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1 A CATEGORIA TERRITÓRIO FRENTE À DINÂMICA DA FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO ASSENTAMENTO BOA VISTA EM GRAJAÚ/MA Leandro Sales da Silva UFMA – Campus de Grajaú [email protected] Rosimary Gomes Rocha UFMA – Campus de Grajaú [email protected] Resumo O presente artigo é parte inicial de um trabalho que busca, através da abordagem da categoria território, compreender as territorialidades que efetivaram e contribuíram para a formação e estruturação do assentamento Boa Vista em Grajaú/MA. Entendendo que o território agrega múltiplas formas dinâmicas sociais no espaço, que produzem e reproduzem formas significativas historicamente a partir de práticas concretas e abstratas de sociabilidade. Contudo, objetivamos ainda demonstrar seus desdobramentos e relações, junto às dimensões política, econômica e cultural, que se entrelaçam e se equivalem na constituição de um determinado território. Palavras-chave: Território; Questão Agrária; Assentamento Boa Vista. Introdução Os debates que dizem respeito à natureza do pensamento geográfico, ou seja, quanto à sua legitimidade cientifica e à sua especificidade, se nutrem em grande parte de modelos teórico-metodológicos concernentes a períodos históricos que refletem diretamente na forma do homem pensar o espaço por ele habitado e, qual o seu papel enquanto agente que faz parte e que transforma a natureza. Para isso as categorias de análise apresentam-se como suporte para tal empreitada. Na geografia podemos citar algumas relevantes, a saber: lugar, espaço, região, território e paisagem. Sendo que neste texto vamos nos ater à análise de “território” vinculada aos estudos geográficos, bem como aos desdobramentos desses debates nos estudos sobre a (re) produção e a organização do espaço geográfico. Entendemos que através desse enfoque

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A CATEGORIA TERRITÓRIO FRENTE À DINÂMICA DA FORMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO ASSENTAMENTO BOA VISTA EM GRAJAÚ/MA

Leandro Sales da Silva UFMA – Campus de Grajaú

[email protected]

Rosimary Gomes Rocha UFMA – Campus de Grajaú

[email protected] Resumo O presente artigo é parte inicial de um trabalho que busca, através da abordagem da categoria território, compreender as territorialidades que efetivaram e contribuíram para a formação e estruturação do assentamento Boa Vista em Grajaú/MA. Entendendo que o território agrega múltiplas formas dinâmicas sociais no espaço, que produzem e reproduzem formas significativas historicamente a partir de práticas concretas e abstratas de sociabilidade. Contudo, objetivamos ainda demonstrar seus desdobramentos e relações, junto às dimensões política, econômica e cultural, que se entrelaçam e se equivalem na constituição de um determinado território. Palavras-chave: Território; Questão Agrária; Assentamento Boa Vista. Introdução Os debates que dizem respeito à natureza do pensamento geográfico, ou seja, quanto à sua

legitimidade cientifica e à sua especificidade, se nutrem em grande parte de modelos

teórico-metodológicos concernentes a períodos históricos que refletem diretamente na

forma do homem pensar o espaço por ele habitado e, qual o seu papel enquanto agente que

faz parte e que transforma a natureza.

Para isso as categorias de análise apresentam-se como suporte para tal empreitada.

Na geografia podemos citar algumas relevantes, a saber: lugar, espaço, região, território e

paisagem. Sendo que neste texto vamos nos ater à análise de “território” vinculada aos

estudos geográficos, bem como aos desdobramentos desses debates nos estudos sobre a (re)

produção e a organização do espaço geográfico. Entendemos que através desse enfoque

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teórico-conceitual, torna-se possível identificar as diversas dimensões na produção do

espaço. Tais como: aspectos da economia, da organização política, da cultura, das relações

de poder, das rupturas e permanências passíveis de serem elencados como elementos ativos

e conexos na organização de cada território construído no desenvolvimento da conquista

pela terra.

O território forma-se a partir do espaço, e só por este intermédio se realiza. Portanto na

abordagem territorial, as dimensões política, econômica e cultural são vislumbradas a partir

da apropriação do espaço, entrelaçadas junto ao poder, entendido aqui como produto do

cotidiano social. Ademais, um território significa dominação que promove uma relação de

sujeição, mas que esta não é condição permanente, pois o território é construído

socialmente, tornando-se passível de reconstrução e reestruturação.

Neste sentido, a apreensão voltada para construção do território, só é possível se alocarmos

esforços na identificação dos fatores de sua produção, ou seja, na historicidade das práticas

sociais e relações que efetivaram dada formação territorial. Ao passo que um território tem

seu suporte no passado, tem ainda um presente, mas é um constante devir. Desse modo, o

conceito de território deve ser pensado como produto das territorialidades inacabados,

derivado de relações sociais cotidianas. Sendo evidente que este cotidiano é concebido aqui

como um espaço atravessado de contínuas tensões.

Neste artigo procuramos, primeiramente, com base em importantes autores que discutem a

temática, traçar uma (re) visão teórica acerca de território, para depois articular tal conceito

à análise da questão agrária, e, por último fazer uma abordagem preliminar de como o

Assentamento Boa Vista, localizado no município de Grajaú/MA, se (re) produz no espaço

e se legitima enquanto território de construto social, econômico e politico. Para isso,

adotamos uma concepção mais voltada aos aspectos econômico-cultural do território.

Território: múltiplas abordagens Na Geografia coexistem várias concepções de território que servem para demonstrar a

complexidade desse conceito. Constatamos que algumas vertentes são basilares e que

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historicamente serviram para tratar do estudo do território, ou melhor, que foram utilizados

para interpretá-lo e cujo arcabouço teórico ainda se faz presente, em vários momentos,

quando se aborda tal conceito.

Dentre elas destacamos primeiramente a naturalista, segundo a qual o território aparece

como elemento da natureza inerente a um povo ou uma nação pelo qual se deve lutar para

proteger ou conquistar. Tal vertente naturalista de apreensão do território e da

territorialidade foi duramente alvo de críticas por parte de alguns autores, dentre estes

Raffestin (1993), que afirma que as territorialidades derivam de um tecido social complexo

e dinâmico marcado pelas relações de poder, pelas intencionalidades, pelas inter-relações,

pelo jogo ideológico.

A segunda vertente que interpreta o território encontra-se mais sistematicamente vinculada

aos anseios cognitivos de uma Geografia com forte conotação culturalista. Evocando-se aí

os sentimentos de pertencimento, de identidade, os espaços de representação, o

enraizamento, entre outros elementos, interligados com as demais dimensões do território,

efetivando formas particulares de apropriação e de produção do espaço via territorialidade.

Entretanto, entender o território sob uma perspectiva estanque e unidimensional, tomando

como exemplo no caso a dimensão cultural, de modo algum traz avanços. Nesse sentido

concordamos com Raffestin (1993, p. 47), ao demonstrar que, É evidente que ainda se

poderiam evocar os elementos dos códigos culturais, por exemplo, mas eles também são

atravessados pelo código econômico e pelo código político.

A exemplo de Saquet (2011) pensamos, o território em sua multidimensionalidade. Pois

entendemos que seu núcleo é social, suas dimensões são a política, a economia e a cultural,

condicionadas relacionalmente pela historicidade e conflitualidade inerentes a toda

sociedade. De acordo com tal afirmação, é através de Saquet (2011), que buscaremos

construir uma argumentação teórico-metodologica, articulando tempo, espaço e território,

envolvidos por aspectos da política, economia e da cultura. O mesmo autor reforça e afirma

que As dimensões sociais do território (economia, política e cultura) estão no mesmo nível.

Porém, ora uma(s), ora outra(s) dimensão (sões), em cada lugar e momento e/ou período

histórico, pode(m) predominar diante das demais (SAQUET, 2011, p.88).

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Para a construção deste artigo, em torno da dinâmica da formação e estruturação do

assentamento Boa Vista, elegemos o território como categoria condutora central,

destacando seu caráter relacional. Sendo que, em nossos estudos iniciais, tomamos como

referenciais os seguintes autores: Raffestin (1993), que aponta uma análise mais econômica

e política do território; Haesbaert (2006), que segue uma análise mais cultural e política do

território, ressaltando também a sua multidimensionalidade; e ainda, Saquet (2011), que

promove uma leitura das várias faces do território, enaltecendo não apenas uma de suas

dimensões, mas a conjuntura que envolve a economia, a política e a cultural que produzem

e condicionam certa formação territorial.

Ressaltamos ainda, que em todas as relações, o poder, junto à lógica territorial, é fator

essencial que possibilita desvendar aspectos da produção e apropriação do espaço

territorialmente. Como bem destaca Souza (2002, p. 78), “o território é fundamentalmente

um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Ademais, o território

é transformado no espaço por meio das relações sociais materializadas, e estas resultam das

múltiplas facetas agregadas pelos diversos poderes. Assim, analisar o poder torna-se

fundamental na abordagem territorial. Pois não existe território sem relações de poder,

conforme sugere Raffestin (1993).

Contudo, podemos destacar que a dinâmica territorial deve ser compreendida,

simultaneamente, como reflexos das relações sociais, políticas, econômicas e culturais

praticadas e vividas no espaço com apropriação deste no tempo. De acordo com Raffestin

(1993, p.150-151), tudo Isso conduz a sistemas de malhas, de nós e redes que se imprimem

no espaço e que constituem, de algum modo, o território […] comandada pelo principio

hierárquico, que contribui para ordenar o território segundo a importância dada pelos

indivíduos e/ou grupos às suas diversas ações.

A problemática social, envolve os processos históricos do(s) poder (es) como parte

essencial do sistema territorial. O poder segundo Raffestin (1993), não é uma categoria

espacial nem temporal, mas está presente em toda relação que se apóia no espaço e no

tempo; é o elemento que, ao mesmo tempo, anima o território, objetiva e desagrega-o.

Nesse mesmo sentido Haesbaert (2004, p. 82), reforça que justamente por ser relacional, o

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território é também movimento, fluidez e interconexão, em síntese e num sentido mais

amplo, temporalidade.

Retomamos aqui mais uma vertente que sinaliza para uma eventual confusão entre o

conceito de território e conceito de espaço. Contudo essa confusão reside no fato de que

alguns autores concebem o território efetivado por meio da apropriação social do espaço,

enfatizando apenas o caráter de propriedade, de área, de limite político-administartivo. Com

efeito, de acordo com Corrêa (2001, p. 251), etimologicamente Território deriva do latim

terra e torium, significando terra pertencente a alguém. Pertencente, embora não se vincule

necessariamente à propriedade da terra, mas à sua apropriação. E segue afirmando ainda

que:

Essa apropriação tem duplo sentido, pois de um lado associa-se ao controle efetivo, por parte de instituições ou de grupos sobre um determinado espaço, vinculado assim à geopolítica e por outro pode assumir uma dimensão afetiva derivada das práticas por grupos distintos, neste sentido vinculado aos simbolismos de cada lugar (CORRÊA 2001, p. 251).

Diante das dúvidas criadas a respeito do conceito de “espaço e território”, faz-se importante

enfatizar que território e espaço não são termos análogos, já que ora ou outra, tais conceitos

parecem se confundir mutuamente. Sobre tal aspecto Raffestin (1993, p. 143) afirma que:

espaço e território não são termos equivalentes, sendo essencial compreender que o

território se forma a partir do espaço, sendo este o resultado de uma ação conduzida por um

ator sintagmático.

Assim, território se constitui em um conceito subordinado à organização espacial, revestido

de dimensões políticas e simbólicas, onde as práticas sociais se formam a partir de uma

dialética constante pela produção do/no espaço. Incluem-se aí as relações de uso e poder

que se estabelecem no processo de produção e apropriação do espaço, nesse caso, território.

A partir dessas idéias, pode se estabelecer algo sobre a constituição do território, que é

derivado e oriundo das relações de poder exercido pelas práticas sociais, políticas,

econômicas e culturais, que tem no espaço o seu substrato comum.

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Torna-se fundamental ressaltar ainda, que o espaço constitui, metaforicamente, a matéria-

prima para a produção do território, ou seja, o espaço é anterior ao território. Notamos

ainda que o território cristaliza-se através da apropriação social do espaço (política,

econômica e culturalmente) por atores que praticam determinadas atividades sociais. A

respeito disso Saquet (2011, p.94) nota que: os sujeitos produzem historicamente o

território conforme seus objetivos, metas, recursos financeiros, técnicas, tecnologias,

ideologias, apropriações etc [...] Não é possível negligenciar as características plurais,

naturais e sociais, históricas e relacionais de cada território [...].

O território é antes de qualquer outra coisa, relação social, é expressão do espaço

apropriado, produzido. É constituído, em sua multidimensionalidade, pelos atores sociais

que o redefinem constantemente em suas cotidianidades, num campo de forças, no seu mais

amplo sentido, e ainda nas mais variadas intensidades e ritmos.

Nesse ínterin, voltamos a destacar as sínteses mencionadas por Haesbaert (2004, p. 40), que

define algumas concepções em três vertentes básicas: política: (referida às relações espaço-

poder em geral) ou juridico-política (relativa também a todas as relações espaço-poder

institucionalizada): a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e

controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes-mas não

exclusivamente-relacionado ao poder político do Estado; econômica: a menos difundida,

enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território é visto como fonte de

recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho;

cultural ou simbólico-cultural: esta por sua vez prioriza a dimensão simbólica e subjetiva,

em que o território é visto, sobretudo, como produto da apropriação/valorização simbólica

de um grupo em relação seu espaço vivido.

Além dessas três vertentes, o mesmo autor refere-se ainda a uma quarta vertente, que

segundo ele, está menos vinculada às ciências sociais, que por sua vez se utilizam de uma

visão de território baseados nas relações sociedade e natureza. No entanto, devemos

reconhecer que em uma determinada pesquisa, seu(s) referencial (is) irá depender,

sobretudo, da posição filosófica adotada pelo pesquisador. Sabendo-se que, em última

instância, toda produção é oriunda das relações entre os homens e a natureza.

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Os territórios são construídos socialmente pelo exercício do poder das classes que compõe

dada sociedade. De todo modo, podemos fazer abordagens bem diferentes das de Ratzel

apud Raffestin (1993), que, por exemplo, fundamenta sua análise geográfica nos

pressupostos metodológicos e filosóficos positivistas através da observação, descrição,

comparação e classificação, tomando como fundamento as fontes das ciências mais

desenvolvidas até então: as ciências naturais. Assim, este autor efetiva um estudo a serviço

do Estado alemão de sua época (final do secúlo XIX), em plena fase de definição territorial,

ligado à expansão do capitalismo naquele país em formação.

Nesse sentido Raffestin (1993, p. 13) faz a seguinte afirmação: Ratzel partiu da idéia de

que existe uma estreita ligação entre o solo e o Estado. Para Ratzel, o elemento fundador

formador do Estado foi o enraizamento no solo de comunidades que exploraram as

potencialidades territoriais. Em outra compreensão, somos todos atores reprodutivos de

relações de poder em diferentes momentos e intensidades. As relações e interesses não são

isolados, mas articulados, porque o modo de produção capitalista detém formas singulares

de organizações baseadas nas conexões dos fenômenos.

Portanto, se delimitarmos uma porção do espaço geográfico é possível perceber algumas

relações políticas, econômicas e culturais que ocorrem e condicionam as diversas

manifestações territoriais, como por exemplo, as formas de reprodução do assentamento

Boa Vista, em Grajaú/MA, transformado e objetivado por meio da piscicultura familiar.

Pois, conforme aponta Raffestin (1993, p.152-153), Em graus diversos, em momentos

diferentes e em lugares variados, somos todos atores sintagmáticos que produzem

'territórios'. Essa produção de territórios se inscreve perfeitamente no campo do poder de

nossa problemática relacional. Nessa perspectiva, o território é um espaço no qual se

projetou um trabalho, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder.

É necessário destacar ainda, a este respeito, que nenhuma sociedade, por mais elementar

que seja não escapa à necessidade de organizar suas ações. E tanto os indivíduos e/ou

grupos sociais ocupam frações no espaço e se distribuem de acordo com modelos pré-

definidos aliados à dinâmica do modo de produção em determinado período histórico.

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Os homens vivem, simultaneamente, o processo e o produto territorial por intermédio de

suas atividades diárias. Através das relações de poder, instauram atos de dominação e

subordinação, de forma tácita ou explícita, nas interações que os sujeitos sociais mantêm

em suas relações cotidianas. Diversas produções organizam-se, no espaço, de diversos

modos, em diferentes tempos e intensidades, formando uma variedade de configurações do

território, que adquirem propriedades de descontinuidades e heterogeneidade, sobrepondo-

se ao espaço e aos outros territórios, de acordo com as características de cada lugar e

momento histórico.

Contudo, é de extrema relevância uma busca histórica para compreender a gênese dos

fenômenos, dos elementos e dos fatores que condicionaram a estrutura e os arranjos

territoriais em si, para, com efeito, não limitar as análises apenas às aparências.

O território e a questão agrária

Na produção teórica que se referem às questões agrárias, a retórica das múltiplas facetas do

avanço capitalista no campo sempre alcançou lugar de destaque. As abordagens

fundamentadas no efeito desagregador das relações sociais, atribuída à imperiosidade

sistêmica do capital no âmago das relações de produção na atualidade, produziram uma

visão homogênea do desenvolvimento centrada nas particularidades do modo de produção

capitalista, negando de certa forma a conflitualidade do território. Porém, como já

destacamos anteriormente o território é multidimensional, heterogêneo e marcado por

conflitos sociais.

Para tanto, corroboramos com Fernandes (1999, p.241), que aponta que “a territorialização

da luta pela terra é compreendida como o processo de conquistas de frações do território

[...] e que o assentamento como fração do território é um trunfo na luta pela terra”. Pois de

acordo com Raffestin (1993, p.60), o território é o espaço político por excelência, o campo

da atuação dos trunfos.

Com relação à produção familiar, ao passo que o capitalismo avança promovendo

redefinições na orientação das unidades produtivas rurais, nota-se uma reafirmação de

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elementos tradicionais, ou seja, de territorialidades antigas que compõe o território do

Assentamento Boa Vista, por meio da atividade econômica da pesca, reformulada por seus

atores. O avanço do capitalismo para o campo significa elaborar diferentes estratégias que

os atores precisam desenvolver para se autoafirmarem como sujeitos sociais no território.

Nessa circunstancias, a conjugação de diferentes relações associam os velhos e novos

conteúdos na atual dinâmica da questão agrária.

Conforme afirma Fernandes (2007, p.157),

a questão agrária é resultante dos aspectos estruturais do modo de produção capitalista, [...] criado pela lógica de reprodução ampliada do capital, que provoca o desenvolvimento desigual, por meio da concentração de poder expresso em diferentes formas, por exemplo: propriedade da terra, dinheiro e tecnologia. Esta lógica produz a concentração de poder criando o poder de concentrar, reproduzindo-se infinitamente.

Contudo, entendemos que a produção familiar através da piscicultura, reformulada e

estruturada como forma de reprodução territorial, transforma e promove uma relação de

produção comercial não-capitalista, pois como menciona Fernandes (2007, p.233),

[...] não é a participação do camponês no mercado capitalista que o torna capitalista. Como também não o uso de novas tecnologias ou a venda para a indústria que o torna capitalista. É a mudança de uma relação social organizada no trabalho familiar para uma relação social organizada na contratação do trabalho assalariado [...].

O território congrega uma variedade de formas da dinâmica social no espaço, formas

produzidas, reproduzidas e ressignificadas historicamente através de elementos concretos e

abstratos de sociabilidade.

O P. A. Boa Vista se apresenta como um espaço de ressignificação, em que os assentados

procuram se legitimar através de uma organização produtiva em torno da psicultura.

Constroem assim seu território, em que normas de associativismo devem ser cumpridas. No

item seguinte iremos trazer uma breve explanação no que diz respeito à fundação, perfil dos

assentados e projetos que contemplam este assentamento, retomando este espaço como um

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lugar específico na constituição de territorialidades através das ações dos atores aí

presentes.

O P. A. Boa Vista: a construção de um território O assentamento Boa Vista encontra-se localizado no município de Grajaú/MA, ao longo da

MA-010, às margens do Rio Grajaú, distante, cerca de 15 km, do perímetro urbano (cidade

de Grajaú).

A trajetória de sua fundação inicia-se a partir dos anos de 1990, quando um grupo de

camponeses sem terras, composto por agricultores arrendatários, trabalhadores temporários,

pescadores, vaqueiros e até mesmo de pessoas desempregadas, que moravam na cidade de

Grajaú, buscavam o acesso à terra como uma alternativa de reprodução e legitimação

social, bem como garantir o sustento de suas devidas famílias.

O que resultou na fundação de uma associação denominada Associação dos Pequenos

Produtores Rurais do Projeto Boa Vista, em 08/06/1991, tendo como presidente o

agricultor José Andrade Ramalho. Sendo que no dia 18 de novembro de 1992 foi

determinado à concessão de direito real de uso, nº 005774, de uma área de terra de 488

hectares destinados a 50 famílias, firmado pelo Estado do Maranhão, através da secretaria

de Estado da Agricultura, Abastecimento e Irrigação e do ITERMA (Instituto de Terras do

Maranhão). Foi pago o valor (12.460.630.00), doze milhões quatrocentos e sessenta mil,

seiscentos e trinta cruzeiros, pelas famílias assentadas por meio do sistema credifundiário.

Pelo fato de sua localização ser muito próximo ao Rio Grajaú, no ano de 1995 foi elaborado

um projeto de irrigação para lavouras, pela Secretaria de Estado da Agricultura e que

posteriormente programou o primeiro projeto de piscicultura, financiado pelo Banco do

Nordeste.

Atualmente vivem no referido assentamento, uma média de 70 famílias, a maioria

grajauenses, que se dedicam exclusivamente à pesca do tambaqui, sendo produzidos cerca

de 380.000 peixes continuamente. No Assentamento existe uma relação de associativismo,

no qual predomina o trabalho unicamente familiar. A comercialização e o consumo do

peixe se dão apenas na cidade de Grajaú, na feira que acontece todos os domingos.

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É preciso destacar a forte parceria e apoio da Prefeitura Municipal, por meio da secretária

de produção, que concede assessoria e assistência técnica, além de um engenheiro de pesca.

Sendo que, a partir do ano de 2007, os assentados /piscicultores vêm promovendo, todos os

anos, no mês de agosto, a festa do peixe, como forma de enaltecer e fortalecer o

assentamento.

Portanto, o P. A. Boa Vista se revela como uma organização social dinâmica, que

encontrou na piscicultura familiar uma estratégia de estruturação territorial, fortalecendo a

reforma agrária e quebrando o estigma que a sociedade pré-concebe dos projetos de

assentamentos, muitas vezes visto como sinônimo de desorganização social.

Considerações finais

Diante do exposto anteriormente, podemos conceber o P. A. Boa Vista, como um lugar de

construção social, e, assim um espaço em que as ações desempenhadas pelos agentes

sociais aí presentes ajudam a construir um território.

E este território se apresenta imbuído de relações específicas de resistência e

sustentabilidade. Exemplo disso é a busca de sobrevivência dos assentados através do

trabalho desenvolvido em torno da piscicultura, garantindo, aos mesmos, resultados

positivos no concernente às suas necessidades econômicas.

Faz-se importante mencionar que concebemos este território como relacional, já que é

multidimensional, pois se forma a partir dos aspectos econômicos, políticos e culturais e

por isso social. Neste contexto, o P. A. Boa Vista, pode ser visto como um lugar de

organização política, através da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Projeto

Boa Vista; econômica, através da produção de peixes, para a venda na cidade de Grajaú;

quanto cultural, já que o cotidiano dos assentados nos revela um modo de vida específico

do camponês.

Sobre as relações cotidianas que constroem este território, elas são objetos de nossa análise,

entretanto, vale ressaltar que nossa pesquisa encontra-se na fase inicial, em pleno

andamento. Entretanto, diante das conversas iniciais com os assentados e das primeiras

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observações empíricas pudemos constatar que os movimentos sociais podem contribuir na

construção de novas relações orientadas para a socialização do poder da formação e numa

dinâmica de complementaridade das diferenças.

Sendo que a criação de associações, com a participação das famílias são componentes

indissociáveis e fundamentais na expressão das realidades, necessidades e desafios presente

no contexto sócio-econômico, cultural e político de um lugar, e na articulação com as

organizações, entidades e movimentos presentes na realidade local, orientando-os para a

construção de um projeto.

Contudo, podemos destacar que a dinâmica territorial deve ser compreendida, a partir das

articulações e interações, políticas, econômicas e culturais praticadas e vividas no espaço,

guiada e revestida por alguma estratégia de apropriação do território, passível de mudanças

no decorrer do espaço-tempo.

Referências bibliográficas CORRÊA, Roberto Lobato. Territorialidade e corporação: um exemplo. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. de. e SILVEIRA. M. A. (Orgs.). Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo, Editora Hucitec, 2002. FERNANDES, Bernardo Mançano. et al. Geografia agrária: teoria e poder. São Paulo: Expressão Popular, 2007. FERNANDES, Bernardo Mançano. M.S.T.: Movimento dos trabalhadores rurais sem terra: formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1999. SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades: uma concepção multidimensional voltada para a cooperação e para o desenvolvimento territorial. São Paulo: Outras Expressões, 2011. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiteritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. SOUZA, Marcelo José Lopes de. O Território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA,

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Roberto Lobato.(Orgs.).Geografia: Conceitos e Temas. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.