata para os alunos,

dificultando o seu entendimento.

Por fim, foi planejada uma avaliação das atividades, sob forma de uma redação,

para permitir que os alunos expressassem tudo o que aprenderam e também o que não

conseguiram assimilar nas aulas. Procurou-se dar liberdade a eles, sem que se sentissem

avaliados e obrigados (no caso, ser aplicado um questionário novamente) a responder exatamente

e somente o que o professor deseja saber, sem dar chance de mostrarem tudo o que aprenderam.

A atividade permitiria, inclusive, fazer modificações no conteúdo, tornando-o mais adequado à

produção do material impresso.

Visitas prévias ao Rio Capivara

Antes de realizar qualquer atividade de campo o professor deve se preocupar em

encontrar um bom local para realizar a prática, que além de permitir que se façam observações

necessárias, também seja seguro aos alunos. Desta forma foram feitas duas visitas prévias ao

local escolhido. Este local, o Rio Capivara - Fazenda Indiana, já era conhecido pelo fato de ser

utilizado na realização de atividades de campo nos cursos de graduação em Ciências Biológicas e

Zootecnia da UNESP de Botucatu.

Assim o local foi escolhido, atentando a detalhes como: segurança dos alunos no

local, ser de fácil acesso devido à situação da estrada e apresenta uma variedade de itens no

ambiente que pudessem ser observados e explorados didaticamente.

Dando continuidade ao projeto, foi feita uma visita de campo no dia 30 de março de

2004, na qual foram observados o melhor local para a realização da coleta do material biológico

com os alunos, as características da paisagem e do ambiente aquático que deveriam ser

ressaltadas, e demais atividades que pudessem ser realizadas. Foram feitas fotos para analisar

melhor a área (Figuras 1 e 2).

Page 7: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

55

Uma segunda visita de campo, no dia 17 de junho de 2004, possibilitou uma

averiguação mais detalhada do local.

Figura 1

Vista geral da região (Vale do Rio Capivara)

Figura 2

Rio Capivara, região da Fazenda Indiana, onde foram coletados os organismos aquáticos

Page 8: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

56

2.1. DETALHAMENTO DA 1A APLICAÇÃO DE QUESTIONÁRIO

Segundo Ausubel, antes de ensinar um novo conteúdo aos alunos, deve-se

averiguar se os mesmos apresentam subsunçores específicos, se são suficientes para o assunto

objetivado ou se estes devem ser criados pelo professor (Moreira et al., 1982). Assim, antes de

realizar a atividade, passou-se um questionário prévio, no dia 03 de junho de 2004, para avaliar o

que os alunos conheciam e já haviam aprendido sobre o assunto até então.

O questionário apresentava 11 questões sobre água, relacionadas na sua maioria a

conhecimentos de uso comum deste recurso. O intuito era conhecer o que sabiam sobre água

doce, qual o contato que tinham com ecossistemas aquáticos e o que conheciam sobre rios de sua

cidade.

Essas questões mais gerais sobre água doce mostrariam o que haviam aprendido

sobre o assunto na escola e em casa. Procurando saber o contato que tinham com estes

ecossistemas, por exemplo saber-se-ia qual o uso que faziam destes, suas necessidades em

relação a estes, as expectativas sobre a possibilidade que lhes era dada de conhecê-los e se já

haviam feito observações por si próprios. Já o conhecimento dos rios da cidade, de onde vem a

água utilizada nas casas e para onde vai depois eram aspectos que todos os cidadãos deveriam

saber.

O questionário aplicado encontra-se em anexo ao final deste trabalho.

2.1.1. ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO

A análise do questionário permitiu constatar a falta de conhecimento sobre

ecossistema aquático e como informações lançadas sem base alguma para essas crianças, pela

mídia, já que campanhas de economia de água são comuns no período de estiagem, podem

dificultar a aprendizagem significativa sobre o assunto.

Os alunos demonstraram não conhecer apropriadamente um ecossistema de água

doce, misturam fauna marinha com a de água continental e a flora nem existe! Parece que um rio

é um grande reservatório, de onde tiram a água para consumo e é utilizado para lazer, sem falar

que a fauna constitui-se somente de peixes (únicos animais que conhecem e enxergam!). O rio só

está sujo se apresentar mal cheiro, é normal se apresentar lixo ao redor deste, e só é alimentado

pela água da chuva.

A diferença entre ambiente de rio e de mar é o sal do mar e o tamanho, o grande

responsável pelos mares serem mais limpos (conhecimento intuitivo da propriedade de diluição).

Parece que alguns alunos acreditam serem os esgotos locais específicos para eliminação de

resíduos, não sabendo contudo que estes têm como destino final os rios.

Page 9: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

57

Apesar disso, conhecem bem os rios da região e sabem que a SABESP cuida da

água do município, tanto do abastecimento quanto do tratamento do esgoto (embora não

existente). Este conhecimento relacionado à SABESP surpreendeu, mostrando que este órgão

consegue "informar" à população sobre seus serviços prestados à cidade.

Nessa turma, os alunos apresentaram um conhecimento um pouco mais amplo

sobre pescaria e sobre os rios de sua região, provavelmente pelo fato da escola receber alunos

da zona rural. Talvez fosse interessante aplicar esse questionário com alunos de escolas de

grandes metrópoles que têm menos acesso aos ambientes naturais, para comparar seus

conhecimentos sobre estes.

2.2. DETALHAMENTO DA 2A ATIVIDADE – AULA TEÓRICA E DE CAMPO

Não tínhamos uma estimativa precisa sobre o tempo que levaria a aula de campo e

a teórica. O turno escolar começa às 13 horas, e os alunos deveriam sair às 17 horas em ponto,

pelo fato de alguns necessitarem de transporte para a zona rural.

Não conhecíamos os alunos ainda, por isso resolvemos conversar com eles, nos

apresentando, explicando o que iria ser feito, para que entendessem o que aprenderiam e porquê.

Logo no início, dissemos-lhes que seriam responsáveis pela aula, que eles mesmos

dariam a aula. Este fato os encheu de ânimo e interesse. A aula foi iniciada de uma maneira

instigativa e prosseguiu segundo as respostas que eram dadas. Ao longo da atividade foram

apresentados os esquemas feitos em cartolina, e que foram sendo montados pelos próprios

alunos. Este modelo de aula, com suas perguntas e respostas, e como montar os esquemas em

cartolina, é apresentado no material impresso produzido.

Os alunos apresentaram uma boa participação, surgiram algumas dúvidas sobre

assuntos mais desconhecidos como formação de geleiras e lençol freático, as quais se procurou

esclarecer naquele momento. Surpreendentemente, a aula teórica levou apenas 50 minutos.

Às 14 horas e 30 minutos saímos com os 12 alunos presentes, que fizeram o lanche

no ônibus, antes de chegar ao local. Na estrada que levava ao rio fizemos uma pequena parada,

para a primeira observação. O local apresentava um relevo acidentado (cuestas de Botucatu), com

predomínio de pastagens, mas a vista ao longe permitia observar fragmentos de mata ciliar na

bacia, nas regiões de vale, o que é um indicador da presença de rios, que nascem em pontos mais

altos e correm para a porção mais baixa.

Page 10: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

58

Essa parada foi necessária, pois na região escolhida do rio já não havia mais mata

ciliar, e era fundamental comentar sobre a sua existência e importância ecológica.

Ao chegar no rio, descarregamos todo o material necessário à coleta, como puçás,

peneiras, baldes, disco de Secchi (para medir a transparência), medidor de velocidade de

correnteza, uma fita métrica, potes e sacos de plástico, colheres e surber.

Apresentamos aos alunos o local, explicando como seria o trabalho e transmitindo

mais algumas informações sobre a situação dos rios de nossa cidade. Para evitar dispersão da

turma, todos trabalharam juntos. Perguntamos quem poderia se dispor a anotar a atividade e um

aluno se propôs a fazê-lo, e o fez muito bem, pois era bom observador. Foram distribuídas as

peneiras, os puçás, os baldes, sacos plásticos e amostrador de sedimentos (surber). Os 12 alunos

foram divididos em 4 funções: 1 para anotação, 3 em cada margem do rio, e 5 no meio do rio, com

o “surber” e os puçás (amostradores de fauna).

Por estarmos na estação seca, o rio apresentava-se baixo e os alunos podiam

entrar nele por estar ainda relativamente bem conservado, não poluído com resíduos e lixo, e o

nível da água estar na altura do joelho deles, evitando assim acidentes.

Nas margens deveriam utilizar as peneiras para amostrar a fauna, afundando e

levantando lentamente e superficialmente na margem, inclusive nas regiões cobertas pela

vegetação herbácea existente ao redor. Os animais coletados foram larvas de insetos, pequenos

peixes e ninfas de insetos.

Utilizando o “surber” (amostrador quantitativo para invertebrados), no leito do rio, um

aluno o posicionou bem no fundo, contra a corrente, e começou a revolver as rochas e substrato

da área amostrada para concentrar os organismos na rede coletora do equipamento. Já os 4

alunos com os dois puçás tentavam coletar peixes pequenos de leito de rio, e depois peixes das

margens. Dois desses alunos cuidavam de guardar os animais coletados em potes ou sacos

plásticos.

Após as coletas, realizamos todos juntos algumas medidas do local, como largura

do rio, as profundidades nas margens e leito, velocidade de correnteza, temperatura local e

coletamos água para observação da quantidade de oxigênio presente.

Em seguida, os alunos puderam brincar um pouco no rio e passaram a observar o

local sozinhos, surgindo assim algumas dúvidas. Na visita prévia ao local, observamos aspectos

intrigantes da região, como uma cor estranha na água, parecendo estar "suja". Na ocasião foi

coletada amostra da água e do sedimento desse local para observação em laboratório,

descobrindo-se que o solo da região por ser arenítico-basáltico, apresentava alto fator de ferro, o

Page 11: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

59

que proporcionou o bom desenvolvimento de bactérias aeróbias que metabolizam esse metal,

responsáveis pela coloração e “aspecto sujo” (biomassa de bactérias) em alguns pedaços do rio.

As crianças observaram o fato sozinhas, e então foi esclarecida a dúvida. Também observaram a

presença de algas em algumas partes no leito do rio. Esse material foi coletado para posterior

observação em aula de laboratório.

Terminamos a atividade às 16 horas e 20 minutos, guardamos todo o material e

voltamos para a escola, a tempo de saírem no horário certo, às 17 horas. Nós, professores

fixamos então as amostras coletadas com álcool 70%, para posterior observação em aula de

laboratório.

Provavelmente por associarem esta aula a um passeio, tiveram um bom

aproveitamento do conteúdo ensinado. Aprenderam, principalmente, que não existem somente

peixes nos rios, e conheceram os novos grupos biológicos.

2.3. ATIVIDADE. 3

A aula de laboratório foi dada uma semana depois da atividade de campo, no dia 25

de junho de 2004. Com a ajuda de colegas do Laboratório de Limnologia da UNESP/ campus de

Botucatu, levamos 8 lupas, 1 microscópio, extensões e todo o material necessário para trabalhar

como placas de petri e pinças.

Começamos no horário da tarde (14h) com o cálculo de vazão do rio, e tivemos

ajuda da professora de matemática. Com os dados de largura, profundidade e velocidade da

correnteza, medidas no campo, pudemos calcular o quanto de água passa naquela seção do rio, a

fim de analisar o quanto de água que este rio nos proporciona, vislumbrando o aproveitamento

deste enquanto um recurso hídrico potencial.

Em seguida pedimos que os alunos saíssem da sala para organizarmos as lupas e

distribuirmos os peixes coletados, já fixados, nas placas de observação. Levamos também uma

amostra de alga já em lâmina para observação no microscópio.

Quando os alunos entraram foi feito um revezamento, já que agora havia 22 alunos.

Aqueles que faltaram na atividade de campo apresentaram mais dúvidas em relação a assuntos

que já haviam sido abordados. Os que estiveram presentes no dia da coleta interessaram-se bem

mais em saber as diferenças entre os peixes. A observação das algas em microscópio foi bem

interessante, já que estas foram descobertas por eles mesmos em campo. Também houve muito

interesse em saber como utilizar um microscópio, por se tratar de uma novidade em termos de

metodologia de aula.

Page 12: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

60

Logo, no período de intervalo, eles não queriam sair da sala, mas precisávamos

trocar o material das placas e apresentar a fauna bentônica, desde as próprias larvas já separadas

até as amostras de sedimento não triadas ainda. Pedimos então que saíssem e o interessante é

que passaram o intervalo inteiro observando-nos do lado de fora da sala. Assim que voltaram,

continuaram observando os animais e nós ainda fixamos na lousa figuras coloridas das larvas,

destas quando adultas, bem como os respectivos nomes das espécies. Essa segunda parte foi

muito proveitosa, pois não conheciam esses animais e nas lupas puderam examiná-los melhor.

Mostraram-se muito interessados em conhecê-los um pouco mais, o que exigia realmente o

trabalho de mais uma pessoa para atendê-los, fornecendo as explicações necessárias. Como

houve o rodízio de alunos nas lupas e microscópio, os que já tinham observado foram até a lousa,

espontaneamente, e copiaram os nomes dos animais e tentaram reconhecer os animais vistos nas

lupas. É impressionante notar, como uma atividade prática pode despertar tanto interesse e

dúvidas importantes nos alunos.

Ao fim da atividade, às 17 horas, percebemos como é importante a descoberta e

como é grande o potencial desses alunos, que só precisa ser valorizado.

2.4. ATIVIDADE 4

Para melhor entendimento da situação dos rios da região e para que houvesse um

maior conhecimento de como são feitos o abastecimento e tratamento das águas de Botucatu,

foram propostas visitas às Estações de Captação e Tratamento de Água do município. Nesta

atividade só conseguimos levá-los à Estação de Tratamento, pois houve falta de tempo e de

transporte para visitar o manancial onde é feita a captação (Rio Pardo).

A visita foi feita no dia 27 de agosto de 2004 a ETA (Estação de Tratamento de

Água), onde havia um profissional para explicar aos alunos como economizar água, energia

elétrica e o porquê de fazê-lo, e ainda para explicar todo o processo de tratamento da água. A

SABESP tem pessoas especializadas em palestras para crianças, pois recebem muitas visitas de

escolas. A linguagem utilizada é bem adequada à idade, levando às crianças um maior

entendimento. A maior parte da sala estava presente, 20 alunos, e esse número facilitou o trabalho

da palestrante. Os alunos mostraram-se bem interessados, tiraram dúvidas e parecem ter

guardado as fases do processo de tratamento, pois quinze dias depois ainda lembravam deste.

O tempo necessário à visita é de aproximadamente uma hora e meia, mas devido a

atrasos com o transporte e chegada ao local, nossa atividade foi das 14 horas às 16 horas e 30

minutos.

Page 13: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

61

Foi possível observar que já sabiam as formas básicas de cuidar da água, não

desperdiçando, não sujando o ambiente e limpando as caixas de água de suas casas. Isso

mostrou que a escola e/ou a mídia têm ressaltado muito esse assunto, mas estas informações são

sempre transmitidas na forma imperativa, como por exemplo, "não desperdice água!", e assim as

pessoas não retém esse conteúdo pois não sabem o porquê, como se o subsunçor não estivesse

bem formado. Acredito que se fizermos os alunos seguirem uma linha lógica, ou seja, ensiná-los a

pensar, raciocinar sobre o conteúdo, assim o aprendizado será concreto e as atitudes serão reais.

A maneira como enxergaram essa atividade e as outras, é evidenciado nas redações finais.

2.5. ATIVIDADE 5

Para melhor avaliar como foi o aprendizado das aulas, escolhemos o método de

redação, pois a aplicação novamente de um questionário poderia Conduzi-los nas respostas, o

que iria interferir nos resultados da avaliação.

Nesta atividade, realizada no dia 10 de setembro de 2004, 22 alunos participaram,

sendo quase a totalidade da sala (de 23 alunos), contribuindo para uma melhor análise do que foi

ensinado e como foi aprendido.

A fim de seguir o mesmo método utilizado pela professora de português, passamos

o tema "A importância dos rios", e listamos sobre o que poderiam falar, sobre os assuntos

abordados nas aulas, pedindo que contassem o que sabiam e tinham aprendido, pois ficaram sem

saber o que realmente escrever. Os assuntos listados foram:

• Em relação ao rio como ecossistema: fauna (peixes e larvas de insetos), mata ciliar e animais que habitam; o ciclo da água (evaporação, formação de nuvens, chuvas, lençol freático e água para as plantas);

• Relacionando um rio como um recurso hídrico: utilizado para lazer, fonte de alimento, ingestão (água doce), energia elétrica, funcionamento de hidrelétricas, utilização (suas águas) por indústrias.

Parece não terem tido dificuldades em escrever, e durante a redação tiraram mais

algumas dúvidas sobre as aulas passadas, o que permitiu relembrar várias questões.

2.5.1. ANÁLISE DAS REDAÇÕES

De acordo com suas redações verificou-se ter havido um aprendizado significativo

durante as aulas, mostrando que assimilaram o principal destas, e dentre as explicações do ciclo

das águas, do rio como ecossistema, e da importância de se preservar a natureza e utilizar bem

nossa água, aprenderam a identificar se o ambiente está livre de algum tipo de poluição, o que não

sabiam. Interessaram-se até pelo que não era objetivado, o que mostra a capacidade de

aprendizado desses alunos. Conheceram elementos da fauna e flora que nem imaginavam existir,

Page 14: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

62

podendo assim enxergar melhor um rio como ecossistema e não somente mais como um recurso

hídrico. Aprenderam algumas expressões e denominações do mundo científico, como "coletar"

material e não simplesmente "pegar" e conheceram nomes científicos dos animais.

Foi interessante observar como detalham bem mais aquilo que presenciaram,

participaram ou puderam ver. É importante notar que com a visita a SABESP, pôde chamar tanto a

atenção deles, que prestaram muita atenção durante limpeza dos filtros da Estação de Tratamento

de Água e segundo eles "...descobriram a necessidade de limpar a caixa d'água". A única coisa

que preocupa é que ainda acreditam que todos recebem água tratada, devido à "propaganda" feita

pela SABESP, eles precisariam ainda aprender um pouco sobre realidade social, entendendo mais

sobre o que acontece em sua região.

Conseguiram entender um pouco do que não pode ocorrer nas proximidades de um

rio, a fim de evitar possíveis fontes de contaminação. Assim podem passar a reivindicar o cuidado

desses ambientes por parte das autoridades responsáveis. Perceberam ainda que a eletricidade,

um bem muito importante hoje em dia, principalmente para esses alunos que passam a maior

parte do tempo utilizando televisão, rádio, computador e jogos eletrônicos, embora não seja vital

como a água, tem sua disponibilidade associada a esta e portanto deve ser economizada também.

3. DISCUSSÃO

Segundo a teoria de desenvolvimento mental de Piaget para o ensino, só há

aprendizagem quando há acomodação, ou seja, uma reestruturação cognitiva do indivíduo, que

resulta em novos esquemas de assimilação. O mecanismo de aprender da criança é sua

capacidade de reestruturar-se mentalmente buscando um novo equilíbrio. Essa foi a intenção ao

apresentar um ambiente talvez já conhecido para alguns alunos, porém de uma forma diferente,

mais aprofundada, além das nossas capacidades de percepção usuais (conhecer fauna

microscópica), causando assim um desequilíbrio, esperando que buscassem o equilíbrio

aprendendo sobre o novo e reestruturando o que já conheciam do ambiente anteriormente. O

ensino deve, portanto, ativar este mecanismo.

Essa ativação deve ser compatível com o nível de desenvolvimento mental

(período) em que está a criança. Ensinar (educar) "seria criar situações (seriadas e graduadas,

compatíveis com o nível de desenvolvimento da criança) que 'forcem' a criança a reestruturar-se"

(Oliveira, 1980).

Uma das situações citadas pela maioria dos professores do ensino fundamental é a

de que os alunos “não querem” participar das aulas porque “não querem” aprender. De acordo

com as aulas realizadas nesse projeto esse fato não se confirmou. Os alunos procuraram

Page 15: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

63

participar das atividades demonstrando interesse, mas isso somente ocorreu porque as atividades

foram preparadas para lhes despertar o interesse. Este fato é reforçado ainda mais, quando

observamos que o professor deve relacionar, através de argumentação apropriada, os esquemas

de assimilação espontâneos do aluno com os esquemas de assimilação que ele quer ensinar, com

o mínimo de desequilíbrio. Quanto mais a argumentação do professor se relacionar com os

esquemas de assimilação do aluno, mais reversível se torna o diálogo e mais eficiente será o

ensino (Kubli,1979). As atividades foram realizadas depois de um questionário e uma conversa

com os alunos para conhecê-los e analisar de que forma esse tipo de assunto poderia ser

abordado para que houvesse um aprendizado efetivo. A linguagem precisou ser adequada à idade

e as formas de trabalhar o conteúdo também.

Outro ponto destacável é a necessidade de existir uma escola mais ativa, estando

isso representado tanto no professor quanto no aluno. Se o ambiente é pobre em situações

desequilibradas, cabe ao educador produzí-las artificialmente (Kubli, 1979). Por exemplo, as

atividades que foram realizadas em parte no ambiente de rio, em parte no laboratório montado na

sala de aula e em parte na Estação de Tratamento de Água da SABESP, são ambientes que a

escola não apresenta, mas que pode criar. Os resultados dessa iniciativa foram muito satisfatórios,

já que os alunos mostraram-se o tempo todo, interessados no assunto tratado.

A teoria de Piaget para o ensino é a de que ele deve ser acompanhado de ações e

demonstrações e, sempre que possível, deve dar aos alunos a oportunidade de agir (trabalho

prático). Ações e demonstrações, mesmo realizadas pelos alunos, têm em si mesmas o poder de

produzir conhecimento: elas podem gerá-lo somente na medida em que estiverem integradas à

argumentação do professor (Kubli, 1979). Talvez essa argumentação possa fortalecer as

atividades realizadas como um método bem eficiente de garantir um aprendizado concreto. Tal

como o observado, o interesse dos alunos em todas as atividades desenvolveu uma nova forma

de pensar em relação a ambientes de água doce e à água que consumimos, segundo a análise

das avaliações.

Um dos recursos relacionado aos métodos ativos é a pesquisa espontânea da

criança, a qual exige que toda a verdade a ser adquirida seja reconstruída e não simplesmente

transmitida. O professor deve deixar de ser apenas uni conferencista e estimular a pesquisa e o

esforço (Piaget, 1977). Com base no que diz Piaget, as atividades propostas na apostila, a serem

realizadas em casa pelos próprios alunos, e a maquete exigem a pesquisa de novos

conhecimentos, e como nas atividades realizadas em campo e em laboratório, os alunos tiveram a

oportunidade de exercerem a autonomia na observação do ambiente e descobertas novas,

podendo recorrer ao professor para esclarecer suas dúvidas. E mais uma vez recorrendo a Piaget,

Page 16: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

64

que ressalta serem as "lições" oferecidas (formas e métodos de transmitir o conteúdo) que lhes

escapam à compreensão, e não a matéria (Piaget, 1977).

Uma pequena introdução foi feita no início das aulas para identificarmos o conteúdo

relevante e explicar este aos alunos, dar uma visão geral do material e prover elementos

organizacionais inclusivos (Moreira et. al., 1982). Esse método serviu de ponte entre o que o aluno

já sabia e o que deve saber, funcionando também para que o educador pudesse verificar seus

subsunçores, a fim de realizar uma aula significativa ao aprendizado.

A aprendizagem por descoberta foi utilizada tanto na prática em campo como em

laboratório seguindo a orientação de Ausubel (Moreira et al., 1982), quando trata ser

responsabilidade do aprendiz descobrir o conteúdo principal a ser ensinado. Esta forma de

aprendizagem pode estar aliada a aprendizagem por recepção, onde o professor transmite o

conteúdo e o aluno o recebe (não de forma passiva), podendo tornar-se uma aprendizagem

significativa desde que a nova informação seja incorporada de forma não arbitrária à estrutura

cognitiva. Nas atividades desenvolvidas foi dada liberdade aos alunos para a descoberta, mas o

professor estava sempre presente para auxiliá-los, guiá-los pelo caminho do pensamento correto e

para esclarecimentos das dúvidas surgidas.

O professor deve estar atento a tudo em sala de aula, inclusive na forma como seus

alunos aprendem e com qual facilidade o fazem, pois cada aluno apresenta sua capacidade

individual. Após a análise do questionário foi observado que alguns alunos tinham um

conhecimento mais amplo que os demais, isso foi observado também nas práticas (campo e

laboratório), mas todos, no geral, tinham praticamente o mesmo nível de conhecimento, bem

superficial e muitas vezes errôneo. Na análise final das redações, foi observado um aumento

significativo do conhecimento relacionado ao assunto estudado. Os alunos que participaram das

práticas demonstraram um conhecimento bem mais estruturado do que alunos que participaram

apenas de uma ou outra atividade. Aqueles que ajudaram nas coletas no rio apresentaram grande

interesse no estudo do material em laboratório. Para os alunos que não foram ao campo e

estavam na aula de laboratório foram necessárias mais explicações para deixá-los satisfeitos com

o que aprendiam, mas seus resultados, apesar da facilidade de alguns em lidar com material

microscópico, não foram tão bons quanto o de alguns que fizeram todas as atividades, pois com

certeza havia "lacunas de conhecimento", não permitindo um raciocínio mais lógico.

Page 17: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

65

4. CONCLUSÃO

As aulas práticas associadas à teórica, mostraram-se bem eficientes no

desenvolvimento de um raciocínio lógico, baseado na experiência vivida, para os alunos do ensino

fundamental. Ao mesmo tempo, a técnica de aplicar uma aula teórica de forma instigativa, bem

ilustrativa e que exija a participação dos alunos, ajudou muito no ensino e aprendizado dos

mesmos. O intuito de conscientizar a população a partir do ensino fundamental, procurando

desenvolver um aprendizado significativo e não somente transmitir informações de forma

apelativa, demonstrou ser possível, segundo o trabalho realizado.

Para a realização do trabalho o professor deve estar bem preparado, e para isso

precisa pesquisar sobre o assunto, sobre os rios e situações de saneamento da cidade. Ao

desenvolver as aulas práticas em campo e em laboratório, o professor deve ter amplo

conhecimento sobre o ecossistema de água doce, incluindo sua fauna e flora.

Talvez a atividade em campo não possa ser realizada na cidade onde se localiza a

escola, então visitas a rios de outras regiões seria uma alternativa para conhecer este tipo de

ambiente. Para o laboratório é preciso material específico, não existente em algumas escolas, o

que pode impossibilitar esta atividade, e nesse caso, a prática em campo deve apresentar uma

observação mais ampla e melhor direcionada.

O trabalho se desenvolveu bem graças às condições favoráveis existentes, como:

ambiente de rio propício à visita e coleta de amostras biológicas; material de laboratório de fácil

acesso e quantidade ideal de alunos para a realização das aulas.

5. BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, L., Scharf, R., Badrafid, F., Moióli, J., Corrêa, M. S. Como cuidar da nossa água. [coordenação, projeto editorial e gráfico BEI Comunicação; ilustração Marcelo Cipis, ilustrações e mapas Luiz Fernando Martini]. São Paulo: BEI Comunicação. Coleção entenda e aprenda. 2003.

ARANHA, M. L. A., Martins, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo. Editora Moderna, 1993. 395p

DIAS, G. F. Ph. D. Educação Ambiental - Princípios e Práticas. 6. ed. Editora Gaia

KUBLI, F. Piaget's cognitive psychology and its consequence for the teaching of science. European Journal of Science Education, 1(I): 5-20, 1979.

LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública. A pedagogia crítico social dos conteúdos. São Paulo. Loyola ed. p.19-44.

MOREIRA, M. A . e Mansini, E. F. S. Aprendizagem significativa - A teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.

ODUM, E. P. Ecologia. . Guanabara. 1988.

OLIVEIRA, L. L. Conceitos fundamentais de Piaget. Rio de Janeiro, Mobral: 1980. 179p (Trabalho apresentado no 1o Congresso Brasileiro Piagetiano, Rio, sei, 1980).

Page 18: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

66

PEDRINI, A . G., Silveira, D. L., De-Paula, J. C., Vasconcellos, H. S. R. e Castro, R. S. 2000: Educação Ambiental - Reflexões e Práticas Contemporâneas. 3. ed. Rio de Janeiro. Editora Vozes. 295pp.

PIAGET, J. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1977.

PIAGET, J. Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1977.

TUNDISI, J. G. Água no século XXI: Enfrentando a Escassez. São Carlos. RiMA, IIE. 2003. 248p.

ANEXOS

Fotos

Local de coleta (Rio Capivara-Indiana) Aula de laboratório

Visita a Estação de Tratamento de água da

SABESP de Botucatu

Page 19: A importância do tema água doce - unesp.br€¦ · 51 esquecendo que a própria natureza tem sofrido com o abuso exercido sobre seus recursos, causado pela exaltação indiscriminada

67

Modelo do questionário aplicado inicialmente

Questionário sobre água

1) Para que serve a água?

2) De onde vem a água que você usa?

3) Para onde vai a água que você suja?

4) Para que serve o rio?

5) Você já viu um rio de perto? Qual? Ele estava sujo ou limpo? Por quê?

6) Você já entrou em um rio, tomou banho ou brincou nele?

7) Como você sabe se a água do rio está limpa ou suja?

8) Existe alguém que viva na água do rio? Quem?

9) Existe diferença entre animais de mar e de rio?

10) Você sabe qual a diferença entre animais de mar e de rio?

11) A água da chuva influencia em alguma coisa no rio?