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A economia brasileira recente à la Duménil e Lévy: um ensaio marxista Bruno Miller Theodosio 1 A miséria da dualidade Muito além de um mero debate entre ortodoxos versus heterodoxos, os (des)caminhos recentes da economia brasileira são fruto de política econômica errada, cenário externo desfavorável e incapacidade política de governar. Contudo, antes de descrever o Brasil, por que o debate ortodoxia x heterodoxia (colocando a culpa no segundo grupo) é pobre neste caso particular? A resposta: ele é pobre se não se leva em conta a ordem social vigente ao analisar se uma política foi inócua do ponto de vista de resultados. Ora, criar categorias é um mecanismo racional, portanto, humano, para que a partir da compartimentalização o mundo se torne apreensível. Classificamos através da aparência, por semelhança ou mecanismos similares de funcionamento. E é assim que encerramos o debate econômico ao carimbar Keynesianos, Neokaleckianos, Pós- Keynesianos, Marxistas, Sraffianos, Neoricardianos, Historiadores Econômicos e até Institucionalistas como heterodoxos enquanto os inimigos do outro lado do corredor são os ortodoxos, um time formado pelos Austríacos Novos-Keynesianos, Neoclássicos, RBC, modelagem DSGE, os “econometristas”, Novos-Clássicos, Chicaguistas, Monetaristas e por aí vai... Pela quantidade de correntes teóricas citadas (e olha que faltam muitas) e pela eventual divergência na hora de catalogar: seriam os Austríacos e Institucionalistas ortodoxos? Os Novos-Keynesianos são mesmo heterodoxos? Não existem historiadores ortodoxos? percebe-se: não se ganha nada dando nomes e categorias rígidas para linhas teóricas que, em si, nem tem tanta convergência assim para que possam ser classificadas sob uma mesma rubrica. Nós (___)doxos (complete seja com orto, seja com hetero) não somos unidos a ponto de sermos objeto de uma crítica de totalidade. 1 [email protected]

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A economia brasileira recente à la Duménil e

Lévy: um ensaio marxista

Bruno Miller Theodosio1

A miséria da dualidade

Muito além de um mero debate entre ortodoxos versus heterodoxos, os

(des)caminhos recentes da economia brasileira são fruto de política econômica errada,

cenário externo desfavorável e incapacidade política de governar. Contudo, antes de

descrever o Brasil, por que o debate ortodoxia x heterodoxia (colocando a culpa no

segundo grupo) é pobre neste caso particular? A resposta: ele é pobre se não se leva em

conta a ordem social vigente ao analisar se uma política foi inócua do ponto de vista de

resultados.

Ora, criar categorias é um mecanismo racional, portanto, humano, para que a partir

da compartimentalização o mundo se torne apreensível. Classificamos através da

aparência, por semelhança ou mecanismos similares de funcionamento. E é assim que

encerramos o debate econômico ao carimbar Keynesianos, Neokaleckianos, Pós-

Keynesianos, Marxistas, Sraffianos, Neoricardianos, Historiadores Econômicos e até

Institucionalistas como heterodoxos enquanto os inimigos do outro lado do corredor são

os ortodoxos, um time formado pelos Austríacos Novos-Keynesianos, Neoclássicos,

RBC, modelagem DSGE, os “econometristas”, Novos-Clássicos, Chicaguistas,

Monetaristas e por aí vai... Pela quantidade de correntes teóricas citadas (e olha que faltam

muitas) – e pela eventual divergência na hora de catalogar: seriam os Austríacos e

Institucionalistas ortodoxos? Os Novos-Keynesianos são mesmo heterodoxos? Não

existem historiadores ortodoxos? – percebe-se: não se ganha nada dando nomes e

categorias rígidas para linhas teóricas que, em si, nem tem tanta convergência assim para

que possam ser classificadas sob uma mesma rubrica. Nós (___)doxos (complete seja com

orto, seja com hetero) não somos unidos a ponto de sermos objeto de uma crítica de

totalidade.

1 [email protected]

O caminho histórico da economia mundial no século XX

A briga aqui não é meramente entre heterodoxia ou ortodoxia (entre qual tipo de

política econômica se faz), “soltas no ar”. A política econômica implementada sempre

comtempla interesses determinados, mas não como meros instrumentos

descompromissados, mas sim dentro de uma ordem social vigente em cada período

histórico específico. O meu contraponto, seguindo Duménil e Lévy (2014), é a

inadequação da aplicação de um conjunto de políticas econômicas “fora de seu lugar”, ou

seja, forçar um tipo de política econômica em um ambiente hostil a ela, no qual o

compromisso entre as classes dirigentes se baseia noutra perspectiva de mundo. O

momento das recentes políticas heterodoxas de sustentação do nível de emprego, salário

real e uma perspectiva simpática ao lado do trabalho se deu sob uma segunda hegemonia

financeira (aqui chamada de neoliberalismo), na qual o compromisso é aquele firmemente

assentado no capital portador de juros e no capital fictício, ou seja, na valorização

financeira dos ativos e em uma tentativa de descolamento da esfera financeira dos

interesses da produção. Enquanto no pós-guerra a acumulação teve o sistema creditício

como alavanca e um compromisso social do lado de baixo (gerentes e trabalhadores),

agora a tentativa de autonomização das finanças leva ao descolamento entre produção

real e finanças e a mudança, para cima, do compromisso (entre gerentes e capitalistas) –

o neolibealismo.

Fundamentalmente, o neoliberalismo2 é a mais recente ordem social que constitui

o capitalismo moderno, fruto de três revoluções: a revolução corporativa, a revolução

financeira e a revolução gerencial:

(i) A revolução corporativa se refere à onda de incorporações entre as

empresas a partir dos anos 1900

(ii) A revolução financeira reflete o sistema bancário em expansão acelerada

para financiar as incorporações entre as empresas, mas para além de

complementariedade creditícia à produção ocorre certa dominância em

relação ao sistema produtivo por parte das finanças

2 Aqui se assume uma perspectiva global e mais abstrata.

(iii) A revolução gerencial na direção da governança corporativa, dando mais

poder ao pessoal administrativo assalariado e configurando um

aprofundamento da separação entre propriedade e administração

Com isso, uma configuração tripolar de classes aparece, ou seja, surgem “padrões

de classe mais complexos que uma simples distinção entre capitalistas e operários na

produção”3 sendo que no capitalismo se “viu a expansão dos gerentes e pessoal

administrativo”4. A ideia é que no capitalismo moderno, do século XX o capitalista

deixou de ser proprietário e gerente da produção ao mesmo tempo. Agora o pessoal

administrativo e de escritório, que gerencia as empresas, se descolou da propriedade e

ganhou certa autonomia. De um lado ficaram as classes capitalistas, nas quais algumas

famílias controlam grandes lotes de ações e apólices, de outro, as classes gerenciais

(pessoal administrativo e de escritório) e que comandam as empresas.

No pós-guerra um certo compromisso social se deu entre as classes gerenciais e

as classes populares em um projeto social-democrata, aqui qualificado como

compromisso keynesiano, no qual a manutenção do nível de emprego, salário real,

direitos sociais e do welfare state foram resultado do manejo técnico da macroeconomia

por meio de políticas econômicas anticíclicas e intervenção direta do Estado na economia,

como controle dos fluxos de capitais e limitações ao comércio externo – levados a cabo

pela luta de classes, é claro. Nesta configuração societária os interesses capitalistas foram

colocados em segundo plano com regulação financeira e a contenção dos interesses das

finanças via subordinação do crédito à acumulação do setor produtivo e queda nas taxas

de juros. Na década de 1970 a crise econômica chegou; um fator determinante para que

3 Duménil e Lévy, 2014, p.23 4 idem

ela ocorresse foi a efetivação do que Marx chamou de Lei da Queda Tendencial da Taxa

de Lucro (LQTTL). Para observá-la Duménil e Lévy constroem algumas medidas de taxa

de lucro, sendo à la Marx [𝑙𝑢𝑐𝑟𝑜 = (𝑟𝑒𝑛𝑑𝑎 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 – 𝑟𝑒𝑚𝑢𝑛𝑒𝑟𝑎çã𝑜 𝑑𝑜 𝑡𝑟𝑎𝑏𝑎𝑙ℎ𝑜)/

𝑐𝑎𝑝𝑖𝑡𝑎𝑙 𝑓𝑖𝑥𝑜])5 a expressão da LQTTL.

5 Ibidem, p.66

Retirado de Duménil e Lévy (2014)

O compromisso keynesiano resultou em um crescente processo inflacionário

decorrente do aumento poder de compra das classes populares e, simetricamente, queda

da taxa de lucro aos capitalistas. As classes dominantes não aceitaram a transferência de

renda dos credores em favor dos tomadores de crédito (setores não financeiros, famílias

e governo). Ambos, redução paulatina da lucratividade (vide gráfico das diversas formas

de cálculo da taxa de lucro) e a crescente subida dos preços nos EUA estão na raiz do

golpe na Fed Funds Rate (a taxa de juros básica da economia dos EUA) em 1979, quando

Paul Volcker, à frente do Federal Reserve implementou o receituário monetarista.

Fonte: https://research.stlouisfed.org/fred2/series/FEDFUNDS#

Os períodos são: Paul Volcker (1979-1987), Alan Greenspan (1987-2006), Ben

Bernanke (2006-2014) e Janet Yellen (2014-...). A subida vertiginosa da taxa de juros

americana precipitou a crise na América Latina no início da década de 1980 e uma forte

recessão nos EUA. Após isso o período neoliberal foi marcado por uma relativa

estabilidade inflacionária até os anos 90, o que inclusive trouxe a teoria da Grande

Moderação, na qual parecia que os economistas tinham achado a fórmula mágica da

estabilidade de preços e fim das recessões entre 1985 e 2007.

É a subida dos juros americanos que inaugura a segunda hegemonia financeira ou

o neoliberalismo. Nesta abordagem o neoliberalismo é, fundamentalmente, uma segunda

hegemonia das finanças (a primeira foi nos idos do século XIX), não como uma indústria

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Fed Funds Rate

separada em oposição à produção, mas sim a conjunção das classes capitalistas e

instituições financeira, que são instrumentos à serviço do capital para dominação da

economia. A era neoliberal tem nas figuras de R. Reagan e M. Tatcher os seus principais

ideólogos e se experimenta a apologética do livre-mercado com o desmonte da ordem

social anterior: desregulamentação dos mercados de trabalho, abertura das economias,

liberdade aos fluxos de capital, tolerância zero com a inflação, corte de direitos sociais,

ou seja, revogação do ideário keynesiano de macropolíticas anticíclicas e

intervencionismo estatal. Sai de cena o Estado e entra o mercado, assim como o

compromisso entre classes populares e classes gerencias típico da época social-democrata

dá lugar a um consenso acima, entre os gerentes e os capitalistas.

A convergência entre o capital e os gerentes se dá pelo fato de que há um

deslocamento dos gerentes em relação ao pessoal interno às firmas. Com a segmentação

salarial interna os gerentes se tornam uma camada privilegiada que sobrevive de renda do

trabalho (com altos salários) e renda de capital porque muitos são pagos com ações e

outros ativos financeiros. A hibridização no topo (termo de Duménil e Lévy) converge

os interesses da gerência para o lado das classes capitalistas e todo um processo de

hipertrofia financeira se segue: cresce o endividamento do setor financeiro, as opções de

produtos do mercado financeiro aumentam, empresas especializadas em securitização se

tornam centrais na dinâmica financeira e os agentes começam a trabalhar cada vez mais

com dívidas securitizadas, ativos lastreados em securities, derivativos, hedge funds,

fundos de pensão e diversos mecanismos de diluição de riscos e aumento de lucratividade.

De um ponto de vista marxista, o que se tem é a dominância do “capital portador de juros”

(D-D’) e do “capital fictício” (um fluxo de pagamentos sem um capital que gere este

rendimento como fluxo, por exemplo um título da dívida pública que gera um fluxo de

pagamento sem ter um lastro direto no setor produtivo de mais-valor) e o aprofundamento

do fetiche, o que ganhou o nome de financeirização. Uma indicação do tamanho das

finanças pode ser vista na imagem a seguir.

Retirado de Duménil e Lévy (2014)

Foram criadas também diversas agências que calculam os riscos de cada um

desses papéis e tipos de dívidas e dão notas a estes, levando em conta desde termos

qualitativos como cenário macroeconômico, questões jurídicas até questões quantitativas

como o fluxo de caixa, análise de balanços: são estas as agências de rating que dão nota

aos papéis de empresas e títulos das dívidas dos países, dizendo “quem é bom pagador”

ou não. Um dos grandes problemas das agências de rating é que, por vezes, elas podem

ser capturadas por setores e grupos específicos de economia para que chancelem

realidades que não necessariamente refletem a realidade por detrás das empresas, por

exemplo, o caso da Enron que recebeu grau de investimento até semanas antes de falir e

o Lehman Brothers com nota “A” até a manhã de 15/9/2008, o dia no qual ele quebrou.

História econômica recente: o ensaio desenvolvimentista6

frustrado pelo neoliberalismo

O Brasil deve ser classificado como uma economia aberta dependente, ou seja,

um país que se desenvolveu competindo com grandes potências industriais e financeiras

e se industrializou tardiamente dentro da dinâmica capitalista global. O protagonismo

industrial varguista, o processo de substituição das importações experimentado em grande

parte do século XX e o II PND são alguns dos exemplos de como as elites brasileiras

nunca tomaram sua tarefa histórica de desenvolver as forças produtivas e estiveram

sempre a reboque do Estado. É neste ambiente que o endividamento estatal via imposto

inflacionário colocou uma espiral de preços a partir da década de 1960 instalando a

indexação e inércia inflacionária contidas apenas no Plano Real de 1994. O plano, a

despeito de estabilizar os preços ao zerar a memória inflacionária e retomar as funções da

moeda contou com uma âncora cambial que deixou o real sobrevalorizado porque,

segundo seus artificies, acreditava-se que a importação, ao gerar concorrência interna

reativaria a indústria nacional. O efeito catastrófico à indústria veio não somente do

aumento de competitividade-preço das indústrias estrangeiras (real sobrevalorizado)

como também de uma política monetária restritiva, com juros altos e aumento dos

depósitos compulsórios dos bancos junto ao Banco Central. Assim, a indústria brasileira

ao sofrer o encarecimento dos seus fluxos de caixa pelo encarecimento do dinheiro,

suportar uma competição desleal via câmbio sobrevalorizado ainda teve que enfrentar a

abertura econômica (via tarifas de importação) e uma política fiscal contracionista através

do enxugamento da máquina e aumento de impostos. Essa é a época das privatizações,

uma onda de vendas do patrimônio público nacional às empresas privadas nacionais e

estrangeiras porque acreditava-se que ao buscar financiamento no mercado privado e não

na emissão monetária o problema inflacionário estaria resolvido. Além da redução da

6 A inspiração é em Rugitksy (2015)

indústria nacional o que o Plano Real fez foi tornar o Brasil uma plataforma internacional

de valorização financeira, nas palavras de Paulani,

“O Brasil foi personagem da história da financeirização do capitalismo desde seu começo.

Inicialmente o país constituiu parte expressiva da demanda por crédito que ensejou a primeira

bolha global de ativos do capitalismo financeirizado, consubstanciada na crise das dívidas latino-

americanas da primeira metade dos anos 1980. Mais à frente, a partir da segunda metade dos anos

1990, tornou-se potência financeira emergente, tendo, para tanto, realizado todas as reformas

estruturais necessárias, da estabilização monetária à abertura financeira incondicional, da reforma

da previdência às mudanças na lei de falências. Posicionou-se assim como plataforma

internacional de valorização financeira, ou seja, economia emergente na qual era possível obter

elevadíssimos ganhos em moeda forte, por vezes os mais elevados do mundo. Na época do câmbio

fixo, isso foi possível graças às enormes taxas de juros e, depois da crise de 1999, mais

particularmente depois de 2003, graças também ao processo recorrente e autorreferenciado de

valorização da moeda brasileira, alavancado, como não poderia deixar de ser, pelas apostas com

derivativos”. Paulani, 2009, s.p.

É na esteira destes acontecimentos que o Lula 1, ao assinar a “Carta aos

Brasileiros” continuou as medidas do governo de Fernando Henrique Cardoso, com um

ajuste fiscal que foi compensado pelo boom das commodities nos anos 2000. No Lula 2 o

PAC apareceu como um grande estimulador da demanda agregada via gastos do governo

com crescimento recorde do PIB em 2007 (o maior desde 2004) e o consumo das famílias

e o investimento privado foram estimulados por uma política de crédito e sustentação do

salário dos trabalhadores. Outra política de gastos do governo foi a construção dos

“campeões nacionais”, empresas que teriam potencial de se tornarem líderes

internacionais em seus segmentos, sendo que os custos dessa política foram supridos via

BNDES. A crise mundial de 2008 eclodiu e o Brasil, de fato, sofreu uma “marolinha” –

em parte pelo grande compulsório dos bancos, em parte pela gestão ativa da

macroeconomia, entre outras questões que estão fora do nosso escopo.

Ao assumir, Dilma decidiu que era hora de mudar os rumos em relação às políticas

ortodoxas (câmbio valorizado, política monetária restritiva e política fiscal

contracionista) dos anos anteriores, implementadas por FHC e seguidas à risca por Lula

1. Em 2011 o Comitê de Política Monetária (COPOM) baixou os juros para 12% a.a. (o

patamar era de 12,5% a.a.) e continuou a descida até abril de 2013 quando a Selic chegou

a 7,5% a.a. Com uma política de impostos sobre operações financeiras (IOF) para

compras no exterior aumentando o IOF de 2,38% para 6,38% em março de 2011 e a queda

forçada na taxa de juros o movimento de saída de dólares do país gerou a tendência do dólar

flutuar para um equilíbrio mais alto (desde 1999 o câmbio passara a ser flutuante). O governo

Dilma enfrentou a lucratividade do setor bancário e se valeu dos bancos públicos para reduzir

as taxas de juros forçando a queda dos spreads bancários dos bancos privados.

A ideia geral é que um câmbio desvalorizado combinado com uma redução de juros

estimulariam a produção nacional retomando o investimento. Além do incentivo cambial e de

juros outro canal de estímulo viria pelo crescimento dos gastos públicos (PAC), que ao obter

lucros reanimariam o “animal spirit” do empresário brasileiro. A demanda estava constituída

mesmo que através do crédito pela recente consolidação do mercado interno (aumento do

salário real nos governos Lula e Dilma 1 e programas de transferência de renda).

Este conjunto de práticas de estímulo ao crescimento, chamado de ensaio

desenvolvimentista por Rugitsky (2015) em alusão ao termo introduzido por André Singer7

não trouxe os resultados previstos. O crescimento pequeno experimentado no período pode

ser atribuído ao papel dos termos de troca (preço das exportações dividido pelo preço das

importações) na economia brasileira. A ideia dos termos de troca afetando negativamente o

desempenho das economias subdesenvolvidas (dependentes) se baseia na tese Prebisch-Singer

(1950), a qual atribui características assimétricas no comércio internacional entre países

desenvolvidos (centro) vis-à-vis países subdesenvolvidos (periferia) levando à deterioração

secular dos termos de troca, deixando os benefícios das trocas nos países centrais.

Fonte: elaboração

própria

7 “[S]em alterar as premissas do lulismo, pois nada disso foi realizado com mobilização popular,

ocorreu um ensaio desenvolvimentista. Atacou-se os pilares da orientação neoliberal e tentou-se

criar as condições para um forte investimento produtivo, sobretudo na indústria.” Singer, 2013

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Termos de troca - Série Histórica com linha de tendência

O ponto dos autores se baseia na constatação de que os países periféricos importam

bens manufaturados e exportam bens agrícolas. Como a elasticidade-renda da demanda dos

bens primários é baixa e a elasticidade-renda da demanda dos bens manufaturados é alta os

termos de troca tendem a cair. O argumento da queda secular dos termos de troca explica

porque a capacidade de importar (CI) varie positivamente com o aumento da quantidade

exportada (Qx):

𝐶𝐼 = 𝑄𝑥 (𝑝𝑥 𝑝𝑚)⁄

A CI mostra porque as economias periféricas e dependentes precisam de grandes

volumes exportados para manter a geração da renda interna, haja vista que sua pauta de

exportações tem baixa elasticidade-preço da demanda.

Dilma governou em águas menos tranquilas pelo desaquecimento paulatino da

China, o que reduziu a demanda externa pela nossa produção, reduzindo nossas

exportações e nossa capacidade de importar. O boom de commodities que puxou

positivamente a receita da exportação e estimulou a demanda agregada serviu de restrição

ao crescimento na medida em que a China desacelerou e o Brasil perdeu a o polo dinâmico

externo, justamente no momento em que se tentava o ensaio desenvolvimentista. Os

termos de troca tiveram uma taxa de crescimento média de 4% ao ano entre 2004 e 2011

e se reduziram um em uma média de 3,75% entre 2012 e 2014. Já o quantum das

exportações teve uma taxa de crescimento média de 4% ao ano entre 2004 e 2011 e se

aumentaram um em uma média de 0,31% entre 2012 e 2014; para os a capacidade para

importar, o período 2004 a 2011 experimentou uma taxa de crescimento média de 9% a.a.

e uma redução de 3% a.a. entre 2012 e 2014 . Os dados foram calculados com base nos

índices tendo 2006 = 100.

Ano

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Troca

Taxa de

crescimento

Quantum

exportações

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Crescimento

Capacidade

para

Importar

Taxa de

Crescimento

1990 74.50 28.7 21.40385

1991 78.86 0.05852 29.5 0.02541 23.232156 0.08542

1992 80.42 0.01978 34.5 0.17040 27.728816 0.19355

1993 81.32 0.01119 40.2 0.16531 32.674376 0.17835

1994 92.89 0.14228 41.0 0.02066 38.094189 0.16587

1995 103.18 0.11078 38.6 -0.05999 39.77589 0.04415

1996 102.78 -0.00388 39.6 0.02594 40.64949 0.02196

1997 109.09 0.06139 43.6 0.10190 47.541422 0.16955

1998 107.38 -0.01568 45.1 0.03465 48.417642 0.01843

1999 93.21 -0.13196 48.6 0.07718 45.272097 -0.06497

2000 96.18 0.03186 54.0 0.11097 51.898728 0.14637

2001 96.02 -0.00166 59.1 0.09526 56.74782 0.09343

2002 94.72 -0.01354 64.2 0.08629 60.81024 0.07159

2003 93.40 -0.01394 74.3 0.15732 69.3962 0.14119

2004 94.21 0.00867 88.5 0.19085 83.357008 0.20118

2005 94.99 0.00828 96.8 0.09369 91.921823 0.10275

2006 100.00 0.05274 100.0 0.03338 100 0.08788

2007 102.10 0.02100 105.5 0.05490 107.70529 0.07705

2008 105.89 0.03712 102.9 -0.02465 108.950221 0.01156

2009 103.18 -0.02559 91.8 -0.10749 94.750194 -0.13033

2010 119.70 0.16011 100.6 0.09496 120.35835 0.27027

2011 129.04 0.07803 103.5 0.02924 133.543496 0.10955

2012 121.51 -0.05835 103.2 -0.00329 125.337565 -0.06145

2013 119.03 -0.02041 106.3 0.03054 126.52889 0.00950

2014 115.00 -0.03386 104.4 -0.01806 120.037 -0.05131

Média

entre 2004-

2011

Média entre

2004-2011

Média entre

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Média

entre 2012-

2014

Média entre

2012-2014

Média entre

2012-2014

-0.0375 0.0031 -0.0344

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Ipeadata

Os números acima são calculados por nós, mas com base na afirmação de

Rugitksy (2014), que diz que:

“Em termos de crescimento do produto e elevação da taxa de investimento, no entanto, esse

esforço não surtiu os efeitos esperados. A razão, em parte, parece estar associada a restrições de

demanda. Elas são muito visíveis quando se observa a trajetória dos termos de troca da economia

brasileira, isto é, da razão entre os preços das exportações e das importações. Entre 2004 e 2011, tal

razão cresceu mais do que 4 por cento ao ano, elevando a demanda e explicando, em parte, a aceleração

do crescimento do produto observada no período. Os termos de troca, no entanto, atingiram seu pico

recente em setembro de 2011 e nos três anos seguintes caíram a uma taxa média de pouco menos de

4 por cento ao ano. Essa inversão deveu-se em grande medida à redução do preço de vários produtos

primários exportados pelo Brasil, que, por sua vez, seguiu-se à desaceleração da economia chinesa. A

queda nos termos de troca significou uma redução da demanda agregada no Brasil no exato momento

em que se iniciava o ensaio desenvolvimentista”.

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Capacidade para Importar

A tentativa de criar uma forma alternativa de manejo da política macroeconômica

foi frustrada porque a lógica de superar o tripé macroeconômico (regime de metas da

inflação, superávit primário e câmbio flutuante) fez água, não somente porque os termos

de troca caíam, mas também porque o quantum exportado diminuiu pelo desaquecimento

da demanda externa chinesa. O desaquecimento econômico entregou resultados ruins em

termos de crescimento e foi neste o ambiente que o ensaio desenvolvimentista foi tentado.

Assim, o fracasso se deu não somente porque as políticas, em si, fossem ruins ou

mal desenhadas, mas porque ao se depararem com resultados econômicos que se

deterioravam no tempo forças políticas operaram contra o governo em um ambiente de

redução da atividade econômica. Na medida em que se perseguiu o crescimento

econômico junto à distribuição de renda e o Estado se fez presente forçando a queda dos

juros e desvalorizando o câmbio o mercado e seus ideólogos, já ligados ao “reino das

finanças” jogaram contra rebaixando as expectativas pelo canal da credibilidade da

política econômica: ao desacreditar das políticas governamentais, os agentes privados,

irritados com a mão forte do Estado, revisaram para baixo as expectativas quanto aos

resultados do governo; com baixa esperança de realização da produção, reduz-se o

emprego de capital e a contratação de mão de obra, aumentando o desemprego e os

estoques, forçando o governo a manter os gastos e expandir o crédito para minimamente

sustentar a demanda agregada em um ambiente de baixo crescimento e alta inflação,

puxada pela desvalorização cambial e política monetária frouxa (juros baixos). As

políticas de incentivo ao investimento privado e perseguição do crescimento junto à

distribuição de renda – o que foi chamado de Nova Matriz Econômica, em contraposição

ao tripé –, ao não funcionarem e não entregarem o almejado crescimento, forçaram as

contas públicas em um ambiente recessivo e inflacionário.

Vire à direita: rumo à Chicago pelas mãos de J. Levy e seu

ajuste fiscal

Ao se deparar com a estagflação, o diagnóstico ortodoxo reapareceu:

A inflação é de demanda porque a taxa de crescimento dos salários superou

a taxa de crescimento da produtividade

É preciso cortar os direitos sociais porque estes são entraves ao “bom”

funcionamento do mercado

O Estado precisa deixar o sistema de preços funcionar livre para que ele

seja um bom indicador de escassez relativa

O governo precisa subir os juros para desaquecer a economia e reduzir a

pressão nos preços

É preciso respeitar o orçamento e lutar pelo superávit primário

O governo precisa parar de intervir no mercado cambial e deixar as forças

de oferta e demanda atuarem

É preciso cortar os subsídios aos campeões nacionais e reduzir os gastos

do BNDES

Na reeleição, Dilma cedeu ao discurso da credibilidade e às expectativas racionais,

em suma, ao terrorismo econômico do mercado. Rompeu com a linha da Nova Matriz de

Guido Mantega em nome de uma política austera com um ajuste fiscal encabeçado por

Joaquim Levy (PhD em Economia por Chicago). Fundamentalmente implementou-se

uma agenda de corte de gastos, flexibilização do mercado de trabalho, terceirização, a

taxa de juros voltou a subir e o caráter anticíclico da política econômica foi deixado de

lado em nome de regras e previsibilidade para acalmar os mercados.

O processo histórico à luz do compromisso neoliberal

A tese que se segue é: a política que rompeu com o tripé em nome do crescimento

econômico ensejado pelas políticas heterodoxas não deu certo porque foi a tentativa de

forçar um compromisso social-democrata dentro da hegemonia financeira, ou seja, a

tentativa de implementar políticas keynesianas (acordo entre gerentes e trabalhadores)

dentro do neoliberalismo deu errado porque as classes gerencias já haviam sido

capturadas pelas classes capitalistas.

No desenvolvimento histórico do capitalismo brasileiro as elites agrárias e

industriais se juntaram ao Estado para pautar suas demandas. A “socialização das perdas”,

quando o governo desvalorizava o câmbio para estimular a exportação do café privatizava

os lucros nas mãos da oligarquia-exportadora (os cafeicultores vendiam mais) e

socializava as perdas para toda a população (que sofria a inflação). Em 1937 o Estado

Novo (a ditadura varguista) apareceu como um governo centralizador e intervencionista,

puxando o processo de industrialização via Estado e criou diversas instituições de

coordenação econômica que eram permeáveis às camadas empresariais. A ideia do Estado

Novo era canalizar para o interior do Estado os conflitos de interesse criando canais

privilegiados de acesso a certos grupos sociais ao processo decisório.8 Este processo de

aumento paulatino da representação dos setores industriais no Estado culminou com as

décadas de 1950 e 1960, nas quais o Brasil vivenciou o que ficou conhecido na literatura

como governos populistas. Assim, a burguesia ascendente se consolidou sob os governos

JK com o Plano de Metas e a construção de Brasília e o governo de João Goulart, que sob

cuidados de Celso Furtado tinha uma agenda de reformas de base para a colocação do

Brasil no eixo de crescimento econômico com base na indústria. Este processo de criação

de uma burguesia nacional se completou através do II PND durante a ditadura militar, à

época sob liderança de E. Geisel, logo após o choque do petróleo de 1973. A esta altura,

o plano se propunha completar a substituição das importações no último andar da

indústria, a indústria pesada e realizar a mudança da matriz energética brasileira.

O processo descrito aqui é o de consolidação do setor capitalista nacional. À

medida se complexificou o processo econômico o setor capitalista foi necessitando de

mão de obra especializada para gerenciar seus negócios e a classe gerencial tomou corpo.

Desde instituições como a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), Banco

Central, Banco do Brasil demandaram mão de obra especializada e tecnocratas para seus

quadros. O quadro geral aqui descrito, pelo menos a partir da década de 1930 até os anos

1990 enseja um compromisso social no qual o Estado, ao intervir na Economia, fomenta

o processo de industrialização e crescimento via políticas anticíclicas, mas sem um

compromisso social declaradamente keynesiano, pois o capital aliado às classes

gerenciais e burocráticas do Estado estavam levando este projeto em diante, privilegiando

a fração de classe burguesa e não o trabalhador assalariado. Houve, portanto, um

compromisso capital-gerentes com base na acumulação.

Nos anos de 1990 com a abertura da economia e a introdução do ideário neoliberal

no Brasil através das privatizações e enxugamento do Estado as classes gerenciais foram

paulatinamente sendo deslocadas do fomento à acumulação para o dos ganhos

financeiros. Os trabalhadores de gerência e escritório, ao ganhar além de renda do

trabalho algumas bonificações ou parte dos rendimentos em ativos vão deslocando-se

para a lógica das finanças enquanto a economia se abre e caminha do Estado para o

mercado.

8 Sobre isso, Cf. Eli Diniz (1981)

É neste quadro que Dilma e sua equipe econômica implementam o ensaio

desenvolvimentista, forçando uma tentativa de enfrentar as finanças e retomando o

crescimento industrial junto à manutenção do emprego e da renda. Ou seja, este

experimento desenvolvimentista foi a tentativa de consolidação de um acordo entre

gerentes e classes populares, ou seja, a tentativa de levar adiante uma agenda keynesiana

em um ambiente no qual as classes gerenciais já estavam capturadas pelos interesses

financeiros. O ocaso do curto período desenvolvimentista culminou na virada completa

da política econômica: substituição do desenvolvimentismo pelo financismo, tendo J.

Levy, um representante das oligarquias financeiras à frente transitando do keynesianismo

coxo (porque não havia base social para leva-lo adiante, por isso ele fora claudicante)

para um natimorto conjunto de políticas de austeridade (que nascem mortas porque o

ajuste se deu em meio à recessão). A marca evidente desta inversão é a criminalização

sobre os déficits, que dentro do arcabouço keynesiano poderiam ser vistas como

importantes em momentos de crise.

O governo, ao ceder ao neoliberalismo implementou um conjunto de políticas

restritivas: corte de gastos e enxugamento do Estado junto de uma política monetária

restritiva em nome do combate inflacionário. O problema desta agenda é que ela foi

implementada em meio à estagflação (estagnação + inflação), o levou a economia mais

para o buraco e culminou no rebaixamento da nota de crédito do Brasil de "BBB-" para

"BB+" pela agência Standad & Poor’s.

Diagnóstico e perspectivas

À guisa de conclusão: é necessário responder o que significa o rebaixamento do

crédito brasileiro, de um lado, e apontar medidas para o futuro, de outro.

O rebaixamento da nota brasileira pela S&P, por si só, não quer dizer

absolutamente nada; mas ao mesmo tempo afeta ferozmente a economia brasileira. É

claro que as agências de classificação de risco tentam fazer um trabalho sério e isento,

mas a sua credibilidade foi afetada pelos eventos recentes no fim da década passada,

colocando em xeque sua idoneidade. O ponto é que elas lançam supostos indicadores de

saúde financeira das empresas. Do ponto de vista concreto, pode ser que o resultado

operacional da empresa não se reflita no seu resultado contábil, na medida em que ganhos

financeiros são muitas vezes especulativos e não andam em linha com a produção.

Entretanto, o importante não é o resultado que as agências lançam porque eles não

refletem nenhuma variável econômica em si (como PIB, desemprego, inflação, etc.), mas

o reflexo que este resultado tem nas expectativas dos agentes econômicos. O problema é

que as expectativas são, por vezes, anteriores ao resultado lançado pela agência: os

capitalistas, em meio à redução de dinâmica e baixo crescimento olham negativamente o

ensaio desenvolvimentista (intervencionista) e revisam suas expectativas para baixo,

reduzindo o nível de atividade e concretizando a recessão, que ao ser chancelada pelo

rebaixamento do crédito efetiva o processo de “auto-realização das expectativas”. Assim,

o problema para o Brasil é se outras agências de rating rebaixarem as notas de crédito

brasileira em um efeito dominó, porque o impacto expectacional será potenciado, dando

coro ao pessimismo.

As perspectivas não são alvissareiras, pelo menos não dentro do arcabouço teórico

que vende as medidas contracionistas como o caminho para a redenção. É necessário

destravar a economia brasileira que está patinando. O ponto é que o ajuste fiscal não

entregou os resultados supostos e ao perpetuá-lo estamos condenando a população a mais

recessão e o impacto inflacionário advindo do câmbio vai reduzindo as fontes de recursos

dos agentes. É necessário repensar o Brasil e interpretar que tipo de nação queremos,

retomando o planejamento de longo prazo no país. Para essa retomada é preciso que as

classes gerenciais enfrentem o poder do capital financeiro e retomem o compromisso com

os trabalhadores para evitarmos o aprofundamento das desigualdades. É necessário

repensar o Brasil de um ponto de vista reformista, que melhore o capitalismo brasileiro

rompendo com o rentismo e com as oligarquias financeiras.

A inflação brasileira, é preciso perceber, não é uma inflação somente de demanda.

Ela tem componentes de repasse de custos via mark-up das empresas e um caráter inercial

forte, advindo da experiência brasileira recente e da indexação. Para atacar o foco é

preciso aumentar a competitividade do empresariado nacional e educar a população:

tornar o lado da oferta mais competitivo e o lado da demanda mais consciente.

Dentro deste compromisso entre gerentes, trabalhadores e a fração industrial do

capital a retomada do crescimento não virá sem custos no curto prazo. Precisaremos

enfrentar a inflação e os resultados não serão entregues em pouco tempo. O investimento

em educação deve ser feito lutando contra a universalização de uma educação sem

qualidade, porque “formar por formar” não serve para nada, precisamos de mão de obra

qualificada e acúmulo de capital humano – o caso de Cuba é emblemático: existem

taxistas e lojistas com formação acadêmica porque o ensino é universalizado, mas como

o crescimento econômico é baixo não existe demanda pela mão de obra especializada.

O governo precisa retomar seus gastos e induzir a lucratividade dos investimentos

para aguçar o empresariado, juntamente com medidas de restrição à valorização do

câmbio e uma política séria de redução dos juros para crescer e exportar mais. O Brasil

precisa urgentemente de reformas de base: modificar sua matriz de transportes, uma

reforma tributária em direção a uma estrutura mais progressiva, taxação de grandes

fortunas, heranças e controle de capitais, reforma política que acabe com a perpetuação

de estruturas de poder que atravancam o desenvolvimento econômico, retomada da

indústria nacional que esteja ligada às cadeias internacionais de valor, aumento de

produtividade do trabalhador, investimento em P&D, manutenção de programas sociais

com mecanismos de feedback para acompanhamento e controle dos gastos, reforma da

previdência porque rumamos para um país com maior contingente de idosos, etc.

É necessário enfrentar as finanças, mas é preciso lembrar que não existe

capitalismo sem crédito e que os capitalistas monetários nada mais são que uma fração9

de classe da burguesia. O que coloca, obviamente, um entrave aos caminhos possíveis,

mesmo porque o projeto precisa ser financiado de alguma forma.

O Brasil precisa ser pensado, atualizado e as propostas precisam ser ousadas e

criativas. Além do mais, este programa amplo de reformas precisa ser fruto de um

consenso social, não há classe, setor ou instituição (nem o Estado sozinho) que possa

fazê-lo sozinho, assim, gerentes e trabalhadores, aliados à burguesia industrial podem

salvar o Brasil de si mesmo. É chegada a hora de assumirmos nosso papel histórico.

9 Sobre frações de classe, conferir: POULANTZAS, N. 2000, p. 128-129

Referências:

1. DINIZ, E. O Estado Novo: estrutura de poder e relações de classes. FAUSTO,

B.(dir.) História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1981, t.3: O

Brasil republicano, v. 3: Sociedade e política (1930-1964)

2. DUMÉNIL, G. e LÉVY, A crise do neoliberalismo, São Paulo: Boitempo

Editorial, 2014

3. _______________, The Crisis of Neoliberalism, Harvard, Massachusetts:

Harvard University Press, 2011. (Disponível em:

http://digamo.free.fr/neocrisis.pdf)

4. PAULANI, L. A crise do regime de acumulação com dominância da valorização

financeira e a situação do Brasil. Estud. av., São Paulo , v. 23, n. 66, p. 25-

39, 2009 . Disponível em

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-

40142009000200003&lng=en&nrm=iso>. access

on 12 Sept. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142009000200003.

5. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e o socialismo. São Paulo: Paz e Terra,

2000.

6. RUGITSKY, F. Do Ensaio Desenvolvimentista à austeridade: uma leitura

Kaleckiana, 2015 (Disponível em:

http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FEconomia%2FDo-Ensaio-

Desenvolvimentista-a-austeridade-uma-leitura-Kaleckiana%2F7%2F33448)

7. A. Singer (2013), “Vaivém”, Folha de S. Paulo, 30 de março (Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2013/03/1254601-vaivem.shtml).

Dados:

1. Ipeadata: http://www.ipeadata.gov.br/

2. The Federal Reserve Bank of St. Louis:

https://research.stlouisfed.org/fred2/series/FEDFUNDS#