41943049-marta-arretche

Upload: nelsonkratsch

Post on 08-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    1/47

    [...] no podemos deixar ao bel-prazer das leiscomplementares estaduais a criao de municpios.

    [...] temos a oportunidade de cumprir o mandatoconstitucional que determina a regulamentao do

    [principal imposto estadual] atravs de lei complementar[federal].

    A safirmaesacimanosodeautoriadenenhumdospensadoresautoritrios da dcada de 1920, tampouco podem ser interpreta-das como uma reao centralizadora excessiva autonomia conferidaaos governos estaduais no arranjo federativo vigente. A primeira deum deputado federal do Partido da Frente Liberal (PFL) baiano. Foi

    pronunciada na Cmara dos Deputados, em 14 de abril de 1996, por

    377

    * Verses preliminares deste artigo foram apresentadas como parte de minha tese de li -vre-docncia na Universidade de So Paulo (USP), no 6o Encontro da Associao Brasi-leira de Cincia Poltica (ABCP), bem como em seminrio no Centro de Estudos da Me-trpole (CEM)/Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap). Agradeo os co-mentrios de Gilberto Hochman, Telma Menicucci, Argelina Figueiredo, Maria HermniaTavaresde Almeida, Fernando Limongi, Snia Draibe, Eli Diniz e Gildo Maral Brando.Agradeo a gentileza de Fernando Limongi e Argelina Figueiredo de cederem os dadosdo Banco Legislativo do Cebrap, bem como a valiosa colaborao de Andria Freitas no

    tratamento dos dados estatsticos. Por fim, agradeo o rigor dos pareceristas desta revis-ta, o que muito contribuiu para sua verso final. A verso final deste artigo foi redigidaduranteminha visiting fellowship,noInstitutoUniversitrioEuropeu,combolsadaCoor-denao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes).

    DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 52, no 2, 2009, pp. 377 a 423.

    Continuidades e Descontinuidades da FederaoBrasileira: De como 1988 Facilitou 1995*

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    2/47

    ocasio dos debates em torno da aprovao da emenda constitucional(EC) no 15/1996, que restringiu ainda mais o escopo de autoridade ex-clusiva que a Constituio Federal de 1988 (CF 88) havia conferido aos

    Estados,devolvendoaautoridadesobreacriaodemunicpiosaogo-verno federal. A segunda foi pronunciada por um deputado federal doPartido da Social Democracia Brasileira (PSDB) paranaense, em 27 deagostode1996,nopapelderelatordoprojetodeleicomplementarquedeu origem Lei Kandir, que regulamentou detalhadamente a formacomo os governos estaduais arrecadariam o Imposto sobre Circulaode Mercadorias e Servios (ICMS).

    Embora expressivas por seu contedo visto que justificam decises

    que suprimiram autoridade decisria dos governos estaduais , a ECno 15/1996eaLeiKandirforamapenaspartedeumconjuntodeleisfe-derais que imps expressivas perdas de receita aos Estados e munic-pios brasileiros, assim como regulou o exerccio de suas competn-cias tributrias, de gasto e de implementao de polticas pblicas. Defato, no foram de pequena monta as mudanas no status quo federati-vobrasileirodosanos1990.Elasimplicaramexpressivofortalecimen-todocontroleexercidopelogovernofederal(Melo,2005:845),aproxi-

    mando o Brasil de um regime hierrquico, estreitamente administra-do, no distinto daquele encontrado em muitos sistemas unitrios(Rodden, 2006:247). A maior parte dos analistas interpretou a aprova-o dessa legislao como um processo de recentralizao federativa(Abrucio e Costa, 1999; Almeida, 2005; Arretche, 2005; Melo, 2005;Rodden, 2006; Souza, 2002).

    Mudanas dessa magnitude requerem explicao, uma vez que esses

    resultados apontam para a direo oposta quela esperada por postu-ladosdofederalismocomparado,segundoosquaisaformaodeumafederao supe um contrato constitucional entre unidades consti-tuintes, que definem protees institucionais a fim de evitar futurasexpropriaes por parte das demais unidades ou do governo central.Assim, como foi possvel ao governo federal expropriar receitas,

    bem como autoridade sobre impostos, gastos e polticas dos governossubnacionais, sob condies de perfeita normalidade democrtica?

    AolongodosculoXX,algumasfederaestaiscomoaAustrliaeosEstados Unidos ampliaram a margem de autoridade do governo cen-tral sobre os governos subnacionais (Castles e Uhr, 2005; Chibber eKollman, 2004; Obinger, Leibfried e Castles, 2005; Pierson, 2007). Ou-

    378

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    3/47

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    4/47

    vista do postulado de que prprio das federaes criar uma multipli-cidade de pontos de veto no processo decisrio. Apenas tipos particu-lares de federaes, que centralizam o processo decisrio da legislao

    que afeta os interesses das unidades constituintes, permitem que osprincipais atores sejam o Executivo federal e o Congresso.

    Neste artigo, examinado o impacto das instituies federativas sobrea possibilidade de o governo federal legislar sobre as polticas dos go-vernos subnacionais com base em duas teorias do federalismo compa-rado: a das jurisdies e a do poder de veto. Para tanto, examinadoem que medida as instituies federativas brasileiras, instaladas pelaCF 88, enable ou constrain o centro (Stepan, 1999). Em outras palavras,

    se a ampliao da regulao federal nos anos 1990 foi realizada nosmarcos das instituies polticas2 que regem as interaes entre as eli-tesdogovernocentraledosgovernossubnacionais,estabelecidaspelaConstituiode1988,possvelavaliarsuainflunciasobreoprocessodecisrio de matrias de estrito interesse federativo.

    O argumento central deste trabalho que os formuladores da CF 88criaram um modelo de Estado federativo que combina ampla autori-

    dade jurisdicional Unio com limitadas oportunidades institucio-naisdevetoaosgovernossubnacionais.Nocriaramumambienteins-titucional que congelasse a distribuio original de autoridade de1988, pois no estabeleceram regras que exigiriam, no futuro, a mobili-zao de supermaiorias para alterar aquele contrato original. Almdisso,asregrasqueregemasinteraesentreaselitesdogovernofede-ral e dos governos subnacionais favorecem as elites polticas instala-das no centro e limitam as oportunidades de veto das elites instaladas

    nos governos subnacionais. So essas condies institucionais quepermitiramaexpansodaautoridadedaUniosobreosgovernossub-nacionais, alm da preponderncia do Executivo sobre o Legislativo.Assim, h mais continuidade entre as mudanas aprovadas nos anos1990 e o contrato original de 1988 do que a noo de uma ruptura entreos dois perodos autorizaria supor.

    O artigo est dividido em cinco sees, alm desta introduo e das

    concluses. A primeira apresenta hipteses de trajetrias possveispara a centralizao ocorrida nos anos 1990 com base em duas teoriasdo federalismo comparado: a das jurisdies e a do poder de veto, co-mo j mencionado. A segunda seo apresenta os procedimentos daanlise. A terceira est dedicada anlise das mudanas na legislao

    380

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    5/47

    federal que afetaram interesses dos governos subnacionais, com basena distino conceitual entre execuo de polticas e autoridade deci-sria sobre essas mesmas polticas. A quarta seo explora os determi-

    nantes propriamente federativos dessas mudanas. Testa empirica-mente se elas podem ser atribudas a (i) mudanas na agenda da presi-dncia ou a (ii) mudanas no comportamento dos atores com (prov-vel) interesse e capacidade de veto, ambas controladas por mandatopresidencial. Essa seo conclui que, em 1995, ocorreu uma mudanana agenda do governo federal, ao passo que o comportamento das

    bancadas estaduais constante para todos os mandatos presidenciais.A quinta seo explora o impacto das instituies federativas sobreesse processo decisrio.

    CENTRO FRACO OU FORTE?

    A anlise comparada apresenta dois argumentos para interpretar osmecanismos pelos quais Estados federativos podem afetar mudanasno status quo: a tese da autoridade sobre jurisdies e a tese dos pontosde veto.

    A primeira estabelece que a distribuio de autoridade legislativapode operar como um limitador das iniciativas do governo federal namedida em que a Constituio no confira autoridade a este ltimopara iniciar legislao sobre uma dada rea de poltica (Buchanan,1995; Inman e Rubinfeld, 1997; Leibfried e Pierson, 1995; Leibfried,Castles e Obinger, 2005; Obinger et alii, 2005; Weingast, 1995). Nessecaso, portanto, um governo central limitado seria aquele em que aUnio estivesse constitucionalmente proibida de apresentar propostas

    em polticas especficas. O argumento que sugere que um extensivopoder residual dos estados indicador de um governo central fracoest relacionado a essa tese (Stepan, 1999). Logo, o efeito do federalis-mosobreacapacidadedeiniciativadogovernofederaldependeriacri-ticamente das reas de poltica em que este pode iniciar legislao.

    A segunda tese estabelece que as federaes tendem a apresentar maispontos de veto no processo decisrio do que os sistemas unitrios

    (Tsebelis, 1997; Weaver e Rockman, 1993), aumentando assim a in-fluncia de grupos contrrios s iniciativas de reforma (Immergut,1996). Adicionalmente, as federaes criariam instituies especficaspara proteger as unidades constituintes de tentativas futuras de expro-priao por parte do centro ou de outras unidades, tornando os gover-

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    381

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    6/47

    nos subnacionais veto players decisivos em matrias que afetem direta-menteseusinteresses(Rodden,2006).Almdobicameralismo,dificul-dades para emendar a Constituio, exigncias de supermaiorias, refe-

    rendos, arenas adicionais de veto propiciariam tais poderes de veto(Immergut, 1996; Lijphart, 1999; Obinger, Castles e Leibfried, 2005:8 ess; Skocpol, 1992). Coalizes supermajoritrias ou condies excepcio-nais seriam fatores necessrios para alterar uma dada distribuio ori-ginal de competncias. Portanto, esses resultados dependem critica-mente do modo como instituies que criem oportunidades de veto sminorias se combinam nos contextos nacionais (Pierson, 1995; Gibson,2004).

    As duas teses permitem formular hipteses explicativas para as mu-danas no status quo federativo ocorridas no Brasil. A primeira permiteatribu-las converso de um governo central limitado (ou fraco) parainiciar legislao em um governo central forte, com base na superaode obstculos de ordem jurisdicional. Um governo central, impedidopela Constituio de legislar sobre determinadas reas, teria aprova-do emendas constitucionais transferindo autoridade jurisdicional pa-ra o governo federal (Quadro 1, trajetria T1). Essa converso defracoparaforte tambm poderia ter ocorrido pela superao da armadilhada deciso conjunta3, em que um governo central com poderes juris-dicionaisamplosestlimitadopelopoderdevetodosgovernossubna-cionais (Quadro 1, trajetria T2). Nessa trajetria, governos anterioresao governo de controle apresentariam taxas de fracasso parlamentarsuperiores s dos governos posteriores alterao das regras.

    Assim, se os formuladores da CF 88 desenharam instituies federati-vasorientadasparaconstrangeraUnioisto,paratornarogovernofederal fraco , as matrias legislativas aprovadas nos anos 1990 s po-dem ser explicadas por fatores institucionais se o governo federal tiversido bem-sucedido em T1, em T2 ou em ambas (ver Quadro 1).

    Alternativamente, possvel que a explicao para as mudanas nosanos 1990 no seja institucional. Isto , possvel que elas resultem de

    um contexto excepcional de coincidncia de preferncias entre aselitesdogovernocentraleaselitessubnacionais(ou,pelomenos,parteexpressiva destas). Nesse caso, os governos subnacionais contariamcom poder institucional de veto, mas este no foi exercido4. Assim,uma explicao institucional para a legislao aprovada em 1995 su-

    382

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    7/47

    pe distinguir efeitos de instituies dos efeitos das preferncias dosatores aos quais se atribui poder de veto.

    plausvel supor ainda que a explicao para as mudanas no statusquo federativo no sejam derivadas da converso de um governo cen-tral fraco em um governo central forte, caso as regras do jogo estabe-lecidas em 1988 j tivessem colocado a Unio no quadrante inferior di-reitodoQuadro1,oquesignificaqueogovernofederalnofoiobriga-do a se deslocar de uma situao de constrangimento institucional pa-ra obter aprovao para sua agenda. Diferentemente, as mudanas nostatus quo federativo seriam compatveis com processos de dependn-

    ciadatrajetriaemqueelitespolticasseapoiamemvantagenscompe -titivas, derivadas de espaos polticos previamente ocupados, paraobter permanente superioridade sobre seus concorrentes (Pierson,2004:71 e ss). Nesse caso, as elites polticas de um governo central jforte teriam aumentado sua capacidade de regular as aes dos gover-nossubnacionais,porqueaUnionotevedeobterautorizaoconsti-tucional para iniciar legislao de interesse direto dos governos subna-cionais (como seria o caso na Sua) nem o Executivo federal teve de

    reunir supermaiorias para aprovar essa legislao (como seria o casona Alemanha).

    Essas hipteses so bastante simples e podem ser testadas empirica-mente. Para examin-las, preciso investigar se a centralizao dos

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    383

    Quadro 1

    Contextos Institucionais de Mudana em Estados Federativos

    Oportunidades Insti-

    tucionais de Veto

    Restries Jurisdicionais s Iniciativas da Unio

    Sim No

    Sim

    Governo central limitado parainiciar legislao

    ealta probabilidade de fracasso

    na aprovao(ex.: Sua)

    Governo central com autoridadepara iniciar legislao

    ealta probabilidade de fracasso

    na aprovao(ex.: Alemanha ps-1949)

    No

    Governo central limitado parainiciar legislao

    ealta probabilidade de sucesso na

    aprovao(ex.: Estados Unidos pr-1930)

    Governo central com autoridadepara iniciar legislao

    ealta probabilidade de sucesso na

    aprovao(Brasil ps-1988)

    Elaborao da autora.

    T2

    T1

    T1

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    8/47

    anos 1990 explicada por (a) mudanas nos poderes jurisdicionais daUnio; (b) mudanas nas iniciativas do Executivo federal; (c) mudan-as nas oportunidades de veto postas pelas instituies federativas ou,

    finalmente, por (d) mudanas nas preferncias dos atores com poderde veto.

    DEFINIES E PROCEDIMENTOS DE ANLISE

    Este artigo pretende identificar os fatores institucionais que tornampossvel Unio aprovar legislao que afete (mesmo que negativa-mente) interesses dos governos subnacionais no Brasil. Para isso, fo-ram selecionadas para anlise todas as iniciativas legislativas de inte-

    resse federativo envolvendo matrias relativas distribuio de au-toridade em questes de tributao, gastos e encargos , submetidas votao na Cmara dos Deputados, do governo Sarney (posteriormen-teaprovaodaCF88)aoprimeirogovernoLuizIncioLuladaSilva:no total, 59 iniciativas legislativas que tramitaram pelo Congressoentre 1989 e 2006.

    Em um segundo passo, o contedo de cada iniciativa legislativa foi

    examinado com base nas anlises do projeto original, dos debates emplenrioedadecisofinal,emconsultaaosDiriosdaCmaradosDe-putados. Essa anlise permitiu classificar as 59 iniciativas de acordocom o tipo de interesse dos governos subnacionais afetado por seucontedo, a saber:

    (a) matrias que afetaram as receitas de Estados e municpios;

    (b) matrias em que a legislao federal afeta a autonomia decisria

    dos governos subnacionais na arrecadao de seus prprios im-postos;

    (c) matrias em que a legislao federal afeta a autonomia decisriados governos subnacionais no exerccio de suas prprias compe-tncias;

    (d) matrias em que a legislao federal afeta a autonomia decisriados governos subnacionais para decidir sobre a alocao de suasprprias receitas.

    O Quadro 2 apresenta essas matrias classificando-as segundo o tipode interesse federativo afetado, bem como segundo seu efeito sobre asdeliberaes da CF 885. Esse quadro nos permite constatar que essaanlise agregada envolve matrias em relao s quais no seria de se

    384

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    9/47

    esperaramobilizaodevetoporpartedosgovernossubnacionais,talcomo sugerido por Desposato (2004:279). A classificao por tipo deassunto permite identificar quais unidades constituintes eram afeta-

    das pelas medidas (quarta coluna do Quadro 2) e testar hipteses rela-tivasaseu(provvel)interessedeveto.Almdisso,essaseleoabran-gente6 visou evitar o risco de um vis de seleo pela varivel depen-dente, frequentemente associada aos estudos de caso, permitindoavaliar a inteira variao da varivel dependente (King, Keohane eVerba, 1994:115 e ss).

    O terceiro passo da anlise consistiu em testar empiricamente as hip-teses apresentadas anteriormente, isto , se a legislao aprovada ex-

    plicada por (i) mudanas na distribuio jurisdicional de autoridade,por (ii) mudanas nas oportunidades institucionais de veto dos gover-nos subnacionais ou ainda por (iii) mudanas nas estratgias dos prin-cipais atores, quais sejam: o presidente, os governadores ou as banca-das estaduais na Cmara dos Deputados. Para controlar os resultadospelas mudanas nas iniciativas do presidente, foram examinados to-dos os governos posteriores aprovao da Constituio Federal de1988, ou seja, governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso I e

    II, e Luiz Incio Lula da Silva I7. Por fim, para controlar os resultadospormudanasnocomportamentodosatores,foiexaminadoocompor-tamentodasbancadasestaduaisnasvotaesnominaisnaCmaradosDeputados. Para tanto, foi mensurada a coeso de cada bancada esta-dual com base no ndice de Rice8, bem como suas taxas de disciplinapartidria9 em relao orientao de voto do governo10 e em relaoaos respectivos governadores11. Note-se que o objetivo desta seoconsiste em examinar se ocorreram mudanas no comportamento

    dessas variveis ao longo de todo o perodo, a fim de testar empirica-mente sua coincidncia temporal com as mudanas na varivel depen-dente12.

    O QUE DE FATO MUDOU NOS ANOS 1990?

    Nesta seo, analisado o contedo da legislao aprovada a partir de1989, visando identificar em que medida as mudanas reverteram

    a distribuio original de autoridade sobre a arrecadao de tributos, aimplementao de polticas pblicas, a autoridade sobre gastos, assimcomo sobre as receitas dos governos subnacionais. Essa anlise foi rea-lizadacombasenadistinoconceitualentreresponsabilidades na execu-o de polticas e autoridade decisria sobre tais competncias, em linha

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    385

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    10/47

    386

    Marta Arretche

    Quadro2

    Matri

    asdeInteresseFederativose

    gundoCaractersticasSelecionadas

    1989-2006

    TipodeMatria

    Legislao

    Efeitosobrea

    CF88

    UnidadesFederativasAfetadas

    MandatoPresidencialda

    Aprova

    o

    Retenode

    receita

    FSE

    FundodeEstabilizaoFiscal(FEF)

    Reverte

    PenalizafortementeasregiesNor-

    te,NordesteeCentro-Oeste;

    penali-

    zamunicpios

    ItamarFranco

    FernandoHenriqueI

    Legislasobre

    impostosdos

    governos

    subnacionais

    LeiKandir

    ImpostosobreServiosdeQualquer

    Natureza(ISS)sobrepe

    dgios

    IncidnciadoISS

    Taxadeiluminaopb

    lica

    Complementa

    PenalizaEstadosexportadores

    FernandoHenriqueI

    FernandoHenriqueII

    Legislasobre

    polticasdos

    governos

    subnacionais

    LeideConcesses

    LeideLicitaes

    LeideDiretrizeseBases(LDB)

    Administraopblica

    Contrataodeservidores

    EstatutodaCidade

    Remuneraoesubsdios

    Legislativosmunicipais

    Gscanalizado

    Previdncia

    Criaodemunicpios

    Complementa

    TodasasUnidadesFederativ

    as

    FernandoHenriqueI

    FernandoHenriqueII

    (continua)

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    11/47

    387

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    Quadro2

    Matri

    asdeInteresseFederativose

    gundoCaractersticasSelecionadas

    1989-2006

    TipodeMatria

    Legislao

    Efeitosobrea

    CF88

    UnidadesFederativasAfetadas

    MandatoPresidencialda

    Aprova

    o

    Legislasobreg

    astos

    dosgovernos

    subnacionais

    LeiCamata

    Fundef(FundodeManu

    tenoeDe-

    senvolvimentodoEnsinoFundamen-

    taledeValorizaodo

    Magistrio)/

    Fundeb(FundodeManu

    tenoeDe-

    senvolvimentodaEduca

    oBsicae

    deValorizaodosPro

    fissionaisda

    Educao)

    Vinculaodasade

    Regimesprevidencirios

    Precatrios

    FundodeCombatePob

    reza

    LeideResponsabilidade

    Fiscal(LRF)

    Reverte

    TodasasUnidadesFederativas

    FernandoHenriqueI

    FernandoHenriqueII

    Lula

    Fonte:Diriosd

    aCmaradosDeputados.

    (continuao)

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    12/47

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    13/47

    FSE/FEF/DRU, e as concesses feitas foram residuais quando compa-radas aos ganhos da Unio.

    As matrias em que a Unio legislou sobre impostos estaduais e municipaisforam aprovadas no governo Fernando Henrique. Trata-se da aprova-o da Lei Kandir e da autorizao para que os municpios inclussemas tarifas de pedgio na cobrana do ISS e institussem taxas de ilumi-nao pblica. A Lei Kandir imps perdas importantes de receita aosEstados exportadores14, ao passo que as tarifas de pedgio ampliarama base tributria dos municpios. Contudo, a aprovao dessas leis noapenas no alterou a distribuio de autoridade tributria prevista naCF 88 como de fato representou a continuidade das disposies dessa

    Constituio.

    A Lei Kandir ficou conhecida como a lei que desonerou as exportaese os produtos semielaborados da incidncia do ICMS. Entretanto, teveumalcancemuitomaisamplo,poisfoidiscutidanaCmaradosDepu-tados como a lei que unificou todas as normas de arrecadao doICMS, envolvendo inclusive as regras pelas quais os Estados devolve-riam a quota-parte de seus prprios municpios. Para os parlamenta-

    res, na Cmara dos Deputados, a Lei Kandir veio resolver uma ausn-ciadenormatizaodaCF88,quehaviaatribudoprovisoriamenteaos Estados a autoridade para normatizar a cobrana do ICMS, pois oAto das Disposies Constitucionais Transitrias havia determinadoque o ICMS fosse regulado por uma lei complementar federal15.Assim, a aprovao dessa lei em nada alterou a distribuio jurisdicio-nal de autoridade tributria da Constituio de 1988, que j previa quea legislao que regula a arrecadao do ICMS deveria ser federal. Na

    verdade, os formuladores da CF 88 conceberam uma modalidade dedistribuio vertical de autoridade tributria que centraliza, na Unio,aprerrogativadedefinirasnormasdearrecadaoeabasedeincidn-cia dos impostos estaduais e municipais. Essa centralizao a contra-partida necessria da homogeneidade dessas regras no territrio na-cional.

    O mesmo princpio regeu a tramitao legislativa dos impostos muni-

    cipais. Crdulos da propalada tese de que se haviam convertido em en-tes federativos autnomos e que tinham autonomia sobre seus pr-prios impostos, muitos municpios ampliaram a cobrana de ISS sobreospedgioseinstituramtaxasdeiluminaopblica.Asconcession-rias das estradas recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    389

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    14/47

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    15/47

    do contrato original firmado em 1988, essa centralizao decisria emnada contraria os dispositivos estabelecidos por seus formuladores, re-presentando, na verdade, sua continuidade18.

    A Constituio de 1988 havia previsto competncias privativas daUnio em polticas a serem executadas por Estados e municpios. Essadeciso revela que os constituintes no apenas no pretenderam limi-tar a Unio em sua autoridade para legislar sobre as aes de Estados emunicpios como lhe autorizaram exclusividade para legislar sobrepolticas que estavam, nesse mesmo contexto, sendo transferidas paraEstados e municpios.

    Essa extenso da autoridade regulatria da Unio poderia ter geradouma reao de defesa da autonomia dos governos subnacionais na me-dida em que fortalecia o controle exercido pelo governo federal. Maisque isso, poderia ter dado origem a uma ampla coalizo de veto, umavez que afetava negativa e simultaneamente a autonomia decisria deEstados e municpios.

    Nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique, a aprovao de

    matriasemque a Unio limita a autonomia decisria dos gastos estaduais emunicipais revela que esse tema veio para o centro da agenda de gover-no. Essa legislao, de fato, representou uma mudana importante emrelao s deliberaes da CF 88, que conferia ampla autonomia degasto a Estados e municpios, excetuada a rea de ensino. A aprovaodessa legislao significou substancial reduo da autonomia decis-ria dos governos estaduais e municipais sobre a alocao de suasprprias despesas.

    Alm da Lei Camata, apenas o Fundef foi aprovado no primeiro man-datodeFernandoHenrique.Seusegundomandato,contudo,foiextre-mamente ativo na aprovao da legislao que vinculou receitas deEstados e municpios sade; obrigou Estados e municpios a criaremfundos de combate pobreza; determinou as condies e os prazos depagamento de precatrios; estabeleceu tetos para o gasto dos legislati-vosmunicipais,bemcomocompessoalativoeinativo;regulouosregi-

    mes previdencirios, alm de criar restries ao endividamento e expanso do gasto19.

    As emendas constitucionais de fato no apenas reverteram os princpiosde autonomia de gasto da CF 88 como tambm legislaram com detalhe a

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    391

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    16/47

    alocao dos gastos dos governos subnacionais, autorizando a inter-veno da Unio caso esses dispositivos no fossem cumpridos.

    Entretanto, parte dessa agenda de ordenamento das finanas dos go-vernos subnacionais estava dando continuidade s deliberaes daConstituio de 1988. Em seus arts. 163 e 169, a CF 88 remeteu para leicomplementar federal a definio das normas das finanas pblicas eos limites de despesa com pessoal ativo e inativo. Assim, os contedosdaLRFedaLeiCamatanoestavamprevistospelosconstituintes,masa regulamentao federal das finanas subnacionais no apenas nofoinegadapelocontratooriginalcomoeraesperadoqueassimofosse.

    Em suma, nos anos 1990, as elites do governo central foram muitobem-sucedidas em aprovar extensa legislao federal, que fortaleceu aautoridade da Unio sobre Estados e municpios na medida em queessalegislaoregulouextensivamenteomodocomoosgovernossub-nacionais arrecadavam seus impostos exclusivos, implementavam aspolticas sob sua responsabilidade e gastavam seus prprios recursos.A noo de que essa legislao teria representado uma ruptura radicalemrelaoaocontratooriginalde1988obscurece,contudo,oselemen-

    tos de continuidade entre 1988 e 1995. Ruptura e continuidade estive-ram presentes nas deliberaes dos anos 1990. Ruptura em relao autonomia subnacional sobre gastos, mas continuidade de um modelode Estado federativo que confere autoridade Unio para regular omodo como Estados e municpios devem executar suas prprias com-petncias sobre impostos, polticas e gastos. A legislao federal dosanos 1990 no inaugurou um novo modelo de Estado federativo. Seusprincpios normativos j estavam presentes na Constituio de 1988.

    DE COMO 1988 FACILITOU 1995: DETERMINANTES INSTITUCIONAIS DASMUDANAS

    Nesta seo, so examinados os determinantes institucionais da legis-lao aprovada nos anos 1990 cujo contedo afetou negativamenteas receitas, bem como a autoridade sobre impostos, polticas e gastosdosgovernossubnacionais. AseoanterioreoQuadro2revelamque

    a maior parte dessa legislao foi aprovada durante o governo FernandoHenrique Cardoso, confirmando o que demonstraram diversos auto-res (Abrucio e Costa, 1999; Samuels e Mainwaring, 2004; Melo, 2005),embora os governos Itamar Franco e Luiz Incio Lula da Silva tambmtenham aprovado medidas de contedo similar. Entretanto, para iden-

    392

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    17/47

    tificar os fatores que explicam o sucesso parlamentar dos presidentes, necessrio dar um passo adicional identificao do presidente cujomandato concentrou matrias legislativas aprovadas. preciso testar

    empiricamente se a ausncia de medidas aprovadas est associada aofracasso parlamentar dos presidentes anteriores (hiptese do governocentral fraco) ou, alternativamente, se essa ausncia se deve ao fato deos presidentes anteriores no iniciarem esse tipo de legislao. Em se-gundo lugar, para testar a hiptese de que o sucesso parlamentar deFernandoHenriquesedeveuaumaatualizaodoclculopolticodosgovernadores, causando comportamento cooperativo das bancadasestaduais no Congresso, preciso testar empiricamente se esse com-portamento no foi cooperativo com os presidentes anteriores.

    As Preferncias dos Presidentes

    OsgovernosFernandoCollordeMelloeItamarFrancoforamextrema-mente tmidos para submeter ao Congresso matrias de interesse fede-rativo. Collor no partilhava a preferncia pelo modelo descentraliza-do de execuo de polticas pblicas aprovado na CF 88. Na verdade,pretendeu reverter esse modelo. Nomeou para ministro da Sade um

    ex-dirigente do Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdn-cia Social (Inamps) e vetou 25 artigos da Lei Orgnica da Sade, apro-vada por unanimidade na Cmara dos Deputados (Arretche, 2004).Alm disso, a agenda poltica do segundo ano de seu mandato estevefortementeocupadaporseuimpeachment.difcilprecisaraagendadaampla coalizo de sustentao do curto e tempestuoso mandato de Ita-mar Franco, embora a LDB, a Lei de Concesses e a primeira e maisdura verso do FSE tenham sido aprovadas em seus dois anos de

    mandato. Sua gesto como governador de Minas Gerais, no entanto,autoriza a duvidar que Itamar tivesse claras preferncias por um mo-delo de Estado federativo em que a Unio exercesse sua autoridadepara regular as polticas e os gastos dos governos subnacionais 20.

    OsenadorFernandoHenriqueCardoso,aocontrrio,jhaviaapresen-tado, em 1991, um projeto de lei que disciplinava as concesses de ser-vios pblicos em todos os nveis de governo, cuja proposta original j

    revelava sua preferncia por um modelo de Estado federativo compa-tvel com aquele adotado pelos constituintes em 1988.

    A regulao dos impostos, das polticas e dos gastos dos governos sub-nacionais esteve no centro da agenda do presidente Fernando Henri-

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    393

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    18/47

    que.Seusdoismandatosforambemmaisativosdoqueosdeseusante-

    cessores na proposio de matrias legislativas desse tipo (ver Tabela121). Das 59 matrias desse estudo, quatorze tramitaram no Congressoem seu primeiro mandato contra apenas trs no governo FernandoCollor e seis no governo Itamar. Seu segundo mandato foi ainda maisativo do que o primeiro, tendo submetido votao 24 matrias queafetavam os interesses de Estados e municpios.

    Essa mudana na agenda da presidncia pode ser mais bem observada

    no Grfico 1. Para qualquer uma das matrias examinadas, o Congres-so foi chamado para deliberar sobre um maior nmero de iniciativaslegislativas durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Seuprimeiromandatodeuprioridaderegulaodaspolticasexecutadaspor Estados e municpios, ao passo que, durante seu segundo manda-to, o Congresso foi chamado para deliberar sobre a regulao federaldos impostos, das polticas e dos gastos dos governos subnacionais.

    Fernando Collor e Itamar Franco no obtiveram fracasso parlamentarem suas iniciativas. A Cmara dos Deputados aprovou todas as mat-rias votadas durante os governos Collor, Fernando Henrique e Lula I,tendo rejeitado apenas uma matria votada no governo Itamar (verTabela 1).

    394

    Marta Arretche

    01

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    Collor Itamar FHC I FHC II Lula I

    Receitas Impostos Polticas Gastos

    Grfico 1

    Iniciativas Legislativas por Presidente e Tipo de Interesse Federativo

    Fonte: Dirios da Cmara dos Deputados.

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    19/47

    395

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    Tabela1

    IniciativasLegislativasporPresidente,TipoeResultado

    1989-2006

    TipodeIntere

    sseFederativo

    T

    ipodeMatria

    R

    esultado

    PEC*

    PLP

    PL

    MPV

    Aprovado

    Rejeitado

    EmTramitao

    Prejudicado

    Arquivado

    Vetado

    FernandoCo

    llordeMello

    Retenodere

    ceitas

    Impostossubnacionais

    Polticassubna

    cionais

    2

    1

    1

    Gastossubnacionais

    1

    1

    Itamar

    Franco

    Retenodere

    ceitas

    1

    1

    Impostossubnacionais

    1

    1

    Polticassubna

    cionais

    3

    2

    1

    Gastossubnacionais

    1

    1

    FernandoHenriqueCardosoI

    Retenodere

    ceitas

    2

    2

    Impostossubnacionais

    3

    2

    1

    Polticassubna

    cionais

    4

    1

    3

    8

    Gastossubnacionais

    1

    1

    FernandoHenriqueCardosoII

    Retenodere

    ceitas

    1

    1

    Impostossubnacionais

    2

    5

    6

    1

    Polticassubna

    cionais

    1

    2

    5

    7

    1

    Gastossubnacionais

    4

    3

    1

    7

    1

    LuizIncioL

    uladaSilvaI

    Retenodere

    ceitas

    Impostossubnacionais

    3

    2

    1

    4

    Polticassubna

    cionais

    3

    1

    1

    4

    1

    Gastossubnacionais

    1

    1

    Total

    23

    19

    9

    8

    48

    1

    2

    3

    2

    1

    Fontes:BancodeDadosLegislativosdoCebrape

    DiriosdaCmaradosDeputado

    s.

    *PEC(proposta

    deemendaConstituio);PLP(projetodeleicomplementar);PL

    (projetodelei);MPV(medidapro

    visria).

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    20/47

    Pode-se argumentar, corretamente, que essas medidas quantitativasso excessivamente cruas, por considerarem equivalentes matrias derelevncia e contedo muito distintos. No se pode afirmar, contudo,

    que a Lei de Concesses, a Lei Camata, a Lei de Licitaes e a LDBsejam irrelevantes; e foram aprovadas nos governos Collor e Itamarquando submetidas votao. Portanto, no h evidncia empricade que o fortalecimento da regulao federal no governo FernandoHenrique tenha sido precedido de fracasso parlamentar dos presiden-tes anteriores. O fato que Fernando Collor e Itamar Franco tiverammuito poucas iniciativas para regular os governos subnacionais. Emsuma, as mudanas institucionais ocorridas a partir de 1995 so par-cialmente explicadas pela mudana na agenda da presidncia, no ha-vendoevidnciasdefracassoparlamentardospresidentesanterioreseposteriores a Fernando Henrique Cardoso.

    Mudanas no Comportamento das Bancadas Estaduais

    As 59 matrias totalizaram 450 votaes nominais. Foram excludasvinte votaes invlidas aquelas em que no houve qurum para vo-tao e 131 votaes unnimes aquelas em que todas as lideranas

    partidrias tiveram a mesma orientao de voto22 , razo pela qualno possvel determinar a fidelidade dos parlamentares. Restam,portanto, 308 votaes nominais para as quais possvel examinar acoeso e a fidelidade dos parlamentares por bancada estadual.

    Em todos os grficos desta seo, as bancadas estaduais esto ordena-das da esquerda para a direita pelo ndice de Rice23. Assim, caso a ban-cada estadual votasse de modo coeso, esse ndice seria prximo de

    cem. Caso contrrio, se a bancada estadual estivesse rigorosamente di-vidida, seria prximo de zero24. As demais medidas avaliam a discipli-na dos parlamentares em relao orientao de voto de seu respecti-vo lder partidrio, orientao de voto do lder do governo e orien-tao de voto do lder do partido a que pertence o governador dorespectivo Estado.

    No governo Fernando Collor (Grfico 2), foram aprovadas a Lei de

    Concesses e a Lei Camata, alm do primeiroturno da Lei de Licitaes(ver Tabela 1 do Anexo). Portanto, essas matrias limitavam a autori-dade de todos os governos subnacionais, indistintamente, sobre suasprpriaspolticaseseusprpriosgastos.Adespeitodisso,asbancadasestaduais no vetaram as propostas, visando defender a autonomia de

    396

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    21/47

    gastoedecontrataodeseusgovernadoreseprefeitos.Emapenasum

    caso (Distrito Federal), a maioria da bancada votou contra o governo.Isso significa que, caso governadores e prefeitos tenham sido contr-rios a essas medidas, no foram capazes de mobilizar suas bancadaspara vetar a medida. Mais que isso, o voto contrrio orientao do l-der do governo no pode ser creditado orientao do governador,pois o comportamento regular dos parlamentares foi de fidelidade orientao dos lderes partidrios (observe-se que a taxa de fidelidadeao respectivo lder partidrio sistematicamente superior quela quemede a fidelidade ao partido do governador). Isso significa que, quan-do os parlamentares no votam com o lder do governo isto , nocooperam com o presidente , esse resultado explicado pela dificul-dade de o presidente obter apoio dos partidos, em particular doPMDB25.

    No governo Itamar Franco (Grfico 3), foram votadas a Lei de Licita-es, a LDB, uma lei de autoria do senador Fernando Henrique que ex-

    cluiria as exportaes do (ento) Imposto sobre Servios de QualquerNatureza (ISSQN), um projeto de lei que criaria um sistema nacionalde educao tecnolgica e um projeto de lei complementar que criariauma aposentadoria especial para os profissionais de sade de todos osnveis de governo, alm da verso mais dura do FSE, que expropria-

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    397

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    100

    110

    MatoGrosso

    Alagoas

    Roraima

    Sergipe

    Acre

    EspritoSanto

    RioG.

    doNorte

    Maranho

    Amazonas

    MatoG.

    doSul

    Tocantins

    Rondnia

    Amap

    Gois

    Piau

    Pernambuco

    SantaCatarina

    Par

    Cear

    Paraba

    Paran

    RioG.

    doSul

    DistritoFederal

    Bahia

    SoPaulo

    RiodeJaneiro

    MinasGerais

    Rice Partido Governo Governador

    Grfico 2

    Fidelidade e Coeso das Bancadas Estaduais na Cmara dos Deputados

    Governo Fernando Collor de Mello

    Fonte: Banco de Dados Legislativos do Cebrap.

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    22/47

    va 20% das transferncias constitucionais a Estados e municpios (verTabela 1 do Anexo). Portanto, as medidas votadas afetavam tanto a au-tonomiadecisriadosgovernossubnacionaissobresuasprpriaspol-ticas quanto receitas dos Estados mais pobres da federao e dosmunicpios pequenos, sabidamente dependentes das transfernciasfederais.

    Adespeitodisso,emtodososestados,amaioriadosparlamentaresvo-tou favoravelmente orientao de voto do lder do governo. Assim, oplausvel interesse de veto dos perdedores governadores dos Esta-dos das regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste no se traduziu emvoto contrrio da maioria dos representantes das bancadas dessesEstados. Os governadores no tiveram capacidade de comando supe-rior dos lderes partidrios nessas votaes, visto que (com exceodeSergipe)ataxadefidelidadeorientaodevotodolderpartidrio

    foi superior taxa de fidelidade orientao de voto do partido dogovernador.

    No governo Fernando Henrique Cardoso I (Grfico 4), foram votadastanto medidas que suprimiam receitas de Estados e municpios (como

    398

    Marta Arretche

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    100

    Sergipe

    Amazonas

    RioG

    .doNorte

    MatoGrosso

    Maranho

    MinasGerais

    Alagoas

    MatoG

    .doSul

    Cear

    Roraima

    Paraba

    Piau

    Pernambuco

    Tocantins

    RiodeJaneiro

    EspritoSanto

    Amap

    Gois

    Paran

    SoPaulo

    Par

    Bahia

    RioG

    .doSul

    SantaCatarina

    DistritoFederal

    Rondnia

    Acre

    Rice P artido Go verno Governador

    Grfico 3

    Fidelidade e Coeso das Bancadas Estaduais na Cmara dos Deputados

    Governo Itamar Franco

    Fonte: Banco de Dados Legislativos do Cebrap.

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    23/47

    o FSE e a Lei Kandir) quanto iniciativas legislativas que disciplina-ram o modo como os governos territoriais arrecadariam seus prpriostributos (Lei Kandir), exerceriam suas prprias competncias (Lei deConcesses, previdncia, captulo da Administrao Pblica, LDB) egastariam suas prprias receitas (Fundef). Portanto, o contedo daspropostas votadas na Cmara dos Deputados, no governo FernandoHenrique, no substancialmente distinto daquele votado durante osmandatos dos presidentes anteriores.

    Entretanto, no h evidncia de que os fatores que permitiram o suces-soparlamentardospresidentesanterioressejamdistintosdosobserva-dos para o governo Fernando Henrique. Esse sucesso no pode ser in-terpretado como derivado de uma estratgia de apresentao de pro-postasnopolmicasquetenhaobtidoapoioporquefoicapazdeante-cipar o voto contrrio de bancadas potencialmente hostis. As matrias

    que tramitaram no Congresso foram majoritariamente caracterizadaspela imposio de perdas aos governos territoriais, em particularnosmandatosdopresidenteFernandoHenrique.Aretenodastrans-ferncias constitucionais reverteu, por um perodo de cinco anos, 20%das receitas automticas de Estados e municpios, penalizando mais

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    399

    Rice Partido Governo Governador

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    100

    Roraima

    Tocantins

    Piau

    RioG

    .doNorte

    Amazonas

    MatoG

    .doSu

    l

    Rondnia

    MatoGrosso

    Maranho

    Paraba

    Gois

    Acre

    Alagoas

    Cear

    Bahia

    MinasGerais

    Paran

    Amap

    Sergipe

    SantaCatarina

    EspritoSanto

    Par

    SoPaulo

    Pernambuco

    RiodeJaneiro

    DistritoFedera

    l

    RioG

    .doSu

    l

    Grfico 4

    Fidelidade e Coeso das Bancadas Estaduais na Cmara dos Deputados

    Governo Fernando Henrique Cardoso I

    Fonte: Banco de Dados Legislativos do Cebrap.

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    24/47

    fortemente os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e os peque-nos municpios, ou seja, unidades subnacionais s quais se atribui opoder de veto de minorias sobrerrepresentadas no Congresso. A Lei

    Kandir penalizou as receitas dos Estados exportadores unidadessubnacionais s quais se atribui poder de veto associado sua impor-tncia econmica na federao. A limitao da autonomia decisriadas unidades federativas sobre seus prprios gastos afetou negativa-mente todos os governos subnacionais. A Lei de Responsabilidade Fis-cal (LRF), bem como um conjunto de outras leis, ampliou a extensoem que a Unio normatiza o modo como Estados e municpios execu-tam suas prprias polticas e recolhem seus prprios impostos, afetan-dotodososmembrosdafederao(Quadro1).Emsuma,oconjuntodemedidas imps perdas a todos os tipos de minoria subnacional aosquais a literatura tem atribudo poderes de veto para impedir suaaprovao.

    Alm disso, na tramitao da maior parte desses projetos, a oposioutilizou extensivamente o argumento do ataque s prerrogativas dosgovernos subnacionais para impor custos polticos coalizo de sus-tentao do presidente. A despeito disso, o comportamento das vari-

    veis que estamos analisando basicamente o mesmo para todos os pre-sidentes: da mesma forma que para os governos anteriores, a maioriados parlamentares de cada Estado apoia as iniciativas do governo fe-deral,sendosuafidelidadeorientaodevotodoslderespartidriosque explica esse comportamento.

    Nos grandes Estados, agora comandados por governadores do mesmopartidodopresidenteasaber,SoPaulo,MinasGeraiseRiodeJanei-ro,asbancadasapresentamtaxasdecoesoinferioresa60%,indican-

    do que pelo menos 20% dos parlamentares presentes no votaram deacordocomamaioriadabancada.Naverdade,emmdia,40%dospar-lamentares das bancadas de So Paulo e Rio de Janeiro que comparece-ram s votaes votaram contra a orientaodevotodolderdogoverno.Portanto, no possvel creditar o sucesso parlamentar do presidentena aprovao dessas medidas ao apoio dos governadores de seu parti-do. Nem sequer possvel creditar esse sucesso exclusivamente aoapoio dos governadores.

    Como j apontado anteriormente, o segundo governo Fernando Hen-rique foi extremamente ativo na aprovao de um pacote de medidasque (i) disciplinou a arrecadao dos impostos municipais, definindoas bases de incidncia do ISS; (ii) disciplinou as finanas pblicas esta-

    400

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    25/47

    duaisemunicipais,comaaprovaodaLRF;(iii)reverteuaautonomiade gasto dos governos subnacionais prevista na CF 88, com a aprova-o dos Fundos de Combate Pobreza, da vinculao de gasto comsade, da legislao que rege o pagamento de precatrios e os gastosdos legislativos municipais, bem como (iv) definiu como os governosmunicipais exerceriam suas prprias competncias, com a aprovaodo Estatuto da Cidade.

    razovel esperar que governadores e prefeitos mobilizassem seus re-presentantes para vetar essas matrias. No entanto, como se pode ob-servar, caso o tenham feito, no obtiveram sucesso, pois o voto favor-vel , em mdia, superior a 60% em cada bancada estadual. No h evi-

    dncias que autorizem afirmar que o apoio dos governadores tenhasido essencial para o sucesso legislativo do governo Fernando Henri-que II. Observe-se que as taxas de fidelidade orientao de voto dopartido do governador so as mais baixas para quase todas as banca-das estaduais (Grfico 5).

    Nessesegundomandato,oPSDBperdeuaseleiesemMinasGeraiseno Rio de Janeiro, ficando no comando do Estado de So Paulo, quetem a maior bancada do pas. Entretanto, observe-se que So Pauloapresentou uma das mais baixas taxas de coeso, acompanhada deuma elevada taxa de fidelidade partidria, isto , a bancada paulistaestavarigorosamentedivididasituaoindicadapelofatodeastaxas

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    401

    Rice Partido Governo Governador

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    100

    Mat

    oGrosso

    RioG

    .d

    oNorte

    Piau

    Amap

    Roraima

    Paraba

    Bahia

    Paran

    M

    aranho

    Cear

    Gois

    Alagoas

    Santa

    Ca

    tarina

    Par

    Rondnia

    Minas

    Sergipe

    Espri

    toSan

    to

    Pernam

    buco

    Ma

    to

    G.d

    oSu

    l

    Acre

    Distrito

    Rio

    G.d

    oSu

    l

    S

    oPaulo

    Riod

    eJane

    iro

    A

    mazonas

    Tocantins

    Grfico 5

    Fidelidade e Coeso das Bancadas Estaduais na Cmara dos Deputados

    Governo Fernando Henrique Cardoso II

    Fonte: Banco de Dados Legislativos do Cebrap.

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    26/47

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    27/47

    rior a 60%. Mais uma vez, a fidelidade dos parlamentares a suas res-pectivas lideranas partidrias que explica o sucesso parlamentar dopresidente na aprovao dessas medidas.

    Emsuma,ocomportamentodasbancadasestaduaisnavotaodema-trias de interesse federativo no parece ter apresentado alterao sig-nificativanoperodops-1988.Dessemodo,nosepodeatribuirofatode os mandatos de Fernando Henrique Cardoso terem concentrado aaprovao dessas matrias a uma mudana no comportamento das

    bancadasestaduaisemrelaoaopresidente.Assim,emboraosgover-nadores possam ter atualizado seu clculo poltico no que tange suarelao com o presidente, essa mudana no parece ser a causa do su-

    cesso parlamentar de Fernando Henrique. Em primeiro lugar, porque,como tambm demonstraram Cheibub, Figueiredo e Limongi (2006;2009),nohevidnciasrobustasdequeosgovernadorestenhammaiorpoder de comando sobre o voto dos parlamentares do que os lderespartidrios. Em segundo lugar, porque as matrias que foram vota-o na Cmara dos Deputados obtiveram apoio da maioria das banca-das estaduais, a despeito de seu contedo de imposio de perdas.Na verdade, a mudana ocorrida no governo Fernando Henrique Car-

    doso diz respeito agenda do presidente, esta, sim, concentrada emfortalecer a capacidade de regulao do governo federal sobre os go-vernos subnacionais.

    INSTITUIES FEDERATIVAS E PODER DE VETO

    Resta examinar por que a tramitao dessas matrias essencialmenteum jogo entre o presidente, as bancadas estaduais e os partidos polti-

    cos no Congresso. Requer explicao o fato de as matrias de interessefederativo serem processadas nesses termos. Isso diz respeito s regrasestabelecidas pela CF 88 para processar as interaes futuras entre asunidades da federao.

    A Autoridade Jurisdicional da Unio

    Os formuladores da Constituio no parecem ter pretendido limitar

    asiniciativaslegislativasdaUnio.Nomesmoatocomqueaprovaramum modelo de Estado federativo que transferia competncias sobre aexecuo de polticas para os governos subnacionais, aprovaram dispo-sitivos constitucionais que davam ampla autoridade Unio para le-gislar sobre essas mesmas polticas. Tambm no parecem ter preten-

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    403

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    28/47

    dido construir um Estado federativo em que os governos subnacionaistivessem autoridade exclusiva para legislar e executar suas prpriaspolticas. Longe de criar uma federao com um centro limitado,

    conferiram amplos poderes jurisdicionais Unio., de certo modo, surpreendente que esse aspecto tenha sido pouco ex-plorado pela literatura, a despeito da centralidade do federalismona agenda de pesquisas sobre as instituies polticas brasileiras. Defato, em muitos pases federativos, bem como unitrios , a disputaentre jurisdies um elemento central dos conflitos sobre a produode polticas pblicas (Obinger et alii, 2005:266 e ss; Moore, Jacoby eGunlicks, 2008).

    ACF88(noart.21)lista25reasdecompetnciadaUnio,queincluemas polticas de comunicao, de infraestrutura, de desenvolvimentourbano,deenergiaedetransporte,almdeelaborareexecutarplanosnacionais e regionais de ordenao do territrio e de desenvolvimentoeconmico e social. Assim, j em 1988, a Unio estava autorizada a le-gislar sobre todas as polticas estratgicas, mesmo que estas fossem imple-mentadas pelos governos subnacionais. Alm disso, o art. 22 lista 29 reas

    de competncia privativa da Unio, que incluem polticas que seriamexecutadas porEstadosemunicpios,taiscomo: todas as reas dodireito,guas, energia, telecomunicaes, radiodifuso, transportes, empre-go, polcias militares, seguridade social, diretrizes da educao, assimcomonormasdelicitaoecontratao(verQuadro3).Somadas,essasreas representam 56 itens. Ao atribuir sua competncia Unio, osconstituintes limitaram, de fato, a formulao autnoma de polticaspor parte dos governos subnacionais.

    Oart.24,quecontacomapenas16incisos,listaasreasemqueascom-petnciassoconcorrentes,ouseja,aquelassobreasquaisUnio,Esta-dos e municpios poderiam legislar. Essas reas incluem o meio ambi-ente, a educao, a previdncia, bem como a assistncia juventude(ver Quadro 3).

    Em outros termos: em que rea de poltica pblica estava a Unio im-pedida de legislar pela CF 88? Se a resposta a essa questo listasse a

    rea de desenvolvimento urbano, por exemplo, o Estatuto da Cidadeteria sido barrado na Comisso de Constituio e Justia, por ter aUnio atravessado uma fronteira de jurisdio. Se a resposta a essaquesto envolvesse as normas de contratao de pessoal, o governo fe-deral seria obrigado a adotar a estratgia T1 (no Quadro 1) para apre-

    404

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    29/47

    405

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    Quadro3

    Compet

    nciasLegislativasemreas

    SelecionadasdePolticasP

    blicas(1)

    Constituiode198

    8(primeiraverso)

    Artigos

    reasdePolticasPb

    licas

    Art.21:

    CompeteUn

    io

    IX[...]ordenaodoterritrioededesenvolvimento

    econmicoesocial;

    XI[...]serviostelefnicos,telegrficos,detransmiss

    odedadosedemaisserviosp

    blicosdetelecomunicaes[...].

    XIIa)osserviosder

    adiodifusosonora,desonseimagensedemaisserviosdetelecomunicaes;

    b)osservioseinstala

    esdeenergiaeltricaeoaproveitamentoenergticodoscursosdegua[...];

    c)[...]infra-estruturaaeroporturia;

    d)osserviosdetransp

    orteferrovirioeaquavirio[..

    .];

    e)osportosmartimos,

    fluviaiselacustres.

    XIXinstituirsistemanacionaldegerenciamentoderecursoshdricosedefinircritriosdeoutorgadedireitosdeseu

    uso;

    XXinstituirdiretrizesparaodesenvolvimentourban

    o,inclusivehabitao,saneame

    ntoetransportesurbanos.

    Art.22:

    Competepriv

    ativa-

    menteUniole-

    gislarsobre

    Idireitocivil,comercial,penal,processual,eleitoral,

    agrrio,martimo,aeronutico,

    espacialedotrabalho;

    IVguas,energia,inf

    ormtica,telecomunicaesera

    diodifuso;

    IXdiretrizesdapolti

    canacionaldetransportes;

    Xregimedosportos,navegaolacustre,fluvial,martima,areaeaeroespacial;

    XItrnsitoetranspor

    te;

    XVIorganizaodos

    istemanacionaldeempregoecondiesparaoexercciodeprofisses;

    XXInormasgeraisde

    organizao,efetivos,material

    blico,garantias,convocaoe

    mobilizaodaspolciasmilitaresecorposde

    bombeirosmilitares;

    XXIIIseguridadesocial;

    XXIVdiretrizesebasesdaeducaonacional;

    XXVIInormasgeraisd

    elicitaoecontratao,emtod

    asasmodalidades,paraaadministraopblica,diretaeindireta,includasas

    fundaesinstitudase

    mantidaspeloPoderPblico,n

    asdiversasesferasdegoverno,eempresassobseucontrole.

    Art.24:

    CompeteUn

    io,

    aosEstadose

    ao

    DistritoFederalle-

    gislarconcorr

    ente-

    mentesobre

    Idireitotributrio,financeiro,penitencirio,econm

    icoeurbanstico;

    VI[...]proteodomeioambienteecontroledapoluio;

    IXeducao,cultura,

    ensinoedesporto;

    XIIprevidnciasocial,proteoedefesadasade;

    XIVproteoeintegr

    aosocialdaspessoasportado

    rasdedeficincia;

    XVproteoinfnciaejuventude.

    Nota:(1)Asele

    olistareasdepolticaspblica

    ssobexecuodosgovernossubnacionais.

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    30/47

    sentar a PEC que tratou do captulo da Administrao Pblica. Ou, al-ternativamente,esteteriaquetertidoumalcancemuitomaislimitado,pois no poderia reger as normas de contratao de Estados e munic-pios. Longe de limitar a Unio, os legisladores de 1988 conferiram-lheamplos poderes jurisdicionais.

    Alm disso, um aspecto pouco observado diz respeito s disposiestransitrias da Constituio. A Lei Camata e a LRF, por exemplo, quetiveram um impacto significativo sobre as finanas dos governos sub-nacionais,estavambaseadasnosarts.163e169daCF88,queremetiampara lei complementar federal a definio das normas das finanas p-

    blicas e os limites de despesa com pessoal ativo e inativo. A tramitao

    parlamentar de matrias to importantes como a Lei Kandir, a Lei deConcesses, a Lei de Licitaes, a LDB, o Estatuto da Cidade, o captuloda Administrao Pblica e a Lei das Parcerias Pblico-Privadas noenvolveu nenhuma alterao de poder jurisdicional, pois sua apresen-tao no obrigou a Unio a atravessar uma fronteira de jurisdio (T1no Quadro 1). Essas matrias apenas deram continuidade s disposi-es da Constituio.

    Emresumo,asprefernciasdosconstituintesjhaviamsidonosentido

    de atribuir Unio autoridade para legislar sobre as regras segundo asquais Estados e municpios arrecadariam seus prprios tributos, bemcomo as regras segundo as quais os governos subnacionais executa-riam parte importante das polticas descentralizadas.

    Os constituintes poderiam, entretanto, ter produzido um modelo deEstado federativo que produzisse sistematicamente joint-decision traps(Scharpf, 1988), caso tivessem combinado ampla autoridade jurisdi-cional da Unio com exigncias de supermaiorias para aprovao de

    matrias de interesse federativo. Examinemos, portanto, se as regrasprevistas pelos constituintes para reger as interaes futuras entreas unidades constituintes exigiam supermaiorias para aprovar mu-danas no status quo federativo.

    Poderes Institucionais de Veto dos Governos Subnacionais

    Ocontratooriginalde1988nopreviunenhumprocessodecisriodis-

    tinto para matrias legislativas que envolvam o status quo federativo.Isto , iniciativas legislativas que afetam interesses dos entes federati-vos tm as mesmas regras de tramitao que qualquer outro tipo dematria nas arenas legislativas federais. Portanto, os formuladores daConstituio no parecem ter previsto instituies polticas que impu-

    406

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    31/47

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    32/47

    parlamentar tambm foi a mais baixa em termos internacionais, deapenas trs quintos. Assim, no so necessrias supermaiorias para apro-var emendas Constituio, visto que uma maioria de 60% em quatro

    sesses relativamente prximas permite alterar a Carta.

    Alm disso, federaes que buscaram criar oportunidades de veto pa-ra emendar a Constituio instituram arenas adicionais de deciso27.No Brasil, diferentemente, a formao de uma coalizo majoritria nasarenas decisrias centrais condio suficiente para emendar a Cons-tituio. Nesse caso, aprovada uma emenda constitucional pelo Con-gresso,elapassaraterimediatavalidadeparatodososentesfederati-vos sem que estes tenham uma nova oportunidade institucional deveto. So essas regras que permitem que o jogo comece e terminecomo essencialmente um jogo entre o presidente, as bancadas esta-duais e os partidos no Congresso.

    Em suma, os formuladores da Constituio no parecem ter pretendi-doexigirquefossemnecessriassupermaioriasparaquemudanasnaCF88fossemaprovadas.Nempretenderamofereceroportunidadesdeveto aos opositores de reformas pela via de uma multiplicidade de are-

    nas decisrias. Ao contrrio, desde 1988, as oportunidades de veto dosgovernos territoriais foram pensadas como limitadas na medida emqueestoconcentradas,nasarenasdecisriascentrais,emumamesmalegislatura. Assim, um presidente que consiga reunir uma coalizomajoritria e estvel nas duas casas legislativas ter grandes chancesdeaprovaremendasConstituio,mesmoqueestasafetemnegativa-mente os interesses dos governos territoriais. Em outras palavras,minorias tm limitadas oportunidades institucionais de veto desde o

    contrato original de 1988.

    Disposies Constitucionais, Poder Jurisdicional e Poder de Veto

    Umaspectoaindapoucoexploradodasmudanasno status quo federa-tivo diz respeito ao fato de que essas mudanas no envolveram apenasemendas Constituio. Como j mencionado, matrias to importan-

    tes como a Lei Kandir, a Lei Camata e a LRF foram, na origem, projetosde lei complementar. Como declarou o relator da Lei Kandir, o deputadoLuizCarlosHauly(PSDB-PR),emumadascitaesnoinciodestearti-go, os formuladores da CF 88 haviam conferido provisoriamente aosEstadosaautoridadeparanormatizaracobranadoICMS at queuma

    408

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    33/47

    lei complementar federal o fizesse. Igualmente, a Lei Camata e a LRFtambm foram amparadas em disposies do mesmo tipo.

    certo que os formuladores da CF 88 no haviam previsto qual seria o

    contedo dessa legislao, mas j haviam atribudo Unio a compe-tncia para legislar sobre as finanas subnacionais. As deliberaes so-

    bre essas matrias no envolveram, portanto, recentralizao da auto-ridade na Unio, mas simcontinuidade e desenvolvimento de decisesda Assembleia Constituinte.

    Mais que isso, ao conferir Unio a autoridade para dar continuidade elaborao da Constituio em matrias dessa natureza, os consti-

    tuintes no pretenderam exigir supermaiorias para sua aprovao.Projetos de lei complementar podem ser iniciados em qualquer umadas casas legislativas Cmara dos Deputados ou Senado. A casa revi-sora pode apresentar emendas; mas, em caso de aprovao, a casa ini-ciadora no precisa aceit-las, ainda que, nesse caso, o projeto deva re-tornar casa iniciadora. Alm disso, necessria a maioria dos mem-

    bros das duas casas tanto para a votao nominal quanto para a apro-vao. Se houver aprovao nas duas casas, um projeto de lei comple-

    mentar pode ser aprovado por 51% dos membros em um turno devotao.

    Assim, desde o contrato original em 1988, as elites do governo centralnotinhamdiantedesiadifciltarefadereunirsupermaioriasemumamultiplicidade de pontos de veto para aprovar matrias to importan-tes quanto a LRF, por exemplo. Na verdade, um projeto de lei comple-mentar tem as exigncias mnimas de formao de maioria absoluta.Em outras palavras, para vetar a LRF, a minoria no contava com

    muitas oportunidades de veto.

    Pode-se argumentar, corretamente, que muitas disposies transit-rias das constituies brasileiras permanecem letra morta. Entretanto,o argumento apresentado aqui no que essa legislao foi iniciadaporqueaCFassimoexigiu.Diferentemente,oargumentosustentaqueas disposies transitrias no impediram que as elites do governo cen-tral iniciassem esse tipo de matria. Ou melhor, as disposies transi-

    trias permitiram que a agenda de governo federal, que visava regularas finanas e as polticas dos governos subnacionais, tenha sido apre-sentada e processada sob condies institucionais que facilitaram suaaprovao parlamentar, bem como limitaram as oportunidades deveto dos governos subnacionais.

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    409

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    34/47

    Matrias to importantes quanto a LDB, o Estatuto da Cidade, a Lei deConcesses, a Lei de Licitaes e as Parcerias Pblico-Privadas pude-ramtramitarsobaformadeprojetos de lei.Issoporquelegislavamsobre

    polticas que, embora executadas por Estados e municpios, eram decompetncia exclusiva da Unio. Essas matrias, portanto, no envol-veram recentralizao decisria ou supresso de prerrogativas dosgovernos subnacionais. Envolveram apenas a deliberao sobre ques-tes que, desde a CF 88, estavam previstas como matrias em que aUnio deveria legislar. Em outras palavras, puderam tramitar sob essaformaporquenoexigiramqueaUniotivessequeadotaraestratgiaT1 (Quadro 1) para legislar sobre essas matrias.

    O poder jurisdicional da Unio, nesses casos, facilita significativamen-te sua aprovao, bem como limita o veto dos governos subnacionais.Projetos de lei no exigem nem sequer maioria absoluta para aprova-o. Sua tramitao semelhante dos PLPs, isto , a casa iniciadorano est obrigada a incorporar mudanas apresentadas pela casa re-visria. Em outras palavras, se a casa revisora no rejeitar o projeto, a

    maioria nas duas casas suficiente para aprovao de um projeto delei. Este pode ser aprovado pela maioria simples dos presentes na ses-so e por votao simblica. A minoria pode exigir, no mximo, umavotao nominal para aprovao do requerimento de urgncia. Resta,portanto, para a oposio, unicamente a estratgia de tornar visvela responsabilidade pela deciso, tentando impor custos eleitorais aprovao de medidas de imposio de perdas. No entanto, as oportu-nidades de veto das minorias so bastante limitadas.

    Em suma, a combinao dos poderes jurisdicionais com as regras queregem o processo decisrio em matrias de interesse federativo forne-ceamplasoportunidadesdeiniciativaeaprovaoparlamentarsma-trias iniciadas pelas elites do governo central. Na verdade, so as eli-tes dos governos subnacionais que tm suas oportunidades de vetorestringidas a reunir maiorias oposicionistas na Cmara dos Deputa-dos, casa em que se inicia a maior parte das iniciativas legislativas. Anica estratgia de veto consiste em reunir uma maioria oposicionistano Senado ou na Cmara dos Deputados. O jogo tem grandes chancesde terminar se o presidente conseguir reunir uma coalizo majoritria

    baseada nos partidos que lhe do sustentao no Congresso.

    410

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    35/47

    CONCLUSES

    Os formuladores da Constituio de 1988 combinaram ampla autori-dade jurisdicional Unio com limitadas oportunidades institucio-nais de veto aos governos subnacionais. Assim, formularam um dese-nho de Estado federativo em que os governos subnacionais tm res-ponsabilidade pela execuo de polticas pblicas, mas autorizaram aUnio a legislar sobre suas aes. Alm disso, formularam regras quepermitem que a maioria, nas arenas decisrias centrais, aprove mu-danas no status quo federativo. Em suma, a CF 88 no produziu insti-tuiespolticasquetornariamogovernocentralfracoemfacedosgo-vernos subnacionais.

    Osconstituintesde1987-1988tambmautorizaramaUnioalegislaremalgumasreas,privativamentesobretodasasmatriasquedizemrespeito s aes de Estados e municpios. Assim, o modelo de Estadofederativo brasileiro autoriza as elites do governo central a apresentariniciativas legislativas em todas as reas relevantes de polticas pbli-cas,emparticularnaquelascujaexecuodecompetnciadeEstadose municpios. Em outras palavras, os formuladores da Constituio

    atriburam Unio a autoridade para regular as regras de execuo dascompetncias dos governos subnacionais tais como a arrecadao deseus prprios impostos, a seleo de seus prprios governantes e re-presentantes, e a implementao de suas principais polticas. Nessesentido, limitaram as iniciativas dos governos subnacionais.

    Alm disso, no criaram muitas oportunidades institucionais de vetos minorias, promovendo requerimentos especiais para aprovao dematrias legislativas que afetem os interesses dos governos subnacio-

    nais. No previram fortes protees institucionais para evitar que aUnio tomasse iniciativas para expropriar suas receitas ou mesmo suaautoridade sobre os impostos e as polticas sob sua competncia.

    Em suma, os formuladores no criaram um ambiente institucional quecongelasse a distribuio original de autoridade de 1988, dificultandoemendas Constituio. Adotaram uma das frmulas mais facilitado-rasparamudaraConstituionolequederegrasexistentesnomundo.

    Maiorias de trs quintos em duas sesses de cada casa legislativa, namesma legislatura, so suficientes para alterar as disposies do con-trato original. As oportunidades de veto mudana constitucional serestringem a essas arenas, limitando as oportunidades de veto dasminorias.

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    411

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    36/47

    Tambm parecem ter entendido como incompleta a Carta que estavamentregando nao. Assim, j em sua verso original, indicaram queela deveria ser complementada por legislao adicional, mas no con-

    sideraram que supermaiorias fossem necessrias para aprovao des-sa legislao complementar. Em suma, no estabeleceram regras queexigiriam a mobilizao de supermaiorias para alterar aquele contratooriginal.

    Desse modo, no criaram instituies federativas que tenham coloca-do as geraes futuras em joint-decision traps, qual seja, um desenhoinstitucional em que o centro est simultaneamente autorizado a legis-lar sobre as polticas dos governos subnacionais, mas paralisado por

    seus poderes de veto. Diferentemente, as instituies que regem as in-teraes entre as elites do governo central e as elites regionais permi-tem que uma preferncia majoritria nas duas casas centrais no en-contre obstculos institucionais para converter-se em poltica. Preen-chida essa condio, so limitadas as oportunidades de veto dasminorias.

    Naverdade,leisfederaisqueregulemaspolticasexecutadasporEsta-

    dos e municpios podem at mesmo surgir via projetos de lei ordinria nas diversas reas em que a Unio conta com competncias privati-vas , cujas regras de aprovao requerem maioria simples dos parla-mentares presentes nas sesses para converter-se em leis.

    A combinao de um presidente com uma agenda de reformas federa-tivas, apoiado em uma coalizo majoritria, concretizou-se apenas em1995. So esses fatores que explicam as amplas mudanas no status quofederativoocorridasdesdeento.Apartirde1995,aselitesdogoverno

    central usaram estrategicamente essas oportunidades institucionaispara ampliar a capacidade de regulao da Unio sobre as polticas deEstado e municpios. Essa no foi, portanto, uma trajetria de rupturade um governo central fraco em direo a um governo central forte.Antes,umcentrofortetornou-seaindamaisforte;1988facilitou1995.

    Acentralizaofederativade1995ocorreuporqueasregrasqueregemas interaes entre as elites do governo federal e dos governos subna-

    cionais favorecem as elites polticas instaladas no centro e limitam asoportunidades de veto das elites instaladas nos governos subnacio-nais. Desse modo, conflitos entre essas duas categorias de elites gover-namentais tendem a facilitar a aprovao das preferncias das primei-ras. Elites polticas instaladas no governo federal tendem a ter suas

    412

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    37/47

    preferncias de polticas alavancadas por um centro forte porque au-torizado a legislar sobre as aes de Estados e municpios, e semnecessidade de mobilizar coalizes supermajoritrias de apoio. As-

    sim, h mais continuidade entre as mudanas na estrutura federativada segunda metade da dcada de 1990 e o contrato original de 1988 doque a noo de uma ampla reestruturao das relaes intergoverna-mentais autorizaria supor.

    Na verdade, as interpretaes sobre a CF 88 maximizaram seus aspec-tos descentralizadores, ignorando inteiramente a extenso em queseus formuladores adotaram princpios centralizadores e mantive-ram, na esfera da Unio, decises que diziam respeito ao modo como

    os governos territoriais executariam suas prprias polticas.As frases que abrem este artigo so complementares. A afirmao dodeputado Antonio Geraldo (PFL-BA) pronunciada por ocasio dosdebates parlamentares na tramitao da PEC no 41/1991, que restrin-giu a autoridade dos Estados sobre a criao de municpios , bemcomo a afirmao do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) relatorda Lei Kandir , reveladora da continuidade entre preferncias majo-ritrias na constituinte de 1987-1988 e no processo decisrio da se-gundametadedosanos1990,cujoresultadofoitornarmaisforteocen-tro da federao brasileira.

    (Recebido para publicao em janeiro de 2009)(Verso definitiva em abril de 2009)

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    413

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    38/47

    NOTAS

    1. Samuels e Mainwaring (2004:86; traduo da autora), por exemplo, descrevem [...]o federalismo como um jogo de barganhas entre o governo central (o presidente, em

    particular) e os estados.2. Neste estudo, instituies federativas esto definidas como as regras que regem

    mudanas legislativas em matrias que afetam interesses das unidades da federa-o. Seu emprego aqui tem apenas a finalidade de distinguir a varivel dependente mudanas legislativas da varivel independente regras do jogo. Esse procedi-mentotemsidocrescentementeempregadopelosautoresparacontornaroproblemade que as anlises sobre federalismo no contam com consensos mnimos sobre ostermos utilizados, sendo marcadas pela profuso de termos iguais para designar ob-

    jetos diferentes, bem como pelo emprego de termos diferentes para analisar objetos

    empricos semelhantes. A esse respeito, ver Almeida (2001); Gibson (2004); Treisman(2007); e Souza (2008).

    3. O conceito de joint-decision trap (Scharpf, 1988) empregado para descrever contex-tosinstitucionaisdeparalisiadecisriaderivadosdacombinaoentrecentralizao

    jurisdicional da autoridade e poderes de veto dos governos subnacionais.

    4. Esta parece ser a interpretao de Abrucio e Costa (1999), para quem os impactos fis-cais do Plano Real, bem como a aprovao do Fundo Social de Emergncia (FSE), nogoverno Itamar, quando Fernando Henrique Cardoso era ministro da Economia, te-riam afetado negativamente as receitas dos governos territoriais, tornando os gover-

    nadores mais propensos a cooperar com o Executivo federal. Essa mudana nas pre-ferncias dos governadores, por sua vez, explicaria o comportamento cooperativodas bancadas estaduais no Congresso durante o governo Fernando Henrique.

    5. No Quadro 2, as polticas listadas envolveram mais de uma iniciativa legislativa. As59 iniciativas examinadas referem-se apenas aos temas listados no Quadro 1, comopode ser observado na Tabela 1 do Anexo.

    6. Foram excludos desta anlise dois tipos de matria legislativa: (i) aquelas em que ogoverno federal encaminhou solues para seus problemas de equilbrio fiscal viacriao de novas fontes de receita, tais como as propostas relativas ao Imposto sobre

    a Propriedade Territorial Rural (ITR) e criao do Imposto Provisrio sobre Manu-teno Financeira (IPMF)/Contribuio Provisria sobre Manuteno Financeira(CPMF)e da Contribuio de Interveno do Domnio Econmico (Cide); (ii) aquelasque envolveram reviso dos critrios de distribuio das transferncias constitucio-nais entre as unidades federativas.

    7. No governo Sarney, nenhuma matria legislativa que preenchesse todos os critriosdaanlisefoivotaonominalnaCmaradosDeputados.Assim,nopossvelfa-zernenhumaafirmaosobreocomportamentoparlamentaremmatriasdeinteres-se federativo em seu governo.

    8. O ndice de Rice foi calculado com base nadiferena, em cada votao nominal, entreos votos SIM e NO da bancada estadual, excludas as abstenes e faltas.

    9. A disciplina partidria foi calculada com base na mdia de parlamentares de cadabancada queseguiram a orientao de seurespectivo lder partidrio para cada vota-o em que essa indicao ocorreu, excludas as abstenes e faltas.

    414

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    39/47

    10. A disciplina em relao ao governo foi calculada com base na mdia de parlamenta-res de cada bancada estadual que seguiram a orientao do lder do governo paracada votao em que essa indicao ocorreu, excludas as abstenes e faltas.

    11. Adisciplinaemrelaoaogovernadorfoicalculadacombasenamdiadeparlamen-

    tares de cada bancada estadual que seguiram a orientao do lder do partido a quepertenciaogovernadorparacadavotaoemqueessaorientaoocorreu,excludasas abstenes e faltas.

    12. Esta seo no pretende, portanto, explicar o comportamento dos parlamentares naCmara dos Deputados. Cheibub, Figueiredo e Limongi (2006; 2009), e Desposato(2004) empregaram mtodos estatsticos mais sofisticados para determinar os fato-res que afetam esse comportamento.

    13. Para mais detalhes sobre o processo de tramitao parlamentar dessas matrias, verArretche (2008).

    14. Na verdade, tais perdas se estendem aos municpios em virtude de sua quota-partena arrecadao do ICMS.

    15. Os termos aspeados reproduzem as palavras do relator do PLP no 95/1996 (Lei Kan-dir) quando da discusso do projeto em votao de primeiro turno na Cmara dosDeputados em 27/8/1996.

    16. Para mais detalhes sobre a tramitao dessas matrias, ver Arretche (2008).

    17. Essa legislao envolve os regimes previdencirios de Estados e municpios, bemcomo sua participao nos regimes de previdncia complementar; determina sal-rios e subsdios dos cargos eleitos em todos os nveis de governo; estabelece os ter-

    mos para a concesso de servios pblicos dos governos subnacionais, assim comoas regras para contrataes e licitaes; define as regras para criao de municpiosno mbito de cada Estado; disciplina as normas gerais para demisso de funcion-rios pblicos, alm de disciplinar as regras segundo as quais os municpios devemexercer suas competncias na poltica de desenvolvimento urbano. Em suma, em con-

    junto, esse tipo de legislao disciplina grande parte das condies de execuo daspolticas pblicas sob competncia de Estados e municpios.

    18. O Estatuto da Cidade apenas regulamenta o art. 182 da CF 88, que estabelece que asdiretrizes gerais da poltica urbana a ser executada pelos municpios seriam defini-

    dasporleifederal,assimcomooart.21,quedefinecomocompetnciadaUnioins-tituirdiretrizesparaodesenvolvimentourbano.Domesmomodo,aLDBumade-corrncia direta do art. 22, que estabelece como competncia privativa da Unio ins-tituir as diretrizes e bases da educao nacional. Igualmente, a Lei de Concessesdecorre de uma competncia privativa da Unio (art. 22).

    19. O Fundef (EC no 14/1996) teve o potencial de expropriar at 15% das receitas deEstadosemunicpios(Castro,2000).OFundebampliaessaexpropriaopotencialpara 20%, alm de estabelecer um piso para os salrios dos professores das redes es-tadual e municipal (aprovado no governo Lula I). AEC no 29/2000, por sua vez, vin-cula 12% das receitas dos Estados e 15% das receitas dos municpios com gastos em

    sade.AECno 25/2000reviuoart.29daCF88,quepreviaqueosmunicpiosseriamautnomospara definir a remunerao de seus vereadores, estabelecendo queo totalda despesa com o financiamento do poder legislativo municipal no poderia ultra-passar o percentual que varia de 3% a 8% do somatrio da receita tributria e dastransferncias, de acordo com a quantidade de habitantes de cada municpio. A EC

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    415

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    40/47

    no 31/2000,quecriouoFundodeCombatePobrezafederal,obrigatambmosEsta-dosemunicpiosacriaremseusrespectivosfundosdecombatepobreza.Finalmen-te, a EC no 30/2000 alterou o art. 100 da CF 88, fixando prazos para o pagamento dosprecatrios judiciais e delimitando as condies em que estes poderiam ser converti-

    dos em ttulos da dvida pblica.20. Em duas situaes, essa posio de Itamar Franco como governador assumiu dimen-

    sesdramticas:emrelaoaopagamentodasdvidasdoEstadodeMinasGeraisecolaborao do Estado no enfrentamento da crise de energia.

    21. Essa tabela sintetiza informaes mais detalhadas apresentadas na Tabela 1 doAnexo.

    22. H onze votaes que foram unnimes e invlidas porque no atingiram o qurumnecessrio para aprovao do projeto em questo.

    23. Para todos os grficos apresentados, o desvio padro sistematicamente inferior s

    mdias, o que indica que estas so medidas confiveis. Esto apresentados no extre-mo direito dos grficos os Estados para os quais no foi possvel obter informaoparaaorientaodevotodopartidodogovernadorporestepertenceraumpequenopartido. Quando o governador pertence a um partido pequeno, no h indicao daorientao do partido. Nesses casos, o N de votaes ao qual foi possvel determinara indicao de votao fica prejudicado.

    24. Observe-se que essa definio considera que a ausncia e a absteno na votao dematrias de interesse federativo no sejam computadas como evidncias de faltadecoeso,oquetendeasubestimarafidelidadedosparlamentaresaosprovveisin-teresses da bancada caso esta estivesse coesa no objetivo de vetar uma iniciativa le-gislativa que afetava negativamente os interesses dos governos territoriais.

    25. Essa interpretao est baseada no exame dos debates nas sesses que precederam avotao da Lei de Concesses, da Lei de Licitaes e da Lei Camata, sendo confirma-da pelos resultados da votao.

    26. Lutz comparou 32 pases examinando a relao entre as estratgias para aprovaode emendas Constituio e as taxas de emendamento, encontrando elevada corre-lao entre essas variveis. A estratgia menos exigente seria aquela em que uma vo-tao legislativa seria suficiente para emendar a Constituio. Nesses pases, a taxaanual mdia de emendamento de 5,6. Em sua classificao, uma exigncia adicio-

    nal, capaz de afetar negativamente as taxas de aprovao, consistiria em requereruma eleio interveniente entre duas votaes sobre a mesma proposta de emenda.Nesse caso, a taxa mdia anual de emendamento cai para 1,3.

    27. Os Estados Unidos, por exemplo, adotaram o princpio de que as alteraes devemser referendadas por uma maioria de quatro quintos das assembleias estaduais. NaSua e na Austrlia, mudanas legislativas que afetem os interesses das regies de-vem ser aprovadas por um referendo, com aprovao da maioria dos eleitores e damaioria dos Estados. Ambas as estratgias criam arenas adicionais de veto, conferin-do oportunidades de veto s minorias afetadas pelas decises tomadas pela maioria

    nas arenas decisrias centrais.

    416

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    41/47

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ABRUCIO, Fernando L. e COSTA, Valeriano Mendes F. (1999), Reforma do Estado e o Con-texto Federativo Brasileiro. So Paulo, Fundao Konrad-Adenauer-Stiftung.

    ALMEIDA,MariaHermniaTavaresde.(2001),Federalismo,DemocraciaeGovernonoBrasil: Idias, Hipteses e Evidncias. BIB, vol. 51, pp. 13-34.

    . (2005), Recentralizando a Federao?. Revista de Sociologia e Poltica, vol. 24, pp.29-40.

    ARRETCHE, Marta. (2002), Federalismo e Relaes Intergovernamentais no Brasil: AReforma de Programas Sociais. DADOS, vol. 45, no 3, pp. 431-458.

    . (2004), Toward a Unified and More Equitable System: Health Reform in Brazil,in R. Kaufmann e J. Nelson (eds.), Crucial Needs, Weak Incentives: Social Sector Reform,Democratization, and Globalization in Latin America. Washington/Baltimore/London,Woodrow Wilson Center/Johns Hopkins University Press.

    . (2005), Quem Taxa e Quem Gasta: ABarganha Federativa na Federao Brasilei-ra. Revista de Sociologia e Poltica, vol. 24, pp. 69-85.

    . (2008), The Veto Power of Subnational Governments in Brazil. Brazilian PoliticalScience Review, vol. 2, pp. 40-73.

    BUCHANAN, James M. (1995), Federalism as an Ideal Political Order and an ObjectiveforConstitutionalReform.Publius: The Journal of Federalism,vol.25,no 2,pp.19-27.

    CASTLES, Francis G. e UHR, John. (2005), Australia: Federal Constraints and Institu-tional Innovations, in H. Obinger, S. Leibfried e F. G. Castles (eds.), Federalism andthe Welfare State. New World and European Experiences. Cambridge, CambridgeUniversity Press.

    CASTRO, Jorge Abraho. (2000), Avaliao do Impacto do Fundef nasReceitas Fiscais deEstados e Municpios. Texto para discusso. Braslia, Secretaria do TesouroNacional.

    CHEIBUB, Jos Antonio, FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. (2006), The

    PoliticsofFederalisminBrazil:TheRoleofGovernorsintheBrazilianCongress.Tra-balho apresentado no workshop State Politics and Institutions in Comparative Per-spective: Lessons from Brazil. Centre for Brazilian Studies, University of Oxford.

    . (2009), Political Parties and Governors as Determinants of Legislative Behaviorin Brazils Chamber of Deputies, 1988-2006. Latin American Politics and Society, vol.51, no 1, pp. 1-30.

    CHIBBER,PradeepK.eKOLLMAN,Ken.(2004), The Formation of National Party Systems.Princeton, Princeton University Press.

    COUTO, Cludio Gonalves e ARANTES, Rogrio Bastos. (2006), Constituio, Gover-no e Democracia no Brasil. Revista Brasileira de Cincias Sociais, vol. 21, no 61, pp.41-62.

    DESPOSATO, Scott. (2004), The Impact of Federalism on National Party Cohesion inBrazil. Legislative Studies Quarterly, vol. 29, no 2, pp. 259-285.

    Continuidades e Descontinuidades da Federao Brasileira...

    417

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    42/47

    GIBSON, Edward L. (ed.). (2004), Federalism and Democracy in Latin America. Baltimore/London, Johns Hopkins University Press.

    IMMERGUT,EllenM.(1996),AsRegrasdoJogo:ALgicadaPolticadeSadenaFran-a, na Sua e na Sucia. Revista Brasileira de Cincias Sociais, vol. 30, no 11, pp.

    139-163.

    INMAN, Robert P. e RUBINFELD, Daniel L. (1997), The Political Economy of Federal-ism, in D. Mueller (ed.), Perspectives on Public Choice: A Handbook. Cambridge,Cambridge University Press.

    KING, Gary, KEOHANE, Robert O. e VERBA, Sidney. (1994), Designing Social Inquiry.Scientific Inference in Qualitative Research. Princeton, Princeton University Press.

    LEIBFRIED, Stephan, CASTLES Francis G. e OBINGER, Herbert. (2005), Old andNew Politics in Federal Welfare States, in H. Obinger, S. Leibfried e F. G. Castles

    (eds.), Federalism and the Welfare State. New World and European Experiences.Cambridge,Cambridge University Press.

    LEIBFRIEDStephanePIERSON,Paul.(1995),SemisovereignWelfareStates;SocialPol-icy in a Multitiered Europe, in S. Leibfried e P. Pierson (eds.), European Social Policy.Between Fragmentation and Integration. Washington, The Brookings Institution.

    LIJPHART, Arend. (1999), Patterns of Democracy: Government Forms and Performance inThirty-Six Countries. New Haven, Yale University Press.

    LUTZ, Donald S. (1994), Toward a Theory of Constitutional Amendment. AmericanPolitical Science Review, vol. 88, no 2, pp. 355-370.

    MANOW, Philip. (2005), Germany: Co-Operative Federalism and the Overgrazing ofthe Fiscal Commons, in H. Obinger, S. Leibfried e F. G. Castles (eds.), Federalism andthe Welfare State. New World and European Experiences. Cambridge, Cambridge Uni-versity Press.

    MELO, Marcus Andr. (2002),As Reformas Constitucionais no Brasil: Instituies Polticas eProcesso Decisrio. Rio de Janeiro, Revan.

    . (2005), O Sucesso Inesperado das Reformas de Segunda Gerao: Federalismo,Reformas Constitucionais e Poltica Social. DADOS, vol. 48, no 4, pp. 845-889.

    MOORE, Carolyn, JACOBY, Wade e GUNLICKS, Arthur B. (2008), German Federalismin Transition. German Politics, vol. 17, no 4, pp. 393-407.

    OBINGER, Herbert, CASTLES, Francis G. e LEIBFRIED, Stephan. (2005), Introduction:Federalism and the Welfare State, in H. Obinger, S. Leibfried e F. G. Castles (eds.),Federalism and the Welfare State. New World and European Experiences . Cambridge,Cambridge University Press.

    OBINGER, Herbert, LEIBFRIED, Stephan e CASTLES, Francis G. (eds.). (2005), Federalismand the Welfare State. New World and European Experiences. Cambridge, Cambridge Uni-

    versity Press.OBINGER, Herbert et alii. (2005), Switzerland: The Marriage of Direct Democracy and

    Federalism, in H. Obinger, S. Leibfried e F. G. Castles (eds.), Federalism and the Wel-fare State. New World and European Experiences. Cambridge, Cambridge UniversityPress.

    418

    Marta Arretche

  • 8/7/2019 41943049-marta-arretche

    43/47

    PIERSON, Paul. (1995), Fragmented Welfare States: Federal Institutions and the Devel-opment of Social Policies. Governance: An International Journal of Policy and Adminis-tration, vol. 8, no 4, pp. 449-478.

    . (2004), Positive Feedback and Path Dependence, in P. Pierson, Politics in Time:History, Institutions, and Social Analysis. Princeton, Princeton University Press.

    . (2007), The Rise and Reconfiguration of Activist Government, in P. Pierson e T.Skocpol(eds.),The Transformation of AmericanPolitics. Activist Government and the Riseof Conservatism. Princeton, Princeton University Press.

    RODDEN, Jonathan A. (2006), Hamiltons Paradox. The Promise and Peril of Fiscal Federal-ism. Cambridge, Cambridge University Press.

    SAMUELS, David J. e MAINWARING, Scott. (2004), Strong Federalism, Constraints

    ontheCentralGovernment,andEconomicReforminBrazil, in E.L.Gibson(ed.),Federalism and Democracy in Latin America. Baltimore/London, Johns HopkinsUniversity Press.

    SCHARPF,Fritz.(1988),TheJoint-DecisionTrap:LessonsfromGermanFederalismandEuropean Integration. Public Administration, vol. 66, pp. 239-278.

    SELLERS, Jefferey M. e LIDSTRM, Anders. (2007), Decentralization, Local Govern-ment, and the Welfare State. Governance, vol. 20, no 4, pp. 609-632.

    STEGARESCU, Dan. (2005), Public Sector Decentralisation: Measurement Concepts

    and Recent International Trends. Fiscal Studies, vol. 26, no 3, pp. 301-338.

    SKOCPOL, Theda. (1992), Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins of SocialPolicy in United States. Harvard, Belknap Press.

    SOUZA, Celina. (2002), Brazil: The Prospects of a Center-Constraining Federation in aFragmented Polity. Publius. The Journal of Federalism, vol. 32, no 2, pp. 23-48.

    . (2008), Federalismo: Teorias e Conceitos Revisitados. BIB, no 65, pp. 27-48.

    STEPAN, Alfred. (1999), Para uma Nova Anlise Comparativa do Federalismo e da De-

    mocracia: Federaes que Restringem ou Ampliam o Poder da Demos. DADOS,vol. 42, no 2, pp. 197-251.

    TREISMAN, Daniel. (2007), The Architecture of Government: Rethinking Politi