a cartografia mediando o ensino

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    DEPARTAMENTO DE GEOCINCIAS APLICADAS AO ENSINO ______________________________________________________________________

    VIVIANE LOUSADA CRACEL

    A CARTOGRAFIA MEDIANDO O ENSINO: POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES

    ORIENTADOR: PROF. DR. MAURCIO COMPIANI

    CO-ORIENTADORA: DRA. FERNANDA KEILA MARINHO DA SILVA

    CAMPINAS, SO PAULO. DEZEMBRO DE 2008.

  • ii

    VIVIANE LOUSADA CRACEL

    A CARTOGRAFIA MEDIANDO O ENSINO: POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES

    Monografia apresentada ao Instituto de Geocincias da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para obteno do grau de Bacharel em Geografia.

    ORIENTADOR: PROF. DR. MAURCIO COMPIANI CO-ORIENTADORA: DRA. FERNANDA KEILA MARINHO DA SILVA

    CAMPINAS, SO PAULO. DEZEMBRO DE 2008.

  • iii

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELO Sistemas de Bibliotecas da UNICAMP / Diretoria de Tratamento da Informao

    Bibliotecrio: Helena Joana Flipsen CRB-8 / 5283

    Cracel, Viviane Lousada. C841c A cartografia mediando o ensino: possibilidades e poten- cialidades / Viviane Lousada Cracel. -- Campinas, [SP: s.n.], 2009.

    Orientadores: Maurcio Compiani, Fernanda Keila Marinho da Silva. Monografia (graduao) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geocincias.

    1. Mapas na educao. 2. Cartografia. 3. Geografia - Estudo e ensino. I. Compiani, Maurcio. II. Silva, Fernanda Keila Marinho da. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geocincias. IV. Ttulo.

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    TERMO DE APROVAO

    AUTORA: VIVIANE LOUSADA CRACEL

    TTULO: A CARTOGRAFIA MEDIANDO O ENSINO: POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES

    ORIENTADOR: PROF. DR. MAURCIO COMPIANI

    CO-ORIENTADORA: DRA. FERNANDA KEILA MARINHO DA SILVA

    APROVADA EM: _____ / _____ / _____

    _________________________________

    PROF. DR. MAURCIO COMPIANI

    _________________________________

    DRA. FERNANDA KEILA MARINHO DA SILVA

  • v

    Dedico este trabalho aos meus avs, Rubens e Odete (in memorium) por todo carinho, cuidado, amor e dedicao. Tenho certeza de que, onde quer que eles estejam, esto felizes por mais esta etapa concluda em minha vida.

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    AGRADECIMENTOS

    Algumas pessoas, de formas e em momentos diferentes, dividiram comigo a sua histria e me ajudaram a construir a minha, parafraseando o grupo Jota Quest, s quais agradeo.

    Primeiramente a minha famlia Snia, Prsio, Nath, Rose e Norberto que acreditou sempre em mim, torceu e sofreu junto comigo e tornou possvel o sonho de estudar Geografia na Unicamp, apesar de toda a saudade sentida ao longo destes cinco anos. Lvia, uma perua que eu adoro e que esteve presente nos principais momentos da minha vida com sua amizade incondicional, com seu apoio e conselhos. Sem dvida muito mais do que uma amiga, uma irm. A uma criatura muito especial pelos vrios cafs e conversas, pelo enorme carinho, preocupao e respeito com que sempre me tratou, por me fazer sentir importante e, principalmente, por me mostrar um mundo cheio de possibilidades. Continue por perto!

    Bel e Mayumi, duas pessoas, ou melhor, xuxus, que trouxeram mais cor e vida para os meus dias no IG. Agradeo por estarem comigo no sentido mais amplo da palavra e por todo carinho e cuidado. Sem vocs a graduao no teria sido a mesma! No posso deixar de agradecer Rosaura, Nono e Noninha por me acolherem em sua casa, pelos almoos e jantares e pela amizade que construmos. Agradeo tambm Fer, Clayton, Dan, Paulo, Van, Srgio, Giulliano e Thathynha, pelos momentos compartilhados durante a graduao. Ao Prof. Maurcio agradeo por ter aceitado me orientar, pela confiana, pela compreenso e pacincia em esperar meus textos at prximo entrega. Fernanda, por ter se disposto a me ajudar, a contribuir com idias e com textos. Agradeo a todos os integrantes do projeto Fapesp Ensino Pblico pela companhia ao longo destes dois anos. Aos professores, direo e alunos da E. E. Profa. Ana Rita Godinho Pousa, em especial a divertidssima turma do 2 B de 2008, por me acolherem com muito respeito e carinho, pelo tempo dedicado, pelas conversas, pelos incentivos e por me proporcionarem deliciosos momentos de muito aprendizado e crescimento. Ao PIBIC / CNPq pela bolsa de iniciao cientfica. Por fim, porm, no menos importante, ao Chico, muito mais que um professor, um amigo que fiz dentro do IG, agradeo por ter deixado a porta da sua sala sempre aberta, por ouvir meus desabafos, pelo aprendizado proporcionado durante a monitoria, pelas conversas sempre agradveis, por acreditar em mim e pela ateno e carinho com que sempre me tratou.

    A vocs, meu muito obrigada, de corao, por me ajudarem a escrever um captulo importante da minha vida!

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    (...) em uma conversa, no existe nunca a ltima palavra...

    por isso uma conversa pode manter as dvidas at o final, porm cada vez mais precisas,

    mais elaboradas, mais inteligentes...

    por isso uma conversa pode manter as diferenas at o final, porm cada vez mais afinadas,

    mais sensveis, mais conscientes de si mesmas...

    por isso uma conversa no termina, simplesmente se interrompe...

    e muda para outra coisa...

    Jorge Larrosa

  • viii

    RESUMO

    H na literatura vrios estudos que demonstram a preocupao com a educao brasileira e dentre os vrios aspectos abordados esto a necessidade de se romper com a prtica de ensino tradicional e de uma aprendizagem mais significativa em sala de aula, entendendo que esta se refere construo de conhecimento pelos alunos. Neste contexto, a cartografia surge como um instrumento interessante e rico da prtica pedaggica para se realizar a leitura do espao e se aproximar do local de vivncia do aluno. O presente trabalho vincula-se ao projeto Fapesp Ensino Pbico intitulado Elaborao de conhecimentos escolares e curriculares relacionados cincia, sociedade e ao ambiente na escola bsica com nfase na regionalizao a partir dos resultados de projeto de Polticas Pblicas e tem como objetivo investigar as potencialidades da cartografia em prticas pedaggicas que valorizem o lugar e a realidade do aluno, assim como as possibilidades apresentadas por este recurso para o trabalho interdisciplinar, constituindo-se em um eixo interessante para o dilogo entre disciplinas. Para isto foi realizada uma anlise do projeto pedaggico elaborado pela escola estadual Professora Ana Rita Godinho Pousa, localizada no municpio de Campinas (SP), a fim de compreender de que forma o trabalho com mapas aparece inserido, assim como de que modo ele surge como um eixo articulador entre diferentes reas do conhecimento, possibilitando um trabalho interdisciplinar no ambiente escolar. Em seguida, observou-se a aplicao deste projeto em sala de aula, buscando identificar como se deram tais relaes, as dificuldades apresentadas e a importncia de um trabalho mais efetivo com a cartografia, compreendendo a necessidade de se aprender a linguagem cartogrfica e estimular a produo de mapas pelos alunos. Foi utilizada uma abordagem qualitativa, que semelhante adotada no projeto principal ao qual este est vinculado e a atuao ocorreu como observador-participante, com a utilizao de um dirio de campo para o registro dos acontecimentos. O referencial terico inicial foram os estudos realizados por Vygotsky com o intuito de auxiliar na compreenso de como se d a interao entre aprendizado, desenvolvimento e educao, potencializando, assim, prticas pedaggicas mais significativas em sala de aula. O que se verificou com este trabalho que somente a vontade do professor em transformar a realidade da escola e da sala de aula no suficiente, embora seja um fator fundamental. preciso tambm que haja um suporte terico que oriente as aes a serem desenvolvidas e que busque o reconhecimento do saber do outros, a troca de conhecimentos e a sua contextualizao.

    Palavras-chave: Ensino, Cartografia, Projeto Pedaggico.

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    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................................ 13

    Os procedimentos da pesquisa ......................................................................................... 19

    CAPTULO 1

    VYGOTSKY: TECENDO ALGUMAS CONSIDERAES .................................................................... 22

    1.1. Principais aspectos da teoria histrico-cultural (ou scio-histrica) ............................ 23 1.2. Implicaes Educacionais ............................................................................................ 27

    1.2.1. O nico bom ensino aquele que se adianta ao desenvolvimento ................. 29 1.2.2. O aprendizado possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento ...... 31 1.2.3. A importncia da interao com outros indivduos do grupo social na construo

    do conhecimento ................................................................................................. 33

    CAPTULO 2

    O PROJETO PEDAGGICO: CONSTRUINDO UMA PRTICA PEDAGGICA .................................... 35

    2.1. A escola como espao de mediao entre o professor, o aluno e o conhecimento ...... 38 2.1.1. A escola estadual Professora Ana Rita Godinho Pousa ..................................... 40

    2.2. A importncia de um projeto escolar que valorize o local ........................................... 41 2.3. A dinmica do projeto Fapesp Ensino Pblico no ano de 2007: compreendendo o

    contexto ....................................................................................................................... 42

    Eixos Temticos ........................................................................................................... 45 Eixos Disciplinares ...................................................................................................... 48 Outras Oficinas ............................................................................................................ 52 Reunies de Estudo e Planejamento ............................................................................ 53 Seminrios Semestrais do Projeto ............................................................................... 55

    2.4. O projeto pedaggico: Lio de Casa o ensino inserido na realidade da comunidade escolar .......................................................................................................................... 55 2.4.1. O grupo de professores ....................................................................................... 58

  • x

    2.4.2. Atividade de observao participante ................................................................ 61 2.4.3. Estrutura do projeto pedaggico e seu potencial interdisciplinar....................... 62

    Estrutura do Projeto Pedaggico ...................................................................... 65 Potencial Interdisciplinar .................................................................................. 68

    2.4.4. A cartografia no projeto pedaggico da escola ................................................. 74

    CAPTULO 3

    A LINGUAGEM CARTOGRFICA COMO MEDIAO: APRENDENDO A LER O MUNDO .................................................................................................... 76

    3.1. Ensino de Geografia: repensando a didtica ................................................................ 79 3.2. Mapas: qual a sua importncia e por que utiliz-los na leitura do espao? ................. 82 3.3. Descrio das atividades realizadas ............................................................................. 86

    Geografia ..................................................................................................................... 88 Matemtica ................................................................................................................. 100

    3.4. Algumas consideraes entre o que foi proposto e a prtica ...................................... 105

    CAPTULO 4

    PARA NO CONCLUIR, MAS SIM, CONTINUAR A REFLEXO... .................................................... 110

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 113

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Localizao da bacia do Ribeiro Anhumas ............................................................... 16 Figura 2 Localizao das escolas E.E. Adalberto Nascimento e E.E. Profa. Ana Rita Godinho

    Pousa ........................................................................................................................... 17

    Figura 2.1 Eixo Local / Regional 06 de fevereiro de 2007 ..................................................... 45 Figura 2.2 Eixo de Educao Ambiental 13 de fevereiro de 2007 ......................................... 46 Figura 2.3 Eixo de Interdisciplinaridade 22 de fevereirro de 2007 ........................................ 47 Figura 2.4 Eixo de Geologia / Cartografia - 28 de abril de 2007 .............................................. 49 Figura 2.5 Eixo de Pedologia / Maquete (1) Trabalho de Campo de Pedologia 16 de junho

    de 2007 (2) Elaborao de maquete 30 de junho de 2007 .................................... 50 Figura 2.6 Eixo Biologia (Botnica/Zoologia) - (1) Mapeamento de Riscos Ambientais 10 de

    novembro de 2007 (2) Trabalho de Campo 24 de novembro de 2007 .............. 51 Figura 2.7 Eixo de Riscos e Unidades Ambientais - (1) Mapeamento de Riscos Ambientais 10

    de novembro de 2007 (2) Trabalho de Campo 24 de novembro de 2007 .......... 52 Figura 3.1 Palestra A Cartografia e a Histria do Homem em Mapas: a necessidade em

    representar e modelar o mundo que nos rodeia ..................................................... 89 Figura 3.2 Atividade sobre variveis visuais e tipos de representaes .................................... 90 Figura 3.3 Identificao das variveis visuais e tipos de representaes .................................. 91 Figura 3.4 Elaborao de mapas qualitativos, quantitativos e ordenados ................................. 92 Figura 3.5 Mapas da sala elaborado pelos alunos do 2 B ......................................................... 99 Figura 3.6 Aula inaugural de Matemtica 05 de maio de 2008 ............................................. 101 Figura 3.7 Atividade de mapeamento e reconhecimento do local onde moram os alunos ...... 103 Figura 3.8 Atividade Mapeamento da sala de aula .................................................................. 104

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 2.1 - Carga horria e quantidade de encontros das atividades/oficinas em 2007 ............ 43 Quadro 2.2 Turma escolhida pelos professores para a coleta de dados ..................................... 70 Quadro 3.1 Atividades desenvolvidas em Geografia e Matemtica ........................................ 105

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    LISTA DE SIGLAS

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CTSA Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente

    DGAE Departamento de Geocincias Aplicadas ao Ensino

    EA Educao Ambiental

    IAC Instituto Agronmico de Campinas

    IB Instituto de Biologia

    IG Instituto de Geocincias

    FAPESP Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado de So Paulo

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

  • 13

    INTRODUO

  • 14

    Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagaes,

    curiosidade, s perguntas dos alunos, a suas inibies; um ser crtico e inquiridor,

    inquieto em face da tarefa que tenho a de ensinar e no a de transferir conhecimento.

    Paulo Freire

    O presente trabalho resultado de uma pesquisa baseada em questionamentos que surgiram ao longo da graduao, em especial durante as aulas da disciplina de Psicologia Educacional, no sexto semestre, e que foram amadurecidos com o tempo, com conversas e a cada leitura realizada. Entretanto, questes relacionadas ao ensino, principalmente aprendizagem, uma inquietao pessoal desde o Ensino Mdio. H na literatura vrios estudos que demonstram a preocupao com a educao brasileira e dentre os vrios aspectos abordados esto a necessidade de se romper com a prtica de ensino tradicional e de se buscar um ensino-aprendizagem mais crtico e significativo em sala de aula, entendendo que este se refere construo de conhecimento pelos alunos. Cavalcanti (1998) atenta para o fato de que a relao entre uma cincia e a sua disciplina correspondente na escola bastante complexa, pois, apesar de formarem uma unidade, elas no so idnticas, o que gera reflexos no ensino.

    Ainda segundo esta autora, isto verificado na cincia geogrfica, que possui um objeto de estudo definido o espao geogrfico -, com um conjunto de teorias, mtodos e conceitos referentes sua investigao, enquanto que a disciplina Geografia abrange os saberes desta cincia e de outras como a Geologia, Astronomia e Economia que no fazem parte da grade de disciplinas do Ensino Fundamental e Mdio. Ocorre, portanto, uma seleo e uma organizao dos conhecimentos considerados importantes para a educao, que so, ento, convertidos em contedos escolares.

    No basta, portanto, aos que se dedicam docncia e investigao de questes relacionadas com o saber geogrfico escolar, o domnio de contedos e mtodos da cincia geogrfica. preciso que se considere, alm disso, a relao entre esta cincia e sua organizao para o ensino, incluindo a a aprendizagem dos alunos conforme suas caractersticas fsicas, afetivas, intelectuais, socioculturais (CAVALCANTI, 1998, p. 10).

  • 15

    O que se observa que os professores no esto, na maioria das vezes, envolvidos neste processo de seleo e organizao de contedos e, principalmente, de construo de conhecimentos escolares. O professor um profissional capaz de construir conhecimentos sobre o ensino a partir da sua prtica. Contudo, ainda existe um grande vazio de participao do professorado nos processos de construo do conhecimento pedaggico sobre o ensino e a aprendizagem na sala de aula (SANTOS, 2006, p. 32).

    No incio do ano de 2006, em uma conversa com o prof. Dr. Maurcio Compiani, conheci o projeto Fapesp Ensino Pblico intitulado Elaborao de conhecimentos escolares e curriculares relacionados cincia, sociedade e ao ambiente na escola bsica com nfase na regionalizao a partir dos resultados de projeto de Polticas Pblicas (processo FAPESP n 2006/01558-1), na poca ainda em fase de aprovao, e me interessei. Comecei ento a participar das reunies que visavam preparao do primeiro ano do projeto, correspondente ao ano de 2007.

    O projeto conta com a coordenao geral do prof. Dr. Maurcio Compiani, do Departamento de Geocincias Aplicadas ao Ensino (DGAE), do Instituto de Geocincias da Unicamp, em parceria com o Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Instituto Agronmico de Campinas (IAC), e as escolas E.E. Adalberto Nascimento e E.E. Professora Ana Rita Godinho Pousa. O projeto conta ainda com o apoio financeiro da FAPESP e CNPq e patrocnio da Petrobrs Ambiental, com atividades previstas para quatro anos (2007 a 2010).

    O projeto Fapesp Ensino Pblico se utiliza dos vastos conhecimentos e diagnstico scio-ambiental da bacia do Ribeiro Anhumas (realizado com a participao da comunidade e de tcnicas participativas) frutos do projeto de polticas pblicas Recuperao ambiental, participao e poder pblico: uma experincia em Campinas (processo FAPESP n 01/02952-1)1, com o objetivo de transform-los em conhecimentos escolarizados, a partir da implementao de uma proposta de formao continuada dos professores, de modo que estes tenham autonomia na elaborao de propostas curriculares locais mediando o conhecimento historicamente produzido e o escolar a ser apropriado e construdo pelos alunos (COMPIANI, 2006, p.7). O recorte escolhido para o trabalho foi, portanto, a bacia do Ribeiro Anhumas (Figura 1), onde se localizam tambm, as duas escolas estaduais que participam do projeto (Figura 2).

    1 http://www.iac.sp.gov.br/projetoanhumas

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    Dentre os objetivos gerais do projeto Fapesp Ensino Pblico tem-se:

    1- Constituio de uma cultura de colaborao e construo de conhecimentos escolares e propostas curriculares entre universidade, rede pblica e partes da administrao direta pblica por meio da concepo de pesquisa colaborativa; 2- Desenvolvimento de conhecimentos escolares e propostas curriculares com os dados do Projeto de Polticas Pblicas no Ribeiro das Anhumas relacionados vida cotidiana, ao ambiente e cincia com nfase na regionalizao e flexibilizao; 3- Desenvolvimento de conhecimentos escolares contextualizados e integradores entre disciplinas que qualifiquem o lugar da escola e seus alunos; 4- Aprofundamento e compreenso epistemolgica, educacional-curricular, poltico-social e scio-ambiental das intrincadas relaes entre trabalhos de campo, representao da realidade e lugar-mundo.

    Figura 1 Localizao da bacia do Ribeiro Anhumas. Fonte: retirado do 1 relatrio cientfico parcial do projeto Fapesp Ensino Pblico

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    Figura 2 Localizao das escolas E.E. Adalberto Nascimento e E.E. Profa. Ana Rita Godinho Pousa Fonte: retirado dos arquivos do projeto Fapesp Ensino Pblico

    A opo pela adoo das concepes da pesquisa-ao colaborativa fruto de experincias com projetos passados2. A pesquisa-ao colaborativa uma pesquisa feita com outros e no sobre os outros (COMPIANI, 2006, p. 12) e mais, induz a ateno para o acontecimento, o local, o contexto e o processo interativo em sala de aula (idem, ibid, p. 13).

    Em fevereiro de 2007 comecei a acompanhar as atividades previstas para o perodo de

    2 Projeto Geocincias e a Formao Continuada de Professores em exerccio no Ensino Fundamental (1997-2000),

    Projeto Acre 2000 de Formao Continuada em Educao Ambiental (2000-2005), Projeto Formao Continuada em Educao Scio-Ambiental no municpio de Guarulhos.

  • 18

    formao dos professores (explicados no captulo 2), com a funo de registrar os encontros, temas discutidos, falas dos professores, enfim, registrar o processo pelo qual eles estavam passando. Como neste mesmo ano estava cursando os Estgios Supervisionados, como parte dos requisitos da Licenciatura, a partir do ms de maro passei a acompanhar tambm as aulas do professor de Geografia s sextas-feiras de manh. No final do primeiro semestre deste mesmo ano, meu projeto de iniciao cientfica3 foi aprovado e no perodo entre agosto de 2007 e julho de 2008, as observaes estavam voltadas tambm para atender os objetivos propostos pelo meu projeto e contou com financiamento do rgo de pesquisa ao qual foi submetido.

    A opo por esta escola se deu por afinidade com o projeto escolar por eles elaborado e com as propostas de trabalho em sala de aula com os alunos. Assim, inserido neste contexto e vinculado ao projeto Fapesp Ensino Pblico que surge o presente trabalho, fruto de dois anos de observaes, discusses, leituras e reflexes.

    O tema central deste estudo reside na cartografia em ambiente escolar. Os mapas acompanham os alunos desde os primeiros anos de escolarizao e, em geral, aparecem nos livros didticos ou so utilizados nas aulas como uma ilustrao, como figuras que aparecem junto com textos sobre um dado contedo ou que so afixados nas paredes das salas de aula com a mesma finalidade, sem de fato contriburem com a construo de conhecimento, em especial o geogrfico. Assim, o objetivo deste trabalho investigar as potencialidades da cartografia em prticas pedaggicas que valorizem o lugar e a realidade do aluno, assim como as possibilidades apresentadas por este recurso para o trabalho interdisciplinar, constituindo-se em um eixo interessante para o dilogo entre disciplinas.

    O interesse em pesquisar sobre a cartografia no ensino surgiu ao longo do ano de 2007 em decorrncia das discusses e da vontade de alguns professores em trabalhar com este recurso com os alunos e tambm por acreditar que ele pode ser um instrumento importante para a construo de conhecimentos. Embora tenha cursado algumas disciplinas que trabalharam com conhecimentos cartogrficos, as diversas possibilidades e potencialidades do mapa em sala de aula, apresentadas neste estudo, foi algo nunca antes pensado por mim e cuja motivao surgiu da prtica do professor de Geografia.

    3 Projeto de Iniciao Cientfica intitulado CURRCULO REGIONALIZADO: uma experincia de

    contextualizao do local na escola Estadual Profa. Ana Rita Godinho Pousa Campinas / SP, sob a orientao do prof. Dr. Maurcio Compiani e aprovado pelo PIBIC/CNPq PRP.

  • 19

    Para atingir tais objetivos, foi realizada uma anlise do projeto pedaggico elaborado por um grupo de professores da escola estadual Professora Ana Rita Godinho Pousa, localizada no municpio de Campinas (SP), a fim de compreender de que forma o trabalho com mapas aparece nele inserido, assim como de que modo ele surge como um eixo articulador entre diferentes reas do conhecimento, possibilitando um trabalho interdisciplinar no ambiente escolar. Em seguida, observou-se a aplicao deste projeto em sala de aula, durante o primeiro semestre de 2008, buscando identificar como se deram tais relaes, as dificuldades apresentadas e a importncia de um trabalho mais efetivo com a cartografia, compreendendo a necessidade de se aprender a linguagem cartogrfica e estimular a produo de mapas pelos alunos.

    Por considerar que a aprendizagem social e ocorre na interlocuo dos sujeitos, o referencial terico inicial buscado na Psicologia, sobretudo nos estudos realizados pelo psiclogo russo Lev Semenovich Vygotsky referentes aprendizagem e desenvolvimento humano, pois acredita-se que ele pode contribuir de modo significativo para transformaes no plano pedaggico. Entretanto, sabe-se que ele no possui todas as respostas aos questionamentos oriundos desta temtica.

    O contato com o seu trabalho ocorreu por meio do meu orientador, como parte das leituras recomendadas para que pudesse elaborar meu projeto de iniciao cientfica, no segundo semestre de 2006. No decorrer das leituras, fui me identificando com as suas concepes de desenvolvimento e aprendizado, e a implicao destes no ensino, e por isso este foi o referencial adotado para incio das reflexes deste trabalho.

    Outros referenciais tambm so utilizados no decorrer deste estudo, principalmente ao se discutir a respeito do ensino de Geografia e da importncia do uso dos mapas e do trabalho com a linguagem cartogrfica em sala de aula. Dentre os mais utilizados, pode-se citar autores como Almeida e Passini (1992), Cavalcanti (1998, 2000, 2005, 2007), Castellar (2005, 2007), Francischett (2002, 2004) e Callai (2005).

    OS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

    Para a realizao deste trabalho foi utilizada uma abordagem qualitativa, que semelhante adotada no projeto principal ao qual este est vinculado. Ao retratar o cotidiano escolar em

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    toda sua riqueza, esse tipo de pesquisa [qualitativa] oferece elementos preciosos para uma melhor compreenso do papel da escola e suas relaes com outras instituies da sociedade (LDKE & ANDR, 1986, p. 24). Vale ressaltar que este trabalho envolve dois momentos diferentes: um correspondente ao ano de 2007, referente elaborao do projeto pedaggico, e outro relativo ao primeiro semestre de 2008, de execuo do mesmo. A atuao ocorreu como observador-participante e a identidade assim como os objetivos foram revelados desde o incio do acompanhamento tanto para os professores como para os alunos. Segundo Ldke & Andr (1986) a observao ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional e possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenmeno pesquisado. (p. 26).

    Para o registro das observaes foi utilizado um dirio de campo, pois permite que os acontecimentos sejam registrados prximos ao momento de observao, garantindo maior acuidade dos dados. Isso foi feito tanto para as anotaes das reunies de estudo e planejamento, eixos temticos e disciplinares (durante o perodo de elaborao do projeto pedaggico, correspondente ao ano de 2007) quanto para o acompanhamento em sala de aula, referente ao primeiro semestre de 2008. O convvio com o ambiente escolar foi, sem dvida, imprescindvel para este estudo, sobretudo para compreender a dinmica da escola e do trabalho docente. Considera-se que a posio desempenhada foi privilegiada, pois foi possvel observar trs pontos de vistas: o dos alunos, o dos professores e o do observador-participante, assim como a maneira com que eles se relacionavam, visto que o dilogo e a troca de experincias foi uma prtica bastante corrente. Este acompanhamento contribuiu tambm para conhecer as dificuldades e a realidade enfrentada no dia-a-dia em sala de aula, que diferente da universidade. A observao em sala de aula ocorreu nas disciplinas de Geografia e Matemtica e a sua escolha se deu em decorrncia da proposta de trabalho por eles elaborada, em conjunto tambm com outros professores. Porm, devido impossibilidade de acompanhar todas as disciplinas envolvidas e proximidade verificada entre estes dois docentes ao longo de 2007, optou-se por tal recorte na observao. Outro recorte ocorreu na escolha da sala a ser observada, que foi a turma do 2 B (Ensino Mdio)4, uma vez que esta foi a sala eleita pela maioria para a coleta de dados, alm do fato tambm, dos dois professores darem aula nesta turma.

    4 A turma do 2 B do Ensino Mdio possui 27 alunos que estudam no perodo da manh.

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    Diferentes fontes de dados foram utilizadas ao longo do trabalho como: as anotaes do dirio de campo, as discusses realizadas nos fruns de discusso no Teleduc, o projeto pedaggico da escola, as atividades desenvolvidas pelo professor de Geografia e de Matemtica, alm da bibliografia selecionada para orientar e embasar a reflexo. Desta forma, o presente estudo se divide em trs captulos:

    O primeiro captulo, intitulado Vygotsky: tecendo algumas consideraes, dedicado a apresentao dos estudos realizados por Vygotsky buscando auxiliar na compreenso de como ocorre a interao entre aprendizado, desenvolvimento e educao, potencializando assim, prticas pedaggicas mais significativas em sala de aula. Sabe-se, no entanto, que seu trabalho no apresenta um passo a passo para a prtica docente, assim como no tem resposta para todos os questionamentos que envolvem tal temtica, contudo, representa um importante ponto de partida para reflexes, e isso que se pretende com este captulo.

    O segundo captulo, O projeto pedaggico: construindo uma prtica pedaggica, voltado para a anlise do projeto pedaggico da escola, entendendo que isto se faz importante para que as articulaes entre as disciplinas possam ser verificadas, assim como o mapa se apresenta como um eixo interessante para o trabalho interdisciplinar destes professores. Para tanto, preciso conhecer o contexto em que ele foi elaborado e, neste momento, ser realizada uma leitura particular do perodo de formao dos professores, como parte das propostas do projeto Fapesp Ensino Pblico, ao qual este estudo est vinculado. No final do captulo, apresentada de que forma a cartografia aparece inserida nas propostas de trabalho contidas no projeto pedaggico.

    O terceiro e ltimo captulo, A linguagem cartogrfica como mediao: aprendendo a ler o mundo, destinado para uma discusso a respeito do ensino de Geografia e a importncia do mapa para a leitura do mundo, compreendendo que para isto, torna-se necessrio um trabalho mais efetivo deste em sala de aula, envolvendo, inclusive, a produo de mapas pelos alunos, assim como o aprendizado da linguagem cartogrfica. Por fim, realizada uma descrio das atividades desenvolvidas pelos professores de Geografia e Matemtica com a turma do 2B no primeiro semestre de 2008 e uma anlise entre o que foi proposto e o que de fato aconteceu.

  • 22

    CAPTULO 1

    VYGOTSKY: TECENDO ALGUMAS CONSIDERAES

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    O nico bom ensino aquele que se adianta ao desenvolvimento.

    Lev. S. Vygotsky

    Lev Semenovich Vygotsky foi um psiclogo russo, com formao, dentre outras reas, em Direito e Medicina. Nasceu em Orsha, na Bielo-Rssia, em 1896 e at os 15 anos de idade estudou em sua casa com o auxlio de tutores particulares. Desenvolveu grande parte do seu trabalho em Moscou, onde faleceu em 1934. Embora sua vida tenha sido breve (viveu apenas 37 anos), a sua produo foi intensa, bastante relevante e com contribuies significativas em diversas reas do conhecimento. Seu interesse principal estava relacionado ao estudo da gnese dos processos psicolgicos superiores (especficos dos seres humanos), contudo, pesquisou questes referentes a diversas reas do conhecimento. O interessante e surpreendente na leitura de sua obra o carter atual que ela possui, apesar de ter sido escrita no comeo do sculo XX. O objetivo terico e a abordagem utilizada so de extrema contemporaneidade, o que provavelmente explica o recente e intenso interesse por seu trabalho, no apenas no Brasil, mas em muitos outros pases (OLIVEIRA, 1997, p. 14). Dentre os principais trabalhos, destacam-se Formao social da mente (1984), Pensamento e Linguagem (1993) e a Construo do pensamento e da linguagem (2001). O intuito deste captulo no analisar a sua obra por completo, mas apontar em suas produes elementos capazes de auxiliar na reflexo sobre as prticas pedaggicas. Assim, o foco principal para a metodologia de ensino e o aprendizado. Para tanto, se faz necessria uma sntese da teoria vygotskyana a respeito do desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores e alguns conceitos voltados para os processos educativos, em especial no ambiente escolar.

    1.1. PRINCIPAIS ASPECTOS DA TEORIA HISTRICO-CULTURAL (OU SCIO-HISTRICA)

    Vygotsky apresentou especial interesse pela questo do desenvolvimento humano, procurando esclarecer os processos de aprendizado e desenvolvimento e a relao destes com

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    aspectos sociais, ou seja, partia do princpio de que o desenvolvimento do indivduo resultado de um processo scio-histrico e cultural.

    Sem dvida, o contexto histrico em que viveu na Rssia ps Revoluo de 1917 contribuiu para o aprofundamento da temtica a qual se dedicou, em que buscou

    reunir, num mesmo modelo explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao funcionamento psicolgico, como o desenvolvimento do indivduo e da espcie humana. Esse objetivo terico implica uma abordagem qualitativa, interdisciplinar e orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano (OLIVEIRA, 1997, p. 14).

    As pesquisas que realizava objetivavam a formulao de uma teoria psicolgica que explicasse a constituio do psiquismo humano fundamentada nos princpios tericos do materialismo histrico-dialtico, principalmente os pressupostos construdos por Marx e Engels, rompendo assim, com as concepes at ento vigentes.

    Interessou-se fundamentalmente pelo estudo das funes psicolgicas superiores, nicas dos seres humanos, relacionadas a aes intencionais e conscientemente controladas, como, por exemplo, a imaginao, a capacidade de planejamento, memria voluntria entre outros. So as funes que apresentam o maior grau de autonomia em relao aos fatores biolgicos do desenvolvimento, sendo, portanto, claramente um resultado da insero do homem num determinado contexto scio-histrico (OLIVEIRA, 1992, p. 79).

    A teoria histrico-cultural (ou scio-histrica) por ele desenvolvida visava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipteses de como essas caractersticas se formaram ao longo da histria humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivduo (VYGOTSKY, 1998, p. 31).

    Com o propsito de articular informaes dos diversos componentes associados aos processos mentais, dedicou-se a anlise de uma diversidade de temas relacionados a seu problema central, assim como buscou o dilogo com outros autores contemporneos na tentativa de demonstrar que a conscincia e o comportamento, objetos da investigao psicolgica, no poderiam ser entendidos separadamente, mas como uma totalidade unificada (CAVALCANTI, 2005, p. 187).

    Vygotsky tem como um de seus pressupostos bsicos a idia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua relao com o outro social. A cultura

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    torna-se parte da natureza humana num processo histrico que, ao longo do desenvolvimento da espcie e do indivduo, molda o funcionamento psicolgico do homem (OLIVEIRA, 1992, p. 24).

    Seus estudos, entretanto, consideram a dupla natureza do ser humano, integrante de uma espcie biolgica cujo desenvolvimento se d dentro de um grupo cultural. importante destacar a este respeito que Vygotsky rejeita a idia de funes mentais fixas e inalterveis. Para este autor, o crebro um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento so moldados ao longo da histria da espcie e do desenvolvimento individual (OLIVEIRA, 1992, p. 24).

    Nesta perspectiva, o crebro, assim como o ser humano, passa por transformaes ao longo do desenvolvimento de cada indivduo de acordo com as interaes que este estabelece com o meio fsico e sociocultural em que vive, sendo capaz, portanto, de atender a novas e diferentes funes, sem que sofra, para tanto, modificaes morfolgicas no rgo fsico. Organismo e meio exercem influncia recproca, portanto, o biolgico e o social no esto dissociados (REGO, 1995, p. 93). Vygotsky acreditava que as funes psicolgicas superiores so construdas ao longo da histria social de cada indivduo, conforme j mencionado. Porm, a relao do homem com o mundo no direta, mas sim mediada por instrumentos e signos desenvolvidos culturalmente. Assim, o pensamento, o desenvolvimento mental, a capacidade de conhecer o mundo e de nele atuar uma construo social que depende das relaes que o homem estabelece com o meio (CAVALCANTI, 2005, p. 187). Desta forma, a compreenso do desenvolvimento psicolgico considerando apenas as propriedades biolgicas, sobretudo o sistema nervoso, torna-se insuficiente.

    Para compreender de que forma os processos elementares, relacionados aos fatores biolgicos do desenvolvimento, se transformam em processos superiores, resultantes da insero do indivduo num dado contexto scio-histrico, dois conceitos so fundamentais: a mediao e a internalizao. Pode-se definir a mediao como o processo de interveno de um elemento intermedirio numa relao (OLIVEIRA, 1992, p. 26). Vygotsky assinalou dois tipos de elementos mediadores, que so os instrumentos e os signos. Apesar de anlogos, h caractersticas que os diferenciam. A interveno e o uso de signos como meios auxiliares para

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    solucionar um dado problema psicolgico (lembrar, comprar coisas, relatar, escolher, etc), anloga inveno e uso de instrumentos, s que agora no campo psicolgico (VYGOTSKY, 1998, p. 70). Os instrumentos so considerados elementos externos ao ser humano, enquanto os signos so orientados para dentro do indivduo, voltados para o controle de aes psicolgicas e no para aes concretas.

    A relao sujeito-objeto, nessa perspectiva, no de interao, dialtica, contraditria e mediada semioticamente. A mediao semitica, por sua vez, uma mediao social, pois os meios tcnicos e semiticos (a palavra, por exemplo) so sociais (CAVALCANTI, 2005, p. 189). A linguagem, para este autor, seria o sistema simblico bsico dos grupos humanos, fornecendo os conceitos e as formas de organizao do real que constituem a mediao entre o sujeito e o objeto de conhecimento (OLIVEIRA, 1992, p. 80). Outro aspecto importante do seu pensamento que

    o desenvolvimento de funes mentais superiores no decorre de uma evoluo intrnseca e linear das funes mais elementares; ao contrrio, aquelas so funes constitudas em situaes especficas, na vida social, valendo-se de processos de internalizao, mediante uso de instrumentos de mediao (CAVALCANTI, 2005, p. 188).

    A internalizao pelo indivduo das formas culturais, definida como a reconstruo interna de uma operao externa (VYGOTSKY, 1998, p. 74), tem incio em processos sociais e somente depois se transforma em um processo interno, ou seja, ocorre primeiro em nvel interpsquico para depois se dar em nvel intrapsquico. Esse processo no passivo e nem de mera cpia da realidade para o interior do sujeito, mas sim de transformao, de sntese. Este processo , pois, de fundamental importncia no desenvolvimento das funes psicolgicas superiores.

    A passagem do nvel interpsicolgico para o nvel intrapsicolgico envolve, assim, relaes interpessoais densas, mediadas simbolicamente, e no trocas mecnicas limitadas a um patamar meramente intelectual. Envolve tambm a construo de sujeitos absolutamente nicos, com trajetrias pessoais singulares e experincias particulares em sua relao com o mundo e, fundamentalmente, com as outras pessoas (OLIVEIRA, 1992, p. 80).

    Desta forma, tem-se que o conhecimento na perspectiva histrico-cultural de Vygotsky uma produo social que emerge da atividade humana, que social, planejada, organizada em

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    aes e operaes e socializada (CAVALCANTI, 2005, p. 189, apud, PINO, 2001). Os aspectos da teoria de Vygotsky a respeito do desenvolvimento humano aqui destacados buscam proporcionar uma primeira conversa entre esta teoria e uma orientao metodolgica voltada para o ambiente escolar, melhor detalhada no prximo item.

    1.2. IMPLICAES EDUCACIONAIS

    Pesquisas e a prpria experincia em sala de aula indicam que ensinar contedos aos alunos apenas transmitindo o conhecimento que o professor detm ou aqueles presentes nos livros didticos pouco eficaz. Este trabalho sugere que o professor deve propiciar condies para que o aluno possa ser, de fato, sujeito na construo do seu conhecimento, exercendo, portanto, um papel ativo e mediador em sala de aula. Por esta razo, considera-se importante entender como este processo ocorre, ou seja, como aprendemos e nos desenvolvemos e, neste sentido, o pensamento de Vygotsky pode significar uma grande contribuio na medida em que traz importantes reflexes sobre o processo de formao das caractersticas psicolgicas tipicamente humanas e, como conseqncia, suscita questionamentos, aponta diretrizes e instiga a formulao de alternativas no plano pedaggico (REGO, 1995, p. 102-103).

    Os problemas encontrados na anlise psicolgica do ensino no podem ser corretamente resolvidos ou mesmo formulados sem nos referirmos relao entre o aprendizado e o desenvolvimento em criana em idade escolar. Este ainda o mais obscuro de todos os problemas bsicos necessrios aplicao de teorias do desenvolvimento da criana aos processos educacionais (VYGOTSKY, 1998, p. 103).

    importante ressaltar que no h em sua obra uma descrio ou um manual de como fazer que seja eficiente em sala de aula, pois, muitas vezes, ao se deparar com uma teoria justamente isto que o educador espera, ou seja, que ela indique como deve ser a aplicao. Ao longo do seu trabalho, Vygotsky pouco descreveu os detalhes dos experimentos e investigaes realizados por ele e seus colaboradores. Entretanto, seu pensamento nos inspira, como disse Oliveira (1995), e estimula a reflexo, dentre outros temas, a respeito do funcionamento do ser humano e da prtica pedaggica.

    At aqui foi apresentada uma leitura particular dos principais aspectos do pensamento

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    desenvolvido por Vygotsky. Considerando que a teoria norteia a ao enquanto a prtica reorienta a teoria, embora esta no fornea um suporte metodolgico visando uma aplicao imediata, pretende-se agora, fazer uma reflexo, em torno de trs idias centrais propostas por Oliveira (1995), sobre algumas implicaes, possibilidades e contribuies das pesquisas realizadas por Vygotsky que tm especial relevncia para a educao.

    Contudo, para que se entenda o carter inovador dos seus estudos preciso conhecer, ainda que rapidamente, as teorias psicolgicas j elaboradas a respeito desta temtica: a abordagem inatista e ambientalista, sem esquecer que elas refletem o contexto scio-histrico em que foram concebidas. Essas abordagens revelam diferentes concepes e modos de explicar as dimenses biolgicas e culturais do homem e a forma pela qual o sujeito aprende e se desenvolve, e, mais particularmente, as possibilidades de ao educativa (REGO, 1995, p. 86). A concepo inatista (ou apriorista) se apia na idia de que as capacidades bsicas de cada indivduo (potencial, personalidade, valores, comportamento, formas de pensar e conhecer) esto presentes desde o nascimento, ou seja, so inatas e dependem apenas do seu amadurecimento. A maturao , portanto, responsvel pelo processo de conhecimento e constituio do ser humano. Nesta perspectiva, o desenvolvimento visto como pr-requisito para o aprendizado e a educao tem um papel limitado, contribuindo pouco, ou at mesmo nada, neste processo. O desempenho dos alunos no , portanto, responsabilidade do sistema educacional, mas sim de cada indivduo. O desenvolvimento mental visto como retrospectivo, uma vez que a criana s vai aprender quando ela estiver pronta para isso, ou seja, desenvolvido as capacidades inatas necessrias. A prtica escolar no desafia, no amplia nem instrumentaliza o desenvolvimento de cada indivduo, pois se restringe quilo que ele j conquistou (REGO, 1995, p. 87).

    J na abordagem ambientalista (ou behaviorista) o ambiente o nico responsvel pela constituio das caractersticas humanas, ou seja, estas so determinadas por fatores externos ao indivduo, valorizando-se a experincia como uma importante fonte de conhecimento. Nesta concepo, aprendizagem e desenvolvimento ocorrem simultaneamente, confundindo-se.

    O aluno desempenha um papel secundrio, uma postura passiva em sala de aula. considerado como um receptculo vazio, ou seja, algum que, de incio, no sabe nada. Assim, o professor o nico detentor do conhecimento e o ensino , portanto, centrado nele. A aprendizagem, em geral, confundida com a memorizao de contedos, por vezes

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    desarticulados, obtida por meio da repetio sistemtica. Pode-se perceber, portanto, que ambas as concepes apresentam um carter determinista,

    seja por caractersticas inatas ou adquiridas do ambiente e que a escola, nestes contextos, pouco pode contribuir para a constituio do sujeito. A seguir, algumas implicaes do pensamento de Vygotsky para a educao.

    1.2.1. O NICO BOM ENSINO AQUELE QUE SE ADIANTA AO DESENVOLVIMENTO

    Normalmente, quando nos referimos ao desenvolvimento de uma criana, o que buscamos compreender at onde a criana j chegou, em termos de um percurso que, supomos, ser percorrido por ela. Assim, observamos seu desempenho em diferentes tarefas e atividades, como por exemplo: ela j sabe andar? J sabe amarrar sapatos? J sabe construir uma torre com cubos de diversos tamanhos? Quando dizemos que a criana j sabe realizar determinada tarefa referimo-nos sua capacidade de realiz-la sozinha. (...) Esse modo de avaliar o desenvolvimento de um indivduo est presente nas situaes da vida diria, quando observamos as crianas que nos rodeiam, e tambm corresponde maneira mais comumente utilizada em pesquisas sobre o desenvolvimento infantil. O pesquisador seleciona algumas tarefas que considera importante para o estudo do desempenho da criana e observa que coisas ela j capaz de fazer. Geralmente nas pesquisas existe um cuidado especial para que se considere apenas as conquistas que j esto consolidadas na criana, aquelas capacidades ou funes que a criana j domina completamente e exerce de forma independente, sem ajuda de outras pessoas. (OLIVEIRA, 1997, p. 58, grifo da autora).

    Esta citao interessante porque, na maioria das vezes, o aluno tambm avaliado em sala de aula tendo como referncia aquilo que j aprendeu e seu desenvolvimento caracterizado baseado nas capacidades ou funes que ele j domina e no naquelas que ele tem potencialidade para desenvolver. neste sentido que o pensamento de Vygotsky torna-se relevante e digno de destaque, em especial para a educao.

    Para este autor, o bom ensino aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, ele deve ser visto e pensado prospectivamente, para alm do momento presente, e voltado para as funes psicolgicas que esto presentes no indivduo, porm, que necessitam de uma interveno para se consolidarem. O interesse reside em compreender os brotos ou flores do desenvolvimento e no os seus frutos, conforme destaca Vygotsky. Assim, a qualidade do trabalho pedaggico est associada capacidade de promoo de avanos no desenvolvimento do

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    aluno.

    Segundo Vygotsky (1998), um fato empiricamente estabelecido e bastante conhecido que o aprendizado deve, de alguma forma, estar combinado com o nvel de desenvolvimento do indivduo. Contudo, seus estudos demonstraram que a capacidade de crianas com iguais nveis de desenvolvimento mental para aprender sob a orientao de um professor variava bastante, o que indicava que elas no tinham a mesma idade mental e, conseqentemente, seu aprendizado seria diferente. A partir da, questionou o fato de os estudiosos da temtica nunca terem considerado que aquilo que a criana consegue fazer com a ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha (VYGOTSKY, 1998, p. 111).

    Um fundamento terico deste pensamento est no conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), provavelmente o conceito mais conhecido e difundido deste autor, definida como:

    a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998, p. 112)

    Este conceito descreve o espao existente entre aquilo que j foi conquistado, ou seja, que o indivduo j consegue fazer sozinho e aquilo que depende da interveno de outros para se efetivar. Destaca assim, aquelas funes que ainda no amadureceram, mas que esto em processo de maturao. Tal definio oferece elementos interessantes para a compreenso de como ocorre a interao entre ensino, aprendizado e desenvolvimento. Desta forma, a zona de desenvolvimento proximal prov psiclogos e educadores de um instrumento atravs do qual se pode entender o curso interno do desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998, p. 113).

    Vale ressaltar que, para Vygotsky (1998), o estado de desenvolvimento mental de um indivduo s pode ser determinado se seus dois nveis forem revelados, ou seja, o nvel de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal. Alm disso, o que hoje considerado zona de desenvolvimento proximal, isto , aquilo que o indivduo pode fazer com o auxlio de algum, amanh ser o seu nvel de desenvolvimento real, ou seja, conseguir fazer de modo independente.

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    Pensando na atuao pedaggica, esta idia importante, uma vez que aponta um caminho para a reflexo do papel do professor, de interferir nesta zona, estimulando avanos que no aconteceriam espontaneamente. A zona de desenvolvimento proximal , por excelncia, o domnio psicolgico da constante transformao (OLIVEIRA, 1995, p. 11). Assim, o professor exerce um papel mediador em sala de aula das relaes interpessoais e da interao dos alunos com o conhecimento, uma funo bastante relevante e fundamental no contexto escolar.

    importante que o professor promova situaes em sala de aula que instigue a curiosidade em descobrir o mundo, promova a troca de conhecimentos e informaes.

    A curiosidade a voz do corpo fascinado com o mundo. A curiosidade quer aprender o mundo. A curiosidade jamais tem preguia! Por amor s criana e ao corpo no seria possvel pensar que o nosso dever primeiro seria satisfazer essa curiosidade original, que faz com que a aprendizagem do mundo seja um prazer? (...) O fato que existe um descompasso inevitvel entre os programas escolares e a curiosidade (ALVES, 2004, p. 20).

    Sabe-se, entretanto, que este conceito no instrumental e que na prtica difcil descobrir e interferir na zona de desenvolvimento proximal de todos os alunos, ainda mais em salas com 30-40 alunos, sendo que cada um est em um nvel de desenvolvimento. Contudo, estabelecer uma relao de dilogo com os alunos para que possam expressar suas dvidas e dificuldades pode ser um ponto de partida interessante e que possibilita bons resultados.

    A escola desempenhar bem seu papel na medida em que, partindo daquilo que a criana j sabe (o conhecimento que ela traz de seu cotidiano, suas idias a respeito dos objetos, fatos e fenmenos, suas teorias acerca do que observa no mundo), ela for capaz de ampliar e desafiar a construo de novos conhecimentos, ou seja, incidir na zona de desenvolvimento potencial dos alunos. Desta forma, poder estimular processos internos que acabaro por se efetivar, passando a constituir a base que possibilitar novas aprendizagens (REGO, 1995, p.108).

    1.2.2. O APRENDIZADO POSSIBILITA E MOVIMENTA O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

    Em decorrncia da importncia que Vygotsky atribuiu ao aspecto scio-histrico do funcionamento psicolgico e interao social na construo do ser humano, o processo de aprendizado desempenha um papel central no pensamento deste autor, principalmente em sua

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    concepo sobre o indivduo.

    O percurso de desenvolvimento do ser humano , em parte, definido pelos processos de maturao do organismo individual, pertencente espcie humana, mas o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, se no fosse o contato do indivduo com um determinado ambiente cultural, no ocorreria (OLIVEIRA, 1995, p.11).

    Para Vygotsky, aprendizado e desenvolvimento esto inter-relacionados desde o nascimento, sendo aquele um aspecto necessrio e universal do processo de desenvolvimento das funes psicolgicas culturalmente organizadas e especificamente humanas (VYGOTSKY, 1998, p. 113). Vale ressaltar, entretanto, que para este autor, aprendizado no desenvolvimento, porm, quando organizado de maneira adequada, ele resulta em desenvolvimento mental e movimenta diversos processos de desenvolvimento que seriam impossveis de ocorrer. Verifica-se, portanto, uma unidade entre estes dois processos, mas no uma identidade entre eles.

    Um ser humano que passe toda sua vida no interior de um grupo grafo, por exemplo, jamais ser alfabetizado. Mesmo possuindo todo o aparato fsico da espcie que possibilita a seus membros o aprendizado da leitura e da escrita, esse indivduo nunca aprender a ler e a escrever se no participar de situaes e prticas sociais que propiciem esse aprendizado. Esse um exemplo claro de um processo de desenvolvimento que no ocorre se no houver situaes de aprendizado que o provoquem (OLIVEIRA, 1995, p. 11).

    Assim, os processos de desenvolvimento no so lineares nem intrnsecos, mas definidos culturalmente e construdos socialmente, pois, por mais que o indivduo possua o aparato biolgico que possibilite determinado aprendizado, estas funes s se desenvolvem nas relaes que este estabelece com o meio sociocultural em que est inserido.

    A partir do exposto, possvel perceber a implicao deste pensamento para o ensino no ambiente escolar, pois, se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, a escola tem um papel fundamental na promoo do desenvolvimento psicolgico dos indivduos, uma vez que no seu interior se d a apropriao do saber sistematizado e de modos de funcionamento intelectual. O ensino escolar, para ele, no pode ser identificado como desenvolvimento, mas sua realizao eficaz resulta no desenvolvimento intelectual do aluno (CAVALCANTI, 2005, p. 194).

    possvel constatar que o ponto de vista de Vygotsky que o desenvolvimento humano compreendido no como a decorrncia de fatores isolados que

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    amadurecem, nem tampouco de fatores ambientais que agem sobre o organismo controlando seu comportamento, mas sim atravs de trocas recprocas, que se estabelecem durante toda a vida, entre indivduos e meio, cada aspecto influindo sobre o outro (REGO, 1995, p. 95).

    1.2.3. A IMPORTNCIA DA INTERAO COM OUTROS INDIVDUOS DO GRUPO SOCIAL NA CONSTRUO DO CONHECIMENTO

    Conforme j exposto, o homem se constitui enquanto tal a partir das interaes com o seu meio sociocultural, nas trocas que estabelece com outros indivduos. Apesar de possuir o aparato biolgico para isso, o ser humano no consegue se apropriar sozinho do legado cultural do seu grupo, pois o simples contato com objetos de conhecimento no garante a aprendizagem, assim como a sua presena em determinados ambientes no promove, obrigatoriamente, o desenvolvimento. A interao com o outro social , assim, de fundamental importncia neste processo.

    O caminho do desenvolvimento segue, portanto, a direo do social para o individual e a passagem do plano interpsquico para o intrapsquico se d por meio da internalizao, envolvendo um processo ativo e criativo da conscincia. A construo de conhecimentos, para Vygotsky, uma ao partilhada e as interaes sociais so vistas como condio necessria para a produo de conhecimentos. Assim, a heterogeneidade tida como um fator estruturante e imprescindvel, pois possibilita o confronto de pontos de vistas diferentes, troca de informaes, desafia, estimula. A prtica escolar baseada neste princpio dever, necessariamente, considerar o sujeito ativo e interativo no processo de construo de conhecimento.

    Na escola, portanto, onde o aprendizado o prprio objetivo de um processo que pretende conduzir a um determinado tipo de desenvolvimento, a interveno deliberada um processo pedaggico privilegiado. Os procedimentos regulares que ocorrem na escola demonstrao, assistncia, fornecimento de pistas, instrues so fundamentais para a promoo de um ensino capaz de promover o desenvolvimento. A interveno do professor tem, pois, um papel central na trajetria dos indivduos que passam pela escola (OLIVEIRA, 1995, p. 12).

    A aprendizagem de fato significativa quando h a construo prpria de conhecimento por parte do indivduo e esta apropriao de um dado contedo implica uma elaborao pessoal

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    do objeto de conhecimento. Assim, para Vygotsky, os processos pedaggicos so tidos como intencionais e dirigidos construo de seres psicolgicos inseridos em uma determinada cultura.

    A qualidade e originalidade do pensamento de Vygotsky inegvel, assim como suas contribuies ao plano educacional, j que sugere um novo paradigma que possibilita um modo diferente de olhar a escola, o conhecimento, a criana, o professor e at a sociedade. Todavia, a educao escolar no pode querer se alimentar nica e exclusivamente de seus princpios, j que esta abordagem (assim como as demais correntes tericas da Psicologia) no tem condies de dar respostas a todas as inmeras questes suscitadas na prtica cotidiana (REGO, 1995, p. 124).

    Acredita-se, portanto, que a Psicologia pode contribuir significativamente para transformaes no plano pedaggico, embora no possa dar sozinha todas as respostas referentes ao ato educativo, que por sua vez complexo e envolve um conjunto diverso de enfoques e perspectivas. O objetivo deste captulo foi, portanto, apresentar um importante referencial terico que pode auxiliar na reflexo e compreenso de como se d a interao entre aprendizado, desenvolvimento e educao, potencializando, assim, prticas pedaggicas mais significativas em sala de aula, conforme ser visto nos prximos captulos, com a anlise do projeto pedaggico e das atividades realizadas com os alunos.

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    CAPTULO 2

    O PROJETO PEDAGGICO: CONSTRUINDO UMA PRTICA PEDAGGICA

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    O mundo formado no apenas pelo o que j existe (aqui, ali, em toda parte)

    mas pelo que pode efetivamente existir.

    Milton Santos

    A palavra projeto originria etimologicamente do latim projectus, particpio passado de projcere, que significa algo como um jato lanado para frente, designa igualmente tanto aquilo que proposto realizar-se quanto o que ser feito para atingir tal meta (MACHADO, 1997, p. 63). Conforme ressalta este autor, a relativa ambigidade existente est longe de ser considerada um problema, pelo contrrio, abre caminho para o surgimento de interessantes articulaes entre pares como sujeito/objeto, interior/exterior, forma/contedo, individual/social.

    A palavra projeto costuma ser, em geral, relacionada tanto ao trabalho desempenhado por arquitetos ou engenheiros quanto aos trabalhos acadmicos ou planos de ao desenvolvidos no mbito educacional, poltico ou econmico. Segundo Barbier (1994) citado por Machado (1997, p. 64), o projeto no uma simples representao do futuro, do amanh, do possvel, de uma idia, o futuro a fazer, um amanh a concretizar, um possvel a transformar em real, uma idia a transformar em acto. Assim, projeto e futuro esto intrinsecamente relacionados.

    Utopias e valores inspiram e so, ao mesmo tempo, considerados ingredientes fundamentais para a elaborao de projetos que objetivam a transformao de uma realidade existente em outra desejada, seja no plano individual ou coletivo. A educao, por sua vez, motivada por aquilo que possvel, por aquilo em que se acredita, que se deseja, ou seja, tributria de idias utpicas, apesar de no estar reduzida a elas.

    Para Machado (1997) as crises observadas na educao, muitas vezes atribudas a fatores tcnicos (carncia de recursos ou de competncia tcnica em contedos especficos) esto, na verdade, relacionadas ausncia de projetos e de perspectiva de transformao nos valores. Assim, torna-se interessante a reflexo a respeito da emergncia e a crescente relevncia da idia de projeto, tanto como representao das projees, das aspiraes dos indivduos quanto como instrumento adequado organizao das prticas sociais (idem, ibid, p. 76).

    Conforme destaca Santos (2006), o projeto pedaggico como forma de organizao do trabalho escolar, orientado por valores e princpios, um ponto de partida para as aes pedaggicas e assume importncia mpar para a realizao dos objetivos da educao. Ainda

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    segundo esta autora, por se desenvolver em meio s dificuldades intrnsecas realidade escolar, ele implica num exerccio constante de reflexo e articulao entre teoria e prtica, individual e coletivo, possibilidades e limites, ideal e real. O projeto pedaggico constitui-se, portanto, em um importante instrumento de articulao e dilogo entre indivduos, disciplinas, conhecimentos, prticas pedaggicas e deve estar orientado para a insero da escola e dos alunos no mundo que os cerca.

    O projeto educacional como forma de organizao do trabalho escolar pode se constituir em uma rica oportunidade para integrar contedos, sob a perspectiva interdisciplinar, construtivista e comunicacional, bem como para fortalecer a autonomia do professor e, ao mesmo tempo, o reconhecimento da sua interdependncia em relao ao grupo do qual faz parte (SANTOS, 2006, p. 14).

    O objetivo e, ao mesmo tempo, o desafio deste captulo mostrar como ocorreu a construo de um projeto pedaggico, assim como sua estrutura, em uma escola estadual de Campinas (E.E. Profa. Ana Rita Godinho Pousa), parte das propostas do projeto Fapesp Ensino Pblico intitulado Elaborao de conhecimentos escolares e curriculares relacionados cincia, sociedade e ao ambiente na escola bsica com nfase na regionalizao a partir dos resultados de projeto de Polticas Pblicas, sob a coordenao geral do professor Dr. Maurcio Compiani, do Instituto de Geocincias da UNICAMP.

    Compreender este processo contribui, portanto, para conhecer melhor a prtica escolar e suas concepes (de ensino, aprendizagem, professor, aluno e conhecimento) uma vez que o projeto escolar se desenvolve em meio as dimenses institucional, pedaggica e histrico-cultural do cotidiano escolar (SANTOS, 2006, p. 58-59).

    Para a compreenso deste movimento dos professores torna-se importante ressaltar o papel fundamental do perodo de formao continuada dos professores para a reflexo da sua prtica docente assim como para a seleo dos contedos e metodologias a serem desenvolvidos com os alunos em sala de aula. O objetivo deste estudo a anlise das atividades realizadas e do mapa como eixo de dilogo e trabalho em conjunto de diferentes disciplinas. Contudo, isto no possvel se no h o conhecimento deste processo anterior de elaborao e reflexo.

    Vale destacar que esta tarefa no fcil, tampouco neutra, tendo em vista que se pretende analisar o trabalho dos professores ao mesmo tempo em que se participa junto com eles da

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    elaborao do projeto pedaggico. Entretanto, busca-se ao longo da descrio e anlise, direcionar o olhar para o de um observador-participante, considerando que todos os integrantes, inclusive a pesquisadora, esto participando de um mesmo processo, embora de maneira diferenciada.

    2.1. A ESCOLA COMO ESPAO DE MEDIAO ENTRE O PROFESSOR, O ALUNO E O CONHECIMENTO

    Um dos aspectos interessantes da pesquisa em ambiente escolar que a escola, alm do professor e do aluno, tambm considerada um elemento importante na construo do conhecimento. Sabe-se que o aprendizado ocorre em todos os lugares e a todo o momento, porm, a escola considerada o locus privilegiado para isto, pois,

    por oferecer contedos e desenvolver modalidades de pensamento bastante especficos, tem um papel diferente e insubstituvel, na apropriao pelo sujeito da experincia culturalmente acumulada. Justamente por isso, ela representa o elemento imprescindvel para a realizao plena do desenvolvimento dos indivduos (que vivem em sociedades escolarizadas) j que promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual (REGO, 1995, p. 103-104).

    A escola um espao sociocultural, caracterizado por contradies e diversidade. Cavalcanti (2007) corrobora com esta idia quando entende a escola como um lugar de encontro de culturas, seja dentro da sala de aula ou em outros espaos escolares, o que por sua vez implica que os contedos das disciplinas e os procedimentos adotados considerem esta diversidade que h no espao escolar. Neste sentido, torna-se fundamental que os conhecimentos e a cultura dos alunos sejam valorizados.

    Cavalcanti (2007) citando Forquin (1993) aponta trs tipos de culturas convivendo na escola:

    a cultura escolar, que uma seleo do repertrio cultural da humanidade; a cultura da escola, que so os ritmos, a linguagem, as prticas, os comportamentos desenvolvidos no cotidiano da escola; e a cultura dos agentes, que o conjunto de saberes e prticas construdo pelos professores, alunos e

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    outros que atuam nesse espao, em sua experincia cotidiana, dentro e fora da escola (Cavalcanti, 2007, p. 67).

    Entender a escola como lugar de culturas sugere que estas trs culturas acima mencionadas sejam valorizadas com a prtica pedaggica. O objetivo do ensino deve ser a construo de conhecimentos por parte dos alunos em suas interaes entre alunos e com o professor. Isto requer constante dilogo entre o aluno (sujeito do conhecimento), professor e o seu objeto de conhecimento (contedo escolar), ambos dotados de cultura, o que implica uma apropriao e posterior elaborao do objeto de conhecimento.

    A perspectiva socioconstrutivista [...] concebe o ensino como uma interveno intencional nos processos intelectuais, sociais e afetivos do aluno, buscando sua relao consciente e ativa com os objetos de conhecimento [...]. Esse entendimento implica, resumidamente, afirmar que o objetivo maior do ensino a construo do conhecimento pelo aluno, de modo que todas as aes devem estar voltadas para a sua eficcia do ponto de vista dos resultados no conhecimento e desenvolvimento do aluno. Tais aes devem pr o aluno, sujeito do processo, em atividade diante do meio externo, o qual deve ser inserido no processo como objeto de conhecimento, ou seja, o aluno deve ter com esse meio (que so os contedos escolares) uma relao ativa, uma espcie de desafio que o leve a um desejo de conhec-lo (CAVALCANTI, 2002, p. 312, apud, CAVALCANTI, 2007, p. 67).

    preciso que a escola considere os conhecimentos, as experincias e a cultura construda na prtica cotidiana para que possa, ento, ser discutido, confrontado, ampliado e reconstrudo com o saber sistematizado. Nessa linha, os contedos curriculares so entendidos como um conjunto de conhecimentos, saberes, procedimentos, valores, construdo e reconstrudo constantemente nesse espao da sala de aula e da escola em geral. (CAVALCANTI, 2007, p. 71).

    Conquistas culturais especficas delineiam caminhos de desenvolvimento particulares. nesse sentido que a escola, como criao cultural das sociedades letradas, tem um papel singular na construo do desenvolvimento pleno dos membros dessas sociedades. Essa instituio tem a funo explcita de tornar letrados os indivduos, fornecendo-lhes instrumental para interagir ativamente com o sistema de leitura e escrita, com o conhecimento acumulado pelas diversas disciplinas cientficas e com o modo de construir conhecimentos que prprio da cincia. A escola um lugar social em que o contato com o sistema de escrita e com a cincia como modalidade de construo de conhecimento se d de forma sistemtica e intensa, potencializando os efeitos dessas outras conquistas culturais sobre os modos de pensamento (OLIVEIRA, 1995, p. 13).

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    neste ambiente que o processo de ensino e aprendizagem ocorre e difcil separar o ensino da aprendizagem, pois, sendo fases de um mesmo processo, a um se segue o outro e um precede sempre o outro (OLIVEIRA, 2007, p. 22). Por isso, surge a necessidade de se pensar uma escola cada vez mais inserida na realidade, entendida como espao de dilogo entre saberes, culturas e indivduos visando construo de conhecimentos pelos alunos, articulados com o local e incorporando-o cada vez mais prtica pedaggica. Afinal, qual ser a funo da escola: transmitir conhecimentos ou educar no sentido mais amplo da palavra?

    2.1.1. A ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA ANA RITA GODINHO POUSA

    A escola estadual Professora Ana Rita Godinho Pousa, que participa do projeto Fapesp Ensino Pblico ao qual este trabalho est vinculado, foi a escolhida para anlise do projeto pedaggico e atividades desenvolvidas. Ela est localizada no municpio de Campinas (SP), no bairro Jardim Esmeraldina, na regio central da cidade, atendendo estudantes dos bairros vizinhos como o Taquaral, Jardim Changril, Flamboyant e Jardim Miriam, por exemplo, e est, portanto, inserida na Bacia do Ribeiro Anhumas, recorte geogrfico do projeto. Este entorno, porm, abriga tanto bairros mais carentes quanto de classe mdia e mdia alta, o que garante certa heterogeneidade na escola.

    Sua fundao data de 1962 e recebeu este nome em homenagem a uma ento professora da escola chamada de D. Rita5. considerada uma escola relativamente pequena, com apenas nove salas de aula que atendem s trs sries do Ensino Mdio durante o perodo da manh e da noite e as sries do segundo ciclo do Ensino Fundamental no perodo da tarde.

    Em relao estrutura, a escola comporta, alm das nove salas de aula, uma sala dos professores; sala da direo e secretaria; uma sala de informtica com acesso internet recm reformada pelo projeto Fapesp Ensino Pblico; uma sala para as reunies do projeto, pronta no incio do ano de 2008; uma quadra de esportes coberta e outra ao ar livre; uma biblioteca, porm que no muito utilizada, pois no h bibliotecrio, precisando que um professor esteja presente para que um livro possa ser retirado; dois banheiros em uso (um masculino e outro feminino) e

    5 Alguns professores fizeram uma pesquisa sobre a histria da escola e esta informao consta no projeto pedaggico

    da escola, de onde foi retirada.

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    outro desativado, uma cozinha bem estruturada com refeitrio; uma sala de vdeo; e um laboratrio de cincias.

    O intuito desta rpida descrio da escola foi mostrar um pouco da sua organizao e contexto espacial, pois cada escola um lugar particular, com caractersticas prprias de organizao, condies de trabalho, com diferentes experincias de vida e percepes de educao, escola, aprendizagem entre outros assuntos convivendo em um mesmo espao fsico, e, alm disso, cada espao que a constitui dotado de significados que contribuem para a percepo, desenvolvimento e construo de conhecimento pelos alunos.

    2.2. A IMPORTNCIA DE UM PROJETO ESCOLAR QUE VALORIZE O LOCAL

    Conforme aponta Compiani (2005), o que se verifica hoje em dia toda uma cultura escolar de transmisso de informaes tendo como base definies e contedos descontextualizados, no possibilitando, assim, maiores aberturas para relaes entre as disciplinas e o mundo cotidiano. Assim, ainda segundo este autor, a escola, de certo modo, ignora a vida, pois idealiza um aluno abstrato, sem tempo e espao, enquanto que o aluno real com sua experincia social e individual ignorado.

    A preocupao de articular os contedos com a realidade histrica do educando e com a vida do lugar da escola e de tornar o plano de ensino contextualizado, no fundo um olhar, at ento, quase inexistente no ensino de cincias, para a categoria geocientfica lugar que ns entendemos como o lcus de ligao com o todo, uma interao sutil da particularidade e da generalizao (COMPIANI, 2006, p. 3).

    Entende-se que o dilogo entre os saberes escolares e os saberes locais no consiste em que os primeiros expliquem os segundo, mas em que a interao de ambos possibilite a construo de olhares complexos sobre os fenmenos que so objetos de investigao. (RODRGUEZ e GARZN, 2006, p. 238). Prticas pedaggicas que abordem o local e valorizem o cotidiano e os conhecimentos que o aluno traz da sua vivncia, possibilitam que fenmenos globais tambm sejam trabalhados e discutidos em sala de aula, permitindo, assim, que o aluno compreenda a relao entre diferentes escalas, por exemplo.

    Segundo Callai (2005), ler o mundo a partir do lugar um desafio. O mundo est

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    totalmente globalizado, porm, a globalizao se concretiza nos diversos lugares, em cada lugar em especial, com distintas formas de apresentao. a que est a fora do lugar (Milton Santos), uma vez que cada lugar tem sua histria, seus habitantes e uma capacidade prpria de pensar e se organizar.

    Um lugar no apenas um quadro de vida, mas um espao vivido, isto , de experincia sempre renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliao das heranas e a indagao sobre o presente e o futuro. A existncia naquele espao exerce um papel revelador sobre o mundo (SANTOS, 2000, p. 114) e mais, os lugares, so, pois, o mundo, que eles reproduzem de modos especficos, individuais, diversos. Eles so singulares, mas tambm so globais, manifestaes da totalidade-mundo, da qual so formas particulares (idem, ibid, p. 112). Assim, preciso considerar que, a partir desta concepo, o lugar no explicado por si prprio e nem se restringe aos seus limites, uma vez que ele dotado de interesses, intencionalidades e poderes que se materializam no espao. Desta forma, preciso estud-lo observando ao seu redor, porm, considerando que a paisagem observada construda socialmente e representa um momento instantneo da histria que vai acontecendo (CALLAI, 2005, p. 235).

    A sala de aula deve ser um local do dilogo, compartilhamento, complexidade, contextualizao e solidariedade. (...) Contexto chama a ateno para a localidade e o lugar. Em se tratando da localidade, em parte devido ao uso nacional dos livros e em parte devido crena equivocada que se deve conhecer os conceitos genricos e que estes so diretamente aplicveis localidade, justamente o lugar no faz parte do escopo desses livros que renem os contedos tal qual como fazem os almanaques que priorizam temas gerais e curiosidades. Ao reverso disso precisamos testar a aprendizagem contextualizada, na qual o aluno mobiliza competncias para solucionar problemas devidamente contextualizados, de maneira a ser capaz de transferir essa capacidade de resoluo de problema para outros contextos (COMPIANI, 2006, p. 6).

    2.3. DINMICA DO PROJETO FAPESP ENSINO PBLICO NO ANO DE 2007: COMPREENDENDO O CONTEXTO

    Conforme j mencionado, este estudo, assim como o trabalho realizado pelos professores da escola, est relacionado s propostas e cronograma do projeto Fapesp Ensino Pblico. Assim,

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    torna-se necessrio compreender, mesmo que rapidamente, a dinmica prevista para o ano de 2007, uma vez que este perodo de formao dos professores foi de fundamental importncia para a elaborao do projeto pedaggico a ser analisado, pois significou um momento de novas experincias, conhecimentos, aprendizados, trocas, dilogos. Tal descrio teve como base um relatrio sobre as atividades do projeto redigido por Vanessa Lssio Diniz e Viviane Lousada Cracel para o primeiro relatrio enviado Fapesp e representa uma leitura particular deste perodo. O primeiro ano do projeto foi marcado por dinmicas para a formao continuada do grupo de professores das duas escolas participantes (E.E. Professora Ana Rita Godinho Pousa e E.E. Adalberto Nascimento)6, constitudas por oficinas sobre os eixos temticos e disciplinares; por reunies de estudo e planejamento, caracterizadas por momentos de preparao e avaliao das atividades realizadas, assim como discusses e aprofundamento de alguns temas; dois seminrios (um em julho e outro em dezembro) para a apresentao dos resultados obtidos pelas escolas at ento; assim como outros momentos ou trabalhos decorrentes das demandas do projeto e/ou das escolas, sempre buscando uma viso crtica e reflexiva a respeito das questes scio-ambientais, em especial referentes bacia do Ribeiro Anhumas, de modo a possibilitar aes e intervenes no local. A execuo das atividades e oficinas pedaggicas resultou em uma carga horria de 328 horas de trabalho, divididas da seguinte maneira:

    Quadro 2.1 - Carga horria e quantidade de encontros das atividades/oficinas em 2007.

    importante dizer que ao longo de todo o processo de formao continuada, o Teleduc7

    6 Embora o perodo de formao tenha envolvido as duas escolas, o acompanhamento s ocorreu na escola estadual

    Professora Ana Rita Godinho Pousa. 7 O Teleduc um ambiente criado pelo Ncleo de Informao Aplicada Educao (Nied) da Unicamp e utilizado

    para a educao distncia.

    Atividade/Oficina Total de horas Quantidade de encontros Oficinas temticas 52 13 Oficinas disciplinares 136 17 Outras oficinas (Teleduc e projetos pedaggicos) 8 2 Reunies de estudo e planejamento 96 24 Seminrios semestrais do projeto 28 2 Abertura do projeto 8 1

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    foi uma ferramenta importante, uma vez que auxiliou na criao de um coletivo de trabalho e possibilitou a continuao e aprofundamento de temas discutidos inicialmente nos eixos temticos e/ou disciplinares, assim como nas reunies de estudo e planejamento; na troca e interao com os professores das outras escolas e com os formadores, respeitando o tempo de cada um; alm de permitir que materiais diversos como textos e sites para leitura e/ou consulta, questes para a reflexo, idias e atividades fossem disponibilizados e compartilhados. Por meio dos fruns de discusso e at mesmo pelo correio (via e-mail) eram possveis momentos de trocas, debates e reflexes. Dentre suas vantagens, pode-se citar o fato de todo o material, discusses e reflexes ficarem registrados em um nico lugar.

    Vale destacar que a freqncia no acesso e participao dos professores no Teleduc aconteceu de maneira gradual. Para muitos professores a prtica de se comunicar e disponibilizar materiais em um ambiente virtual era novidade e, por isso, no foi de uma hora para a outra que eles aprenderam as diversas funcionalidades e as facilidades proporcionadas por esta ferramenta e para isto, o tempo para se adaptarem e a incorporarem no seu dia-a-dia foi fundamental.

    Para os professores, a oportunidade de dilogo e troca entre eles e a universidade foi bastante importante, no apenas em termos de novos contedos aprendidos e experincias vividas, mas de reflexes que vo alm disso e envolvem a prpria prtica docente, conforme eles apontam na introduo do projeto pedaggico.

    O contato com a academia nos proporcionou momentos de reflexo, que antes passavam despercebidos, e sugere um estudo constante. Esta necessidade de estudo nos colocou em contato com assuntos pertinentes ao nosso dia-a-dia como docentes alm de nos proporcionar novos conhecimentos.

    (retirado do projeto pedaggico, p. 6).

    A seguir, busca-se descrever alguns destes momentos, assim como um pouco da dinmica e dos temas trabalhados.

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    EIXOS TEMTICOS

    Como parte da estrutura formativa, o ano de 2007 contou com quatro eixos temticos que tinham como objetivo fornecer subsdios para a elaborao dos projetos escolares e contribuir para a formao continuada dos professores, a saber: Local/Regional, Educao Ambiental (EA), Interdisciplinaridade e Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). O planejamento, organizao e execuo destes eixos ficaram sob a responsabilidade de professores e doutorandos do IG/Unicamp. Tais encontros ocorreram nas escolas no mesmo horrio destinado s reunies de estudo e planejamento (que ser explicado a diante), onde eram discutidos conceitos e textos, realizadas atividades prticas, alm do trabalho com algumas teorias referentes aos assuntos abordados.

    Local/Regional: foram quatro oficinas com quatro horas de durao cada uma, mais os fruns de discusso no Teleduc. Foi um eixo que privilegiou mais aspectos e discusses tericas, problematizando as relaes sociais com a natureza, contribuindo para a construo de uma viso integrada da realidade socioambiental tendo como base as relaes entre o local e o regional/global, utilizando-se, para isto, de recursos cartogrficos e de sensoriamento remoto.

    Figura 2.1. Eixo Local/Regional 06 de fevereiro de 2007. (Foto: arquivo do projeto)

    Educao Ambiental: este eixo temtico contou com a realizao de trs encontros com durao de quatro horas cada um, alm das discusses realizadas no frum do Teleduc

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    aps cada reunio. Sabe-se que h vrias abordagens em Educao Ambiental, porm o enfoque escolhido pelos formadores deste eixo foi o da educao ambiental crtica, por acreditarem ser o mais adequado para as caractersticas do projeto e tambm para o processo de formao dos professores. Dentre os objetivos estava o suporte terico-metodolgico de modo a contribuir para uma construo conceitual e prtica de educao ambiental e, para isto, partiram daquilo que cada um sabia sobre o tema para ento tentar chegar a uma concepo ou definio coletiva. Assim, nada chegou pronto aos professores, tudo foi construdo por e com eles no decorrer das reunies.

    Figura 2.2. Eixo de Educao Ambiental 13 de fevereiro de 2007. (Foto da autora)

    Interdisciplinaridade: foram trs reunies com quatro horas presenciais cada uma, mais os fruns realizados virtualmente no Teleduc. O foco foi dado para atividades e discusses que possibilitassem aos professores repensar a viso e conceito que tinham sobre interdisciplinaridade, principalmente relacionados ao ensino. Para isso foi feito um levantamento das concepes prvias de cada um sobre o conceito de interdisciplinaridade, assim como relatos de experincias vividas por eles na escola e consideradas interdisciplinares, alm da leitura de textos e discusso de assuntos polmicos.

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    Figura 2.3. Eixo de Interdisciplinaridade 22 de fevereiro de 2007. (Foto: arquivo do projeto)

    Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente: este eixo foi desenvolvido em trs reunies, tambm com quatro horas de durao cada uma, alm das discusses e reflexes realizadas no frum de discusso do Teleduc. O objetivo principal foi problematizar, por meio de atividades, filmes e textos, as relaes existentes entre cincia, tecnologia, sociedade e ambiente e, posteriormente, relacion-las com a escola e o projeto. Os professores se envolveram bastante com a temtica deste eixo e as discusses realizadas e, em especial, uma atividade sobre um caso simulado serviu como base para a elaborao de uma experincia didtica piloto com os alunos no final do ano de 2007.

    A importncia destes eixos temticos e dos assuntos neles discutidos para os professores da escola pde ser registrado em comentrios como este:

    Educao Ambiental trata especialmente das relaes do homem com a natureza; CTSA das relaes sociais, da cincia, tecnologia e ambiente; Interdisciplinaridade das relaes entre as reas do conhecimento; Local/Regional da interao entre comunidade e escola relacionando com o meio ambiente. E por que tudo isso? Voc justamente tem uma viso preconceituosa do seu entorno, da realidade ou s vezes voc no tem como agir diante da realidade que o cerca justamente por no ter

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    clareza de todas essas relaes.

    (Ederson - dirio de campo, 18 de maro de 2008).

    EIXOS DISCIPLINARES

    Os eixos disciplinares foram realizados aos sbados, a cada quinze dias das 8hs s 18hs e os contedos e temas abordados constituram parte do alicerce para a elaborao dos projetos pedaggicos pelos professores. Os contedos trabalhados nos quatro eixos disciplinares tiveram como base os resultados obtidos no Projeto Anhumas.

    Os mdulos contriburam com importantes conhecimentos especficos de Geologia e Cartografia, Pedologia, Biologia e Riscos Ambientais aos quais no teramos acesso ou interesse em nos aprofundar, no fosse o projeto engajado por todos da equipe.

    (retirado do projeto pedaggico, p. 3).

    A cada aula dos mdulos, conceitos novos surgiam e as idias para atividades pedaggicas amadureciam. Os trabalhos de campo, mesmo com desgaste, nos mostraram uma realidade bem prxima e ao mesmo tempo distante de nossas aulas.

    (retirado do projeto pedaggico, p. 50).

    1 semestre:

    Geologia/Cartografia: este eixo contou com quatro encontros no Instituto de Geocincias da Unicamp e um campo realizado na bacia do Ribeiro das Pedras, sob a responsabilidade do grupo do DGAE e do IAC. Durante os encontros foram abordados conceitos como os de mapas e escalas, tempo geolgico, interpretao de mapas e fotos areas, ciclo das rochas entre outros. O campo foi considerado um momento bastante

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    interessante, pois foi quando os professores puderam ter contato com os temas trabalhados durante o eixo e para muitos foi a primeira experincia de trabalho de campo.

    Figura 2.4. Eixo de Geologia/Cartografia - 28 de abril de 2007. (Fotos da autora).

    Pedologia / Maquete: o eixo foi marcado por trs encontros realizados no IG e no IAC e um trabalho de campo no entorno da bacia do Ribeiro das Pedras, sob responsabilidade do grupo do IAC. Dentre os objetivos deste eixo disciplinar estava o aprendizado de diferentes tipos de solos, sobretudo, os presentes na bacia, suas propriedades, formao, classificao, assim como a ocupao do solo e problemas ambientais em decorrncia da ocupao e uso irregular do solo. J os encontros destinados maquete, visavam o aprendizado das etapas para a criao das mesmas assim como meios de trabalhar com este recurso com os alunos em sala de aula.

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    Figura 2.5. Eixo de Pedologia / Maquete (1) Trabalho de Campo de Pedologia - 16 de junho de 2007 (2) Elaborao de maquete 30 de junho de 2007 (Fotos dos professores).

    2 semestre:

    Biologia (Botnica / Zoologia): este eixo foi composto por cinco encontros e no decorrer destes aconteceram trs campos (entorno do Ribeiro Anhumas; Mata da Cachoeira, no distrito de Sousas; e Lagoa do Taquaral). Os encontros eram de responsabilidade de um grupo do IB e do IAC, cujo objetivo era que os professores tivessem contato com a fauna e flora presentes na bacia do Ribeiro Anhumas, aprendessem a diferenci-las e classific-las, alm de conhecer de perto alguns dos problemas ambientais presentes na bacia.

    (1)

    (2)

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    Figura 2.6. Eixo de Biologia (Botnica / Zoologia) (1) Trabalho de Campo 04 de agosto de 2007 (2) Trabalho de Campo na Mata do Ribeiro Cachoeira 01 de setembro de 2007.

    (Fotos dos professores)

    Riscos e Unidades Ambientais: foi o ltimo eixo do ano e contou com quatro encontros sob a responsabilidade de um grupo do IG, sendo que em um dos sbados foi realizado um campo na bacia do Ribeiro Anhumas, com incio no Observatrio da Unicamp e fim na Rua Moscou. Um aspecto interessante deste campo foi o contato que os professores tiveram com os moradores, o que prop