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A construção positiva e negativa da identidade da criança e do adolescente
afrodescendente no contexto escolar
Anna Karolina de Souza
(Instituto Federal do Paraná - IFPR – Campus Assis Chateaubriand)
Celina de Oliveira Barbosa Gomes
(Instituto Federal do Paraná - IFPR – Campus Assis Chateaubriand)
Resumo: A literatura é também um poderoso mecanismo de reflexão sobre a sociedade e sobre
a forma como o indivíduo se insere nela, possibilitando discussões sobre a maneira como esta
inserção acontece. O presente projeto de pesquisa, intitulado “As literaturas e as culturas
africanas e afro-brasileiras: reflexões socioculturais e aspectos educacionais”, parte da ideia
de literatura como instrumento de consideração da formação da identidade afrodescendente de
crianças e adolescentes. Para tanto, tomou como base a análise de obras de literatura africana
e afro-brasileira que abordam, direta ou indiretamente, esta temática. Tendo em vista a
problemática da invisibilidade em que as culturas africanas e afro-brasileiras muitas vezes se
encontram, o projeto buscou estudar textos literários que apresentassem e/ou problematizassem
esta situação. Sendo assim, o objetivo principal caracterizou-se pela reflexão sobre a
constituição da identidade afro-brasileira e africana da criança e do adolescente no ambiente
escolar, bem como de que maneira e com que intensidade ela influencia - positiva e
negativamente - o processo de ensino-aprendizagem. Isto, por intermédio da leitura e análise
de textos literários e referencial teórico relacionado, pela realização e participação em eventos
e, finalmente, pela escrita do presente artigo como resultado final do estudo realizado. Para
tanto, foram utilizados teóricos como Oliveira (1996), Carvalho (2012), Silva, Ferreira e Faria
(2011) e outros.
Palavras-chave: identidade afro-brasileira e africana; criança; adolescente; literatura; escola.
Abstract: The literature is also a powerful mechanism for reflection about the society and
about how the individual inserts itself into it, allowing discussions about the manner how this
insertion happens. This research project, entitled "African and Afro-Brazilian Literatures and
Cultures: Sociocultural Reflections and Educational Aspects", starts from the idea of literature
as an instrument for considering the formation of Afrodescendant identity of children and
adolescents. To this, based on the analysis of works of African and Afro-Brazilian literature
that approach, directly or indirectly, this theme. In view of the problem of the invisibility in
which African and Afro-Brazilian cultures often meet, the project sought to study literary texts
that presented and / or problematized this situation. Thus, the main objective was characterized
by the reflection on the constitution of the Afro-Brazilian and African identity of the child and
the adolescent in the school environment, as well as how and with what intensity it influences
- positively and negatively - the teaching-learning process. This, by the reading and analysis of
literary texts and related theoretical reference, through the realization and participation in
events and, finally, the writing of this article as the final result of the study. For that, we used
theorists such as Oliveira (1996), Carvalho (2012), Silva, Ferreira and Faria (2011) and others.
Key-words: Afro-Brazilian and African identity; child; adolescent; literature; school.
Introdução
A questão da constituição da identidade afrodescendente da criança e do adolescente
no contexto escolar é algo que chama a atenção e que merece ser estudado, tendo em vista a
importância disso na formação deste indivíduo para que seja sujeito e protagonista de sua
própria história. Acredita-se que a literatura possa colaborar nesse processo, por isso,
considerar de que maneira as obras auxiliam ou prejudicam a definição identitária de afro-
brasileiros faz-se relevante. Este foi o objetivo do projeto de pesquisa “As literaturas e as
culturas africanas e afro-brasileiras: reflexões socioculturais e aspectos educacionais”,
realizado pela docente Celina de Oliveira Barbosa Gomes e pela aluna Anna Karolina de Souza,
no Instituto Federal do Paraná, Campus Assis Chateaubriand, no período de outubro de 2016 a
novembro de 2017.
A ação se deu no intuito de analisar textos literários e teóricos que tratassem da temática
da representação cultural do negro e como isso implicaria na formação de sua identidade. Com
isso, refletiu-se de que maneira a escola, espaço de educação e de difusão da literatura por
excelência, colabora para a significação negativa (mesmo sem ter plena consciência disso) e
positiva desta identidade, o que influencia também no processo de ensino-aprendizagem.
Problematizando, então, a persistência do preconceito e a questão da falta de
representação simbólica positiva para os afrodescendentes, constatou-se que a proposição de
abordagens literárias de valorização das afro-brasilidades pela escola é fundamental,
ultrapassando meros critérios legais (que existem, na realidade, para outorgar práticas e
considerações que não são costumeiras ou efetivas), perspectivas exóticas ou de vitimização –
o que é fundamental para o protagonismo negro ou afrodescendente.
1. O ambiente escolar como espaço de construção da identidade da criança e do
adolescente
A identidade parte da ideia de uma possível diferenciação de seres e coisas, por meio
de características às quais pertencem ou se associam estes itens. Isto garante que todos sejam
exclusivos e próprios, tanto em meio ao conjunto das diversidades existentes, como em relação
aos seus semelhantes. As pessoas nascem, portanto, com caracteres que irão influenciar na
construção de sua identidade, que também será determinada, de alguma maneira, pelo lugar
onde vivem, pelos grupos sociais que as rodeiam, pelas questões econômicas e sociais
relacionadas a si e outros fatores.
Esta identidade social da qual se fala é construída, portanto, conforme o tempo e a
vivência do ser humano. Assim que adquirida ou reconhecida, a identidade significará o olhar
pelo qual o próprio indivíduo se vê, a forma como o seu “eu” se identifica. A criança e o
adolescente irão desenvolver essa construção com base no que está em seu campo visual, ou
seja, sua família, amigos e colegas da escola, comunidade e grupos a que pertencem, além de
pessoas a quem admiram, espelhando-se física e psicologicamente.
Na sociedade brasileira, assim como em outras sociedades, muitos grupos se
estabeleceram e, com eles, padrões de identificação. Estes hábitos e formas de identificação
tem a ver com a noção de cultura de um povo, determinada pelos acontecimentos do passado,
os quais mantém, até os dias de hoje, padrões de uma estrutura social. Porém, muitas vezes,
muitas pessoas não se sentem plenamente inteiradas destes padrões, requerendo uma
individualidade, ou uma identidade própria. Em função disso, estudos sociológicos surgem
com o intuito de refutar a plenitude de tais padrões, afirmando que a identidade social é algo
construído também de forma individual, dinâmica e contínua, articulado a história e um
conjunto de relações sociais com as impressões de cada um. (CARVALHO, 2012).
As identidades são bem variadas, podendo um só indivíduo possuir várias expressões
identitárias, o que se justifica justamente pela multiplicidade de influências com as quais se
relaciona a pessoa e suas particularidades. Dentre as diferentes identidades, há a identidade
étnica, identidade de gênero, identidade nacional, identidade profissional e muitas outras que
podem se manifestar ou serem abafadas de acordo com o local em que se atua.
Promover a noção de pertencimento ou de reconhecimento em relação a uma identidade
é um grande passo para o autoconhecimento. A criança, que ainda não conhece o mundo e nem
a si mesma completamente, passa por uma inserção de valores, ideias e pensamentos que irão
contribuir para sua identificação em relação a uma identidade, assim como para a distinção do
que seria “certo” e “errado” na concepção social sob a qual está sujeita.
Pensando na escola, pode-se dizer que ela exemplifica a construção dinâmica da
identidade, já que possui padrões de identificação e de atuação entre os indivíduos, mas
também deve levar em conta algumas particularidades deles. O jovem que passa a maior parte
do tempo no âmbito escolar vive diversas experiências, importantes na definição da identidade.
Os amigos que ele irá fazer, a forma como as pessoas vão caracterizá-lo, a situação em que ele
se encontra dentro de sala de aula, os professores que irão instruí-lo, o conhecimento
adquirindo em aulas e livros são matéria para estas experiências. Diante desta vivência, o
estudante acaba determinando uma ideia, um perfil sobre si mesmo, assim como os outros que
o rodeiam. Apresenta-se, então, uma possível identidade, a qual define-se também na/pela
escola, espaço oportuno para isso, como é sugerido por Carvalho (2012), ao dizer que “a
instituição escolar [é] um espaço social no qual os adolescentes compartilhariam significados,
referências, representações e outras práticas identitárias presentes nas sociedades.”
(CARVALHO, 2012, p.222).
Nesse sentido, percebe-se a escola como espaço importante para a introdução de
símbolos envolvidos na formação identitária. Nela, pelas diferentes práticas de relacionamento
entre os variados grupos sociais, o estudante, criança e/ou adolescente, se adaptará a um
universo de culturas específicas e diferenciadas, sendo capaz de refletir sobre elas, em um
processo de aproximação ou mesmo de distanciamento.
A questão do distanciamento também pode ocorrer, pois, é sabido, a própria escola
acaba por tornar-se um campo de confronto entre as diferentes realidades socioculturais. Muitas
vezes, a própria escola não apresenta ou significa positivamente aspectos culturais que, de
alguma maneira, são concernentes ao contexto do aluno, o que é visto nas práticas pedagógicas,
nos materiais de ensino e na abordagem (ou não) de algumas temáticas. O silêncio e a omissão
de discussões de cunho étnico e social, por exemplo, comprometem a participação escolar na
fundamentação de um processo de construção identitária do discente. E isto é muito
preocupante, já que o estudante se depara com questões próprias de sua cultura consideradas
de forma errônea nos livros e conteúdos escolares, passando a assimilar isso como única forma
de aceitação social.
1.1 A construção negativa e positiva da identidade afrodescendente da criança e do adolescente
Pensando no comprometimento da construção identitária por conta de equívocos
cometidos pela própria escola, pode-se citar o exemplo da construção da identidade negra ou
afrodescendente, prejudicada por abordagens ancoradas sempre na escravidão. Ao
considerarem a temática africana e afro-brasileira, muitas escolas incorrem na discussão do
problema da escravidão. Certamente, esta horrível marca na história brasileira não pode ser
esquecida ou desconsiderada, mas é preciso saber como ela será discutida para não propor uma
vitimização que paira até hoje sobre o afrodescendente. Ninguém gosta de ser associado à
negatividade, muito menos à inferioridade, e quando o aluno de origem negra sente-se, de
alguma maneira, considerado como “coitado” por descender de africanos, deseja desvencilhar-
se deste parentesco.
Além da vitimização, o afrodescendente ainda sofre com a abordagem pelo exotismo
que, muitas vezes, a instituição escolar apresenta. Muitas de suas marcas culturais, ou marcas
culturais de seus ancestrais mais remotos, são discutidas como se ele não fizesse parte de uma
sociedade diversa como é a brasileira. Posicionamentos como este acontecem, pois,
infelizmente, esta mesma sociedade ainda está tutelada por valores europeus brancocêntricos;
e estes são tão danosos à identidade afrodescendente que persistem, veladamente, na ideia de
que, para o negro ser, de fato, aceito, é necessário a negação de toda a sua história, cultura e
passado, é necessário que ele assimile normas de culturas que não se relacionam com sua
origem. E a escola precisa ir contra isso, já que, como aponta Severino (2010):
A escola tem como função oportunizar à criança a expansão de suas
experiências, proporcionando ao aluno aprofundar o seu processo de
aquisição de conhecimentos, não esquecendo, do respeito às questões
culturais que cada um traz, a partir da qual se constrói a identidade dos
alunos, tendo a atenção necessária no resgate de suas origens e história,
respeitando os direitos humanos, e promovendo a convivência com o
diferente. (SEVERINO, 2010, p.20). [grifo nosso].
A escola engloba, pois, um mundo de diversidades representado pelos alunos, mas
também por docentes e demais servidores. Esta diversidade se apresenta ainda pelos conteúdos
escolares e na forma como eles são relacionados à discussão sobre a sociedade e sobre o mundo
do trabalho. Tendo em vista, então, a explícita influência que a escola tem na formação da
identidade do aluno, considerando o tempo e as proposições ideológicas que lhe apresenta,
considerar os temas da cultura africana e afro-brasileira, bem como da própria afro-
descendência – estes relacionados a ele – com responsabilidade é fundamental. Apesar da
existência de leis que contribuem para um processo de desconstrução da negatividade da
cultura negra, como a Lei nº 10.639/03, por exemplo, que coloca a obrigatoriedade do Ensino
da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana, e, de certa forma, refuta o silêncio em
relação ao tema, outras práticas são necessárias. É preciso que se faça uma discussão mais
ampla sobre as africanidades no ensino fundamental e médio; e, principalmente, que crianças
e adolescentes compreendam a afro-descendência pelo seu valor, aprendendo a reconhecer
traços dela em sua identidade. Para tanto, materiais, discussões e diferentes iniciativas devem
ser constantemente realizadas a fim de promover esta identificação, ultrapassando o corriqueiro
debate sobre o racismo. Estas práticas podem ser responsáveis pela instalação de um processo
de, pelo menos, minimização da negatividade, sendo uma grande conquista para a diversidade.
Abordagens elucidativas sobre a afro-descendência na escola podem ser fundamentais
no processo de aprendizagem do aluno. Segundo Lima (2000), as crianças negras acabam
depreciando sua identidade em formação quando são inseridas em espaços que categorizam a
diferença e, por conseguinte, em que o negro é associado a temas de inferioridade. Ainda que
no ambiente escolar esteja presente um conglomerado de diversidades étnico-raciais, é
explícita a baixa autoestima que crianças negras apresentam, por conta do que é posto
socialmente em relação à cultura. A escola, portanto, pode e deve evitar a propagação desta
situação.
A ideia de que a criança não nasce com preconceito é válida. No contexto da escola, o
próprio educador apresenta estereótipos que foram estabelecidos e convencionados
socialmente, favorecendo ainda mais o retardamento do extermínio da autorrejeição e da
rejeição de outras etnias. A aceitação da diferença como algo bom e não relacionado à
desigualdade, propriamente, deve ser abordada didaticamente e inserida no conteúdo que o
professor está lecionando. Esta discussão deve ser mediada pelo discurso e pela prática docente,
de modo a desconstruir os estereótipos de negatividade, como apontado por Severino (2010):
Sendo assim, se não houver materiais pedagógicos de qualidade,
exemplificando com maior riqueza de detalhes, a história destes personagens,
os livros didáticos podem acabar acarretando na criança negra, por exemplo,
uma imagem negativa e de inferioridade sobre sua história e de si mesmo
refletindo na rejeição em se dizer negro, ou pertencer a este grupo, bem como,
uma baixa autoestima. (SEVERINO, 2010, p.21).
A valorização de exemplos positivos também pode tornar-se um recurso para a
formação positiva da identidade afrodescendente de crianças e adolescentes. Isto pode ocorrer
pela apresentação de casos reais de afrodescendentes que ultrapassaram o discurso do racismo
ou por meio de materiais que mostrem ou discutam casos assim. Isto porque
[...] desde cedo, a criança vai interiorizando e adotando os papéis e atitudes de
outras pessoas que se configuram como significativas; é através desta
identificação com os outros que ela passa a se identificar, a adquirir uma
identidade subjetiva. Este processo se dá através de uma dialética entre a
identidade atribuída pelos outros e a identidade de que ela, a criança,
subjetivamente se apropria. (BRANCO FILHO, 2017, online).
Mesmo sendo um país caracterizado pela diversidade, no Brasil ainda há muita
intolerância e preconceito racial. Portanto, torna-se urgente uma discussão mais ampla sobre a
tentativa de resolução ou de prevenção deste problema: a valorização da identidade afro-
brasileira e africana. Isto, de modo a dar visibilidade a uma aparente minoria que, precisamente,
compreende mais da metade da população brasileira.
2. A literatura e a constituição da identidade
Mesmo que não se deva considerar o texto literário somente por seus aspectos históricos e
sociais, é inegável que ele é produto de ideias desenvolvidas em um determinado momento e
espaço. Sendo assim, e pensando na constituição de uma identidade afro-brasileira e africana,
pode-se dizer que a literatura característica desta temática pode ajudar neste processo de
construção. Tendo em vista a criança, por exemplo, mesmo a literatura infantil pode ser assim
considerada, como se vê no seguinte trecho:
A literatura infantil traz, além do texto escrito, imagens que poderão habitar
o imaginário social, sob outros focos de compreensão, dos espaços
ocupados pelo negro em nossa sociedade [...]. Aliar a abrangência da
literatura infantil às crianças que estão abertas à aprendizagem pode
possibilitar a mudança de toda uma concepção de sociedade, paradigmas
podem vir a ser quebrados e uma sociedade igualitária criada. (SILVA,
FERREIRA e FARIA, 2011, p.5-7). [grifos nossos)].
Ou ainda:
Por fim, acreditamos que quanto mais a criança tiver a oportunidade de
experimentar o faz-de-conta [pela literatura], representando situações ou não
do seu dia a dia, maiores condições terá de construir a sua identidade, uma
vez que ampliará a sua compreensão sobre o mundo no qual está inserida.
(PAIVA, 2010, p.10)
Ainda que seja aparentemente de linguagem primária, a literatura infanto-juvenil é
extremamente importante na formação da criança e do adolescente. Eles tomarão, pois, ciência
de referências contidas na literatura, considerando personagens e situações com os quais se
identificam no que se refere à formação da identidade, num exercício de verossimilhança.
Conforme afirma Oliveira (1996):
A literatura infantil deveria estar presente na vida das crianças, como está o
leite para sua nutrição. Ambos contribuem, respectivamente, para o
desenvolvimento psicológico nas suas dimensões afetivas e intelectuais e para
o desenvolvimento biológico. (OLIVEIRA, 1996, p. 27).
2.1. A formação de identidades afro-brasileiras negativas e positivas e a participação da escola
A literatura designada como literatura afro-brasileira ou mesmo literatura negra
apresentará, propriamente, aspectos da identidade afrodescendente, da inclusão e da
valorização do negro e de sua cultura. Além disso, acaba por criticar a visão preconceituosa
(explícita ou não), como também os estereótipos e condições de segregação criados e mantidos
pela sociedade ao longo do tempo. A literatura afro-brasileira infanto-juvenil se caracteriza por
contos, romances, poemas e outros textos - nascidos, inclusive, na oralidade - que irão exibir
as mesmas discussões ou propostas de reflexão sobre a consideração da cultura e da identidade
afrodescendente. No entanto, vão evidenciar como ela é construída na/desde a infância ou
adolescência, seja de forma positiva ou negativa.
Diversos fatores são levados em conta no processo de construção identitária da criança
e do jovem. A linguagem utilizada, o contexto da narrativa, os personagens, bem como suas
características; tudo isso colaborará para um processo de aproximação ou afastamento, de
valorização ou de rechaço pelo jovem leitor dos símbolos e dos perfis que ele identifica pela
leitura. A literatura infanto-juvenil está presente cada vez mais cedo na vida da criança e do
adolescente; ela promove o lúdico, a fantasia, mas também apresenta ideologias que podem
determinar sua forma de pensar e agir. Por isso, refletir sobre que tipo de texto literário os
jovens leitores estão consumindo, especialmente, no que se refere à consideração de uma
origem afro-brasileira, é algo importante. É possível notar certos estereótipos recorrentes em
contos de fadas, fábulas, crônicas e outros gêneros presentes na literatura infantil. Personagens
como a bruxa ou a feiticeira serão sempre associadas à maldade, ao passo que a fada será
pintada como bondosa, ou o príncipe será sempre caracterizado como bonito e aventureiro.
(SILVA, FERREIRA e FARIA, 2011). Essa padronização europeia, que sugere certa
hierarquização cultural, é explicitamente recorrente em boa parte da literatura para crianças e
jovens, o que acaba sendo um problema para o trabalho de formação da criança negra brasileira,
que pouco ou nada se identifica com estes estereótipos. Diante, então, desta “falta de
reconhecimento”, acredita-se que considerar textos infanto-juvenis com personagens e
contextos representativos da cultura é fundamental. Além de considerar temas de
ressignificação e valorização cultural, a literatura afro-brasileira irá focar assuntos como a
escravatura, a imigração dos negros no Brasil, as religiões afro-brasileiras, o preconceito, e
outros tópicos que, apesar de serem polêmicos, precisam ser debatidos, devido à invisibilidade
à qual muitos são relegados.
Considerando, pois, a capacidade de associação do simbólico ao real que a literatura
tem (ou mesmo de simbolização da realidade), é importante pensar como ela reflete na
formação e no equilíbrio socioafetivo de afrodescendentes; como sugere Amorim (2011), vale
a pena refletir: como eles podem reagir diante de textos que fazem apologia à inferiorização e
à exclusão, por exemplo, dentro da própria escola?
A aceitação pessoal é o primeiro passo para a caminhada no processo de construção e
de (re)conhecimento do indivíduo. Admirar, respeitar e apreciar a própria cultura é um bem
que deve ser estimulado, compartilhado entre os indivíduos, especialmente, entre os
afrodescendentes, há muito estigmatizados pela escravidão. A linguagem escolar desempenha
um papel significativo nessa prática, no sentido de que pode propiciar o debate de assuntos
relacionados à inclusão e plena atuação de alunos e demais sujeitos, discutindo formas de
desconstrução de preconceitos e estereótipos; isto, por meio de diferentes reflexões, inclusive,
pela literatura.
A propósito desta questão, em outubro de 2016 iniciou-se o projeto de pesquisa de
pesquisa As literaturas e as culturas africanas e afro-brasileiras: reflexões socioculturais e
aspectos educacionais no Instituto Federal do Paraná - Campus Assis Chateaubriand. A
iniciativa caracterizou-se pela realização de encontros semanais, leituras teóricas e literárias e
discussões sobre a temática africana e afro-brasileira entre a docente Celina de Oliveira
Barbosa Gomes e a aluna Anna Karolina de Souza. O objetivo do projeto foi investigar como
a identidade afro-brasileira de muitos alunos é, muitas vezes, influenciada pela maneira como
o tópico da africanidade é discutido na escola. Considerando, então, textos literários que
tematizam a negatividade e sugerem a positividade da afro-descendência, é possível perceber
que muitas dessas diferenças são determinadas pela época em que as obras foram escritas. Não
é difícil encontrar ocorrências históricas e textuais – implícitas ou explícitas – em que a afro-
brasilidade/africanidade são mencionadas como justificativas para a segregação ou para a
inferiorização do indivíduo. Como exemplo, é possível citar alguns trechos da obra de Monteiro
Lobato, Negrinha, de 1920: “Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca,
mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.” (LOBATO, 1920, online). O momento
da escrita de Lobato é o período da pós-abolição da escravatura, no final do século XIX; nota-
se a persistência de uma sociedade orientada pela continuidade da “escravidão” no Brasil, a
qual, de certa forma, ainda ocorria/ocorre. Personagens como Tia Anastácia, de outra obra do
autor, o Sítio do Pica-pau Amarelo, figuram como serviçais sem identidade, que vivem como
mais um bem da fazenda, no caso, valendo-se da “bondade” de Dona Benta, a proprietária e
representante da velha aristocracia rural brasileira. Mas é a protagonista do conto supracitado
quem personificará a inferiorização sugerida por Lobato. Caracterizada como uma espécie de
animal, sem nome, é apresentada como fraca, desprotegida, objeto para a diversão de alguns
ou para o extravasar da raiva de outros:
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente
assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a
pontapés. Não compreendia a ideia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação
ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora
risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. (LOBATO,
1920, online)
É explícita a negatividade que o autor associa à personagem, tanto que, mais tarde, ele
acabará sendo alvo de julgamentos, tachado de racista e preconceituoso. Não obstante esta
postura, ressalva-se o gênio criador de Monteiro Lobato e, para além de querer isentá-lo da
crueldade de suas palavras (e posicionamentos advindos dela), é relevante dizer que sua escrita
reflete também, como já mencionado, o pensamento da elite da época, da qual ele fazia parte e
pela qual ele foi formado.
A escrita de Lobato ainda vai fazer menção ao determinismo, ancorado na questão
racial de oposição entre negros e brancos e na supremacia destes últimos; uma expressão do
preconceito que será, inclusive, largamente explorada no romance do autor intitulado O
presidente negro.
Apesar de categorizado como infanto-juvenil, Negrinha não deixa de apresentar uma
perspectiva adulta, com uma linguagem enxuta, dotada de certa crueldade. Após a leitura, a
criança ou o adolescente de hoje podem visualizar a opressão sofrida pela protagonista durante
toda a história, a qual culmina com a morte de Negrinha. Mas além do abalo desta cena, o que
pode ser mais chocante é a comparação velada entre Negrinha e as sobrinhas de D. Inácia,
meninas brancas e caracterizadas como crianças lindas, louras e ricas.
Outra obra que também apresenta uma inicial negativização da negritude é o conto
Cauterização (2009), de Cristiane Sobral.
Cauterização. Um processo intensivo de reestruturação dos fios que promete
a solução para os chamados “cabelos desapontados.” [...] Com uma ajeitada
caprichada no “bombril”, ninguém poderia dizer que Socorro tinha sangue
negro. (SOBRAL, 2009, online).
Assim como em Pixaim, outro conto de Sobral, o texto vai propor a discussão sobre
uma temática recorrente e atual: a perspectiva negativa em relação ao corpo negro, aqui,
propriamente, em relação ao cabelo afro. Serão apresentados personagens que se deixaram
subjugar por ideias e modelos de embranquecimento, de alisamento dos cabelos, de
“clareamento” da pele. É evidenciada a alienação do negro de sua identidade pela
inferiorização de seu corpo, do cabelo, da cor. Mas, posteriormente, a escritora, contemporânea
e também militante da causa negra, propõe a conscientização e politização dos personagens
que, libertos dos estigmas negativos, aprendem a se enxergar como são e a se valorizar. A
reflexão propiciada pela escrita de Cristiane Sobral também pretende questionar estereótipos
que, infelizmente, ainda persistem e que caracterizam uma forma de preconceito racial: a da
excessiva sensualização e sexualização da mulher e do homem negros. Para desconstruir, então,
estes e outros conceitos de inferiorização, a autora acredita na importância do despertar e no
conhecimento da identidade afro-brasileira dos indivíduos:
As identidades estão em confronto com a realidade cotidiana do
enfrentamento do racismo em nosso país, cada um com suas escolhas,
perspectivas, mas sempre instigados ao conflito, com a possibilidade de
ruptura. Quanto mais a consciência racial e o autoconhecimento, maior o
empoderamento das personagens. (SOBRAL, 2017, online).
Este tipo de produção literária é representativa em vários sentidos, uma vez que é uma
obra de autoria feminina negra, o que colabora ainda para a desconstrução da remota
invisibilização do gênero feminino, que, infelizmente, persiste.
Mas não obstante as ideologias de segregação vistas em muitos textos literários, há, por
outro lado, obras que vão apresentar a valorização da afro-brasilidade e o empoderamento do
negro. Um exemplo deste tipo de situação é Menina bonita do laço de fita (1986), de Ana Maria
Machado. É possível apreciar aqui também a literatura infanto-juvenil, com uma linguagem
simples, mas não inferior; vê-se uma história contada em um enredo curto e de fácil
entendimento, a qual apresenta o elogio à negritude da protagonista. Propõe-se, portanto, a
desconstrução da associação entre afro-brasilidade e inferioridade.
Ao ser questionada pelo coelho sobre a origem de sua cor, a menina apresenta uma série
de possibilidades lúdicas e fantásticas, mas de modo a mostrar a aumentar o deslumbramento
do coelho, que se mostra encantado. Diferente de Negrinha, por exemplo, a descrição da
personagem em Menina bonita do laço de fita começa com uma adjetivação positiva; a
protagonista fala com segurança e orgulho de sua negritude, mesmo sendo criança. Uma
negritude – aqui chamada de “pretume” – que vai simbolizar algo valoroso, tanto, que será
invejado pelo coelho:
Era uma vez uma menina linda, linda.
Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos
e bem negros.
A pele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva.
Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar
com laços de fita coloridas. Ela ficava parecendo uma princesa das terras da
África, ou uma fada do Reino do Luar.
E, havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso
sempre tremelicando. O coelho achava a menina a pessoa mais linda que ele
tinha visto na vida.
E pensava:
- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que nem ela...
Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:
- Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
- Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina...
O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela. Ficou
bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele
pretume, ele ficou branco outra vez. (MACHADO, 1996, online).
Tendo em vista a importância para a formação pessoal e social que a leitura tem na
primeira infância, assim como a fantasia relacionada à literatura, apresentar na escola, por
exemplo, textos com símbolos de valorização como este são de extrema importância. Isto
acontece por duas razões: primeiro, porque ao ler um texto com personagens negros o aluno
afrodescendente se reconhece, de alguma maneira, na matéria artística que a sociedade em que
está inserido produz; e segundo, porque ele absorve as ideologias e conceitos positivos ali
presentes, refletindo sobre a possibilidade de outros padrões de beleza (precisamente marcados
por traços afrodescendentes) diferentes daqueles estabelecidos pela sociedade dominante.
Considerando, então, a divergência deste texto com Negrinha, por exemplo, pode-se
dizer que a obra de Ana Maria Machado ilustra o processo histórico de empoderamento negro
que vem se estabelecendo com o passar dos anos, o que também acontece/deve acontecer pela
ação da escola.
Pensando na atuação da escola como espaço e promotora da diversidade e,
especialmente, da igualdade étnico-racial, o projeto no/pelo qual estas reflexões foram
estabelecidas preocupou-se em realizar ações que tratassem, direta ou indiretamente, da
ressemantização da identidade afro-brasileira. Dentre elas, foi organizado o “II Encontro em
Alusão ao Dia da Consciência Negra”, em novembro de 2016, o qual foi norteado pelo tema
da valorização e do reconhecimento da afro-descendência. Além disso, como forma de verificar
o (re)conhecimento da identidade afro, um questionário foi aplicado a alunos e servidores a fim
de que atestassem ou não uma possível afro-brasilidade. As respostas evidenciaram um
significativo número de pessoas que alegaram ter origem negra ou parente com esta
característica, mas também sinalizou que muitos não sabiam o que isso significava, justamente,
por não terem noção – muitos deles – do processo de empoderamento e ressignificação inerente
a este tipo de caracterização do indivíduo. O que pode levar à seguinte conclusão: ou esta
identidade não foi evidenciada no processo de formação deste sujeito ou foi, no mínimo,
negligenciada, por conta da carga semântica negativa historicamente atribuída a ela.
Isto aponta que a escola precisa, cada vez mais e mais cedo, tratar do tema da
diversidade étnico-racial, de modo a fazer com que a criança e o adolescente se conheçam de
fato e se valorizem pelo que são, tornando-se conscientes e “resistentes” à afetação dos
estereótipos brancocêntricos aos quais são, a todo momento, submetidos; isto é de grande
importância, como é confirmado pelas palavras de Paiva (2010):
Acreditamos que à medida que a criança toma consciência de si e de que é
distinta do outro, ela conseguirá compreender a posição que ocupa nas
diversas relações que estabelece [...] a criança inicia o desenvolvimento da
sua identidade através da interação que mantém com o meio em que vive,
sendo que essa construção poderá apresentar características diversas em razão
das diferenças culturais. (PAIVA, 2010, p.9),
pois colabora para a evolução psicológica e social destes indivíduos, que começam a se
enxergarem autônomos e capazes; compreendem, pois, o lugar que ocupam nos espaços e
aprendem a conviver com orgulho e respeito, constituindo sua identidade no mundo. Este é um
processo gradativo, particular e reflexivo, de extrema importância para a configuração da
subjetividade da pessoa (BERGER e LUCKMANN, 1976), mas também da coletividade, já
que particular e público acabam sendo interdependentes, como aponta Erikson apud Fonseca
(2003):
Não podemos separar o desenvolvimento pessoal e a transformação
comunitária, assim como não podemos separar a crise de identidade da vida
individual e a crise contemporânea no desenvolvimento histórico, porque
ambas estão relacionadas entre si e definem-se reciprocamente. (ERIKSON
apud FONSECA (2003, p.67).
Só consciente, então, de quem se é, de sua identidade afro-brasileira e do caráter de
empoderamento e valorização atrelados a ela é que se poderá tomar uma postura de autonomia
e de eliminação do preconceito, seja ele explícito ou velado.
Considerações finais
As leituras e o estudo das obras apresentadas possibilitaram a compreensão da grande
influência que a literatura, africana e afro-brasileira, no caso, têm na formação do indivíduo
afrodescendente. A escola, espaço primeiro e excelente de acesso ao texto literário, deve
considerar de que maneira esta formação está ocorrendo, apresentando e discutindo materiais
– literários ou quaisquer outros – que colaborem efetivamente para este processo, auxiliando
na busca e descoberta do seu “eu” por cada aluno; isto, porque acredita-se que o tema da afro-
brasilidade ainda é tratado de forma superficial, exótica e protocolar apenas, em muitos
ambientes de ensino.
O trabalho realizado no desenvolvimento do projeto de pesquisa “As literaturas e as
culturas africanas e afro-brasileiras: reflexões socioculturais e aspectos educacionais”
buscou problematizar a persistência do racismo, seus reflexos na literatura e o prejuízo à
constituição da identidade afrodescendente que ele provoca. Isto, pela constante associação que
se faz do negro ao escravo, uma situação que precisa ser desconstruída; a escola, amostra da
sociedade, parece ser o espaço ideal para isso.
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Entrevista concedida a Lu Bento.