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    A FORMAO DOCIDADO PRODUTIVO A CULTURA DE MERCADONO ENSINO MDIO TCNICO

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    Presidente da Repblica Federativa do BrasilLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro da EducaoFernando Haddad

    Secretrio ExecutivoJairo Jorge

    Presidente do Instituto Nacional de Estudose Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep)

    Reynaldo Fernandes

    Diretora de Tratamento e Disseminao de Informaes Educacionais (DTDIE)Oroslinda Taranto Goulart

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    A FORMAO DO

    CIDADO PRODUTIVO A CULTURA DE MERCADONO ENSINO MDIO TCNICO

    Organizado por:Gaudncio Frigottoe Maria Ciavatta

    Braslia, Inep, 2006

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    Coordenadora-Geral de Linha Editorial e PublicaesLia Scholze

    Coordenadora de Produo EditorialRosa dos Anjos Oliveira

    Coordenadora de Programao VisualMrcia Terezinha dos Reis

    Editor Executivo Jair Santana Moraes

    RevisoMaria Helena Oliveira

    Projeto grfico, diagramao e capa (pastel raspado sobre papel)Rodrigo Murtinho

    Tiragem1.000 exemplares

    Apoio PesquisaPrograma de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal Fluminense Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq)Fundao da Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)

    EDITORIAInep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraEsplanada dos Ministrios, Bloco L, Anexo I, 4 Andar, Sala 418

    CEP 70047-900 Braslia-DF BrasilFones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]

    DISTRIBUIOInep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraEsplanada dos Ministrios, Bloco L, Anexo II, 4 Andar, Sala 414CEP 70047-900 Braslia-DF BrasilFone: (61) [email protected]://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes

    A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidos so de exclusiva responsabilidade dosautores.

    Dados Internacionais de Catalogao na Fonte (CIP)

    A formao do cidado produtivo : a cultura de mercado no ensino mdio tcnico / Organizado por: Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta. Braslia : InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira, 2006.372 p. : il.

    ISBN 85-86260-09-61. Poltica educacional Brasil. 2. Ensino mdio. 3. Cidado. I. Frigotto,Gaudncio. II. Ciavatta, Maria.

    CDU 37.014.53(81)

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    SUMRIO

    Sobre os autores........................................................................................... 8

    Apresentao................................................................................................ 11

    PARTE I | AS DCADAS DE 1980 E 1990

    Captulo 1 | Anos 1980 e 1990: a relao entre o estrutural e oconjuntural e as polticas de educao tecnolgica e profissional ............. 25Gaudncio Frigotto

    Captulo 2 | Educar o trabalhadorcidado produtivo ou o ser humano emancipado? ....................................... 55Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta

    Captulo 3 | O estado-da-arte das polticasde expanso do ensino mdio tcnico nos anos 1980e de fragmentao da educao profissional nos anos 1990 .......................... 71Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta

    Captulo 4 | A produo capitalista, trabalhoe educao: um balano da discusso nos anos 1980 e 1990 ...................... 97Eunice Trein e Maria Ciavatta

    Captulo 5 | Estudos comparadossobre formao profissional e tcnica ...........................................................117Maria Ciavatta

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    PARTE II| A DCADA DE 1980

    Captulo 1 | Programa de melhoria eexpanso do ensino tcnico: expresso deum conflito de concepes de educao tecnolgica ................................. 139Gaudncio Frigotto, Maria Ciavatta Franco e Ana Lucia Magalhes

    Captulo 2 | Formao profissional e mercadode trabalho: o ensino de segundo grau e aprofissionalizao em questo na dcada de 1980 .......................................151Ramon de Oliveira

    Captulo 3 | Tempo da Constituinte: a educao dostrabalhadores frente s mudanas e inovaes tecnolgicas ...................... 165Francisco Jos da Silveira Lobo Neto

    PARTE III| A DCADA DE 1990

    Captulo 1 | Incio dos anos 1990: reestruturaoprodutiva, reforma do estado e do sistema educacional..............................187 Jailson dos Santos

    Captulo 2 | Reestruturao produtiva, reformado estado e formao profissional no incio dos anos 1990..........................201Laura Souza Fonseca

    Captulo 3 | Dcada de 1990:a reestruturao produtiva e a educao do trabalhador ...........................221Anita Handfas

    Captulo 4 | A nova cultura do trabalho:subjetividades e novas identidades dos trabalhadores ................................ 237Vera Corra

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    Captulo 5 | A reforma do ensinomdio tcnico: concepes, polticas e legislao .......................................259Antonio Fernando Vieira Ney

    Captulo 6 | A reforma do ensinomdio tcnico nas instituies federaisde educao tecnolgica: da legislao aos fatos ........................................283Marise N. Ramos

    Captulo 7 | Do discurso imagem Fragmentos da histria fotogrfica dareforma do Ensino Mdio Tcnico no CEFET Qumica..............................311Maria Ciavatta e Ana Margarida Campello

    Captulo 8 | Os embates da Reforma doEnsino Tcnico: resistncia, adeso e consentimento.................................343Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta

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    SOBRE OS AUTORES

    Gaudncio FrigottoDoutor em Educao (PUC- So Paulo), Professor Titular Associado no

    Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal Fluminensee Professor Visitante na Faculdade de Educao da Universidade do Estadodo Rio de Janeiro. e-mail: [email protected]

    Maria CiavattaDoutora em Cincias Humanas (Educao, PUC-RJ), Professora TitularAssociada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da UniversidadeFederal Fluminense. e-mail: [email protected]

    Ana Lcia MagalhesMestre em Educao, ex-Professora Assistente da Faculdade de Educao daUniversidade Federal Fluminense.

    Ana Margarida CampelloDoutora em Educao (UFF), Pesquisadora Visitante da Escola Politcnica deSade Joaquim Venncio/Fiocruz.

    Anita HandfasDoutoranda em Educao na Universidade Federal Fluminense, ProfessoraAssistente da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Antonio Fernando NeyDoutorando em Educao da Universidade Federal Fluminense, Chefe doDepartamento de Capacitao e Treinamento do Arsenal da Marinha do Riode Janeiro.

    Eunice TreinDoutora em Educao (UFRJ), Professora Adjunta da Faculdade de Educaoda Universidade Federal Fluminense.

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    Francisco Lobo NetoDoutorando em Educao da Universidade Federal Fluminense, Professor da Histria

    da Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal Fluminense.

    Jailson dos SantosDoutorando em Educao da Universidade Federal Fluminense, Professor doDepartamento de Administrao Educacional da Universidade Federal do Riode Janeiro.

    Laura Souza FonsecaDoutoranda em Educao da Universidade Federal Fluminense, Professora deEducao de Jovens e Adultos na Faculdade de Educao da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul.Marise RamosDoutora em Educao (UFF), Professora Adjunta da Universidade do Estadodo Rio de Janeiro, vice-Diretora de Ensino da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/Fiocruz.

    Ramon de OliveiraDoutor em Educao (UFF), Professor Adjunto da Universidade Federal dePernambuco.

    Vera CorraDoutora em Educao (UFF), Professora Adjunta da Faculdade de Educaoe do Programa de Mestrado em Odontologia da Universidade Estadual do Riode Janeiro.

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    APRESENTAO

    A presente coletnea de artigos tem por base o Projeto Integrado dePesquisa A formao do cidado produtivo. Da poltica de expanso do ensino

    mdio tcnico nos anos 80 fragmentao da educao profissional nos anos90: entre discursos e imagens (2001-2004), desenvolvido no Ncleo de Estudos,Documentao e Dados sobre Trabalho e Educao (NEDDATE) do Programade Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal Fluminense, comapoio do CNPq e da FAPERJ.

    Seu resultado final parte de um percurso de aproximadamente 20 anos depesquisa sobre ensino tcnico e formao profissional. Vincula-se temtica geralFormao humana e dimenses histricas da relao trabalho e educao , que define,no CNPq, o grupo de pesquisa coordenado pelos pesquisadores que tambmcoordenam o Projeto Integrado objeto desta coletnea.

    Expressa-se aqui uma continuidade de pesquisa e de acmulo deconhecimentos no campo do ensino tcnico de nvel mdio e da formaoprofissional hoje, com a nova LDB, denominado educao profissional articuladacom dois outros projetos anteriores: A relao educao e trabalho. Umacontribuio sua reconstruo histrica no pensamento educacional brasileiro(apoio INEP e CAPES) e Acompanhamento, documentao e anlise dosProgramas de Expanso e Melhoria do Ensino Tcnico (1984-1990) (apoio INEP).

    Importa, nesta breve apresentao, destacar a problemtica, a opoterico-metodolgica da anlise e a estrutura geral da coletnea.

    As mudanas de concepo e de poltica que ocorreram especialmente apartir do incio da dcada de 1990 conduziram-nos a um balano do ensino

    mdio tcnico e da educao profissional sob uma viso de totalidade social, deseu significado educativo, socioeconmico, poltico e cultural. O produto centraldo projeto e do relatrio o estado-da-arte da poltica de expanso do ensinomdio tcnico nos anos 80 fragmentao da educao profissional nos anos 90:entre discursos e imagens. O resultado, como se pode depreender desta coletnea,vai muito alm disso.

    Um conjunto de questes de natureza ampla esteve na origem da pesquisae alimentou a anlise exposta nos textos aqui apresentados: o que significa ser

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    A formao do cidado produtivo a cultura de mercado no ensino mdio tcnico

    um cidado produtivo? Quais as transformaes sociais econmicas, polticas,culturais que deram origem terminologia cidado produtivo?

    Qual o papel da educao em sua relao com o trabalho, na legitimaoda ordem social?

    Como a educao profissional tem respondido s novas demandas?Que polticas pblicas tm sido levadas adiante para responder s

    exigncias do setor produtivo?Como se caracterizam as polticas educacionais da dcada de 1980 para

    o ensino mdio tcnico e como se distinguem das polticas implementadas na

    dcada de 1990?Considerando a presena ostensiva dos organismos bilaterais na definiodessas polticas, qual o sentido de suas aes?

    Como se expressam essas aes no discurso oficial (leis, medidasprovisrias, pareceres, atos normativos) e na produo escrita e iconogrficadas instituies escolares (documentos internos, jornais, fotografias)?

    Qual a memria preservada nas instituies educativas de ensino mdioprofissional?

    Existe relao entre a memria preservada, as aes do presente e osprojetos de futuro?

    Considerando que, h aproximadamente 10 anos, o Brasil mantmgovernos democraticamente eleitos e que, pela consolidao de relaesdemocrticas em todos os nveis, parece haver consenso no pas, como seexpressa a democracia nas aes governamentais e na aceitao ou resistncias reformas do ensino tcnico, particularmente nos Centros Federais deEducao Tecnolgica CEFETs?

    Trata-se de questes que emergem das relaes e dos conflitos entre asconjunturas e a materialidade estrutural da sociedade. A complexidade daapreenso do sentido e natureza dessas mudanas amplia-se quando o tecidoestrutural da sociedade, em suas mltiplas dimenses, apresenta tenses e mudanasabruptas e profundas, sem, todavia, haver a ruptura do modo de produo.

    Assim parece ser o perodo histrico que vivemos neste incio de sculo.Com efeito, a partir, sobretudo, do final da dcada de 1980, o mundo foi palcode transformaes polticas com a crise e o colapso do socialismo real, e aemergncia da ideologia e das polticas neoliberais; mudanas socioeconmicascom a afirmao de uma nova base cientfico-tcnica do processo produtivo e

    1 Chesnais, F.A mundializao do capital, So Paulo: Scrita, 1996.

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    APRESENTAO

    a mundializao do capital (Chesnais 1996).1 Pelo monoplio da mdia, aceleram-se as mudanas no mbito cultural. Essa complexidade sobredeterminada pelacrescente desigualdade que se produz internamente, nos pases, e entre os centrosorgnicos do capital e o capitalismo perifrico (Arrighi, 1996 e 1998).2

    Esse movimento ampliado do capital, principalmente o financeiro, areestruturao produtiva e a nova organizao do trabalho, alicerados pelamicroeletrnica e pela informtica, combinam-se ideologia neoliberal para aimplementao de polticas educativas de cunho conservador, particularmentenos pases perifricos ao ncleo orgnico do capital.

    As reformas educativas impostas sociedade brasileira na dcada de1990 refletem esse contexto e a postura subserviente e associada da classedominante, e alteram profundamente o sentido das reformas pretendidas nadcada de 1980, no momento da Constituinte e da nova Constituio. Asmudanas efetivadas no ensino mdio tcnico (Rede de Escolas TcnicasFederais) no curto perodo de uma dcada, certamente podem ser tomadascomo as mais emblemticas e elucidativas de seu sentido desestruturante edesintegrador. Nesse caso, passou-se de uma perspectiva de polticas queapontavam para a expanso e melhoria do ensino tcnico de nvel mdio nadcada de 1980 (Frigotto, Franco e Magalhes)3 para uma poltica defragmentao da educao profissional e de separao entre o ensino mdio eo ensino tcnico na dcada de 1990.

    A anlise que apresentamos neste relatrio, fundada na relao entre asmediaes de ordem econmica, poltica, sociocultural e educacional,conduzem-nos sntese de que a gnese e a execuo da reforma do ensinotcnico de nvel mdio, em sua vinculao com as polticas do ajuste econmicosob a nova (des)ordem mundial, expressam, por parte dos seus protagonistas,uma opo consciente de consentimento ativo e de subalternidade.

    Do ponto de vista terico-metodolgico, partimos do pressuposto de quea pluralidade de referenciais de anlise , sem dvida, real e pertinente nocampo acadmico. O contexto em que vivemos, porm, de um lado, de

    negao pura e simples de determinados referenciais; de outro, em nome daalteridade, chega-se ao paroxismo de que cada pesquisador, no limite, tersua teoria. O entendimento que orientou nossa anlise o de que no h soma

    2 Arrighi, G. O longo sculo XX. So Paulo: UNESP, 1996. Ver, tambm, do mesmo autor,A iluso do desenvolvimento.So Paulo: UNESP, 1998.

    3 Frigotto, G.; Franco, M.C.; Magalhes, Ana Lcia F. de. Programa de Melhoria e Expanso do EnsinoTcnico: expresso de um conflito de concepes de educao tecnolgica.Contexto & Educao , v. 7,n. 27, Iju: Ed. Uniju, jul./set. 1992: 38-48.

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    A formao do cidado produtivo a cultura de mercado no ensino mdio tcnico

    de teorias e que elas expressam a disputa de sentido e de significado quedamos realidade histrica. O pressuposto que assumimos o de que aconcepo materialista histrica de anlise da realidade social parece-nos aque melhor nos ajuda a decifrar a forma que assume a relao capital e comoessa forma est na base da reforma educativa que analisamos.

    De imediato, a partir dessa perspectiva, assumimos um ponto de vistacontrrio e mesmo antagnico s teses que afirmam que as cincias sociais ehumanas se situam hoje dentro de um novo paradigma neoliberal, ps-estruturalista, ps-moderno , tendo em vista o colapso do paradigmaestruturado na modernidade. Como conseqncia, estaria superada aconcepo terica do materialismo histrico entendida como metateoria.

    A afirmao da existncia de um novo paradigma cientfico, sem a rupturada materialidade das relaes sociais capitalistas, embora com bruscasmudanas, resulta ela mesma de uma determinada concepo de realidadedespida de historicidade. Trata-se de uma concepo que no distingue, noplano histrico, mudanas ou rupturas que modificam a natureza das relaessociais e do modo de produo vigente daquelas que trazem alteraes, pormmantendo a velha ordem social. A compreenso que buscamos aprofundar, nalinha da que nos instiga Jameson (1994, 1996 e 1997)4 a de que todos osreferenciais tericos se encontram em crise em face das mudanas semprecedentes das relaes sociais capitalistas e socialistas. Vale dizer, suascategorias analticas no do conta de apreender as mediaes e determinaesconstitutivas das relaes sociais. Crise, entretanto, no significa fim docapitalismo e dos referenciais funcionalistas e positivistas ou crticos. No queconcerne ao materialismo histrico, como observa Jameson, esse referencialsempre entrou em crise quando o capitalismo, seu objeto de crtica, sofreumudanas bruscas. Esse referencial que se estrutura como crtica radical aocapitalismo, lembra esse autor, s pode, portanto, efetivamente acabar quandoas relaes capitalistas forem superadas.

    Essa compreenso e, de certa forma, esse pressuposto no desconhecemas tenses e os problemas que o prprio referencial traz desde sua gnese(Konder, 1988 e 1992),5 sobretudo os diversos descaminhos trilhados ao longo

    4 Jameson, F.Espao e imagem Teorias do ps-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Edufrj, 1994;Ps-modernismo . A lgica cultural do capitalismo tardio. So Paulo: tica, 1996;As sementes do tempo.So Paulo: tica, 1997.

    5 Konder, L. A derrota da dialtica.Rio de Janeiro: Campus, 1988;O futuro da filosofia da prxis.Petrpolis: Vozes, 1992.

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    APRESENTAO

    de mais de sculo e meio, dos quais o economicismo e o vis estruturalista soos mais candentes.6 Tambm no ignoram as dificuldades intrnsecas de operaranaliticamente com as categorias fundamentais do materialismo histrico.

    Nessa mesma ordem de consideraes, entende-se que, ao se afirmar omaterialismo histrico como o instrumental mais radical na anlise das relaessociais capitalistas, no se est caindo na postura ingnua de ignorar a existnciade outros referenciais crticos ou no ao capitalismo. Uma leitura atenta dasanlises positivistas e funcionalistas indica-nos um intenso embate interpretativoda realidade por diferentes grupos ou fraes da classe burguesa e seusintelectuais. Como j alertou Marx, porm a cincia burguesa, mediada pelaideologia que naturaliza as relaes capitalistas, centra-se em entender asfunes e disfunes internas dessas relaes e ignora o que historicamente asproduz. Por isso mesmo que na busca de responder aos problemas concretoscomo o da desigualdade nos diferentes mbitos humano-sociais, que inerente forma social capitalista a cincia burguesa, que os percebe como meradisfuno, acaba sempre atacando, de forma focalizada, as conseqncias eno as determinaes.

    Nessa concepo de anlise, ganhou centralidade na investigao o processode reconstituio histrica. A pesquisa em educao beneficiou-se dos novosestudos histricos, superando a viso factual, ampliando a compreenso dos fatos,renovando os enfoques, introduzindo fontes alternativas nos estudos. Isso significouum alargamento na pesquisa dos fenmenos educativos em dois sentidos: primeiro,compreendendo-os como questo social; segundo, buscando subsdios terico-metodolgicos nas cincias sociais (economia, histria, sociologia, antropologia,cincia poltica, comunicao).

    A introduo do uso de fontes alternativas, como a fotografia, ainda umprocesso restrito na rea trabalho e educao; mas ele se introduz e ganhadensidade na dcada de 1980 quando, com a crtica economia poltica, sosuperados os limites herdados do economicismo, do positivismo e do enfoquerestrito formao tcnica e profissional para o desenvolvimento econmico, deacordo com a teoria do capital humano, o tecnicismo e as teorias reprodutivistas.Das greves do ABC paulista e da fora dos trabalhadores nas ruas, com no ocasoda ditadura ps-1964 e nas esperanas que acompanharam a transio para ademocracia, desloca-se o eixo das questes tcnicas dos estudos sobre aprofissionalizao na escola para a formao do sujeito complexo, que otrabalhador submetido aos processos produtivos e preparao para o trabalho.7 Franco, Maria Ciavatta. O trabalho como princpio educativo. Uma investigao terico-metodolgica

    (1930-1960). Tese (Doutorado) PUC-RJ, Rio de Janeiro. 1990.

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    A formao do cidado produtivo a cultura de mercado no ensino mdio tcnico

    Da histria como processo, como histria do desenvolvimento das forasprodutivas dentro de temporalidades prprias, de determinadas relaes entreo Estado e a sociedade, de uma certa estrutura de diviso do trabalho e declasses sociais, passa-se histria como mtodo. A produo do conhecimentona rea caminha no sentido da reconstruo histrica da relao entre trabalhoe educao em meio a um conjunto de relaes que envolvem a sociedade, aproduo e a cultura em suas mltiplas articulaes com o mundo do saber,com os sistemas educacionais, a escola e suas particularidades como espao deformao (Franco, 1990).7

    A periodizao utilizada, as dcadas de 1980 e 1990, baseia-se nacompreenso do tempo social, que no se esgota em dados pontuais. A noode tempo, tal como a entendemos no mundo ocidental eminentementecultural. Pesquisas antropolgicas mostram que alguns povos no tm a idiade tempo como ns, isto , conscincia de presente, passado e futuro, e suamedio matemtica. Durante sculos, prevaleceu no Ocidente a noo,metafsica e newtoniana, de tempo absoluto, independente das coisas e dosprocessos, o que uma concepo de tempo exterior aos homens e queconstituiu a percepo imediata do tempo no senso comum to bem apropriadapela civilizao industrial em mximas como tempo ouro, tempo dinheiro,isto , um tempo reificado, que se torna coisa. A idia de um tempo uniforme

    dominou largamente a histria no estabelecimento da seqncia temporal dosacontecimentos, na periodizao (Franco, 1994).8A importncia da questo do tempo na pesquisa histrica est no fato de

    ele ser um aspecto fundamental na constituio do objeto de pesquisa que ,tambm, a questo da relao sujeito/objeto no trato com a realidade social qual ambos pertencem (Zemelman, 1983).9 Assumimos ainda que a realidadesocial o campo das mediaes histricas ou de processos complexos que ocorremno tempo e no espao.

    Recorremos ao conceito de tempos mltiplos, de Braudel (1989),10 quese refere histria, do tempo da histria, que tem, basicamente, trs dimenses:a curta durao dos acontecimentos, a mdia durao da conjuntura (por suavez, com mltiplos tempos e ritmos) e a longa durao das estruturas qualele acrescenta a longussima durao da geo-histria. No caso desta pesquisa,

    8 Franco, Maria Ciavatta. A escola do trabalho no tempo: a fotografia como fonte histrica. Niteri: UFF,1994. (mimeo.)

    9 Zemelman, Hugo. Uso crtico da teoria. En torno a las funciones analticas de la totalidad. Tokio:Universidad de las Naciones Unidas/ El Colegio de Mxico, 1987.

    10Baraudel, Fernand. Uma lio de histria. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

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    APRESENTAO

    a longa durao antecede a existncia das escolas e pode ser identificada nomovimento do capitalismo que estrutura e reestrutura, no tempo e no espao,as formas de apropriao econmica e social (cultural, educacional etc.).

    A mdia durao da conjuntura pode ser identificada nos dois perodos(aproximadamente 20 anos) em que encontramos fenmenos poltico-econmicos que esto na gnese da poltica de expanso do ensino mdiotcnico na dcada de 1980 e da fragmentao da educao profissional, com aseparao dos ensino mdio e tcnico, na dcada de 1990.

    A curta durao dos acontecimentos deve ser buscada no exame dos

    processos particulares que caracterizam as reformas e sua implementao nasescolas. Nesse sentido, a anlise da literatura produzida sobre o tema, no perodo,foi extremamente valiosa para a identificao dos aspectos mais relevantesdessa transformao de muitas faces.

    Tendo como problemtica e enfoque terico-metodolgico os acimaassinalados, a coletnea condensa o material que foi a base histrico-empricae documental da pesquisa: 201 artigos selecionados em 13 peridicos nacionaisespecializados no campo educacional,11 e nove entrevistas com dirigentes eprofessores de Centros Federais de Educao Tecnolgica CEFETs12 e um deEscola Tcnica, que constam do Relatrio Final da pesquisa e Anexos I, II e III.13

    A coletnea rene o ncleo central da pesquisa e compe-se de trspartes, em que se dividem 15 captulos e alguns anexos.

    A Parte I rene cinco captulos que buscam apreender, por vrios ngulos,questes mais amplas de carter terico e histrico para o entendimento dosprocessos sociais e educativos das dcadas de 1980 e 1990, e o estado-da-artedas polticas de expanso do ensino mdio tcnico e de fragmentao daeducao profissional nestas dcadas.

    Com efeito, dois captulos buscam ajudar-nos a entender, um (Frigotto),a relao entre a materialidade estrutural de nossa formao histrico-sociale a especificidade das conjunturas das dcadas de 1980 e 1990, e o outro(Frigotto e Ciavatta) o embate conceptual no processo de formao humana

    11Cadernos de Pesquisa (FCC), Educao e Sociedade (CEDES), Em Aberto (INEP), Frum Educacional(FGV-IESAE), Caderno CEDES, Boletim do SENAC, Trabalho & Educao Revista do NETE(UFMG), Revista Proposta (FASE), Caderno da UPEL, Contemporaneidade & Educao (IEC),Educao e Tecnologia (ABT), Revista de Educao da PUC-SP, Universidade e Sociedade (ANDES).

    12CEFET Qumica, CEFET Pelotas, CEFET Rio de Janeiro, CEFET Campos, CEFET Pelotas, CEFET Paran.13FRIGOTTO, Gaudncio e CIAVATTA, Maria (coords.).A formao do cidado produtivo . Da poltica de

    expanso do ensino tcnico nos anos 80 poltica de fragmentao da educao profissional nos anos 90:entre discursos e imagens. 4 vols. Niteri: UFF, abril de 2005. Relatrio Final.

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    A formao do cidado produtivo a cultura de mercado no ensino mdio tcnico

    do trabalhador entre o cidado produtivo assujeitado lgica mercantil e aconstruo de um sujeito emancipado.

    Os captulos trs, quatro e cinco buscam apreender como essas questesmais gerais se materializam na produo acadmica das duas dcadas. Noterceiro (Frigotto e Ciavatta) efetiva-se o balao do estado-da-arte sobre ostextos selecionados dos peridicos nacionais.

    O quarto captulo (Trein e Ciavatta) sintetiza os debates da discusso,nas duas dcadas estudadas, sobre a relao entre produo capitalista, trabalhoe educao.

    Concluindo essa primeira parte, o captulo cinco (Ciavatta) traz uma visodos estudos comparados sobre a formao profissional e tcnica nas mesmas dcadas. Feita a anlise mais estrutural sobre o objeto da pesquisa, nas duas partes

    seguintes busca-se, em cada dcada, mediaes mais especficas. As partes II eIII efetivam o detalhamento das nfases e seu contedo, respectivamente.

    A dcada de 1980 constitui-se em espao de lutas entre travessiasalternativas no sentido de romper ou reiterar as estruturas econmicas, jurdico-polticas, culturais e educativas que nos conformaram em uma reiteradamodernizao conservadora e nos tm mantido como uma das sociedadesmais desiguais e injustas do mundo, como vimos no primeiro captulo da parteI. A sociedade brasileira saa de um longo perodo ditatorial e buscava construira transio para a democracia efetiva. Trata-se de perodo rico de debate e deconstruo de formulao em todos os mbitos da sociedade.

    Os trs captulos da Parte II expressam esse movimento de travessia dasociedade. O primeiro (Frigotto, Ciavatta e Magalhes) evidencia o conflitode concepes em disputa da educao tecnolgica que se estendeu ao longode toda a dcada de 1980 e que encontra um ponto de confluncia na discussodo Programa de Melhoria e Expanso do Ensino Tcnico. Esse captulo resultado de uma pesquisa anterior, j mencionada acima, mas que nos permiteefetivar um elo importante na compreenso do movimento de disputas,definies e conseqncias poltico-prticas.

    No captulo dois, Oliveira ajuda-nos a entender como o embate entreas perspectivas produtivista e da conformao do cidado produtivo e aperspectiva de uma educao bsica de segundo grau, hoje ensino mdio, decarter formativo de sujeitos autnomos estava em pauta e disputa na dcadade 1980. Na verdade, como mostra Rodrigues (1998),14 tais debate e disputaremontam dcada de 1930, ainda que em carter mais restrito no mbito

    14 Rodrigues, J.O moderno prncipe industrial . Campinas: Autores Associados, 1998.

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    APRESENTAO

    dos homens de negcio vinculados burguesia industrial e seus aparelhosde hegemonia.

    Por fim, Lobo Neto, no captulo trs dessa segunda parte, explicita ojogo de foras que disputam a direo da sociedade brasileira em todos osmbitos e, no campo especfico da pesquisa a educao dos trabalhadores , num cenrio de profundas mudanas da base cientfica e tecnolgica dosprocessos produtivos nos setores primrio, secundrio e tercirio.

    O final da dcada de 1990, como discutido no primeiro captulo, Parte I,reservou mudanas abruptas nos cenrios internacional e nacional. Foi um

    final de dcada de muitos fins: queda do muro de Berlim; colapso do socialismoreal ou realmente existente, como o denomina o historiador Eric Hobsbawm;falncia do iderio de um capitalismo que regula o capital dentro da propostado Estado intervencionista de Keynes, o terico mais importante na ptica docapitalismo realmente existente no sculo XX; esgotamento do sistema deregulao fordista, estado de bem-estar social ou regimes sociais democratas.Uma sntese emblemtica e, ao mesmo tempo, cnica apresentada porFukuyama com sua tese do fim da histria. Isso provaria que no h alternativafora da sociedade de tipo natural a capitalista. Um tempo de vingana docapital contra o trabalhador. No plano interno do Brasil, a eleio de Collor deMello explicita que a transio dos embates da dcada de 1980 a reiteraodo castigo de Ssifo da modernizao conservadora.

    A Parte III, referente dcada de 1990, a mais extensa do primeirovolume, com oito captulos em que se explicitam trs aspectos centrais: asmudanas na base material da produo com a tese da reestruturaoprodutiva, as reformas do Estado e as reformas educacionais que plasmamtcnica e culturalmente o novo trabalhador cidado produtivo; acorrespondente construo supra-estrutural de natureza jurdico-polticaplasmada na nova legislao e, finalmente, a maneira como a reforma doensino mdio tcnico foi-se constituindo nos atuais Centros Federais deEducao Tecnolgica CEFETs.

    O primeiro aspecto acima referido trabalhado nos quatro captulosiniciais. No primeiro, Santos efetiva uma anlise que busca captar a relaoorgnica entre as mudanas da base material, a reestruturao produtiva, areforma de Estado e as demandas no processo educacional, j no contexto deregresso neoliberal.

    No segundo, Fonseca reitera o debate da relao entre a reestruturaoprodutiva, a reforma de Estado e, mais especificamente, a questo da formaoprofissional no incio da dcada de 1990.

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    A formao do cidado produtivo a cultura de mercado no ensino mdio tcnico

    Os captulos trs e quatro retomam um sentido mais amplo da formao dotrabalhador. No trs, Handfas aborda a natureza da demanda da educao queconforma otrabalhador produtivo para a nova base tcnica da produo capitalista.

    No quatro, que encerra esse aspecto, Correa efetiva uma anlise quemostra como a formao do trabalhador produtivo se constitui no bojo de umanova cultura do trabalho e qual o esforo para amoldar e produzir novassubjetividades e identidades dos trabalhadores.

    O segundo aspecto engloba dois captulos quinto e sexto da Parte III que tratam da normatizao jurdico-poltica e legal das reformas do ensino mdio

    tcnico. No cinco, Ney aborda um aspecto mais especfico da reforma do ensinomdio tcnico vinculado s concepes, s polticas e legislao. Ramos, no seis,analisa o modo como a rede de instituies federais foi incorporando em suaestrutura organizacional e poltico-pedaggica a nova legislao. Nesse processo,sinalizam-se tenses, adaptaes e lutas que explicitam embates mais amplosefetivados no seio da sociedade brasileira.

    Por fim, os dois ltimos captulos da Parte III e do primeiro volume buscamapreender como a reforma se estatuiu na rede de instituies federais. Aquinos valemos de dois instrumentos de pesquisa, um mais indito, que a utilizaoda imagem, mormente a fotografia, como instrumento de pesquisa, o outro,mais usual: entrevistas em forma de debate com dirigentes ou professores queprotagonizaram a reforma nessa rede.

    No captulo sete, Ciavatta e Campello estudam o caso de uma instituiofederal de ensino tcnico e buscam explicitar como a fotografia recurso quepermite apreender fragmentos da histria institucional ampliando acompreenso do discurso sobre a reforma. Trata-se de uma parte da anliseque engendra importante contribuio metodolgica para futuras pesquisasna rea especfica da educao tcnica e da educao mais amplamente.

    O captulo oito resulta de um cuidadoso trabalho de entrevistas em formade seminrios. Partindo de um roteiro bsico, igual para todos entrevistados, aequipe enriquecia a entrevista com sua participao ativa. O segundo volume

    do relatrio condensa o contedo integral das entrevistas, que tambm estoarquivadas em fitas. Apenas duas foram feitas na instituio de origem doentrevistado. Como o leitor poder depreender da anlise efetivada por Frigottoe Ciavatta, as reformas neoconservadoras penetraram profundamente asinstituies estudadas. Embora tenha havido resistncia e embates, no planogeral, nota-se adeso e consentimento passivo.

    O balano dos anos de pesquisa, em termos dos produtos alcanados edo espao formativo que representou , inequivocamente, positivo. Salientamos

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    APRESENTAO

    a participao ativa de doutorandos, mestrandos, alunos de graduao e bolsistasde Apoio Tcnico (APT) e de Iniciao Cientfica (IC). Como coordenadores,cabe-nos agradecer a toda a equipe por seu empenho e responsabilidadecoletiva.

    Agradecemos, igualmente, a disponibilidade dos entrevistados e aautorizao de utilizao e divulgao do material. Por fim, agradecemos oapoio do CNPq com Bolsa de Produtividade aos pesquisadores e os recursospara a pesquisa (grants), assim como as Bolsas de Iniciao Cientfica. Tambmregistramos o apoio da FAPERJ com as Bolsas de Apoio Tcnico (APT), doPrograma de Ps-Graduao em Educao e da Pro-Reitoria de Pesquisa daUFF com Bolsas de Iniciao Cientfica (CNPq-PIBIC).

    Aos mestrandos, doutorandos e professores associados, co-autores dostextos, que nos acompanharam neste percurso, agradecemos o estmulo de suapresena e a riqueza das discusses. Aos bolsistas de Iniciao Cientfica AlineRibeiro da Silva, Anglica Menezes Lins, Rossana Duarte Emmerich, ThasRabelo de Souza, Teo Brando e Tnia de Carvalho Cortinhas (in memoriam)e aos bolsistas de Apoio Tcnico Maria Clia Freire de Carvalho e SrgioMendes Pinto somos gratos pela presena, dedicao e apoio inestimvel nasdiversas fases e atividades do Projeto.

    O trabalho de pesquisa em trs anos mostrou-se complexo, mas,sobretudo, satisfatrio pela possibilidade de alargamento de perspectivas sobreo tema e pelo aprofundamento de algumas questes no coletivo que se organizoue permaneceu estudando o assunto e alimentando suas prprias pesquisas.

    O trmino de um processo de investigao cientfica sempre umaabertura para novos estudos. Na renovao de toda teoria, submetida realidadeque se transforma, est o sentido da vida universitria, principalmente na ps-graduao. a educao em seu sentido mais criativo. Balizar novas anlises,subsidiar novas discusses, contribuir para a compreenso e o encaminhamentodos problemas do pas o objetivo central da produo do conhecimento. Suaapropriao efetiva uma questo de polticas pblicas e de demanda dos

    setores organizados da sociedade que podem fazer avanar as lutas sociais.Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2005

    Gaudncio Frigotto e Maria Ciavatta (coordenadores)

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    CAPTULO 1 | ANOS 1980 E 1990: A RELAO ENTRE OESTRUTURAL E O CONJUNTURAL E AS POLTICAS DE

    EDUCAO TECNOLGICA E PROFISSIONAL

    G AUDNCIO FRIGOTTO

    Neste captulo, de carter introdutrio, discutiremos dois aspectos. Umprimeiro no qual se busca destacar a relao necessria, dada pelo processohistrico concreto, entre o estrutural e o conjuntural na compreenso doestado-da-arte das polticas de educao tecnolgica e profissional nas dcadasde 1980 e 1990. Essa relao mostrou-se presente ao longo da anlise dos temasespecficos. Isso decorre da compreenso de que se de fato as dcadas de 1980e 1990 tm especificidades claras, esse tempo cronolgico guarda mediaesestruturais de um tempo histrico de maior durao.1 Nos ateremos, mais

    especificamente, em caracterizar o jogo de relaes de fora entre interessesde classe, grupos ou fraes de classe que se reiteram a partir de 1930.O segundo aspecto centra-se em apreender qual a especificidade das

    dcadas de 1980 e 1990, enquanto rearranjo especfico de foras em disputapor projetos societrios e de educao. Aqui parecem muito pertinentes asobservaes de Boris Fausto (1984)2 que, valendo-se de uma anlise de lvaroCaropreso e Raimundo Pereira, mapeia a especificidade de diferentesconjunturas a partir de 1930 at, justamente, o incio da dcada de 1980.

    1 Na apreenso dessa questo do tempo de longa durao, as anlises de Fernand Braudel (1982) constituem-se na referncia bsica para as formulaes de vrios pesquisadores, e no apenas historiadores. Exemplo

    do que estamos assinalando a densa anlise de Arrighi (1996) sobre os ciclos de longa durao do sistemacapitalista. Por outro lado, o que define uma anlise histrica, no sentido do materialismo histrico, aapreenso das mediaes que expressam a materialidade dos fenmenos em sua singularidade eparticularidade dentro de uma totalidade concreta. Ver, a esse respeito, Ciavatta, 2002.

    2 As anlises de Boris Fausto no mbito interpretativo da formao histrico-social brasileira caminhamnuma direo diversa das anlises, mormente, de Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira. ParaFausto no ocorre no Brasil uma efetiva revoluo burguesa. A sinalizao que nos traz da materialidadedas relaes das foras sociais em disputa, em conjunturas especficas das dcadas de 1930 a 1980, fecunda , independentemente de estarmos de acordo ou no com sua interpretao, para a busca doentendimento das dcadas que so objeto desta pesquisa 1980 e 1990.

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    Nessa apreenso, de mdio prazo, faz duas distines importantes para o nossoobjeto de estudo.

    Na anlise das conjunturas de crise no Brasil, assinala, importantedistinguir as que se caracterizam pela derrubada de foras no poder, como o caso de 1930, 1945 e 1954, das que representam uma consolidao de forashegemnicas, como as de 1937 e 1968. Mais especificamente, Fausto apresentaa distino entre conjunturas decisivas no sentido de que quebram uma ordemanterior (1930 e 1964), e as que acumulam condies, assinalam derrotas ouvitrias parciais no caminho da ruptura, como o caso de 1954. Trata-se aquide quebras ou rupturas dentro da (des)ordem capitalista, embora possamosidentificar foras que lutavam contra o sistema capitalista.

    O aspecto analtico e poltico crucial na relao entre o movimentoestrutural e o conjuntural a apreenso da natureza das mediaes quedefinem a correlao de foras entre classes e fraes de classe e o sentidodas mesmas para mudanas que corroboram para a conservao da (des)ordemdo capital estabelecida (mudar para conservar) ou mudanas que apontampara sua superao.

    1. A relao entre o estrutural e o conjuntural na formao socialbrasileira: o eterno castigo de Ssifo

    Um dos dilemas de qualquer pesquisa que busque desenvolver-se dentroda concepo histrica ou materialista histrica do conhecimento situa-se nanecessidade de delimitar um objeto de estudo no tempo e no espao e, aomesmo tempo, captar as determinaes, mediaes e contradies maisimediatas e mediatas que o constituem. A realidade no obedece lgica dopensamento ou da razo; antes, o desafio do pensamento humano ou da razono sentido de apreender a materialidade contraditria, no linear,particularmente no campo humano-social, dos fenmenos ou fatos que buscamosanalisar e compreender. Temporalidades diversas entranham-se comoconstitutivas do presente. Trata-se de entender que a singularidade, a

    particularidade e a universalidade se produzem numa mesma totalidadehistrica a ser reconstruda no processo de investigao. Esse esforo, em termos do mtodo dialtico do legado de Marx e Engels,

    no seno o desafio de ascender do emprico ponto de partida ao concretopensado, sendo esse sempre sntese de mltiplas determinaes que tm queser apreendidas minuciosamente no plano da pesquisa e ordenadas analiticamenteno processo de exposio. Vale dizer que a delimitao no pode ser arbitrria,mas sim fundada em elementos dados pela realidade a ser estudada.

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    O elemento crucial na anlise dialtica no campo das cincias sociais ehumanas , pois, a capacidade de apreender a relao entre os elementosestruturais e conjunturais que definem um determinado fato ou fenmenohistrico. O campo estrutural fornece a materialidade de processos histricosde longo prazo e o campo conjuntural indica, no mdio e no curto prazo, asmaneiras como os grupos, classes ou fraes de classe, em sntese, as forassociais disputam seus interesses e estabelecem relaes mediadas porinstituies, movimentos e lutas concretas.

    Por certo, a realidade brasileira em sua dimenso estrutural no mudacomo gostariam as perspectivas voluntaristas ou as ps-modernas, centradasna fluidez do imediato e do presentismo, e na negao de elementos estruturaisou de continuidade histrica das relaes de poder e de classe que condicionamas prticas e polticas sociais e educacionais.

    H na sociedade brasileira um tecido estrutural profundamente opaconas relaes de poder e de propriedade que se move em conjunturas muitoespecficas, mas que, em seu ncleo duro, de marca excludente, desubalternidade e de violncia, se mantm recalcitrante. Um olhar atento sobrea estrutura de classe e o desenvolvimento histrico do capitalismo no Brasilnos revelar um exemplo emblemtico de sociedade que mantm estrutura dedesigualdade brutal mediante os processos polticos que Gramsci denominarevoluo passiva e de transformismo.3

    Trata-se de mudanas (rearranjo das fraes e dos interesses da classedominante) nos mbitos poltico, econmico, social, cultural e educacionalcujo resultado a manuteno das estruturas de poder e do privilgio. Valedizer, a manuteno do latifndio ou da extrema concentrao da propriedadeda terra, concentrao extrema da riqueza e da renda, iseno de impostos agrandes fortunas, grupos econmicos poderosos e sistema financeiro outributao fiscal regressiva. O resultado desse sistema a produo daindigncia, da misria e da violncia social.

    Vrios autores ajudam-nos a delinear o tecido estrutural opaco, violento

    produtor de formao societria altamente injusta e desigual no Brasil. Quemquiser dispor-se a compreender o perodo mais recente e profundo (1930-2004)dessa permanncia, que se reedita em formas, contedos e mtodos cada vezmais perversos, ter em Celso Furtado (1966, 1972, 1992, 1999, 1999a e 2002),Florestan Fernandes (1974, 1975, 1981, 1989) Francisco de Oliveira (1988,

    3 Para uma anlise desses aspectos em seu plano conceitual ver Gramsci, 1978.

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    1999, 2000 e 2003), Otavio Ianni (1991 e 1996), Luiz Fiori (1995, 2001, 2002)e Carlos Nelson Coutinho (2002) as referncias bsicas. Pelo escopo deste texto,faremos aqui uma discusso apenas indicativa.

    Trata-se de anlises que transitam, com nfases maiores ou menores,entre o poltico, o econmico, o social e o cultural. Todas elas afirmam, todavia,um processo histrico que no conseguiu romper com uma sociedade que sedefine como um capitalismo que se robustece e expande aprofundando suadependncia, associada ao sistema capital em seus centros hegemnicos e,conseqentemente, precarizando e destruindo direitos elementares de milhesde brasileiros.

    Celso Furtado, sem dvida, o intelectual brasileiro do sculo XX quetem a mais ampla anlise sobre a formao econmico-social brasileira e aespecificidade (dependente e interdependente) e nosso desenvolvimento. ComCaio Pardo Junior e Igncio Rangel, constitui-se uma referncia clssica dopensamento econmico-social brasileiro. Aproximadamente trs dezenas delivros e incontveis artigos, traduzidos em mais de uma dezena de idiomas,fazem uma radiografia das foras sociais que disputam o tipo de desenvolvimentono Brasil, marcadamente ao longo do sculo XX.

    Como sntese crtica de seu pensamento sobre os rumos das opes queo Brasil reiteradamente tem pautado, Furtado, ao longo de sua obra, situa asociedade brasileira no seguinte dilema: a construo de uma sociedade ou deuma nao em que os seres humanos possam produzir dignamente sua existnciaou a permanncia num projeto de sociedade que aprofunda sua dependnciaaos grandes interesses dos centros hegemnicos do capitalismo mundial. nessehorizonte que Furtado faz a crtica ao modelo brasileiro de capitalismomodernizador e dependente, uma constante do passado e do presente.

    Em seus escritos mais recentes, Furtado (2000) reitera a crtica aos quecentram sua viso de desenvolvimento na idia modernizadora do progressotcnico. Trata-se para o autor de uma viso que mascara o conjunto detransformaes, particularmente a partir da fase do chamado milagre brasileiro,

    os processos de concentrao de renda. Com efeito, (....) a tendncia concentrao de renda inerente ao tipo de capitalismo que veio prevalecerem nosso pas, e que a ao do regime militar-tecnocrtico exacerbou essetrao perverso de nossa economia (Furtado, 1982).

    Numa mesma direo, Ianni (1991) analisa o dilema reiterado por Furtadoao mostrar a tendncia pendular de nossas opes de desenvolvimento a partirda dcada de 1930: integrao autnoma com o plano internacional e odesenvolvimento de um mercado interno com participao das massas ou um

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    capitalismo associado e dependente do grande capital e que beneficiaespecialmente os grandes grupos financeiros.

    A opo que a classe dominante tomou foi a da dependncia consentida eassociada ao grande capital. Opo geradora de amarras que estreitam, imobilizame inviabilizam, cada vez mais profundamente, a possibilidade estratgica de umprojeto de desenvolvimento autnomo. Para Furtado, trata-se de uma poltica noapenas anti-social mas, principalmente antinacional. E a perversidade, para o autor,consiste no fato de que no existem tribunais para apurar crimes da histria,quando no seja a memria dos povos que por eles so vitimados.

    Com aporte analtico de cunho mais sociolgico e poltico na leitura denossa formao econmica, e com base terica mais diretamente ligada tradio marxista, Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira evidenciamtraos marcantes da forma estrutural de reproduo das relaes polticas,econmicas e culturais da sociedade brasileira. Suas anlises, de forma aguda,permitem superar o enfoque analtico que busca explicar nossos impassescentrando-se na tese da antinomia de uma sociedade cindida entre otradicional, atrasado e subdesenvolvido, e o moderno e desenvolvido. Essasuperao efetiva-se pela apreenso da relao dialtica entre o arcaico,atrasado, tradicional e subdesenvolvido, e o moderno e desenvolvido naespecificidade ou particularidade de nossa formao social capitalista.

    No mbito da constituio da classe detentora do capital ou burguesianacional, a anlise de Fernandes (1975) no compartilha da tese de que arevoluo burguesa foi abortada pela natureza de dualidade da nossa formaosocial (Brasil arcaico, marcado pelo atraso e responsvel pelo ritmo lento dodesenvolvimento do Brasil moderno). Ao contrrio, para Fernandes, o que vaiocorrer no plano estrutural que as crises conjunturais entre as fraes daclasse dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulaodo poder da classe burguesa numa estratgia de conciliao de interesses entreos denominados arcaico e moderno. Assim, por exemplo, aps a revoluoconstitucional de 1932, no se observa a eliminao da oligarquia agrria ligadaao Brasil arcaico ou tradicional. Pelo contrrio, o Governo Vargas recompe asfraes da classe burguesa, rearticulando os interesses em disputa onde antigase novas formas de dominao se potenciam em nome do poder de classe. Trata-se, para Fernandes, de um processo que reitera, ao longo de nossa histria, amodernizao do arcaico e no a ruptura de estruturas de profundadesigualdade econmica, social, cultural e educacional.

    Francisco de Oliveira (1972), na mesma escola de pensamento deFlorestan Fernandes, tambm se contrape tese da estrutura dual segundo a

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    qual um pas arcaico e tradicional amarra ou impede avanos do pasdesenvolvido e moderno. Pelo contrrio, sustenta Oliveira, a imbricao doatraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido potencializamnossa forma especfica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserosubalterna na diviso internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setoresdenominados atrasado, improdutivo e informal constituem condio essencialpara a modernizao do ncleo integrado ao capitalismo orgnico mundial.

    Dito de outra forma, os setores modernos e integrados da economiacapitalista (interna e externa) alimentam-se e crescem apoiados e em simbiosecom os setores atrasados. Assim, o atraso da poca na agricultura, a persistnciada economia de sobrevivncia nas cidades, uma ampliao ou inchao do setortercirio com baixo custo e alta explorao da mo-de-obra foram funcionais elevada acumulao capitalista, ao patrimonialismo e concentrao depropriedade e de renda.

    A reedio daCrtica razo dualista, 30 anos depois de sua apariooriginal com um texto de atualizao O ornitorrinco nos d o fio condutorpara entender as mediaes do tecido estrutural de nosso subdesenvolvimento,a associao subordinada aos centros hegemnicos do capitalismo e os impassesa que fomos sendo conduzidos no presente.

    Para Roberto Schwarz,Crtica razo dualista e o texto O ornitorrincorepresentam, respectivamente, momentos de interveno e de constataosardnica. Num, a inteligncia procura clarificar os termos da luta contra osubdesenvolvimento; no outro, ela reconhece o monstrengo social em que, atsegunda ordem, nos transformamos (Schwarz, 2003:12).

    A metfora do ornitorrinco traz, ento, uma particularidade estruturalde nossa formao econmica, social, poltica e cultural, em que a exceose constitui em regra, como forma de manter o privilgio de minorias.

    O ornitorrinco isso: no h possibilidade de permanecer comosubdesenvolvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revoluo Industrialpropiciava; no h possibilidade de avanar, no sentido da acumulao digital-molecular: as bases internas da acumulao so insuficientes, esto aqumdas necessidades para uma ruptura desse porte.(...) O ornitorrinco capitalista uma acumulao truncada e uma sociedade desigualitria sem remisso.(Oliveira, 2003: 150)

    As relaes de poder e de classe que foram sendo construdas no Brasilpermitiram apenas parcial e precariamente a vigncia do modo de regulaofordista tanto no plano tecnolgico quanto no plano social. Da mesma forma, aatual mudana cientfico-tcnica, digital-molecular, que imprime grande

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    velocidade competio e obsolescncia dos conhecimentos, torna nossatradio de dependncia e cpia ainda mais intil.

    A sntese do processo histrico construdo no Brasil define-se, paraOliveira (2003), por um tipo de desenvolvimento que se ergueu peladesigualdade e se alimenta dela.

    O desafio do salto implica enorme esforo de investimento em educao,cincia e tecnologia e infra-estrutura. E isso demanda, alm das reformas sociaisde base (agrria, tributria, jurdica e poltica), um volume de recursos que opagamento exorbitante de juros da dvida interna e externa, alm da tradio

    regressiva dos impostos, no permite. Trata-se de um impasse que no conjuntural, mas estrutural em nossa histria.Como esboo indicativo do que acabamos de sinalizar, elucidativa a

    breve sntese de Fiori (2002) sobre os trs projetos societrios que conviverame lutaram entre si durante todo o sculo XX. O primeiro projeto nasceu dasidias do liberalismo econmico centrado na poltica monetarista ortodoxa ena defesa intransigente do equilbrio fiscal e do padro-ouro, dos governospaulistas Prudente de Moraes, Campos Sales e Rodrigues Alves (id. ibid., p. 2)Ao longo do sculo XX, a concepo dominante, incorporada pelos ministrosda Fazenda C. Castro, Eugnio Gudin, Otvio Bulhes e Roberto Campos (noperodo da ditadura de 64).

    Esse projeto, destaca Fiori, foi o bero da estratgia econmica doGoverno Cardoso cujo ministro, ao longo de dois mandatos, foi Pedro Malan.Projeto que sempre se contraps ao que Fiori denomina nacionaldesenvolvimentismo ou desenvolvimentismo conservador, presente naConstituinte de 1891 e nos anos 30. Essa contraposio, como vimos naanlise de Florestan Fernandes, no impediu que Vargas construsse umaacomodao dos interesses da burguesia enquanto classe dominante. Vargas,de certa forma inaugura a modernizao do arcaico, que corresponde aosegundo projeto.

    O terceiro desenvolvimento econmico nacional e popular

    fortemente combatido pelo primeiro e impedido pelo segundo, postula asreformas estruturais de base, constituio de forte mercado interno e relaosoberana e autnoma no plano internacional e a constituio de umademocracia efetiva com ampla participao popular. Essa terceira alternativanunca ocupou o poder estatal nem comandou a poltica econmica de nenhumgoverno republicano, a no ser uma breve e pontual experincia, no por acaso,com Celso Furtado no governo Joo Goulart, abruptamente interrompida peloregime militar-tecnocrtico (como o denomina Furtado) instaurado pelo golpe

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    de 1964. As teses desse projetonacional popular , porm, tiveram enormepresena no campo da luta ideolgico-cultural e nas mobilizaes democrticas(id. ibid., p. 3).

    Assim como o passado nos permitiu apreender, ainda queesquematicamente, a materialidade estrutural das relaes de poder e dedominao de classe que nos impediram a constituio de uma sociedade comefetiva democracia econmico-social, cultural e educacional, o presente podeter elementos cruciais para entender a profundidade do poder conservadorque a classe dominante brasileira detm para manter as estruturas geradorasde desigualdades, cada vez mais insustentveis e inaceitveis em face aoaumento sensvel da produtividade e riqueza nacionais. As questesinquietantes, do presente, que se colocam como desafio analtico e que noso objeto deste trabalho so as seguintes:

    Como explicar que as foras que assumiram o governo federal em janeirode 2003 e cujas histria e biografia esto vinculadas ao embate terico e lutaideolgica por um projeto de desenvolvimento nacional popular que acabamosde referir, esto dando continuidade s polticas econmicas, numa espcie desimbiose do projeto liberal conservador e nacionalista conservador? O queexplica o fato de que o PT que elegeu o presidente da Repblica, que majoritrio na Cmara dos Deputados e que fez dooramento participativo daPrefeitura de Porto Alegre e de sua ampliao para outras prefeituras e estadosgovernados por frentes populares uma experincia reconhecida mundialmentecomo inovadora a esquecesse em nome da autonomia do Banco Central e daparceria entre pblico e privado (PPP)?

    Um elemento sintomtico de algo mais profundo relativo aos partidos deesquerda e seu vnculo de classe e de um projeto histrico alternativo aocapitalismo4 ou da vulgata do fim das ideologias expresso de forma clara pelopresidente do Partido dos Trabalhadores, Jos Genono, ao responder a umjornalista sobre a indagao quais os pensadores que fazem a cabea dosdirigentes do PT hoje?

    No temos. O PT, teoricamente, pluralista pra valer. Tem Marx, tem Gramsci,os marxistas modernos, os ps-marxistas, e h tericos sem vinculao. Notemos referncia terica e isso timo porque atualmente, com essa crise deparadigmas, muito ruim ter uma espcie de tutor. Hoje temos que contar

    4 Para uma anlise da desvinculao dos partidos de esquerda do projeto de classe, na qual exemplifica,entre outros casos, o do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, ver o texto Adis al movimientoobrero clsico? (Hobsbawm, 2003).

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    com vrias teorias, com vrias reflexes, para elaborar um projeto prpriopara a realidade brasileira. (Veja, 11.08. 2003)5

    O que o presente nos indica, num eterno castigo de Ssifo, que nosencontramos, uma vez mais, diante da conversa mole da poltica das elitescom os jarges da conciliao, do consenso, da negociao ou doentendimento. (Benevides 1984)6 Trata-se de estratgias que reeditam avelha poltica dos arranjos de poder da classe dominante, afirmando umademocracia de tipo americano, dbil e pelo alto. Traos histricos das relaesde poder marcadas pela revoluo passiva e pelo transformismo ou reformasconservadoras que mudam para conservar a velha ordem. (Coutinho, 2002)Adiam-se, novamente, mudanas at mesmo nos marcos da construo deuma sociedade capitalista nos padres das democracias de tipo europeu e impe-se uma profunda derrota s foras sociais vinculadas a um projeto alternativoao capitalismo.7

    2. As conjunturas de 1980 e 1990: da travessia interrompida regresso ao conservadorismo

    O perodo histrico que elegemos para esta pesquisa nos fornece detalhes,no plano mais conjuntural e de curto prazo, sobre a materialidade estrutural das

    relaes de poder em nossa sociedade. A pertinncia do recorte analtico dasdcadas de 1980 e 1990, para construir o estado-da-arte da educao profissional,

    5 Giovanni Arrighi (1996), referindo-se a Telly, lembra que a soma de todas as teorias igual a zero. Poroutro lado, a viso gramsciana de que mais correta a posio daqueles que partem dos pontos de vistamais avanados de seus adversrios tericos e, se for o caso, incorporando, de forma subordinada,algumas de suas idias, mostra como o presidente do PT confunde a construo da teoria que se d noe pelo conflito com a negociao no mbito poltico nos marcos da democracia burguesa. Essa discusso,do ponto de vista da problemtica da crise da teoria, tem sido objeto de uma anlise mais ampla no livroTeoria e Educao no Labirinto do Capital . Ver Frigotto e Ciavatta, 2001.

    6 Benevides nos mostra que a estratgia de conciliao dos grupos ou fraes de classe se reitera desdeo Imprio com a conciliao, no Gabinete Paran (1853), de conservadores e liberais. Isso se repeteem 1848, aps a Revoluo Praieira; em 1932, aps a Revoluo Constitucionalista; e na Constituiode 1946, que derrubou a ditadura sem substituir os instrumentos do Estado Novo (Benevides, 1984).

    7 Como assinalamos, no objeto desta pesquisa analisar a conjuntura que vivemos atualmente na sociedadebrasileira. Todavia, as anlises disponveis dos dois primeiros anos de Governo Lula e o que se anuncia emtermos de continuidade de suas polticas indicam que nenhuma reforma estrutural est em pauta. Issopode significar no apenas o continusmo, mas a desorganizao das foras polticas que historicamente seengajaram na construo, pelo menos, de um projeto nacional popular comprometido com as mudanasestruturais e, conseqentemente, com construo de uma democracia de massa substantiva, marcadapela incluso das maiorias aos direitos sociais e subjetivos. Para aprofundar a compreenso dos impasses edescaminhos da atual poltica de governo, ver Oliveira, 2003; Boito, 2004; Pochman, 2004; Frigotto, 2004.

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    foi ficando cada vez mais clara medida que nos aprofundamos na compreensodas mudanas de posicionamento das foras sociais em disputa nesses dois perodos.

    A ampliao do prazo da pesquisa, por um ano, embora no tenha mudadoo recorte temporal, possibilitou uma compreenso mais clara, tanto do equilbrioinstvel das relaes entre as foras sociais em disputa ao longo da dcada de1980 quanto da profundidade negativa das reformas da dcada de 1990 queredefinem o jogo de foras, estruturando um bloco histrico que no apenasreedita o conservadorismo e a violncia de uma sociedade quese ergue peladesigualdade e se alimenta dela,mas o aprofunda.

    Podemos assumir a viso de que a dcada de 1980 foi uma dura travessiada ditadura redemocratizao em que se explicitou, com mais clareza, osembates entre as fraes de classe da burguesia brasileira (industrial, agrria efinanceira) e seus vnculos com a burguesia mundial e destas em confrontocom a heterognea classe trabalhadora e os movimentos sociais que sedesenvolverem em seu interior. A questo democrtica assume centralidadenos debates e nas lutas em todos os mbitos da sociedade ao longo dessa dcada.

    Nos termos acima colocados na categorizao das conjunturas feita porBoris Fausto, a dcada de 1980 define-se como uma conjuntura em que, aomesmo tempo, se tenta romper com o regime da ditadura e seu modeloeconmico-social e se acumulam condies, assinalam derrotas ou vitriasparciais no caminho da ruptura dessa situao histrica para uma transioque o tempo nos mostrou ter sido restrita e, assim mesmo, interrompida.Poderamos dizer que a dcada comeou em 1979, com o reaparecimento emcena da classe trabalhadora, e terminou em 1989, com a queda do Muro deBerlim, elaborao da cartilha ou credo das polticas neoconservadoras ouneoliberais, batizada deConsenso de Washington, e a eleio de Collor de Mello.

    Com efeito, em maro de 1979 inicia-se a mais longa greve dosmetalrgicos do ABCD paulista, que vai durar 41 dias. Nesse perodo, Lula preso, o Sindicato dos Metalrgicos sofre interveno, sendo fechado, mas,dias depois, reaberto, e Lula solto. Nesse mesmo ano, em 30 de outubro,

    Santos Dias, lder operrio, assassinado. Lula afirma-se como lder, e a imprensainternacional compara-o ao lder operrio Lesch Walessa.8 Os embates socada vez mais fortes, e o confronto com o regime ditatorial est aberto. O golpecivil-militar de 64 no tinha mais como se prolongar por muito tempo.

    8 poca, a comparao sinalizava a possibilidade de mudanas significativas. Hoje, aps o que a histriamostrou sobre o papel de Walessa na Polnia, Lula novamente vem sendo comparado com Walessa, mascom sinal negativo, acusado de assimilao dostatus quoe do conservadorismo.

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    Na verdade, o que esse incio de dcada mostrava era uma mudanasignificativa e paradoxal da sociedade civil. Para Coutinho (2002), o Brasilentrou no regime ditatorial como uma sociedade, em termos gramscianos, detipo oriental um Estado forte, autocrtico e vertical , e samos da ditaduracomo uma sociedade de tipo ocidental com mais equilbrio entre o Estado ea sociedade civil. Uma sociedade civil, todavia, que no neutra, mas expressaum alargamento da complexidade das classes e fraes de classe.

    No campo da classe detentora do capital, temos o surgimento ouadensamento de poderosos aparelhos de hegemonia e instituies polticascriadas ou moldadas na ptica de seus interesses. A poderosa Rede Globo ltimo vago do ltimo trem da abertura como bem demarca Sonia Rummert(1986), constituiu-se no aparelho de hegemonia mais poderoso da ditadura edas foras que buscavam prolong-la. Roberto Marinho constitui-se no primeiro-ministro de fato, por esse poder, at praticamente sua morte.

    Dois episdios emblemticos, um no incio da dcada de 1980 e outro aofinal, elucidam o que acabamos de afirmar. A campanha das Diretas j,desencadeada em 1984, de forma crescente foi reunindo multides em comcios.Mais de 100 mil em Curitiba, na abertura da campanha, em 12.01.1984; nomesmo ms, 250 mil em Belo Horizonte; em abril, 300 mil na praa da S, emSo Paulo. No dia 10 de abril, 1.100.000, na Candelria, e, finalmente, 1.500.00na praa da S, em 16 de abri de 1984. A Rede Globo fazia de conta que nadaestava acontecendo como no caso do megacomcio da praa da S, em SoPaulo, que ela noticiou se tratasse dos festejos do aniversrio da cidade.

    O outro episdio foi a armao da sinopse do ltimo debate dos candidatosCollor de Mello e Lula, sob os auspcios da emissora. Passou a ser um escndalojornalstico internacional, com ampla documentao da BBC de Londres, aforma parcial da reiterada divulgao ultratendenciosa sntese do debate.

    Fortificaram-se, tambm, como organismos de classe do capital e ganhamespao as Confederaes Nacionais da Indstria CNI e do Comrcio CNC,bem como criaram-se institutos a elas vinculados, como o Instituto Euvaldo Lodi

    IEL e o Instituto Herbert Levy IHL.9

    A Federao das Indstrias do Estadode So Paulo FIESP ganha espao poltico e disputa, aliada aos demais rgosque representam o capital, o projeto educacional em debate na Constituinte.

    No espao agrrio cria-se a Unio Democrtica Ruralista UDR,expresso das foras que expressam a resistncia mais violenta contra a reforma

    9 A importncia desses aparelhos de hegemonia na disputa do projeto societrio e, especificamente,educacional nas dcadas de 1980 e 1990 evidenciada de forma detalhada por Rodrigues, 1998.

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    agrria e as reformas de base mais amplas na sociedade brasileira. Foras quese ramificam no Parlamento, com uma poderosa bancada de deputados esenadores, filiados a novos partidos de perfil claramente de direita (PP e PFL),no Judicirio com juzes comprometidos com o latifndio, e no Executivo,mormente nos setores ligados agricultura.

    No mbito das foras vinculadas aos interesses da classe trabalhadora es demandas populares, emergem novos sujeitos polticos: as comunidadeseclesiais de base, uma frao da Igreja catlica, mas no s, vinculada lutacontra a ditadura e pela redemocratizao do pas tem papel importante noincio da dcada de 1980. A criao da Central nica dos Trabalhadores CUT, em julho de 1983, expressa um campo de foras da classe trabalhadora,afirmando, naquele momento, o que se denominou um novo sindicalismocom perfil explcito de classe.10 O PT, cujo manifesto de criao foi divulgadoem 10.02.1980, tem sua base fundamental nesses dois sujeitos coletivos.

    Mas , sem dvida, a organizao oficial do Movimento dos Sem Terra MST em 1984 que expressa o surgimento de um novo sujeito social que colocacomo pauta de luta o direito terra e um novo projeto de desenvolvimento ede relaes de propriedade no campo. A luta pela reforma agrria a pedraangular, mas com a clareza de que ela, por si s, no representa uma rupturacom o capitalismo. O projeto do MST vai alm das reformas para manter aordem do capital e busca outras que promovam, no campo e na cidade, foraspara um projeto que vise a superao. O campo da cultura e da educao, deincio incipiente, vai ganhando prioridade e centralidade ao final da dcada.

    A primeira metade da dcada de 1980 caracteriza-se por movimentoslentos de conquistas democrticas elementares, mas, ao mesmo tempo, de clararesistncia das foras de direita que estavam instaladas na fora bruta daditadura no tecido social amplo.

    Os sinais de redemocratizao so dados pelo fim da censura oficial emfevereiro de 1980; pela volta dos exilados em 1981; pelas eleies diretas paragovernadores, em 1982; pela apresentao, pelo deputado Dante de Oliveira,

    da emenda das eleies diretas para Presidncia Emenda que foi derrotadaem 25.04.1984. A eleio seria indireta, e o novo presidente, eleito pelo ColgioEleitoral, instituio plasmada pela ditadura e sob seu controle. No mbitosindical, em julho de 1983, a CUT convocou a primeira greve geral.

    10 O desdobramento desse sindicalismo na dcada de 1990 e, especialmente, no momento que vivemos apartir de 2003 obriga o campo da esquerda a um inventrio e a uma anlise mais profunda sobre anatureza desse sindicalismo. As anlises, j mencionadas sob outros aspectos, de Oliveira (2003) e deBoito (2004) nos propiciam as primeiras indicaes desse inventrio.

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    As foras brutas da ditadura no se davam por vencidas e buscavamdesestabilizar os passos iniciais da frgil redemocratizao poltica. Em 25 marode 1981, explode uma bomba no jornalTribuna da Imprensa, reconhecidamentecrtico do regime. Dois meses depois, em 15 de maio, monta-se o atentado combombas, abortado por erro, no Rio Centro, onde estavam concentradas milharesde pessoas num evento artstico e de apoio redemocratizao. Um ano maistarde, setembro de 1982, o ltimo presidente da ditadura civil-miltar, Figueiredo,proibiu debates eleitorais na televiso. So sinais inequvocos de que boa partedos promotores da ditadura no tinha entregado todas as fichas.

    A segunda metade da dcada de 1980 inaugurada com a eleio indiretade Tancredo Neves, em chapa com Jos Sarney. Tanto a forma indireta de eleioquanto os perfis dos candidatos explicitam o teor conservador emblemtico danatureza da transio democrtica. Tancredo Neves, um poltico historicamentehbil na artimanha de conciliao, consenso, negociao e entendimento,acima referidos, no rearranjo do poder das elites dominantes. Arte de mudar,conservando, agora em mos de civis. Jos Sarney, figura tambm hbil, oriundadas oligarquias nordestinas e que presidiu o maior partido (ARENA) que deu ditadura o disfarce de um parlamento em funcionamento.

    A morte inesperada de Tancredo d espao para uma comoo produzidapela mdia, mormente a Rede Globo, e para dias de impasse sobre o futuro.Sarney assume, sem dvida, com frgil poder poltico. A crise econmicaproduzida no bojo da tese do milagre econmico, com fortssimo endividamentointerno e externo, habilmente retardada pelos ltimos ministros do regimeditatorial, detonou, ironicamente, nas mos de quem tinha sido o avalistapoltico dessas medidas ao longo da ditadura.

    Paralelamente, desenha-se um novo cenrio internacional, em que ospases ricos se organizam e estabelecem uma agenda para manter sua posiohegemnica. J estavam em curso as medidas e a elaborao das regras a seremimpostas aos pases devedores, que foi batizada, no final da dcada (1989)como Consenso de Washington. A economia interna foi sendo cada vez maisdesestabilizada por uma inflao desenfreada e agravada pelo processo deestagflao (inflao com recesso econmica),aumento das dvidas interna eexterna, aumento do desemprego etc. Nesse contexto, as equipes econmicastentam a magia de planos econmicos de estabilizao.

    Em 1986 veio o Plano Cruzado com mudana de moeda. Em fevereiro de1987, o governo declaraa moratria unilateral da dvida externa.Em junho domesmo ano, um novo instrumento econmico o Plano Bresser em refernciaao ento ministro da Fazenda. Finalmente, em janeiro de 1989, ltimo ano de

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    governo, o Plano Vero, com mudana de moeda, o corte de trs zeros e ocongelamento de salrios e preos.

    Na rea social, esses planos tiveram resultados que agravaram as condiesde pobreza dos trabalhadores, tremendamente atingidos pelas polticas do arrochosalarial dos governos da ditadura e pelo desemprego e subemprego.11 o GovernoSarney que inaugura a adoo de polticas focais e de alvio pobreza, to emvoga como recomendao explcita dos organismos internacionais, mormente oBanco Mundial, a partir dessa poca. Um dos programas, sustentado com intensapropaganda, era o de distribuio de leite s crianas pobres. nesse perodo,tambm, que comeam a ser separados os planos econmicos e social.

    Renato Janine Ribeiro (2000) sintetizou essa tendncia como sendo asociedade contra o social em que, no discurso dos governantes ou no doseconomistas, a sociedade veio a designar o conjunto dos que detm o podereconmico, ao passo que o social remete, na fala dos mesmos governantes oudos publicistas, a uma poltica que procura minorar a misria. (p. 19)

    nesse quadro econmico e social mais amplo que se d o embate daConstituinte. A Assemblia Nacional Constituinte inicia-se em 1987 e seencerra, em 1988, com a aprovao da nova Constituio que, sem dvida,contabiliza ganhos significativos para os direitos polticos, sociais e subjetivos.Expressa o equilbrio das foras sociais nas diferentes fraes de classe do capitale do trabalho, no se apresentando, portanto, nenhuma dessas foras comohegemnica. O dado histrico emprico que refora essa compreenso dizrespeito ao fato de que as teses e polticas neoliberais j em prtica em vriaspartes do mundo no vingaram no texto da Constituio.

    Se as polticas expressassem, em seguida, a letra da nova Constituio,com um sculo de atraso, poderamos construir reformas que nos aproximariamdas democracias europias que, nos ltimos 50 anos, conseguiram regular o capitale criar sociedades com acessos mais democrticos aos bens e aos direitos polticos,sociais e subjetivos. Se isso ocorresse, certamente Ulisses Guimares teria tidorazo ao dizer que se tratava de uma Constituio cidad, ainda que,

    certamente, nos marcos da cidadania restrita, possvel na sociedade capitalista.O campo educacional, em sentido amplo e no mbito especfico do objetodesta pesquisa a educao tecnolgica e profissional de nvel mdio , constituinte e constitutivo do embate das foras sociais em disputa na dcada.

    11 No Atlas da Excluso Social no Brasil II , Campos, Pochmann, Morin, e Silva, (2003) revelam que nasdcadas de 1980 e 1990 h uma piora geral nos indicadores sociais, mormente com o crescimento dodesemprego e da violncia.

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    Com efeito, como mostra Cunha (1991), a rea educacional, capitalizando odebate crtico e o confronto de concepes, mobiliza-se com novas experinciase lutas. De incio em cidades (j ao findar a dcada de 1970) e, depois, emestados (Paran, Minas), estruturam-se propostas alternativas de educao,tendo como foco a democratizao e a superao do tecnicismo. Tambm omovimento sindical docente cresce e rearticula-se. Em 1980 as Associaes deDocentes de Ensino Superior deflagram uma greve nacional que se estendeupor mais de dois meses.

    No mbito do debate de idias e propostas no campo da educao,ao longo da dcada de 1980, organizam-se cinco Conferencias Brasileirasde Educao CBEs, sendo a primeira em abril de 1980, e a ltima emagosto de 1988. A primeira, no por acaso, efetivada na PUC de SoPaulo, onde se desenvolvia um programa de doutoramento, iniciado em1978, com base dominante num referencial de anlise inscrito na tradiodo materialismo histrico.

    O carter aglutinador e difusor do debate crtico em mbito nacional,especialmente das CBEs, pode ser aferido pelo nmero de participantes daprimeira quinta: 1.400; 2.000, 5.000, 6.000 e 6.000, respectivamente. Tratava-se de um debate de forte trao ideolgico e poltico, e, no campo terico, comnfase nas concepes por Saviani (1986) denominadas crtico reprodutivistasmas tambm incluindo concepes crtico-crticas. A idia de democratizaosubstantiva no campo educacional, fortemente presente na dcada de 1980,expressava uma reao ao carter autoritrio das reformas e polticaseducacionais efetivadas ao longo da ditadura civil-militar. O confronto nombito da concepo de prticas educativas na escola d-se entre tecnicismo,economicismo, fragmentao, dualismo e a perspectiva da escola pblica,gratuita, laica, universal, unitria, omnilateral, politcnica ou tecnolgica.Trata-se de conceitos, por um lado de tradio republicana (escola pblica,laica, gratuita e universal) e, por outro, de tradio marxista (unitria,omnilateral, politcnica ou tecnolgica).12

    No mbito dos confrontos ao longo do processo constituinte e,especialmente em seguida, no incio da nova Lei de Diretrizes e Bases daEducao Nacional, ganha ampla centralidade poltica e ideolgica o debateda educao politcnica. Os aparelhos de hegemonia vinculados ao

    12 Mais recentemente tm surgido anlises que sinalizam a melhor pertinncia do conceito de educaotecnolgica para expressar a concepo de Marx de educao. A discusso que Saviani (2003) efetivaa esse respeito, argumentando que no Brasil, por razes histricas especficas, mais adequado oconceito de politecnia, parece-nos pertinente e consistente.

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    capital13 reclamavam mudanas na educao, sob o argumento das mudanastecnolgicas, centrando seu foco, todavia, na concepo de educaopolivalente para um trabalhador multifuncional, adaptado, subserviente aomercado. Um dos dirigentes mais influente do SENAI, sintetiza com clareza aptica educativa que o capital disputava.

    Longe de se pensar na desqualificao da fora de trabalho pelo advento dainformatizao, o que se considera a formao integral do tcnico que de umacerta forma vem a ser a polivalncia, distinta dos princpios marxistas e ajustada realidade do desenvolvimento da cincia e da tecnologia (...) A polivalnciana escola deve aproximar-se da polivalncia do mercado. (Boclin, 1992: 21)

    O exame da produo escrita, porm, como revelam os textos analisadosnesta pesquisa e a pequena presena desse debate e de sua prxisefetiva naescola, nos permite hoje perceber que a discusso sobre a educao politcnicafoi marcada dominantemente no plano poltico e ideolgico.14 A nfase queassumiram discusso da politecnia e sua repercusso na mdia deveu-se, emgrande parte, ao fato muito particular de que o deputado Otavio Elisio, atentoao debate educacional da poca, tomou quase literalmente o texto de umaconferncia que Dermeval Saviani (1988) faria na XI Reunio Anual daAssociao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Educao ANPEd e

    o transformou em proposta de projeto de lei. O texto tinha como ttuloContribuio elaborao da nova lei de Diretrizes e Bases para a EducaoNacional: Um incio de conversa, e expunha a concepo de educaopolitcnica como o horizonte para o debate da LDB.15

    No por acaso os embates mais duros no processo constituinte e desde osprimeiros debates da LDB deram-se em torno da educao tecnolgica eprofissional. A forte mobilizao da sociedade civil vinculada aos interesses dostrabalhadores pela democratizao e por uma nova funo do Sistema S, o embate

    13 Referimo-nos, entre outros Confederao Nacional das Indstrias (CNI), Instituto Euvaldo Lodi

    (IEL), Federao das Indstrias de So Paulo (FIESP), Instituto Herbert Levy (IHL) e ServioNacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).14 Florestan Fernandes (1995), num balano crtico sobre as dificuldades do avano da luta revolucionria

    no Brasil sinaliza que o campo de esquerda tem, por vezes, compensando essa dificuldade pelaexaltao terica ou revolucionarismo subjetivo. Trata-se, em outros termos, da nfase no embateideolgico, que fundamental, mas que fica distante do avano mais amplo na materialidade dasrelaes sociais e prticas educativas.

    15 Por motivos pessoais Dermeval Saviani no pde ir referida reunio, mas mandou como contribuioo texto acima referido. No poderia passar pela cabea do autor que aquele texto fosse apropriado,quase na ntegra, em forma de proposta de projeto de lei.

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    quanto tese dagesto tripartite,a ser includa no texto constitucional, e aorgnica resistncia dos aparelhos de hegemonia do capital evidenciavam quea mentalidade empresarial e seus gestores no estavam dispostos de ir alm damodernizao do arcaico. Na disputa de assinaturas colhidas na sociedadesobre agesto tripartite,as foras associadas ao capital tiveram ampla supremacia.Isso serviu de base para que prevalecesse a tendncia conservadora do CongressoConstituinte nesse mbito. Num mbito mais geral, os setores conservadoresdas igrejas. mormente a catlica, mas no s, aplicavam um duro golpe teseda educao laica.

    Como um dos deputados constituintes mais combativos no campo daeducao, com sua profunda compreenso do jogo das fraes da burguesiabrasileira e das foras conservadoras, Florestan Fernandes percebeu que aospoucos o texto constitucional que seria aprovado no alteraria ostatus quo nocampo educacional.

    A educao nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavamque isso mudasse com a convocao da Assemblia Nacional Constituinte.Mas a constituio promulgada em 1988,confirmando que a educao tidacomo assunto menor, no aliterou a situao. (Fernandes, 1992)

    A educao tecnolgica e profissional de nvel mdio, foco bsico desta

    pesquisa, foi alvo tambm de intensos debates e mudanas ao longo da dcada.Particularmente a Rede de Escolas Tcnicas Federais, algumas delas jtransformadas em Centros Federais de Educao Tecnolgica, foi objeto de debatese disputas. Uma rede que durante a ditadura civil-militar se constitua numenclave, e cujas direes, na maioria, eram abertamente favorveis ao regime ouse mantinham, por interesse, coniventes. O debate poltico ideolgico e tericoacima referido, que vinha da sociedade, refletia-se tambm internamente.Ampliava-se a demanda de maior democratizao e de novos enfoques educativosque rompessem com o tecnicismo e o economicismo na rede.

    O mecanismo de eleies internas permitiu, em alguns casos, a ascenso direo das escolas de professores engajados na luta poltica pela redemocratizao.A Escola Tcnica de Campos foi pioneira ao desbancar um diretor que se mantinhano poder por mais de uma dcada, passando, ento, a desenvolver intenso processode democratizao organizativa e nas concepes educativas.

    No campo das polticas do Estado, porm, as mudanas que se efetivavameram de carter conservador. Por um lado, a tentativa de implantar os cursosde tecnlogos de curta durao, mormente na rea de engenharia da produo.Por outro, um projeto de expanso do ensino tcnico com a criao de 200

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    A formao do cidado produtivo a cultura de mercado no ensino mdio tcnico

    escolas tcnicas industriais e agrotcnicas. Em relao aos cursos de tecnlogos,a resistncia veio tanto das crticas pelo campo da esquerda quanto da culturado bacharel ou do diploma do ensino superior.

    Quanto expanso do ensino tcnico, como demonstramos em pesquisasobre o tema, os dados empricos e especialmente as avaliaes qualitativas,reforam o indcio da mentalidade clientelista e obrerista (...). A melhoria eexpanso se ateve, sobretudo, aos prdios. O que falta, e para isso no se senteno projeto vontade poltica construir a materialidade de um projeto querompa com a viso imediatista, mercadolgica de educao (...) e busqueconstruir uma nova funo social s escolas tcnicas existentes. (Frigotto,Franco e Magalhes, 1992: 47)16

    O balano no campo educativo da dcada de 1990 indica que pelo fatode haver forte mobilizao poltica, sindical, dos intelectuais, dos artistas edos movimentos sociais engajados na luta democrtica, mantinha-se a esperanade que a concluso da transio para a democracia, e com sentido progressista,poderia ocorrer, com as eleies de 1989.

    O ltimo ano da dcada de 1980 reservaria, entretanto, trs fatosaltamente correlacionados, dois de ordem internacional e um nacional,indicando de imediato que a Constituio no seria para valer e que seaprofundaria a regresso societria no mundo e, particularmente, no Brasil.

    Em 09 de janeiro de 1989 d-se a derrubada do Muro de Berlim,concomitante com a derrota do socialismo real. Esse fato fonece a base paraconstruir a tese sofstica de Francis Fukuyama a respeito doFim da Histria,designando o fim da utopia socialista e a verdade eterna das leis de mercadoe do capital. A tese neoconservadora de Margaret Teacher de que no hsociedade e sim indivduos, passa a se constituir no emblema implcito daspolticas neoliberais no plano econmico, cultural e educacional.

    O segundo, j mencionado, o Consenso de Washington, que traa umprograma ultraconservador monetarista deajuste mediante reformas quepermitissem a desregulamentao da atividade econmica, privatizao do

    patrimnio pblico e a abertura, sem restries, das economias nacionais(perifricas e semiperifricas) ao mercado e competio internacional.

    16 A pesquisa que coordenamos teve como objeto o acompanhamento, documentao e anlise dos programasde melhoria e expanso do ensino tcnico industrial, 1984-1989, INEP/UFF. Vale ressaltar que esse programase desenvolveu, principalmente, durante o Governo Sarney e que, desde sua origem, disputava espao noplano da luta poltica com o projeto dos CIEPs, que se constitua na pea bsica de propaganda poltica dogovernador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, abertamente declarado candidato Presidncia da Repblica.

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    PARTE I| AS DCADAS DE 1980 E 1990

    Finalmente, no plano nacional as foras do capital (internas e externas), semalternativa de um candidato para a primeira eleio direta aps a ditadura, articulam-se em torno de Fernando Collor, que viabilizou sua candidatura num partido nanico:Partido da Reconstruo Nacional PRN. As foras conservadoras utilizaram todosos mecanismos para impedir a vitria de Luiz Incio da Silva no segundo turno, porentenderem que era uma ameaa real, mormente naquele contexto, aos novostempos programados para a vingana do capital contra as polticas e foras que oregulamentavam.. Estava aberto o cenrio para a dcada de 1990 anular, uma auma, as conquistas constitucionais do captulo da ordem econmica e social.

    A primeira metade da dcada de 1990, numa direo socialmenteregressiva, , tambm marcada pela instabilidade. O ano de 1990 comea comos delrios de um presidente sem condies ticas, polticas e psicolgicas degovernar. Surpreende o pas com o Plano Collor, com o confisco da poupana eum declogo de medidas quimricas para colocar o pas na era da modernidade.Na verdade, seu programa de reconstruo nacional buscava atender s diretrizesdos organismos internacionais, de abertura do mercado, reforma do Estado erestrio dos direitos sociais enunciados pelo Consenso de Washington.

    O sintoma desse iderio dado em documento da Federao das Indstriasde So Paulo (1990), cujo ttulo sintetiza seu contedo ideolgico Livre paracrescer . Com efeito, o documento mostra a essncia da direo das reformas:Aqui se faz uma opo: por um Brasil moderno, eficiente e competitivo, adultoe sem paternalismo; inserido no Primeiro Mundo, respeitando os valoresfundamentais da comunidade Internacional, que so tambm os nossos.

    Se o incio da dcada de 1980 foi marcado pelo tema da democracia, oda dcada de 1990 demarcado pela idia de globalizao, livre mercado,competitividade, produtividade, reestruturao produtiva e reengenharia, erevoluo tecnolgica. Um declogo de noes de ampla vulgata ideolgicaem busca do consenso neoliberal.

    Mas no foi preciso muito tempo para