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183 CAPÍTULO 2 - CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR A FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO DE CASO EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA Francisco José da Cruz - UEM Osmar Gasparetto - UEM INTRODUÇÃO O pensamento neoliberal aponta o Estado como “ineficiente” na sua função de prover o bem-estar social. A razão é lógica e diz respeito a ele estar sujeito a uma imensurável demanda de ações, sendo que em contrapartida ele opera em um ambiente de contingenciamento de recursos, os quais quase sempre são escassos. Somam-se a isso os excessos de regulamentação da economia motivados pela sua estrutura burocrática, que complicam a produção e sobrecarregam os seus custos. Consequentemente, o serviço público necessita de respostas imediatas e eficazes para compor a função do Estado, com a formulação e a execução de políticas públicas que melhor atendam à coletividade. Exige-se então que as organizações públicas apresentem dinamismo em suas estruturas e formas de gestão. Por outro lado, o limiar do novo século é marcado, entre outros aspectos, pela existência de uma nova ordem de desenvolvimento social e econômico. A sociedade pós-capitalista destituiu a imponência dos fatores de produção do capitalismo - capital, terra e trabalho - invocando a mercantilização do conhecimento, tido como principal meio de produção econômica. “Hoje o valor é criado pela ‘produtividade’ e pela ‘inovação’, que são aplicações do conhecimento ao trabalho”. (DRUCKER, 1999, p. XVII) Diante desse contexto, a Gestão do Conhecimento que tem se mostrado “como fator de sucesso das organizações e da reprodução do capital”, (COELHO, 2004, p. 5) surge como um novo paradigma em favor do sucesso da administração pública, em vista do alcance de melhores níveis de gestão das entidades públicas brasileiras, revigorando principalmente suas ações de planejamento, de execução financeira e de gestão de seus recursos humanos. Torna-se então, relevante a abordagem do tema com o propósito de contribuir com a modernização das ações do setor público, bem como com a implementação de inovações em suas organizações e em seus procedimentos. No Brasil, é oportuno salientar que em diversos setores da administração pública têm sido aplicadas metodologias de Gestão do Conhecimento, as quais quase sempre interpretadas como soluções empíricas motivadas pelas tecnologias de informação, (COELHO, 2004) com o risco de tornarem-se objetos de modismo. Conforme Terra, (2000) a literatura organizacional tem tratado da Gestão do Conhecimento sob diferentes abordagens: cultura organizacional (aprendizado); formação de grupos e redes de interatividade; desenvolvimento de competências; mapeamento, codificação e compartilhamento do conhecimento; conectividade entre as pessoas; avanços em informática e em telecomunicações; e mensuração do capital intelectual. Não obstante a importância da discussão e da avaliação sobre o uso das práticas relacionadas à Gestão do Conhecimento, o presente trabalho desprende-se dessa análise e traz como foco a abordagem do processo de geração e do uso do conhecimento, nos níveis individual e organizacional. O estudo tem como precursores os doutores Ikujiro Nonaka e Hirotaka Takeuchi, professores da Universidade Hitotsubashi de Tóquio, os quais, a partir do acompanhamento da criação e do uso do conhecimento em empresas japonesas, desenvolveram

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183Capítulo 2 - CIÊNCIa, tECNoloGIa E ENSINo SupERIoR

GEStão dE polítICaS públICaS No paRaNá

A FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO DE CASO EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA

Francisco José da Cruz - UEMOsmar Gasparetto - UEM

INTRODUÇÃO

o pensamento neoliberal aponta o Estado como “ineficiente” na sua função de prover o bem-estar social. a razão é lógica e diz respeito a ele estar sujeito a uma imensurável demanda de ações, sendo que em contrapartida ele opera em um ambiente de contingenciamento de recursos, os quais quase sempre são escassos. Somam-se a isso os excessos de regulamentação da economia motivados pela sua estrutura burocrática, que complicam a produção e sobrecarregam os seus custos. Consequentemente, o serviço público necessita de respostas imediatas e eficazes para compor a função do Estado, com a formulação e a execução de políticas públicas que melhor atendam à coletividade. Exige-se então que as organizações públicas apresentem dinamismo em suas estruturas e formas de gestão.

por outro lado, o limiar do novo século é marcado, entre outros aspectos, pela existência de uma nova ordem de desenvolvimento social e econômico. a sociedade pós-capitalista destituiu a imponência dos fatores de produção do capitalismo - capital, terra e trabalho - invocando a mercantilização do conhecimento, tido como principal meio de produção econômica. “Hoje o valor é criado pela ‘produtividade’ e pela ‘inovação’, que são aplicações do conhecimento ao trabalho”. (dRuCKER, 1999, p. XVII)

diante desse contexto, a Gestão do Conhecimento que tem se mostrado “como fator de sucesso das organizações e da reprodução do capital”, (CoElHo, 2004, p. 5) surge como um novo paradigma em favor do sucesso da administração pública, em vista do alcance de melhores níveis de gestão das entidades públicas brasileiras, revigorando principalmente suas ações de planejamento, de execução financeira e de gestão de seus recursos humanos. torna-se então, relevante a abordagem do tema com o propósito de contribuir com a modernização das ações do setor público, bem como com a implementação de inovações em suas organizações e em seus procedimentos.

No brasil, é oportuno salientar que em diversos setores da administração pública têm sido aplicadas metodologias de Gestão do Conhecimento, as quais quase sempre interpretadas como soluções empíricas motivadas pelas tecnologias de informação, (CoElHo, 2004) com o risco de tornarem-se objetos de modismo.

Conforme terra, (2000) a literatura organizacional tem tratado da Gestão do Conhecimento sob diferentes abordagens: cultura organizacional (aprendizado); formação de grupos e redes de interatividade; desenvolvimento de competências; mapeamento, codificação e compartilhamento do conhecimento; conectividade entre as pessoas; avanços em informática e em telecomunicações; e mensuração do capital intelectual.

Não obstante a importância da discussão e da avaliação sobre o uso das práticas relacionadas à Gestão do Conhecimento, o presente trabalho desprende-se dessa análise e traz como foco a abordagem do processo de geração e do uso do conhecimento, nos níveis individual e organizacional. o estudo tem como precursores os doutores Ikujiro Nonaka e Hirotaka takeuchi, professores da universidade Hitotsubashi de tóquio, os quais, a partir do acompanhamento da criação e do uso do conhecimento em empresas japonesas, desenvolveram

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um modelo de análise da criação do conhecimento organizacional, conhecido como “a Espiral do Conhecimento”. (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 80) tal estudo demonstra que a inovação e a criação de novos conhecimentos organizacionais derivam de uma cadeia de transformação ou de “conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito”. (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 11)

Neste novo momento da sociedade mundialmente globalizada, onde ciência, tecnologia e inovação têm relevante papel no seu desenvolvimento econômico e social, as organizações públicas necessitam de iniciativas imediatas ao aprimoramento da produção, da disseminação e do aprendizado dos novos conhecimentos.

assim, com a associação desse estudo teórico ao estudo de caso, conduzido no programa de pós-Graduação em Genética e Melhoramento (pGM) da universidade Estadual de Maringá, pretende-se tornar clara a visualização da Espiral do Conhecimento no contexto dessa organização, podendo subsidiar os comportamentos e as ações de gestores públicos diante da nova realidade. a partir da literatura consultada foi aplicado o modelo desenvolvido por Nonaka e takeuchi (1997) para a apresentação do processo de formação do conhecimento no pGM, utilizando-se de consulta aos registros das decisões e das ações recentes do mesmo.

provida desse requisito, a administração pública poderá buscar o melhor desenvolvimento dos mecanismos de Gestão do Conhecimento, da inovação e da criatividade em suas organizações.

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS SOBRE A CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO

analisando as organizações públicas e privadas da era pós-capitalismo, percebe-se que o emprego do esforço físico por parte dos seus trabalhadores é, em sua maior parte, substituído pelas máquinas. o papel do “novo trabalhador” passa a ser desenvolvido a partir de sua “capacidade de criar, aprender e desenvolver novos conceitos, produtos e serviços baseados estritamente no conhecimento”. (tERRa, 2000, p. 1) para melhor ilustração do novo cenário, no qual se compreende a Gestão do Conhecimento, o texto a seguir descreve os conceitos das terminologias relacionadas à geração e à conversão do conhecimento.

É comum encontrar, tanto no meio acadêmico como no meio profissional, uma confusão semântica em torno das palavras “dado”, “informação” e “conhecimento”. Embora sejam usadas com o mesmo sentido, elas possuem significados diferentes.

para davenport e prusak, (1998, p. 2) “dados são um conjunto de fatos distintos e objetivos, relativos a eventos”, de fácil estruturação e disseminação. um dado é uma representação simbólica e quantificável que identifica um fato e/ou um elemento. No ambiente organizacional os dados são tidos como “registros estruturados” de fácil padronização por sistemas e máquinas. Isoladamente, um dado não fornece nenhuma conclusão, porém trata-se de uma matéria-prima fundamental para a criação da informação.

Com um conjunto desses dados é possível criar uma informação, que transforma os dados em uma mensagem de comunicação, compreensível ao seu transmissor e principalmente ao seu receptor. portanto, informações “são dados interpretados, dotados de relevância e propósito”. (dRuCKER, 2001, p. 32) a diferença fundamental entre dado e informação é que o primeiro é puramente simbólico enquanto que o segundo tem significado.

Enquanto, os dados e as informações podem ser armazenadas e manipuladas por computadores, com o conhecimento isso não acontece, pois é de difícil estruturação e de difícil transferência. o conhecimento é algo pessoal, vivenciado por alguém. assim, davenport e prusak (1998, p. 7) afirmam que, “para que a informação se transforme em conhecimento, os seres humanos precisam fazer todo o trabalho”. os autores ainda o classificam como uma informação valiosa da mente humana, que inclui reflexão, síntese e contexto.

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para o médico húngaro, Michael polanyi (1891), que mais tarde torna-se professor de ciências sociais, sendo um dos precursores da teoria do conhecimento, o conhecimento é público, mas também é, em grande dimensão, pessoal, ou seja, é obra de seres humanos e por isso contém emoções. (SVEIbY, 1998) Conclui-se então que o conhecimento envolve associações de conceitos baseados em uma vivência pessoal dos objetos envolvidos. por exemplo: pode-se ler bastante sobre paris, obtendo-se assim, nessa caracterização, informações sobre cidade. Mas conhecimento sobre ela só se obtém visitando-a pessoalmente.

Nonaka e takeuchi (1997) descrevem três observações sobre as semelhanças e as diferenças entre conhecimento e informação:

primeira, o conhecimento, ao contrário da informação, diz respeito a crenças e compromissos. o conhecimento é uma função de uma atitude, perspectiva ou intenção específica. Segunda, o conhecimento, ao contrário da informação, está relacionado à ação. É sempre o conhecimento “com algum fim”. E terceira, o conhecimento, como a informação, diz respeito ao significado. É específico ao contexto e relacional. (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 63)

para Sveiby (1998), apesar das muitas abordagens filosóficas, não existe nenhuma definição da palavra conhecimento aceita de modo geral. o estudo da teoria do conhecimento é denominado de epistemologia. a palavra de origem grega (episteme) refere-se à verdade absolutamente certa.

Nonaka e takeuchi (1997, p. 63), ao proporem uma teoria da criação do conhecimento organizacional, adotam a definição de conhecimento como “crença verdadeira justificada”. Contudo, salientam que teóricos ocidentais concentram-se na verdade, enquanto eles - como orientais - destacam a natureza do conhecimento como “crença justificada”. Essa discussão atribui um enfoque ainda mais pessoal à criação do conhecimento (tácito), ao passo que a epistemologia ocidental retrata um caráter mais exterior do conhecimento (explícito).

ao classificar “o conhecimento como algo pessoal, isto é, formado dentro de um contexto social e individual, ou seja, não é propriedade de uma organização ou de uma coletividade”, (SVEIbY, 1998, p. 36) polanyi difunde dois conceitos fundamentais ao estudo da formação e Gestão do Conhecimento nas organizações: conhecimento tácito e conhecimento explícito.

Quanto à dimensão epistemológica, baseamo-nos na distinção estabelecida por Michael polanyi (1966) entre conhecimento tácito e conhecimento explícito. o conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto e, assim, difícil de ser formulado e comunicado. Já o conhecimento explícito ou “codificado” refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal e sistemática. (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 65)

o conhecimento tácito é o conhecimento ainda não documentado, sendo ou não passível de o ser. É o conhecimento que se possui e se torna capaz de transmitir de forma mais ou menos assistida. o conhecimento tácito é pessoal, adquirido por meio da prática, da experiência, dos erros e dos sucessos, difícil de ser formulado e transmitido de maneira formal. um exemplo claro é “o andar de bicicleta”.

Já o conhecimento explícito é o que conseguimos transmitir em linguagem formal e sistemática. É o conhecimento que pode ser documentado em livros, manuais ou portais ou transmitido através de correio eletrônico ou por via impressa. Conhecimento explícito é aquele que converge para uma nova informação. pode ser exemplificado por uma receita de confecção de bolo.

de acordo com Nonaka e takeuchi, (1997) não há exatamente uma dicotomia entre ambos os conceitos do conhecimento, pois a partir da interação social entre os conhecimentos tácito e explícito é que ocorre a “conversão do conhecimento”, responsável pela dinâmica do processo de criação do conhecimento. Em outras palavras: pode-se dizer que a partir de um conhecimento tácito (inerente ao indivíduo) produz-se um conhecimento explícito, o qual

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pode ser codificado em uma informação (domínio coletivo), que, por sua vez, pode induzir seu receptor à formulação de novo conhecimento tácito e assim, sucessivamente, traduzindo-se em uma expansão qualitativa e quantitativa do conhecimento humano.

parafraseando a exposição dada por Sveiby, (1998) pode-se dizer que “a informação é o veículo de transporte do conhecimento”, sendo o meio de comunicação tanto do conhecimento tácito, quanto do conhecimento explícito.

ainda Sveiby, (1998, p. 44) diante de uma abordagem gerencial, sustenta a definição de conhecimento como “uma capacidade de agir”. o agir pode ser de cunho prático ou de cunho intelectual, ou seja: fazer ou pensar. assim o conceito do conhecimento é projetado como um processo da análise das sensações percebidas, seguida por uma consequente resposta. tal definição reporta-se ao conceito de competência.

o conceito de competência, que engloba o conhecimento real, a habilidade, a experiência, os julgamentos de valor e as redes sociais é a melhor forma de descrever conhecimento no contexto empresarial. (SVEIbY, 1998, p. 46)

de fato, aos gerentes a competência está diretamente relacionada à capacidade de desenvolvimento de conceitos, habilidades e atitudes, à capacitação, às práticas de trabalho e capacidade de mobilizar recursos, à busca de melhores desempenhos, ao questionamento constante, ao comprometimento com a aprendizagem individual e à interação com outras pessoas. (bItENCouRt, 2005)

Isso faz da competência a personificação do conhecimento no ambiente organizacional. Exige-se então, mais do que práticas de gestão de recursos humanos e de desenvolvimento de pessoal. os estudos mais recentes apregoam que a “gestão de competências” é a forma de promover a integração entre as atitudes, as habilidades e os conhecimentos necessários ao alcance dos resultados do sucesso nos níveis individuais e organizacionais. Ela enfoca o importante papel que ocupam os trabalhadores nas diferentes posições hierárquicas da empresa, bem como o processo de aprendizagem que ocorre na organização a partir da interação entre seus participantes. (bItENCouRt, 2005)

diante da compreensão de que as pessoas são os atores fundamentais de uma organização, Karl Erik Sveiby (1998) desenvolveu um modelo de “gestão do capital intelectual” a partir das relações pessoais promovidas dentro e fora das organizações. Sua premissa é a de que o conhecimento está relacionado à produção da mesma forma (ou mais) que os bens materiais. o capital intelectual é compreendido pela “competência do funcionário” (capital humano), pela “estrutura interna” (capital organizacional) e pela “estrutura externa” (capital em clientes). a competência individual diz respeito à escolaridade, aos conhecimentos e às experiências do funcionário à disposição da empresa. a estrutura interna é formada pelos processos, manuais, patentes, conceitos, estruturas organizacionais, sistemas gerenciais e de informações, a própria cultura organizacional, além de outras criações dos funcionários, que dão suporte às atividades desempenhadas pela organização. a estrutura externa corresponde ao valor dos relacionamentos com os usuários, clientes e fornecedores, das marcas, da reputação e da imagem da empresa.

dentro dessa teoria, esses três elementos (competência individual, estrutura interna e estrutura externa) compõem os “ativos intangíveis” de uma empresa, que junto ao seu patrimônio visível, constituem o seu valor de mercado. (SVEIbY, 1998) Essa configuração é bastante comum ao mercado globalizado, onde, em muitos casos, os ativos intangíveis representam a maior parte do valor de mercado das organizações de negócios.

o modelo proposto por Sveiby engloba, de certa forma, o conceito de “Gestão do Conhecimento”, ainda que seu trabalho focalize prioritariamente a mensuração do capital intelectual. Sob o termo Gestão do Conhecimento está presente um intenso debate nos meios acadêmico e gerencial, quanto ao seu significado, aplicação e abrangência. Entende-se que

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não deva ser tratado como o surgimento de uma nova técnica de gestão, ou atrelado ao uso de ferramentas gerenciais, ou a modismos.

Segundo terra (2000) a Gestão do Conhecimento está presente na humanidade desde as primeiras civilizações, percorrendo desde os grandes arquivos das bibliotecas da antiguidade, passando pelo surgimento da imprensa e chegando à era digital. Embora a Gestão do Conhecimento seja considerada uma disciplina emergente, não pode ser tratada como um conceito novo, “é apenas um conceito reformatado e revigorado pelas novas tecnologias de mídias, equipamentos e técnicas”. (tERRa, 2000, p. 222) o autor também entende que demandará algum tempo para que as organizações alcancem o domínio das novas habilidades, bem como para uma reflexão superior sobre seus efeitos. da mesma forma, pode-se deduzir que com a evolução do desenvolvimento científico e tecnológico os modelos de gestão sofrerão contínuas modificações.

Mas então, o que é esse novo paradigma proposto à gestão de empresas e de organizações públicas? para terra (2000),

Gestão do conhecimento é, em seu significado atual, um esforço para fazer com que o conhecimento de uma organização esteja disponível para aqueles que dele necessitem dentro dela, quando isso se faça necessário, onde isso se faça necessário e na forma como se faça necessário, com o objetivo de aumentar o desempeno humano e organizacional. (tERRa, 2000, p. 219-220)

a Gestão do Conhecimento “para ser efetiva, precisa, obrigatoriamente, levar em consideração os reais processos humanos de aprendizado, criação e aquisição de conhecimento”. (tERRa, 2000, p. 64)

davenport e prusak (1998) classificam o processo de Gestão do Conhecimento em três fases: geração, codificação e transferência do conhecimento, com destaque à codificação do conhecimento que significa “converter o conhecimento em formatos acessíveis e aplicáveis” à organização. (daVENpoRt; pRuSaK, 1998, p. 93) o modelo compreende a aplicação das tecnologias de informação e de ferramentas de sistemas gerencias sem, no entanto, prescindir de uma ampla mudança comportamental, cultural e organizacional.

Mais do que um acervo do conhecimento, a Gestão do Conhecimento envolve a gestão estratégica com consequentes mudanças organizacionais, a gestão das competências e a gestão dos sistemas de dados e informações.

Num conceito mais genérico Gestão do Conhecimento é o processo sistemático de identificação, criação, renovação e aplicação dos conhecimentos que são estratégicos na vida de uma organização. É a administração dos ativos de conhecimento desta organização.

2 TEORIA DA CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL

o estudo da Gestão do Conhecimento geralmente aponta para a implementação de práticas de gestão, dando pouca atenção às formas de criação do conhecimento. Nesse sentido, merece destaque o trabalho que vem sendo realizado nos últimos 20 anos pelos doutores Ikujiro Nonaka e Hirotaka takeuchi. Esses pesquisadores desenvolveram um “modelo dinâmico da criação do conhecimento ... ancorado no pressuposto crítico de que o conhecimento humano é criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito”. (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 67) o modelo é proposto em duas dimensões: epistemológica e ontológica.

Quanto à epistemologia (teoria do conhecimento), os autores desenvolvem o seu próprio conceito sobre o surgimento do conhecimento, o qual difere da interpretação tradicional do ocidente. Enquanto os teóricos ocidentais - a exemplo da Escola de Informação - postulam que uma organização promove seu conhecimento por meio do “processamento de informações”,

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o qual é alimentado pelo ambiente externo (de fora para dentro), o novo modelo - próximo à Escola comportamental - defende que a organização também cria “novos conhecimentos e informações, de dentro para fora, a fim de redefinir tanto os problemas quanto as soluções e, nesse processo, recriar seu meio”. (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 61) Entende-se assim, a existência de um ambiente mais autônomo para a criação do conhecimento, cujo centro “está na mobilização e conversão do conhecimento tácito”, (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 62) o que, em outras palavras, significa a valorização do conhecimento gerado nas ações e nas relações pessoais que produzem a transmissão das informações. Vale lembrar que

... a criação de conhecimento organizacional depende, em grande medida, do contato humano, da intuição, do conhecimento tácito, da cooperação, da explicitação de modelos mentais, da diversidade de opiniões e do pensamento sistêmico. (tERRa, 2000, p. 157)

Nesse processo de interação entre os conhecimentos tácito e explícito ocorrem quatro modos de conversão do conhecimento: socialização, externalização, combinação e internalização (figura 1).

FIGURA 1 - Os quatro modos de conversão do conhecimento.

FoNtE: NoNaKa; taKEuCHI (1997, p. 68).

o primeiro modo de conversão do conhecimento é a socialização que ocorre da transformação do conhecimento tácito em conhecimento tácito. É um processo de compartilhamento de experiências por meio de alguma forma de aprendizado, que não necessariamente se utilize da linguagem falada ou escrita, consequentemente com menor incidência de documentação formal (registros). baseia-se na associação de experiências físicas e mentais, por meio da observação, imitação e prática. trata-se da transmissão de um conhecimento pessoal a outros, sem o formato público. No dia a dia das organizações públicas, isto ocorre quando um funcionário ensina a outro a realização de uma tarefa de rotina de escritório.

Na externalização temos o segundo modo que é a evolução do conceito tácito para o conceito explícito. tido pelos autores como uma carência na teoria organizacional do ocidente, esse modo descreve quando uma ou mais percepções passam a ser contextualizadas em uma mensagem. É onde efetivamente são gerados os novos conhecimentos, onde são criadas as novas ideias. Na prática das empresas japonesas o processo é assistido pelo uso de metáforas, analogias, conceitos, hipóteses e modelos, que, por meio de dedução e de indução, conduz ao desenvolvimento do novo conhecimento explícito, deflagrado em um novo produto,

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serviço ou sistema. um exemplo comum ao mundo ocidental e também ao setor público é o levantamento de novas hipóteses pelos cientistas dos institutos e universidades, que se constituirá na produção de artigos científicos.

o terceiro modo é a combinação que retrata a sistematização do conhecimento, ou seja, combina diferentes conhecimentos explícitos em um novo conhecimento explícito. terra (2000, p. 68) destaca ser esse “o processo preferido no ocidente, uma vez que se baseia na troca de informações explícitas e no paradigma da tecnologia de informação”. É a interação social dos conhecimentos já explicitados, que ocorre por meio de documentos, reuniões, diálogos ao telefone ou em redes computadorizadas. Novos conhecimentos surgem também a partir da reconfiguração das informações preexistentes. o ensino ministrado nas universidades é um exemplo, onde a formação do conhecimento é feita pela combinação e aplicação de vários conhecimentos explícitos.

o quarto e último modo, a internalização, é semelhante ao “aprendizado organizacional”, onde a organização e seus membros são convidados a adquirirem novos conhecimentos tácitos a partir dos conhecimentos explícitos produzidos dentro e fora do seu ambiente. Esses novos conhecimentos, adquiridos pelo treinamento e pela aprendizagem, constituem o know-how pessoal e organizacional.

os autores também identificam cada um dos conhecimentos produzidos em cada modo. assim, têm-se os conceitos de conhecimento compartilhado, conhecimento conceitual, conhecimento sistêmico e conhecimento operacional.

o conhecimento compartilhado é fruto da socialização e se dá pela interação entre as pessoas que compartilham seus conhecimentos tácitos. o conhecimento conceitual é formado na externalização do conhecimento, onde um conjunto dos conhecimentos tácitos dá origem a um novo conhecimento explícito, o qual revela um “conceito”, que serve como diretriz ao processo de criação do conhecimento. Este conceito orienta a fase de combinação, onde os conceitos explícitos são combinados no desenvolvimento de um protótipo do novo produto ou processo (conhecimento explícito). E finalmente, o conhecimento operacional surge quando esse novo produto é produzido em massa por meio da internalização, ou seja, o conhecimento sistêmico é reproduzido aos indivíduos, que o internalizam e geram novo conhecimento tácito.

Nesse quadro apresentado, a espiral de criação do conhecimento se reproduz inúmeras vezes na organização, sendo o conhecimento tácito das pessoas a base da criação do conhecimento organizacional. a dimensão ontológica é identificada pelos autores como o espaço onde se dá essa movimentação da espiral de criação do conhecimento. Em outras palavras: a interação entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito se dá nos níveis individual, grupal, organizacional e extraorganizacional, conforme demonstra a figura 2. a criação do conhecimento se dá num processo que pode partir do indivíduo e chegar à cúpula da organização, ou vice-versa, superando inclusive os limites da mesma.

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FIGURA 2 - Espiral de criação do conhecimento organizacional

FoNtE: NoNaKa; taKEuCHI (1997, p. 82).

o estudo dos professores Nonaka e takeuchi (1997) evidencia cinco condições necessárias à facilitação da criação do conhecimento organizacional, que devem ser proporcionadas pela organização. São elas: intenção, autonomia, caos criativo, redundância e variedade de requisitos.

a intenção é o que direciona a espiral do conhecimento, traduzindo-se nas estratégias da organização voltadas para a exploração dos conhecimentos, tácito e explícito, gerados ou adquiridos em seu ambiente. Identifica qual o conceito do conhecimento organizacional que será utilizado em todos os níveis de sua estrutura hierárquica. Como exemplo, pode-se ter uma universidade que adote o conceito da formação de profissionais voltados para o desenvolvimento de tecnologias avançadas como um sistema de conhecimento.

a autonomia individual e grupal para o desenvolvimento do conhecimento, dentro dos diversos níveis hierárquicos, propicia a motivação e a criatividade. Este conceito sugere uma “auto-organização”, propiciando aos membros da organização maior mobilidade dentro da estrutura organizacional. tal situação é configurada na formação de equipes de trabalho multifuncionais, multidisciplinares e flexíveis, altamente favorável à socialização dos conhecimentos organizacionais.

para os autores, situações de instabilidade nos ambientes interno e externo da organização inibem a acomodação de seus membros no exercício da criatividade. a isso denominam de “caos criativo”. (NoNaKa, taKEuCHI, 1997) “o momento de tensão desempenha um papel vital na solução criativa de problemas”. (SVEIbY, 1998, p. 94)

outra condição facilitadora da criação do conhecimento organizacional é a redundância, a qual não é bem aceita pelos gerentes ocidentais, que buscam a eficiência no processamento de informações, evitando-se possíveis desperdícios ou superposição de informações. porém, os autores defendem que a superposição de informações de forma intencional permite que um conceito seja mais bem assimilado pelos membros da organização, visto que num primeiro

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momento essas informações podem ser menosprezadas. também, esse processo pode ser desempenhado por grupos diferentes, os quais, trabalhando com as mesmas informações, podem gerar diferentes e múltiplos conhecimentos.

Quanto à variedade de requisitos, os autores referem-se ao amplo e rápido acesso à máxima quantidade de informações por parte dos membros da organização, padronizadas em bancos de dados e redes de informações.

o modelo de criação do conhecimento organizacional desses autores japoneses sustenta o uso de uma “estrutura não-hierárquica e auto-organizada funcionando em conjunto com sua estrutura hierárquica formal”, (NoNaKa; taKEuCHI, 1997, p. 192-193) denominada de estrutura hipertexto. Essa estrutura organizacional compreende o esqueleto burocrático, auxiliado por equipes de força-tarefa, analogamente a um portal de internet com suas respectivas subpastas (links de acesso). a estrutura hipertexto permite o desenvolvimento do conhecimento no sistema de negócios da organização (burocracia), nas equipes de projeto de desenvolvimento de produtos e processos, e na base de conhecimento, onde os conhecimentos gerados nas duas primeiras estruturas são recategorizados e recontextualizados.

outra especificidade apontada é o processo gerencial adotado pelas empresas japonesas estudadas pelos autores, o modelo middle-up-down, que enfatiza o papel do gerente de nível médio, como operadores da interface entre a cúpula estratégica e a base da organização. No modelo middle-up-down, a alta gerência cria uma visão ou sonho, enquanto a gerência de nível médio desenvolve conceitos mais concretos que os funcionários da linha de frente possam compreender e implementar.

Finalmente, diante dos elementos já apresentados, os referidos autores descrevem um processo de criação do conhecimento em cinco fases: (1) compartilhamento do conhecimento tácito; (2) criação de conceitos; (3) justificação de conceitos; (4) construção de um arquétipo; e (5) difusão interativa do conhecimento (figura 3).

FIGURA 3 - Modelo de cinco fases do processo de criação do conhecimento

FoNtE: NoNaKa; taKEuCHI (1997, p. 96).

1. Compartilhamento do conhecimento tácito - É semelhante à socialização e amplifica o conhecimento tácito das pessoas dentro da organização. É importante recordar

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que o conhecimento tácito não é facilmente transmitido pela linguagem, daí a importância desse ambiente de interação (trabalho em equipe), onde as pessoas compartilham emoções, sentimentos, e modelos mentais, por meio de diálogos pessoais.

2. Criação de conceitos - Nessa fase, por meio do compartilhamento dos modelos mentais tácitos, explicitados em linguagem falada e escrita, a equipe atinge a externalização, com a formação de um conceito para o novo conhecimento explícito. Este conceito a ser perseguido é geralmente expresso em metáforas e analogias, tais como: “o carro do ano”; “serviços de maior qualidade” etc.

3. Justificação de conceitos - partindo da definição de que o conhecimento é uma crença verdadeira justificada, os novos conceitos criados passam a ser testados para justificar sua viabilidade diante da intenção organizacional. a aceitação dos novos conhecimentos é avaliada quanto aos critérios condizentes à área de atuação da empresa. No caso das empresas de negócio, estes critérios são: custo, lucro, demanda, etc.

4. Construção de um arquétipo - Justificado o conceito, é então produzido o conhecimento tangível, o objeto, tido como um arquétipo. a construção de um arquétipo se dá pela combinação do conhecimento explícito recém-criado com o conhecimento explícito preexistente. aqui temos as novas tecnologias, processos, maquetes etc.

5. difusão interativa do conhecimento - a quinta e última fase é a que dá início a um novo ciclo da criação do conhecimento organizacional, tornando-se esse um processo contínuo. tendo sido criado e justificado, o novo conceito foi posto em um arquétipo, que agora é difundido na organização e fora dela como um novo conhecimento. Este novo conhecimento atinge diferentes níveis hierárquicos da organização influenciando, inclusive, a cultura organizacional, podendo repercutir em novos conceitos organizacionais.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

delineados os conceitos elementares ao estudo da Gestão do conhecimento, bem como as premissas apresentadas pelos professores Nonaka e takeuchi sobre a criação do conhecimento organizacional, torna-se oportuna a análise de como as organizações públicas operam seus processos de criação do conhecimento, pois, se “a função das organizações é tornar produtivos os conhecimentos”, (dRuCKER, 1999, p. 34) maior ainda é essa responsabilidade no setor público por se tratar dos interesses da coletividade.

a identificação do processo de criação do conhecimento foi realizada por meio de um estudo exploratório, com a descrição dos fatos e dos comportamentos admitidos dentro da organização ao longo dos anos, em comparação ao modelo adotado por Nonaka e takeuchi, (1997) denominado processo de Criação do Conhecimento organizacional, o qual foi apresentado anteriormente. para tanto, optou-se pela reprodução dos fatos e das relações gerenciais no ambiente organizacional do programa de pós-Graduação em Genética e Melhoramento (pGM) da universidade Estadual de Maringá (uEM).

a abordagem foi feita por meio da realização de pesquisas documentais e da análise comportamental das equipes de trabalho. a coleta de dados abrange desde a criação do pGM (outubro de 2002) até a fase de conclusão desta pesquisa (dezembro de 2008). Foram consultados diversos tipos de documentos da secretaria do programa de pós-graduação, tais como memorandos, relatórios de atividades e atas de reuniões. o comportamento das equipes de trabalho localizadas na secretaria e nos laboratórios que compõem o pGM foi analisado por meio da observação de ocorrências contextualizadas pelos participantes das equipes.

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o trabalho descreve a ocorrência da espiral do conhecimento no pGM, com a criação do conhecimento tácito dos funcionários e dos professores e sua interação com o conhecimento explícito. também é retratada a propagação da espiral do conhecimento nos ambientes interno e externo, atingindo-se até o conhecimento organizacional do pGM.

o estudo focaliza a geração do conhecimento em duas esferas diferentes. Na primeira a criação do conhecimento se dá nos grupos de pesquisa, onde ocorrem as atividades diretamente relacionadas ao ensino e à pesquisa, os quais situam-se em alguns dos laboratórios dos departamentos acadêmicos que compõem o pGM. a segunda esfera refere-se ao setor administrativo do órgão, onde está localizada a gerência do programa - na pessoa da Coordenadora e do Colegiado - e a sua secretaria, responsável pelo suporte às ações de ensino e de pesquisa realizado por meio dos procedimentos burocráticos.

4 ESTUDO DO CASO

a universidade Estadual de Maringá está localizada no Noroeste do paraná, região com mais de dois milhões de habitantes. Está organizada nos campi de Maringá, umuarama, Cianorte, Goioerê, diamante do Norte e Cidade Gaúcha. Foi criada em 1970 e obteve seu reconhecimento em 1976. No final da década de 80, foram implantados os dois primeiros cursos de mestrado. atualmente, oferece 52 cursos de graduação, 93 de especialização, 28 de mestrado e 12 de doutorado. possui 22.948 alunos, sendo seu corpo técnico-profissional composto de 2.964 docentes e 5.350 funcionários. (uNIVERSIdadE EStadual dE MaRINGá, 2009)

É a primeira entre as universidades do paraná, pela avaliação do Ministério da Educação, e está entre as 20 instituições com maior produção científica e tecnológica do país, com aproximadamente 700 projetos de pesquisa em andamento, 1.100 pesquisadores e 318 grupos de pesquisa cadastrados no Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e tecnológico (CNpq). Com 93% dos docentes trabalhando em tempo integral e dedicação exclusiva, desponta na graduação, na pós-graduação e nas parcerias com prefeituras, empresas dos setores público e privado. (uNIVERSIdadE EStadual dE MaRINGá, 2009)

a administração da universidade é pautada numa estrutura burocrática funcional, comum à grande maioria das universidades públicas brasileiras, que é liderada pelos Conselhos Superiores (órgão deliberativo), tendo a figura do reitor como autoridade executiva, que é servido por um staff administrativo de cinco pró-Reitorias e três assessorias. a universidade Estadual de Maringá possui sete Centros de Ensino, subordinados aos Conselhos Superiores. Em nível hierarquicamente inferior a esses centros encontram-se os departamentos acadêmicos distribuídos nas diferentes áreas de conhecimento, que gozam de autonomia para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão, bem como para o exercício das atividades administrativas, do planejamento e da execução orçamentária, dentro de seus limites financeiros e obedecida a legislação vigente.

Concomitante a essa estrutura organizacional (administrativa) funciona outra hierarquia de autoridade: a estrutura acadêmica. Essa tem na base os Colegiados de Curso, ligados aos Conselhos Interdepartamentais (Colegiados dos Centros de Ensino), que, por sua vez, estão subordinados aos Conselhos Superiores.

Nesta segunda estrutura está localizado o programa de pós-Graduação em Genética e Melhoramento (pGM), que não aparece como órgão de execução, pois tem o status de colegiado. Não obstante, possui uma coordenação, que se serve de uma secretaria própria para o exercício de sua autonomia no gerenciamento das atividades de ensino e de pesquisa ligadas ao programa, dispondo inclusive de orçamento específico.

o pGM foi criado em outubro de 2002 envolvendo professores do departamento de agronomia e do departamento de biologia Celular e Genética. o programa oferece os

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Cursos de Mestrado e de doutorado (implantado em 2005), com área de Concentração em Genética e Melhoramento. o pGM é recomendado pelo Ministério da Educação, por meio da Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior (Capes), com Conceito 5, conforme a avaliação do triênio 2004-2006.

o objetivo é a formação de pesquisadores capazes de atender à demanda de profissionais da área da Genética e de Melhoramento, especificamente no campo das Ciências agrárias; e a titulação de docentes para atender à demanda dos cursos de agronomia e de biologia, contribuindo no desenvolvimento de novas tecnologias, de modo a incrementar o potencial produtivo e a capacidade competitiva da agropecuária paranaense e brasileira. assim, utiliza- -se de modernas metodologias de avaliação em diversos setores da genética e da biotecnologia aplicadas ao melhoramento genético.

Sua comunidade é formada por 18 docentes, 72 alunos dos cursos de mestrado e de doutorado e dois funcionários da secretaria, contando ainda com o envolvimento de outras pessoas inseridas indiretamente na equipe. os pesquisadores possuem alto nível de especialização, sendo todos doutores, dentre os quais alguns pós-doutores. a maioria destes possui reconhecimento nacional e/ou internacional. diferentes laboratórios de ensino e de pesquisa encontram-se interligados em uma estrutura organizacional com características do tipo “adhocracia”, ou seja, ambiente complexo e dinâmico e tecnologia sofisticada que exige a união de profissionais de diferentes especialidades, cuja coordenação se dá pela comunicação informal, dado à importância de sua base operacional. Caracterizada por seus instrumentos de interligação, estrutura orgânica, descentralização seletiva horizontal, especialização do trabalho, treinamento e agrupamento concorrentemente funcional e por produto. (MINtZbERG, 1995)

o programa se divide em quatro grandes áreas disciplinares, denominadas de “linhas de pesquisa”: Genética Vegetal, Genética Quantitativa e Melhoramento Vegetal, Genética Molecular e de Microorganismos, e Genética animal. a orientação didático-pedagógica é exercida pela Capes/MEC, que coordena o Sistema Nacional de pós-Graduação, disciplinando sobre o funcionamento dos programas de pós-graduação no brasil. Cada uma dessas linhas de pesquisa congrega diferentes Grupos de pesquisa, que obedecem à orientação do Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e tecnológico (CNpq) - órgão do Ministério da Ciência e tecnologia - quanto à política nacional para o desenvolvimento científico e tecnológico. a figura 4 apresenta o estabelecimento dos 10 Grupos de pesquisa dentro da estrutura organizacional que envolve o pGM: Melhoramento Genético Vegetal e biotecnologia (Gp 1); Fitotecnia (Gp 2); Núcleo de pesquisa aplicada a agricultura (Gp 3); Marcadores bioquímicos e Moleculares para Caracterizar a diversidade Genética em plantas (Gp 4); Citogenética Vegetal (Gp 5); Citogenética e Genética Molecular de peixes (Gp 6); Estrutura e Função de Genes e Genomas (Gp 7); Mutagênese e Reparo do dNa e Controle da Expressão Gênica em Microrganismos (Gp 8); biologia de Insetos (Gp 9); e polinização, produção apícola e Comportamento de Insetos Sociais. (Gp 10)

os Grupos de pesquisa têm os docentes como líderes e principais especialistas, contando também com a participação de alunos e funcionários de níveis superior e médio. destaca-se o poder hierárquico que exercem os departamentos acadêmicos sob os docentes e técnicos, enquanto a atuação destes no programa de pós-Graduação é exercida na forma de cooperação dentro de sua linha de pesquisa.

a partir de experimentos e práticas laboratoriais, os grupos desenvolvem as pesquisas que abrigam o treinamento de alunos no desenvolvimento científico, que culminarão em dissertações, teses e artigos científicos. Vários projetos são executados concomitantemente pela equipe em um mesmo ambiente (laboratório ou campo experimental).

Em paralelo ao desenvolvimento do organograma apresentado existem os laboratórios de pesquisa, representando a parte física dos departamentos acadêmicos, onde de fato são realizadas pesquisas e ministradas aulas práticas. os Grupos de pesquisa são compostos por docentes de um ou mais laboratórios de pesquisa.

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FIGURA 4. Estrutura organizacional da Universidade Estadual de Maringá, compreendendo o Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento

a secretaria do pGM realiza as tarefas administrativas de suporte a execução das atividades de pesquisa e de ensino, bem como apoio ao gerenciamento do programa, interagindo com o ambiente interno e externo.

É nesse contexto organizacional que o pGM desenvolve a formação do seu conhecimento organizacional. as interações entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito fazem parte do cotidiano das relações existentes entre alunos, professores, funcionários e o seu ambiente externo. os modos de conversão do conhecimento são facilmente identificados.

No trabalho desempenhado pelos funcionários da secretaria do pGM a socialização acontece com a constante troca de conhecimento tácito entre estes, seja na delegação de tarefas, ou então no ensino/aprendizado de novas tarefas. Cada um dos funcionários vale-se de sua experiência profissional e de suas habilidades técnicas. Quando um funcionário não consegue obter certos recursos do editor de texto de seu computador, por exemplo, recorre à experiência de seu companheiro para solucionar o problema.

Entre os Grupos de pesquisa a prática mais comum dessa interação são os diálogos que ocorrem entre docentes e alunos, orientador e orientando, na troca de experiências em busca de soluções para avanço no desenvolvimento dos experimentos de pesquisa. No laboratório de biotecnologia de Feijão, pela manhã de cada sexta-feira é realizada uma sessão de brainstorming, onde professores e alunos ligados ao laboratório discutem o andamento de suas pesquisas, com destaque aos principais problemas e descobertas recentes.

a interação entre os alunos também é feita durante as aulas de seminário, onde são apresentados os objetivos e as metodologias a serem aplicadas em suas pesquisas. Embora haja o predomínio do conhecimento codificado, as apresentações e discussões contêm muitos insights decorrentes do processo de aprendizado.

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Em nível estratégico, a socialização está presente nas discussões que ocorrem nas reuniões do Colegiado do pGM, que é composto por seis docentes representantes das linhas de pesquisa e por um aluno. apoiados em suas experiências pessoais e na perseguição dos objetivos do programa, os conselheiros deliberam sobre as demandas ocorridas.

Vale salientar que, para o sucesso na realização de alguns experimentos, os pesquisadores (docentes e alunos) recorrem ao capital intelectual dos funcionários de nível médio e dos produtores rurais na aplicação de práticas de cultivo. É o aproveitamento do conhecimento tácito produzido sem ou uso de tecnologia de ponta.

para o desenvolvimento desse estudo de caso, a externalização do conhecimento é definida como o surgimento de “uma nova ideia” a partir dos conhecimentos tácitos socializados. No pGM as novas ideias surgem quando são apresentadas aos funcionários da secretaria novas demandas de seus clientes. Nesse momento, por meio da socialização, eles passam a idealizar soluções a serem engendradas.

um dos acontecimentos recentes que contextualiza a externalização foi o pleito de um candidato estrangeiro a uma vaga no curso de mestrado. a partir de seu país de origem, Moçambique, o candidato emitiu consulta on-line sobre a possibilidade de sua aceitação no pGM. a resposta oficial deveria ser emitida em poucos dias, pois o candidato ao programa de Intercâmbio Internacional se inscreveu, erroneamente, para uma vaga no curso de mestrado de uma universidade no Rio de Janeiro, para a qual foi selecionado e teria que corrigir o erro num prazo exíguo, provocando a revisão do processo pelos órgãos governamentais dos dois países (Moçambique e brasil). os funcionários da secretaria não sabiam se haveria disponibilidade de professor orientador na área pretendida e se o curriculum vitae do candidato seria aceito pelo eventual orientador. além do mais, o número de vagas para novos alunos disponíveis para o ano já havia sido preenchido. também não sabiam qual seria a opinião do Coordenador do programa sobre a aceitação do novo aluno. outro problema grave seria a distância da localização do candidato para o envio do documento oficial. de posse desses problemas, os funcionários discutiram a situação com base nos casos anteriores de ingresso de alunos estrangeiros e em suas concepções sobre a necessidade de abertura de uma nova vaga no curso de mestrado, sob o ponto de vista da Coordenação, do Colegiado do pGM e do Conselho Interdepartamental do Centro de Ciências agrárias. o que motivou os funcionários a uma rápida ação foi a sua conscientização sobre os reflexos positivos que incidiriam sobre o programa com o ingresso de um novo estudante estrangeiro. assim, os funcionários conseguiram formular a ideia (conhecimento conceitual) de que “deveriam trabalhar pela aceitação e o ingresso do novo estudante estrangeiro”.

a externalização também ocorre no dia a dia dos Grupos de pesquisa após a socialização dos conhecimentos, quando docentes e alunos definem uma hipótese para a solução dos problemas analisados em uma pesquisa.

Na esfera gerencial, a externalização é identificada a partir das decisões tomadas pelo Colegiado do pGM, por meio da socialização dos conhecimentos de seus membros. Essas decisões formulam os conceitos que são transmitidos à secretaria e aos Grupos de pesquisa, que assim orientam suas ações. É o caso do exemplo acima, onde os funcionários decidiram trabalhar pela aceitação e pelo ingresso do aluno estrangeiro motivados por um conceito já chancelado pela cúpula do programa.

Na combinação tem-se a “ideia” colocada em prática na forma de um modelo construído a partir da combinação dos conhecimentos explícitos disponíveis. dando-se prosseguimento à descrição do fato ocorrido na secretaria do pGM, após a formação do conceito de que “deveriam trabalhar pela aceitação e o ingresso do novo estudante estrangeiro”, os funcionários decidiram comunicar à Coordenação sobre o e-mail recebido, da qual colheram uma decisão favorável à expedição da carta de aceite ao referido candidato, mesmo sem a definição de qual docente iria exercer a orientação do aluno. a coordenadora ainda decidiu pela aprovação ad referendum da proposta de abertura da nova vaga e do ingresso do aluno. Sob essa deliberação,

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a secretária em exercício expediu a carta de aceitação nos moldes de outras cartas expedidas em anos anteriores, remetendo-a via e-mail como cópia em arquivo digitalizado e ao mesmo tempo via correio postal em regime de urgência. posteriormente, submeteu-se um pedido de abertura de nova vaga à apreciação do Colegiado do pGM e sucessivamente do Conselho Interdepartamental do Centro de Ciências agrárias. Combinadas essas ações gerou-se um novo conhecimento sobre “como viabilizar em regime de urgência o ingresso de um aluno estrangeiro no curso de mestrado”.

os docentes e os alunos do pGM também realizam a combinação de seus conhecimentos explícitos. ao projetarem e desenvolverem seus experimentos buscando a validação de suas hipóteses, geram novas tecnologias, novas informações e novos processos. Esses resultados são padronizados em papers para comunicação em congressos, em teses, dissertações e em artigos científicos publicados em revistas científicas nacionais e estrangeiras.

docentes e alunos também processam a combinação do conhecimento ao ministrarem aulas e palestras, as quais requerem preparação, momento em que os conhecimentos explícitos são reunidos e combinam num novo conhecimento explícito apresentado aos seus expectadores.

o Colegiado do pGM, ao tornar públicas as suas decisões, realiza a combinação dos seus conhecimentos explícitos em um novo conhecimento explícito. tais decisões reúnem grande número de informações idealizadas a partir dos conhecimentos socializados pelos membros do Colegiado, que passam a formar um modelo de comportamento das ações dos membros do pGM.

o modo de internalização do conhecimento também pode ser visto nessas três esferas da estrutura organizacional do pGM. aqui a ideia é divulgada e passa a ser incorporada pelos elementos que compõem o programa.

É como no caso ocorrido na secretaria, onde o conhecimento gerado sobre “como viabilizar em regime de urgência o ingresso de um aluno estrangeiro no curso de mestrado”, foi inculturado pelos funcionários. da mesma forma, futuros funcionários saberão como proceder diante de situação similar, supondo-se o registro e a disponibilidade das informações produzidas (conhecimento organizacional). Reanalisando-se o caso apresentado, pode-se perceber que logo no início os funcionários já trabalharam com os conhecimentos operacionais existentes, ou seja, formaram seus conhecimentos tácitos a partir dos conhecimentos explícitos. Foi assim que eles focalizaram os casos anteriores de ingresso de alunos estrangeiros e os tomaram como base na formação do novo conhecimento conceitual.

dentro dos Grupos de pesquisa o aprendizado é promovido pelas sessões de brainstorming, pelos seminários, pelas participações em congressos e pelas aulas assistidas. docentes e alunos passam a gozar de novos conhecimentos explícitos em sua prática do dia a dia. o uso de novas metodologias descritas em papers transforma-se em um ato corriqueiro de sua atuação no laboratório. tanto que se perguntarem para o pesquisador em que escala ele está pipetando (transferência de líquidos em microvolume com o uso de pipetador) um reagente, geralmente ele interrompe para pensar naquilo que ele está fazendo quase instintivamente, ainda que a atividade esteja baseada em uma metodologia desenvolvida cientificamente. o processo passa a ser multiplicado e produzido em série, pois aquele conhecimento já foi justificado.

Nos Grupos de pesquisa, costuma-se dizer que a cada novo trabalho de pesquisa concluído surgem “n” novas ideias. Elas surgem muitas vezes diante da construção de uma analogia sobre a aplicação da metodologia, há pouco utilizada com sucesso, em outro problema em estudo, ou então sob outras diferentes situações.

No nível estratégico a internalização acontece no momento em que docentes, alunos e funcionários acatam as decisões notificadas pelo Colegiado, implicando mudanças de atitudes que configurarão na cultura organizacional do pGM.

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Com o apoio da descrição desse caso sobre a formação do conhecimento (Compartilhado, Conceitual, Sistêmico e operacional), pode-se então visualizar a ocorrência da espiral do conhecimento no pGM. É importante lembrar que a espiral também se desloca na dimensão ontológica, ou seja, entre os diferentes níveis do programa. a estratégia definida em receber alunos estrangeiros para galgar melhores índices de avaliação na pós-graduação nacional, partiu do conhecimento produzido pelo Colegiado (cúpula estratégica) e atingiu a secretaria (base operacional) como orientação na elaboração dos procedimentos para viabilizar em regime de urgência o ingresso de alunos estrangeiros. os conhecimentos produzidos pelos membros de um determinado Grupo de pesquisa são disseminados entre outros grupos, ou mesmo na comunidade científica (externa ao pGM), provocando uma nova espiral do conhecimento.

o processo de criação do conhecimento no pGM pode ser desenhado sob o modelo de cinco fases proposto por Nonaka e takeuchi. (1997) três exemplos foram extraídos como ilustração, sendo apresentados nos quadros de 1 a 3. o primeiro exemplo elenca as fases da criação do conhecimento desenvolvido na secretaria de “como viabilizar em regime de urgência o ingresso de um aluno estrangeiro no curso de mestrado”. No segundo exemplo são demonstradas as fases em que ocorre a criação do conhecimento sobre genética e melhoramento nos Grupos de pesquisa. E no terceiro exemplo são agregadas as fases de criação do conhecimento na cúpula estratégica do pGM.

analisando-se o desdobramento do processo de criação do conhecimento no pGM, sob essas três diferentes esferas apresentadas, torna-se possível tecer algumas considerações, à luz do estudo proposto por Nonaka e takeuchi.

QUADRO 1 - As cinco fases da criação do conhecimento na secretaria do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de Maringá

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QUADRO 2 - As cinco fases da criação do conhecimento nos Grupos de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de Maringá

QUADRO 3 - As cinco fases da criação do conhecimento na cúpula estratégica do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de Maringá

a interação entre os conhecimentos tácito e explícito ocorre com muita intensidade e clareza, dado às atividades de investigação científica e de ensino que são realizadas na organização, o que a incita à busca de novos conhecimentos. Essa característica é firmada pelo

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alto nível de formação cultural e profissional de seus colaboradores (docentes, funcionários e alunos).

Como consequência, a formulação dos quatro tipos de conhecimento (compartilhado, conceitual, sistêmico e operacional) propostos pelos autores é também facilmente identificada. deve ser destacado o importante papel do conhecimento conceitual gerado pelo Colegiado do programa, que orienta as ações de cada linha de pesquisa, com vistas ao alcance de um patamar de excelência no Sistema Nacional de pós-Graduação, no tocante à área de Ciências agrárias. Isto faz com que os Grupos de pesquisa sintam-se desafiados a manter seus altos níveis de produtividade intelectual, configurados na produção bibliográfica e na titulação de alunos de mestrado e de doutorado.

Não se identifica a aplicação de metáforas no processo de produção do conhecimento, direcionado ao conhecimento conceitual. a linguagem figurada somente aparece no uso de analogias, quase sempre aplicadas nos Grupos de pesquisa ao elaborarem projetos com técnicas semelhantes a outras já desenvolvidas. Neste caso, a técnica antiga serve como analogia. a redundância é prática comum nos laboratórios, permitindo que o conhecimento seja assimilado também por novos participantes, além de solidificar os conhecimentos conceituais.

Nesse cenário situam-se outras duas condições capacitadoras da criação do conhecimento organizacional elencadas por Nonaka e takeuchi (1997): a intenção e o caos criativo. a intenção está estampada no esforço conjunto da Coordenação e do Colegiado em manter o pGM em posição de destaque no círculo da pós-graduação no Estado do paraná. Isto é cooptado pelos demais docentes, que buscam junto aos seus alunos a realização de uma produção intelectual de elevado nível quantitativo e qualitativo, em comparação com os perfis exigidos no grau de excelência pela avaliação realizada pela Capes. Como conseqüência, os esforços necessários ao alcance desse fim são muito grandes, gerando um stress saudável, equilibrado, ao desempenho dos Grupos de pesquisa, configurando o caos criativo.

torna-se importante salientar que, embora a universidade Estadual de Maringá não tenha sido objeto desse estudo, a falta de definição de políticas internas (intenção) voltadas ao avanço expressivo da qualidade de sua pós-graduação, prejudica o melhor desempenho do pGM, com consequências à criação do seu conhecimento organizacional.

por outro lado, a tradição da universidade brasileira, onde se inclui a uEM, traz a autonomia como forte elemento de desenvolvimento. Enquanto condição capacitadora, a autonomia é imponente motivadora dos docentes e dos Grupos de pesquisa para a criação do conhecimento, permitindo o intenso uso da criatividade.

Esta constatação está evidenciada no tipo de estrutura organizacional da uEM e de seus programas de pós-graduação, denominada neste estudo de adhocracia, onde os docentes mesmo estando lotados nos departamentos acadêmicos gozam de perfeita liberdade - respeitada a autoridade hierárquica - para atuarem nos programas de pós-graduação. a aglutinação desses pesquisadores em torno do pGM não demonstra ser causa de conflitos com as chefias dos departamentos acadêmicos. percebe-se que a participação no programa de pós-graduação é um elemento de estímulo à estabilidade do ambiente interno dos departamentos acadêmi-cos. de outra forma, seria possível a existência de tensões em torno da demanda por aulas a serem ministradas somente nos cursos de graduação.

o modelo não é exatamente a estrutura hipertexto defendida pelos autores, porém possui características próximas, como o esqueleto burocrático servido por equipes de força-tarefa. porém, as equipes do pGM não possuem a mesma flexibilidade proposta no modelo dinâmico de criação do conhecimento, sugerindo que a distinção esteja justamente na finalidade da criação do mesmo, pois a universidade “visa melhorar o conhecimento e não resolver problemas”. (RodRIGuES, 2001, p. 97) as empresas japonesas possuíam uma estrutura voltada para a criação do conhecimento, visando o desenvolvimento de

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novos produtos em tempo recorde. Já no pGM o desenvolvimento de produtos passa por um meticuloso processo de formação do conhecimento, como no caso da formação de pesquisadores e do desenvolvimento de novas teorias. Isso conduz ao raciocínio de que na criação do conhecimento no pGM não se trata adequadamente de um modelo dinâmico.

por fim, o papel da Coordenação (gerência) do pGM encontra-se próximo do estilo adotado pelas empresas japonesas de criação do conhecimento, o modelo middle-up-down. atuando como uma gerente de nível médio, a Coordenadora tem importante função na interação entre os escalões hierárquicos superiores e sua base organizacional, localizada nos Grupos de pesquisa. Junto ao Colegiado, a Coordenação é o elemento-chave para o desenvolvimento do conhecimento conceitual, conforme demonstrou esse estudo de caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONTRIBUIÇÕES

o relevante papel do conhecimento na produtividade das organizações públicas e privadas é incontestável. o bom aproveitamento desse novo “bem de capital” depende da capacidade de cada organização em promover sua multiplicação no prazo mais curto possível.

Este estudo buscou propiciar uma visão do ambiente favorável à criação e ao bom aproveitamento do conhecimento no contexto das organizações públicas. Espera-se que os gestores públicos atentem aos requisitos necessários a sua atuação nessa nova “era do conhecimento”.

diante dos exemplos aqui apresentados é possível a constatação de que tanto no pGM, como em qualquer outro órgão do setor público, é patente e espontâneo o desdobramento do processo de formação do conhecimento organizacional. Entretanto, cabe a observação de que a otimização desse processo pode e deve ser estimulada para que se estabeleça um ótimo nível na prestação de serviços públicos.

o uso indiscriminado das metodologias de Gestão do Conhecimento, sobretudo aquelas que visam exclusivamente à aplicação das novas tecnologias da informação, não é a solução ideal para os problemas das organizações públicas. Faz-se necessária a visualização da situação organizacional por completo para se compreender onde e como estimular o conhecimento das pessoas e da organização. o modelo dinâmico da criação do conhecimento oferecido pelos professores Nonaka e takeuchi se revelou numa ótima metodologia para promover tal percepção.

o estudo sobre a espiral do conhecimento suscitou as seguintes reflexões:

• a interação entre os conhecimentos tácitos e explícitos, nos quatro formatosapresentados (socialização, externalização, combinação e internalização) deve ser promovida de forma intensa na organização, utilizando-se dos vários elementos aqui abordados;

• a “redundância”, enquanto releiturado capitalde conhecimentos, éútil à cria-ção de novos conhecimentos e deve ser praticada principalmente em sessões de brainstorming;

• o “conhecimento conceitual” tem valor relevante por exibir com clareza comoa empresa pública pretende desenvolver suas inovações, orientando os seus participantes no exercício de sua criatividade e na aplicação dos seus conhecimentos tácitos;

• metáforaseanalogiassãoexcelentesferramentasparaailustraçãodoconhecimentoconceitual, pois favorecem à percepção das pessoas, induzindo os elementos das equipes de trabalho ao desenvolvimento de um novo conhecimento. Entretanto,

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são métodos pouco utilizados no ocidente e mais raramente identificados no setor público. os casos de analogias utilizadas no pGM se apresentam como uma exceção;

• o “caos criativo” deve ser promovido como estímulo à criatividade e à criaçãodo conhecimento. Ele não deve ser compreendido como desordem no ambiente organizacional. por outro lado, tranquilidade em excesso provoca a acomodação na criatividade das pessoas;

• a definição de estratégias organizacionais direcionadas é requisito para o bomdesempenho do processo de criação do conhecimento, como forma de garantir “intenção” e a “autonomia”, duas das condições facilitadoras desse processo;

• aadequaçãodaestruturaorganizacional,deformaquegarantaaautonomiaeapossibilidade de atuação de equipes (força-tarefa), é preponderante ao sucesso na criação do conhecimento organizacional;

• a estrutura organizacional do PGM, definida como uma adhocracia, denota a autonomia exercida pelos seus docentes e também revela que o seu processo de criação do conhecimento não possui a agilidade, característica fundamental do modelo dinâmico de criação do conhecimento;

• na criaçãodo conhecimento é importanteopapeldos gerentesdenívelmédio(chefes imediatos), como elemento de ligação (gestor) entre a intenção da estratégia organizacional e a percepção da base operacional.

Este estudo partiu da reflexão sobre o vulnerável uso das ferramentas de Gestão do Conhecimento no setor público e atingiu a contextualização da espiral do conhecimento, como um modelo subsidiário à reflexão dos comportamentos e das ações que se exigem do gestor público na era do conhecimento. por onde prosseguir? Fomentar um clima organizacional direcionado à inovação? ajustar as estruturas organizacionais à expansão da criatividade? Mergulhar de cabeça na convergência digital? promover a caça de talentos?

Com a palavra: o gestor público.

REFERÊNCIAS

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NoNaKa, Ikujiro; taKEuCHI, Hirotaka. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

203Capítulo 2 - CIÊNCIa, tECNoloGIa E ENSINo SupERIoR

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204 A FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO DE CASO EM UMA UNIVERSIDADE...

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