47 ronins - john allyn

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversosparceiros, com o objetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas eestudos acadmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fimexclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ouquaisquer uso comercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico epropriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que oconhecimento e a educao devem ser acessveis e livres a toda e qualquerpessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.link ou emqualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no maislutando por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a

    um novo nvel."

  • 47 RoninCopyright 2012 Charles E. Tuttle Publishing Company, Inc.

    Copyright 2014 by Novo Sculo Editora Ltda.All rights reserved.

    Coordenao Editorial Mateus Duque Erthal

    Editor-assistente Daniel LameiraTraduo Carolina Caires CoelhoPreparao Equipe Novo Sculo

    Diagramao Project NineMontagem de capa Project Nine

    Reviso Julieta Lamaro / Fernanda Guerreiro AntunesTexto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa

    (Decreto Legislativo n 54, de 1995)

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Allyn, John

    Os 47 ronins : a clssica histria de lealdade, coragem e vingana / John Allyn ; prefcio de Stephen Turnbull. --Barueri, SP : Novo Sculo Editora, 2013.

    Ttulo original: 47 Ronin.

    1. Fico norte-americana I. Turnbull, Stephen.e-ISBN: 978-85-428-0198-9

    II. Ttulo.

    13-10315 CDD-813ndice para catlogo sistemtico:

    1. Fico : Literatura norte-americana 813

    2014

    DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIO NOVO SCULO EDITORA LTDA.

    CEA Centro Empresarial Araguaia IIAlameda Araguaia 2190 11 Andar

    Bloco A Conjunto 1111CEP 06455-000 Alphaville Industrial, Barueri SP

    Tel. (11) 3699-7107

  • Entre as flores, as cerejeiras; entre os homens, os samurais. provrbio japons

  • A lenda dos 47 ronins tem um lugar nico na histria japonesa. No h nada comoela, e a descrio magistral feita por John Allyn passa aos leitores modernos grandeparte da comoo com a qual a populao de meados do sculo XVIII teria reagidoao que, para eles, foi o equivalente a uma sensao jornalstica dos dias de hoje.

    Porm, os leitores modernos tm mais em comum com aqueles homens emulheres do que a mera comoo, e muito disso se d porque acabamos sempreenxergando a histria por meio de lentes, enormes, que distorcem. Tais lentes sofornecidas em grande parte por uma pea de kabuki, o teatro japons, baseada nalenda dos ronins, chamada Kanadehon Chushingura, cujo ttulo costuma serabreviado para Chushingura (A Casa do Tesouro dos Servos Leais).

    A pea foi produzida pela primeira vez em Edo (atual Tquio) em 1748 e nunca,desde ento, saiu de cartaz. Trata-se de uma verso claramente fictcia da histria,envolvendo mudanas de nomes, datas e localizaes, sendo mundialmentereconhecida pelo que realmente : um drama clssico baseado em um relato fictciode um acontecimento histrico real; ainda assim, pode-se dizer que a impressogeral da natureza e das circunstncias encenadas em Chushingura encobriutotalmente a sbria realidade histrica.

    Em Chushingura, Kira Kozuke-no-suke Yoshihisa um verdadeiro vilo, umaatribuio essencial para que seu assassinato, ocorrido em circunstncias muitosuspeitas, pudesse ser transformado em um relato positivo sobre a virtude samurai.Lord Kira foi o mestre de cerimnia do xgum, responsvel por todos os detalhes daagenda de seu senhor, pelos protocolos da corte, pela organizao de audinciasoficiais e coisas assim. Na corte do xogunato, onde os ideais confucionistas dehierarquia, exemplo e ritual se encontravam, sendo importante o pressgio de bons emaus agouros, o protocolo e os rituais corretos eram absolutamente essenciais. Em1701, Kira Yoshihisa j havia servido a diversos xguns como um mestre cerimonialleal e totalmente confivel por cerca de quarenta anos. Era uma funo que exigiaateno, mincia e preciso. Um homem naquela posio, pode-se supor comsegurana, no tinha muita pacincia com erros e seu autocontrole foi levado ao

  • limite ao ter de instruir em etiqueta um jovem daimyo a quem o cerimonial da corteera muito menos interessante do que cortejar garotas, que parecia ignorante acercado aprendizado mais bsico e que, ainda, tinha uma renda onze vezes maior do queseu velho mestre ultrapassado.

    Aquele jovem daimyo, claro, era Asano Naganori, o heri em Chushingura. Naverdade, ele era um libertino mimado de 34 anos. Era descendente de grandesguerreiros, mas que agora se mostrava dissoluto e edonista, deixando seus domniosnas mos de outros. Na verso fictcia da histria dos 47 ronins, claro, aspersonalidades de Asano Naganori e Kira Yoshihisa no tm qualquer semelhanacom os detalhes descritos anteriormente. Aqui, a diferena de renda entre Asano eKira usada para justificar uma caricatura deste como um oficial ganancioso emesquinho, sempre disposto a tirar dinheiro do jovem e abastado daimyo.

    O fato de que as recompensas adicionais que podiam chegar a Kira ao longo desuas negociaes com Asano pudessem surgir da entrega cerimonial de presentes um fato utilizado para agravar sua suposta traio. A antiga tradio japonesa de darpresentes convenientemente esquecida. Suborno, corrupo e trapaas se tornama regra, at a pacincia do jovem e nobre lorde acabar e a figura miservel de KiraYoshihisa receber o que lhe devido.

    Contudo, suposies como estas, indicando que Kira teria se irritado com ohomem mais jovem e feito comentrios depreciativos sobre ele ou, ento, humilhadoo daimyo mais do que ele poderia aguentar, nada mais so que isto: suposies,alimentadas pela especulao de um lado e pelo teatro do outro. Uma teoriaalternativa afirma que Asano teria deixado de dar a Kira um presente de grandeimportncia, que deveria ter ofertado em troca de treinamento a respeito dos modosda corte. Assim, Kira teria rido e sido irnico com ele, pela falta de boa criao,porm, ainda assim, no h provas desta verso.

    A verdade que no existe nenhum registro, nem mesmo cartas pessoais, quepossam trazer qualquer luz a respeito da natureza da queixa perpretada por Asano eque o levou a seu impasse; e o motivo simples pelo qual nunca saberemos o querealmente aconteceu est no fato de Asano no ter tido sequer a chance de sedefender frente a um tribunal, nem mesmo de apresentar s autoridades que seapressaram em conden-lo. Os registros do palcio revelam a incrvel velocidadedos acontecimentos. Asano atacou Kira em algum momento antes do meio-dia; aordem de priso foi emitida s 13 h; a de execuo foi entregue s 16 h e Asanocometeu o seppuku (suicdio ritual) s 18 h.

    Para aqueles que se tornariam ronins sem mestre, o Lorde Asano, morto,claramente foi vtima e Kira era, definitivamente, o vilo. No entanto, ainda que umoficial de corte de 60 anos possa, sim, ter empunhado a espada para lutar com umoponente mais vigoroso, Kira Yoshihisa foi, sem dvida, a verdadeira vtima de umataque, ao qual ele reagiu com prudncia.

    Na verdade, Kira foi elogiado por sua boa conduta, o que provavelmente

  • aborreceu os servos de Ako ainda mais. Os defensores de Asano tambm disseramque, por no revidar, Kira mostrou no ser um verdadeiro samurai e, assim, seria eleo merecedor de um castigo; um argumento que poderia ser equiparado ideia deque Asano tampouco teria sido um verdadeiro samurai, j que tambm noconseguiu matar Kira, sem falar que atacou um de seus homens pelas costas!

    Conforme os meses passaram, uma grande discusso prosseguiu, comsobriedade, a respeito do futuro da propriedade Ako e de seus servos. Apossibilidade de que o domnio pudesse ser restaurado a Asano Nagashiro (herdeirode Naganori), ento preso, tinha sido a corda qual os ronins haviam se agarradodepois de um suicdio em massa e de um cerco ao Castelo Ako terem sidodescartados. Quando toda a esperana se desfez, o futuro sombrio deles deve tersido um fator importante nas deliberaes daqueles 47 homens, uma vez que,quando tudo deu errado, o nico caminho parecia tomar o rumo honrvel da vinganasamurai.

    Quanto justificativa para a vingana assassina, apesar de os detalhes do casode Asano Naganori com Kira no serem conhecidos, a posio que os 47 roninsassumiriam seria de que, mesmo desconhecendo-se a natureza do julgamento, ofato de Asano ter sido submetido a medidas to desesperadas provava que deveriahaver uma questo muito sria envolvida. Estaria, assim, justificada a ao dosronins.

    A conspirao logo comeou, e uma das primeiras concluses tiradas pelos roninsfoi que sigilo era essencial, caso quisessem ter sucesso contra Kira, porque eleestava esperando retaliaes e tinha o apoio de seus compatriotas da famliaUesugi, que viviam por perto. Os 47 tambm previram (sem dvida, de modocorreto) que a permisso para sua vingana nunca seria dada, se tivessem seguidopelas vias corretas.

    Outra questo relacionada lei apresentava um problema ainda mais srio: osronins desejavam vingar a morte de seu senhor, no de um parente, e a morte domestre de uma pessoa no estava prevista nas provises legais. Os 47 roninstinham conscincia disso e tentavam justificar suas atitudes apelando tradioantiga, e no s leis vigentes em sua poca. Ento, sua conduta subsequentesignificava que eles estavam agindo como foras da lei em dois aspectos, e haviamais um. Atualmente, costume se referir ao ataque dos 47 ronins como algo deacordo com a atitude clssica de vingana a vendeta suprema do Japo Antigo,mas isso revela outra complicao, porque reagir ao chamado Incidente de Ako,matando Kira, levou a prpria definio de vingana ao limite. Katakiuchi literalmente cortar um inimigo, e quer dizer que algum prximo vtima teria odireito de se vingar do assassino. Contudo, no Corredor de Pinheiros, Kira no haviasido o atacante. Asano, sim. Ele pode ter afirmado ser a vtima de uma queixa, mas,ainda que ningum soubesse ao certo que queixa era aquela, todos sabiam qualdeles havia sido a vtima do ataque.

  • Houve uma ltima complicao. A morte de Asano havia ocorrido to depressa queKira no poderia ter participado da deciso de ordenar sua execuo, o que, dequalquer modo, foi realizado de acordo com a lei e em conformidade com casosprecedentes. Ento, se uma vingana tinha de ser realizada contra algum,certamente, o alvo dos 47 ronins deveria ter sido o prprio xgum. Como isso eraimpensvel e impossvel, o ataque se tornara menos uma vingana e mais umatentativa, por parte dos servos sobreviventes de Asano, de segui-lo em sua reao queixa desconhecida. Dito de modo simples, o senhor deles no havia conseguidomatar Kira, e eles acabariam o trabalho em sua memria.

    Assim, teve incio o perodo de contato secreto pelos agora dispersos ronins.Todas as lendas e histrias nos mostram que eles esperaram at que Kira baixassea guarda, vivendo de modo a sugerir que eles haviam abandonado qualquer ideia devingana ou de um dia se tornarem samurais respeitveis de novo. Ento, o famosoataque ocorreu, e John Allyn o conta bem, mas preciso se lembrar de que,enquanto tentavam alcanar um objetivo supostamente respeitvel, os 47 roninsassassinaram 17 samurais de Lorde Kira, os quais morreram brava e inocentementeem sua defesa. uma estatstica que costuma ser esquecida devido ao ataque.Dezoito homens foram mortos por eles, no apenas um.

    Logo depois de a neve suja de sangue ser lavada da manso, estudiosos dapoca se apressaram e incluram suas prprias interpretaes dos fatos. Taiscomentrios estavam longe de ser totalmente positivos, porque acusaes decovardia foram feitas contra os 47 ronins desde o comeo. Por que eles no haviamdesafiado Kira a uma luta justa, ou at mesmo tentado derrot-lo abertamente? Setivessem escolhido este ltimo caminho, certamente teriam se matado em seguida,sem chance de perdo, mas isso teria sido visto por muitos como uma atitude nobre.Ao contrrio, realizaram um ataque traioeiro e covarde, no qual dezessete inocentesperderam a vida desnecessariamente. Assim, no passavam de um grupo deassassinos. Geraes mais antigas, claro, assumiram uma viso diferente epassaram a idolatrar os 47 ronins, de modo que, em 1900, mais de cinquentadramas de qualidades diversas tinham sido produzidos, e quarenta filmes sobre oassunto foram lanados desde 1910.

    Tudo poderia ter sido muito diferente, e possvel que agora estivssemos lendouma histria de coragem samurai de Lorde Kira, que morreu depois de um ataquenoturno covarde. Mas esse mestre da etiqueta poderia ser descrito como umprotagonista trgico? Kira Yoshihisa manteve-se passivo durante o ataqueinesperado de Asano e, durante a invaso, revelou-se apenas depois de quase todosos seus defensores terem sido assassinados. No houve sinal de cavalheirismo aqui,e certamente nenhuma pea kabuki celebraria seus feitos: o povo da espalhafatosaEdo, no Japo, buscava o herosmo de eras passadas. Kira Yoshihisa representavao mundo organizado, desapaixonado, burocrtico e entediante do corpoadministrativo do xgum, no a provncia movida a adrenalina dos espadachinssamurais. Para viver naquele mundo, o pblico tinha de ignorar a fraude e o

  • assassinato a sangue frio. Ao disseminar o mito dos 47 ronins, eles os ignoraram.Ento, aproveite esta histria emocionante, um conto que costuma ser apontado

    como o exemplo clssico da chamada vingana tradicional japonesa, lembrando que,na realidade, no foi nada assim, que sua ilegalidade e a motivao questionvel atornaram uma anomalia entre outras mortes por vingana que ocorreram durante operodo Edo. No aspecto militar, os ronins atingiram seu objetivo: colocar a cabeadecapitada de Kira Yoshihisa diante do tmulo de Asano Naganori.

    A vendeta de fato ocorreu. Porm, no para vingar a morte de um lorde, e simpara responder ofensa desconhecida de Kira, que Asano havia sofrido e noconseguira rebater. Os dois golpes fracassados de Asano no Corredor de Pinheirosprecederam um dilvio de acontecimentos que mudariam as coisas para sempre.Lorde Kira e seus homens foram mandados para covas quase desconhecidas; os 47ronins foram alados glria.

    Stephen TurnbullUniversity of Leeds

  • O Japo era um pas em conflito no comeo do sculo XVIII. Esta era uma pocade pompa e corrupo na corte do xgum em Edo (atual Tquio) e de esplendor nosbairros do prazer da Kyoto antiga, afastada do mundo de restries sociais. Asartes floresciam; o teatro popular nasceu. Como a classe comerciante estavaganhando poder, tambm foi o comeo do fim do privilgio dos guerreirosprofissionais, ou samurais, que sentiram a perda de modo intenso, ainda maisporque se opunham aos negcios baseados em acmulo de capital e transaescomerciais.

    No meio de tamanha mudana, as erupes de violncia eram conhecidas.Aconteciam, principalmente, na forma de disputas por arroz entre os camponeses,obrigados a pagar caros impostos ao xgum, o lder militar de todo o Japo. O fatode no ocorrerem com mais frequncia entre os samurais era uma prova dameticulosidade de seu treinamento, incluindo uma autodisciplina respeitvel.

    Mas at mesmo um samurai podia ser levado alm de seus limites. Principalmenteum jovem lorde, forado a entrar em contato com os afetados e degenerados modosda corte.

    Aconteceu em 1701, em Edo. Em um momento de raiva e frustrao, Lorde Asanode Ako atacou um oficial corrupto da corte e deu incio a uma srie deacontecimentos que acabaram em uma das vendetas mais sangrentas da histria doJapo feudal. Tais fatos chocaram o pas e levaram o prprio xgum a um impasselegal e moral. Quando tudo terminou, o Japo j tinha um novo conjunto de heris: os47 ronins, ou ex-samurais, de Ako.

    Os fatos histricos de seus atos so claros; os detalhes, nebulosos. Celebradasem canes, histrias, dramas e filmes, diversas verses muito variadas foramproduzidas. Este romance tem a inteno de trazer nova luz ao que pode ter ocorridonaqueles dias em que o Japo permanecia separado do resto do mundo e as antigastradies ainda guiavam as vidas dos homens.

    John Allyn

  • 13 de maro de 1701. O sol cumpriu sua rota sobre o Pacfico em direo ao crepsculo, e as guas se

    avermelhavam ao redor das ilhas do Japo. A sudoeste, em um caminho prximo aomar Interior, um homem alto, montado em um garanho desleixado, protegia osolhos da luz enquanto cavalgava pelos pinheiros, com os lbios apertados.

    Seu nome era Oishi; era servo do cl Asano, os governantes daquele domniomontanhoso. Voltava ao castelo em Ako, depois de um dia inteiro de cavalgada pelapropriedade com a filhinha de seu mestre a seu lado, montada em um pnei de crinaemaranhada.

    Os dois formavam uma dupla estranha. Oishi era um homem belo de quarenta epoucos anos, de testa ampla, rosto quadrado e um ar de autoridade contida. Seucoque, a cala hakama de pregas e suas espadas o identificavam como um samurai,um membro da classe guerreira. A criana era pequena e vivaz, alegre como umaborboleta de kimono e obi. Mas, apesar das diferenas, os dois se sentiam vontade juntos. A menina estava livre da disciplina rgida imposta por seus pais; Oishisentia-se mais relaxado com uma criana, principalmente com o filho ou a filha deoutra pessoa, e deixava de lado sua postura de oficial e at brincava um pouco.

    Naquele momento, enquanto os cavalos descuidados trotavam de volta casa, osdois conversavam menos do que o normal. Oishi estava chocado com o que vira nacidade, e a menininha respeitou seu silncio.

    Durante toda a vida, Oishi ouvira que o budista contra a violncia e a crueldade,mas, na prtica, eles sempre usavam o bom senso. s vezes, era preciso matarpara se defender de um inimigo ou, no caso dos animais, para comer. Pessoalmente,

  • ele sempre desaprovara a crueldade em torneios nos quais ces eram mortos porlanas ou flechas e no se opunha abolio de tal prtica. Mas as novas Leis dePreservao da Vida do xgum iam um pouco longe demais. Os animais, agora,aparentemente eram mais privilegiados do que os seres humanos, e essa maneiradescabida de pensar levara o pas todo beira do caos econmico.

    Na cidade, Oishi vira camponeses em dificuldade financeira implorando empregosporque no podiam extinguir as pestes que destruam suas plantaes. Raposas,texugos, pssaros e insetos vagavam livres pelos campos enquanto aqueles quehaviam plantado as sementes permaneciam parados e impotentes.

    Oishi sabia que aves domsticas estavam sendo vendidas secretamente nosfundos de estabelecimentos antes respeitveis, mas, de modo geral, eram poucasas violaes da lei. Alm de o sistema administrativo do governo do xgum serextremamente eficiente na caa aos infratores, a pena para quem prejudicassequalquer ser vivo era severa. Por tirar a vida de um animal, a punio era a execuodo prprio criminoso.

    Havia outras pessoas que se encontravam em situao to precria quanto a doscamponeses. As profisses de caador, armador e curtidor haviam se tornadoobsoletas, e esses homens tambm tomavam as cidades, procurando meios desustentar a famlia. Para seu desespero, viam que os empregos eram escassos e ospreos dos alimentos, altos, fora do alcance de pessoas comuns por conta do baixosuprimento de produtos agrcolas. A nica mercadoria aparentemente disponvel aum preo baixo era uma moa com quem dormir, devido ao nmero crescente defilhas de camponeses que haviam sido vendidas para trabalhar em bordis de modoa ajudar suas famlias naquele perodo difcil.

    Como sempre, Oishi procurara se manter distante dos chamados quarteires doprazer enquanto passeava pela cidade com a filha de Lorde Asano, mas, agora, ascasas de prostituio aumentavam to depressa que se espalhavam pela estradaprincipal e tornavam-se impossveis de se evitar. Chocante era a palavra que melhordescrevia aquela situao, e ele certamente contaria o fato a seu mestre quandoretornasse.

    Sua classe ainda no havia sentido o baque econmico, j que os samurais erampagos com fundos obtidos com a venda do arroz plantado nos feudos dos lordes apreos cada vez mais altos, mas a vida deles havia sido afetada pelo decreto doxgum de outras maneiras.

    No havia mais prtica de arco e flecha nem competies, porque eles nopodiam arrancar penas de ganso para fazer as flechas. No havia mais falcoaria,porque todas as aves tinham sido soltas e at o mestre dos falces do xgum haviasido dispensado. A equitao tornava-se uma arte perdida porque os cascos doscavalos no podiam ser descascados nem suas crinas podiam ser cortadas, sob orisco de expulso. Mas,o pior de tudo, na opinio de Oishi, era a lassido moral quese espalhava da regio do xgum at as provncias.

  • Como filho de samurai, Oishi passara a infncia estudando a tica de Confciocomo parte do treinamento necessrio de um soldado, que deve aprender lealdade etambm coragem no campo de batalha. Por isso, ele ficou abismado quando soubeque as danas e as interpretaes que invadiam a capital do xgum Tsunayoshi emEdo (Tquio) estavam comeando a causar um efeito suavizante nos samurais aliestabelecidos. Ouvira, at mesmo, boatos de que samurais tinham sido flagrados emteatros kabuki de Kyoto, a cidade do prazer, e tambm em templos, mas ele noconseguia acreditar nisso.

    Tais histrias estavam sendo espalhadas havia algum tempo, mas Oishi s tomaraconhecimento da gravidade da situao naquele dia, na cidade. Comeou a comporem sua mente o relatrio que escreveria para Lorde Asano, e, ao pensar em seusenhor, virou-se na direo da menininha a seu lado. Ela sorriu para ele, mas, emseguida, sua expresso tornou-se mais sria. Ela tambm havia notado umamudana no campo.

    Tio, por que todas as propriedades parecem to desordenadas? perguntouela. Nenhuma delas tem boa aparncia. No acha que deve falar a meu pai que oscamponeses no esto trabalhando direito?

    Oishi riu bastante e ela teve a certeza, antes de ele falar, de que as coisas noestavam to ruins quanto pareciam.

    No vamos culpar os camponeses at ouvirmos a verso deles tambm, no ? Mas que justificativa eles poderiam ter para deixarem seus campos chegarem a

    esse estado? No porque eles querem negligenci-los, filhinha. Eles esto proibidos de

    matar os animais, proibio imposta pelas Leis de Preservao da Vida que estoacabando com nossa terra.

    Mas por que estamos proibidos de matar os animais? Principalmente aquelesque nos incomodam tanto?

    Porque o xgum disse que errado tirar a vida de um animal e porque somosleais a nosso mestre, seu pai, e no pensaramos em desonr-lo desobedecendo asordens de seu senhor, o xgum.

    Mas por que ele criou essa lei to severa?Oishi suspirou. Por mais que a lei incomodasse, ele conseguia compreender os

    motivos de Tsunayoshi para promulg-la. Porque, mais do que qualquer coisa no mundo, seu pai quer um filho. Um filho

    meigo e bonito, como voc. Ele perdeu um, voc sabe... Era um menino de quatroanos, que morreu. E seu sacerdote disse a ele que, para ter outro filho, ele precisareparar alguns pecados cometidos em uma vida anterior, na qual provavelmente, demodo gratuito, destruiu algum ser vivo. Voc percebeu que no usamos mais cesem nossas competies. Isto se deve ao fato de nosso xgum ter nascido no Ano doCo, e matar um cachorro , agora, punvel com a morte.

  • Ainda que um cachorro nos ataque?Oishi pensou por um momento. Nesse caso, pode no haver problema, mas seria melhor ter testemunhas para

    confirmar que o co foi o primeiro a atacar.Oishi sorriu para ela e a menininha retribuiu, mas sem saber ao certo se ele estava

    brincando ou no. Ela decidiu que perguntaria a seu pai sobre isso quando elevoltasse de Edo.

    Com um grito, ela bateu os pezinhos nas ancas do cavalo e comeou a galopar. Vamos competir para ver quem chega primeiro em casa ela gritou, j dez

    metros adiante, com os longos cabelos ao vento.Oishi emitiu o grito feroz do guerreiro em ataque e galopou atrs dela. Ele

    manteve a distncia entre eles e, juntos, os dois atravessaram a estrada longa echegaram ao monte final. No topo, viram o castelo, bem abaixo no meio de umaampla plancie, estrategicamente localizado de modo que os invasores nopudessem se aproximar sem serem vistos. Era sempre uma viso espetacular comas altas paredes de pedra e torres com peas brancas, mas, naquele momento,nenhum deles parou para apreciar a vista. O sol que se punha lanava longassombras atrs deles enquanto desciam o monte em direo ao porto. Oishi pensouque, quando o mesmo sol nascesse de novo, na manh seguinte, seria o comeo doltimo dia de Lorde Asano em Edo. Ele desejava que tudo estivesse dando certo nascerimnias na capital do xgum, onde a etiqueta era to desconhecida e exigente.

    Lorde Asano no era muito paciente e quanto menos tivesse de participar, melhor.De qualquer modo, em breve ele tomaria conhecimento da histria toda. Quando amenininha atravessou o porto, bem frente dele, como sempre, e ele recebeu oscumprimentos dos sentinelas, o pensamento voltou: o dia seguinte seria o ltimo dia.

  • A manh comeou fria em Edo, capital do Japo. O dia seria escuro, sem sol. Ovento frio que soprava das montanhas altas e cobertas de neve balanava osportes das casas de fazenda ao redor da cidade, levantando uma capa de poeirana estrada a partir do sudeste, na entrada do local.

    No caminho, carregava o fedor de excremento humano dos campos de arroz, oodor de fumaa, parecido com incenso, dos fogos das cozinhas das esposas queacordavam cedo e, por fim, o sal do mar, das guas da Baa de Edo.

    Na altura do solo, o vento perdia fora nas ruas estreitas que serpenteavam porum labirinto de estruturas fracas de madeiras, lar e local de trabalho de quase 700mil mercadores e artesos. Acima do telhado, continuava a soprar forte na direodas ladeiras no centro da cidade, descia pelo fosso de rochas e se tornavaespordico entre as torres de vigia e palcios do Castelo de Edo, onde o xgumTsunayoshi, o imperador supremo da regio, mantinha sua corte.

    Enquanto percorria forte e invisvel, o vento tambm adquiria um som.Atravessando um cemitrio e propriedades de execuo pblica, assustou um vira-lata, que comeou a uivar, o que, por sua vez, atiou os outros a seu redor at que,em pouco tempo, o ambiente foi tomado pelos uivos irritados de mil ces de rua. Osom aumentou e tornou-se mais ameaador enquanto passava por bandos demendigos e pelas manses da nobreza, e entrava nos ouvidos adormecidos dospobres e dos ricos...

    Lorde Asano, daimyo da provncia de Ako, que mantinha aparncia de garotoainda aos 35 anos, cavalgava com seu servo Oishi por uma paisagem nebulosa, procura de um porco selvagem perigoso que ameaava os camponeses. Enquantoavanavam pela nvoa cada vez mais densa, um murmrio assustador comeou asoar nos ouvidos de Lorde Asano, e seu cavalo reagiu com nervosismo. Atrs dele,

  • Oishi parou com prudncia, mas Lorde Asano impacientemente seguiu adiante edesapareceu de vista.

    Meu Lorde Asano! Oishi chamou com repentina ansiedade. Volte, volte!Mas a teimosia de Lorde Asano no permitiu que ele voltasse, e ele seguiu pelo

    vcuo pesado da nvoa at que o som desconhecido se tornou um guincho e, ento,um uivo ensurdecedor. Sentiu uma pontada de medo ao ser envolvido pelo som eperder todo o senso de direo. Em meio claridade forte da neblina, perdeu aviso e o equilbrio e comeou a cair. Os uivos se tornaram mais altos, e ele sabiaque precisava lutar por sua vida para escapar dos demnios que esperavam paradevor-lo. Gritou, pedindo ajuda, e naquele momento acordou em seu vilarejo, pertodo castelo do xgum, ao som dos uivos dos ces de Edo, que j desaparecia aovento que o havia trazido.

    Marido! sua esposa gritou ao se levantar e ao v-lo tirando, com dificuldade, aespada da bainha a seu lado. O que houve?

    J totalmente desperto, Lorde Asano balanou a cabea e soltou a espada. Os ces ele murmurou. Os malditos ces. Volte a dormir disse ela, abrindo um sorriso calmo no belo rosto arredondado.

    Voc j deveria ter se acostumado com eles. Nunca me acostumarei com eles nem com qualquer coisa neste lugar horroroso. S mais um dia pediu ela. Ento, voltaremos para a nossa casa em Ako e

    para a nossa filha. S mais um dia ele repetiu, com um tom de voz que era, ao mesmo tempo,

    lastimvel e esperanoso. Mais um maldito dia.Asano tentou voltar a dormir, mas seu corao ainda batia forte por causa do

    pesadelo, e seus olhos no se fechavam. Observou, sem parar, a luz da manhescorregar pelas cortinas da janela e tomar os tatames de sua cama no cho.Suspirou e rolou para fora dos panos grossos, ficou de p e estremeceu por ummomento em suas roupas ntimas, e ento vestiu um roupo acolchoado antes deabrir a porta de correr que dava para o corredor frio.

    Caminhou com passos largos sobre a madeira lisa, escura e desgastada pelapassagem de inmeros ps com meias. A um lado do corredor, havia pilares decedro aromtico separados por shojis pintados; do outro lado, portas finas que osprotegiam do jardim externo, e Lorde Asano estremeceu de frio enquanto elasrangiam sob a ao do vento, imaginando ter ouvido, mais uma vez, os ces de seussonhos.

    Asano abriu as portas de correr da cozinha e entrou. Era um cmodo grande, comripas de madeira, e uma lareira central com borda de argila no cho. Ali, doissamurais de seu squito, com os cabelos em coques, estavam sentados e seaqueciam, e, quando ele se aproximou e murmurou um cumprimento, ambos se

  • ajoelharam e fizeram uma reverncia.Kataoka, o mais jovem dos dois, magro, com a cara de um macaco brincalho,

    comeou a trocar amenidades com seu mestre, mas mudou de ideia quando viu seurosto. Lorde Asano era tenso por natureza, mas, naquela manh, parecia mais tensodo que o normal, e Kataoka sabia quando devia se calar. O outro homem, umguerreiro de aparncia determinada, na faixa dos cinquenta anos, chamado Hara,tinha aparncia sonolenta e no era muito perceptivo; apenas imitou Kataoka ao sesentar de pernas cruzadas perto da fogueira quando o mestre se acomodou.

    Voc no precisaria ter acordado to cedo disse Lorde Asano a Hara. Kataoka a nica companhia de que precisarei hoje, e ele acabar s esperando dolado de fora, observando as torres do castelo e sonhando com sua casa.

    Hara grunhiu e seus olhos brilhantes apareceram brevemente, e ento, mais umavez, suas plpebras sonolentas caram. Em seguida, ergueu a tigela de arroz at orosto e comeu. Kataoka inclinou a cabea e abriu seu sorriso de mico, animado pelahonra de ser a nica companhia em uma ocasio to auspiciosa, e ento tossiuquando a fumaa da lareira soprou em seu rosto. Lorde Asano pegou a chaleira queestava pendurada sobre o fogo, mas a fumaa fez seus olhos arderem e ele disseum palavro ao pendur-la de volta no gancho.

    Mimura! ele chamou, e um movimento repentino na despensa indicava queMimura havia ouvido.

    O empregado, um rapaz alto, esquisito e jovem entrou com pressa e fez umareverncia a seu mestre. Quando ergueu os olhos, viu que a fumaa no estavaespalhada por todo o lugar, exceto em direo abertura no teto feita para ela, erapidamente levou a mo fenda para tirar os gravetos verdes que estavamcausando o problema.

    Quem colocou esses gravetos a? perguntou Lorde Asano. Voc sabe comoas coisas so, Mimura. No pode ajudar a fazer com que este dia triste melhore?

    Mimura pediu desculpas com vrias frases educadas e cochichou a respeito daidiotice do novo menino da lareira. Ento, o rapaz atravessou at a despensa e ochamou.

    Houve um atraso sem explicao, e ele chamou de novo. Dessa vez, a respostaque recebeu foi o aparecimento do menino da fogueira, que colocou a cabea parafora da porta, com seus cabelos escuros desgrenhados sobre o rosto imprudente.Mimura o repreendeu pela falta de cuidado, mas se ele esperava um pedido dedesculpas, ficou desapontado. O garoto, com uma voz alta e estridente, disse aMimura que, se ele era to metdico, poderia fazer a fogueira sozinho e rapidamentese afastou, batendo a porta ao entrar.

    Os homens ao lado da fogueira ficaram chocados com tal demonstrao, e Haraficou to irritado que se ps de p e empunhou a longa espada.

    O que ele pretende falando com um de nossos servos dessa maneira?

  • perguntou Hara, ao comear a caminhar em direo porta da despensa. No, espere disse Lorde Asano com sua voz autoritria. Ele s um menino.

    Alm disso, voc ter problemas se machuc-lo. As leis so diferentes aqui; nopodemos nos comportar como nos comportaramos em casa.

    Mas insultar um empregado insultar seu senhor, tambm Hara insistiu. Eudeveria, pelo menos, cortar a lngua dele, j que no posso cortar sua cabea.

    Sente-se... Sente-se e beba seu ch. Voc precisa se acostumar com as coisasde Edo. Aqui, o ir e vir dos daimyos das provncias so to comuns que nooferecem perigo nem mesmo a um menino de fogueira.

    Hara, ainda murmurando, deixou a espada de lado e se sentou. Ele observou comcuidado enquanto Mimura abria a porta da despensa e entrava. Em pouco tempo,ouviram-se sons de um tapa e de um grito de dor, e Hara sorriu quando Kataoka riualto.

    Isso vai bastar para o macaquinho ele gritou, abrindo o sorriso mais travessodo mundo. Os outros riram e Kataoka ficou feliz por ter ajudado seu mestre a seesquecer dos problemas, ainda que temporariamente.

    Gostaria que fosse assim fcil lidar com todos os moradores de Edo disseLorde Asano, enquanto suspirava e se servia de um pouco de arroz. Mas receioque no seja o caso. Principalmente com aqueles que tm um pouco de autoridade.

    Os dois samurais se entreolharam. Sabiam o que seu mestre estava dizendo. Esses emplumados homens da corte precisam perder a cabea resmungou

    Hara, e Kataoka assentiu. Eles falam e se vestem como mulheres e so igualmente problemticos. Bem, tudo terminar depois de hoje disse Lorde Asano. Depois, podemos ir

    para Ako e nos esquecer deste lugar. Pense como as coisas deviam ser nopassado, quando daimyos como meu pai tinham que ficar aqui durante metade doano, todos os anos.

    Os outros concordaram que o acordo atual era melhor do que isso, e terminaramde comer o arroz. Hara olhou com pesar para o fundo de sua tigela e Lorde Asanosoube o que ele estava pensando.

    Pelo menos, antigamente, tnhamos um pouco de carne e peixe para comer como arroz, no , Hara? Bem, talvez voltemos a ter um dia, se as Leis de Preservaoda Vida do xgum forem rescindidas. Elas podem beneficiar os animais, mas nofazem muito bem a ns, seres humanos. Ele pousou a tigela e suspirou de novo. A maioria das leis aqui parece ter sido feita apenas para nos atormentar. E as regrasde etiqueta da corte vo alm do que consigo entender. Se ao menos eu no tivesseque depender de instrues de algum como Kira!

    Ele cuspiu o nome como se fosse uma maldio e, mais uma vez, Hara e Kataokase entreolharam de modo preocupado. Eles sabiam que ele no se estenderia no

  • assunto, no se esperava que Asano falasse sobre seus problemas pessoais comeles, mas, pelo que tinham ouvido, sabiam que Kira, o Mestre de Cerimnias, estavatornando sua vida miservel. E eles tambm sabiam que no podiam fazer nada emrelao a isso.

    O nome de Kira ficou na mente de Lorde Asano como um osso engasgado nagarganta. Ele nunca tinha gostado de visitar a capital, mas jamais havia visto umperodo to triste antes. Contudo, dessa vez, ele era um participante ativo, ainda queinvoluntariamente, das cerimnias oficiais, e no um mero espectador. Assim, tevede ficar em contato ainda mais prximo com os subalternos do xgum. Kira no eranem da classe do daimyo, no tinha um fief e no regia nada. Mas o fato de ter sidomandado a Kyoto alguns anos antes para estudar o procedimento cerimonial dacorte do Imperador deu a ele prestgio e poder. Desde ento, vinha se aproveitandodisso, cobrando propina daqueles que eram obrigados a depender de sua tutela.

    Lorde Asano havia escrito uma carta a seu empregado Oishi a respeito de Kira, nanoite anterior. Apesar de Oishi ser um pouco mais velho, tinha menos experincia nosassuntos da corte em Edo do que seu mestre, e Lorde Asano podia expressar seussentimentos a respeito de Kira com a desculpa de oferecer conselhos sobre comose comportar na capital. Escrevera ele:

    Kira o homem com quem preciso ter cuidado. Ele gosta da confiana do xgum e parece ser umempregado leal, mas, na verdade, um coletor de propinas inescrupuloso e usa seu ofcio apenas deacordo com seus prprios interesses. Aparentemente, no existe maneira de lidar com esses homensalm de entrar no jogo, mas isso eu me recuso a fazer. Consequentemente, Kira est me dando trabalho,mesmo com apenas mais um dia pela frente. Independentemente do que acontecer, no entanto, nopagarei a Kira por seus servios, que devem ser pagos pela corte. Esta pode ser uma atitude teimosa,mas, at onde eu sei, a nica honrosa para um samurai. No espero que, sozinho, eu possa mudaralgo a respeito da onda de decadncia que parece ter tomado a corte, mas pretendo manter a cabeafora da gua enquanto ainda tiver flego.

    Asano tentou imaginar se Oishi compreenderia. Em Ako, no havia nada acomparar com a corte do xgum, e ele mesmo no teria acreditado que tamanhacorrupo existia se no a tivesse visto com seus prprios olhos. Ainda assim, Oishipensava como um verdadeiro samurai e poderia valorizar seus sentimentos.Duvidava que suas palavras fossem consideradas conselhos prticos, mas, pelomenos, era bom tirar o peso de suas costas.

    Lorde Asano terminou de comer e se levantou com um suspiro. Hora de vestir minha roupa de palhao disse ele a Kataoka, e juntos saram

    da sala, enquanto Hara permanecia irritado com as foras que estavam perturbandoseu mestre.

    ***

  • No castelo, Kira tambm se levantou cedo. Como Mestre de Cerimnias paratodas as funes da corte, ele era obrigado a se colocar impecvel no que diziarespeito vestimenta e tambm ao comportamento, e esforava-se para manteraltos padres. As roupas oferecidas a ele tinham estilo parecido quelas que odaimyo visitante e os oficiais da corte vestiriam, mas o esquema de cores que haviaescolhido, de preto com um enorme braso branco em cada manga, dava-lhe umaaparncia mais forte do que qualquer um deles.

    Apesar de estar na meia-idade, Kira fingia ser mais velho porque acreditava queisso aumentava sua dignidade. exceo de apenas duas rugas fortes em seucenho, no entanto, seu rosto estava livre de marcas da idade, e seu corpo pesadoera firme e gil. Os dentes, de acordo com a ltima tendncia, eram escurecidos, demodo que, quando ele abria a boca para falar, seus ouvintes viam apenas um buracoescuro.

    Estranhamente, para algum com um poder to elevado, ainda que temporrio,sobre o daimyo da terra, Kira se preocupava com o comportamento de um deles.Lorde Asano era da escola antiga dos samurais e no parecia perceber que, naquelaera moderna, as propinas nos bolsos certos fariam a ele mais bem do que asafirmaes sem sentido de lealdade ao xgum. E, por esse motivo, ele representavauma ameaa ao modo de vida de Kira. Durante trs dias, Kira havia tentado, comelogios, insinuaes e, finalmente, com insultos, passar a ideia a Lorde Asano deque era adequado conceder prmios em dinheiro ao Mestre de Cerimnias da cortepor seus prstimos. Mas Lorde Asano continuara a ignor-lo, e o medo de Kira eraque ele sasse impune com esse ato de ingratido, o que poderia estabelecer umprecedente ruim. O soldo de Kira como oficial da corte no era grande, e ele notinha desejo nenhum de perder ainda mais benefcios devido teimosia de LordeAsano.

    De certo modo, devia haver uma maneira de chegar quele homem. Ele nuncahavia deixado de alcanar o que queria daqueles tolos jovens nobres no passado, eestava determinado a, desta vez, obter o mesmo resultado.

    Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de um empregado ofeganteanunciando que o xgum Tsunayoshi queria v-lo imediatamente. Ele se apressoupara vestir suas roupas, amaldioando porque no conseguia terminar de se vestirda maneira tranquila que havia planejado. Ento, precipitou-se porta afora, cruzandoo palcio para a parte de dentro, imaginando, o tempo todo, o que poderia estarincomodando o xgum logo cedo.

    No 21o ano de seu reinado, Tsunayoshi tinha todos os motivos para se sentirsatisfeito. Durante dcadas, no houve revoltas contra seu governo, principalmenteporque seus antecessores tinham tomado o cuidado de unir o pas, primeiramentepela conquista e, ento, colocando parentes de sangue como fiefs em locaisestratgicos. Seus antecessores tambm haviam feito o favor de expulsar todos osestrangeiros, exceto um pequeno grupo de mercadores holandeses em uma ilha no

  • extremo sul do pas. A influncia crist havia permanecido por algum tempo, mesmodepois da expulso, mas, sessenta anos antes, em Shimabara, um massacre emlarga escala havia deixado o pas livre dessa pequena perturbao.

    Agora, depois de anos de paz, as cidades estavam crescendo, os mercadores,prosperando, e as artes, ganhando fora. Era verdade que o preo do arroz estavaaumentando, devido ao pouco fornecimento feito pelos camponeses, que pareciamestranhamente incapazes de obter o mximo de sua terra; entretanto, de modogeral, Tsunayoshi libertou-se de qualquer problema de presso do Estado. Mas issono quer dizer que no tivesse nenhum problema.

    Quando Kira entrou, bufando mais forte do que o necessrio, viu que Tsunayoshiestava realmente em um estado muito ansioso. O Mestre de Cerimnias fez umareverncia to acentuada quanto suas vestes permitiram e, ento, olhou para ohomem alto e magro na casa dos cinquenta anos que caminhava de modoameaador pela sala de audincias.

    A preocupao de Tsunayoshi, aparentemente, no era com nenhuma questourgente do Estado, mas, sim, com o modo com que o desempenho de seu grupo dedana seria recebido nas cerimnias. Ele havia selecionado e orientado os rapazes eestava preocupado, querendo que eles tivessem uma boa performance. Tanto quedecidiu que era preciso fazer um novo ensaio, e foi por isso que chamou Kira. Queriaque os rapazes se organizassem no Salo dos Mil Tapetes o mais rpido possvel,de modo que pudessem repassar a dana mais uma vez antes de os distintosconvidados chegarem.

    Voc no sabe quanto isto significa para mim disse ele a Kira, acenando deforma afeminada com a manga de seu kimono. Trabalhei com muito afinco paratornar esta apresentao um sucesso. Precisa ser perfeita!

    Kira abaixou a cabea. Simpatizo com Vossa Excelncia, mas tenho certeza de que no h nada com

    que se preocupar. As cerimnias sero realizadas de um modo tranquilo, comosempre.

    As cerimnias, sim. Mas a dana o que importa para mim. algo novo para talocasio, e se no der certo, todos vo rir de mim.

    Ningum pensaria em fazer algo assim Kira garantiu a ele. Os especialistas daro risada pelas minhas costas mesmo se no disserem

    nada disse Tsunayoshi, de modo decidido. Mas j chega disso. Todo o resto estbem, no est? Espero que no haja problemas de seu lado.

    Sempre h problemas, Excelncia, mas nada que eu no possa resolver. timo disse o xgum, sorrindo. o que gosto de ouvir de meus cortesos.

    Gostaria que todos fossem to eficientes quanto voc.Kira sorriu para ele, revelando seus dentes escurecidos.

  • Tudo o que sei, aprendi com o seu exemplo.Ele fez uma reverncia e comeou a sair para, ento, hesitar e voltar-se, fingindo

    relutar. H um jovem daimyo problemtico, mas espero poder corrigir este problema

    antes que nos envergonhemos. Est falando sobre Asano, no ? Percebi que ele no parece to vontade

    quanto os outros. Voc quer que eu converse com ele? No... No acho que seja necessrio. Ele ficar bem quando eu conseguir fazer

    com que ele entenda qual seu lugar. Sim... Bem, deixo isso com voc. Mas chame aqueles rapazes aqui depressa,

    sim? Vou obedecer respondeu Kira de modo formal, com uma reverncia, e se

    afastou com o mximo de rapidez que suas roupas permitiam. Ele sabia, porexperincia prpria, que Tsunayoshi no tinha muita pacincia.

    ***Com todos os detalhes de suas roupas cerimoniais conferidos e reconferidos de

    acordo com as regras de vestimenta da corte, Lorde Asano foi conduzido aopalanquim que o levaria ao castelo do xgum. Kataoka, tambm maisesplendidamente vestido do que o normal, estava prestes a dar a ordem para que osoito homens pegassem seus bastes, quando a esposa de Lorde Asano apareceuna porta da manso e o chamou. Kataoka pediu aos homens que esperassem, entodeu um passo para o lado, de modo que seu mestre pudesse conversar com aesposa com privacidade.

    Por favor disse ela ao se inclinar na janela para ele , por favor, prometa quevoc manter a pacincia. Mostre corte de Edo que ns, do interior, tambmsabemos qual nosso lugar na sociedade. Talvez... talvez no seja tarde demaispara colocar algumas moedas nas mos certas...

    Lorde Asano fez um gesto de impacincia, mas sua expresso ficou mais suave aover a preocupao dela. As palavras dele foram reprovadoras, mas sua atitude foigentil.

    Em assuntos srios desse tipo, dar mais do que um presente simblico aoMestre de Cerimnias da corte seria um ato barato e vulgar, e eu me recuso achegar a esse nvel. Meus conselheiros concordam...

    Seus conselheiros concordam porque voc j est decidido, e eles sabem queseria infrutfero discordar. Eu enxergo isso, ainda que voc no perceba... Pelomenos, prometa que vai acatar as instrues dele de bom grado sem perder apacincia, certo?

  • Eu prometo disse ele, e, satisfeita de que ele estava sendo sincero, ela deuum passo para trs e forou um sorriso de despedida. Lorde Asano fez um gestopara Kataoka, que esperava, e os homens receberam o sinal para sarem.

    Quando dobraram a esquina da casa, Kataoka viu Hara observando-os partir epercebeu um aviso de cuidado nos grandes olhos do homem: Cuide bem de nossomestre. Kataoka cumprimentou com a cabea ao passar e, ento, Haradesapareceu atrs deles.

    Passaram pelo imenso jardim que cercava a manso, e Lorde Asano percebeuque, apesar de as rvores estarem sem folhas, o local ainda era incrivelmente belo luz da manh. No havia nenhum trao distinto, apenas uma impresso completa deserenidade natural, meticulosamente planejada por seu av em um momento quandoainda havia guerras ou ameaas de guerra e os daimyos tinham de passar muitotempo na capital. Agora, claro, as coisas eram diferentes. No houve nem mesmouma revolta, se Lorde Asano bem se lembrava. Pensou, como muitas vezes antes,que a vida devia ser mais animada na poca de seu av, quando uma espada eraalgo usado para acertar as diferenas, e no apenas um smbolo de autoridade.

    O palanquim foi levado rapidamente para fora do porto, com Kataoka ao lado,mas, quando entraram nas ruas estreitas, escuras e repletas de pessoas, oshomens foram obrigados a diminuir a velocidade, passando a caminhar. A maioriados comerciantes e consumidores abriam caminho ao ver o palanquim de umdaimyo. Contudo, alguns no percebiam sua presena, ou fingiam no perceber, econtinuavam com seus afazeres at serem empurrados para o lado com firmeza.

    Lorde Asano nunca havia se acostumado com aquela mistura de classes que sevia em Edo. Desde as classes mais altas de nobres da corte aos moradores maismodestos, todos se reuniam no centro do comrcio para comprar produtos commercadores prsperos.

    Havia outros tipos de pessoas presentes tambm, incluindo alguns esfarrapadosronins, ou samurais sem mestres. Camponeses que no conseguiam se manterforam cidade para encontrar trabalho, e havia muitos deles ali, orgulhosamentedesdenhosos ao pedirem alimentos. Do lado oposto estavam os mendigosprofissionais, pedindo esmola aos gritos de modo petulante, tpico de Edo, quefaziam Lorde Asano se lembrar do garoto que havia se atrapalhado com o fogonaquela manh. O rapaz estaria provavelmente desempregado agora, mas Asanoduvidava que ele estivesse se importando com isso. Qualquer um com sua atitudeprecisaria de pouco treino para ir s ruas pedir esmolas ou para se tornar ummendicante pseudorreligioso implorando em nome de uma causa mais nobre.

    O barulho estava bastante alto, mas acima dele ouviu-se outro som, um cnticoaos mortos, e Kataoka direcionou os pedintes para o lado para permitir que aprocisso funerria passasse.

    Pela janela do palanquim, Lorde Asano viu que o grupo do funeral era formadoapenas por dois homens, ambos servos, e o caixo que eles levavam amarrado a um

  • cabo era estranhamente pequeno. Kataoka estava de p, perplexo, ao lado dopalanquim, quando Lorde Asano comeou a falar e o assustou.

    Nada como um bom pressgio para comear o dia, no , Kataoka?Kataoka se virou e viu que seu mestre no estava sorrindo. Sentiu vontade de

    fazer algo para aliviar o clima pesado.Os servos com o caixo j tinham parado de cantar e, quando se aproximaram,

    um deles comeou a resmungar a respeito do peso. Desesperado, e tambm irritadocom os maus modos do homem, Kataoka o chamou.

    Ho! Sua carga bem pequena. De que est reclamando? No capaz dedemonstrar mais respeito aos mortos?

    O servo riu ao ouvir aquilo e gritou com seu companheiro. O homem quer saber por que no mostramos mais respeito ao nosso

    passageiro. Devo mostrar a ele? Claro respondeu o outro. Por que no?Naquele momento, eles haviam parado perto do palanquim e colocado o caixo no

    meio da rua. O servo que falara primeiro deu um passo frente, abriu um grandesorriso a Kataoka e, ento, piscou, abrindo a tampa da caixa. Dentro dela, estava ocorpo de um cachorrinho, quase cortado em dois por causa de um acidente. O servopiscou a Kataoka de novo enquanto as pessoas se aglomeravam, tentando ver o queestava causando tanto interesse.

    Ela nunca foi to bem-tratada na vida o servo gritou a Kataoka, quemomentaneamente ficou sem saber o que dizer.

    Aonde vocs vo lev-la? ele murmurou, por fim. Ao local dos enterros, claro. Onde mais? No sabe que a lei determina que os

    ces devem ser enterrados como as pessoas? Estamos apenas obedecendo sordens do xgum.

    Ele cobriu a caixa e foi at a ponta do cabo. Bem, o mnimo que podem fazer carreg-lo sem reclamar disse Kataoka aos

    dois. Parecem no perceber a sorte que tm por nosso nobre xgum ter nascidosob o signo do co. Ele fez uma pausa dramtica enquanto eles levavam o caboao ombro. O que acham que estariam carregando se ele tivesse nascido sob osigno do cavalo?

    Os dois homens riram alto, assim como todos os outros que estavam na multidoe ouviram, e Kataoka ficou feliz ao ver que at Lorde Asano sorria. Riu de suaprpria esperteza, e ento deu aos homens a ordem de sarem e, mais uma vez,eles se misturaram ao mar de pessoas que tomava a rua.

    Dentro do palanquim, Lord Asano pensava a respeito do co morto. Para ele, eracomum que no mundo confuso de Edo os animais fossem tratados como sereshumanos. Ele sabia que nunca entenderia aquele lugar e desejou, de novo, sair dali.

  • Suspirou, e ento se inclinou para a frente para observar enquanto o palanquim eralevado para fora da ltima passagem, indo em direo a uma ampla rua, paralela aofosso do castelo.

    As guas do fosso ficavam abaixo do nvel da rua naquele ponto, e quase nopodiam ser vistas. O que ficava aparente era o muro alto de blocos enormes degranito alm da gua, formando uma enorme barreira ao redor do castelo oculto. Oshomens acompanharam o fosso, correndo um pouco montanha acima em direo aoporto de entrada, que guardava uma ponte levadia estreita sobre as guasparadas abaixo.

    Os guardas no porto entraram em alerta quando o palanquim se aproximou.Estavam armados com lanas e alabardas, colocadas em posio enquanto Kataokaidentificava o grupo e dizia quais eram os motivos da visita. E ento, ao receberemum aceno e um grito, os homens de Lorde Asano atravessaram a ponte dentro docastelo. direita, quando entraram, havia uma longa estrutura de madeira queprotegia um grupo de guardas, que estavam a postos. Os homens armadosbarraram novamente o palanquim e, mais uma vez, Kataoka teve de passar pelaformalidade da identificao.

    Avanaram de modo comedido, de acordo com as regras de segurana, e emseguida chegaram ao castelo onde os nobres e suas famlias viviam, cercados pelospalcios e cortes de oficiais de categoria inferior, formando um ajuntamento que, porsi, era uma cidade. Havia pouca movimentao nas ruas, no entanto, j que amaioria dos nobres estava do lado de dentro, preparando-se para osacontecimentos do dia.

    Na parte mais alta, estava o castelo e a residncia oficial do prprio xgum. Eracercado por outro fosso e por um muro grande de pedras, como o de granito maisabaixo. A ponte levadia estava posicionada sobre o fosso, e o grupo de LordeAsano passou ainda mais lentamente por ela, com o ritmo sendo ditado pelas regrasinflexveis da corte.

    Do lado de dentro do muro, grandes muralhas abrigavam sentinelas, em todos oscantos do local. Acima do castelo, uma torre branca se erguia alm de todas asoutras construes e, ao ver isso, Lorde Asano e Kataoka se entreolharamrapidamente, como se um lesse a mente do outro. Aquilo fazia que os dois selembrassem do lar. Era uma grande massa quadrada de pedras e gesso, comjanelas brancas estreitas e fileiras de tetos ziguezagueando um sobre o outro at umespinhao alto. Em cada lado dele, havia um peixe de bronze com a cauda erguida.Apesar de o castelo em Ako no ser to largo e decorado, o desenho da torre eraparecido, aguando-lhes a memria.

    O palanquim parou na entrada do castelo, e Lorde Asano saiu. Pisou diretamenteem um apoio baixo de madeira, de modo que no houve a necessidade de ele sererguido por seus homens. Sua roupa era verde-brilhante, e Asano fez cara dedesgosto ao olhar para si mesmo. Roupas como aquela eram um dos maiores

  • problemas da vida na capital. Alm de um chapu ridculo cado para um lado, queameaava cair da cabea se ele a inclinasse, o Lorde estava preso em um casacokashimino de ombros largos, que impedia o movimento de seus braos. Mas o piorera a cala, que Kataoka prendeu e ajustou para a entrada de Lorde Asano nocastelo. As pernas volumosas da cala tinham metros a mais de tecido para que ovento balanasse a pea no corpo de quem a vestisse, criando efeito esttico. Paraisso, era preciso tomar muito cuidado ao caminhar, e Lorde Asano, naturalmenteimpaciente, sentia-se preso e vulnervel. A todo momento, sentia vontade de rasgaras pernas da cala e caminhar normalmente, em vez do vagar parecido ao de umamulher vestindo um kimono justo. Kataoka terminou de estender o tecido, de modoque seu mestre foi levado direo certa, e ento fez uma reverncia e se retirou.Ele esperaria perto das sentinelas com os homens at que as cerimniasterminassem. E, claro, no tinha permisso para entrar no castelo sob nenhumacircunstncia. Ningum abaixo da classe de daimyo era convidado recepo anualdos enviados do Imperador.

    Lorde Asano se preparou e comeou a caminhar em direo porta. Apesar deser uma curta distncia, para ele parecia interminvel enquanto erguia cada pcuidadosamente, forando-os levemente para a frente, e pisava na cala.

    Havia apenas dois guardas observando-o naquele momento, mas Lorde Asanocaminhou lentamente, como teria andado na frente do prprio xgum. Tinha a certezade que Kira o repreenderia sem pena se ele desse um passo em falso, e estavadeterminado a mostrar queles moradores de Edo que um samurai do interior sabiacomo as coisas funcionavam.

    Enquanto um dos guardas mantinha a porta aberta, Lorde Asano entrou na sala deespera do Hall dos Mil Tapetes, onde as cerimnias oficiais aconteceriam. Ali dentro,parou para permitir que seus olhos se acostumassem luz fraca.

    A sala de espera era espaosa, com teto alto, detalhes dourados e pilaresentalhados. Ao pisar nos tatames de borda dourada, Lorde Asano notou que, apesarde estar adiantado, havia vrios lordes ali frente dele. Todos usavam roupascomuns da corte, parecidas com as suas, com alguns detalhes para diferenciar asclasses. Um deles, vestindo uma roupa idntica de Asano, exceto pelo fato de serde um tom marrom-dourado, olhou para ele, e foi na direo desse homem que eletomou seu caminho.

    Lorde Dat de Yoshida, um rapaz magro e de aparncia atltica, com cerca detrinta anos, era da mesma classe e tinha a mesma atribuio que Lorde Asano. Osdois haviam sido escolhidos por todos para serem representantes oficiais do xgumna recepo aos enviados do Imperador, vindos de Kyoto, uma feira anual querepresentava um dos poucos contatos entre o Imperador, que era governanteapenas no nome, e o xgum, cujos antecessores recentes tinham unificado o pasem uma ao militar e que era o lder de fato do governo.

    Tanto Lorde Asano quanto Lorde Dat tentaram negar a homenagem, afirmando

  • que no conheciam a etiqueta da corte, mas sem sucesso. Eles tinham sidocolocados sob a superviso de Kira para aprender o protocolo da ocasio e eramtotalmente dependentes dele para serem guiados em vrias funes. Mas Dat tevepoucos problemas com Kira, enquanto Lorde Asano estava sempre sendoridicularizado por seus modos do interior. Agora, no incio do ltimo dia, Lorde Datparecia calmo e complacente, enquanto seu colega estava claramente apreensivo.

    Bom dia disse Lorde Asano, com uma reverncia acentuada. Bom dia, Lorde Asano Dat sorriu. Voc est adiantado, no est? E voc tambm respondeu Lorde Asano. Talvez voc esteja mais nervoso do

    que aparenta.Dat riu. voc que est nervoso. Qualquer um pensaria que est indo para uma batalha. Gostaria que fosse uma batalha disse Lorde Asano. Sou um cara do interior,

    sem talento para me relacionar com esses homens de calas extravagantes.Homens como Kira disse ele, com certo desgosto so de classes inferiores nossa, mas, ainda assim, temos que obedecer cada palavra que sai de suas bocas. Ele balanou a cabea. Simplesmente no sei qual o meu lugar aqui.

    No sei por que voc tem tantos problemas com Kira disse Dat, com umsorriso fraco. Ele tem me tratado com respeito, apesar de eu ser todesengonado quanto voc em relao s cerimnias.

    Lorde Asano olhou para ele com indignao. No pense que no conheo seu segredo, Lorde Dat. Voc se dobrou s

    exigncias dele e cumpriu... No fiz isso! Dat interrompeu com raiva. Ento, seus conselheiros fizeram isso por voc, o que no lhe serve de

    atenuante... No saber o que est acontecendo em sua casa!O rosto de Dat ficou vermelho e ele estava prestes a responder, quando as

    portas corredias para o salo se abriram e Lorde Kira surgiu. O Mestre deCerimnias sorriu de modo condescendente para o grupo na sala de espera,revelando seus dentes escuros, e Lorde Asano estremeceu como sempre faziadiante de tais sinais de decadncia. As castanhas mastigadas para conseguir talefeito eram caras, e ele considerava essa prtica o mximo da vulgaridade, o opostodos atos de frugalidade ensinados por Buda e Confcio. Na viso de Lorde Asano,Kira representava o eptome de tudo o que estava errado com a corte. Ele eracorrupto, ftil e egosta, o mais distante do ideal tradicional de um samurai quantofosse possvel.

    Kira olhou diretamente para Lorde Asano depois das reverncias de sempre,esperando perceber um sinal de mudana de atitude. Com certeza, ele pensou,devia haver uma maneira de chegar quele idiota nobre. Talvez insultos mais fortes

  • fossem mais eficientes com um jovem to orgulhoso. Pelo menos, valia a pena tentarde novo, e no havia momento mais adequado do que o presente. Ele sabia queestava em segurana: empunhar uma espada no castelo, independentemente dascircunstncias, era uma ofensa capital.

    Kira comeou a caminhar em direo a Lorde Asano, que intuitivamente se virou,no que poderia ser interpretado com um gesto de desdm. O Mestre de Cerimnias,vestido de preto, se surpreendeu e, ento, com raiva, mudou o caminho para seaproximar de Lorde Dat. Tal atitude rude foi a gota dgua, e Kira, com o sanguefervendo, sabia que era intil continuar tentando convenc-lo a pagar sua propina.Decidiu que Lorde Asano pagaria por sua integridade e por sua grosseria.

    Conforme as orientaes de Kira a Lorde Dant continuavam, Lorde Asano sentiuuma forte depresso tomar conta dele. Sabia que a indulgncia consigo mesmocustara-lhe a boa vontade de Kira. Se Kira o abandonasse agora, ele ficariatotalmente perdido, sem saber o que fazer durante a cerimnia. Sentiu um momentode pnico ao prever a desgraa que causaria ao nome da famlia se cometesse umainfrao em relao etiqueta. Afinal, Kira era o especialista em tais assuntos, e omnimo que podia fazer seria ser civilizado com o homem, ainda que o desprezasse.

    Lorde Asano estava tentando pensar em uma desculpa quando a porta de fora seabriu. Ele sentiu os batimentos cardacos acelerados ao pensar que podiam ser osenviados do Imprio, mas respirou aliviado quando viu que era apenas um servo dame do xgum. Tratava-se de um homem gorducho e de olhos arregalados chamadoKajikawa, a quem Lorde Asano normalmente teria ignorado, mas, naquele momento,ele foi esperto o bastante para no revelar seus verdadeiros sentimentos. EnquantoKajikawa olhava com timidez pela sala, Lorde Asano sorriu de modo encorajador.

    O sorriso funcionou e Kajikawa se apressou, fazendo uma reverncia exageradade respeito ao chegar. Ento, ele ergueu a cabea com um sorriso amplo.

    Lorde Asano disse ele, emitindo as palavras com rapidez. Soube que houveuma mudana nos horrios e gostaria de saber qual para poder contar me denosso sublime xgum. Se no fosse pedir demais... ele finalizou com o toque certode incerteza.

    Lorde Asano olhou involuntariamente para Kira, como se ele fosse o nico capazde responder, e ficou abalado ao ver que Kira estava sorrindo para ele e que havia,obviamente, ouvido a pergunta.

    No se d o trabalho de perguntar nada quele tolo disse Kira em voz alta ecom seus bons modos. Se for uma pergunta sobre a cerimnia, pergunte a mim oua Lorde Dant, ou a um dos servos. At eles sabem mais sobre o que estacontecendo do que o Lorde Asano!

    O rosto de Kajikawa ficou vermelho e seus olhos se arregalaram mais do quenunca quando ele fez uma reverncia incerta, e permaneceu indeciso. Lorde Asanoempalideceu e permaneceu tenso, como se tivesse se transformado em uma pedra.

  • Kajikawa sentiu um tremor de medo e se afastou em direo s portas corrediasat o salo. No queria humilhar Lorde Asano ainda mais procurando outra pessoana sala, e decidiu fazer sua pergunta a um dos cortesos do lado de dentro. Elehavia comeado a abrir a porta quando viu Lorde Kira atravessar a sala de modomajestoso e parar na frente de Lorde Asano para dizer algo a ele em voz baixa. Notinha certeza, mas parecia que Kira fazia uma referncia esposa de Lorde Asano.

    Lorde Asano tambm teve dificuldade para acreditar no que Kira disse. Voc poderia ter se poupado de todo este transtorno, sabe? disse ele, de

    modo provocador. Se seu dinheiro tem tanta importncia, existem outras maneirasde satisfazer meu gosto por delicadezas. Soube que voc tem uma bela esposa,com rosto de lua cheia...

    Lorde Asano no conseguiu ouvir mais nada. O sangue desapareceu de seu rostoe bateu forte em seu peito, e a mo que segurava a espada se posicionou no caboda arma. Kira levou a mo instintivamente sua espada, apesar de no ter a menorinteno de empunh-la, mas foi um erro trgico. Lorde Asano viu a atitude comoaceitao de seu desafio, e a lmina da espada brilhou quando ele a ergueu edesceu em fria. Kira, que foi atingido na parte alta do ombro, perdeu o equilbrio ecaiu. Lorde Asano elevou o brao para golpear de novo, mas Lorde Dat e algunsdos outros correram para segur-lo. Houve uma segunda pausa, interrompidaapenas quando Kajikawa engoliu em seco e correu para seu quarto.

    Lorde Asano estremeceu ao olhar para baixo e ver o corpo parado de Kira e entopara os homens que tomaram ambas as suas espadas. Ainda estava em p sem semexer, com o olhar petrificado, quando as portas de correr se abriram de novo e oprprio xgum Tsunayoshi entrou na sala. Atrs dele, vinha um grupo de garotos comroupas de dana, todos estranhamente calados e grotescamente paralisados eposicionados.

    Tsunayoshi, com aparncia mais feminina do que nunca em sua roupa de dana,no estava preparado para a imagem que viu. Hesitou e ento deu um passo paratrs, como se fosse cair. Alguns dos outros presentes podiam adivinhar o que estavase passando por sua mente.

    Apenas dezessete anos antes um incidente parecido havia ocorrido naquelamesma sala e, durante todos aqueles anos, Tsunayoshi se sentiu assombrado porele. O primeiro-ministro da poca tinha sido atacado e instantaneamente morto porum membro mais jovem da corte que, segundo foi dito, ressentia-se do fato de oprimeiro-ministro ter assumido poderes demais, poderes que pertenciam, por direito,ao xgum. Tambm havia sido dito, a portas fechadas, que o prprio Tsunayoshi foraresponsvel pelo ataque, apesar de isso no ter sido provado. O assassino foi mortono local pelos lordes, e os motivos seguiam desconhecidos.

    Agora, era como se a cena toda estivesse sendo repassada diante dos olhos doxgum, que estava claramente tocado pela viso. Foi tomado por uma ira repentina esentiu o sangue subir por seu rosto enquanto caminhava e se aproximava do corpo

  • inerte de Kira. Com uma careta de desgosto, o xgum exigiu que dois servoslevassem o Mestre de Cerimnias, j no to impecvel quanto antes, para outrasala, e ento se virou.

    O que aconteceu aqui? quis saber, mas no recebeu resposta. Voc, a disse ele a Lorde Dat. Conte-me o que houve.

    Dat soltou o brao de Lorde Asano e fez uma reverncia, engolindo em seco.Ento, endireitou-se e falou de modo breve e formal, como se fizesse uma descrioa um superior no campo de batalha.

    Lorde Asano, evidentemente, ofendeu-se com algo que Lorde Kira disse. Vimosque ele ficou chocado. Vimos que ele empunhou sua espada e acertou Lorde Kira.Era como se algo mais forte do que ele o estivesse conduzindo a...

    Ele empunhou a espada e acertou Kira? perguntou o xgum. Algum sabe oque Kira disse a ele para fazer com que se comportasse de modo to inadequado?

    Ningum respondeu, muito menos Kajikawa, que estava espiando pelas portas decorrer para dentro da sala e que sabia muito bem quando se calar.

    Muito bem, ento, segure-o aqui disse Tsunayoshi com frieza. Ele se virou paraLorde Asano. O senhor no tem a menor considerao por esta corte?

    Sinto muito disse Lorde Asano, ao se ajoelhar e encostar a cabea no cho. No tenho justificativa.

    Existem regras para todas as ocasies Tsunayoshi prosseguiu , regras muitobem-elaboradas s quais todos devem obedecer. No abro excees a esserespeito. Nem mesmo para meus homens. A ignorncia em relao s regras podeservir como atenuante, mas tenho certeza de que o senhor, depois de tantos anoscomo daimyo, no pode pedir tal iseno.

    No... no murmurou Lorde Asano, certo de que devia estar tendo umpesadelo do qual logo despertaria.

    Tsunayoshi se virou aos outros. O crime foi suficientemente claro. Assim como a punio. Por favor, mantenham

    este homem preso enquanto converso com meus conselheiros. Por hora, a cerimniater de ser adiada.

    Ele fez uma expresso de desgosto ao ver as manchas de sangue no cho, eento se virou e comeou a voltar pelas portas de correr para o salo grande. Umcorteso de seu squito apareceu na porta, mas deu um passo atrs para abrircaminho para o xgum.

    terrvel disse o xgum ao corteso. Todos os nossos planos frustrados porcausa de um samurai irresponsvel que no aprendeu a se comportar no castelo.Pode ser at que tenhamos que cancelar nossa apresentao de dana.

    Ento partiram, e Lorde Asano permaneceu com seus captores. Continuavaajoelhado e olhava com firmeza para o cho, enquanto os outros presentes o

  • observavam em silncio. Seu rosto mantinha uma aparncia de calma fria, mas pordentro seu estmago revirava, de modo que era difcil pensar direito. Estava prestesa vomitar, mas manteve-se firme, decidindo no demonstrar fraqueza. Seu nicopensamento era provar a todos que conhecia seu lugar.

    Uma hora se passou em silncio at o som de homens marchando ser ouvido dolado de fora. Lorde Tamura, um daimyo de rosto corado, de Ichinoseki, entrou poruma porta lateral com um grupo de samurais e assentiu de modo indeciso ao ver apose firme de Lorde Asano. Lorde Tamura havia sido o chefe da guarda, motivo peloqual provavelmente Tsunayoshi o chamara. Contudo, ele no parecia saber o quefazer naquela situao. Era fcil comandar ao lidar com os ladres e batedores decarteira de Edo, mas prender um daimyo era outra coisa. Aproximou-se do homemajoelhado com relutncia e colocou a mo no ombro dele.

    Pela ordem de nosso xgum disse ele, e Lorde Asano obedientemente selevantou para acompanh-lo porta afora.

    Havia um palanquim esperando do lado de fora com uma dzia de samurais e maisde trinta servos, mas nenhum rosto era conhecido. Asano procurava Kataoka, emvo. Estava prestes a entrar no palanquim quando foi impedido pela espada deTamura, o qual, com certo embarao, entregou a ele uma veste barata de servo epediu que ele a colocasse por cima de suas roupas de corte. Lorde Asano ficouabismado com o desaforo, at perceber que era para seu prprio bem. Com aquelasroupas, ele no seria reconhecido quando passasse pelas ruas de Edo e evitaria ahumilhao em pblico. Contrariado, ele se vestiu e entrou no palanquim, no qualLorde Tamura jogou uma rede grande, amarrando-a com uma corda, para que nohouvesse perigo de o prisioneiro escapar e causar problemas. Ento, foi dada aordem para que partissem, e a procisso seguiu em direo manso de LordeTamura.

    Ao dobrarem uma esquina na guarda, passaram perto de Kataoka, que esperavae nada sabia a respeito do que havia acontecido no castelo, e tampouco sabia queLorde Asano havia passado por ele como prisioneiro.

    Quando a tarde chegou, Kataoka comeou a se preocupar de verdade com seumestre. As cerimnias pareciam estar encerradas e os vrios lordes reuniram seuspalanquins e partiram, mas ainda assim no havia sinal de Lorde Asano. Finalmente,ele reconheceu o palanquim de Lorde Dat e se apressou para intercept-lo.

    Lorde Dat ainda estava surpreso com os acontecimentos da manh e, por ummomento, no compreendeu a pergunta educada de Kataoka. Ele no fazia ideia doque havia acontecido a Lorde Asano, s sabia que este fora levado por LordeTamura. Ento, percebeu que Kataoka no sabia nada a respeito do ataque a Kira, etentou pensar em um modo diplomtico de contar a ele, revelando a notcia a todosos seguidores e familiares de Lorde Asano.

    Seu mestre est com Lorde Tamura. Sugiro que voc v para l imediatamente.

  • Aconteceu alguma coisa? perguntou Kataoka, repentinamente assustado. Houve um incidente... Lorde Kira e seu mestre estavam envolvidos...Fez-se um breve silncio enquanto Kataoka digeria o que ouvira. Quando

    compreendeu o que estava envolvido, sentiu o estmago revirar e a boca secar. Ento, no h motivo para o palanquim de meu mestre esperar? ele gaguejou.Lorde Dat balanou a cabea, parou por um momento para ver que Kataoka era

    capaz de agir de modo positivo antes de continuar. Afinal, era o mnimo que elepodia fazer por um daimyo.

    Com uma rpida reverncia de agradecimento, Kataoka se afastou. No ousouinfringir a proibio de correr dentro do castelo, mas chegou ao palanquim de LordeAsano dentro do menor tempo possvel. Apesar de sua mente confusa, comps umabreve mensagem, ordenando que os homens levassem Hara de volta. Os servoseram de Ako e confiveis, mas, ainda assim, provinham de uma classe inferior e notinham que saber de todos os fatos. Ele contou ao lder apenas que Lorde Asanohavia decidido visitar Lorde Tamura, indo sua manso por outros meios. Elestinham de voltar a seus aposentos e entregar a Hara a mensagem de que ele deveriase unir a Kataoka na propriedade de Tamura imediatamente. Ento, caminhourapidamente ao lado deles para fora do castelo, passando pela ponte por cima dofosso e dirigindo-se para as ruas da cidade.

    Agora, podia estabelecer o prprio ritmo e correu como quem foge do diabo,apesar da multido. Continuava se perguntando como algo daquele tipo podiaacontecer, como algo daquele tipo podia acontecer a seu querido mestre...

    Na manso de Tamura, Lorde Asano foi tratado com educao. Foi-lhe oferecidauma roupa simples para trocar a cala de cerimonial inadequada e o kamishimo queestava usando. Os presentes no tentaram falar com ele, j que,compreensivelmente, no tinham certeza de seu status, e ele foi colocado em umaantessala de paredes brancas, onde recebeu papel e pena para escrever um recado esposa. Esforando-se, conseguiu reunir os pensamentos e comeou a redigir umbreve relato do que havia acontecido, enfatizando a inevitabilidade de seu confrontocom Kira, quando foi interrompido pelos sons da chegada de um dos censores deEdo e dois assistentes. Como representantes oficiais do Conselho do xgum, eleshaviam trazido a sentena, e Lorde Asano escutou-os sussurr-la a Lorde Tamura,na sala ao lado. Ele percebeu, pela reao de choque de Lorde Tamura, que asentena era pesada, e que s poderia significar uma coisa: morte! O restante dossussurros representou pouco a ele: os conselheiros se opuseram... Tsunayoshideterminado... seu prprio conselheiro foi atacado de modo parecido h algunsanos... um exemplo precisa ser dado....

    Lorde Tamura, ento, entrou de modo respeitoso na sala, fazendo uma reverncia. Nosso misericordioso xgum decretou que sua execuo deve ser rpida e que

    voc, assim, deve ser grato a ele. Tambm recebeu o privilgio de morrer de modo

  • honroso graas sua classe disse ele. Lorde Asano permaneceu em silncio eTamura observou sua aceitao estoica frente ao veredicto. E ento acrescentou aparte final da sentena: Toda a propriedade mantida em seu nome ser confiscadae posta sob a proteo do governo do xgum at ordem contrria.

    Em sua mente, Lorde Asano ouviu o uivo dos ces novamente e sentiu o revirar noestmago que sentira no sonho. No entanto, apenas fixou o olhar na parede branca sua frente, at Lorde Tamura fazer uma reverncia e sair. Depois de um momento,Lorde Asano fez uma reverncia para continuar sua carta, mas ainda no haviaterminado quando Lorde Tamura voltou com o censor e seus assistentes. Elesaguardaram at que ele conclusse a mensagem e que esta secasse e fosse selada.Ento, o censor deu um passo frente e o ajudou a se levantar. Com dignidade eautoridade, Lorde Asano afastou o brao do homem e ficou de p sem auxlio. Jestava seguindo Lorde Tamura para o jardim quando uma comoo teve incio nocaminho de entrada. Kataoka havia chegado e, ofegante, pediu permisso para verseu mestre.

    Lorde Tamura consultou o censor brevemente e o pedido foi deferido, mas elespermaneceram perto, ansiosos para concluir o assunto o mais depressa possvel.Kataoka hesitou diante dos outros, mas no conseguiu controlar suas emoes e seapressou a pedir desculpas, de modo exagerado, por no ter tomado cincia dosacontecimentos terrveis no castelo. Lorde Asano ergueu a mo.

    Estou feliz em v-lo, Gengoemon disse ele, chamando-o pelo nome. Voc a primeira pessoa amiga que vejo desde hoje de manh.

    Kataoka sentiu os olhos marejarem, mas Lorde Asano fingiu no perceber.Entregou a mensagem a seu seguidor.

    Esta a minha despedida aos outros. Por favor, entregue-a a... a minha esposa. Ele pausou por um momento e um olhar distante tomou seus olhos. Diga atodos... Diga a eles... Oishi saber o que fazer.

    No jardim, diante do grupo de samurais de Lorde Tamura, trs tatames estavamposicionados no cho, cobertos com um tapete branco. A noite chegava, e lanternasde papel foram acesas em todos os cantos do palco improvisado. Lorde Asano foiorientado a se sentar no centro do tapete, diante de uma pequena mesa sobre aqual havia uma adaga com lmina de cerca de vinte centmetros. Lorde Asano pegoua arma e analisou-a com curiosidade, vendo se tratar de uma relquia da famliaTamura.

    Sorriu rapidamente ao Lorde Tamura e escutou, inexpressivo, quando o censor leuoficialmente os termos da ofensa e a sentena. Os ces uivavam em sua mente, eLorde Asano sentiu mais do que ouviu quando a leitura foi concluda. Sabia o quetinha de fazer e teve confiana em sua habilidade de agir com a dignidadenecessria. Nesse aspecto, pelo menos, ningum poderia dizer que ele no sabiaqual era seu lugar.

  • Pegou a adaga com as duas mos e sussurrou uma orao apressada ao finc-laprofundamente no lado esquerdo de seu abdome. Enfiou a lmina e torceu-a para olado, e todos os sons pararam quando um dos presentes deu um passo frentepara decapit-lo, com um movimento firme de sua longa espada.

  • Por que voc no est com seu mestre?! foi a primeira reao irritada de Oishiquando levaram Hara at ele, sujo e banhado em suor, no meio da noite. Naqueleestado, o velho guerreiro envergonhava a classe de samurais, e Oishi sentiu avergonha que ele sabia que Lorde Asano sentiria ao ver um de seus homens daquelemodo. Porm, ao primeiro grito de Hara, com os olhos arregalados, quando oempregado que o havia levado partiu, consideraes to triviais quanto aquelasforam esquecidas.

    Nosso mestre morreu disse Hara , e o castelo ser confiscado!Oishi reagiu como se tivessem derramado gua em seus ouvidos enquanto ele

    dormia. Ficou surpreso, boquiaberto, certo de que ainda estava dormindo e aquilono passava de um sonho horroroso. Queria mandar que Hara se calasse, masforou-se a ouvir, por mais incrvel que tudo aquilo lhe parecesse. Lorde Asano eracomo um irmo para ele; a perda era insuportvel.

    Hara, ajoelhado no cho da antessala, balanava a cabea sem parar, para cima epara baixo, e soluava ao contar a histria enquanto Mimura, que o haviaacompanhado, assentia aos prantos, abatido.

    Foi Kira quem fez isso! Kira, o Mestre de Cerimnias da corte, provocou nossomestre em um confronto no castelo. Nosso mestre foi forado a empunhar a espada,apesar de saber, como todos ns sabemos, qual seria a pena por fazer isso nocastelo do xgum!

    E a sentena foi dada em to pouco tempo? perguntou Oishi, enquanto juravavingar-se dos responsveis.

    No mesmo dia disse Hara, com desnimo. No tnhamos ideia do que estavaacontecendo.

  • E a Senhora Asano? perguntou Oishi rapidamente. Sabe o que aconteceucom ela?

    Desapareceu disse Hara, soluando. Assim que nosso mestre foi morto, ossoldados da corte foram manso e levaram tudo. Todos ns fomos dispensados ea Senhora Asano foi mandada de volta casa de seus pais. Ela no deve voltar aAko nem tentar entrar em contato com nenhum membro da famlia, pois corre o riscode ser morta.

    Oishi sentiu uma pontada no corao ao pensar na menininha adormecida em umquarto prximo dali, esperando pela me e pelo pai. De repente, foi tomado pelaenormidade da tragdia que havia atingido a casa de Asano e todos os seusmembros. Virou-se a Mimura e o mandou buscar Chuzaemon Yoshida, um dossamurais mais velhos de Ako, cuja orientao seria bem-vinda.

    Como voc soube de tudo isso? Oishi perguntou a Hara, que agora comeavaa demonstrar muito cansao aps a rdua viagem.

    Kataoka estava ali quando nosso mestre cometeu seppuku na propriedade deLorde Tamura. Pelo menos, ele pde escolher essa morte. O restante de ns chegoutarde demais. Os carregadores de palanquins ficaram presos nas ruasmovimentadas e, assim que recebemos o recado, fomos at l, mas tudo haviaterminado. Quando voltamos correndo para a nossa manso para proteger aSenhora, as foras do xgum chegaram com a ordem oficial e, seguindo o comandodela, ns obedecemos. No conseguimos salvar nada. A ordem era de imediatoconfisco de toda a propriedade e isso foi feito risca.

    E o castelo aqui em Ako tambm ser confiscado? Sim disse Hara com um tom de voz quase inaudvel. Uma fora chegar de

    Edo para levar as instrues a cabo. E os homens que vocs deixaram em Edo? Eles esto voltando? No devemos

    nos dividir em um momento como este.Hara olhou para ele e explicou: Deixei o jovem Horibe no controle. Ele e os outros esto fechando nossas contas

    em Edo, como pensei que o senhor desejaria. Talvez estejam atentos para verquando o inimigo, e me refiro s tropas do xgum, sair de Edo.

    Oishi olhou para ele com um olhar rspido. No era difcil entender a atitude deHara. Ele estava dizendo que deveriam se preparar para sitiar o castelo e lutar. EHara podia estar certo, pelo menos era um plano positivo de ao para redimir ahonra perdida. Mas, ainda assim, Oishi sentiu que no deveria tomar decises toimportantes sem conhecer totalmente os fatos.

    Foram interrompidos pela chegada de Yoshida, de cabelos grisalhos e rosto deBuda que estava, pela primeira vez, enrugado de preocupao. Contaram o ocorridoe ele se encolheu no cho, tentando controlar o choro de lamentao. Em toda a suavida como samurai, nunca vira um momento to agonizante. Oishi sentiu um aperto

  • de desespero e frustrao no estmago, mas se recusou a dar vazo a seu ladoemotivo. Estava no controle, os outros o tinham como exemplo, e deveriapermanecer com frieza, controlado, para que suas decises fossem tomadas demodo racional.

    Para dar ao idoso samurai um tempo de recuperao, Oishi pediu que Mimuratrouxesse um hibachi sem perturbar nenhum dos outros empregados. Por enquanto,at que decidissem adotar um plano de ao, seria melhor se ningum maissoubesse a respeito dos grandes problemas que enfrentavam. Mimura trabalhavapara os Asano desde a infncia, e confiavam que ele no diria nada.

    Quando o hibachi com carvo em brasa chegou, Oishi deu a ordem para quefosse colocado ao lado de Yoshida, que agora estava sentado e em prantos. Oishi eHara sentaram-se perto dele para se aquecerem, enquanto Mimura recolhia aslongas pernas e sentava-se perto da porta, como um guarda protegendo-os decuriosos.

    Talvez devssemos chamar Ono Yoshida sugeriu com incerteza.Como tesoureiro do cl, Ono tinha poder de deciso nas questes fiscais, mas,

    naquele momento, Oishi no acreditava que seu conselho teria alguma valia. Ono sesentiria inclinado a atribuir as questes de justia e honra abaixo das de finanas, eOishi no estava interessado em discutir.

    O assunto no envolve Ono disse ele a Yoshida. Podemos decidir o quedeve ser feito entre ns mesmos.

    Oishi olhou para Hara e viu o homenzarro assentir de modo vigoroso. Ele noprecisaria de Ono, assim como seu lder no precisava.

    Fez-se silncio por um momento enquanto todos pensavam. Para aumentar suasensao de perda, Oishi lembrou-se do passado, voltando-se s lembranas dasorientaes que havia recebido quando era um jovem samurai. As aulas tinham sidodadas naquela mesma sala, e ele ainda se lembrava dos alertas de Yamaga Soko:os tempos estavam mudando, e a imposio da tica de Confcio estava sendominada pelos pregadores do novo Confucionismo, que comeavam a infestar acorte. Por isso, Yamaga havia sido exilado para o interior porque ele estavadesatualizado , mas encontrou ali os samurais de Ako, dispostos a ouvir, distantesda suavidade e da poltica da corte. Oishi ouviu a condenao que Yamaga Sokofazia da corte de Edo mais uma vez, como se estivesse falando com eles naquelemomento:

    O sacrifcio do nobre ao elegante.E esta acabou sendo uma profecia da morte de Lorde Asano.Oishi pensou nas circunstncias do ataque de seu mestre a Kira. No tinha

    dvidas de que fora justificado, mas se ao menos houvesse acontecido em outrolugar!

    No era seu direito criticar o xgum, independentemente das circunstncias, mas

  • era estranho pensar como era inconsistente sua observao a respeito dosensinamentos do Buda. Sim, a oposio violncia e crueldade, tpica de umBuda, era a essncia de suas Leis de Preservao da Vida, mas ser que elastinham sido aplicadas igualmente vida de Lorde Asano? E quanto a abrir mo dariqueza e do poder? E o exerccio da abstinncia de prazeres mais rudes, oreconhecimento da beleza da vida de recluso e de meditao? No, Tsunayoshiretirava do budismo apenas o que servia a seus prprios propsitos, e isso faziacom que suas polticas permanecessem abertas a questionamento por qualquerpessoa corajosa o suficiente para isso.

    Oishi desviou o olhar das lembranas que via nas chamas do hibachi e percebeuque o velho Yoshida o observava. No havia dvidas de que ele estivera pensandoas mesmas coisas, e no era preciso diz-las em voz alta. Yoshida estremeceu ebalanou a cabea, e ento passou a mo por seus cabelos curtos.

    Precisamos criar um plano disse ele, de modo vago.As palavras passaram uma impresso estranha a Oishi. Ele vinha contando com o

    conselho do senhor, mas agora percebia que havia pouco a esperar. Nada parecidohavia acontecido antes na histria do cl, e Yoshida no era capaz de lidar comaquilo, assim como o mais jovem samurai do castelo tambm no era. Oishi ficariafeliz se pudesse receber orientao do senhor, mas sabia que, a partir daquelemomento, todas as decises deveriam ser tomadas por ele, como o principal servo.No temia no ser forte o bastante para tomar as decises e cuidar para quefossem executadas; s esperava que suas ideias fossem cuidadosamenteelaboradas e verdadeiramente melhores para a casa de Asano e o esprito de seufinado mestre.

    Hara esfregou as mos e se manteve inquieto. Em sua mente, aquele encontro eraum conselho de guerra, e o objetivo seria criar um plano de defesa para o castelo.

    No deveramos reunir todos os homens? ele resmungou.Oishi hesitou e ficou feliz quando Yoshida pigarreou como sinal de que

    responderia. Vamos esperar at o amanhecer disse o senhor. Se nossos guerreiros forem

    necessrios para propsitos extraordinrios, ainda que seja apenas para receber oanncio da morte de seu mestre, no haveria problema em deix-los descansar tantoquanto puderem antes.

    Concordo com o sensei Yoshida disse Oishi, dando ao senhor o honroso ttulode professor, para dar mais importncia a seus comentrios. Quandoamanhecer, todos poderemos pensar com mais clareza para enfrentarmos nossosnovos problemas com mais confiana.

    Devemos comear a pensar em nossas defesas agora Hara murmurou demodo obstinado, e Oishi, virando-se para o lado, irritado, acabou percebendo umolhar preocupado de Mimura em direo ao velho guerreiro. Percebeu que alguma

  • coisa na atitude de Hara estava perturbando o criado, mas hesitou em perguntar pormedo de envergonhar o jovem desajeitado. Ento, virou-se para Hara.

    Voc me contou tudo, Hara? Tudo o que preciso saber sobre este assuntotrgico? Kira foi morto e nosso mestre foi condenado morte e perda depropriedade... isso mesmo?

    Hara hesitou. Em um ponto, h certa dvida... Kira foi retirado depressa e talvez ele possa ter

    sobrevivido ao ataque, ainda que no seja muito provvel. De resto, eu contei tudo oque sei. Ainda no consigo entender por que o senhor hesita em planejar a defesado castelo. As tropas do xgum chegaro a qualquer dia e devemos nos preparar.

    Ns nos prepararemos para o que vier, no se preocupe. Mas acredito que omelhor plano para ns todos que tentemos dormir um pouco. Preciso de maistempo para pensar antes de elaborar qualquer plano que valha a pena.

    Oishi ficou de p e se espreguiou, e ento fez uma reverncia educada de boa-noite a Yoshida, que estava curvado, e assentiu de modo mais casual na direo deHara. Ao sair da sala, foi acompanhado por Mimura, ainda que no houvesse motivopara o servo acompanh-lo. Manteve-se em silncio at chegarem porta do quartodele, e ento Oishi virou-se ao jovem desajeitado.

    Tome um banho e descanse um pouco disse ele. Amanh ser um dia difcilpara todos ns. Agradeo muito pelo que vocs tm feito e sei que sempre pensamno melhor para a casa dos Asano.

    Ele se virou para sair, mas foi detido pelo movimento repentino de Mimura de seajoelhar e encostar a cabea no cho.

    Devo dizer a vocs ele sussurrou. Fui forado por Hara a prometer no dizernada, mas sinto que seria injusto com vocs ficar com a responsabilidade final!

    Oishi cuidadosamente o ergueu pelo ombro at ficarem frente a frente. Ele nodisse nada, esperando que o menino esclarecesse o conflito dentro de si.

    Antes de sairmos de Edo Mimura disse, finalmente , fomos visitar DaigakuAsano, o irmo mais jovem do Lorde, e seu tio, Lorde Toda, o daimyo de Ogaki.Eles estavam controlando sua tristeza da melhor maneira, apesar de, como vocsabe, Daigaku ser um jovem muito frgil e Lorde Toda estar agora bem velho. Elessabiam tudo o que havia acontecido. Sabiam sobre a ordem de entregar o casteloem Ako aos representantes do xgum.

    E? E eles aconselharam Hara a dizer a vocs que devemos nos entregar de modo

    pacfico para no aumentarmos os problemas que j atingiram a famlia.Oishi soltou o menino e assentiu, indicando que ele podia ir. Mimura desceu o

    corredor correndo, rezando para que tivesse feito a coisa certa. Ainda assim, Harapoderia mat-lo se descobrisse que ele havia quebrado a promessa.

  • Oishi havia tido mais uma surpresa desagradvel e considerava mais do que nuncaa complexidade dos problemas que tinha a resolver. No podia se opor aos desejosda famlia e, ainda assim, entendia por que um homem de atitude como Hara serecusava a levar a mensagem. Quando havia dois pontos de vista vlidos para levarem considerao, nem sempre era fcil escolher o lado certo.

    Entrou em seu quarto e pegou uma capa quente