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6º ENCONTRO ABRI PERSPECTIVAS SOBRE O PODER EM UM MUNDO EM REDEFINIÇÃO Área Temática 6: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa A GUERRA GLOBAL AO TERROR E A RELATIVIZAÇÃO DA HUMANIDADE DO “TERRORISTA” Yesa Portela Ormond Mestranda PPGRI -UERJ Marcelle Christine Bessa de Macedo Mestranda PPGRI -UERJ 25 a 28 de julho de 2017 Belo Horizonte MG

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6º ENCONTRO ABRI

PERSPECTIVAS SOBRE O PODER EM UM MUNDO EM REDEFINIÇÃO

Área Temática 6: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa

A GUERRA GLOBAL AO TERROR E A RELATIVIZAÇÃO DA HUMANIDADE DO “TERRORISTA”

Yesa Portela Ormond – Mestranda PPGRI -UERJ Marcelle Christine Bessa de Macedo – Mestranda PPGRI -UERJ

25 a 28 de julho de 2017 Belo Horizonte – MG

RESUMO

Este artigo analisa práticas que, a partir da representação “terroristas” como um grupo homogêneo e identificável, corroboraram em sua detenção e punição. Dessa forma, questiona: Havendo centenas de definições para terrorismo, como os Estados Unidos (EUA) poderiam identificar terroristas? Ainda, como encontrá-los e puni-los sem violar o Direito Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra (1949)? Para tanto, argumenta-se que com o empreendimento da Guerra Global ao Terror (GGT), normas concernentes ao Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e à III Convenção de Genebra foram violadas, pois a GGT habilitou os EUA a definir quais direitos humanos eram aceitáveis, excluindo aqueles que eventualmente impedissem a realização de seus objetivos. Visando tal análise, esse artigo se apoiará nas perspectivas pós-estruturalista e pós-colonial, que demonstram que a resposta para a legitimação das ações do governo Bush (2001-2009) deriva do que é considerado verdade e da ideia de representação, oriunda de discursos que contrapõem o “eu” - Ocidental - ao “outro” - uma versão defeituosa do “eu”. Acredita-se, também, na importância de utilizar uma metodologia que dialogue com o marco teórico e auxilie na compreensão inicial das perguntas anteriormente elencadas. Dessa forma, a representação histórica (DUNN, 2008) buscará demonstrar como um objeto é representado no tempo e no espaço, auxiliando na construção de regimes de verdade/conhecimento, gerando representações políticas. Adicionalmente, serão utilizados artigos e livros que lidam com a complexidade do pós-11 de setembro e versam sobre violações do DIDH e do Direito Internacional Humanitário (DIH) – sobretudo, a III Convenção de Genebra de 1949. Tangencialmente, serão utilizados documentos emitidos pelo governo dos EUA e pronunciamentos do Presidente Bush que corroboram com práticas de detenção e punição dos “terroristas” que, acredita-se, violam normas de DIDH e à III Convenção de Genebra. Palavras-chave: Guerra Global ao Terror, Terroristas, III Convenção de Genebra.

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Introdução

Os atentados de 11 de setembro de 2001 fizeram com que os Estados Unidos

aparentemente fossem desprovidos da imagem de superpotência invencível e se

apresentassem como uma superpotência ameaçada. Era a primeira vez desde a Guerra

Anglo-Americana de 1812, conforme destaca Chomsky (2001), que o território estadunidense

era alvo de ataques externos. Desse modo, inimigos sem território (terrorismo) e sem face

(terroristas) se viram territorializados e desumanizados e, por conseguinte, passaram a ser o

alvo da Política Externa dos Estados Unidos. O(s) mundo(s) árabe(s) e islâmico(s), repetia-se

contundentemente, deveria(m) ser combatido(s), principalmente no que dizia respeito às

figuras do Talibã no Afeganistão e da al-Qaeda1, no Afeganistão e – forçosamente, como

demonstram Scahill (2011) e muitos outros autores2 – no Iraque.

Assim, discursivamente afirmou-se que para impedir que o “inimigo terrorista”

desferisse outros golpes, os Estados Unidos agiriam de modo a fortalecer alianças para

combater o que foi denominado “terrorismo global” e a evitar a ação de Estados, grupos e

pessoas considerados meliantes (CHOMSKY, 2004). Para tanto, reiterou-se que os Estados

Unidos possuíam força e influência sem precedentes e que sua atuação, baseada nos

princípios de liberdade, de democracia e na fé, traziam consigo responsabilidades inigualáveis

e inadiáveis (AUMF3, 2001; NSS4, 2002).

“We will make no distinction between the terrorists who committed these acts and

those who harbor them.” (BUSH, 11 set. 2001)5 foram as palavras do presidente Bush no

mesmo dia dos ataques. Combater a ameaça que violara o dito imaculado território

estadunidense era posto como necessidade extrema. E para combatê-la, discursos

empreendidos salientavam uma necessidade de eliminar “o” terrorismo e seus

empreendedores, os “terroristas”, deveriam ser eliminados. Mas, como se daria esse

processo? Se há centenas de definições para terrorismo, como os Estados Unidos teriam a

capacidade identificar um terrorista? (KIRAS, 2013; WHITTAKER, 2005). Ainda, como

poderiam os Estados Unidos encontrar inimigos e puni-los sem violar o Direito Universal dos

Direitos Humanos (1948) e a Convenção De Genebra Relativa Ao Tratamento Dos

Prisioneiros De Guerra (1949)?

1 A base (tradução nossa). 2 Ver: BLIX, Hans. Desarmando o Iraque. São Paulo: Editora A Girafa, 2004; CHOMSKY, Noam. 11 de setembro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011; MANN, Michael. O Império da Incoerência: a natureza do poder americano. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006; entre outros. 3 Authorization for Use of Military Force [against Terrorists], PL 107-40, 2001. Para acessar a AUMF na íntegra, ver: < http://www.cfr.org/911-impact/authorization-use-military-force-pl-107-40/p25703> 4 Para acessar a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos de 2002 completa, ver: <http://www.state.gov/documents/organization/63562.pdf>. 5 “Não faremos distinção entre os terroristas que cometeram esses atos e aqueles que os abrigam” (BUSH, 11 set. 2001, tradução nossa).

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As abordagens pós-estruturalista e pós-colonial6 demonstram que a resposta para a

legitimação das ações do governo Bush (2001-2009) deriva da fluidez do que é considerado

verdade e da ideia de representação, ou, em outras palavras, da construção de subjetividade.

Representação/subjetividade essas oriundas de discursos que contrapõem o “eu” ao “outro”.

Isso porque o “outro”, árabe, muçulmano, terrorista, passou a ser visto como uma versão

defeituosa do “eu”, Ocidental, cristão, democrático. Assim, o discurso, a representação, a

subjetivação e a adjetivação, para pós-estruturalistas e pós-colonialistas, levam a distorções.

“We will find you and we will bring you to justice [...] We're engaged in a global struggle,

and the entire civilized world has a stake in its outcome. [...] Like the struggles of the last

century, today's war on terror is, above all, a struggle for freedom and liberty.7” (BUSH, 2006,

s.p.) foram as palavras do Presidente Bush em 2006. O “outro” foi, assim, apresentado como

aquele que estava perdido em uma estrutura despótica, imóvel e foi contraposto ao “eu”,

membro de uma comunidade cuja moral se colocou como universalmente válida e superior.

Suscitou-se, consequentemente, a oposição de intolerâncias. (BAUMAN, 2005).

Acredita-se que é importante utilizar uma metodologia que dialogue com o marco

teórico elencado e que auxilie na compreensão inicial das perguntas anteriormente elencadas.

Por isso, nesse artigo será utilizada a metodologia de representação histórica (DUNN, 2008).

Essa metodologia demonstra que a forma como um objeto é representado ao longo do tempo

e do espaço auxilia na construção de regimes de verdade ou de conhecimento. Regimes que

geram representações cujas implicações são políticas e cujas consequências são

questionáveis.

Adicionalmente, também serão utilizados artigos e de livros que tentam lidar com a

complexidade do(s) terrorismo(s) pós-11 de setembro e que versem sobre violações do Direito

Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) e do Direito Internacional Humanitário (DIH) –

mais especificamente, a III Convenção de Genebra de 1949. Além disso, de forma tangencial,

ao longo do artigo, serão utilizados documentos oficiais emitidos pelo governo dos Estados

Unidos e pronunciamentos do Presidente Bush que, a partir da representação de terroristas

como um grupo homogêneo e facilmente identificável, corroboram em práticas de detenção e

punição que, acredita-se, violam normas de DIDH e a III Convenção de Genebra.

6 Deve-se ter em mente que apesar destas abordagens teóricas serem, nesta pesquisa, inseridas no campo Relações Internacionais (RI), admite-se que ambas são debitarias de autores cujas obras extrapolam o campo. Por isso, será importante direcionar-se aos escritos de Edward Said (2007); e Homi Bhabha (1998; 2011). E, para situar esta pesquisa no campo das RI, serão utilizadas as obras de David Blaney e Naeem Inayatullah (2004); Lauren Wilcox (2015); e Vivienne Jabri (2007), para nomear alguns. 7 "Iremos encontrá-lo(s) e vamos trazê-lo(s) à justiça [...] Estamos empenhados em uma luta global, e todo o mundo civilizado tem uma participação no seu resultado[...] Como as lutas do século passado, a guerra de hoje contra o terrorismo é, acima de tudo, uma luta pela liberdade e pela liberdade. "(BUSH, 2006, s.p., tradução nossa)

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1 Terrorista: para além da mera adjetivação

O pós-estruturalismo e o pós-colonialismo auxiliam, de maneira complementar, a

compreender que a legitimação das ações do governo Bush para com aqueles considerados

terroristas deriva da fluidez do que é considerado terrorismo e da ideia de representação do

terrorista8. Representação que contrapõe o “eu” ao “outro”. O “outro”, seja ele árabe,

muçulmano ou terrorista, passa a ser visto como uma oposição binária, do “eu”, Ocidental,

cristão, democrático. Assim, o discurso, a representação, a subjetivação e a adjetivação, para

pós-estruturalistas e pós-colonialistas, levam a possíveis distorções e têm implicações

políticas não raras vezes destrutivas. (BLANEY, INAYATULLAH, 2004; COWAN, 2008;

DUNN, 2008; SAID, 2007, SEED, 1991)

Ao utilizar a abordagem pós-estruturalista, entende-se o discurso como um exercício

de apresentação e de interpretação. Desse modo, a verdade contida nos discursos pode ser

considerada subjetiva. Porém, mesmo que subjetivamente, quando discursos naturalizam

certas interpretações e não outras, a criação do “outro” pode ser utilizada, de maneira

potencial, como uma arma política. É por isso que a ameaça terrorista constituiu parte

importante do discurso da GGT e, consequentemente, na construção da identidade do

“terrorista” de vários modos: ao relacioná-lo diretamente com árabes e muçulmanos; ao

silenciar debates sobre a pertinência de tal construção; e, ao promover uma guerra a ser

empreendida contra aqueles identificados como sinônimos de maldade, de insanidade, de

desvio de conduta e de desumanidade. (COWAN, 2008)

Emamjomezadeh, Ardebili e Habibollahi (2015), também a partir de uma leitura pós-

estruturalista dos conceitos apresentados por Derrida e por Shapiro, demonstram que o

mundo que percebemos ao nosso redor é reproduzido e interpretado por meio do significado

e do valor que é imposto a ele por nós. Não se trata de invenção e sim de (re)interpretação.

As diferenças sem fim que textos (i.e., tudo aquilo que produz uma mensagem) possuem

podem gerar um significado final instável. Surgem assim paradoxos: o bom versus o mau; o

certo versus o errado; o civilizado versus o não-civilizado; o eu versus o outro. Por isso, para

eles, “terrorismo” e “terrorista” são conceitos controversos, ou seja, que podem ser

interpretados de maneiras diversificadas. Daí as frases constantemente elencadas: “o

terrorista de um homem é o freedom fighter de outro” ou “ações que são consideradas

terrorismo para algumas pessoas são consideradas heroísmo para outras”.

(EMAMIOMEZADEH, ARDEBILI, HABIBOLLAHI, 2015, p. 155, tradução nossa)

8 Diversas obras se debruçam sobre a dificuldade de definir o “terrorismo” e o “terrorista”. Alguns deles são WHITTAKER, David J. Terrorismo – um retrato. Rio de Janeiro: Ed. Biblioteca do Exército, 2005; e Benjamin J. Priester, Who Is a .“Terrorist? Drawing the Line Between Criminal Defendants and Military Enemies, 2008 UTAH L. REV. 1255, 2008.

5

Bauman (1997), por sua vez, reforça a ideia de que o bem só pode ser definido a partir

de sua oposição ao mal. Isso porque, para ele, a partir do ponto de vista do “eu moral” não

há, e nem haverá um “nós”. Muito pelo contrário: há somente o “eu” e “minha”

responsabilidade, comando e moralidade. “O meu estar-junto com o outro tem unicamente a

mim sobre que repousar” (BAUMAN, 1997, p. 130).

Além disso, ao analisar especificamente o pós-11 de setembro e as ações de combate

ao terrorismo e a terroristas levadas a cabo pelo Governo Bush vis-à-vis as normas de DIDH

e de DIH, a crítica pós-colonial também consegue estabelecer um diálogo considerado, aqui,

satisfatório. Isso porque o pós-colonialismo busca demonstrar que todas as pessoas,

independentemente de suas realidades históricas e culturais, possuem os mesmos direitos e

privilégios de viver plenamente e à salvo. (SCIULLO, 2011).

Nesse contexto, Barkawi e Laffey (2006) apresentam uma crítica importante ao

eurocentrismo nos estudos de segurança. De acordo com os autores, tais estudos

silenciariam a legitimidade da resistência armada9. Assim, os estudos de segurança trariam

uma análise distorcida do cenário internacional. Assim, a dificuldade gerada pelo

eurocentrismo/ocidentalismo ocorreria pelos pilares fundacionais, guerra e paz, pois

deslegitima os atores não-estatais, representando suas ações como injustificadas e ilegítimas.

No entanto, para Barkawi e Laffey (2006), as ações da resistência moldam os eventos e

influenciam os resultados no ambiente internacional, pois os ataques de 11 de Setembro de

2001 e da posterior GGT alavancaram novas formas de pensar sobre segurança.

É importante ressaltar que denominar os eventos como ataques também possui

implicações para o entendimento dos atos e representação do que é terrorismo. Isso porque,

segundo Mutimer (1997), o uso de metáforas nos estudos de segurança tem por objetivo a

construção de representações, com implicações, sobretudo, acerca da diferença. Além disso,

Jabri (2007) apresenta a utilização de humanidade como justificativa nos discursos pós-

Guerra Fria. Tal utilização se alinha com a ilustração de Mutimer (1997) sobre o uso de

metáforas nos discursos de segurança.

Além disso, Jabri (2007) aponta que o humanitarismo e as questões de direitos

humanos são centrais nos discursos contemporâneos como pilares dos conflitos atuais, ou

seja, contra um inimigo construído por meio de representações de ameaças existenciais. Vale

ressaltar que, de acordo com a autora, a matriz global da guerra tem como base os

significados culturais e raciais, legitimando o que é representado como Guerra ao Terror.

Blaney e Inayatullah (2004) ilustram essa questão do “problema da diferença”

permanece intenso nas relações internacionais. Assim, para além dos limites daquilo que é

9 Barkawi e Laffey (2006) consideram o terrorismo como resistência. Segundo os autores, os atos promovidos seriam ações modernas, ou seja, um híbrido entre o Islã e o Ocidente.

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familiar, “o outro” está a observar e, mais ainda, se coloca perpetuamente como uma ameaça;

ameaça essa que se manifesta em forma de grupos que antagonizam e de ideias

consideradas alienígenas. Complementariamente, Sciullo (2011) também, sob a ótica pós-

colonial, salienta que a influência Ocidental sobre o “não-Ocidental” foi e tem sido escrita de

modo violento. Por isso, tais políticas podem (e devem) ser consideradas a partir do discurso

histórico-político de subjugação.

Homi Bhabha (1998; 2011), por sua vez, traz a compreensão de que o discurso

colonialista se utiliza de estereótipos que salientam, paradoxalmente, desordem,

degeneração e fixidez. Para Bhabha (1998), estereótipo, discurso e discriminação estão

alinhados. Para compreender essa dinâmica de maneira consistente, demonstra o autor, é

necessário questionar posições dogmáticas e moralistas que promovem a opressão e a

discriminação. Curiosamente, a partir da força da ambivalência, constrói-se, ideologicamente,

a alteridade que não precisa ser provada, mas que é, ansiosa e repetidamente, afirmada. O

autor também salienta que, mais importante que considerar representações, de maneira

normativa, como positivas ou negativas, cabe compreender como processos de subjetivação

se tornam possíveis (BHABHA 1998; 2011).

Os estudos de Said (2007), por sua vez, constituem, também, elemento essencial, haja

vista seu pioneirismo nos estudos pós-coloniais. Para ele, representações levam o Ocidente

a dominar o Oriente. Esse processo se daria a partir do fenômeno denominado Orientalismo,

ou seja, da criação de um Oriente feita pelo Ocidente que não traduz sua realidade e sua

plenitude. Um Oriente representado como adjacente ao Ocidente, culturalmente distinto e,

principalmente, inferior. O Orientalismo, para Said (2007) não busca conhecer outros povos e

tempos de maneira compreensiva, sensível e atenciosa. Muito pelo contrário, constitui uma

um empreendimento de autoafirmação que, para além da violência epistêmica (i.e. simbólica)

se manifesta belicosamente.

Said (2007) enfatiza que para os Estados Unidos a imagem do(s) árabe(s) e do(s)

muçulmano(s) aparece como mais ameaçadora a partir de 1973, ocasião da guerra do Yom

Kippur10. A partir de então, árabes e muçulmanos ganham mais espaço para atenção

internacional; atenção essa negativa, receosa e medrosa. Isso porque, para além de ser visto

como um perturbador da ordem regional, árabes e muçulmanos são vistos como hostis à

existência do Ocidente. A partir de então, ademais de serem representados como miseráveis,

irracionais e excêntricos, passam, cada vez mais, a serem ligados à ameaça de uma possível

10 A Guerra do Yom Kippur (dia do perdão judaico) se deu muito em decorrência da Guerra dos Seis dias. O Egito, a Síria e Cisjordânia atacaram Israel de modo a recuperar os territórios perdidos em 1967, ou seja, a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golã. Ao final, destarte a imposição do cessar-fogo a partir da intervenção dos Estados Unidos, URSS e ONU, pode-se dizer que Israel saiu como vitorioso, visto que, além militarmente superior aos outros exércitos, não devolveu os territórios exigidos.

7

jihad11. Assim, a partir de representações que demonizam o “inimigo” desconhecido, o rótulo

de “terrorista” serviu (e serve) a propósitos múltiplos para os Estados Unidos. Internamente,

com auxílio de discursos e da mídia, manteve a população estadunidense atenta e raivosa.

Além disso, de um lado ajudou na exploração da sensação de crise de insegurança. De outro,

criou meios pelos quais o “terrorista” oriental foi obliterado como ser humano. (SAID, 2007,

p.59).

Sob essa ótica, é possível afirmar que o terrorismo começou a ser representado,

historicamente, como um fenômeno cujo significado é instável e fluído12. Estados,

organizações, institutos e estudiosos possuem interpretações distintas e, muitas vezes, rivais.

Como destaca Sciullo (2011), não há uma definição compreensível de terrorismo. Muito

menos esperança para que, no futuro, haja alguma. Definir a natureza do terrorismo, bem

como suas manifestações, constitui tarefa difícil. Isso porque trata-se de uma denominação

(ou de várias denominações?) cuja valoração política é de extrema subjetividade.

Definir algo como terrorismo e alguém como terrorista é observar o fenômeno e a

pessoa a partir de valores pré-estabelecidos e construí-lo como alheio a esses valores.

Realizar tal exercício, nas palavras de Cowan (2008) e de Sciullo (2011) é oprimir

politicamente a partir de um processo de otherization/othering. E é a partir desse processo,

que Cowan (2008) define como potencialmente destrutivo, que se exerce a violência sobre o

denominado “inimigo”.

Compreende-se, ainda com auxilio dos marco pós-colonial, que os ataques levados a

cabo no solo estadunidenses no dia 11 de Setembro não constituíram eventos isolados,

senão, em certo grau, respostas às ações que os Estados Unidos empreenderam no Oriente

Médio após suplantarem a subjugação britânica durante a segunda metade do século XX.

(SCIULLO, 2011). O marco pós-estruturalista, por sua vez, permite entender os efeitos do

discurso no âmbito político, bem como chama atenção para a construção dos discursos.

Discursos que constroem o inimigo como o “outro”, salienta Cowan (2008), simplificam sua

identidade e legitimam ações a serem tomadas contra ele, quaisquer que sejam. Por isso, a

partir de uma simplificação extrema de uma gama complexa de identidades, discursos

tentaram clamar por uma verdade objetiva que legitimasse a GGT.

11 Comumente traduzido como “guerra santa”, o termo jihad também merece maiores reflexões que, infelizmente, não serão feitas nesse artigo. Para maiores reflexões, ver: DONOHUE, John; ESPOSITO, John. Islam in Transition - Muslim Perspectives. New York, Oxford: Oxford University Press, 2007. 12 Um texto que demonstra a fluidez histórica do que é definido como Terrorismo é: RAPPORPORT, David. Four Waves of Modern Terrorism. Disponível em: <international.ucla.edu/media/files/Rapoport-Four-Waves-of-Modern-Terrorism.pdf>

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2 A III Convenção de Genebra em perspectiva: a relativização da humanidade do

“terrorista” promovida pela administração de George W. Bush

A tradição cultural valores morais judaico-cristãos definem o cerne das bases sociais

do que seria o Ocidente. Portanto, foram sob essas bases que o Direito Internacional dos

Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário foram constituídos. (MUTUA, 2002).

Sob esse ethos, ambos têm como finalidades comuns a proteção da vida, da dignidade, da

saúde e da integridade de todos os seres humanos13. (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ

VERMELHA, s.d., s.p.)

Para Cheung e Kumar (2015), a elaboração, no seio do DIH, da III Convenção de

Genebra14 em 1949 representou, de maneira significativa, um reforço da noção da

universalidade do DIDH e do DIH. Sob a III Convenção de Genebra15, então, haveria uma

espécie de transição, na qual povos “não-Ocidentais” também seriam contemplados pelos

direitos que até então lhes haviam sido negados. Ocidentais e Orientais teriam igual valor e

igual tratamento.

Como é perceptível durante a leitura da III Convenção de Genebra, promete-se que

todas pessoas, partes ou não de conflitos, serão “em todas as circunstâncias, tratadas com

humanidade, sem nenhuma distinção de caráter desfavorável baseada na raça, cor, religião

ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo” (III CONVENÇÃO

DE GENEBRA, Título I, Artigo 3º, s.p.). Além disso, há a promessa, entre outras coisas, de

que, a qualquer custo, serão evitados quaisquer tipos de “ofensas contra a vida e a integridade

física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis,

torturas e suplícios; [...] ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos

humilhantes e degradantes” (III CONVENÇÃO DE GENEBRA, TÍTULO I, Artigo 3º, s.p.)

Porém, face à proliferação do denominado “terrorismo” a nível internacional, o

cumprimento de tais promessas se viu cada vez mais dificultado. De um lado, tal dificuldade

se exemplifica quando, em meio à GGT e à captura de suspeitos, membros e militantes da al-

Qaeda e do Talibã, emergiram questionamentos relativos ao seu status legal, ou seja, à

aplicabilidade da III Convenção de Genebra. De outro, tornaram-se perceptíveis também

controvérsias no que tange à dita natureza universal dos Direitos Humanos. (CHEUNG,

KUMAR, 2015).

13 “1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, Artigo II, s.p.). 14 Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra (III), de 12 de agosto de 1949. 15 As Convenções de Genebra foram ratificadas por 194 Estados, dentre os quais estão os Estados Unidos.

9

Para Mutua (2002), a GGT foi, nitidamente, empreendida sem levar em conta ambos

DIDH e DIH. Isso porque ambos foram tratados, sob o governo Bush (2001-2009), como mera

conveniência. Em outras palavras, para os Estados Unidos, o DIDH e o DIH possuíam uma

dupla face: ora serviam para a manutenção dos interesses vitais de pessoas que se

adequavam às bases culturais privilegiadas pelo seu universalismo; ora poderiam ser

dispensados por estarem no caminho de interesses estatais inigualáveis e inadiáveis.

Assim, como bem ilustra Scahill (2011), a partir de 2001, com o empreendimento da

GGT, os Estados Unidos sob a administração Bush alteraram a maneira como suas guerras

seriam tratadas e travadas. A partir de então, um poder sem precedentes foi atribuído à Casa

Branca: o pleno poder de perseguir àqueles considerados responsáveis pelos ataques de 11

de setembro. Por isso, afirma o autor, paralelamente ao desmoronamento das Torres

Gêmeas, desmoronou também o sistema de fiscalização de operações secretas e letais. Com

elas também desmoronou, acrescenta-se aqui, o respeito pleno à universalidade dos Direitos

Humanos.

Desse modo, foi aprovada a Autorização para Uso de Força Militar (AUMF). Nela,

afirmou-se que

(a) IN GENERAL- That the President is authorized to use all necessary and appropriate force against those nations, organizations, or persons he determines planned, authorized, committed, or aided the terrorist attacks that occurred on September 11, 2001, or harbored such organizations or persons, in order to prevent any future acts of international terrorism against the United States by such nations, organizations or persons16. (AUMF, Section 2, s.p., grifo nosso)

Scahill (2011) salienta que o uso do termo “pessoas” na AUMF representava,

sutilmente, uma autorização para que quaisquer medidas fossem tomadas contra àqueles

tachados como terroristas, dentre elas o assassinato (SCAHILL, 2001, s.p.17). Isso porque,

como ilustrou o título de seu livro e o mantra neoconservador que espreitava o governo Bush:

o “mundo é um campo de batalha”.

Tendo em conta que países signatários das Convenções de Genebra, ao violarem

suas normas podem sofrer acusações por Crimes de Guerra, pode-se questionar: como,

então, o mundo seria esse campo de batalhas contra pessoas? Scahill (2011) aponta que

uma saída foi encontrada pela Casa branca. Em 2002 foi assinada uma resolução e emitida

16 (a) EM GERAL - o presidente fica autorizado a usar toda a força necessária e adequada contra nações, organizações e pessoas que em juízo tenham planeado, autorizado, cometido ou ajudado os ataques terroristas cometidos em 11 de setembro de 2001, ou dado abrigo a essas organizações ou pessoas, para evitar qualquer ato futuro de terrorismo internacional contra os EUA por parte dessas nações, organizações ou pessoas. (AUMF, Section 2, s.p., tradução nossa) 17 O livro encontra-se em formato .mobi (para aparelhos Kindle). Por isso, não há paginação especifica, senão localizações que variam de acordo com o tamanho da fonte e do aparelho utilizados.

10

uma folha afirmativa denominada “Situação dos Detidos em Guantánamo”18. Nela, é possível

perceber que a III Convenção de Genebra é tratada como não-aplicável em sua plenitude aos

militantes do Talibã e da al-Qaeda ali aprisionados.

Isso porque afirma-se, de um lado, que apesar do Talibã nunca ter sido considerado,

pelos Estados Unidos, um membro legítimo do governo afegão, o país era parte da

Convenção. Por isso, os Estados Unidos não poderiam negar aos detentos militantes do

Talibã a aplicação de determinados aspectos da Convenção de Genebra. Por sua vez, a al-

Qaeda, que não era um Estado-parte da Convenção, e sim um “grupo terrorista internacional”,

não deveria dispor de direitos exclusivos aos Estados-parte. Cabe ressaltar que, apesar da

distinção feita ao longo da resolução, assim como os membros da al-Qaeda, os membros do

Talibã também não gozariam do status de Prisioneiros de Guerra (POW, da sigla em inglês).

(STATUS OF DETAINEES AT GUANTANAMO, 2002, s.p.).

Entretanto, apesar de não permitir que os detentos, localizados, em sua maioria em

Guantánamo19, dispusessem dos privilégios de POW, a resolução afirmava que alguns

direitos seriam concedidos aos detentos, quais sejam: água, três refeições ao dia (de acordo

com a dieta muçulmana), auxílio médico, roupas, sapatos, teto, chuveiros, produtos de

higiene, direito de comunicação via correspondência, etc. Ademais, garantiu-se, também, que

os detentos não seriam submetidos a quaisquer tipos de tortura, i.e., abusos físicos ou

mentais. (STATUS OF DETAINEES AT GUANTANAMO, 2002, s.p.) 2021.

Assim como salienta Sciullo (2011), a fluidez da definição do que seria um “terrorista”,

faz com que processos criminais a ele aplicados sejam difíceis. Isso porque, em tese, a lei

18 Para acessar o Fact Sheet: Status of Detainees at Guantanamo com maiores detalhes, acessar o site: <http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=79402> 19 O centro de detenção de Guantánamo, localizado em Cuba, foi aberto, pelos Estados Unidos, em julho de 2002 De acordo com Wilcox (2015), durante a administração Bush, aplicaram-se técnicas que eram definidas como "técnicas de interrogação aprimoradas", mas que, legalmente, se encaixavam na definição de tortura. (WILCOX, 2015, p. 49). 20 Scahill (2011), ao longo de sua obra, traz, por meio de entrevistas que realizou à oficiais e ex-oficiais da CIA e de outros departamentos do governo estadunidense, a noção de que resoluções e medidas foram tomadas de modo a permitir que a CIA pudesse capturar e manter sob sua custódia não apenas militantes, mas também suspeitos de terrorismo do mundo inteiro. Além disso, o autor também aventa a possibilidade (dita não oficial pelo governo dos Estados Unidos) da existência de black holes, ou seja, de prisões secretas nas quais essas pessoas são encarceradas, interrogadas e, se necessário, torturadas. Caso levados à cabo, conforme denunciado por Scahill (2011), as ações do Governo Bush agiram em descompasso com o Artigo V da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante que “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. ” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, Artigo V, s.p.) 21 A obra de Lauren Wilcox (2015) contesta o cumprimento das normas de DH e DIH. Isso porque, ao longo do capítulo 02 de Bodies of Violence, a autora denuncia a violência inferida ao corpo dos detentos de Guantánamo, por meio de práticas de force feeding (alimentação forçada) e da tortura quando utilizada como exercício de soberania e de biopoder. Patricia Owens (2010) também, em seu artigo, Torture, Sex, and Military Orientalism analisa as práticas de tortura empreendidas nos Estados Unidos aos prisioneiros de Guantánamo como práticas de Orientalismo, feitas a partir de constrangimentos sexuais. Para a autora, por meio da tortura, constrói-se o corpo do detento (muçulmano) como sexualmente reprimido e força-se, nele, uma sexualidade "desviante".

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está alicerçada na noção do que algo “é”, e do que “não é”. O Human Rights Watch, em 2002,

apontou, com base no que foi estabelecido pelas Convenções de Genebra, erros na decisão

da administração Bush de não conceder aos militantes da al-Qaeda e do Talibã o status de

POW, uma vez que para tanto é necessário, antes de tudo, convocar um tribunal

competente22. Além disso, também afirmou que as Convenções de Genebra deveriam ser

aplicadas tanto aos detentos da al-Qaeda quanto aos detentos do Talibã. Isso porque as

Convenções explicitam que todos combatentes capturados em um conflito armado

internacional devem dispor de proteção, mesmo que não àquela disponível aos POW23.

A partir da Resolução e da Folha Informativa concernente ao Status de Detentos em

Guantánamo percebe-se que a construção da figura de terrorista e as demandas pela

otherization se mostraram suficientemente poderosas para deles afastar a humanidade tão

valorizada e aparentemente garantida universalmente na Declaração Universal dos Direitos

Humanos e nas Convenções de Genebra. Fica evidente também que diálogos são

impossibilitados. Isso porque, para Mutua (2002), enquanto a metáfora do Ocidental

“salvador-da-vítima-selvagem” Oriental e as cruzadas contra o “outro demonizado” não forem

ultrapassadas, o empreendimento da universalidade dos Direitos Humanos não poderá ser

debatido e realizado em sua plenitude.

22 “PROTEÇÃO DE PESSOA QUE TENHAM TOMADO PARTE NAS HOSTILIDADES: 1. Uma pessoa que tome parte nas hostilidades e caia em poder de uma Parte adversa será presumida prisioneira de guerra e, consequentemente estará protegida pela Terceira Convenção se ela reivindica o estatuto de prisioneiro de guerra, ou se aparentemente é intitulada a ter direito ao mesmo, ou quando a Parte de que dependa reivindica essa condição em seu favor através de uma notificação à Potência detentora ou à Potência Protetora. Havendo alguma dúvida a respeito do seu direito ao estatuto do prisioneiro de guerra, tal pessoa continuará protegida pela Terceira Convenção e pelo presente Protocolo, até que um tribunal competente tenha decidido a esse respeito. (PROTOCOLO ADICIONAL ÀS CONVENÇÕES DE GENEBRA DE 12 DE AGOSTO DE 1949, Artigo 45). Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma em seu Artigo VIII que “Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei” e, em seu Artigo XI que “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948). 23 “Se uma pessoa que, havendo caído em poder de uma Parte adversa, não está detida como prisioneiro de guerra e vai ser julgada por essa Parte por motivo de uma infração que guarde relação com as hostilidades, poderá fazer valer seu direito ao estatuto de prisioneiro de guerra ante um tribunal judicial para que se decida esta questão. Sempre que não seja contrário ao procedimento aplicável, essa questão se decidira antes do pronunciamento do tribunal sobre a infração. Os representantes da Potência Protetora terão direito a assistir as audiências em que se deva dirimir a questão, a menos que, excepcionalmente e no interesse da segurança do Estado, tais audiências sejam realizadas em caráter sigiloso. Nesse caso, a Potência em cujo poder se encontre a pessoa informará a respeito à Potência Protetora” (PROTOCOLO adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, Artigo 45, s.p.)

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Considerações Finais

Como demonstra Said (2007), a administração Bush, a partir do uso de clichés,

reforçou estereótipos que foram de extrema utilidade para justificar o seu uso de poder e de

violência. A partir da batalha contra o desconhecido, emergiram dicotomias que simplificaram

de sobremaneira o tratamento daqueles capturados durante o empreendimento GGT.

“Mas, como se daria esse processo? ” A partir do estabelecimento de uma lógica

dicotômica, na qual “Either you are with us, or you are with the terrorists” (BUSH, 2001, s.p.)24.

Assim, possibilitar-se-ia uma Guerra Global ao Terrorismo na qual, a partir da identificação de

Estados promotores do “terrorismos” e protetores de “terroristas”, medidas promotoras de

segurança seriam tomadas.

“Se há centenas de definições para terrorismo como os Estados Unidos teriam a

capacidade identificar um terrorista? ” Historicamente, a partir da construção do Oriente e do

Oriental; do árabe e do muçulmano ameaçadores; ao ter como alvo aqueles cuja postura

diverge ou resiste à subordinação aos interesses do Ocidente. Também, a partir da

simplificação do “outro” perdido em uma estrutura despótica, imóvel e que precisa ser

consertada. (SAID, 2007).

“Como poderiam os Estados Unidos encontrar inimigos e puni-los sem violar o Direito

Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção De Genebra Relativa Ao Tratamento

Dos Prisioneiros De Guerra (1949)? ” Oficialmente, a partir da emissão da AUMF e do Status

dos Detentos de Guantánamo. Essas diretrizes, de maneira sutil (ou não?) relativizaram a

humanidade daqueles que foram classificados como terroristas.

A GGT deu aos Estados Unidos a habilidade de definir quais tipos de direitos humanos

eram preferíveis e, concomitantemente, excluir aqueles que de algum modo impedissem a

realização de seus objetivos. Desse modo, a partir da dialética “nós vs eles” impediu-se que

fossem vislumbrados Direitos Humanos multiculturais e universalmente aplicados. Dificultou

ainda mais essa situação o fato de, retoricamente, ser promovida uma duplicidade, na qual os

Estados Unidos advogavam pela proteção do DIDH e do DIH e, mesmo assim, os violaram.

(MUTUA, 2002). Assim, os Estados Unidos, promoveram ações que de maneira profunda e

duradoura afetaram os direitos humanos. Ações que, como aponta Scahill (2011), nem

sempre chegaram ao público e que, por isso, também impedem oportunidades para o

empreendimento de diálogos robustos que auxiliariam na lapidação da aplicação dos direitos

humanos.

Para promover mudanças no modo como o “terrorismo” e o “terrorista” são percebidos

e tratados, deve-se reconhecer o peso da construção retórica por trás dessas definições.

24 “Ou você está conosco, ou você está com os terroristas. (BUSH, 2001, s.p.).

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Também deve-se superar o ambiente no qual debates acerca desse tema são vistos de

maneira intolerante. Isso porque trata-se de uma taxonomia poderosa e polêmica. Sem

superá-la, como poderiam os terroristas usufruir de direitos ditos humanos e transcendentes

de quaisquer fronteiras?

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