a arte de relacionar-se com um filho adolescente (kellen e fernandes)

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A ARTE DE RELACIONAR-SE COM UM FILHO ADOLESCENTE Muitos adolescentes não interagem mais socialmente e passam o dia conectados no celular ou internet. Quais os motivos que levam a esse distanciamento e em que idade ele começa a acontecer? Não sei se realmente é um distanciamento ou tentativa de aproximação. Na adolescência os grupos tornam-se fundamentais para o desenvolvimento do comportamento social. Eles precisam fazer isso porque estão em um momento de afastamento dos princípios e valores impostos pelos pais e de aproximação em relação ao que eles pensam ou sentem. É como se precisassem dizer "eu sei fazer as minhas escolhas", "eu quero cuidar da minha vida, escolher meus amigos, dentre tantas outras coisas". E é por esse motivo que o grupo ganha tanto status e valor. os amigos compartilham dos mesmos interesses, ideais e, geralmente, estão passando pelos mesmos processos de mudança e por isso fica mais fácil fazer essa aproximação. Em relação aos aparatos tecnológicos temos que observar o seguinte: na época dos nossos avós estes instrumentos não existiam e, por esse motivo as pessoas reuniam-se na área u no quintal de casa para conversar, discutir a vida, fazer planos. Na época dos nossos pais as pessoas já passaram a interagir um pouco mais, porém em frente a televisão. Hoje, o adolescente tem inúmeros recursos que o permitem estar próximo o tempo todo dos amigos, conectado e antenado em tudo o que acontece a sua volta. O que é preciso é construir com ele uma análise critica desse tipo de interação e valorizar os momentos juntos (sem estar interagindo necessariamente pela internet). Chamar os amigos em casa, sair, praticar esportes, ir ao clube. Dessa forma, ele aprende que o contato virtual pode ser suficiente para fazer uma amizade, mas é preciso o contato pessoal para mantê-la. A falta de diálogo ocorre porque os pais têm dificuldade de adaptar a linguagem aos filhos ou porque os filhos impõem resistência? Penso que a falta de diálogo pode acontecer pelos dois motivos. Os pais quando conversam com seus filhos dificilmente abordam temas que são do seu interesse. O grande risco é que muitos pais acreditam que conversar com o filho é dar broncas ou impor regras. Isso também é importante, mas para que possamos construir uma relação não é suficiente e pode realmente provocar um grande afastamento. Eu quando converso com meu filho falo sobre assuntos genéricos, pergunto sua opinião, o que ele acha, sente pensa sobre determinada situação e, a partir de suas respostas posso ir sentindo se o que ele pensa esta correto, se vem ao encontro dos valores que eu tenho ensinado e, a partir disso digo o que eu penso e pergunto também sua opinião sobre meus valores. É assim que se constrói uma relação. Quero ter um filho que seja um adulto que reflita, questione e que saiba respeitar a opinião alheia e não alguém que simplesmente aceite prontamente o que lhe é falado. Por vezes, ao dar minha opinião, escuto ele dizer “pois é mãe, mas vc já me disse que as pessoas tem opiniões diferentes e eu respeito a sua opinião”. Penso que se ele já consegue fazer isso aos dez anos, com certeza fará melhor na adolescência e posteriormente na fase adulta. Quais as consequências da ausência de diálogo? Algumas escolas apontam que a falta de empatia, solidariedade e sensibilidade é fruto da ausência de diálogo. Isso ocorre? Por que motivos? As conseqüências são inúmeras e variam desde simples problemas relacionados ao afastamento dos membros da família até transtornos emocionais mais graves. Os motivos

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Muitos adolescentes não interagem mais socialmente e passam o dia conectados no celular ou internet. Quais os motivos que levam a esse distanciamento e em que idade ele começa a acontecer?

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  • A ARTE DE RELACIONAR-SE COM UM FILHO ADOLESCENTE Muitos adolescentes no interagem mais socialmente e passam o dia conectados no

    celular ou internet. Quais os motivos que levam a esse distanciamento e em que idade

    ele comea a acontecer?

    No sei se realmente um distanciamento ou tentativa de aproximao. Na adolescncia os

    grupos tornam-se fundamentais para o desenvolvimento do comportamento social. Eles

    precisam fazer isso porque esto em um momento de afastamento dos princpios e valores

    impostos pelos pais e de aproximao em relao ao que eles pensam ou sentem. como se

    precisassem dizer "eu sei fazer as minhas escolhas", "eu quero cuidar da minha vida, escolher

    meus amigos, dentre tantas outras coisas". E por esse motivo que o grupo ganha tanto status

    e valor. os amigos compartilham dos mesmos interesses, ideais e, geralmente, esto passando

    pelos mesmos processos de mudana e por isso fica mais fcil fazer essa aproximao. Em

    relao aos aparatos tecnolgicos temos que observar o seguinte: na poca dos nossos avs

    estes instrumentos no existiam e, por esse motivo as pessoas reuniam-se na rea u no quintal

    de casa para conversar, discutir a vida, fazer planos. Na poca dos nossos pais as pessoas j

    passaram a interagir um pouco mais, porm em frente a televiso. Hoje, o adolescente tem

    inmeros recursos que o permitem estar prximo o tempo todo dos amigos, conectado e

    antenado em tudo o que acontece a sua volta. O que preciso construir com ele uma anlise

    critica desse tipo de interao e valorizar os momentos juntos (sem estar interagindo

    necessariamente pela internet). Chamar os amigos em casa, sair, praticar esportes, ir ao clube.

    Dessa forma, ele aprende que o contato virtual pode ser suficiente para fazer uma amizade,

    mas preciso o contato pessoal para mant-la.

    A falta de dilogo ocorre porque os pais tm dificuldade de adaptar a linguagem aos filhos ou porque os filhos impem resistncia? Penso que a falta de dilogo pode acontecer pelos dois motivos. Os pais quando conversam com seus filhos dificilmente abordam temas que so do seu interesse. O grande risco que muitos pais acreditam que conversar com o filho dar broncas ou impor regras. Isso tambm importante, mas para que possamos construir uma relao no suficiente e pode realmente provocar um grande afastamento. Eu quando converso com meu filho falo sobre assuntos genricos, pergunto sua opinio, o que ele acha, sente pensa sobre determinada situao e, a partir de suas respostas posso ir sentindo se o que ele pensa esta correto, se vem ao encontro dos valores que eu tenho ensinado e, a partir disso digo o que eu penso e pergunto tambm sua opinio sobre meus valores. assim que se constri uma relao. Quero ter um filho que seja um adulto que reflita, questione e que saiba respeitar a opinio alheia e no algum que simplesmente aceite prontamente o que lhe falado. Por vezes, ao dar minha opinio, escuto ele dizer pois me, mas vc j me disse que as pessoas tem opinies diferentes e eu respeito a sua opinio. Penso que se ele j consegue fazer isso aos dez anos, com certeza far melhor na adolescncia e posteriormente na fase adulta. Quais as consequncias da ausncia de dilogo? Algumas escolas apontam que a falta de empatia, solidariedade e sensibilidade fruto da ausncia de dilogo. Isso ocorre? Por que motivos? As conseqncias so inmeras e variam desde simples problemas relacionados ao afastamento dos membros da famlia at transtornos emocionais mais graves. Os motivos

  • tambm so diversos, mas penso que existe algo muito diferente em nossa rotina que nos impede de estarmos mais prximos dos nossos filhos e isso chama-se falta de tempo. Muitos pais justificam em clnica que os filhos passam horas no computador e por isso no conversam. E eu pergunto: mas porque voc no senta-se ao lado dele e participa do que ele esta fazendo? Ou quando algumas famlias descrevem que o tempo que passam juntos o fazem em frente a televiso. Como? Com o pai assistindo o jornal e pedindo para o filho fica quieto porque ele nao esta conseguindo escutar a noticia. As famlias no jantam e nem almoam mais juntas, no sentam-se a mesa e na varanda para conversar, jogar um jogo e interagir. As vezes os pais justificam sua ausncia levando os filhos ao shopping, comprando-lhes presentes carssimos, mas nada substitui colo, abrao, afeto e olho no olho.

    Como delimitar o dilogo para que se torne uma conversa entre pais e filhos ou uma conversa entre amigos? Qual o limite para que no ocorra confuso de papis? Quando existe presena os papeis no so confundidos. Os limites so estabelecidos no percurso da relao. Quando eu pergunto o que meu filho pensa sobre determinado assunto no significa que preciso aceitar o que ele pensa. Outro dia meu filho estava me contando algo que havia acontecido na escola, por exemplo, e me chamou de mano. Eu olhei para ele e disse filho, eu no gosto que voc me chame assim porque no sou como os seus amigos da escola e continuamos o assunto naturalmente com ele chamando-me de mame. E uma linha tnue, mas necessria. O que meu filho precisa sentir e que existe um canal de comunicao aberto entre nos porque nos momentos em que ele estive feliz poder me contar o que lhe deixou assim e nos momentos em que estiver triste ou passando por algum problema tambm poder me procurar. Costumamos dizer na psicologia que o dialogo no e o mais importante na relao ele e a relao! Qual a orientao para que os pais consigam enfrentar essa fase da vida dos filhos da forma mais harmoniosa possvel? A principal orientao e esteja presente. Outro dia, em um atendimento na escola, onde os pais estavam sendo informados que o filho adolescente estava usando drogas, uma coordenadora contou-me que ouviu de um pai chorando: Eu nunca fui um pai de porto! Eu sempre preocupei-me em suprir as necessidades materiais da minha famlia e deixei de suprir as necessidades emocionais. Isso me cortou o corao e no s como psicloga, mas como me eu entendo que para que possamos chegar na adolescncia dos nossos filhos com tranqilidade e preciso construir as bases na infncia. O principal presente para nossos filhos e a nossa presena e disponibilidade para am-los de diferentes maneiras: sentando-se ao pe da cama para lhes contarmos historias, jogando vdeo game sem sequer entender para que servem tantos botes naquele controle, preparando bolo com refrigerante ou churrasquinho em nossa casa no sbado a tarde para aquele monte de crianas ou adolescentes, ou simplesmente desligando a TV ou radio no carro porque queremos ouvi-los melhor, prestar ateno ao que dizem. So formas muito simples de lhes dizer o quanto os amamos e os queremos ver crescer pessoas mais felizes, humanas e emocionalmente saudveis.