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6 Universidade Estadual de Campinas 11 a 17 de agosto de Vendido ilegalmente, medicament PAULO CÉSAR NASCIMENTO [email protected] Cytotec, medicamento que deveria estar confi- nado a hospitais devido ao uso indiscriminado como abortivo, continua ilegalmente disponível para a popu- laçªo e respondendo por casos de mal- formaçıes congŒnitas, entre as quais a SeqüŒncia de Moebius (pronuncia- se mŒbius), distœrbio caracterizado por paralisia facial, estrabismo e ano- malias de membros. É o que mostram levantamento re- alizado nas Æreas de neurologia infan- til dos hospitais de clínicas da Uni- camp e da USP, e estudos desenvolvi- dos em outras instituiçıes brasileiras. Contrabandeado, o remØdio Ø facil- mente encontrado no mercado para- lelo, conforme comprovou a reporta- gem do Jornal da Unicamp, que adqui- riu, em Campinas (SP), quatro com- primidos da droga por R$ 250,00. Lançado no Brasil em 1984 para pre- vençªo e tratamento de œlceras gÆstri- cas e duodenais, o Cytotec tem como princípio ativo o misoprostol, um anÆ- logo-sintØtico da prostaglandina, que promove contraçıes uterinas. Por causa dessa açªo, o remØdio tornou- se o mais popular dos recur- sos abortivos utilizados no país, a tal ponto que o Minis- tØrio da Saœde, em 1998, bai- xou portaria restringindo a venda do produto somente para hospitais credenciados. As restriçıes impostas à comercializaçªo da droga, contudo, nªo impedem a manutençªo de seu uso, em larga escala, por mulheres que tentam abortar, graças a um florescen- te e lucrativo mercado ilegal do me- dicamento, contrabandeado de países onde Ø de livre comØrcio. PorØm as usuÆrias desconhecem que, por causa da exposiçªo do em- briªo ao misoprostol no primeiro tri- mestre da gravidez (período em que ocorrem as tentativas de aborto), hÆ o risco de se gerar crianças com anoma- lias quando a gestaçªo nªo Ø interrom- pida após o uso do remØdio. Explosão de casos – O Cytotec atua em um momento vulnerÆvel da embriogŒnese. Seus efeitos terato- gŒnicos (capazes de alterar forma e funçªo de órgªos ou partes do corpo do embriªo em desenvolvimento) a- parecem em aproximadamente 10% dos 200 casos mais graves de lesıes malformativas cerebrais atendidos nos œltimos dois anos pelos Ambula- tórios de Retardo no Desenvolvimen- to e de Paralisia Cerebral do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Esse percentual corresponde aos pacientes cujas mªes confessaram ter feito uso da droga para abortar. Entre- tanto, manifestaçıes neurológicas se- melhantes nos casos em que as mªes omitiram a utilizaçªo do remØdio nos levam a crer em índices superiores, observa a neurologista infantil e pro- fessora da Faculdade de CiŒncias MØ- dicas (FCM) da Universidade, Ana Maria Sedrez Gonzaga Piovesana. Embora menos freqüente, a SeqüŒn- cia de Moebius ou Síndrome designa- çªo tambØm adotada para definir as diferentes anomalias associadas ao dis- tœrbio tem apresentado maior rela- çªo entre malformaçıes congŒnitas e o uso do misoprostol. Segundo Ana Maria, a droga respondeu por 50% dos oito casos do distœrbio atendidos na Unicamp nos œltimos cinco anos. No HC da USP o percentual foi ain- da superior: 44 (82%) dos 54 portado- res da síndrome atendidos nos œlti- mos onze anos pelo Instituto da Cri- ança haviam sido expostos ao medi- camento na fase embrionÆria, relata a neurologista infantil Maria Joaquina Marques-Dias, responsÆvel pela uni- dade. Sªo nœmeros que expressam bem a importância do misoprostol na ori- gem dessa explosªo de casos com a SeqüŒncia de Moebius, a segunda al- teraçªo mais freqüentemente encon- trada em nossos pacientes, salienta a especialista, que pesquisa o proble- ma desde 1991, quando ava- liou o primeiro caso em que houve relaçªo da droga com a anomalia. Entre 1980 e 1991 regis- tramos em nossos arquivos 12 pacientes com a síndro- me. No período de 1992 a 1997 estudamos mais 23 cri- anças, ou seja, em cinco anos houve uma incidŒncia qua- tro vezes maior no nœmero de casos. Enquanto na pri- meira ocasiªo apenas dois portadores tinham exposi- çªo ao Cytotec, na segunda somente trŒs nªo haviam so- frido os efeitos do medica- mento, recorda-se ela, co- autora de um estudo sobre o tema publicado em 1998 na revista britânica Lancet por Claudette Hajaj Gonzalez, tambØm do Instituto da Cri- ança. Diferentes estudos e observaçıes em serviços de aconselhamento genØ- tico no Brasil tŒm apontado para uma associaçªo real entre a exposiçªo prØ- natal ao misoprostol e a ocorrŒncia de Síndrome de Moebius ou outros de- feitos congŒnitos, afirma o geneti- cista Fernando Vargas, do Hospital UniversitÆrio GaffrØe e Guin- le, da Universidade do Rio de Janeiro, e coordenador de am- plo estudo colaborativo sobre o problema desenvolvido no Brasil com recursos do CNPq e publicado em dezembro de 2000 pelo American Journal of Medical Genetics. Preocupações A pesquisa, que envolveu dez hospitais brasileiros e uma instituiçªo canadense, identifi- cou a exposiçªo prØ-natal ao medica- mento em 32 (34.4%) crianças diag- nosticadas com malformaçıes de um total de 93 casos pesquisados. Havia suspeita de que as anoma- lias estavam associados ao misopros- tol, e isso foi demonstrado pelo estu- do, comenta a geneticista Denise Pontes Cavalcanti, coordenadora do programa de genØtica perinatal do Centro de Atençªo Integral à Saœde da Mulher (Caism) da Unicamp, e parti- cipante do estudo. Em outro trabalho, a geneticista La- vinia Schüler, da Universidade Fede- ral do Rio Grande do Sul, estudou de 1990 a 1996 os casos de 96 crianças com a síndrome, nascidas em sete hospi- tais brasileiros. De acordo com a pes- quisa, orientada pela epidemiologista Anne Pastuszak, da Universidade de Toronto, no CanadÆ, e publicada pela revista mØdica The New England Jour- nal, 47 mªes (ou 49%) tentaram abor- tar tomando o Cytotec no primeiro tri- mestre de gravidez. Percentuais elevados tambØm fo- ram encontrados hÆ um ano pela of- talmologista infantil Liana Ventura nos 28 casos de SeqüŒncia de Moebius que estudou em Pernambuco: 60,7%, ou 17 mªes, haviam feito uso do Cyto- tec, adquirido no mercado negro, por meio de pessoas que trabalham em farmÆcias ou por meio de amigas, constatou. O trabalho fez parte de sua tese de doutorado e subsidiou um projeto assistencial às crianças portadoras e suas famílias, encampado pela Fun- daçªo Altino Ventura, instituiçªo fi- lantrópica que presta atendimento oftalmológico à populaçªo de baixa renda no estado. Para Maria Joaquina Marques-Dias, a divulgaçªo por parte das autorida- des sanitÆrias das anomalias provo- cadas pela droga, nos casos em que o aborto nªo se consuma, pode contri- buir para desestimular seu uso in- discriminado e desassistido pela po- pulaçªo. Nesse sentido, ainda em 1994, co- municamos oficialmente ao MinistØ- rio da Saœde nossas preocupaçıes com as evidŒncias de que o Cytotec estava sendo responsÆvel por um nœ- mero cada vez mais freqüente de mal- formaçıes congŒnitas em nossos am- bulatórios, relata. Mas nunca fomos contatados. A reportagem do Jornal da Unicamp teve acesso ao Cytotec por meio de “V.”, prostituta que faz programas à noite no centro de Campinas. Pelo menos outras cinco garotas também se dis- puseram a ajudar a encontrar o produto. Usuárias eventuais do medicamento, elas acabam atuando como intermediárias entre interessados e fornecedores ilegais da droga. A compra ocorreu uma semana após o primeiro contato, em uma tarde de junho, sem que “V.” e mais duas amigas que a acompa- nhavam soubessem que o interessado era jornalista. O grupo encontrou-se com o fornecedor na esquina das avenidas Jacaúna e Suaçuna, próximo ao terminal Ouro Verde de ônibus munici- pal e a uma quadra do 9 o Distrito Policial, no Jardim Aeroporto, na periferia da cidade. Após receber adiantado parte do pagamento de R$ 250,00 em dinheiro, o fornecedor dirigiu-se a pé até uma farmácia próxima e de lá, cerca de 15 minutos depois, trouxe os quatro comprimi- dos do Cytotec, de formato hexagonal, brancos, sulcados em ambos os lados, com a gravação “SEARLE 1461” em uma das faces. “V.” também pediu que fosse comprado um aplicador de creme vaginal para a utilização do remédio. “Só vai funcionar se a mulher tomar dois comprimidos e colo- car os outros dois no fundo da vagina com o aplicador”, ensinou antes de se despedir. Eficácia – O uso de dois comprimidos por via oral é utilizado pelas mulheres que desejam praticar o aborto, mas a técnica é puramente popular, com baixa eficácia, afirma o ginecologista Carlos Tadayuki Oshikata, do Caism. O método mais eficaz, se- gundo ele, é o uso intravaginal, com a deposição dos comprimi- dos próximo ao colo uterino, para serem absorvidos pelo orga- nismo. “O Cytotec dilata o colo uterino e provoca contrações que ter- minam por expulsar o embrião”, esclarece. “Mas existe risco de hemorragias intensas e até de ruptura uterina, dependendo da idade gestacional e das condições uterinas das usuárias. Isso expõe a mulher a riscos iminentes de vida e, em algumas vezes, a infecção uterina, provocada por vestígios de placenta que per- manecem no corpo”, adverte Carlos, que revela freqüentemente encontrar comprimidos de Cytotec parcialmente dissolvidos no fundo do saco vaginal de mulheres em processo de aborto que buscam socorro médico. Apesar de ser abortivo e seu uso ser ilegal para este fim, o Cytotec fez com que a incidência de abortos infectados, segui- do de complicações como histerectomias (retirada do útero de- vido à infecção) e até mesmo morte, diminuíssem consideravel- mente, observa Carlos. “Abordagens mais invasivas, com a introdução de materiais con- taminados dentro do útero, como sondas, arames e agulhas de crochê, foram progressivamente sendo substituídas pelo uso do misoprostol como método abortivo.” Por causa do forte efeito de contração e relaxamento do colo uterino, a técnica costuma ser indicada nos hospitais para a ex- pulsão de fetos mortos ou mesmo para a indução de parto nor- mal, facilitando a resolução dos casos de gravidez de alto risco, conforme experiências desenvolvidas na Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp). Droga Ø vendida a uma quadra de delegacia de polícia O ginecologista Carlos Tadayuki Oshikata, do Caism: risco de hemorragias intensas e atØ de ruptura uterina O Laboratório Pfizer, responsÆvel pela distribuiçªo d Cytotec, anunciou que vai descontinuar a comercializaçªo produto no Brasil, preocupado com o uso indevido do medicamento. A empresa informou ter submetido formalmente à AgŒn Nacional de Vigilância SanitÆr (Anvisa) um pedido de cancelamento do registro do Cytotec no país, e argumenta q demanda do uso apropriado da medicaçªo poderÆ ser suprida p outro fabricante, que atualmen jÆ oferece ao mercado hospitala um medicamento similar com o mesmo princípio ativo. O produto, de acordo com a Anvisa, Ø o Prostokos, comercializado pela Hebron S. Indœstrias Químicas e FarmacŒuticas, localizada em Pernambuco. A agŒncia, por meio de sua Unidade de Produtos Controla reconheceu a existŒncia do mercado paralelo do Cytotec, apesar da permissªo de venda somente para hospitais determinada pela portaria 344/ de 12 de maio de 1998. Segundo órgªo, medidas cabíveis para coibir o comØrcio indiscrimina do medicamento, como inspeçı em conjunto com autoridades policiais, sªo adotadas a partir denœncias. A Anvisa justificou ainda qu em funçªo de mudanças administrativas e do tempo decorrido, a denœncia da mØdic Maria Joaquina Marques-Dias pode ser localizada no âmbito d Ærea de produtos controlados. Portanto, nªo soube informar q tratamento foi dispensado ao assunto. Fabricante vai parar comercialização Um dos pacientes atendidos Ambulatório de Retardo no Desenv mento do HC da Unicamp Ø Jhona Jhoni, de 12 anos. O acompanham mØdico sistemÆtico contribuiu par lhorar a hipotonia muscular e os pr mas respiratórios causados pela Seq cia de Moebius, conta sua afetuosa Com outros quatro filhos para dar, a dona-de-casa Vera Lœcia a dedica parcela significativa de seu po para auxiliar o menino a cum exaustiva rotina dos exames clín dos exercícios fisioterÆpicos, mas s se recompensada pelos resultad A luta nªo Ø fÆcil. É preciso ter m persistŒncia e carinho para aju Jhoni a superar as dificuldades. evoluçªo que ele apresenta, aind possa parecer simples, como mex A dona-de-casa Vera Lœcia e o filho Jhona Mªe us pessoal O Quatro comprimidos sªo adquiridos por R$ 250,00 Sintomas da SeqüŒncia de Moebius uParalisia parcial ou generalizada dos mœsculos da face (A criança nªo sorri, nªo pisca os olhos, nªo franze a testa) uEstrabismo uDeformaçªo ou atrofia de membros (PØs tortos, ausŒncia de dedos nos pØs ou nas mªos) uMandíbula pequena, cØu da boca e língua deformados (Dificuldade para falar, su- gar, mastigar e deglutir alimentos) Mais informaçıes: http://www.sindromedemoebius.kit.net/sindrome_de_moebius/ http:// www.ciaccess.com/moebius http://www.moebiussyndrome.co.uk/ Foto: Antoninho Perri

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6 Universidade Estadual de Campinas � 11 a 17 de agosto de

Vendido ilegalmente, medicamentPAULO CÉSAR NASCIMENTO

[email protected]

Cytotec, medicamentoque deveria estar confi-nado a hospitais devidoao uso indiscriminadocomo abortivo, continua

ilegalmente disponível para a popu-lação e respondendo por casos de mal-formações congênitas, entre as quaisa Seqüência de Moebius (pronuncia-se �mêbius�), distúrbio caracterizadopor paralisia facial, estrabismo e ano-malias de membros.

É o que mostram levantamento re-alizado nas áreas de neurologia infan-til dos hospitais de clínicas da Uni-camp e da USP, e estudos desenvolvi-dos em outras instituições brasileiras.Contrabandeado, o remédio é facil-mente encontrado no mercado para-lelo, conforme comprovou a reporta-gem do Jornal da Unicamp, que adqui-riu, em Campinas (SP), quatro com-primidos da droga por R$ 250,00.

Lançado no Brasil em 1984 para pre-venção e tratamento de úlceras gástri-cas e duodenais, o Cytotec tem comoprincípio ativo o misoprostol, um aná-logo-sintético da prostaglandina, quepromove contrações uterinas. Porcausa dessa ação, o remédio tornou-se o mais popular dos recur-sos abortivos utilizados nopaís, a tal ponto que o Minis-tério da Saúde, em 1998, bai-xou portaria restringindo avenda do produto somentepara hospitais credenciados.

As restrições impostas àcomercialização da droga, contudo,não impedem a manutenção de seuuso, em larga escala, por mulheres quetentam abortar, graças a um florescen-te e lucrativo mercado ilegal do me-dicamento, contrabandeado de paísesonde é de livre comércio.

Porém as usuárias desconhecemque, por causa da exposição do em-brião ao misoprostol no primeiro tri-mestre da gravidez (período em queocorrem as tentativas de aborto), há orisco de se gerar crianças com anoma-lias quando a gestação não é interrom-pida após o uso do remédio.

Explosão de casos – O Cytotecatua em um momento vulnerável daembriogênese. Seus efeitos terato-gênicos (capazes de alterar forma efunção de órgãos ou partes do corpodo embrião em desenvolvimento) a-parecem em aproximadamente 10%dos 200 casos mais graves de lesõesmalformativas cerebrais atendidosnos últimos dois anos pelos Ambula-tórios de Retardo no Desenvolvimen-to e de Paralisia Cerebral do Hospitalde Clínicas (HC) da Unicamp.

�Esse percentual corresponde aospacientes cujas mães confessaram terfeito uso da droga para abortar. Entre-tanto, manifestações neurológicas se-melhantes nos casos em que as mãesomitiram a utilização do remédio noslevam a crer em índices superiores�,observa a neurologista infantil e pro-fessora da Faculdade de Ciências Mé-dicas (FCM) da Universidade, AnaMaria Sedrez Gonzaga Piovesana.

Embora menos freqüente, a Seqüên-cia de Moebius ou Síndrome �designa-ção também adotada para definir asdiferentes anomalias associadas ao dis-túrbio � tem apresentado maior rela-ção entre malformações congênitas eo uso do misoprostol. Segundo AnaMaria, a droga respondeu por 50% dosoito casos do distúrbio atendidos naUnicamp nos últimos cinco anos.

No HC da USP o percentual foi ain-da superior: 44 (82%) dos 54 portado-res da síndrome atendidos nos últi-mos onze anos pelo Instituto da Cri-ança haviam sido expostos ao medi-camento na fase embrionária, relata aneurologista infantil Maria JoaquinaMarques-Dias, responsável pela uni-dade.

�São números que expressam bema importância do misoprostol na ori-gem dessa explosão de casos com aSeqüência de Moebius, a segunda al-teração mais freqüentemente encon-trada em nossos pacientes�, salientaa especialista, que pesquisa o proble-

ma desde 1991, quando ava-liou o primeiro caso em quehouve relação da droga coma anomalia.

�Entre 1980 e 1991 regis-tramos em nossos arquivos12 pacientes com a síndro-me. No período de 1992 a1997 estudamos mais 23 cri-anças, ou seja, em cinco anoshouve uma incidência qua-tro vezes maior no númerode casos. Enquanto na pri-meira ocasião apenas doisportadores tinham exposi-ção ao Cytotec, na segundasomente três não haviam so-frido os efeitos do medica-mento�, recorda-se ela, co-autora de um estudo sobre otema publicado em 1998 narevista britânica Lancet porClaudette Hajaj Gonzalez,também do Instituto da Cri-ança.

�Diferentes estudos e observaçõesem serviços de aconselhamento gené-tico no Brasil têm apontado para umaassociação real entre a exposição pré-natal ao misoprostol e a ocorrência deSíndrome de Moebius ou outros de-feitos congênitos�, afirma o geneti-cista Fernando Vargas, do Hospital

Universitário Gaffrée e Guin-le, da Universidade do Rio deJaneiro, e coordenador de am-plo estudo colaborativo sobreo problema desenvolvido noBrasil com recursos do CNPqe publicado em dezembro de2000 pelo American Journal of

Medical Genetics.

Preocupações � A pesquisa, queenvolveu dez hospitais brasileiros euma instituição canadense, identifi-cou a exposição pré-natal ao medica-mento em 32 (34.4%) crianças diag-nosticadas com malformações de umtotal de 93 casos pesquisados.

�Havia suspeita de que as anoma-lias estavam associados ao misopros-tol, e isso foi demonstrado pelo estu-do�, comenta a geneticista DenisePontes Cavalcanti, coordenadora doprograma de genética perinatal doCentro de Atenção Integral à Saúde daMulher (Caism) da Unicamp, e parti-cipante do estudo.

Em outro trabalho, a geneticista La-vinia Schüler, da Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul, estudou de1990 a 1996 os casos de 96 crianças coma síndrome, nascidas em sete hospi-tais brasileiros. De acordo com a pes-quisa, orientada pela epidemiologistaAnne Pastuszak, da Universidade deToronto, no Canadá, e publicada pelarevista médica The New England Jour-nal, 47 mães (ou 49%) tentaram abor-tar tomando o Cytotec no primeiro tri-mestre de gravidez.

Percentuais elevados também fo-ram encontrados há um ano pela of-talmologista infantil Liana Venturanos 28 casos de Seqüência de Moebiusque estudou em Pernambuco: 60,7%,ou 17 mães, haviam feito uso do Cyto-tec, �adquirido no mercado negro, pormeio de pessoas que trabalham emfarmácias ou por meio de amigas�,constatou.

O trabalho fez parte de sua tese dedoutorado e subsidiou um projetoassistencial às crianças portadoras esuas famílias, encampado pela Fun-dação Altino Ventura, instituição fi-lantrópica que presta atendimentooftalmológico à população de baixarenda no estado.

Para Maria Joaquina Marques-Dias,a divulgação por parte das autorida-des sanitárias das anomalias provo-cadas pela droga, nos casos em que oaborto não se consuma, pode contri-buir para desestimular seu uso in-discriminado e desassistido pela po-pulação.

�Nesse sentido, ainda em 1994, co-municamos oficialmente ao Ministé-rio da Saúde nossas preocupaçõescom as evidências de que o Cytotecestava sendo responsável por um nú-mero cada vez mais freqüente de mal-formações congênitas em nossos am-bulatórios�, relata. �Mas nunca fomoscontatados.

A reportagem do Jornal da Unicamp teve acesso ao Cytotecpor meio de “V.”, prostituta que faz programas à noite no centrode Campinas. Pelo menos outras cinco garotas também se dis-puseram a ajudar a encontrar o produto. Usuárias eventuais domedicamento, elas acabam atuando como intermediárias entreinteressados e fornecedores ilegais da droga.

A compra ocorreu uma semana após o primeiro contato, em umatarde de junho, sem que “V.” e mais duas amigas que a acompa-nhavam soubessem que o interessado era jornalista. O grupoencontrou-se com o fornecedor na esquina das avenidas Jacaúnae Suaçuna, próximo ao terminal Ouro Verde de ônibus munici-pal e a uma quadra do 9o Distrito Policial, no Jardim Aeroporto,na periferia da cidade.

Após receber adiantado parte do pagamento de R$ 250,00 emdinheiro, o fornecedor dirigiu-se a pé até uma farmácia próximae de lá, cerca de 15 minutos depois, trouxe os quatro comprimi-dos do Cytotec, de formato hexagonal, brancos, sulcados emambos os lados, com a gravação “SEARLE 1461” em uma dasfaces. “V.” também pediu que fosse comprado um aplicador decreme vaginal para a utilização do remédio.

“Só vai funcionar se a mulher tomar dois comprimidos e colo-car os outros dois no fundo da vagina com o aplicador”, ensinouantes de se despedir.

Eficácia – O uso de dois comprimidos por via oral é utilizadopelas mulheres que desejam praticar o aborto, mas a técnica épuramente popular, com baixa eficácia, afirma o ginecologistaCarlos Tadayuki Oshikata, do Caism. O método mais eficaz, se-gundo ele, é o uso intravaginal, com a deposição dos comprimi-dos próximo ao colo uterino, para serem absorvidos pelo orga-nismo.

“O Cytotec dilata o colo uterino e provoca contrações que ter-minam por expulsar o embrião”, esclarece. “Mas existe risco dehemorragias intensas e até de ruptura uterina, dependendo daidade gestacional e das condições uterinas das usuárias. Issoexpõe a mulher a riscos iminentes de vida e, em algumas vezes,a infecção uterina, provocada por vestígios de placenta que per-manecem no corpo”, adverte Carlos, que revela freqüentementeencontrar comprimidos de Cytotec parcialmente dissolvidos nofundo do saco vaginal de mulheres em processo de aborto quebuscam socorro médico.

Apesar de ser abortivo e seu uso ser ilegal para este fim, oCytotec fez com que a incidência de abortos infectados, segui-do de complicações como histerectomias (retirada do útero de-vido à infecção) e até mesmo morte, diminuíssem consideravel-mente, observa Carlos.

“Abordagens mais invasivas, com a introdução de materiais con-taminados dentro do útero, como sondas, arames e agulhas decrochê, foram progressivamente sendo substituídas pelo uso domisoprostol como método abortivo.”

Por causa do forte efeito de contração e relaxamento do colouterino, a técnica costuma ser indicada nos hospitais para a ex-pulsão de fetos mortos ou mesmo para a indução de parto nor-mal, facilitando a resolução dos casos de gravidez de alto risco,conforme experiências desenvolvidas na Universidade Federalde São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp).

Droga é vendidaa uma quadra de

delegacia de polícia

O ginecologista Carlos Tadayuki Oshikata, do Caism: riscode hemorragias intensas e até de ruptura uterina

O Laboratório Pfizer,responsável pela distribuição dCytotec, anunciou que vaidescontinuar a comercializaçãoproduto no Brasil, �preocupadocom o uso indevido domedicamento�.

A empresa informou tersubmetido formalmente à AgênNacional de Vigilância Sanitár(Anvisa) um pedido decancelamento do registro doCytotec no país, e argumenta qdemanda do uso apropriado damedicação poderá ser suprida poutro fabricante, que atualmenjá oferece ao mercado hospitalaum medicamento similar com omesmo princípio ativo.

O produto, de acordo com aAnvisa, é o Prostokos,comercializado pela Hebron S.Indústrias Químicas eFarmacêuticas, localizada emPernambuco.

A agência, por meio de suaUnidade de Produtos Controlareconheceu a existência domercado paralelo do Cytotec,apesar da permissão de vendasomente para hospitaisdeterminada pela portaria 344/de 12 de maio de 1998. Segundoórgão, medidas cabíveis paracoibir o comércio indiscriminado medicamento, como inspeçõem conjunto com autoridadespoliciais, são adotadas a partir denúncias.

A Anvisa justificou ainda quem função de mudançasadministrativas e do tempodecorrido, a denúncia da médicMaria Joaquina Marques-Dias pode ser localizada no âmbito dárea de produtos controlados.Portanto, não soube informar qtratamento foi dispensado aoassunto.

Fabricantevai pararcomercializaçã o

Um dos pacientes atendidosAmbulatório de Retardo no Desenvmento do HC da Unicamp é Jhona�Jhoni�, de 12 anos. O acompanhammédico sistemático contribuiu parlhorar a hipotonia muscular e os prmas respiratórios causados pela Seqcia de Moebius, conta sua afetuosa

Com outros quatro filhos paradar, a dona-de-casa Vera Lúcia adedica parcela significativa de seupo para auxiliar o menino a cumexaustiva rotina dos exames clíndos exercícios fisioterápicos, mas sse recompensada pelos resultad

�A luta não é fácil. É preciso ter mpersistência e carinho para ajuJhoni a superar as dificuldades. evolução que ele apresenta, aindpossa parecer simples, como mex

A dona-de-casa Vera Lúcia e o filho Jhona

Mãe uspessoal

O

Quatrocomprimidos

são adquiridospor R$ 250,00

Sintomas da Seqüência de MoebiusuParalisia parcial ou generalizada dos músculos da face (A criança não sorri, nãopisca os olhos, não franze a testa)

uEstrabismo

uDeformação ou atrofia de membros (Pés tortos, ausência de dedos nos pés ou nasmãos)

uMandíbula pequena, céu da boca e língua deformados (Dificuldade para falar, su-gar, mastigar e deglutir alimentos)

Mais informações: http://www.sindromedemoebius.kit.net/sindrome_de_moebius/ http://www.ciaccess.com/moebius http://www.moebiussyndrome.co.uk/

Foto: Antoninho Perri

7ersidade Estadual de Campinas � 11 a 17 de agosto de 2003

ausa malformações congênitasDe uso quedeveria ficarrestrito ahospitais devidoa sua utilizaçãocomo abortivo,Cytotec éfacilmenteadquiridono mercadoparalelo

ou os dedos, é bastante comemo- enfatiza.

a engravidou de �Jhoni� aos 22e entrou para as estatísticas dasas do Cytotec ao tomar o medica-o desinformada dos riscos de usote a gestação.

ós o choque inicial com o nascimen-ilho, ela trocou o lamento pela co-

m e decidiu fazer de sua experiên-ssoal um exemplo para outras mu-que pensam em utilizar o medica-

o.a minha filha me conta de algumaadolescente grávida que procura

édio para abortar, eu peço para ela casa conhecer a minha história�,a Vera. �Dou muito conselho e ficouando consigo mudar a cabeça da

na.�

stência

eriênciaexemplo

Entre 50% a 70% das mulhe-es usam pelo menos um me-icamento durante a gravidezmuitos deles não são prescri-

os por médicos, revela aeneticista Denise Cavalcanti,aseada nas estatísticas detendimento de gestantes noomplexo hospitalar da

Unicamp.Por isso, enfatiza, o uso de

ualquer medicamento duranteperíodo gestacional só deve

er feito com prescrição médica,ois os medicamentos podem

razer riscos para a mãe e parabebê.�A automedicação é condena-

a. Todo medicamento é tera-ogênico em potencial e só deveer usado quando indicado pelo

médico�, aconselha. �Mas é im-ortante lembrar que perigosoão é só o remédio; a ingestão de álcool, por exemplo, pode ter conse-üências gravíssimas para o bebê. O fumo e outras drogas sociais tam-ém podem acarretar conseqüências graves para o bebê exposto intra-tero.�Para informar e orientar gestantes e médicos sobre efeitos de medica-

mentos, radiações e determinadas doenças na gestação foi criado naUnicamp, em 1996, o Sistema de Informação sobre Agentes TeratogênicosSIAT), um serviço gratuito que atende por telefone ou fax, em horárioomercial, pelo número (19) 3289-2888.Ao ligar, o interessado é atendido por um membro da equipe, que re-

istra o motivo da consulta e faz algumas perguntas. A resposta é for-ecida, em geral, no prazo máximo de 72 horas, após uma pesquisa emancos de dados, livros e revistas especializadas.�Uma secretária eletrônica registra o recado de quem procura pelo SIAT

ora do horário comercial e, tão logo quanto possível, um de nossostendentes entra em contato com quem telefonou�, explica Denise.De acordo com ela, mulheres grávidas ou que estão planejando a gra-

idez, médicos obstetras ou de outras especialidades, pesquisadores in-eressados em teratogênese humana e mães com dúvidas sobre medicaçãourante o aleitamento materno podem procurar pelo SIAT.O serviço recebe em média três ligações por semana, a maioria de ges-

antes com dúvidas sobre o uso de medicamentos, dos quais os mais con-ultados são os analgésicos, os anti-inflamatórios e os antibióticos.Orientação similar é proporcionada pelo Centro de Farmacovigilância

o HC da USP, o Ceatox. Funciona 24 horas e oferece atendimento gra-uito pelos telefones (11) 3069-8571 e 280-9431 (telefax).

Unicamp orienta gestantesobre medicamentos

Com cerca de 300 casos de Síndro-me de Moebius, o Brasil é o segundopaís no mundo, atrás dos Estados U-nidos, com 800, e à frente da Grã-Bre-tanha, com 180. A estimativa é da Moe-bius Syndrome Foundation, uma orga-nização não-governamental sediadanos EUA, criada há 9 anos para difun-dir informações capazes de ajudar fa-miliares e profissionais da área médi-ca no diagnóstico correto e tratamen-to precoce da síndrome. A instituição tor-nou-se referência internacional e gerouentidades congêneres em diferentespaíses, entre as quais a AssociaçãoMoebius do Brasil (AMOB).

As causas da síndrome – referên-cia ao neurologista alemão Paul Ju-

lius Möbius (1853-1907), o primeiroa descrever os sintomas – ainda nãosão totalmente claras para a Medici-na. Tanto que a fundação tem estimu-lado estudos que possam esclarecê-las, explica Vicki McCarrell, presiden-te da instituição. Um deles vem sen-do desenvolvido pela geneticista E-thylin Wang Jabs, no Johns HopkinsMedical Center, em Baltimore (EUA),para tentar identificar uma possívelorigem genética para a disfunção.

Suas anomalias, contudo, seriamdecorrentes de um déficit na irrigaçãosanguínea do tronco cerebral, entre asexta e a oitava semana de vida embrio-nária, capaz de comprometer os núcle-os de nervos cranianos localizados nes-sa região, sobretudo o sexto e o sétimo

nervos, responsáveis pela motricidadeocular e facial, respectivamente. Outrasáreas do sistema nervoso central, inclu-indo outros nervos cranianos que con-trolam diferentes sensações e funções,podem ser afetadas.

As malformações, de maneira ge-ral, podem ser decorrentes de fatoresgenéticos. Mas se manifestam tam-bém por influência de outros agentesdurante a gravidez, como os medica-mentos (misoprostol, talidomida, áci-do retinóico, tranqüilizantes e algunsanticonvulsivantes), o consumo deálcool, tabaco e cocaína, a exposiçãoa radiações, a febre alta, as doençasmaternas como diabetes e epilepsia,as vacinas, os traumatismos e atémesmo a poluição ambiental.

Portadores de defeitos cerebrais e de membros re-querem tratamento multidisciplinar de longo prazo,o que inclui atendimento neurológico, genético, fisio-terápico, oftalmológico, fonoterápico e ortopédico,além de muito estímulo e dedicação por parte dosfamiliares. Muitos são submetidos ainda a cirurgiascorretivas.

A medicina alternativa também oferece opções,como o tratamento denominado Bodybrushing, ouestimulação neuro-dérmica, que tem proporcionadosignificativa melhora na movimentação facial de por-tadores de Síndrome de Moebius, com reflexos posi-tivos para a fala, mastigação e deglutição, entre outrosbenefícios.

Desenvolvida pelo psicoterapeuta britânico SteveClarke, a técnica inovadora consiste na habilitação defunções motoras por meio de estimulação realizada compincéis em regiões corporais específicas (rosto, costas,tórax e mãos), daí o nome Body(corpo)brushing(estímulocom pincel).

A menina Emma Gratton, de Taunton, Somerset, naInglaterra, sorriu aos 4 anos graças à mobilidade facialobtida com o tratamento e tornou-se, em 1999, o exem-

Brasil é o segundo país com maior freqüência, estima fundação

plo mais notório dos resultados positivos capazes deserem alcançados com uma técnica que não envolves-se procedimento cirúrgico.

O brasileiro Flavio D�Angieri, 13 anos, é um dosaproximadamente 100 pacientes beneficiados pelotratamento no mundo. Filho da assistente social Fá-tima Segri e do médico-veterinário Atílio D�Angieri,de Jundiaí (SP), o menino vem adquirindo movimen-tação facial com os estímulos realizados diariamen-te pela mãe, conforme orientações de Clarke.

�A musculatura do rosto aos poucos ganha maiselasticidade e algumas �covinhas� já começam a sur-gir ao redor dos lábios�, constata a mãe. �Essas mu-danças nunca haviam ocorrido antes.�

Guilherme, 11 anos, de São Paulo (SP), já começa aexibir um sorriso parcial no lado direito do rosto commenos de dois anos de tratamento. �Ele também apre-sentou importante melhora na parte locomotora�, tes-temunha o pai Márcio Racy, entusiasmado com os pro-gressos proporcionados ao filho pelo Bodybrushing.

Tratamento com pincéis ajuda pacientes

O psicoterapeuta britânico Steve Clarke: reflexos positivos paraa fala, mastigação e deglutição, entre outros benefícios

A professora Ana Maria Sedrez GonzagaPiovesana, da FCM: droga respondeu por50% dos oito casos do distúrbio atendidosna Unicamp nos últimos cinco anos

Lançado no Brasil em 1984 paraprevenção e tratamento de úlceras

gástricas e duodenais, o Cytotec temcomo princípio ativo o misoprostol,

que promove contrações uterinas

Foto: Neldo Cantanti

Foto: Antoninho PerriFoto: Antoninho Perri

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