a filosofia na prática spinoza
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por Paulo NogueiraTRANSCRIPT
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A filosofia na prática (6.o de uma série) – Spinoza e o eterno espetáculo da miséria humana. Por Paulo Nogueira
São clássicas as palavras de advertência do imperador filósofo Marco
Aurélio em suas Meditações: “Previna a você mesmo ao amanhecer:
‘Vou encontrar um intrometido, um ingrato, um insolente, um
astucioso, um invejoso, um avaro’.”
Marco Aurélio, que comandou com reconhecida e admirada sabedoria
Roma em seu último período de glória, referia-se ao espetáculo
eterno da miséria humana. Não há como fugir dela. As pessoas com
as quais convivemos enquadram-se, quase sem exceção, na lista de
atributos feita por Marco Aurélio.
Os sábios jamais pretenderam eliminar a miséria humana,
simplesmente porque é impossível. Mas muitos deles se empenharam
em ajudar-nos a lidar com ela.
A atitude oposta de dois pensadores gregos perante o caráter
degradado da humanidade serviu de exemplo para reflexões de
vários filósofos. Para resumir, um deles, Heráclito, chorava quando via
as coisas que aconteciam a seu redor. O outro, Demócrito, ria.
A conclusão a quem chegaram os sábios que refletiram sobre esse
contraste foi quase unânime: é melhor fazer como Demócrito. Rir dos
absurdos que nos rodeiam, em vez de chorar. Não se lamurie, não se
indigne. Ria apenas.
Coube ao holandês Baruch Spinoza (1632 – 1677) estabelecer uma
espécie de terceiro caminho. Disse ele: “Nem rir e nem chorar:
apenas entender”.
Spinoza nasceu de uma família judia de Portugal. Com a perseguição
aos judeus na Inquisição, os Spinozas fugiram para Amsterdã.
Einstein disse que ninguém o influenciou tanto quanto Spinoza. Em
sua aclamada História da Filosofia Ocidental, o intelectual inglês
Bertrand Russell definiu Spinoza como “o mais nobre e mais amável
dos grandes filósofos”.
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Com isso Russell queria dizer que ele teve uma vida exemplar: nos
moldes daquilo que pregava. A maior prova de grandeza de um
pensador é exatamente esta: viver na prática como, na teoria, diz aos
outros que devem viver.
“O mundo seria muito melhor se as pessoas tivessem a mesma
disposição para ouvir que tem para falar”, disse Spinoza.
Ele morreu aos 44 anos, de tuberculose. Não tinha bens materiais.
Vivia com simplicidade. E mostrou coragem diante da morte. “No
último dia de sua vida, estava inteiramente calmo”, escreveu Russell.
Percebe-se aí a grande afinidade de suas ideias com o estoicismo.
Controle as paixões e você terá uma vida serena. Você nem subirá
aos céus nos momentos bons e nem descerá aos infernos nos
momentos ruins. Quem se deixa levar para euforia desvairada no
triunfo está condenado ao abismo na derrota.
Prestemos atenção nisso. Essa é a mensagem.
“O homem sábio dificilmente é perturbado em seu espírito”, disse
Spinoza no último parágrafo de sua obra magna, Ética, publicada
postumamente. “Embora o caminho que apontei para a sabedoria
possa parecer excessivamente difícil, pode ser encontrado. É mesmo
árduo. Raramente é achado. Tem que ser assim. Todas as coisas
excelentes são tão difíceis como raras”.
A obra e a vida de Spinoza são um estímulo indelével à perseverança,
ao esforço tenaz e continuado para ver as coisas menos
apaixonadamente. Só assim se pode nem rir e nem chorar diante da
miséria humana, mas apenas entender.