a diferenciação funcional da religião na teoria social de niklas luhmann

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RBCS Vol. 26 n° 76 junho/2011 Artigo recebido em fevereiro/2010 Aprovado em fevereiro/2011 A DIFERENCIAçãO FUNCIONAL DA RELIGIãO NA TEORIA SOCIAL DE NIKLAS LUHMANN * João Paulo Bachur de maneira alguma, que a religião tenha perdido re- levância na sociedade funcionalmente diferenciada. Por óbvio, nosso propósito não é fazer uma crítica abstrata da religião nem questionar sua importân- cia na sociedade contemporânea. Rigorosamente, não se trata de um estudo de sociologia da religião propriamente dito, mas de uma abordagem crítica à teoria de sistemas sociais pelo ângulo da diferenciação funcional da religião. Ou seja, investigaremos não a religião em sua diversidade de manifestações em- píricas, mas apenas os instrumentos analíticos de que dispõe a teoria de sistemas para a observação do fenômeno religioso. Uma das poucas iniciativas teóricas recentes que assume a tarefa de construir uma teoria geral da sociedade, a obra de Luhmann apresenta-se como teoria de sistemas sociais funcionalmente diferenciados (sistemas autopoiéticos). Luhmann é conhecido por uma produção bibliográfica exten- sa, considerada por muitos de difícil acesso, tanto Religião como sistema? O objeto deste artigo é investigar o lugar da religião na teoria de sistemas sociais de Niklas Luh- mann com a finalidade de destacar algumas das ambiguidades e contradições que a teoria enfrenta ao lidar com o fenômeno religioso. Nossa hipótese de pesquisa pode ser sintetizada da seguinte manei- ra: mesmo partindo das premissas internas à teoria, a religião não deve ser considerada um sistema social autopoiético tal como os demais. Isso não quer dizer, * O presente artigo é uma versão revista da seção “A função da religião” de minha tese de doutorado Dis- tanciamento e crítica: limites e possibilidades da teoria de sistemas de Niklas Luhmann, FFLCH/USP, 2009. Agradeço a leitura criteriosa e os valiosos comentários dos pareceristas anônimos que avaliaram este texto.

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  • RBCS Vol. 26 n 76 junho/2011

    Artigo recebido em fevereiro/2010Aprovado em fevereiro/2011

    A dIFEREnCIAO FUnCIOnAL dA RELIGIO nA tEORIA SOCIAL dE nIkLAS LUHMAnn*

    Joo Paulo Bachur

    de maneira alguma, que a religio tenha perdido re-levncia na sociedade funcionalmente diferenciada. Por bvio, nosso propsito no fazer uma crtica abstrata da religio nem questionar sua importn-cia na sociedade contempornea. Rigorosamente, no se trata de um estudo de sociologia da religio propriamente dito, mas de uma abordagem crtica teoria de sistemas sociais pelo ngulo da diferenciao funcional da religio. Ou seja, investigaremos no a religio em sua diversidade de manifestaes em-pricas, mas apenas os instrumentos analticos de que dispe a teoria de sistemas para a observao do fenmeno religioso.

    Uma das poucas iniciativas tericas recentes que assume a tarefa de construir uma teoria geral da sociedade, a obra de Luhmann apresenta-se como teoria de sistemas sociais funcionalmente diferenciados (sistemas autopoiticos). Luhmann conhecido por uma produo bibliogrfica exten-sa, considerada por muitos de difcil acesso, tanto

    Religio como sistema?

    O objeto deste artigo investigar o lugar da religio na teoria de sistemas sociais de Niklas Luh-mann com a finalidade de destacar algumas das ambiguidades e contradies que a teoria enfrenta ao lidar com o fenmeno religioso. Nossa hiptese de pesquisa pode ser sintetizada da seguinte manei-ra: mesmo partindo das premissas internas teoria, a religio no deve ser considerada um sistema social autopoitico tal como os demais. Isso no quer dizer,

    * O presente artigo uma verso revista da seo A funo da religio de minha tese de doutorado Dis-tanciamento e crtica: limites e possibilidades da teoria de sistemas de Niklas Luhmann, FFLCH/USP, 2009. Agradeo a leitura criteriosa e os valiosos comentrios dos pareceristas annimos que avaliaram este texto.

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    por conta das definies tautolgicas e paradoxais como em razo da absoro de influncias tericas e epistemolgicas bastante heterodoxas, tais como a teoria geral de sistemas, a ciberntica, o construti-vismo e o clculo das formas. No temos condies de proceder aqui a uma apresentao introdut-ria da teoria social luhmanniana;1 suas categorias conceituais centrais ficaro progressivamente mais ntidas com o transcurso de nossa argumentao.

    O enquadramento da religio certamente um ponto polmico para a teoria de sistemas sociais.2 O problema que o debate dessa questo na lite-ratura especializada no levado s ltimas con-sequncias: no basta reconhecer as ambiguidades ou insuficincias de Luhmann na observao do fenmeno religioso; preciso ir alm e investigar se algum reparo conceitual no se faz necessrio diante da dificuldade da teoria de sistemas em face da religio.

    A religio, como toda operao social isto , como toda operao genuinamente social: con-duzida no pela conscincia depurada da moldura comunicativa provida por sistemas funcionais, mas pela interpenetrao entre a produo de sentido nos sistemas sociais e a produo de sentido pelas conscincias empricas deve ser entendida como comunicao (Luhmann, 2000b, p. 13). A socieda-de no composta de pessoas; a esfera social [So-zialitt] no derivada da racionalidade subjetiva: comunicao e conscincia constituem mbitos simblicos autnomos que funcionam com lgicas prprias. claro, no existe comunicao sem o envolvimento das conscincias empricas, da mes-ma forma como a conscincia no existe in abstrac-tu, destacada da sociedade. O sentido a forma que permite o acoplamento estrutural entre elas, de modo que comunicao e conscincia constituem esferas autorreferentes independentes entre si, mas que apenas podem existir imbricadas uma na outra.

    Neste ponto reside a alegada mudana de pa-radigma em relao no apenas teoria social, mas tambm em relao teoria geral de sistemas: ao lado das mquinas e dos organismos vivos, tradi-cionalmente conceituados como sistemas fechados, Luhmann identifica sistemas psquicos e sociais como sendo operativamente fechados, mas cog-nitivamente abertos. Com isso, Luhmann distin-

    gue duas esferas independentes de autorreferncia conscincia, de um lado, e sistemas sociais, de outro, compreendidas, neste ltimo mbito, inte-raes, organizaes e sociedade (Luhmann, 1984, pp. 16-22). A categoria da autopoiese expressa assim diferentes modalidades de autorreferncia operativa.

    Sistemas sociais definem-se pela diferena sis-tema/ambiente: so mbitos comunicativos so-cialmente estruturados e operativamente fechados que se reproduzem conforme lgicas prprias e (re-lativamente) autnomas entre si isso o que se conhece por autopoiese e est relacionado com o desempenho, por um sistema, de uma funo con-siderada relevante para a sociedade como um todo [Gesamtgesellschaft] (Idem, pp. 30-31). Neste con-texto, vale indagar: a religio pode ser considerada um sistema autopoitico tal como os demais (pol-tica, economia, direito, cincia etc.)? O fechamento operacional da religio equivalente ao da econo-mia monetria ou ao do sistema jurdico? A comu-nicao religiosa capaz de estruturar sua prpria complexidade de forma a manter sua reproduo autopoitica em medida equivalente dos demais sistemas funcionais?

    Vale considerar que Luhmann no pressupe um desenvolvimento homogneo entre todos os sistemas autopoiticos, pois eles podem apresen-tar diferentes graus de diferenciao interna, de acordo, por exemplo, com seus acoplamentos es-truturais ou seus respectivos meios de comunica-o simbolicamente generalizados: A diferenciao funcional no garante de modo algum chances igualmente boas para todos os sistemas funcionais, para a economia tanto quanto para a religio, para o direito tanto quanto para a arte (Luhmann, 1997, p. 770).

    No entanto, mesmo luz dessa constatao, Luhmann afirma em diversos momentos que a reli-gio deve ser considerada um sistema autopoitico como os demais:

    [...] a religio se encontra hoje em uma socie-dade cujas estruturas foram substitudas pela diferenciao funcional. Da no decorre pro-blema algum no fato de que tambm a religio encontra seu lugar como um sistema funcional entre os outros [...] (2000b, p. 209).

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    [...] a diferenciao funcional [Ausdifferenzie-rung] do sistema religioso conduz ao fecha-mento operacional e reproduo autopoitica desse sistema [...] (Idem, p. 223).

    Isso nos obriga a reconhecer que h, na mo-derna sociedade mundial, um sistema fun-cional para a religio que opera em bases mundiais e que se determina como religio, diferenciando-se dos demais sistemas funcio-nais (Idem, p. 272).

    Vale, desde j, avanar o cerne de nossa argu-mentao. primeira vista, e diferentemente dos demais sistemas, a especificidade da religio estaria no fato de que a participao na comunicao re-ligiosa parece depender muito estreitamente do com-prometimento e do engajamento efetivo da conscin-cia por intermdio da f , o que dificultaria a manuteno de sua fronteira sistema/ambiente. Este o argumento central que pretendemos de-monstrar ao longo deste artigo.

    Embora a compreenso do alcance da teoria social de Luhmann exija lidar com sua arquitetu-ra labirntica, preciso conceder que muitos cr-culos luhmannianos sobrevivem da mera repro-duo estilstica de suas frmulas conceituais. A fim de contornar este risco, procuraremos ilustrar historicamente nossa argumentao com recurso sociologia da religio de Max Weber sem, no en-tanto, inclu-la em nosso escopo de pesquisa. Vale desde j a ressalva: nosso recurso a Weber me-ramente exemplificativo; trata-se apenas de ilustrar os argumentos conceituais apresentados para a ob-servao da diferenciao funcional da religio em Luhmann. Alis, no se trata sequer da comparao entre as categorias empregadas pelos dois autores, tendo em vista a disparidade de seus respectivos pontos de partida: ao como interpretao de um comportamento a partir do sentido subjetivamente visado pelo agente (Weber, 1980, p. 1); comunica-o como emergncia produzida no transcurso das operaes autopoiticas de sistemas funcionalmen-te diferenciados (Luhmann, 1987b).

    Para demonstrar nossa hiptese, apresentare-mos a religio como um caso especfico de diferen-ciao funcional que ocorre por reao diferencia-

    o concomitante de mltiplos sistemas funcionais da sociedade (seo 2); e que, por essa razo, sig-nifica a privatizao da experincia religiosa (seo 3). Ao final, sugeriremos um breve reparo capaz de adaptar o aparato conceitual da teoria de sistemas sociais observao do fenmeno religioso na so-ciedade contempornea (seo 4).

    A diferenciao funcional por reao da religio

    primeira vista, pode causar espcie o argu-mento de que a religio passara por um processo de diferenciao funcional por reao. Afinal, a originalidade que Luhmann reivindica para sua teo ria da comunicao est no fato de conceb-la como operao prtica, concretamente executada por sistemas sociais (e no por sujeitos, no sentido em que esta categoria empregada pela tradio da teoria social). Ou seja, trata-se de conceber a co-municao no como a transferncia [bertragung] de uma mensagem, como se fosse uma coisa, de uma conscincia a outra (Luhmann, 1986, p. 168); mas como realidade emergente, autocatalisada, por assim dizer, a partir de uma situao de dupla contingncia definida, portanto, justamente por sua prpria improbabilidade. Na situao em que a contingncia radicalizada reciprocamente para os dois lados de uma diferena (Idem, 1984, pp. 153ss.), torna-se improvvel que alguma opera-o comunicativa se estabelea (Idem, 1981). Mas justamente a partir desta improbabilidade que a comunicao se estrutura: um dos polos intro-duz uma diferena que permite erguer uma fron-teira sistema/ambiente e, com isso, condicionar a comunicao. A ruptura da dupla contingncia chamada assimetrizao e, por essa razo, Luhmann afirma que [o] sistema assimetriza-se a si mes-mo! (Idem, 1984, p. 65). Logo, nenhum sistema autopoitico poderia se diferenciar literalmente por reao ao contrrio, apenas por autocatlise.

    Mas a religio se diferencia de fato por reao:

    Pode-se atribuir economia, poltica, cin-cia e, desde o sculo XVIII, tambm educao o papel de mbitos funcionais impulsionado-

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    res [da diferenciao funcional da sociedade]; famlia e religio ao contrrio o papel de possibilitadores. [...] A passagem a uma socie-dade funcionalmente diferenciada impul-sionada ento por outros mbitos funcionais. Por isso, a crescente diferenciao tambm do sistema da religio redunda como efeito cola-teral [Nebeneffekt]. As consequncias atingem o sistema religioso de maneira negativa, e isso desde meados do sculo XVI, ou seja, antes que o sistema religioso precise reagir secula-rizao. [...] Reagir simultaneamente: (i) no-identidade, crescentemente identificvel, entre o sistema da sociedade e o sistema reli-gioso; (ii) diferenciao funcional da polti-ca, da cincia e da economia internamente sociedade; (iii) segmentao interna do sis-tema religioso; e, por fim, de maneira corre-lata a tudo isso, (iv) crescente diferenciao entre o sistema da sociedade em face das pes-soas individuais (Idem, 1977, pp. 256-257, grifos no original).

    Esta afirmao menos uma contradio in-terna teoria do que o ponto de partida para de-monstrarmos nosso argumento. A religio repre-senta um caso peculiar de diferenciao funcional por uma razo quase simples: partindo da hege-monia por ela exercida sobre todos os aspectos da vida na Idade Mdia, os sistemas sociais diferen-ciaram-se da sociedade na medida em que se dife-renciaram concomitantemente da religio. A pas-sagem sociedade funcionalmente diferenciada tem ento um duplo significado: enquanto os sis-temas funcionais se diferenciaram da sociedade e, nessa medida, diferenciaram-se simultanea mente da religio; a prpria religio, por sua vez, dife-renciou-se funcionalmente neste movimento de conjunto. Trata-se de reconhecer a especificidade histrica da diferenciao funcional da religio que ocorre, na verdade, como efeito colateral, em reao diferenciao funcional dos mbitos no religiosos da sociedade.

    Originalmente, a segurana da religio esta-va na sociedade mesma; religio e sociedade no se permitiam distinguir (Idem, 1989a, p. 259). A partir da disjuno entre elas, tem-se uma via

    para a crescente fragmentao da ordem moral--cosmolgica feudal e ns cogitamos que estas transformaes no tenham sido desencadeadas por meio de uma dinmica prpria na histria das ideias internamente ao sistema religioso, mas por meio de uma crescente diferenciao de outros sis-temas funcionais (Idem, p. 276). A sequncia de nosso argumento exige ento considerar a desagre-gao da ordem cosmolgica e moral-religiosa da sociedade feudal.

    Ilustraremos a bifurcao da sociedade em um lado religioso e um lado no religioso com recurso ao clssico texto da Considerao intermediria: teo-ria dos nveis e direes da rejeio religiosa do mun-do, fecho do primeiro tomo dos escritos de sociolo-gia da religio de Weber, a fim de demonstrar por que a diferenciao funcional da religio pode ser considerada um processo reativo.

    De maneira muito geral, a religio se caracte-riza pelo cdigo binrio transcendncia/imanncia: o sentido da imanncia (a existncia mundana) remetido transcendncia; a comunicao religio-sa atribui sentido atuao mundana ao report--la transcendncia, vida para alm deste mundo (Idem, 1977, 1989a e 2000b). A referncia a Weber j ajuda a concretizar o significado histrico do c-digo transcendncia/imanncia:

    A necessidade de salvao, cultivada cons-cientemente como contedo da religiosidade, originou-se sempre e em toda parte apenas gravada com fora diferente quanto clareza dessa relao como consequncia da bus-ca por uma racionalizao sistemtica e pr-tica da realidade da vida. Expresso de outra maneira: pela reivindicao que se tornou nesse nvel um pressuposto especfico de toda religio de que o curso do mundo, pelo menos at onde ele pode afetar os interes-ses das pessoas, seja um processo de alguma maneira dotado de significado. Essa reivindi-cao apareceu, como vimos, de maneira na-tural e antes de tudo como o problema geral do sofrimento injustificado, ou seja, como o postulado de uma compensao justa para a distribuio desigual das fortunas individuais intramundanas (Weber, 1988b, p. 567).

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    Nas associaes humanas mais remotas, a reli-gio desenvolveu-se com a funo de transformar o indeterminado em determinvel. Em suas for-maes primitivas, essa funo era operada pela diferena conhecido/desconhecido [vertraut/unver-traut], no que a religio matinha ainda algum pa-rentesco longnquo com o mito. Aps a aquisio evolutiva representada pelo sacerdcio (Luhmann, 1989a, pp. 270ss.), a funo da religio passou a ser operada pela forma imanncia/transcendncia, como cdigo especificamente religioso. As religies de salvao originaram-se sob as presses de reivin-dicaes ticas e morais, pois j no contavam com a magia para mediar a relao entre o crente e seu deus e, justamente por essa razo, firmaram-se nas sociedades estratificadas, pois se tratava de le-gitimar o estamento sacerdotal de forma paralela s diferenas de riqueza e ao centralismo poltico tpi-co dessas sociedades: A questo quanto justifica-o de desigualdades manifestas no tratada como uma questo puramente tica; ela parte de uma questo teolgica, cosmolgica e metafsica quanto constituio do mundo como um todo. Essa ordem do mundo pensada de tal modo que os aspectos ntico e normativo se fundem um no outro (Ha-bermas, 1981, pp. 281-282). Tratava-se de atribuir um sentido transcendente ao curso do mundo dian-te do injustificado sofrimento intramundano; era preciso desvalorizar profundamente o mundo social em nome do mundo situado para alm dele.

    O ponto de partida de Weber investigar o desenvolvimento tpico-ideal de ticas religiosas de negao do mundo, no obstante nosso interesse pela Considerao intermediria esteja mais rela-cionado com a caracterizao que ela fornece das tenses entre mbitos religiosos e no religiosos em um processo de diferenciao social. Note-se bem: recuperamos elementos para uma teoria da diferen-ciao social (e no funcional) em Weber.3 No pre-tendemos sustentar que a diferenciao de esferas de valor equivale diferenciao de sistemas fun-cionais, considerando-se essencialmente a diferena (j mencionada no incio deste artigo) entre fundar a teoria social na categoria da ao (Weber) ou na categoria da comunicao (Luhmann). Pois bem, Weber analisa em Considerao intermediria como ticas de rejeio do mundo oscilam entre dois po-

    los tpico-ideais: a contemplao mstica e a ascese ativa. Essa, pela compreenso que o crente tem de si mesmo como um instrumento para a obra divi-na; aquela pela posse contemplativa do sagrado; a ascese ativa representa um agir, a outra representa um possuir (Weber, 1988b, p. 538). Mas, no obs-tante tais diferenas, Ambas condenam o mundo social por fim a uma absoluta falta de sentido ou pelo menos sua completa incompatibilidade com os desgnios de deus (Idem, p. 552). A ascese ativa tipicamente ocidental, por sua vez, pde se revelar historicamente em duas direes distintas de nega-o do mundo: de um lado, a negao referenciada ao mundo exterior cujo tipo ideal pode ser encon-trado no monasticismo catlico medieval; de outro, o calvinismo asctico em sua afinidade com uma tica da vocao profissional na qual coincidem mais perfeitamente negao e dominao do mun-do (cf. Schluchter, 1981, pp. 156-166).

    Weber cuidar de explicar, do ponto de vis-ta da religio, as tenses provocadas pelos valores laicos do mundo moderno (as esferas econmica, poltica, esttica, ertica e intelectual), a fim de identificar como se comportam rejeies ascticas e msticas do mundo. No o caso de recompor aqui os pormenores das tenses entre a religio e as demais esferas de valor.4 Para nossos fins, o elemen-to comparativo pertinente sociologia da religio menos importante do que o componente analtico que nos permite identificar, para uma teoria geral da sociedade, a emergncia de lgicas sociais em processo de desentranhamento de uma sociedade religiosa e que, a partir de ento, passam a se mover seguindo motricidades prprias:

    Pois a racionalizao e a sublimao consciente das relaes das pessoas com as diferentes esfe-ras de posse de bens exteriores e interiores, reli-giosos e mundanos, empurram a isto: a tomar conscincia das legalidades prprias internas s esferas individuais em suas consequncias, de maneira que [essas esferas] se permitem encon-trar naquelas tenses mtuas que permanece-ram ocultas simplicidade e ingenuidade das relaes primitivas do homem com o mundo exterior (Weber, 1988b, pp. 541-542, grifos no original).

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    As tenses identificveis entre diferentes esfe-ras de valor que possuem legalidades prprias [Ei-gengesetzlichkeiten] haviam permanecido latentes em funo de uma integrao moral, cosmolgica e religiosa da ordem social, assegurada pelo menos at o Renascimento. O desencantamento do mun-do liberou legalidades prprias que muitas vezes estabelecem relaes de tensionamento mtuo e que, por sua vez, no se permitem reconduzir a um processo monoltico de racionalizao (cf. Raulet, 2004, pp. 79-91; Pierucci, 2003, especialmente cap. 10).5 De seu ponto de vista, a religio reage s esferas de valor que dela se pretendem diferenciar com base em sua prpria Eigengesetzlichkeit: reage reforando a rejeio do mundo terreno; acentuan-do a tenso entre transcendncia e imanncia, atri-buindo sentido ltima pela referncia primeira. A religio, quando confrontada pela autonomiza-o da economia, da poltica, da cultura etc. no encontra uma soluo de compromisso. Ao contr-rio, e para voltarmos terminologia luhmanniana, reage radicalizando sua codificao binria imann-cia/transcendncia.

    A Considerao intermediria ajuda a enten-der o argumento luhmanniano de que a religio se diferencia por reao, uma vez que Weber analisa as tenses entre a religio e as demais esferas de valores mundanos (entre o lado religioso e o lado no religioso da sociedade), e no as tenses reci-procamente estabelecidas entre as mltiplas esferas de valor. A Considerao intermediria permite ilus-trar uma impresso muito presente em Luhmann: a de que os sistemas sociais no esto em repou-so e no preservam simetria harmnica entre si (como imaginam alguns crticos); a diferenciao funcional no cruza uma linha de chegada. Cada sistema social est sempre lutando para manter sua fronteira sistema/ambiente; est sempre sobre pres-so do excesso de complexidade que o ambiente representa para ele. Diante dessa presso, a nica sada para cada sistema funcional intensificar seu fechamento operacional, fortalecendo sua frontei-ra com o ambiente e preservando sua autopoiese. Claro, sistemas autopoiticos somente conseguem reduzir complexidade do ambiente com ganho de complexidade interna. A especificidade histrica da diferenciao funcional da religio mas tambm

    o problema que ela representa no est apenas em configurar um processo reativo; est sobretudo no fato de que esse processo culminou na privatiza-o da experincia religiosa (o que Luhmann define como secularizao da sociedade):

    Podemos definir secularizao como a relevn-cia socioestrutural da privatizao da deciso religiosa. Com isso no se postula em ltima instncia a perda de funo ou de significado da religio, terica ou conceitualmente. [...] O conceito descreve ao contrrio um desenvol-vimento estrutural historicamente apreensvel para o sistema da sociedade, na medida em que tem efeitos sobre o sistema religioso e seu am-biente (Luhmann, 1977, pp. 232-233, grifo no original).

    Os outros sistemas funcionais tm de assegu-rar sua autonomia contra os controles religio-sos [...]. A religio mesma no consegue reagir adequadamente [a isso] (Idem, 1989a, p. 291).

    Em um mundo caracterizado pela multiplica-o de lgicas comunicativas prprias que no per-mitem recobrar um fundamento religioso unitrio para a conduo da vida, a religio teve de se exilar no ntimo do indivduo. Concluda a passagem sociedade funcionalmente diferenciada, esta reao da religio pode ser considerada inadequada, por assim dizer, porque implica transferir a poiese de sentido religioso da esfera social, comunicativa, para a esfera individual da conscincia, da f. A prxima se-o dedicada ao desdobramento deste argumento.

    A privatizao da experincia religiosa

    No Ocidente, o ltimo momento em que uma viso de mundo unitria e totalizante foi capaz de ditar a conduo da vida em todos os mbitos simblicos que hoje reconhecemos como sistemas funcionalmente diferenciados talvez possa ser loca-lizado apenas na Idade Mdia anterior Reforma Religiosa. Como se sabe, um dos principais fatores que contriburam para a fragmentao da orde-nao cosmolgica e moral-religiosa da sociedade

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    feudal foi a difuso da imprensa e, mais especi-ficamente, a traduo da Bblia. Trata-se, evidente-mente, de um processo histrico extremamente lar-go que no pretendemos recompor neste artigo; ao contrrio, adotaremos a traduo da Bblia como fenmeno catalisador da privatizao da experin-cia religiosa.

    At o sculo XVI, havia apenas uma verso do texto sagrado e uma verdade religiosa. Isso somente era possvel em uma sociedade estratificada em que o acesso ao texto sagrado era privilgio estamental, apoiado em mecanismos de controle de sua inter-pretao (Hill, 2003, p. 26). O controle hermenu-tico do texto bblico era assegurado pela censura, pela catequese, pelos monoplios de edio da B-blia e pelas homilias (textos exegticos que expli-cavam o teor das escrituras de maneira a reforar a autoridade da igreja catlica). Tais mecanismos no assegurariam uma interpretao unvoca do texto bblico a partir de meados do sculo XVII:

    A imprensa possibilita um volume de reprodu-o que, por sua vez, permite uma distribuio mercadolgica, ou seja, a produo do texto se orienta pela demanda e com isso se desacopla do prprio interesse do escritor ou daquele que encomendava o texto ao escritor (Luhmann, 1997, p. 292).6

    Com efeito, se a imprensa surge em um mun-do religioso, mas se orienta pela busca do lucro, a mercadoria mais promissora para as primeiras gr-ficas e editoras justamente a Bblia. A difuso da imprensa e a traduo da Bblia tornaram sua lei-tura cotidiana um hbito prosaico e o letramento ocidental fora em grande medida conduzido pela leitura da Bblia. Mas a difuso da imprensa no deve ser restrita dimenso puramente mercantil do fato (razoavelmente trivial) de que os livros so mercadorias como todas as outras. A China, por exemplo, possua tanto o comrcio como a im-prensa. O especfico do Ocidente foi combinar a difuso mercadolgica da imprensa com revoluo religiosa O nico problema que os leitores, quando podem ler a Bblia, podem ler tambm ou-tros textos; Quem pode ler a Bblia, pode tam-bm ler panfletos de polmica religiosa, jornais, ro-

    mances (Idem, pp. 292 e 729). A partir da estava aberto o acesso direto, difuso e descentralizado ao texto sagrado da tradio crist, a verdade do texto religioso estava disponvel para quem soubesse ler. Eis o ponto de partida para divergncias exegticas:

    A capacidade individual de pr prova e re-fletir sobre as imposies decorrentes da f, ligada difuso do domnio da escrita, torna--se um problema apenas com a imprensa e, do lado protestante, conduz a uma alienao mais intensa (crena nas escrituras se no estivesse escrito, no se acreditaria e necessidade de uma organizao eclesistica) e a uma inter-nalizao mais intensa da f como experincia prpria e convencimento prprio de cada um em sua confisso ntima (Luhmann, 2000b, p. 205, grifo nosso).

    Nesta seo, uma breve referncia a A tica protestante e o esprito do capitalismo nos ajudar a ilustrar o processo de diferenciao funcional da religio como privatizao da experincia religiosa.7 Por bvio, no o caso de recompor toda a arti-culao interna de uma obra to rica quanto esta, at porque no pretendemos investigar quo efeti-va fora a doutrina da predestinao na orientao da conduta dos puritanos ou calvinistas, nem sua relao com a construo de uma tica do traba-lho profissional. Nosso recurso a Weber destina--se exclusivamente a ilustrar como a doutrina da predestinao representa um passo importante na privatizao da experincia religiosa. Na doutrina da predestinao, o protestante tem de estar abso-lutamente convicto de que sua alma est salva e, no obstante, tem de exteriorizar seu estado espi-ritual em aes intramundanas. No basta apenas agir, da mesma forma como no possvel apenas crer e permanecer inerte ao mundo: preciso estar convicto para agir no mundo; o crente que, em sua conscincia, opera a remisso da imanncia a um sen-tido transcendente. Recuperemos parte do argumen-to dA tica protestante:

    No presente, com nossas instituies polticas, jurdicas e comerciais, com as formas de ges-to empresarial e a estrutura que prpria da

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    nossa economia, esse esprito do capitalismo poderia ser entendido como puro produto de uma adaptao, conforme j se disse. A ordem econmica capitalista precisa dessa entrega de si vocao de ganhar dinheiro: ela um modo de se comportar com os bens exteriores que to adequada quela estrutura, que est ligada to de perto s condies de vitria na luta econmica pela existncia, que de fato hoje no h mais que se falar de uma conexo ne-cessria entre essa conduta de vida crematista e alguma viso de mundo unitria. que ela no precisa mais se apoiar no aval de qualquer fora religiosa e, se que a influncia das nor-mas eclesisticas na vida econmica ainda se faz sentir, ela sentida como obstculo anlogo regulamentao da economia pelo Estado. [...] o capitalismo moderno, agora vitorioso, j se emancipou dos antigos suportes (We-ber, 2004, p. 64, grifo no original; sublinhado acrescido).

    Esta passagem remete s afinidades eletivas en-tre uma tica especificamente religiosa e uma tica profissional nascente (Lwy, 2004, pp. 93-103). A preocupao de Weber relatar, pela sntese con-ceitual altamente elaborada que lhe caracterstica, um processo histrico bastante largo. A articulao entre a tica protestante e aquilo que se pde cha-mar esprito do capitalismo ocorrera apenas re-motamente, como afinidade eletiva entre religio, moral e economia. A afinidade eletiva a formula-o por meio da qual Weber rastreia o parentesco vestigial entre o desenvolvimento da vocao reli-giosa puritana e a nascente tica profissional, que somente muito tempo depois seria associada s for-mas de vida burguesas.

    Para nossos propsitos, o importante identi-ficar como o protestantismo aprofunda a privatiza-o da experincia religiosa. A Reforma Religiosa provoca uma diferenciao interna entre protes-tantismo e catolicismo e permite uma especiali-zao da funo precpua da religio (negao do mundo), cujo ponto nodal sua des-ritualizao (Luhmann, 1977, p. 108; Weber, 2004, p. 106). De fato, os sacramentos catlicos podem ser vis-tos como reminiscncias mgicas, especialmente se

    considerarmos, por exemplo, o rito da transubstan-ciao o milagre de tornar deus presente, a car-go do padre. O protestantismo asctico consuma a diferenciao funcional da religio (pelo menos no que diz respeito ao cristianismo ocidental), como des-ritualizao da f. Por isso Weber argumenta que o puritano genuno vive na solido de sua n-tima convico religiosa e, assim, constantemente imerso em um sentimento de inaudita solido in-terior, pois a doutrina da predestinao lhe cobra a forma mais extremada de exclusividade da con-fiana em Deus (Weber, 2004, pp. 95-96).

    No arcabouo luhmanniano, possvel dizer que a Reforma Religiosa e o desenvolvimento do protestantismo significaram passos de diferencia-o funcional da religio, porque especializaram a funo que a religio desempenha para a sociedade: a atribuio de sentido imanncia pelo recurso transcendncia. claro que a diferenciao funcio-nal da religio no se confunde com a Reforma nem com o protestantismo, pois ela descreve o processo histrico mais amplo pelo qual a religio deixara de se identificar com a moral, a poltica, a economia e as demais esferas sociais. A religio funcionalmente diferenciada se especializa como negao exclusiva-mente religiosa do mundo e, nessa medida, interior ao indivduo. Tudo se passa como se o mandamen-to do monasticismo catlico medieval ora et labora fosse especializado funcionalmente pela Reforma: em uma primeira jornada de diferenciao, o pro-testantismo assume o mandamento monstico, mas o retira do monastrio e o insere em cada protes-tante; em uma segunda jornada de diferenciao, a tica da vocao profissional est to solidamente entranhada na esfera econmica que deixa de de-pender de um fundamento religioso h, por assim dizer, uma ruptura do mandamento medieval: ora para a religio; labora para a economia (Schluchter, 1981, p. 150). A partir da, a religio torna-se uma questo individual, e por isso que a diferenciao funcional da religio pode ser expressa como priva-tizao da experincia religiosa:

    Privatizao significa, para o mbito religioso, que a participao na comunicao espiritual (igreja), assim como a crena na f, tornou-se matria de deciso individual; que somente po-

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    de-se esperar religiosidade sobre o fundamento de uma deciso individual e que esse fenmeno se tornou consciente. Enquanto o no acre-ditar era, antes disso, matria privada, agora a crena torna-se matria privada (Luhmann, 1977, pp. 238-239).

    As consequncias para que, nestas condies, a religio mantenha sua diferena sistema/ambiente no so de somenos importncia. definio de sistema autopoitico que avanamos inicialmente, preciso acrescer que de forma geral (e contrariando as rotinas expositivas adotadas por luhmannianos mais ortodoxos) um sistema autopoitico apresenta trs caractersticas essenciais: (i) dispe de um meio de comunicao simbolicamente generalizado que estrutura suas operaes (o poder para a poltica; o dinheiro para a economia; a juridicidade ou poder juridicamente regulado para o direito; a verdade para a cincia; o amor para as relaes pes-soais etc.); (ii) est imbricado em outros sistemas por meio de acoplamentos estruturais (a constituio para as relaes entre poltica e direito; a proprieda-de privada para direito e economia; a inovao tec-nolgica para economia e cincia; o oramento p-blico para poltica e economia; e assim por diante); e (iii) tem regras autnomas de incluso e excluso para condicionar a participao dos indivduos (as conscincias empricas) nas suas operaes. claro que a teoria de sistemas sociais no ingenuamente construda como um quebra-cabea de peas ho-mogneas. Existem sistemas que no dispem de meios de comunicao simbolicamente generaliza-dos, por exemplo, a educao. Mas, de um lado, ela compensa essa lacuna com fortes acoplamentos estruturais com a poltica e a economia, e, de outro, com regras rgidas de incluso e excluso. Ou seja: historicamente considerados, os sistemas precisam dispor de algum grau de institucionalizao social, o que obtido pelos diversos sistemas em diversa medida e por diversas formas.

    Ora, para que a teoria de sistemas sociais con-tinue considerando a religio um sistema autopoi-tico tal como os demais, a questo parece ser um pouco mais sria. Ao que tudo indica, a religio: (i) no conta com um meio de comunicao simboli-camente generalizado especificamente religioso; (ii)

    no est estruturalmente acoplada aos demais siste-mas da sociedade; e (iii) no conta com regras so-cialmente estabelecidas de incluso e excluso (isto , estabelecidas para alm do nvel das conscincias empricas).

    As dificuldades enfrentadas na discusso quan-to possibilidade de que a f [Glaube] seja con-siderada o meio de comunicao simbolicamente generalizado do sistema religioso so reconhecidas sem reservas (cf. Schlgl, 2001, pp. 27ss.; Dinkel, 2001, p. 57). Aqui preciso recuperar, para a corre-ta compreenso do funcionamento social dos meios de comunicao simbolicamente generalizados, a relao entre ao e comunicao na teoria de sis-temas sociais. No obstante a comunicao seja a operao genuinamente social na teoria de sistemas (Luhmann, 1997, p. 81), indispensvel apreend--la por meio de processos de adjudicao ou de atri-buio [Zurechnung] de cursos de ao, por meio dos quais os sistemas sociais logram condicionar a reproduo de suas prprias operaes. Por mais que a comunicao seja o processo elementar a par-tir do qual os sistemas sociais se permitem emergir, h que se considerar que eles somente conseguem controlar suas operaes se forem capazes de re-duzir sua prpria complexidade. A construo da ao, portanto, o artefato indispensvel por meio do qual o sistema consegue reduzir sua complexi-dade interna e, com isso, controlar suas operaes comunicativas: Os sistemas sociais, portanto, no so construdos a partir de aes, como se essas aes fossem produzidas por fora da constituio orgnico-psquica da pessoa e pudessem existir por si; eles so decompostos em aes e ganham, por meio dessa reduo, fundamentos para conexo a novos processos comunicativos (Idem, 1984, p. 193). A ao construda nos sistemas sociais por meio da diferena ao/vivncia [Handlung/Erle-ben]: tem-se ao quando a comunicao acentua a seleo de uma informao interna ao sistema; tem--se vivncia quando a comunicao acentua o efeito que a transmisso [Mitteilung] de uma informao provoca no prprio sistema e em seu ambiente.8

    Os meios de comunicao simbolicamente generalizados so tecnologias que ajudam na trans-crio da comunicao como ao: oferecem scripts de atuao estandardizados, padres comunicativos

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    institucionalizados e disponibilizados pela socieda-de para a orientao do comportamento humano (Idem, 1974; 1997, pp. 316-396). Por exemplo, no caso da verdade, no se trata de uma noo axiom-tica ltima; significa simplesmente que o trabalho cientfico deve prestar contas de seus pressupostos e apresentar concluses fundamentadas. No caso do poder, as operaes polticas (decises coletiva-mente vinculantes) devem ser tomadas com base em um conjunto de regras decisrias sem invocar, com isso, qualquer crtica ou apologia dos poderes polticos efetivamente estabelecidos. Pois bem: a f poderia ser considerada uma tecnologia comunica-tiva capaz de coordenar o comportamento humano na mesma medida em que o fazem o dinheiro, o poder, a verdade ou at mesmo o amor nas relaes ntimas?

    Como o prprio Luhmann reconhece, a f, diferentemente dos tpicos meios de comunicao simbolicamente generalizados, no permite dife-renciar socialmente a ao individual internamen-te motivada da vivncia externamente motivada (Idem, 1977, pp. 134-135; 2000b, pp. 205-206). Essa diferena remanesce acessvel apenas para o in-divduo. claro que isso no implica a reduo da religio a um mero fenmeno da conscincia: ela se objetiva efetivamente como comunicao sempre que o comportamento individual seja determinado religiosamente (Idem, 2000b, p. 40). O problema que o engajamento da conscincia no afervel por um observador de segunda ordem. Dito de ou-tra maneira: a comunicao religiosa depende mui-to estreitamente do engajamento das conscincias empricas; para que a comunicao religiosa ocorra como fenmeno social, ela requisita toda a comple-xidade disponvel da conscincia e isso porque a religio est orientada integralidade do indivduo (Idem, 1989a, p. 345). A f religiosa exige uma in-terpenetrao altamente inelstica entre comunica-o e conscincia o que nos autoriza a questionar a validade da diferena sistema/ambiente para a religio.

    A indisponibilidade de um meio de comu-nicao simbolicamente generalizado agravada porque a religio no est estruturalmente acopla-da aos demais sistemas. De fato, os acoplamentos estruturais constituem o desdobramento necessrio

    autopoiese. Acoplamentos estruturais so estru-turas redutoras de complexidade disponibilizadas para mais de um sistema simultaneamente. Elas estabelecem filtros de input e output entre sistemas e estabilizam dependncias recprocas. Portanto, a dinmica histrica de diferenciao dos diferentes sistemas funcionais tem de ser compreendida luz dos correlatos acoplamentos estruturais que permi-tiram que os sistemas sociais se tornassem autopoi-ticos. Como vimos, a diferenciao funcional da religio, impulsionada como reao diferenciao funcional dos mbitos no religiosos da sociedade, foi responsvel pela privatizao da experincia re-ligiosa, o que exige reconhecer que, do ponto de vista da sociedade, a comunicao religiosa no consegue se estabelecer sem o engajamento das conscincias empricas justamente porque a religio no dispe de acoplamentos estruturais com outros sis-temas sociais, como reconhece o prprio Luhmann (1997, p. 787).

    Como consequncia, por fim, o acesso reli-gio depende exclusivamente de uma deciso in-dividual a religio no regula socialmente (isto , para a sociedade) as regras de incluso e excluso, pois elas dependem nica e exclusivamente da von-tade do indivduo (Idem, 1989a, p. 349; 2000b, pp. 304-305).9 Diferentemente do acesso ao mer-cado, s instituies jurdicas, educao e for-mao da vontade poltica, a religio no depende de um teste de pr-requisitos sociais. Basta ir igre-ja. Mas, para tanto, indispensvel primeiramente querer ir igreja. E, uma vez na igreja, preciso disponibilizar toda a complexidade da conscincia reproduo da comunicao religiosa preciso engaj-la religiosamente; mas este engajamento so-mente pode ser uma operao da prpria conscincia, e no da sociedade.

    Em concluso, se a caracterizao de um sis-tema autopoitico depende de sua capacidade em manter uma diferena sistema/ambiente especfica, a religio sem um meio de comunicao simbo-licamente generalizado especificamente religioso, sem acoplamentos estruturais com outros sistemas funcionais da sociedade e sem a capacidade de fi-xar critrios prprios de incluso e excluso no deve ser considerada um sistema autopoitico tal como os demais. A diferena religio/ambiente at

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    poderia ser preservada na relao da religio com a sociedade, mas no em sua relao com as cons-cincias empricas. Partindo da diferena religio/sociedade (estabelecida naquele processo em que os mbitos no religiosos da sociedade se fecharam operacionalmente em oposio a uma sociedade in-tegralmente religiosa), a religio encontra extremas dificuldades para manter a diferena religio/consci-ncia, pois a reproduo da comunicao religiosa tem por pressuposto uma operao da conscincia: a participao dos sistemas psquicos com base na f. Nessas condies, torna-se impossvel religio sustentar sua fronteira sistema/ambiente a ponto de manter a diferena entre comunicao e conscin-cia e, com isso, assegurar sua reproduo autopoi-tica como autntico sistema funcional operativa-mente fechado.

    A religio como cdigo binrio

    A religio ocupa uma posio central no pro-cesso de diferenciao funcional da sociedade, mas, contrariamente ao que se verificou em outras esfe-ras sociais, tudo indica que ela no evoluiu para um autntico sistema autopoitico. Vimos que a dife-renciao funcional da religio peculiar na medi-da em que os demais sistemas funcionais estabele-ceram suas respectivas diferenas sistema/ambiente (poltica/sociedade, economia/sociedade, direito/sociedade etc.) ao se diferenciarem de uma socie-dade inteiramente religiosa. Assim, a diferenciao funcional da religio por reao diferenciao dos demais mbitos no religiosos significou a migra-o da vivncia religiosa para o mbito da convico interna do indivduo. Ao fim e ao cabo, a sociedade funcionalmente diferenciada no tem como discipli-nar a comunicao religiosa independentemente das conscincias empricas.

    Nesta seo conclusiva, nossa tarefa propor um pequeno reparo conceitual que ajuste a teoria de sistemas sociais observao da religio sem abrir mo de suas premissas centrais: cuida-se de substi-tuir a compreenso da religio como sistema por sua compreenso exclusivamente como o cdigo binrio.

    semelhana do que se passou com a religio, tambm a moral se caracteriza na sociedade fun-

    cionalmente diferenciada por dispor de um cdi-go binrio: trata-se de operar reconhecimento e indiferena [Achtung/Miachtung] como diferena eticamente manejvel (Idem, 1989b, pp. 358-447). Historicamente consideradas, verifica-se uma coe-voluo entre religio e moral. O cdigo reconhe-cimento/indiferena desenvolveu-se como segunda codificao aplicada sobre a religio com recurso diferena originria bom/mau. Na origem, a moral, para lidar com seu prprio paradoxo (a distino bom/mau boa?), teve de recorrer religio; da mesma forma como a religio, para resolver seu prprio paradoxo (a distino imanncia/transcen-dncia transcendente ou imanente?), teve de se moralizar (Idem, 1997, p. 243). Para tanto, h uma frmula de contingncia [Kontingenzformel ] espe-cial: deus. Todo sistema social recorre a frmulas de contingncia para se impor autolimitaes: so frmulas programticas autoimpostas, algo como um princpio ltimo que condiciona as operaes do sistema. Tais frmulas so histricas e especfi-cas para as necessidades de cada sistema, por exem-plo: perfeio, formao [Bildung] e capacidade de aprendizagem na educao; escassez na economia; a necessidade de limitao do objeto cientfico na cincia; equidade no direito; o bem-comum e, pos-teriormente, a legitimidade na poltica, e assim por diante (Idem, 2000a, p. 120, nota 50). claro que tais frmulas de contingncia so semnticas hist-ricas e, como tais, no so efetivamente princpios normativos ltimos, pelo menos para um obser-vador de segunda ordem. Pois bem, a frmula de contingncia da religio deus: ele realiza a trans-cendncia na imanncia e explica a presena do mal no mundo, mesmo sendo deus um deus bom (donde o problema da teodiceia) (Idem, 1987a, p. 253). Dessa forma, a orientao da conduta e da interao humana na sociedade feudal se no em todas as suas facetas, pelo menos na imensa maioria delas ocorria pela conjuno de duas estruturas simblicas convergentes (quando no coinciden-tes): religio e moral. O que permitiu que, a partir dessa origem comum, elas se diferenciassem uma da outra?

    O posicionamento diante do segredo (Idem, 1997, 242ss). Tanto a religio como a moral con-tavam com uma regra de no exceo: podiam ob-

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    servar os dois lados da distino que operavam, ao mesmo tempo em que vedavam qualquer hipte-se de observao de segunda ordem no havia a menor possibilidade de que a religio pudesse ser observada de um ponto de vista no religioso e a moral de um ponto de vista no moral. Enquan-to a religio, para manter-se adstrita a uma regra de no exceo, exigia o segredo (o mistrio, o incompreen svel, o sagrado que no se explica e que, por isso, exige f); a moral, por sua vez, para se manter adstrita mesma regra, tinha de repudiar o segredo em nome da publicidade. Isso fica muito claro no caso da moral quando observamos a cons-tituio da opinio pblica e, no caso da religio, quando recuperamos os transtornos causados pela traduo da Bblia (cf., respectivamente, Koselleck, 1999; Hill, 2003).

    Desde ento, a moral mobilizada social-mente como cdigo, no tendo evoludo para um sistema autopoitico prprio. A moral permanece disposio da sociedade funcionalmente diferen-ciada, mas apenas como critrio de julgamento acerca do reconhecimento ou da indiferena com relao a pessoas ou grupos de pessoas, desem-penhando uma espcie de funo de alarme: ela aponta problemas localizados nos sistemas funcio-nalmente diferenciados que no podem ser resol-vidos pelos meios de comunicao por eles empre-gados (Luhmann, 1997, p. 404). Os indivduos manejam corriqueiramente argumentos e valores morais em inmeras situaes, aceitam compro-missos e mantm a palavra empenhada ou men-tem normalmente em todos esses casos, a ao orientada moralmente, embora no seja possvel dizer que tais aes sejam operaes realizadas por um sistema moral.

    Tudo leva a crer que, semelhana da moral, tambm a religio poderia ser caracterizada como cdigo binrio que no evoluiu para um sistema autopoitico propriamente dito: A reao religio-samente determinada progressiva diferenciao de sistemas funcionais transcorre um curso involutivo, e no evolutivo (Idem, 1989a, p. 347).

    Mas, considerada como cdigo, preservaria a religio ainda alguma funo relevante para a so-ciedade como um todo? Aqui preciso separar as questes: o fato de a religio no ser considerada

    um sistema autopoitico no diminui, em absolu-to, sua importncia na sociedade funcionalmente diferenciada. Tal como a moral, a religio ainda preserva uma funo na sociedade contempornea e orienta, em medida muito significativa, o com-portamento individual. Por exemplo, na discusso parlamentar envolvendo temas como a eutansia ou o aborto, a comunicao religiosa ou moral pode ser facilmente mobilizada para aumentar a complexidade da poltica e introduzir uma incerte-za que no pode ser absorvida pelo poder enquanto meio de comunicao simbolicamente generaliza-do, codificado pela diferena governo/oposio. E se evidente que uma deciso ser tomada (apro-var ou rejeitar uma lei que permita o aborto), ela ser tomada por maioria de votos, contabilizando os votos do governo e da oposio e no dos pa-dres, pastores ou ativistas. Mas governo e oposio podero considerar argumentos religiosos e morais para votarem contra ou a favor do aborto. Se a re-ligio depende da adeso individual, foroso re-conhecer que essa adeso macia. E, poderamos arriscar, talvez a fora da religio esteja justamente no fato de que, como cdigo binrio, ela capaz de transmitir irritao aos demais sistemas sociais de maneira transversal s suas respectivas diferenas sistema/ambiente.

    Alm disso, h um ltimo aspecto a ser con-siderado e que diz respeito funo clssica que a religio desempenha para a sociedade como um todo: dotar de sentido o plano da imanncia remetendo-o transcendncia (Idem, 1989a, p. 349-350). A funo clssica da religio preserva sua relevncia para a sociedade contempornea na medida em que o cdigo religioso permita com-pensar, espiritualmente, a excluso cumulativa dos demais sistemas funcionais da sociedade (o acesso precrio aos cuidados mnimos na primeira infncia; a repetncia escolar que provoca a difi-culdade de colocao profissional e que acarreta diminuta capacidade de participao poltica, esttica e cultural etc.) com a finalidade de evi-tar que o fracasso seja imputado exclusivamente ao indivduo (Karle, 2001, p. 113). Trata-se de dis-ponibilizar para o indivduo a liberdade de tomar uma deciso pela qual ele o nico responsvel, compensando, em alguma medida e em um nvel

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    muito baixo de institucionalizao simblica, a excluso cumulativa que ele experimenta em ou-tros sistemas sociais.

    notas

    1 Cf., ilustrativamente, Luhmann (2006, 2005). Para uma recepo crtica, cf. Bachur (2010).

    2 Cf., para uma crtica a partir da teologia, Scholz, (1982, pp. 181). Cf., mais recentemente, Pollack (2001, pp. 5-22), Beyer (2001, pp. 46-55) e Slk (2006, pp. 327-345).

    3 Cf., nesse sentido, Luhmann (1989a, pp. 259ss (man-tidas intactas as ressalvas do prprio Luhmann neste ponto); Schwinn (2001, pp. 154-207); Kneer (2004, p. 30); e Schluchter (1981, p. 74).

    4 Para uma exposio mais longa (mas sem muita cria-tividade) sobre a diferenciao de cada esfera de valor, cf. Schwinn (2001, pp. 154-207).

    5 nesse contexto que emerge o argumento da perda de sentido relacionada com o desencantamento do mundo, pois o politesmo dos valores, um polite-smo de valores intramundanos, erodiu aquilo que uma vez a religio chegou a garantir: uma autntica Weltanschauung unitria para a ordem social feudal e pr-moderna, slida e suficientemente coesa a ponto de determinar em grande medida a conduo da vida cotidiana (cf. Weber, 1988a, pp. 506-507; e Pierucci, 2003, pp. 139-140).

    6 Essa explicao muito frequente na literatura cf. Eisenstein (2005, p. 689); e Febvre e Martin, 1976, p. 249: No se deve perder de vista o seguinte fato: o editor e o vendedor de livros trabalhavam sobre tudo e desde o comeo buscando o lucro.

    7 Cf., para a relao entre o protestantismo e a dife-renciao funcional da religio, Karle (2001, pp. 102-106). Para a relao entre imprensa e Reforma pro-testante, cf. Eisenstein (2005, pp. 303-304), Febvre e Martin (1976, p. 288), Dinkel (2001, p. 62).

    8 A relao entre ao e comunicao constitui um dos pontos mais sofisticados da teoria social de Luhmann, e que aqui teremos condies de mobilizar apenas pontualmente. Cf., neste ponto, Luhmann (1978) e Heidenescher (1992).

    9 A determinao mais lata do conceito de seculariza-o implica: que se tornou afinal matria de deciso individual engajar-se religiosamente, e at mesmo: em qual religio (Luhmann, 2000b, p. 289).

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  • 226 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N 76

    A dIFEREnCIAO FUnCIOnAL dA RELIGIO nA tEORIA SOCIAL dE nIkLAS LUHMAnn

    Joo Paulo Bachur

    Palavras-Chave: Niklas Luhmann; Max Weber; Religio; Teoria de sistemas so-ciais; Diferenciao funcional.

    O objeto deste artigo investigar o lugar da religio na teoria de sistemas sociais de Luhmann com a finalidade de destacar algumas de suas ambiguidades e contra-dies internas. A especificidade da reli-gio est no fato de que a participao na comunicao religiosa depende muito es-treitamente do engajamento da conscin-cia por intermdio da f, o que dificulta a manuteno de sua fronteira sistema/ambiente. Apresentamos a religio como caso especfico de diferenciao funcional que ocorre por reao diferenciao dos sistemas no religiosos da sociedade e como privatizao da experincia religio-sa. A sociologia de Weber utilizada para ilustrar historicamente nosso argumento. Ao final, sugerimos um breve reparo con-ceitual capaz de adaptar a teoria de sis-temas sociais observao do fenmeno religioso na sociedade contempornea.

    tUE FUnCtIOnAL dIFFEREntIAtIOn OF RELIGIOn In tHE SOCIAL tHEORY OF nIkLAS LUHMAnn

    Joo Paulo Bachur

    Keywords: Niklas Luhmann; Max We-ber; Religion; Social systems theory; Functional differentiation.

    The purpose of this paper is to address religion in the framework of Luhmanns systems theory in order to identify some of its ambiguities and internal contradic-tions. The specificity of religion lays in the fact that taking part in religious com-munication depends rigidly on the actual engagement of consciousness through faith, what diminishes its capability of preserving its system/environment dif-ference. We present religion as a specific case for functional differentiation be-cause it takes place as a reaction against the functional differentiation of non-religious systems of society and as some privatization of the religious experience. We refer to the sociology of Weber in or-der to illustrate historically our argumen-tation. In conclusion, we provide a brief conceptual adjustment capable of suiting the systems theory to the observation of religious phenomena in the contempo-rary society.

    LA dIFFREnCIAtIOn FOnCtIOnnELLE dE LA RELIGIOn SELOn LA tHORIE SOCIALE dE nIkLAS LUHMAnn

    Joo Paulo Bachur

    Mots-cls: Niklas Luhmann; Max We-ber; Religion; Thorie des systmes so-ciaux; Diffrenciation fonctionnelle.

    Lobjectif de ce travail est de rechercher la place de la religion dans le cadre de la thorie de systmes sociaux de Luhmann afin didentifier certaines de ses ambigu-ts et contradictions internes. La spcifi-cit de la religion rside dans le fait que la participation la communication reli-gieuse dpend trs troitement de lenga-gement de la conscience par la foi, ce qui difficulte le maintien de sa frontire sys-tme/environnement. Nous prsentons la religion comme un cas spcifique de diffrenciation fonctionnelle qui a lieu en tant que raction la diffrenciation des systmes non-religieux de la socit, et comme la privatisation de lexprience religieuse. La sociologie de Weber est employe pour illustrer notre argumen-tation dun point de vue historique. En conclusion, nous suggrons une brve rparation conceptuelle capable dadap-ter la thorie des systmes sociaux lob-servation du phnomne religieux dans la socit contemporaine.

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