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Maria Sylvia Porto Alegre
ARTE E OFÍCIO DE ARTESÃO
HISTÓRIA E TRAJETÓRIAS DE UM MEIO DE SOBREVIVÊNCIA
Tese de doutoramento apresenta-
da à Faculdade de Filosofia, Le-
tras e Ciências Humanas da Uni-
versidade de São Paulo, Área de
Antropologia.
Orientadora: Profª Dra. Eunice Ri-
beiro Durham.
São Paulo, maio de 1988
2
SUMÁRIO
Introdução 3
I - Ofícios Artesanais na vida colonial 11
II - Pecuária e algodão: dois pólos geradores de núcleos artesanais 81
no Ceará Colonial
III - O declínio da escravidão e o "trabalhador nacional" no Nordeste 115
IV - Trabalho artesanal no Ceará do Século XIX
V - Considerações finais: o artesão diante da industrialização
V- Bibliografia
3
INTRODUÇÃO
4
O trabalhador nas outrora denominadas "artes e ofícios" é ainda
pouco conhecido no Brasil, tanto do ponto de vista de suas origens como no que
diz respeito à sua condição atual. Entretanto, o trabalho produzido artesanalmente
e o contingente de artesãos existentes, tem tido um papel bem mais significativo,
ao longo do processo histórico, do que se costuma supor.
O próprio Estado vem constatando, há algumas décadas, a impor-
tância do artesanato como meio de sobrevivência de amplas camadas da classe
trabalhadora, especialmente no Nordeste. Em 1975 o Ministério do Trabalho criou
um Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato, com propostas de in-
centivo que viam nele "uma atividade espontânea, desenvolvida no meio rural e
bastante explorada. Dá enorme margem de lucro para os que vendem o produto
fora da área rural, deixando àqueles que o produzem tão somente a satisfação da
criatividade". Tem havido, também, uma crescente atenção em torno do produto
artesanal, da "arte e artesanato popular", como se costuma dizer, por parte dos
interessados na "cultura popular" e suas manifestações, e por setores de mercado
envolvidos de diferentes maneiras com uma "indústria do turismo" em expansão,
que promove o consumo de objetos artesanais, principalmente aqueles que guar-
dam características marcadamente regionais.
Ao acompanhar a trajetória social do artesão é possível verificar que
a produção artesanal que sobreviveu aos avanços do capitalismo industrial não é
uma atividade marginal, isolada, que por motivos circunstanciais ainda persiste em
alguns pontos do país, em geral nas regiões mais pobres. Pelo contrário, suas
vinculações com a sociedade mais ampla são antigas e profundas, mergulham no
passado colonial e acompanham as mudanças sociais, mesmo quando se concen-
tram em núcleos aparentemente isolados, geograficamente distantes dos centros
dinâmicos e hegemônicos.
5
O pressuposto que orienta este estudo é o de que não se podem dis-
cutir questões do tipo "como e porque" o artesanato se mantém, declina ou se ex-
pande sem antes empreender a tarefa de reconstruir mais de perto sua origem e
evolução, ainda pouco conhecidas.
Como é sabido, o artesanato no Brasil distanciou-se, de muitas ma-
neiras, do modelo clássico europeu, marcada que foi, em sua origem, pelo traba-
lho escravo e pelo peso das interdições da dominação colonial, mas, por outro
lado, há uma série de pontos de confluência com essa via clássica, decorrentes do
próprio passado colonial, que transplantou para o Brasil as instituições jurídicas,
as técnicas e a organização social do trabalho que lhe serviram de base.
A reconstrução da história dos grupos marginalizados e secundários
é sempre difícil. No caso do artesão, as dificuldades são ainda maiores, pelas
condições específicas de realização do trabalho: os laços de dependência e com-
plementaridade entre os pequenos artífices e os setores dominantes eram camu-
flados, complexos na sua identificação, a produção articulava-se de forma difusa e
fragmentada à economia de mercado, realizando-se através da combinação de
formas variadas de trabalho doméstico, familiar e oficinal, largo emprego de mão-
de-obra feminina e infantil, valendo-se de tecnologias rudimentares, da transmis-
são prática da aprendizagem, que se reproduz de geração a geração através de
longos processos que a memória social tende a esquecer e cujos registros, quan-
do existem, vão se perdendo.
O artesanato ocupou sempre os espaços periféricos e intersticiais da
vida social, caracterizando-se por uma produção e comercialização dispersa e
atomizada, baixa produtividade, insuficiência de recursos financeiros e ausência
de "racionalidade", do ponto de vista da orientação geral do sistema dominante.
No Ceará, onde foi realizada a maior parte deste estudo, é um meio
de sobrevivência antigo e bastante diferenciado. Reproduz-se ainda hoje, de for-
ma continuamente recriada e adaptada, de maneira um pouco semelhante ao que
ocorre com a agricultura de subsistência, com a qual possui vínculos também an-
tigos e profundos. Mesmo quando se insere na vida urbana, o artesão, muitas ve-
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zes um migrante, conserva práticas e representações próprias do mundo rural.
Seus referenciais de vida e trabalho se reportam a uma ordem social cuja base
está na estrutura rural sertaneja e suas relações de trabalho e poder. Assim, é
através da compreensão do processo histórico das relações sociais no campo que
melhor se pode situar o artesanato cearense, e não da perspectiva da economia
urbana.
A origem das "artes e ofícios" na cidade é fundamental para a re-
construção do trabalho artesanal em outra áreas, como Salvador, por exemplo, ou
o Rio de Janeiro, centros urbanos onde essas atividades se expandiram e flores-
ceram no Brasil-colônia.
Os dois primeiros capítulos tratam do artesão colonial. A maior parte
da documentação foi consultada em Lisboa, no Arquivo Histórico Ultramarino, Ar-
quivo Nacional da Torre do Tombo e Biblioteca Nacional, entre 1983 e 1984, onde
permaneci como pesquisadora visitante. O primeiro capítulo mostra que os ofícios
artesanais, embora não sendo um setor essencial, se expandiram e se diversifica-
ram, sobretudo no século XVIII, como parte do crescimento das cidades e das
próprias necessidades do Estado no empreendimento de construção do aparato
material administrativo e defensivo.
A Igreja teve papel importante, no ensino em suas oficinas e controle
da mão-de-obra artesanal, corresponsável que foi pela organização das corpora-
ções de ofício e confrarias que regulavam o trabalho em moldes semelhantes às
suas congêneres em Portugal.
O sistema corporativo privilegiou o trabalho dos mestres brancos,
criando restrições a índios, mulatos e negros aos quais estavam destinados os
"ofícios vis", formando-se uma pequena oligarquia mesteiral de certo status nas
principais cidades e vilas. Entretanto, numerosos ofícios eram livres e mesmo os
que não o eram conseguiam escapar ao controle das regulamentações, o que ofe-
receu possibilidades não só de sobrevivência, mas de ascensão social para os
homens pobres livres que conseguiam obter uma especialização profissional.
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A presença da escravidão no artesanato é difícil de ser avaliada.
Apesar do aviltamento que representou nas relações de trabalho de uma categoria
cuja característica fundamental é o trabalho independente, por conta própria, é
preciso reconhecer que inúmeros ofícios só se expandiram porque lançaram mão
tanto do escravo negro como do trabalho compulsório indígena, uma vez que a
degradação do trabalho manual não atraia trabalhadores brancos em número sufi-
ciente para atender à demanda. Por outro lado, o domínio de uma "arte" facilitou a
compra da liberdade a uma parcela da população escravizada e constituiu um dos
raros meios de vida dos ex-escravos.
O segundo capítulo analisa o complexo algodoeiro- pecuário nordes-
tino e procura verificar a expansão artesanal possível nesse meio. Embora a in-
dústria rural doméstica estivesse voltada inicialmente para a produção de valores
de uso e tivesse um caráter complementar à agricultura, a autonomia e a propala-
da autarquização das fazendas deve ser relativizada. É difícil avaliar o grau de
mercantilização do setor, porém sabe-se que havia, com frequência, uma escas-
sez de gêneros e necessidades de abastecimento externo.
As trocas entre litoral e interior eram grandes e se faziam nos nume-
rosos mercados e feiras locais, por onde passavam não só o gado e o algodão,
como manufaturados importados e artigos produzidos localmente. No final do pe-
ríodo colonial, o artesanato no campo, assim como a agricultura de alimentos, ha-
via facilitado no Ceará o desenvolvimento da agricultura comercial, pela reprodu-
ção da força de trabalho a baixo custo. Possibilitara, também, a formação de uma
mão-de-obra especializada, na sua maioria treinada pelos jesuítas em suas aldei-
as e oficinas, nos colégios e fazendas.
Antes de abordar a expansão do trabalho artesanal no Ceará no sé-
culo XIX, era importante situá-lo dentro do processo histórico global das relações
de trabalho. O terceiro capítulo aborda esse tema, centrando a questão na passa-
gem do trabalho escravo para o trabalho livre, entre 1830 e 1900. O interesse em
investigar a posição do chamado "trabalhador nacional" no Nordeste resultou de
discussões mantidas no curso de pós-graduação de Lúcio Kowarick, em 1981. A
8
partir daí, da tentativa de conhecer os meios de sobrevivência do homem pobre
livre, é que se configurou para mim a necessidade de retroceder na periodização
da pesquisa, até chegar às origens coloniais da herança artesanal.
Finalmente, no quarto capítulo, vê-se como a diversificação e a "des-
coberta" do artesanato no Ceará acompanha as alternativas de manutenção do
nível de emprego da "população vegetativa", a crescente camada livre nacional
que, no último quartel do século passado havia formado um "excedente populaci-
onal" forçado a migrar em busca de trabalho em áreas mais dinâmicas do país. O
Estado procura controlar essa mão-de-obra, como sempre havia feito; a violência
das relações sociais é grande e a submissão não se dá de forma passiva.
O artesanato continua e se expandir como parte da estrutura agrária
e dela dependente, de forma dispersa e atomizada, em pequenas unidades ofici-
nais e domésticas. Expandem-se os antigos ramos derivados do couro e do algo-
dão, desenvolvem-se outros como a cerâmica, a metalurgia, a madeira. Os catá-
logos das exposições industriais que divulgam a produção a nível nacional louvam
a qualidade e criatividade da pequena indústria no Ceará, que vai dos objetos de
uso diário aos artigos de luxo e até ao supérfluo.
Surgem as primeiras fábricas de tecidos em 1880, mas o panorama
geral de pobreza e insuficiência das condições estruturais impõe os limites à acu-
mulação do setor e à sua transformação em direção à indústria fabril. Não há
qualquer modificação significativa nas técnicas utilizadas, que continuam rudimen-
tares e pouco mecanizadas; os grandes capitais locais continuam a ser reinvesti-
dos na agricultura e no comércio, não se interessando pela indústria. Chega-se ao
final do período com a constatação, dos próprios contemporâneos, que a pequena
indústria artesanal, tão importante no emprego da força de trabalho, não era, infe-
lizmente, reconhecida como de "interesse geral".
A diferenciação entre artesãos independentes, os chamados "artis-
tas", e a nova camada de operários fabris é confusa e difícil, refletindo um momen-
to de transição em que a categoria aparece de forma híbrida, até mesmo nas pri-
meiras estatísticas que dão conta da sua posição no conjunto das ocupações no
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Brasil. Nas considerações finais procura-se introduzir, ou, dizendo melhor, sugerir
a discussão da temática do artesão diante da industrialização, o que deixa inúme-
ras questões em aberto e a certeza de que há ainda muito a ser desvendado a
respeito do tema.
Ao encerrar esta Introdução devo admitir que no decorrer do trabalho
me senti, inúmeras vezes, como que impregnada pelo objeto de estudo. O fazer
diário, paciente e lento da pesquisa exigiu momentos de esforço individual e solitá-
rio que se alternavam com outros, em que a cooperação dos companheiros e o
ensinamento dos mestres se tornavam indispensáveis. Nessa convergência pude
perceber a importância dos longos anos de aprendizado, iniciado no curso de Ci-
ências Sociais da Universidade de São Paulo, onde me formei, ainda nos tempos
da antiga Rua Maria Antônia. Ali adquiri os fundamentos da formação teórica e
metodológica que me tem servido de orientação até hoje, e é aos meus professo-
res de então que quero registrar meu primeiro agradecimento.
Ao voltar à USP, para o curso de pós-graduação, a experiência pro-
fissional somara-se à formação acadêmica e só me senti confiante em abordar o
tema escolhido em face da convivência que tive, por mais de dez anos, com artis-
tas e artesãos do Ceará, e o progressivo conhecimento que fui adquirindo sobre a
sociedade nordestina, desde que me vinculei como professora à Universidade Fe-
deral do Ceará, em 1976. Os princípios analíticos que norteiam a interpretação
representam, para mim, o conjunto de elementos que se fundiram ao longo desse
processo, ainda em continuidade.
Quero expressar o principal agradecimento à minha orientadora, Eu-
nice Ribeiro Durham, pela confiança que depositou em meu trabalho e pela argú-
cia da análise penetrante e exigente com que sempre me estimulou. Sou grata ao
estímulo inicial de Célia Galvão Quirino e José Francisco Quirino, que leram a
primeira versão do projeto e me incentivaram a prosseguir. Ao Departamento de
História da Universidade de Barcelona, ao qual estive vinculada como pesquisado-
ra visitante em 1983-1984 e onde descortinei novos horizontes na elaboração dos
dois primeiros capítulos.
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Igual contribuição me foi dada pelo estágio nos arquivos portugue-
ses, onde, além da consulta exaustiva de vasta documentação, aprendi a relativi-
zar meus conhecimentos sobre a empresa colonial, a partir de historiadores portu-
gueses, principalmente Oliveira Marques, que me fez ver a dimensão tomada pelo
Brasil ao se tornar, no século XVIII, a "essência do próprio Portugal". Agradeço
aos funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino, da Biblioteca Nacional e do Ar-
quivo Nacional da Torre do Tombo, de Lisboa, pela solicitude com que me recebe-
ram, bem como a todos os que me atenderam nas bibliotecas brasileiras, especi-
almente aos funcionários da Biblioteca do Estado do Ceará, onde realizei a se-
gunda parte da pesquisa.
Na etapa final do trabalho, foi extremamente valiosa a oportunidade
que tive de discutir resultados parciais e alguns capítulos no grupo de trabalho de
"Sociologia da Cultura" da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Ciências Sociais - ANPOCS, e no Centro de Estudos Rurais e Urbanos - CERU,
da USP.
Foi igualmente valiosa para a reflexão e redação final da tese, a pes-
quisa que realizei em 1986 para a FUNARTE, sobre arte popular e artesanato no
Ceará hoje, na medida em que serviu de contraponto entre o passado e o presen-
te da condição do artesão.
Devo muito ao apoio recebido da família e dos amigos, em todos os
momentos, assim como aos muitos companheiros e colegas com que sempre tive
o conforto de contar. A Irlys Alencar Firmo Barreira, ouvinte sempre atenta, com-
panheira generosa e solidária desse percurso acidentado, mas de saldo positivo.
A Rosemary Conti Furtado, pela ajuda nos momentos difíceis. A Maria Helena
Rossetti, pelo apoio indispensável que me deu. A Leonidas Adolpho Costa Souza,
pelos conselhos, sabedoria e energia que me tem transmitido. A Ismael de Andra-
de Pordeus Júnior, mais do que amigo e colega, um irmão de todas as horas,
principal cúmplice da fase final dessa travessia.
Quero dirigir um agradecimento coletivo aos bolsistas e estudantes
que, em diferentes momentos, me auxiliaram na coleta e organização dos dados
11
e, ainda, a Carlos Marcos Augusto que me ajudou na produção final do relatório e
a Josely Pinto de Almeida pela paciência na datilografia dos originais.
12
CAPÍTULO I
OFÍCIOS ARTESANAIS NA VIDA COLONIAL
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Até meados do século XIX, a palavra arte expressava o conjunto de
regras e métodos observados na execução de uma obra. Na sociedade medieval
portuguesa, incluíam-se nela tanto as "artes liberais", isto é, o conjunto do saber
literário da Idade Média, como as "artes mecânicas". Sua evolução está associada
a termos como fábrica, indústria, máquina, operário, técnica; definia-se o artífice
como aquele que "exercita alguma arte ou ofício mecânico" e o artista como o in-
divíduo "destro em alguma arte". No uso corrente, artista era sinônimo de artífice.
(1)
A palavra indústria tem evolução semelhante. Seu sentido antigo ex-
pressava trabalho, atividade, habilidade. No século XVIII equivale a termos como
arte, manufatura, fábrica e é só a partir do século XIX que passa a designar pre-
dominantemente indústria fabril. (2)
Em fins do século XIX o termo artífice havia caído em desuso, substi-
tuído ora pelo termo operário ora por artista, conforme se tratasse de um trabalha-
dor na indústria fabril ou nas artes e ofícios manuais. Entretanto, era cada vez
mais generalizado o uso da palavra artista no seu sentido contemporâneo de "cul-
tivador de belas-artes". Com efeito, Frei Domingos Vieira, no Tesouro da Língua
Portuguesa de 1871, discute a evolução do termo para concluir:
"Artista - no sentido moderno, o que cultiva uma arte liberal, e
assim só compete este nome ao escultor, pintor, arquiteto,
músico, ator, poeta, ou mesmo ao que tem o sentimento do
belo". (3)
As modificações no conteúdo semântico exprimem, com muita pro-
priedade, as grandes transformações por que passaram as artes e as indústrias
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no mundo moderno e contemporâneo. Na antiga sociedade medieval europeia, os
indivíduos que nelas trabalhavam faziam parte da mesma categoria social, imer-
sos na organização coletiva das corporações de ofício e relativamente autônomos
enquanto autores e criadores.
As conhecidas transformações sociais de desenvolvimento do capita-
lismo trouxeram em seu bojo a formação de duas novas categorias, opostas e mu-
tuamente excludentes: a arte burguesa e o trabalho operário. O processo de divi-
são social do trabalho, a especialização do trabalhador em tarefas parcelarias, a
ascensão social do artista criador, livre da tutela da Igreja e do Estado, a formação
do mercado de trabalho, a separação e sobreposição do trabalho intelectual sobre
o trabalho manual, foram os fatores fundamentais constitutivos da oposição da
esfera da arte à esfera do trabalho produtivo.
Na produção artesanal, pelo contrário, o processo de trabalho se ca-
racterizava pela integração entre as duas esferas, não havendo uma imposição do
saber sobre o fazer, mas uma fusão entre elaboração intelectual e perícia técnica,
entre "engenho e arte", arte e trabalho.
As "artes e ofícios" encontraram seu pleno florescimento na era do
capitalismo mercantil, período de riqueza e fervilhamento do artesanato, com a
intensa vida comercial e industrial das cidades europeias, Florença, Milão, Vene-
za, Amsterdam, Londres, Paris, Sevilha, Barcelona, Lisboa.
Na América colonial, o peso das interdições, dos monopólios metro-
politanos, do recrutamento da mão-de-obra compulsória, da dominação sobre as
sociedades indígenas, tinha necessariamente que conduzir essas atividades por
caminhos diferentes. Portugal e Brasil, de um lado e do outro do Atlântico, partici-
param da expansão e declínio das artes e ofícios pré-industriais, entre os séculos
XVI e XVIII, com as peculiaridades e especificidades impostas pelas relações en-
tre metrópole e colônia.
A historiografia brasileira tende a analisar antes os fatores de entrave
do que os de expansão artesanal e industrial, no período da colonização portu-
guesa. São poucos os estudos sobre aspectos concretos, tais como as modalida-
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des e ramos de produção, sua estrutura interna, as relações de trabalho, o recru-
tamento e aprendizado da mão-de-obra, técnicas e processos empregados, a fa-
bricação do produto, sua circulação e consumo. Aspectos importantes para um
conhecimento mais preciso de uma atividade que, se não era estimulada, tam-
pouco deixou de fazer parte do projeto de implantação e desenvolvimento do do-
mínio português sobre as novas terras.
Quanto ao artesão colonial, há uma forte tendência ao obscureci-
mento dessa categoria, com base na premissa de que o trabalho escravo desvir-
tuou o trabalho artesanal naquilo que mais o caracterizava, ou seja, o fato de ser
exercido por mestres e oficiais livres e autônomos, proprietários da matéria-prima
e dos instrumentos de trabalho. Assim, não se tem um estudo de conjunto sobre a
organização dos ofícios no Brasil, sua estrutura jurídica e administrativa, o funcio-
namento das corporações, o controle da prática artesanal, os artesãos que esca-
pavam a esse controle, o artesão na cidade e no campo, sua posição, status, seu
lugar, enfim, na sociedade.
No Brasil colonial, essencialmente agrário e rural, onde as cidades
eram, sobretudo, entrepostos comerciais e centros de administração e controle
político metropolitano, não se pode negar que o trabalho artesanal tenha tido es-
cassa importância, do ponto de vista da orientação geral do sistema. Os efeitos
negativos da política mercantilista portuguesa sobre as atividades artesanais, ma-
nufatureiras e industriais fizeram com que elas se desenvolvessem apesar de e
quase à revelia do governo português. Seu peso foi insignificante, se julgado em
termos do valor monetário ou quantidades produzidas, em uma relação colônia-
metrópole que se assentava na exportação de produtos primários, no monopólio e
na importação de manufaturas.
Entretanto, acreditamos ser possível demonstrar que o trabalho arte-
sanal no Brasil teve uma presença bem maior do que a que lhe tem sido atribuída,
atingindo, para os padrões da época, um grau elevado de diferenciação e comple-
xidade. Isso ocorreu, sobretudo, no século XVIII, quando o crescimento demográ-
fico e a expansão da vida urbana deram impulso não só às artes, aos ofícios ma-
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nuais e mecânicos e às manufaturas, como também ao pequeno comércio e aos
serviços, destinados ao mercado interno, ocupando espaços deixados vagos pelo
setor mercantil exportador e compondo um espectro profissional bem mais amplo
e diversificado do que sugerem as abordagens que, partindo do sistema colonial
como um todo, chegam à conclusão de que fora do setor dominante da agricultu-
ra e do comércio para o mercado externo, a vida produtiva da colônia se limitava a
atividades vegetativas e de subsistência.
Tais espaços consistiam, basicamente, na produção de bens, artigos
e serviços para consumo local e regional, um mercado ainda embrionário, formado
por diferentes camadas sociais, cujas necessidades não podiam ser totalmente
preenchidas, quer com a importação de manufaturados, quer com a produção do-
méstica para autoconsumo.
Crescimento demográfico e expansão das atividades artesanais.
Um estudo de conjunto sobre o trabalho artesanal no Brasil colonial
se vê limitado por uma série de lacunas, a começar pelas dificuldades de reconsti-
tuição das características demográficas da população, seu tamanho, dispersão
territorial, distribuição etária e sexual, composição étnica, ocupação e empregos,
que são elementos básicos para situar a questão do trabalho e, dentro dela, o se-
tor artesanal.
Pode-se, entretanto, constatar que as dificuldades iniciais de povoa-
mento começaram a ser superadas a partir do século XVII. A população do país,
que se situava, em 1576, entre 57.000 e 100.000 habitantes, por volta de 1600
havia subido para cerca de 200.000, (4) registrando-se um processo crescente de
atração da população de Portugal em direção ao Brasil. Para evitar a saída exces-
siva, o governo português dá início a medidas restritivas à emigração já em 1670,
pois as perspectivas de enriquecimento com as descobertas de ouro passaram a
atrair milhares de pessoas, sobretudo da Madeira, dos Açores e do norte de Por-
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tugal, provocando, segundo Charles Boxer, a primeira grande corrida do ouro da
idade moderna. (5)
A partir de 1720 a colônia já se consolidara como centro econômico
do império português, com implicações sociais e políticas de tal ordem, diz o histo-
riador Oliveira Marques, que se poderia considerar o Brasil como "essência do
próprio Portugal". O autor estima que nas duas primeiras décadas do século XVIII,
cerca de cinco a seis mil pessoas haviam saído de Portugal para tentar sorte e
fortuna no Brasil. Essa evasão era tão elevada para o pequeno país que resultou
na proibição da emigração de toda pessoa "que não fosse provida em governo ou
ofício da justiça ou fazenda, e devidamente munida de passaporte". (7)
O crescimento demográfico se mantém elevado para os padrões da
época até fins do século XVIII, contribuindo para isso a entrada de portugueses e
outros imigrantes europeus, o aumento do tráfico de escravos africanos, a incorpo-
ração dos índios e o próprio crescimento vegetativo da população.
As primeiras estatísticas gerais datam de 1775, quando o governo da
metrópole introduz medidas para obter informações mais seguras, que permitis-
sem não só conhecer, mas controlar essa crescente população. A importância
desses levantamentos pode ser avaliada pelo comentário do governador da Bahia
em minucioso mapa estatístico enviado ao Ministro da Marinha, em Lisboa, o qual
"dá muitas luzes a quem governa":
"... é de suma utilidade para se conseguir a felicidade da
tranquilidade pública... tanto mais se faria preciso em as po-
pulações maiores das cidades, e muito mais necessário, co-
mo indispensável nas Cortes, no Juízo da Intendência da Po-
lícia, porque pelo meio dele se vem no pronto conhecimento
dos indivíduos, das suas ocupações, modos de vida, empre-
gos, dos seus estabelecimentos, das idades, dos vadios, va-
gabundos, e ociosos". (8)
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Nessa época a população total do país se situava entre 1.500.000 e
1.900.000 habitantes, espalhados por quinze capitanias. A mais povoada era Mi-
nas Gerais, vindo em seguida Bahia, Pernambuco, Rio de janeiro e, mais abaixo,
São Paulo.
População do Brasil, por capitanias, 1772-1782.
Capitania Total Por cento
Rio Negro 10.386 0.6
Pará 55.315 3.5
Maranhão 47.410 3.0
Piauí 26.410 1.7
Pernambuco 239.713 15.4
Paraíba 52.468 3.4
Rio Grande do Norte 23.812 1.5
Ceará 61.408 3.9
Bahia 288.848 18.5
Rio de Janeiro 215.678 13.8
Santa Catarina 10.000 0.6
Rio Grande de S.
Pedro
20.309 1.3
São Paulo 116.975 7.5
Minas Gerais 319.769 20.5
Goiás 55.514 3.5
Mato Grosso 20.966 1.3
Total 1.564.981 100
Fonte: Alden, Dauril. Population of Brazil in the
Late Eighteenth Century: A Preliminary Study.
19
Hispanic American Historical Review. V. XLIII,
1963, P. 191.
Por volta de 1820, a população brasileira, que era aproximadamente
4.000.000 habitantes, já havia suplantado a de Portugal, que tinha 3.100.000 habi-
tantes. (9)
Um dos aspectos mais característicos do século XVIII no Brasil foi o
incremento do que se poderia chamar um segundo circuito econômico, fora dos
quadros predominantes da agricultura de "plantation" do litoral e do binômio "se-
nhores e escravos", que dominava as relações de trabalho. Esse circuito desen-
volve-se ligado à interiorização da colonização e ao mercado interno, através da
pecuária extensiva, do fornecimento de gêneros alimentícios e de bens de consu-
mo para o setor dominante.
A multiplicação dos núcleos urbanos e o fortalecimento dos merca-
dos locais e regionais favoreceram o artesanato e o pequeno comércio, tanto nos
grandes centros como Salvador, Recife e Rio de janeiro, como nas inúmeras vilas,
aldeias e povoados por onde transitavam os gêneros de troca entre o litoral e o
interior. Isso ocorreu notadamente nas áreas da mineração, onde a rápida expan-
são provocou a escassez dos gêneros e a alta dos preços, gerando grandes lu-
cros no comércio de mantimentos e mercadorias de importação e de produção
interna, conforme nos dá conta Antonil:
"... mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, ou-
tras em mandar catar nos ribeiros do ouro; e outras em ne-
gociar, vendendo, e comprando o que se ha mister não só
para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar...
logo se fizeram estalagens e logo começaram os mercadores
a mandar às minas o melhor que chega nos navios do reino,
e de outras partes, assim de mantimentos, como de regalo, e
de pomposo para se vestirem, além de mil bugiarias de
França, que lá também foram dar. E a este respeito, de todas
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as partes do Brasil se começou a enviar o que dá a terra,
com lucro não somente grande mas excessivo. E não haven-
do nas minas outra moeda mais que ouro em pó; o menos
que se podia, e dava para qualquer coisa, eram oitavas. Da-
qui se seguiu mandarem-se às Minas Gerais as boiadas do
Paranaguá, e as do Rio das Velhas, as boiadas dos campos
da Bahia, e tudo o mais que os moradores imaginavam pode-
ria apetecer-se, de qualquer gênero de coisas naturais, e in-
dustriais, adventícias, e próprias". (10)
As condições pareciam, assim, estimulantes ao florescimento das
oficinas artesanais e da pequena produção doméstica, na medida em que a pros-
peridade do setor exportador abria para o setor de subsistência a possibilidade de
uma mercantilização que transcendia o consumo local, favorecendo a circulação
interna de mercadorias, notadamente na produção têxtil de panos de algodão. (11)
O aprendizado de um ofício, o domínio de uma arte manual ou me-
cânica, a utilização de técnicas trazidas pelos colonos e adaptadas às condições
locais, mescladas às práticas artesanais indígenas e de origem africana, passa-
ram a ocupar um contingente não desprezível de trabalhadores, como se pode
depreender de alguns mapas estatísticos que serão examinados adiante. Não
porque esses ofícios tivessem sido favorecidos por qualquer incentivo da política
metropolitana, mas simplesmente porque constituíam, além da agricultura e do
pequeno comércio, um dos raros meios de sobrevivência de uma população que,
de outra forma, tendia a engrossar a fileira dos ociosos que tanto preocupavam os
governantes, na ameaça que representavam para a "tranquilidade pública".
O trabalho artesanal doméstico e as pequenas oficinas, assim como
o comércio ambulante das ruas, feiras e estradas são citados de passagem pelos
primeiros historiadores que descrevem as condições de vida dos bairros pobres da
cidade, da periferia e das zonas rurais. (12) Eram atividades de escassa importân-
cia econômica, que não atraiam os setores dominantes, ocupados com o empre-
endimento agroexportador, mas sim as camadas mais pobres da população - ho-
21
mens livres e forros, brancos, mulatos, negros e índios, marginalizados da estrutu-
ra produtiva dominante, além de escravos de aluguel ou trabalhando para seus
senhores.
A mencionada atração de imigrantes portugueses e, em menor grau,
de outras partes da Europa, no século XVIII, trouxe uma mudança qualitativa na
composição da população branca da colônia que também viria a influenciar a ex-
pansão das artes e ofícios. Joel Serrão faz uma distinção entre o "colonizador" dos
dois primeiros séculos, que deixava o país por iniciativa do Estado ou integrado a
uma empresa ou Companhia e esse novo tipo de imigrante, que se dirigia espon-
taneamente e apesar das restrições e proibições, para tentar a sorte e buscar ri-
queza no novo mundo. (13) Entre eles vinham inúmeros artífices, além de comer-
ciantes e agricultores, que acabavam por se integrar com seus ofícios à vida pro-
dutiva, já que a ilusão do ouro nem sempre se concretizava para os que não dis-
punham de grandes capitais.
A esses contingentes somavam-se os escravos artesãos, também
notados com frequência pelos viajantes e cronistas e cuja presença nas oficinas
representou uma diferença fundamental nas relações de trabalho no artesanato
colonial, em comparação com a forma clássica segundo a qual esse setor se
constituiu, ou seja, a partir do trabalhador livre e proprietário dos instrumentos de
produção. A serviço do dono ou trabalhador de aluguel, o escravo que dominava
um ofício especializado encontrava aí possibilidades de comprar sua liberdade ou,
pelo menos, fugir ao jugo mais pesado do trabalho na agricultura e nas minas.
As oscilações do setor exportador e suas frequentes crises e instabi-
lidade também tiveram efeitos sobre a expansão das atividades artesanais, na
medida em que provocavam movimentos de migração interna, seja de uma região
para outra, seja da costa para o interior, seja nas frentes móveis da fronteira terri-
torial. É o caso, por exemplo, do desenvolvimento dos núcleos de tecelagem de
algodão no interior de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Bahia, gerados pelos
mineiros da primeira metade do século XVIII e do crescimento das manufaturas de
22
couro e algodão no sertão nordestino, nos períodos em que a produção açucareira
entrava em crise na zona da Mata.
A queda das exportações e o empobrecimento dos grandes proprie-
tários, segundo Celso Furtado, tendiam a favorecer o crescimento do setor artesa-
nal interno devido à diminuição da capacidade de importação. (14)
A política monopolista portuguesa não ficou indiferente a um possível
desenvolvimento industrial na colônia. A partir do governo do Marquês de Pombal,
o esforço industrial do próprio Portugal, também ele um país agrário, atuou no
sentido de frear o processo manufatureiro no Brasil para não prejudicar a exporta-
ção de produtos do Reino. A preocupação se justificava, uma vez que, em fins do
século XVIII, nove décimos das exportações portuguesas tinham por destino o
Brasil. (15)
A manifestação mais evidente dessa política é o conhecido Alvará de
1785, que proibia todas as fábricas, manufaturadas e teares de tecido, exceto a
fabricação de panos de algodão destinados ao enfardamento e empacotamento
de mercadorias. Fernando Novais chama atenção para o escasso desenvolvimen-
to que tinham, na realidade, as manufaturas proibidas: sedas, veludos, cetins, ta-
fetás, fustões, linhos, uma vez que as tendências estruturais da colônia não favo-
reciam o surgimento de fábricas que pudessem competir com os têxteis importa-
dos.
O que, sim, havia em muitas capitanias eram manufaturas de fazen-
das grossas, permitidas e toleradas pelo próprio Alvará. As condições locais pode-
riam até ter estimulado essa produção de tecidos grosseiros, acrescenta Novais,
na medida em que, como já foi observado, a prosperidade do setor exportador
abria para o setor de subsistência a possibilidade de uma produção que transcen-
dia o consumo local, favorecendo a circulação interna de mercadorias. (16)
O arrazoado que serve de base às medidas proibitivas do Alvará de
1785 deixa patente também, a preocupação do governo português com o desvio
de mão-de-obra da agricultura e da mineração para as fábricas e manufaturas e o
prejuízo que isso poderia representar para seus interesses:
23
"... é evidente que quanto mais multiplicar o número de fabri-
cantes, mais diminuirão o dos cultivadores, e menos braços
haverá que se possam empregar no desenvolvimento e rom-
pimento de uma grande parte daqueles extensos domínios,
que ainda se acha inculta e desconhecida. nem as sesmari-
as, que formam outra considerável parte dos mesmos domí-
nios poderão prosperar, nem florescer por falta do benefício
da cultura, não obstante ser esta a essencialíssima condição
que foram dadas aos proprietários delas. E até nas mesmas
terras minerais ficará cessado de todo, como já tem conside-
ravelmente diminuído a extração do ouro e diamantes, tudo
procedido da falta de braços que devendo empregar-se nes-
tes úteis e vantajosos trabalhos, ao contrário, os deixam, e
abandonam, ocupando-se em outros totalmente diferentes,
como são os das referidas fábricas e manufaturas. E consis-
tindo a verdadeira e sólida riqueza nos frutos e produção da
terra as quais somente se conseguem por meio de colonos e
cultivadores, e não de artistas e fabricantes ...". (17)
De fato, apesar da expansão demográfica, havia ainda no Brasil, no
final do período colonial "uma grande e conhecida falta de população", como reco-
nhecia o Alvará. Era, pois, inteiramente coerente que o Estado português procu-
rasse concentrar a mão-de-obra nos setores que lhe eram essenciais. Isso signifi-
ca dizer que as possibilidades de expansão do artesanato e da indústria estavam
intrinsecamente relacionadas com a questão do trabalho e encontravam nela um
de seus principais limites.
Tipos de produção artesanal.
A economia colonial permite distinguir três formas básicas de organi-
zação do trabalho industrial no Brasil: a utilização de uma mão-de-obra especiali-
zada, em número reduzido, nas indústrias extrativas e manufatureiras de base
24
escravista, que necessitavam de técnicos nas diferentes etapas de fabricação ou
processamento dos produtos; a pequena produção artesanal doméstica e familiar
no campo, complementar à agricultura e à criação de gado e de caráter sazonal; e
os agrupamentos de artífices propriamente ditos, dedicados às artes e ofícios, li-
vres ou organizados, nas vilas e cidades.
A indústria extrativa e manufatureira, disseminada pela costa e pelo
interior, estava na dependência direta das fontes de matéria-prima e do tipo de
exploração econômica predominante em cada região. Incluía, basicamente, os
seguintes setores produtivos:
- fabricação de açúcar.
- curtição de couros e peles, fabricação de solas e produção de char-
que.
- mineração de ouro e lapidação de diamantes e pedras preciosas.
- preparação de tabaco em fumos de rolo.
- extração de tinturas e corantes da madeira.
- extração de sal.
- extração de azeite de baleia.
- fabricação de anil.
- fabricação de ferro.
A produção industrial colonial no Brasil pode ser comparada, em ter-
mos da exploração do trabalho, ao que ocorria nas minas de prata, cobre e mer-
cúrio e nas obrajes da América espanhola, onde a mão-de-obra compulsória tra-
balhava nas manufaturas de lã, algodão, linho e seda. (18) É preciso lembrar que
essas formas de produção industrial se formaram em um período de grandes
transformações, a nível internacional, na esfera da divisão social do trabalho e da
25
organização produtiva, sob cujas determinações se constituiu a moderna indústria
fabril.
As análises sobre a formação do capitalismo, entre os séculos XVI e
XVIII, acentuam as mudanças na base técnica e material como elemento decisivo
para o predomínio do capital industrial sobre os processos de trabalho. Assim é
que Marx aponta o fato de que as atividades subsidiárias, como a fiação e a tece-
lagem no campo, são as primeiras a serem submetidas à manufatura, por implica-
rem em um tipo de trabalho que requer menor habilidade e treinamento, ao passo
que é necessário um alto grau de progresso técnico para orientar os ofícios urba-
nos em direção à indústria fabril. (19)
Na Idade Média, quando a maioria da população vivia no campo, a
pequena indústria e as artesanias locais, voltadas para a produção de valores de
uso, proviam os mercados locais dos artigos necessários à vida cotidiana. O sur-
gimento de novas formas de organização do processo manufatureiro e o aumento
da demanda de produtos pelo mercado externo alteraram a estrutura da indústria
rural, subordinando-a as determinações do capital comercial. (20)
A notável expansão do comércio externo de manufaturas têxteis se
dá, sobretudo, na Inglaterra. "Provavelmente, nenhum país dependia tanto da ex-
portação de têxteis durante os séculos quinze, dezesseis e dezessete como a In-
glaterra... A principal função do comércio externo inglês era vender tecidos ingle-
ses e exportar lã inglesa". (21)
As transformações do setor agrário europeu deram origem ao que
tem sido denominado recentemente de protoindustrialização, para diferencia-la do
artesanato tradicional da economia camponesa. (22) A protoindústria estabeleceu
amplas redes de conexão dos trabalhadores rurais europeus, em diferentes está-
gios de produção, com os mercados regionais e internacionais e sua diferença da
pequena indústria rural envolvia os seguintes aspectos: aparecimento de uma
produção destinada ao mercado extra regional e extra nacional e não mais ao
mercado local; participação crescente da população rural nessa produção para o
mercado, geralmente sazonal, que supunha recursos suplementares para a sub-
26
sistência e pagamento dos trabalhadores; operações finais e especializadas da
produção feitas na cidade; predomínio do capital variável, salários principalmente,
sobre o capital fixo; inter-relação entre protoindustrialização e desenvolvimento da
agricultura mecanizada.
Tentando operar com esse conceito em nível da estrutura colonial,
seria possível situar a exploração extrativa e manufatureira no Brasil como uma
protoindústria no sentido de que seu caráter era essencialmente rural e disperso,
havia a intermediação do capital mercantil, uso extensivo da mão-de-obra e desti-
nação da produção ao mercado exportador, com produção em larga escala.
Essa produção diferia bastante do segundo tipo mencionado, ou se-
ja, a pequena produção artesanal no campo, que se realizava como atividade
complementar à agricultura açucareira, à plantação de algodão e à criação de ga-
do.
A indústria doméstica que se desenvolveu nas zonas rurais brasilei-
ras incluía, por exemplo, os pequenos engenhos de rapadura, mel e aguardente, a
fabricação da farinha de mandioca, olarias de telhas, tijolos e louça utilitária, a ces-
taria, a fabricação de objetos de madeira (bancos, mesas, cadeiras, etc.), de metal
(facas, instrumentos de trabalho e utensílios), de couro (calçados, vestimentas,
móveis) a produção de sabão, velas cordas, a fabricação de redes de dormir, a
fiação e tecelagem de panos de algodão, enfim a produção de uma variedade de
artigos necessários à manutenção interna dos engenhos e fazendas e à reprodu-
ção da força de trabalho, tanto escrava como livre.
A venda do excedente produzido era feita nos mercados e feiras lo-
cais, da mesma forma que a de gêneros alimentícios. Dado o caráter local dessa
produção, sua heterogeneidade, e o fato de que se trata de um tema muito pouco
estudado até o momento, a indústria rural só pode ser avaliada, por hora, através
da análise de casos específicos, o que será feito, no capítulo seguinte, em relação
aos núcleos artesanais gerados no interior da estrutura algodoeiro-pecuária do
Ceará. Somente o acúmulo de estudos de caso dessa natureza para as diversas
27
regiões do país, permitirá a obtenção de uma visão de conjunto sobre o real de-
senvolvimento da pequena produção artesanal rural no Brasil colônia.
Quanto ao terceiro tipo, isto é, a categoria dos artífices dedicados às
artes e ofícios urbanos, trata-se da forma mais desenvolvida de trabalho artesanal
na colônia. O artesanato urbano aparece de maneira mais diversificada nos gran-
des centros litorâneos como Salvador, Recife, Olinda e Rio de Janeiro e nas cida-
des mineiras de Vila Rica, Mariana, Sabará e São João d'El Rei, sobretudo no sé-
culo XVIII.
Alguns dos ofícios estavam organizados dentro do sistema das cor-
porações, trazidas pela administração portuguesa e por ela controlada. Obedeci-
am a uma hierarquia profissional vertical e horizontal que, em parte, representava
uma transposição da instituição jurídica corporativa e, em parte, reproduzia em
seu interior as barreiras de classe e de cor da sociedade colonizada.
Historicamente, a organização corporativa do artesanato urbano sur-
giu nas vilas medievais europeias do século XI. A repartição dos grupos profissio-
nais em corporações de ofício consuma-se em meados do século XII em países
como a França e a Inglaterra e na região de Flandres. (23) Do ponto de vista da
organização interna, as oficinas tinham um caráter doméstico, onde produção,
comercialização e reprodução da força de trabalho se davam em um mesmo es-
paço, misto de oficina, loja e lar. Por possuírem esse caráter de indústria familiar,
produzindo e vendendo diretamente para os mercados locais, os ofícios urbanos,
diz Braudel, "podem escapar às normas do mercado", resistir às inovações do ca-
pitalismo industrial e sobreviver até fins do século XIX e primeiras décadas do sé-
culo XX. (24)
Nem todos os ofícios eram controlados pelas agremiações. Muitos se
desenvolviam livremente, de forma independente. No Brasil, inúmeros ramos fugi-
ram totalmente à organização corporativa, especialmente aqueles desenvolvidos
pelos índios e pelos negros.
Nas ruas de Salvador, "negros de ganho" misturavam-se a trabalha-
dores livres, tecendo chapéus de palha, fazendo cestos, gaiolas de passarinho,
28
colares e pulseiras de contas, reunidos nos "cantos" de rua, onde aguardavam
clientela. (25) No Recife, no Bairro de Santo Antônio e da Boa Vista, habitados
"por muitos brasileiros brancos natos e mulatos e negros livres..." Tollenare viu em
cada casa almofadas de fazer renda e as mulheres ocupadas nessa indústria. (26)
Ainda em Salvador, no bairro de Rio Vermelho, o viajante se surpreende com a
importância de certos ofícios livres:
"... E há um estabelecimento de pesca que ocupa 200 negros
em uma cordoaria que só fabrica redes e cordas necessárias
à pesca: daí se pode julgar a sua importância... Quem acredi-
tará que há 100% a ganhar só em levar louça de barro da
Bahia para o Rio de Janeiro?". (27)
Os ofícios urbanos.
Uma das principais fontes de informações sobre a organização das
profissões no Brasil se encontra nos Catálogos da Província do Brasil e da Provín-
cia do Maranhão e Grão-Pará, de 1549 a 1769 (28), dos jesuítas. As profissões
foram ordenadas pelo Pe. Serafim Leite nos seguintes agrupamentos:
a) artes e ofícios de construção
(1) arquitetos e mestres de obra; (2) pedreiros, canteiros e marmorei-
ros; (3) carpinteiros, entalhadores, embutidores, marceneiros, tornei-
ros, tanoeiros e serradores; (4) construtores navais; (5) ferreiros, ser-
ralheiros e fundidores; (6) oleiros.
b) belas artes
29
(7) escultores e estatuários; (8) pintores e douradores; (9) cantores,
músicos, regentes de coro; (10) oleiros, barristas e ceramistas.
c) manufaturas
(11) alfaiates e bordadores; (12) sapateiros, artífices de sola e curti-
dores de pelo; (13) tecelões.
d) ofícios de administração
14) administradores de engenho, fazendas, pastores, agricultores e
procuradores; (15) salinas; (16) pescarias.
e) ofícios de saúde
(17) enfermeiros e cirurgiões; (18) boticários e farmacêuticos.
f) outros ofícios
(19) mestres de meninos e diretores de congregações marianas;
(20) bibliotecários, encadernadores, tipógrafos e impressores; (21) pi-
lotos; (22) barbeiros e cabeleireiros; (23) ofícios domésticos; (24) ofí-
cios singulares.
Não há fontes catalogadas nos arquivos coloniais, quer no Brasil,
quer em Portugal, que permitam um inventário direto dos ofícios urbanos. Seria
preciso pesquisar, para cada capitania, as informações dispersas nos documen-
tos administrativos, como decretos, leis, alvarás e provisões que regulamentavam
as profissões, e que podiam variar de uma capitania para outra. As atas das câ-
maras municipais são as principais fontes locais, pois cabia às câmaras conceder
licenças para o exercício da profissão, estabelecer controles e recolher os impos-
tos e taxações. Outras fontes são os Regimentos e Compromissos das confrarias
que congregavam os artífices, os arquivos paroquiais e das ordens religiosas, par-
ticularmente os dos jesuítas, alguns mapas estatísticos contendo arrolamentos
das profissões dos moradores e os relatos de viajantes e cronistas.
30
Os arquivos da Companhia de Jesus são particularmente relevantes
porque os jesuítas foram os responsáveis pelo ensino das artes e ofícios à mão-
de-obra que trabalhava nas oficinas da Companhia, sob a direção de mestres e
oficiais, religiosos e leigos, recrutados na Europa.
De acordo com os Catálogos, havia os chamados "ofícios mecâni-
cos", dos quais faziam parte os pedreiros, carpinteiros, marceneiros, torneiros,
serradores, construtores navais, ferreiros, oleiros, ceramistas, alfaiates, sapatei-
ros, tecelões, tipógrafos, impressores, entre outros. Em outra categoria estavam
as "profissões liberais", arquitetos, entalhadores, escultores e pintores. Os "libe-
rais" estavam isentos das obrigações legais estabelecidas pelas corporações (daí
a origem do termo "liberal"), mas trabalhavam em estreita colaboração com os
mecânicos, ou mesmo exerciam simultaneamente uma profissão "liberal" como a
escultura e o entalhe e outra "mecânica" como a carpintaria e a marcenaria, por
exemplo.
As atas das câmaras municipais podem complementar o inventário
dos ofícios existentes. As da cidade de Salvador, por exemplo, registram uma sé-
rie de ofícios não mencionados nos catálogos jesuítas, como os de cerieiro, latoei-
ro, caldeireiro, ourives, armeiro, polieiro, anzoleiro e padeiro. (29) Em algumas
cidades, pequenos comerciantes, marchantes de carne e vendeiros de porta tam-
bém estavam incluídos entre os mecânicos, assim como os serviços domésticos,
os barbeiros e cabeleireiros, o que dá margem a uma série de dificuldades na de-
limitação da categoria artesanal propriamente dita.
De uma cidade para outra a distribuição ocupacional podia variar
bastante, conforme o tipo de produção dominante na região. Em São Paulo, a te-
celagem foi o principal ofício dos séculos XVI e XVII, entrando em declínio com a
crescente importação de tecidos estrangeiros no século XVIII. (30) O número de
ferreiros, serralheiros e fundidores em Vila Rica era enorme, enquanto em Salva-
dor esses ofícios eram quase inexistentes. Nas inúmeras vilas que floresceram
com a mineração, Mariana, Sabará, São João d'El Rei, a utilização de instrumen-
31
tos e máquinas relativamente complexas pode ter sido um fator de contribuição
para o desenvolvimento dos ofícios. (31)
Certamente, a existência de matérias-primas era de fundamental im-
portância nesse contexto, como se observa na evolução do mobiliário baiano, per-
nambucano e do barroco mineiro, beneficiados pela abundância de madeiras no-
bres, (32) e na "civilização do couro" das vilas sertanejas da pecuária extensiva,
de que fala Capistrano de Abreu. (33)
Como já foi mencionado, os mercados ampliaram-se no século XVIII,
houve grande expansão demográfica e a multiplicação das vilas e cidades. A Ba-
hia, zona de urbanização mais antiga e ampla, contava com o maior número de
vilas do país. Por volta de 1730, o Brasil tinha apenas 67 núcleos urbanos na ca-
tegoria de vila, 30 dos quais localizados na Bahia. (34) Salvador pode, sem dúvi-
da, ser considerado o maior centro de artes e ofícios do período colonial, pelo me-
nos até a transferência da sede do poder político-administrativo para o Rio de Ja-
neiro em 1763, e é lá que vamos encontrar um certo florescimento e prosperidade
da camada de artífices urbanos.
As artes e ofícios prosperaram também segundo o grau de iniciativa
de dois agentes: o Estado e a Igreja, o governo português e a Companhia de Je-
sus. Ambos trabalharam em estreita colaboração, nos séculos XVI e XVII, no re-
crutamento e formação da mão-de-obra especializada, necessária para a constru-
ção, preservação e defesa do patrimônio material, trazendo mestres europeus,
quando preciso, religiosos e leigos, para ensinar, dirigir e controlar a mão-de-obra
local, recrutada entre a população negra e índia.
Alguns ofícios da construção civil, como os de pedreiro, carpinteiro,
marceneiro, telheiro, expandiram-se em estreita relação com a criação dos centros
de administração ao longo da costa. A folha de pagamento das pessoas que vie-
ram com Tomé de Sousa, na fundação da cidade da Bahia, em 1549, incluía 70
artífices, (além de funcionários civis e militares, homens de armas, padres, senho-
res de engenho, marinheiros e trabalhadores). A maioria dos artesãos vinha para
trabalhar na construção dos edifícios públicos, casa de audiência, câmara e ca-
32
deia, erigir muros e fortificações, pontes, aquedutos, estradas e construir embar-
cações.
Artífices vindos na fundação da cidade da Bahia, 1549.
Pedreiro 20
Carpinteiros da Ribeira 9
Calafate 6
Serrador 6
Telheiro 6
Carpinteiro 5
Carvoeiro 4
Cavouqueiro 3
Fabricante de cal 2
Ferreiro 2
Serralheiro 2
Carapina 1
Caldeireiro 1
Tanoeiro 1
Ferrador 1
Taipeiro 1
Total 70
Fonte: Relação das pessoas que vieram na funda-
ção da cidade da Bahia... A.N.T.T., Manuscritos do
Brasil, Avulsos, 3.
Em todo o Brasil, o desenvolvimento das cidades exigiu a presença
de um contingente treinado de artífices na construção de obras públicas. Durante
a ocupação holandesa Recife registrou uma expansão do mesmo tipo de ofícios,
tendo o governo de Nassau estimulado a formação de mão-de-obra local para
servir nos estaleiros e ferrarias. Favoreceu a construção de olarias, uma vez que a
demanda era tão grande que, inicialmente, os tijolos tinham que ser trazidos no
33
lastro dos navios que vinham da Holanda. (35) O número de pedreiros, carpintei-
ros e serralheiros em Pernambuco era insuficiente ainda no século XVIII. Em
1729, por exemplo, o governador da capitania pedia ao rei de Portugal que envi-
asse oficiais para atender às necessidades de reparo das fortificações e para a
construção de obras particulares. (36) No Rio de Janeiro, a demanda maior se
verificou com a transferência da sede do vice-reinado, em 1763, e depois com a
vinda da corte portuguesa, em 1808.
A população quase triplicara entre fins do século XVIII e 1821, pas-
sando de 40.000 para 110.000 habitantes. O movimento de exportação de ouro
pelo porto do Rio de Janeiro já havia provocado um grande aumento das funções
urbanas e da densidade populacional da cidade. O crescimento material se acele-
rou com as mudanças na ordem político-administrativa, de tal sorte que, por volta
da Independência, a nova capital havia tomado a dianteira a Salvador.
As artes e ofícios não se expandem apenas nos grandes centros do
litoral. No século XVIII eles se multiplicam também em Vila Rica e nas inúmeras
vilas que floresceram com a mineração - Mariana, Sabará, São João d'El Rei, on-
de se edifica o maior patrimônio artístico e arquitetônico setecentista no Brasil,
com a construção das inúmeras obras civis e religiosas do barroco mineiro. No
setor da construção, as relações de arremetação de obras do Arquivo Colonial de
Ouro Preto registra um grande número de carpinteiros e pedreiros trabalhando na
edificação de prédios, pontes, calçadas, chafarizes, etc. além de ofícios correlatos,
como oleiros, telheiros, latoeiros e caldeireiros. (37) A formação de mestres e ofi-
ciais chegou a ultrapassar o espaço das oficinas e da aprendizagem prática, para
alcançar o nível do ensino teórico, ministrado nas Aulas de arquitetura e desenho.
(38)
Quanto à atuação da Igreja, os jesuítas tiveram grande ascendência
sobre a coroa portuguesa, até sua expulsão do Reino e seus domínios pelo Mar-
quês de Pombal. Monopolizando o ensino do Colégio Real das Artes e dos cha-
mados "estudos menores" em Portugal desde o século XVI, (39) a Companhia de
Jesus estabeleceu verdadeiros territórios livres e intocáveis na colônia. Foram os
34
principais beneficiários do controle da mão-de-obra indígena que administravam
nos aldeamentos espalhados por todo o país e exerceram a tutela do trabalho ar-
tesanal, através da organização das confrarias e da criação de oficinas de trabalho
nos Colégios, Igrejas, fazendas e hospitais da própria Companhia. (40)
As oficinas de trabalho não se limitavam apenas ao suprimento da
Companhia, mas também a aumentar suas rendas. No Colégio de São Paulo, em
1736, o maior rendimento provinha das três oficinas, de fundição, ferraria e farmá-
cia. Nas duas primeiras fabricavam-se caldeiras de cobre, estanho e latão, utensí-
lios, arados, grades e fornos. (41) O raio de alcance do trabalho organizado pelos
jesuítas era bem mais extenso do que o do próprio governo, pois além de colé-
gios, residências, fazendas e engenhos, contavam com os aldeamentos já menci-
onados, numerosíssimos em todo o território, do Amazonas ao Rio da Prata, da
costa Atlântica ao Mato Grosso.
De acordo com os Catálogos do Brasil vieram 648 oficiais, padres,
portugueses e de outras partes da Europa, para trabalhar na Companhia, sendo
210 artífices especializados.
Padres Jesuítas nas Artes e Ofícios Coloniais, 1549-1760.
Categorias Número de padres
Artes e ofícios de construção
- arquiteto, mestres de obra 21
- pedreiro, canteiro, marmoreiro 16
- carpinteiro, entalhadores, embutidor,
marceneiro, tanoeiro, torneiro,
serrador.
59
- construtor naval. 5
- ferreiro, serralheiro, fundidor. 3
35
Belas Artes
- escultor, estatuário. 11
- pintor e dourador. 25
- cantor, músico, regente de coro. 12
- oleiro, barrista, ceramista. 9
Manufaturas
- alfaiate, bordador. 27
- sapateiro, curtidor de pele. 20
Ofícios de administração
- administrador de engenho e fazenda,
pastor, agricultor, procurador.
120
- salineiro. 6
- pescarias 7
Ofícios da saúde
- enfermeiro, cirurgião. 109
- boticário, farmacêutico. 45
Outros ofícios
- mestre de meninos, diretor de con-
gregação mariana.
29
- bibliotecário, encadernador, tipógrafo,
impressor.
9
- piloto. 11
- barbeiro, cabeleireiro. 5
- ofícios domésticos: despenseiro, co-
zinheiro, porteiro, roupeiro, sacristão,
soto-ministro.
84
36
- artes e ofícios singulares: recoveiro,
calígrafo, mestre de aritmética, geó-
grafo, ourives de prata, químico, fa-
bricante de cal, cereeiro e escultor,
diretor do relógio, fabricante de pa-
pel.
15
Total 648
Fonte: Leite, Serafim. Artes e ofícios dos Jesuítas no Brasil,
1549-1760. Lisboa, Livros de Portugal, 1950.
Setores importantes de atuação da Companhia foram as oficinas de
marcenaria e carpintaria, metalurgia, couro, cerâmica e tecelagem. Marceneiros e
carpinteiros trabalhavam ao lado de escultores e entalhadores, pois além das fron-
teiras tênues que separavam os "liberais" dos "mecânicos", a pobreza do meio, a
escassez de recursos e de mão-de-obra obrigava todos a subsistirem e trabalha-
rem em conjunto. Era grande o número de ferrarias, onde se fabricava principal-
mente instrumentos de trabalho de alta demanda, como machados, foices, enxa-
das, facas, anzóis, pregos, ferramentas, chaves, etc.
Os padres tinham seus próprios curtumes, fabricando solas, arreios,
selas e outros apetrechos de montaria, além de cadeiras e móveis de couro.
Construíram também olarias para a fabricação de tijolos, telhas, ladrilhos, louça
utilitária e peças de cerâmica religiosa e decorativa. Além da fiação e tecelagem
de panos de algodão que empregavam grande número de tecelões, havia nume-
rosos alfaiates, bordadores e costureiras trabalhando para a Companhia que, com
semelhante estrutura, era capaz de garantir um funcionamento quase que total-
mente autárquico de seu patrimônio. (42)
Além de padres e irmãos leigos, um número elevado de mestres in-
dependentes atuou a serviço dos jesuítas, notadamente na execução de obras
religiosas - altares, retábulos, imagens sacras, talhas, crucifixos, portais e facha-
das, móveis, oratórios. Apesar das inúmeras influências (italiana, espanhola, fran-
37
cesa) a arte da madeira veio para o Brasil através de Portugal e quase sempre da
Igreja, vindo a se criar aqui escolas regionais características, como é o caso do
mobiliário baiano e pernambucano dos séculos XVI e XVII e do barroco mineiro do
século XVIII. (43) Com o desenvolvimento das oficinas que trabalhavam com ma-
deira, chegou-se a estabelecer uma serra hidráulica no Colégio da Bahia, para
abastecer o colégio e obter rendimentos em dinheiro, através da serraria e corte
de madeira para terceiros.
A Companhia possuía também um estaleiro em Salvador, dirigido por
cinco irmãos construtores navais, (três portugueses, um francês e um italiano) e
onde trabalhavam um grande número de carpinteiros da ribeira.
Arquitetos, mestres de obra, escultores, pintores, douradores, mar-
ceneiros e carpinteiros, tanto de origem portuguesa como nascidos no país, es-
tenderam sua atuação para além do âmbito das artes luso-brasileiras. Na região
do Rio da Prata, sobretudo em Buenos Aires e Montevidéu, muitos artistas e arte-
sãos do Brasil e de Portugal trabalharam em obras de arquitetura, escultura, ouri-
vesaria, marcenaria e carpintaria. Sua presença, segundo um estudioso argentino,
"foi tão importante que modificou a fisionomia de nossas artes, criando uma escola
regional na qual os elementos espanhóis e lusitanos se fundiram em harmônica
conjunção, até lograr características próprias, modestas, mas originais, dentro do
vasto panorama da arte hispano-americana dos séculos XVII e XVIII". (44)
Outros elementos para uma tipologia dos ofícios urbanos podem ser
encontrados nos Censos do século XVIII, que oferecem uma ideia, ainda que in-
completa, da demografia profissional da época, da diversidade de ocupações, da
relação entre profissão e cor, renda, status social, divisão sexual e composição
familiar.
38
O censo da Freguesia de São Pedro da Cidade da Bahia.
O mapa dos moradores da Freguesia de São Pedro, de Salvador, re-
alizado em 1775, (45) embora se refira apenas a uma paróquia da cidade e não
tenha, portanto, validade estatística que permita considerá-lo representativo de
toda salvador, é bastante interessante pela riqueza de detalhes que apresenta.
O mapa indica um total de 24.201 habitantes para a cidade de Sal-
vador, e de 2.689 habitantes para a freguesia de São Pedro, sendo 1.626 homens
livres e 1.063 escravos. A população livre compreendia os pais de família, suas
mulheres e filhos. O mapa discrimina as ocupações apenas dos indivíduos livres,
chefes de família e alguns agregados, no total, 604 moradores, e não arrola as
ocupações dos escravos.
Como o levantamento desses dados tinha por principal objetivo o
controle policial dos desocupados, conforme já foi comentado, explica-se que o
mapa tivesse a preocupação de arrolar apenas o trabalho dos homens livres, dei-
xando de lado o trabalho escravo. O organizador do mapa deixa claro, na introdu-
ção, que interessava a identificação dos ociosos, sua vigilância e coerção:
"dos vadios, vagabundos e ociosos, de todos aqueles que
não perturbam por ocupados, e entretidos o sossego público,
e daqueles outros, que são capazes e que estão dispostos
para o perturbar, os que sendo dignos de coerção pelo me-
nos enquanto ela não chega, devem ser vigiados, e tidos por
suspeitosos para tudo quanto ha mão, e prejudicial à tranqui-
lidade dos bons por onde costuma entrar a prevaricação, e o
péssimo exemplo".
Os moradores distribuíam-se por 83 profissões. Agregando-se os
dados por tipo de profissão, verifica-se que o grupo mais numeroso era o das ati-
vidades manuais e mecânicas, vindo a seguir os proprietários, os militares, as pro-
fissões liberais, os comerciantes e os funcionários da administração pública. Havia
ainda um número destacado de "ganhadeiras", mulheres pretas, livres, exercendo
39
atividades semelhantes a dos "negros de ganho" escravos, ou seja, o comércio
ambulante e pequenos serviços diários, além de pescadores, marinheiros e outros
trabalhadores, como criados, jardineiros e empregados no serviço doméstico.
Distribuição profissional dos homens livres de São
Pedro da Bahia.
Categorias Moradores
Profissões manuais e me-
cânicas
261
Proprietários 51
Profissões comerciais 44
Profissões liberais 48
Administração pública 42
Militares 71
Ganhadeiras 31
Pescadores e marinheiros 27
Outros 29
Total 604
Apesar de se tratar de uma única freguesia, pode-se inferir que a vi-
da profissional em Salvador era bastante diversificada, rica em atividades de todo
tipo, sendo a predominância do setor artesanal um indício dessa vitalidade.
As profissões manuais e mecânicas distribuíam-se em 17 ofícios: 18
alfaiates, 1 anzoleiro, 4 calafates, 15 carpinteiros, 1 cerieiro, 144 costureiras, 7
entalhadores, 1 ferrador, 1 imaginário, 1 lapidário, 1 latoeiro, 2 marceneiros, 4 pa-
deiros, 12 pedreiros, 7 pintores, 9 rendeiras e 33 sapateiros. As profissões liberais
incluíam as de bacharel, boticário, capelão, cirurgião, clérigo, cônego, desembar-
gador, médico, meirinho, mestre-escola, músico, organista e presidente do coro.
As comerciais, as de caixeiro, mercador, negociante, traficante de escravos, ven-
dedor e vendeiro. As da administração pública, as de aferidor, agente de Relação,
40
chanceler, coadjutor, cobrador, dizimeiro, escrevente, escrivão, feitor do contrato,
guarda da alfândega, intendente do ouro, oficiais da inspeção e da intendência,
porteiro da Câmara, procurador e requerente. As militares, os postos de alferes,
artilheiro, cabo, capitão, coronel, major, sargento, soldado, tambor e tenente.
O arrolamento das ocupações dos homens livres foi feito segundo a
cor dos indivíduos (brancos, pardos, pretos e cabras) e a posição de chefe de fa-
mília ou agregado. O mapa discrimina, ainda, o número de escravos em cada do-
micílio, o que serve de indicador da classe social, se considerarmos que a renda e
o status eram mantidos, em grande parte, em termos do número de escravos pos-
suídos.
Os indivíduos de maiores posses, donos de dez ou mais escravos,
eram comerciantes, altos funcionários civis e militares, alguns proprietários, alguns
liberais (um cirurgião e um músico), um cônego. Dois artífices, um carpinteiro e um
cerieiro (fabricante de cera, velas e archotes), estavam dentro desse grupo, que
representava 3% dos fogos da freguesia. Todos eram brancos, com exceção de
três, pardos, entre os quais se destacava a parda Maria Nunes. Essa mulher, viú-
va e chefe de família, era padeira, mãe de quatro filhos e proprietária de 24 escra-
vos, que com seu ofício rompia a barreira da cor e do sexo, incluindo-se no grupo
de maior fortuna de S. Pedro da Bahia.
Os que possuíam entre um e nove escravos representavam cerca de
30% dos fogos. Estrato de menor fortuna, mas ainda assim de boa posição social,
a maioria também era constituída de brancos. O leque de profissões é mais amplo
nesse grupo, incluindo comerciantes, proprietários, membros da administração
pública, militares, religiosos, médicos, bem como os ofícios de pedreiro, carpintei-
ro, entalhador, costureira, rendeira, calafate, pintor, alfaiate, sapateiro, ferrador e
selador. O número de pardos e pretos era relativamente alto, a maioria dedicada
às artes e ofícios (pintor, carpinteiro, alfaiate, costureira, calafate, sapateiro, padei-
ro) além de um mestre escola, um capitão, um proprietário, um vaqueiro e um cor-
tador de carne. Inesperado nesse grupo é o grande número de "ganhadeiras" pre-
41
tas, donas de vários escravos, como Quitéria Nogueira, de 50 anos, solteira, mãe
de cinco filhos e proprietária de seis escravos.
Quanto ao estrato mais pobre, não possuidor de escravos, embora a
maioria ainda fosse constituída de brancos era numeroso o contingente de negros
e, em menor grau, de pardos.
A barreira da cor estava presente em algumas profissões de maneira
bastante nítida. O pequeno comércio, por exemplo, era exercido sobretudo por
brancos, negociantes, vendeiros, caixeiros, escreventes. O mesmo sucedia com
as profissões liberais - bacharéis, clérigos, mestre escolas, músicos, pilotos. Os
militares - tenentes, sargentos, soldados, cabos, capitães também eram brancos
em sua maioria, embora houvesse muitos cabos e soldados negros, esses últimos
do batalhão Henrique Dias. Outras profissões eram marcadamente exercidas por
pardos e negros, especialmente mulheres livres empregadas no serviço doméstico
- engomadeiras, cozinheiras, lavadeiras e doceiras, além das numerosas "ganha-
deiras" mais pobres, do comércio ambulante. Quanto a estas últimas, é importante
destacar que se tratava de ocupações reservada exclusivamente às mulheres ne-
gras, não aparecendo nenhuma parda ou branca nas estatísticas.
Um dado importante sobre a mão-de-obra livre feminina, branca e
pobre, é a presença das costureiras, que constituíam a categoria mais numerosa
no rol das profissões artesanais. Diante da rigidez da divisão sexual do trabalho,
ser costureira era uma das poucas alternativas de sobrevivência para o grande
número de mulheres obrigadas a ganhar a vida - solteiras, viúvas ou mesmo ca-
sadas cujos maridos estavam ausentes, e que apareciam no Mapa como "chefes
de família" ou agregadas. É significativo a esse respeito o fato de haver mais mu-
lheres brancas na categoria de "pobres", isto é, sem ocupação, do que pardas ou
negras.
A condição da mão-de-obra feminina na Bahia em fins do século
XVIII parece coincidir em vários aspectos com aquela encontrada por Odila Silva
Dias em São Paulo no século XIX, (46) especialmente no que se refere à luta pela
42
sobrevivência das mulheres sós, sem escravos, de renda mais baixa, que viviam
de atividades do artesanato caseiro, muitas delas tecelãs e costureiras.
A se julgar pelo censo de S. Pedro, as atividades artesanais repre-
sentavam uma das poucas possibilidades de trabalho para ex-escravos e mestiços
livres. Tomando-se apenas o segmento das artes e ofícios e analisando-o inter-
namente verifica-se que, apesar da predominância de brancos, era grande a pre-
sença de pardos e negros artesãos. No ofício de alfaiate, por exemplo, o número
de pardos e negros era superior ao de brancos. Carpinteiros, pedreiros, pintores e
sapateiros não brancos também eram numerosos. O ofício de padeiro era exerci-
do apenas por pardos e negros. Em contrapartida, nos ofícios que requeriam mai-
or especialização, como o de cerieiro, entalhador, lapidário e marceneiro, era difícil
o acesso dos negros e predominavam os artesãos brancos.
Artes e ofícios dos homens livres em São Pedro da Bahia, segundo a cor.
Brancos Pardos Pretos Cabras Indeterm. Total
Alfaiate 3 8 7 18
Anzoleiro 1 1
Calafate 2 2 4
Carpintei-
ro
9 4 2 15
Cerieiro 1 1
Costureira 92 33 12 1 6 144
Entalhador 5 2 7
Ferrador 1 1
Imaginário 1 1
Lapidário 1 1
Latoeiro 1 1
Marcenei-
ro
1 1 2
Padeiro 2 2 4
43
Pedreiro 5 1 6 12
Pintor 3 4 7
Rendeira 6 3 9
Sapateiro 16 5 9 1 2 33
Total 147 62 42 2 8 261
Quanto à posse de escravos, verifica-se que cerca de 70% dos artífi-
ces não possuía nenhum escravo. Entre os que possuíam escravos e que perten-
ciam, portanto, a estratos sociais mais altos, estavam os calafates, os carpinteiros,
os entalhadores e os pintores, ou seja, as profissões consideradas mais "nobres".
A maior parte dos artífices eram chefes de família. Apenas um pequeno número
vivia agregado a outro domicílio, sobretudo alfaiates e sapateiros mais pobres.
Novamente chama atenção a posição do numeroso grupo das costu-
reiras. Uma grande parte dessas mulheres, chefes de família, possuía escravos e,
curiosamente, mesmo entre as que moravam como agregadas em domicílios que
não eram seus, existiam aquelas que tinham seus próprios escravos. Vê-se, por-
tanto, que a profissão perpassava todas as camadas sociais, embora fosse uma
ocupação frequente de mulheres pobres.
Artes e ofícios de chefes de família e agregados, em São Pedro
da Bahia, segundo a posse de escravos.
Chefe de Família Agregado
com es-
cravo
sem es-
cravo
com es-
cravo
sem es-
cravo
Alfaiate 2 11 5
Anzoleiro 1
Calafate 4
44
Carpinteiro 9 4 1 1
Cerieiro 1
Costureira 25 55 5 59
Entalhador 4 3
Ferrador 1
Imaginário 1
Lapidário 1
Latoeiro 1
Marceneiro 1 1
Padeiro 2 2
Pedreiro 4 7 1
Pintor 4 2 1
Rendeira 6 3
Sapateiro 5 18 10
Total 62 113 6 80
O Censo de São Pedro da Bahia de 1775, apesar de suas limitações,
é uma fonte importante para a rediscussão de algumas questões, na medida em
que mostra a diversificação profissional dos homens livres e as diferenças sociais
dentro do estrato artesanal, sugerindo, portanto, a existência de um quadro de
relações de trabalho bem mais complexo do que tem sido suposto.
Em particular, sugere que é preciso reexaminar a questão de que o
trabalho escravo teria desvirtuado e corrompido irremediavelmente as relações de
trabalho no artesanato, na medida em que essa atividade deveria ser caracteriza-
da pelo livre exercício da profissão, por parte de artesãos independentes e pro-
prietários dos meios da produção.
Uma vez que a presença de escravos representou um fator funda-
mental de diferenciação no artesanato colonial, torna-se necessário verificar mais
de perto como se deu sua inserção, sem o que não se pode tentar obter um qua-
dro representativo das artes e ofícios urbanos em sua formação.
45
As relações de trabalho e a presença de escravos e homens li-
vres nas artes e ofícios urbanos.
O artesão urbano, tal como aparece caracterizado no sistema euro-
peu medieval e pré-industrial é, antes de mais nada, um trabalhador livre. Os mes-
tres constituem a camada dominante, da qual dependem aprendizes e jornaleiros,
as duas categorias subordinadas. São os donos da oficina, proprietários da maté-
ria-prima e dos instrumentos de trabalho. O produto fabricado lhes pertence, assim
como o lucro obtido. Os aprendizes, dois ou três por oficina, iniciam-se no ofício
sob orientação do mestre, uma vez que ninguém pode exercer a profissão sem
estar habilitado. Os jornaleiros, também em número limitado, são assalariados
com diferentes níveis de habilitação, desde o simples auxiliar de tarefas braçais
até o oficial que passou por toda a aprendizagem, mas não alcançou ainda o es-
tágio de mestre. O capital de um mestre artesão, típico "empresário independente"
como o qualifica Henri Pirenne (47), não inclui mais que a casa ou oficina e as fer-
ramentas necessárias à sua profissão. A venda é limitada ao mercado local e suas
exigências de demanda. A disciplina no trabalho é rígida - repetir uma tarefa da
mesma maneira, sem inovações, serve ao propósito de assegurar a qualidade do
produto fabricado, proteger o consumidor e, sobretudo, dar segurança ao próprio
produtor, garantindo a igualdade de todos mediante a estrita subordinação de ca-
da um aos regulamentos profissionais (48).
Procurar demonstrar a inviabilidade da reprodução de um modelo de
tal rigidez no sistema colonial brasileiro de base escravista é, a nosso ver, desne-
cessário. Evidentemente, as condições específicas das relações de trabalho es-
cravo e livre interferiram na produção artesanal, configurando sua evolução de
forma diversa do processo clássico europeu.
O emprego de escravos nas oficinas artesanais nada tinha, em si, de
excepcional. Na Idade Média eles foram usados, não só nos ofícios como no tra-
balho doméstico, registrando-se inclusive a prática do aluguel de escravos arte-
46
sãos nas cidades do mediterrâneo. Em Gênova, Sicília e Nápoles os escravos
ainda eram encontrados nas oficinas nos séculos XIV e XV. Em Barcelona e em
Lisboa era limitado por lei o número de escravos que cada mestre podia ter e cer-
tos ofícios eram proibidos aos negros. (49)
Entretanto, no Brasil, a venda e aluguel do escravo artesão tornou-se
rapidamente atividade rendosa, largamente praticada. O artesão independente,
vindo do Reino para tentar a sorte na colônia, transformou-se com frequência no
artesão dono de escravos. Um mestre marceneiro, pedreiro, carpinteiro ou ferreiro,
como os viu Tollenare em Olinda e Recife, que ao invés de assalariar operários
livres comprava negros para instruí-los em um ofício. Muitos desses escravos, ao
comprar sua alforria à custa do ofício exercido, passavam por sua vez a adquirir
novos escravos para substituí-los na oficina.
Vê-se, assim, que a prática de utilizar escravos extrapola o nível das
relações internas de trabalho na oficina, para inserir-se no movimento geral do
sistema, onde a circulação da mercadoria-escravo-especializado era fonte gerado-
ra de bons lucros. Vê-se, mais, que a escravidão não constituiu, necessariamente,
um impedimento à expansão das atividades manufatureiras. Pelo contrário, ela foi,
em muitos casos, a única forma de viabilizá-la, dada a extrema escassez de mão-
de-obra livre especializada.
O artesanato e as manufaturas coloniais lançaram mão não só da
escravidão negra, mas de outra forma de trabalho compulsório que nada tinha em
comum com o trabalho dos artesãos europeus - a mão-de-obra indígena.
Os índios foram empregados, sob formas incompletas de escravidão,
tanto pelos colonos, como pelo Estado e pela Igreja, sobretudo os jesuítas. A res-
peito do trabalho dos índios deve-se mencionar que o controle da mão-de-obra
indígena foi objeto de complicado jogo de interesses entre a Igreja e o Estado e
fonte permanente de litígios e conflitos entre estes e os colonos brancos. As for-
mas de trabalho livre e compulsório e sua regulamentação, fortemente influencia-
da pelas doutrinas dos teólogos contrários a escravidão dos índios, demonstram a
47
ação da Igreja, até meados do século XVIII, na estrutura institucional (Leis, Bulas
e Tratados) (50).
Os jesuítas foram os principais beneficiários dessa legislação, exer-
cendo o governo temporal dos índios do Brasil nos aldeamentos sob "administra-
ção" da Companhia de Jesus. A população indígena era administrada de forma
análoga ao sistema de encomienda da colonização espanhola, ficando sob a tute-
la dos padres, a quem deviam tributar com trabalho a proteção recebida. (51) A
ruptura dessa condição vai se dar com a expulsão da Companhia em 1759, logo
após a extinção da escravidão dos índios em todas as suas formas, por lei de
1758, quando então a população indígena é colocada na mesma situação do res-
tante da população pobre e destituída.
Não se pode afirmar, entretanto, que as artes e ofícios urbanos te-
nham estado totalmente submetidos à sociedade escravista dominante, nem que a
presença do escravo e do índio nas oficinas tenha significado um total aviltamento
das relações de trabalho.
Em primeiro lugar, é preciso descartar a visão simplificadora que ge-
neraliza o argumento da "indignidade do trabalho manual em uma sociedade de
escravos". O que sim existiu, foi uma hierarquia bastante definida dentro dos di-
versos ofícios.
A condição social do artífice não era homogênea, antes pelo contrá-
rio, havia uma pluralidade de vínculos e uma inserção vertical no trabalho. Fatores
relacionados, sem dúvida, com a condição de escravo ou homem livre, mas não
exclusivamente com ela. O próprio contexto histórico de evolução dos ofícios em
Portugal influenciou as diferenças de posição do artífice na colônia.
Alguns ofícios eram considerados "mais dignos", próprios dos bran-
cos, se situavam próximos às profissões liberais. Caso dos pedreiros e mestres de
obra, cujas funções se confundiam com as dos engenheiros e arquitetos. Outros,
"menos dignos", estavam cercados de desprestígio social, eram relegados aos
escravos e aos homens mais pobres. Caso dos tecelões e dos ferreiros, ofícios
desprezados na própria sociedade medieval portuguesa.
48
Vários ofícios que desfrutavam de consideração e prestígio eram
terminantemente proibidos de serem exercidos por não brancos. Na ourivesaria,
por exemplo, os negros, mulatos e índios, mesmo forros, só eram admitidos nas
oficinas para tanger os foles das forjas e martelar o ouro e a prata, sendo legal-
mente proibidos de aprender o ofício, especialmente na execução dos objetos de
culto religioso. (52) Também os marceneiros, torneiros e carpinteiros brancos, que
ocupavam o topo da hierarquia artesanal, tentavam levantar barreiras legais para
impedir o acesso à profissão por parte de negros e mulatos escravos.
Para garantir seus privilégios, os mestres admitiam, no máximo, a
presença de mulatos forros como aprendizes, conforme o Regimento dos Pedrei-
ros e Carpinteiros de Salvador da Bandeira de São José, de 1780, que condenava
em oito mil réis de multa:
"qualquer mestre que tomar aprendiz que seja negro; nem
ainda mulato cativo; pois só ensinará brancos, ou mulatos
forros". (53)
A defesa dos privilégios dos mestres brancos, garantida juridicamen-
te pelas corporações, esbarrava, na prática, nas dificuldades de controle e vigilân-
cia e na pressão exercida pelos não brancos em certos ofícios. Negros, índios e
mestiços, fossem escravos ou livres, que lutavam por espaços dentro da rígida
sociedade escravocrata, aproveitavam-se das brechas disponíveis para tentar as-
cender socialmente. O caso dos ourives é particularmente ilustrativo nesse senti-
do, porque grande parte das proibições visava impedir o desvio do ouro e da prata
largamente praticado. É o que se depreende das queixas contra mulatos e pretos
de Olinda e Recife, encaminhados à metrópole em 1732:
"Do excessivo número de oficiais ourives que há na cidade
de Olinda, neste Recife e mais lugares da Capitania, sendo
os mais deles mulatos e negros contra uma Lei Extravagante
de Vossa Majestade e o que pior é ainda sendo escravos:
resultam gravíssimos danos à República, a saber, aparecem
49
moedas de prata de uma e duas patacas falsas, cuja falsida-
de se reconhece somente com o reparo e observação de que
são fundidas em forma de ourives distinguindo-as das verda-
deiras com não serem tão lisas, e assim passam muitas de
que algumas me tem vindo à mão... Acontecem grandes fur-
tos de ouro e prata e se não podem descobrir as peças ainda
que se manifestem os ladrões; porque há semelhantes ouri-
ves que sendo os mesmos que furtam, ou seus sócios e to-
dos da mesma qualidade, dão nova forma a coisas furtadas e
desse modo se extinguem os sinais pelos quais seriam co-
nhecidas de sue donos. Aos quais danos públicos é justo que
V. Majestade faça atenção, aos danos e ao remédio conve-
niente de se taxar nas Câmaras o número destes ofícios
permitindo-os somente às pessoas que as Câmaras julgarem
idôneas de cabedal e sangue, com proibição aos mulatos e
negros ainda que sejam forros, como se pratica em toda a
bem governada República. V. Majestade procure do remédio
que for mais conveniente ao seu real serviço.". (54)
Assim, a instabilidade das instituições recém implantadas , as dificul-
dades de controle jurídico-administrativo, a escassez de mão-de-obra e a própria
desorganização social, decorrentes dos períodos de crise ou expansão da econo-
mia, favoreceram a mobilidade e a ascensão nos núcleos urbanos, não só da ca-
mada de artífices como de pequenos comerciantes e prestadores de serviços,
abrindo oportunidades para setores das camadas mais pobres de homens livres
que possuíam alguma especialização profissional e dando ao escravo de aluguel a
possibilidade de comprar sua emancipação. (55)
No topo da hierarquia artesanal estava uma camada pequeno bur-
guesa formada por mestres e oficiais proprietários de oficinas. A maior parte era
branca, de origem europeia, muitos vinculados às ordens religiosas e ao Estado.
Constituíam mão-de-obra rara e disputada que fazia parte daquela "terceira condi-
50
ção de gente", a que se referiu o cronista Ambrósio Fernandes Brandão no início
do século XVII. "Brandonio" estabelece cinco categorias: marítimos, mercadores,
oficiais mecânicos, vaqueiros e os da lavoura e assim se refere aos mecânicos:
"a terceira condição de gente são oficiais mecânicos de que
há muitos no Brasil de todas as artes, os quais procuram
exercitar, fazendo seu proveito nelas, sem se lembrarem por
nenhum modo do bem comum". (56)
A crítica de Brandonio se reporta ao código de ética corporativa que
orientava a prática dos ofícios na Europa pré-industrial, sugerindo que os valores
dos artesãos na colônia, seu individualismo e a perspectiva de "proveito" próprio
estavam realmente bem distanciados daqueles prescritos pelos grêmios e confra-
rias, em torno do "bem comum" da corporação.
Nos centros urbanos da costa os interesses dessa pequena elite
mesteiral aproximavam-na dos setores mercantis e exportadores. Gonçalves de
Melo, analisando o episódio da Guerra dos Mascates, que resultou na vitória dos
grandes comerciantes de Recife contra os produtores de açúcar de Olinda, desta-
ca a aliança entre comerciantes e artesãos na defesa de interesses comuns e
opostos aos do setor agrário. O autor julga, inclusive, que a "existência de uma
pequena burguesia e de uma classe mesteiral com consciência dos seus interes-
ses" teve papel importante nos conflitos sociais do final do século XVIII e início do
século XIX em Pernambuco, que culminaram no movimento republicano de 1817.
(57)
Nos escalões intermediários estavam os oficiais mecânicos de dife-
rentes origens sociais, homens livres e forros, brancos, negros, mestiços e índios,
todo um contingente que engrossava uma camada de setores embrionários da
população urbana. Emília Viotti da Costa analisa o Censo Vila Rica, de 1804, para
mostrar como, apesar do caráter limitado dos núcleos urbanos coloniais e do es-
casso desenvolvimento do artesanato e do pequeno comércio interno, essas ativi-
dades constituíram veículos de ascensão social, especialmente para mulatos li-
vres ou libertos. De um total de 8.180 habitantes, sendo 6.087 livres e 2.893 es-
51
cravos, um grande número de mestiços destacam-se nos ofícios, como alfaiates,
sapateiros, latoeiros, carpinteiros, seleiros, pedreiros, marceneiros, escultores,
padeiros e outros mais. (58)
Finalmente, na base da camada artesanal, estavam os escravos.
Nenhum dos numerosos estudos sobre a escravidão brasileira fornece mais do
que indícios sobre o escravo artesão. Katia Mattoso chama atenção para o fato de
que a qualificação profissional era um dos elementos básicos na formação do pre-
ço do escravo, o qual era determinado por fatores mercantis, atuantes do lado da
oferta e do lado da demanda, tais como a distância entre portos de embarque e
chegada, a concorrência do mercado, as perdas decorrentes da viagem, a conjun-
tura econômica, a especulação, etc. e por fatores "intrínsecos", ou seja, idade,
sexo, condições de saúde e habilitação profissional do escravo. (59)
O aluguel de um escravo não qualificado, no Rio de Janeiro, segundo
Eschwege, era de 300 réis diários, enquanto aos aprendizes de qualquer ofício se
pagava 600 réis e aos mestres 900 a 1.200 réis ou mais. (60) Em Recife, os "ne-
gros de ganho", como eram chamados os escravos de aluguel, eram largamente
empregados nas oficinas, no porto e nos serviços domésticos. Tollenare encontrou
entre eles hábeis artífices, que uma vez instruídos em um ofício proporcionavam
aos seus donos excelente fonte de renda. Chegavam a produzir, por ano, cerca de
40% do custo da compra, de tal sorte que a posse de vinte escravos garantia "uma
vida muito à vontade" ao proprietário. (61) Na Bahia, a idade do escravo contava
pouco na formação de seu preço, sendo mais importantes as condições físicas e a
habilitação profissional. Katia Mattoso, pesquisando os inventários de heranças
entre 1805 e 1811, verificou que os preços mais altos eram atribuídos aos escra-
vos de boa saúde, capazes, dos ofícios de alfaiate, pedreiro, tanoeiro, serralheiro,
padeiro, carpinteiro e caldeireiro, entre os homens. Entre as mulheres, os de preço
mais alto eram as costureiras, rendeiras, bordadeiras, passadeiras e doceiras. (62)
A mesma autora chama atenção para um aspecto importante da
condição do escravo artesão, que diz respeito às relações com o senhor. Em
comparação com a rígida condição de exploração do escravo nos engenhos, fa-
52
zendas e minas, o escravo artesão na cidade era, com frequência, mais indepen-
dente.
Com efeito, o senhor que alugava um artesão era forçado a lhe dar
maior autonomia, deixá-lo circular pelas ruas em busca de trabalho, muitas vezes
morar em outro domicílio, longe da casa do dono, que se limitava a receber sema-
nalmente a parcela do ganho ajustada. Ao sair das vistas do senhor esse escravo
estabelecia uma série de novos vínculos, reunia-se e trabalhava com companhei-
ros de ofícios de origens diversas, homens livres, mestres e oficiais da mesma
arte, aprendizes e obreiros, ex-escravos que haviam conseguido comprar a liber-
dade trabalhando como artesãos. Além do convívio interno de trabalho na oficina,
havia a reunião nos "cantos de rua", nas praças e mercados onde se aguardava a
clientela.
Entretanto, mesmo sendo provável que o meio mais flexível da cida-
de tenha atenuado, ou pelo menos matizado, a exploração da mão-de-obra escra-
va, as barreiras impostas pela camada branca dominante do artesanato não foram
superadas sem grande resistência. Dentro de cada grupo profissional, a cor e a
origem social definiam limites e privilégios que não eram facilmente rompidos. Ao
escravo cabia substituir o trabalhador braçal assalariado, obreiros e jornaleiros
encarregados das tarefas auxiliares que formavam a base de muitos ofícios, ofe-
recendo as vantagens do controle completo da mão-de-obra que a escravidão
proporcionava.
Se na Europa pré-capitalista os mestres e oficiais se atinham à cha-
mada "honra mesteiral", para manter a massa de artesãos em posição subalterna,
no Brasil escravocrata, era suficiente manter os "ofícios dignos" como privilégio do
homem branco. As provas de limpeza de sangue, as proibições impostas a ne-
gros, mulatos e índios nos ofícios de maior prestígio, o preconceito em relação aos
"ofícios vis", não visavam outra coisa que estigmatizar, não o trabalho artesanal
em si, mas o que era exercido por não brancos, dificultar a ascensão na escala
social, manter submissa essa massa trabalhadora, procurar impedi-la de ultrapas-
sar os estreitos limites dentro dos quais podia mover-se.
53
Ao lado dos ofícios artesanais, o pequeno comércio ambulante tam-
bém se mostrava rentável para o escravo deliberado a comprar a alforria. Por isso,
havia certa mobilidade, que permitia a passagem dessa mão-de-obra por várias
atividades - artesanato, comércio, serviços domésticos, aumentando as possibili-
dades da alforria. (63)
Assim, os limites impostos eram contestados pelas próprias contradi-
ções e tensões geradas nessas relações, em que conviviam duas concepções de
trabalho tão distintas como a escravidão e a organização mesteiral, dentro de uma
mesma oficina. O escravo treinado por um mestre artesão podia gerar bons lucros,
é verdade, mas também iniciava nesse processo a conquista de sua própria
emancipação, condição primeira para penetrar no mundo do artesão branco e com
ele competir.
Contudo, o estigma do trabalho escravo marcou a evolução das artes
e ofícios, da mesma forma que marcou todas as atividades produtivas. Mesmo
sendo mais fluidas, menos dicotomizadas do que no campo, as relações de traba-
lho na cidade não deixaram de ser profundamente afetadas pela base escravista
de produção da sociedade colonial, e o artesanato não fugiu à regra, embora de
forma matizada e com suas especificidades.
O sistema corporativo e a corporação de ofício como instituição.
Se há poucas fontes de dados acerca da prática artesanal, que pos-
sam melhor esclarecer o universo das relações de trabalho, existe, contudo, uma
fonte em nível da ordem institucional que regulamentava essas relações - o siste-
ma corporativo - que pode jogar um pouco mais de luz sobre as questões até ago-
ra abordadas.
As corporações de ofício fizeram parte das instituições medievais eu-
ropeias, sobretudo na Itália, França, Inglaterra, Alemanha, Países Baixos e, um
54
pouco tardiamente, na Espanha e Portugal. Originaram-se da livre associação dos
trabalhadores urbanos em confrarias, organizações de base religiosa, nas quais
se reuniam os artífices e alguns tipos de comerciantes, desde fins do século XI
(64). Seu desenvolvimento varia, naturalmente, de acordo com as características
que assumiram em cada país, mas, de uma forma geral, as corporações se ex-
pandiram do século XII ao XV por toda a Europa, acompanhando o ritmo de cres-
cimento urbano e tendendo para uma progressiva diversificação e especialização.
(65) Apoiavam-se nos princípios do protecionismo e do exclusivismo, na defesa de
privilégios e da estabilidade de preços e, onde adquiriram maior força, conferiam
prestígio social e poder político aos seus membros.
A partir dos descobrimentos marítimos e do crescimento das cidades
voltadas para o comércio atlântico e mediterrâneo, as corporações se expandem
também na Península Ibérica. Na Espanha, houve grande desenvolvimento gre-
mial no período de formação do Império, com a transformação das antigas confra-
rias em corporações profissionais (66). Em Portugal, as confrarias haviam estado
na base das corporações desde o século XIII, datando de 1489 o primeiro regi-
mento de ofícios mecânicos conhecidos. A organização corporativa fica totalmente
definida em sua estrutura jurídica no século XVI, com a reforma dos regimentos de
ofício, efetuada pela Câmara de Lisboa em 1572. (67)
Em nenhuma parte, porém, as corporações (guilds inglesas, corps
francesas, zünfte alemãs, arti italianas, gremios espanhóis) conseguiram impor-se
totalmente e sem resistências e restrições. Em algumas cidades elas controlavam
os ofícios, em outras estes eram "livres". No interior de uma mesma cidade, como
Paris e Londres, alguns podiam estar sob controle e outros livres. (68)
No século XVII a política mercantilista do Estado interfere nas corpo-
rações, dando-lhes maior poder e uma estrutura oligárquica e monopolista. Os
membros dos corps na França passam a usufruir de uma posição fixa na socieda-
de estamental, o que funciona como elemento de estabilidade e segurança social.
Mas, embora as corporações se fortaleçam do ponto de vista jurídico e legal, sob
a proteção dos Estados centralizadores, a organização corporativa vai perdendo
55
progressivamente seu antigo poder à medida que se organizam e ganham força
as novas relações de trabalho surgidas com o capitalismo industrial.
Estava colocada em cheque a própria validade e significado de sua
existência, avessa a inovações, defensora de mercados protecionistas e exclusi-
vistas, em descompasso com a formação do mercado capitalista de trabalho e as
doutrinas da livre competição e do laissez-faire. Coletivista e impositora de privi-
légios estamentais, a instituição corporativa era inteiramente incompatível com o
individualismo burguês.
Na Inglaterra, o corporativismo entra em decadência no século XVII.
De um lado, inicia-se a subordinação dos produtores autônomos da cidade à bur-
guesia mercantil e o fortalecimento da camada de comerciantes-fabricantes, que
passa a dominar as corporações e dividi-las internamente. De outro, cresce o se-
tor manufatureiro têxtil no campo, colocando também o artesão rural na órbita do
capital comercial, com o sistema de trabalho a domicílio (verlags-system na Ale-
manha, putting-out-system na Inglaterra). A partir daí, como afirma Dobb, "a sub-
missão do ofício ao elemento comercial foi total". (69)
A ruptura a nível estrutural ocorreu sobretudo naquilo que Marx cha-
mou de "subordinação ao consumo pressuposto", que caracterizava a produção
artesanal pré-capitalista, (70) isto é, a subordinação da oferta à procura, através
do trabalho por encomenda. Ou seja, embora o artesanato urbano estivesse ba-
seado na criação de valores de troca, o objetivo principal da produção não era a
mercadoria como tal, o enriquecimento, mas a subsistência do homem enquanto
artesão, um mestre independente, produtor autônomo, cuja produção estava su-
bordinada ao consumo pressuposto pela demanda. Ao romper-se esse sistema,
as corporações entram em decadência. Sua extinção formal é produto das refor-
mas liberais.
Na França são extintas por lei em 1791, como parte da supressão
dos privilégios e da liberdade de comércio e indústria. Na Espanha são extintas
em 1836 logo após sua extinção em Portugal, em 1834, como parte da reforma
liberal.
56
As corporações de ofício no Brasil.
As corporações de ofício foram transplantadas para o Brasil como
parte da reprodução das estruturas metropolitanas da colônia, especialmente ao
nível das instituições jurídicas e administrativas.
Os poucos autores que abordam esse assunto chamam atenção pa-
ra o fracasso de tal tentativa, em uma estrutura social baseada na exploração do
trabalho escravo, sem condições de absorver uma organização fundamentada na
associação de trabalhadores livres entre si, em defesa de seus interesses. Assim,
as corporações de ofício teriam assumido no Brasil um caráter meramente formal,
de legislação não cumprida, "abastardando-se", no dizer de Sérgio Buarque de
Holanda, e dissolvendo-se, sob a perspectiva da ideologia servil que envilecia o
trabalho manual, como também afirma Gorender. (71)
Aliás, o desprestígio do trabalho manual era também uma herança
do colonizador, uma vez que as atividades industriais em Portugal nunca se com-
pararam ao exercício do comércio, sendo marcadas por uma profunda aversão
das camadas senhoriais ao trabalho manual e mecânico. A oposição entre as
chamadas "artes liberais" e as "artes servis", a primeira do cidadão livre e a se-
gunda de escravos, herança da cultura romana, prolonga-se em Portugal, na divi-
são entre "profissões liberais" e "profissões mecânicas". (72)
Na sociedade portuguesa do Antigo Regime distinguiam-se três ca-
tegorias, ou estados, o primeiro formado pelo clero, o segundo pela nobreza e o
terceiro incluindo quatro grupos: os agricultores; os mercadores e negociantes; os
mesteirais, oficiais mecânicos e industriais; e os que serviam a terceiros, na agri-
cultura, comércio, indústria e serviços domésticos. Dentro do "terceiro estado",
havia uma distinção entre os chamados "homens bons", cidadãos integrados en-
tre os "honrados" do lugar, ou pelo menos fazendo parte da "gente limpa", e aque-
les que não viviam "limpamente", ou seja, "a gente de ofícios mecânicos e vis".
(73)
57
É preciso acrescentar, contudo, que o desprestígio do trabalho ma-
nual passou a ocorrer em quase todos os países da Europa, a partir do século
XVII. Na Inglaterra do Iluminismo os termos "mechanick" e mechanical" conotavam
algo "mal, baixo, digno de piedade", inferiores às chamadas "ciências liberais".
(74) Na Espanha essas ocupações eram vistas como forma de desonra social,
incompatíveis com o exercício de cargos públicos e com a nobreza, situação que
persistiu, inclusive por lei, até fins do século XVIII. (75)
Em Portugal, só os mesteres, isto é, os grupos de artífices organiza-
dos por ofícios, distinguiam-se dos demais trabalhadores manuais e mecânicos,
na medida em que eram reconhecidos como cidadãos com direitos políticos, que
podiam participar, através de representantes, nas decisões das câmaras munici-
pais e da vida pública local.
A representação dos mesteres na vida política teve sua expressão
máxima na Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, onde se reuniam vinte e quatro
procuradores, dois de cada mester, que atuavam como delegados do povo nas
deliberações da Câmara. (76) A Casa dos Vinte e Quatro foi a única instituição
representativa do voto popular em Lisboa, desfrutando de prestígio político e soci-
al durante todo o século XVII, veio posteriormente a perder parte do poder, à me-
dida que os mestres de ofício foram substituídos por "patrões" dentro das oficinas,
em geral comerciantes desligados do trabalho artesanal que atuavam apenas em
defesa dos seus interesses. (77)
A vida corporativa foi, apesar das limitações, uma das únicas vias
possíveis de participação das camadas populares urbanas em Portugal, até a ex-
tinção da Casa dos Vinte e Quatro, dos ofícios e bandeiras, dos cargos de procu-
rador e juiz do povo e demais aparatos jurídicos, com a reforma liberal de 1834.
Essa estrutura foi transplantada para o Brasil, dentro da organização
do poder municipalista. É por isso que, onde quer que tenha havido uma câmara
municipal, encontram-se notícias sobre os ofícios. Competia às câmaras estabele-
cer o preço dos gêneros de consumo e dos produtos fabricados, fixar salários e o
jornal dos trabalhadores, fiscalizar o abastecimento, controlar pesos e medidas e,
58
sobretudo, recolher impostos. Essas atribuições foram estabelecidas pelas Orde-
nações Manuelinas de 1503, depois pelas Ordenações Afonsinas de 1603 e po-
dem ser encontradas no Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares
destes Reinos. (78)
A regulamentação do trabalho e fixação dos salários já se encontra
sob controle do Estado desde a construção da cidade da Bahia, em 1549. Desta
data até aproximadamente 1640, pode-se identificar uma primeira fase, de forma-
ção dos ofícios, que crescem em estreita relação com a criação dos centros urba-
nos de administração, ao longo da costa. A única exceção parece ter sido a dos
ofícios quinhentistas em São Paulo, mais no interior do território, cujas atas da
câmara são as mais antigas de que se tem notícia. (79)
Nessa fase de implantação dos ofícios, são fundadas as primeiras
confrarias de ofícios mecânicos, por iniciativa dos jesuítas. Em 1614 surge a Ir-
mandade da Paz de Pernambuco, com 100 confrades, em 1615 e da Bahia com
80 confrades e a do Rio de Janeiro, as quais englobavam todos os ofícios locais,
"para a cultura e a piedade dos trabalhadores ". (80) Serafim Leite chama atenção
para o luxo ostentado pelas confrarias nos cortejos religiosos. As procissões para
receber a imagem de Santo Antônio que chegou a Pernambuco em 1611, eram
abertas pelos soldados, seguidos pelos oficiais mecânicos, "com as suas bandei-
ras e as mais confrarias de Pernambuco, com vestes também de seda e os seus
diversos distintivos, e com as suas 18 cruzes de prata e oiro". (81)
A organização dos ofícios em associações profissionais acompanhou
o crescimento urbano, atingindo gradativamente um controle mais eficaz sobre
determinadas categorias, enquanto outras permaneciam "livres", isto é, não sub-
metidas às normas corporativas, as quais eram exercidas através dos ofícios, das
bandeiras, das confrarias e das irmandades.
A palavra ofício designava as profissões mecânicas ou manuais e al-
gumas atividades do pequeno comércio e da prestação de serviços. A expressão
ofícios mecânicos generaliza-se com a reforma dos Regimentos em Portugal, em
fins do século XVI e com a organização política e econômica profissional e sua
59
representação nos órgãos de Estado. O termo mester designava, na denominação
quinhentista, o procurador da Casa dos Vinte e Quatro nas câmaras municipais.
(82) A corporação como grupo profissional reconhecido e regulado juridicamente,
era chamada simplesmente ofício, ou ofício dos ofícios, quando se tratava de uma
corporação formada por várias profissões autônomas.
Assim, na cidade do Salvador, havia o ofício dos carpinteiros, que ti-
nha como anexos, ou agregados, os marceneiros e entalhadores; o ofício dos sa-
pateiros, com os anexos curtidores e serradores; o dos alfaiates, anexos os palmi-
lhadores e botoeiros; o de pedreiro e seus anexos, canteiros e alvineiros; o dos
ferreiros e serralheiros, anexos os barbeiros, espadeiros, corrieiros, latoeiros, ar-
meiros e caldeireiros; o dos ourives do ouro e da prata; o dos vendeiros de porta;
o dos marchantes; o dos padeiros e confeiteiros; o dos tanoeiros e seus anexos,
sergueiros e cerieiros. (83)
Os ofícios registrados na Câmara formavam uma bandeira quando
tinham por insígnia o estandarte de uma confraria ou irmandade, com o qual ti-
nham obrigação de apresentar-se nas solenidades e procissões reais. Em Portu-
gal, as confrarias e irmandades eram organizações distintas das bandeiras, com
atribuições de caráter religioso e assistencial, mas não político, nem administrati-
vo, como essas últimas. É só no século XVIII que se estabelece a prática generali-
zada de designar a bandeira pelo nome do santo padroeiro, a fim de submeter os
ofícios a um controle maior do Estado. (84) Essa prática estendeu-se à colônia,
onde era mais acentuado o caráter simultaneamente civil e religioso dos "ofícios
embandeirados".
Não está bem claro o caráter assumido pelas irmandades, entidades
muito ativas na vida colonial. Ao que tudo indica, havia barreiras de classe e de
cor entre elas. Em Pernambuco, nos primeiros tempos da colonização, a confraria
do Rosário dos Pretos ordenava perto de 1.000 seguidores nas procissões, afora
os que ficavam nas fazendas. A Irmandade da Paz congregava os artífices e co-
merciantes, enquanto a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição congregava
os senhores de engenho. Na Bahia e no Rio de Janeiro observavam-se as mes-
60
mas divisões, sendo que as irmandades baianas chegaram a desmembrar-se ain-
da mais, como a de Guadalupe, somente de "moços pardos". (85) As confrarias
unicamente de pretos são das mais antigas, havendo registros que datam de
1552, anteriores às dos artífices portanto.
As irmandades ou confrarias de oficiais mecânicos no Brasil tinham
uma função semelhante a das bandeiras, as primeiras regendo-se por um Com-
promisso e as últimas por um Regimento. No Rio de Janeiro, por exemplo, os ofí-
cios embandeirados de carpinteiros e marceneiros formavam a Irmandade do Pa-
triarca São José. (86) No Recife, a Irmandade e Confraria de São José incluía os
ofícios de carpinteiro, pedreiro, marceneiro e tanoeiro. (87)
A nomenclatura se confunde muitas vezes, indício da fluidez e frou-
xidão das instituições impostas, o que pode ser avaliado pelo extenso título do
regimento de 1780 dos pedreiros e carpinteiros de Salvador: Compromisso e Re-
gimento Econômico dos Officios de Carpinteiro e de Pedreiro e dos mas agrega-
dos a Bandeira do Glorioso S. José e sua Confraria erecta na See Cathedral da
Cidade da Bahia dedicado ao mesmo Glorioso Santo e feito na dita Cidade no An-
no de 1780.
Organização interna e controle da prática dos ofícios.
As disposições específicas de cada profissão encontram-se nos re-
gimentos e compromissos dos ofícios e confrarias e nas posturas das câmaras
municipais.
A hierarquia profissional era um dos pilares do sistema corporativo.
As relações de trabalho dentro da oficina estavam ordenadas de acordo com a
capacitação profissional, hierarquizadas em categorias que pressupunham um
longo período de aprendizagem até que fosse reconhecido o domínio completo da
profissão, com o artífice elevado à condição de mestre, posição mais alta a que
podia aspirar.
61
Começando como aprendiz, o artífice devia trabalhar alguns anos até
poder ascender à categoria de oficial, com permissão de exercer o ofício. Nesse
ponto da carreira estava apto a submeter-se a um exame de qualificação e, uma
vez aprovado, passava à categoria de oficial examinado. Somente então se sub-
metia à realização da obra de maestria, para obter o título de mestre. Na prática,
oficiais examinados e mestres eram categorias equivalentes, que davam direito a
abrir uma tenda, ou loja.
A carta de examinação era o instrumento básico para o exercício da
profissão. Muitos estavam dispensados desse exame, por fazerem parte dos "ofí-
cios livres" ou das "profissões liberais", como pintores, escultores e entalhadores.
O exame dos oficiais era feito pelo juiz do ofício e um escrivão, cabendo à câmara
municipal conceder a licença para exercer o ofício, através da confirmação formal
da carta de examinação. Oficiais e mestres de fora, de outras partes da colônia ou
estrangeiros, deviam apresentar suas cartas à câmara pedindo licença para traba-
lhar e, caso não tivessem a carta, deviam pedir uma licença provisória, apresen-
tando fiador.
Somente os mestres e oficiais examinados podiam abrir estabeleci-
mento próprio, as tendas, misto de loja e oficina, que representava a unidade arte-
sanal típica. O trabalho na tenda devia ser feito com porta aberta para a rua, sen-
do proibido o trabalho fechado em casa.
Os donos, patrões ou mestres de tenda podiam ter aprendizes e con-
tratar jornaleiros ou obreiros, trabalhadores pagos com um soldo ou jornal. Os sa-
lários eram regulamentados para obreiros e aprendizes, também sendo regula-
mentado o lucro de mestres e oficiais.
A prática dos ofícios era controlada através dos regimentos, com-
promissos e posturas das câmaras municipais, que também regulavam a profissão
quanto às condições de trabalho, o exercício da ocupação e o estabelecimento de
taxas, multas e sanções.
Quanto às condições de trabalho, a legislação determinava a compe-
tência dos mestres, oficiais, aprendizes, jornaleiros e obreiros, estipulava os privi-
62
légios e restrições de cada ramo, regulamentava o acesso à maestria, a aprendi-
zagem, as cartas de examinação e as licenças de trabalho. Determinava ainda
como devia se dar a administração do ofício, a eleição de juízes e escrivães e fi-
xava os salários.
O exercício da profissão era controlado quanto à qualidade e tipo de
matéria-prima empregada, normas técnicas, competência de cada ofício, preço do
produto, modelos e peças utilizados e funcionamento das tendas. A fiscalização
visava especialmente evitar a concorrência, proteger o consumidor e impedir as
fraudes. Para isso eram estabelecidas as arruações, que obrigavam os profissio-
nais de um mesmo ofício a se concentrarem em determinadas ruas, encontradas
em quase todas as cidades: Beco da Ferraria, Ladeira dos Caldeireiros, Rua dos
Ourives, Baixa dos Sapateiros, Travessa dos Marchantes, Rua dos Mercadores,
dos Latoeiros, etc., etc. A arrecadação de impostos era feita através dos vinteins e
dos quintos, cabendo ainda às câmaras estabelecer taxas, multas e sanções aos
transgressores.
Nem todos os ofícios, como foi visto, eram controlados. Certas cate-
gorias trabalhavam livremente, enquanto não se organizasse uma corporação com
força suficiente para impor controles e garantir privilégios, ou enquanto a adminis-
tração municipal não estivesse equipada para fazer vigorar a legislação. Nas prin-
cipais cidades o controle tentou se impor logo no primeiro século da colonização.
Em Salvador, por exemplo, já em 1581 a câmara elegia o primeiro mestre para
fazer parte da mesa, escolhido pelos oficiais mecânicos com a função de elaborar
os regimentos dos ofícios, fixar preços e salários e controlar a qualidade do traba-
lho. (88)
Nas vilas os ofícios permaneceram livres por mais tempo. Em Minas
Gerais, por exemplo, o controle só vai ser efetivado no início do século XVIII,
quando a maioria dos povoados são transformados em vilas, com o objetivo ex-
presso de controlar a economia e, sobretudo, os impostos sobre o ouro. Com a
expansão da vida urbana e das atividades artesanais, as câmaras passam a exigir
cartas de exame aos pedreiros, carpinteiros, ferreiros, sapateiros e alfaiates, mas
63
a falta de artesãos experimentados era tão grande que as licenças eram concedi-
das de forma provisória, com fiador, e renováveis a cada seis meses, até que o
requerente pudesse ser considerado habilitado. Em Vila-Rica a contribuição dos
quintos dos ofícios cresce consideravelmente, assim como o arrematamento de
obras, licenças e provisões para a construção de edifícios, chafarizes, pontes, cal-
çadas, casas de câmara e cadeira. Criam-se novos cargos de juiz de ofício para
ourives, carapinas e oleiros e legisla-se até acerca dos estandartes das corpora-
ções, obrigando-se os oficiais a guardá-los na câmara e desfilar com eles nas pro-
cissões, o que gera uma série de conflitos entre representantes da câmara e artífi-
ces. (89)
Durante o século XVIII houve um fortalecimento das corporações em
Portugal, cujos efeitos atingiram também a instituição no Brasil. Erigidos pelo Es-
tado e por eles revogáveis, as corporações estavam vinculadas à estrutura esta-
mental de poder que passa, nesse período, por um processo centralizador. O Es-
tado mercantilista, tal como já havia ocorrido na França e estava ocorrendo tam-
bém na Espanha, mostrava-se interessado em usar a estrutura corporativa como
elemento de estabilidade social e controle do trabalho, transformando-as em ins-
trumento de sua política econômica. (90)
O fortalecimento das corporações do ângulo político-legal, através de
legislação protecionista, inicia-se com Colbert, na França, em meados do século
XVII, encontrando imediata repercussão na Espanha borbonica, inclusive com o
estabelecimento de manufaturas reais. Em Portugal, os grêmios são reforçados
com a reforma dos Regimentos, em 1771, que torna mais rígida a hierarquia dos
ofícios. A Reforma atende aos interesses dos mestres passando as corporações a
representar, sobretudo, o "grêmio dos patrões" e não mais o conjunto dos oficiais.
Intensifica-se a luta entre mestres e oficiais e cresce a tendência à especialização
dentro de cada ofício, ao mesmo tempo em que se agudizam os conflitos entre
categorias profissionais. (91)
64
Simultaneamente, a Coroa vinha procurando centralizar seu poder na
colônia, em substituição à organização mais descentralizada, apoiada no poder
municipalista local e disperso, que predominou no século XVII.
Nos ofícios isso se reflete no maior controle do governo central sobre
as atividades das câmaras, através da figura do juiz de ofício. Cada ofício era diri-
gido por dois juízes que acompanhados por um escrivão encarregavam-se de fa-
zer cumprir a legislação, tornando mais difícil o livre exercício da profissão. O car-
go de juiz de ofício era antigo mas a legislação vinha até então sendo facilmente
burlada, muitas vezes com a conivência ou cumplicidade dos próprios juízes. Em
Vila Rica, por exemplo, eles frequentemente deixavam passar pelos exames obras
de má qualidade, facilitando o livre exercício da profissão, pois "por amizade dei-
xam trabalhar os ditos examinados", que faziam obras imperfeitas, "em prejuízo
dos donos". (92)
A transposição das leis da metrópole para a colônia originava, por
vezes, confusões e conflitos, como o litígio havido entre marceneiros e entalhado-
res no Rio de Janeiro. Os entalhadores, pintores e escultores eram considerados
"liberais" e, portanto, estavam isentos da obrigação de apresentar licenças para
trabalhar, o mesmo não ocorrendo com os marceneiros, sujeitos aos regimentos
corporativos. Entretanto, segundo velhas práticas observadas em Lisboa, Porto,
Braga e outras cidades portuguesas, era comum o exercício cumulativo dos dois
ofícios, o que a legislação procurava impedir.
No Rio de Janeiro, a Irmandade de São José pretendia impedir que
os entalhadores fizessem obras de marcenaria, originando-se uma demanda con-
tra o entalhador Francisco Félix da Cruz, "por funcionar com loja aberta de marce-
neiro, com quatro aprendizes, sendo seu ofício o de entalhador e por não haver
sido examinado nem licenciado devidamente pela Municipalidade". (93) Pelos de-
poimentos das testemunhas arroladas, infere-se que marceneiros, carpinteiros e
entalhadores exerciam suas profissões, muito requisitadas no Rio de Janeiro, se-
gundo aquelas velhas práticas, sem tomar conhecimento das disposições legais
da Irmandade, que agia por influência direta de sua congênere portuguesa.
65
As relações entre as irmandades nos dois países eram bastante for-
tes em alguns casos, como no ramo da construção naval, criada com estímulo do
Estado. O estaleiro da Bahia foi fundado com a vinda de Tomé de Sousa, no sécu-
lo XVI. Os estaleiros empregavam carpinteiros da ribeira, calafates, caldeireiros,
corrieiros, ferreiros, serralheiros, coronheiros e espingardeiros contratados em
Portugal e no Brasil, que se reuniam na Irmandade de São Roque. Gozavam de
privilégios como a isenção do pagamento de impostos, licença para andarem ar-
mados, indultos e isenção do serviço obrigatório de vigilância policial, a que esta-
vam submetidos os ofícios mecânicos. A Irmandade atendia aos artífices "mesmo
quando trabalhavam nos estaleiros no Brasil" e prestava socorro aos "irmãos", os
quais tinham por hábito arrecadar esmolas entre os que trabalhavam no estaleiro
baiano "para socorrer irmãos pobres da metrópole". (94)
Em Salvador, os ofícios mecânicos formavam um setor bastante or-
ganizado, chegando a ter participação na vida pública da cidade por algum tempo.
Os mestres de Salvador se organizaram politicamente na segunda metade do sé-
culo XVII, quando ocorreu um fortalecimento temporário das câmaras municipais,
de forma semelhante à Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa. Conseguiram obter
representação na Câmara, com a criação do cargo de juiz do povo, que atuava
como um procurador dos direitos dos mestres. Estes estavam representados atra-
vés de doze categorias profissionais, os mesteres, que elegiam anualmente 24
representantes, sendo dois de cada mester.
Sua participação nas decisões da Câmara começa em 1642, embora
com restrições, pois não tinham os mesmos direitos e atribuições dos vereadores,
os quais só podiam ser eleitos entre os "homens bons". A experiência teve vida
efêmera e foi marcada por conflitos e antagonismos. Os incidentes tiveram início
logo no ano seguinte, com a atuação do juiz do povo Cristovão de Sá, que levan-
tou a opinião pública contra o aumento do sal, gênero de primeira necessidade e
chegaram ao auge em 1711, com uma reação popular contra o governo, liderada
pelos juízes do povo, a tentativa de anulação de posturas e suspensão da execu-
ção de ordens régias. Os levantes prosseguiram, agitando Salvador contra medi-
das do governo, como a imposição do imposto da dízima na alfândega. A reação
66
popular culminou com a ordem régia de enviar tropas ao Rio de Janeiro, por oca-
sião da invasão dos franceses. Houve um levantamento da população contra a
ordem, lideradas pelos juízes do povo e o incidente resultou na decisão de extin-
ção do cargo, a pedido da própria câmara. (95)
As intenções de autonomia e poder da camada artesanal mais prós-
pera são definitivamente contrariadas com a política centralizadora do governo
português, sobretudo na segunda metade do século XVIII, quando os artífices
passam a ser controlados de forma crescente pelo Estado, sofrendo o pesado
ônus das corporações, a elas resistindo e procurando escapar.
Crescimento dos ofícios.
Apesar do controle corporativo, a pequena indústria oficinal e domés-
tica não deixa de crescer, atendendo à expansão e à demanda do mercado. Nas
primeiras décadas do século XIX, conforme constatam Spix e Martius, elas só não
crescem mais por falta de artesãos especializados, apesar da concorrência dos
produtos importados, a preços mais baixos que os nacionais:
"Nem o estado do comércio nem o sistema de impostos em-
baraçam as indústrias do Brasil. Isto é, embora grande quan-
tidade de mercadorias e produtos de arte sejam aqui impor-
tados, artigos que poderiam ser produzidos no país, até aqui
mais não tem sido por falta de artistas e operários do que pe-
la pressão do mercado, que se dá o encarecimento dos pro-
dutos artísticos nacionais". (96)
Chama atenção dos autores a presença dos escravos e a "aptidão",
dos mulatos nas artes mecânicas, já salientado por outros viajantes, além do fato
67
de que os pretos livres não encontravam na cidade as mesmas oportunidades que
no interior:
"Entre os naturais são os mulatos que manifestam maior ca-
pacidade e diligencia para as artes mecânicas; até se nota
entre eles extraordinário talento para a pintura. Os pretos li-
vres, de que existem grande número na cidade, não se mos-
tram aqui tão aproveitáveis e vantajosos para a sociedade
burguesa como no interior, onde eles se tornam não raro ati-
vos e abastados cultivadores. Por outro lado, os operários
trabalham com os seus próprios escravos pretos, que sob a
severa disciplina dos seus senhores aprendem, além da ha-
bilidade e aptidão nas artes, também a virtude civil da or-
dem". (97)
A fiscalização do Estado parecia-lhes deficiente, em comparação
com o que se dava na Europa, o número de ofícios "livres" era muito grande e os
preços dos produtos muito altos, mas a principal diferença estava, sem dúvida, no
uso do trabalho escravo:
"a fiscalização do Estado ainda não se estende com o mes-
mo rigor sobre o total das indústrias como na Europa. Muitas
profissões são exercidas livremente sem atestado de corpo-
ração, por quem quer que tenha para isso disposição; não
obstante, são muito altos os preços dos produtos artísticos. A
liberdade que tem o dono de escravos de utilizar-se deles pa-
ra qualquer ofício como lhe apraz, muito difere da coação
das associações europeias". (98)
As diferenças não impediam, contudo, uma efervescência, inespera-
da para quem chegava de fora, em certos setores. Falando sobre a arte do ouro
no Rio de Janeiro, Spix e Martius se surpreendem:
68
"o europeu recém-chegado fica admirado com o sem número
de artífices em ouro e em prata e de joalheiros que aqui, co-
mo os outros operários, moram todos na rua, fazendo lem-
bras as magníficas ruas do Ouro e da Prata de Lisboa. O tra-
balho desses operários é na verdade inferior ao europeu, po-
rém, não deixa de ser de bom gosto e tem durabilidade". (98)
A transposição da sede da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro
em 1808 vai estimular o crescimento material da cidade e algumas iniciativas favo-
ráveis ao desenvolvimento das artes e ofícios com a vinda da missão artística
francesa, em 1816 e a predisposição de se criar uma Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios. Dizia o decreto real de 1816 que uma escola desse tipo devia ser
instalada por fazer-se necessário:
"aos habitantes o estudo das Belas Artes com aplicação e re-
ferência aos ofícios mecânicos, cuja prática, perfeição e utili-
dade dependem dos conhecimentos teóricos daquelas artes
e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas" (99).
Crescimento e controle, estímulo e retração marcavam, enfim, a or-
ganização e a prática dos ofícios no final do período colonial. Porém, às vésperas
da Independência política, a sociedade vinha passando por uma série de modifi-
cações que iriam se refletir nos setores artesanais, assim como nos demais seg-
mentos profissionais e nos diferentes grupos sociais.
O fim do sistema corporativo, momento de ruptura.
O quadro geral em que se expandia o artesanato na colônia sofreu
uma série de modificações nas duas primeiras décadas do século XIX.
No início do governo de D. João VI no Brasil o fomento ao comércio
internacional, agora liberado dos monopólios, fez-se seguir de medidas no campo
69
industrial, tornando livre também o estabelecimento de manufaturas em todo o
país, por alvará de 1º de abril de 1808, que revogava qualquer proibição e ordena-
ra que:
"... daqui em diante, seja lícito a qualquer dos meus vassalos,
qualquer que seja o país em que habitem, estabelecer todo o
gênero de manufaturas, sem excetuar alguma, fazendo os
seus trabalhos em pequeno ou em grande, como entender
em que mais lhes convém...". (100)
Entretanto, a supressão do peso das interdições sobre as manufatu-
ras teve pouco efeito positivo sobre seu desenvolvimento interno em decorrência
dos tratados de 1810 e 1823 com a Inglaterra, que favoreceram a entrada em lar-
ga escala das manufaturas inglesas. A importação a preços mais baixos que os
locais desorganizou a frágil estrutura de base oficinal e doméstica, prejudicando
grande parte dos ofícios, incapazes de enfrentar a concorrências de produtos es-
trangeiros e sofrendo, ainda, o controle do Estado sobre as profissões.
A consciência liberal nos primórdios do Império, diz Emília Viotti da
Costa, trazia consigo reivindicações que ganhavam força, à medida que o desen-
volvimento do país, de um lado, e as transformações do capitalismo industrial, de
outro, tornavam cada vez mais indesejáveis os privilégios impostos pelo sistema
colonial:
"nos movimentos revolucionários desta primeira fase, as as-
pirações das elites rurais confundem-se com as de outros
grupos sociais: os escravos que almejam a emancipação; a
população livre e miserável que vive nos núcleos urbanos
dedicando-se ao artesanato e que ambiciona o livre acesso
sem qualquer forma de discriminação a todas as profissões;
a abolição dos privilégios que a riqueza instituiu na socieda-
de e a situação colonial referendou". (101)
70
O fim dos privilégios corporativos se dá, finalmente com a extinção
formal das corporações pela Constituição de 1824. A partir daí os ofícios deixam
de estar submetidos ao controle do Estado e passam a se vincular diretamente à
estrutura de mercado, da mesma forma que as demais atividades produtivas.
Esse momento de ruptura, entretanto, longe de constituir um avanço,
serviu mais para demonstrar a pouca adequação dos ideais liberais em uma soci-
edade de base escravista de produção e subordinada aos interesses do comércio
internacional, assegurados pelos tratados de comércio. De certa forma, o fim do
sistema corporativo chegou mesmo a representar uma perda para o artesão inde-
pendente urbano, uma queda na escala do status social.
Por volta de 1830 havia-se encerrado o ciclo de fugaz prestígio dos
mestres e suas oficinas, aquela pequena oligarquia mesteiral que se beneficiaria
no regime de monopólios. Em contrapartida, os artesãos que nas cidades e vilas
faziam parte da pequena burguesia e das camadas populares urbanas estavam, a
partir daí, enfrentando com desvantagem a concorrência dos grupos estrangeiros
beneficiados pelos tratados de comércio.
No final da década de 1820, os liberais mais radicais combatiam vio-
lentamente a política econômica do governo através da imprensa:
"... o jornal Nova Luz Brasileira consubstanciaria nas suas
aspirações a visão de artesãos, comerciantes, farmacêuticos,
soldados, ourives, representantes da pequena burguesia e
das camadas populares urbanas, indignadas com o crescen-
te monopólio do comércio pelos ingleses, hostis aos tratados
de comércio que haviam beneficiado os comerciantes e in-
dustriais estrangeiros, em detrimento do artesanato e do pe-
queno comércio nacionais, chegando até a sugerir a sua
anulação numa linguagem violentamente nacionalista". (102)
A maioria dos artífices, no decorrer do século XIX, iria se aproximar
cada vez mais da proletarização da força de trabalho, engrossando a camada de
71
homens livres que lutava de diversas formas pela sobrevivência, naqueles interstí-
cios da vida produtiva que não despertavam o interesse dos setores exportadores
e importadores dominantes.
Assim é que Spix e Martius constatam que "a importação de produ-
tos naturais e fabricados, da Europa para o Rio de Janeiro, consiste em tudo de
que o homem precisa" (103), de quinquilharias a vidros da Boêmia, de finas mus-
selinas a tinta da China, mas, ao mesmo tempo, que o Rio era escala-depósito
dos numerosos portos da costa brasileira, da Bahia a Montevidéu e, entre os inú-
meros produtos primários de consumo interno, passavam também louças de bar-
ro, solas, tinas e pipas de madeira e "uma colossal quantidade de pano de algo-
dão muito grosseiro, que aqui se emprega para a roupa dos escravos e da gente
pobre da roça nas províncias do sul". (104)
A pequena produção artesanal e manufatureira no campo, no final da
década de 1820, havia se mercantilizado e aumentado consideravelmente sua
presença, não só no Rio de Janeiro, principal entreposto comercial, mas em todo o
país. Sua origem e expansão, ainda pouco conhecidas, variaram bastante de uma
região para outra, o que torna necessário o estudo de casos específicos, antes
que se possa tentar qualquer generalização sobre esse setor, para o conjunto do
país, no período colonial.
No Nordeste, a expansão de uma indústria rural doméstica, de cará-
ter familiar e complementar à agricultura, esteve vinculada a dois complexos
econômicos distintos - a dos engenhos de açúcar da zona da Mata e o complexo
algodoeiro-pecuário das áreas sertanejas. É este segundo caso que será analisa-
do a seguir, através do estudo da pecuária e do algodão no Ceará colonial, como
dois polos geradores de núcleos artesanais.
72
Notas.
(1) Serrão, Joel. Dicionário de História de Portugal. v. I, Porto, Iniciativas
Editoriais, 1971, p. 210-212, 216.
(2) Braudel, Fernand. Civilization Matérielle, Economie et Capitalisme,
XVe. - XVIIIe. Siècle. Tome 2, paris, Armand Colin, 1979.
(3) Serrão, Joel. Op. cit., p. 216.
(4) Idem, ibidem, v. II, p. 4.
(5) Boxer, Charles Ralph. Four Centuries of Portuguese Expansion
1414-1825. p. 71-93.
(6) Marques, A.H. Oliveira. História de Portugal. Lisboa, Palas, 1972, v.
II, p. 377.
(7) Lei de 20 de março de 1720. Arquivo Nacional da Torre do Tombo
(ANTT), Lisboa, Livro 8 de Leis, fl. 26.
(8) Mapa Exatíssimo de todos os moradores da freguesia de São Pedro
da cidade da Bahia, em 18 de janeiro de 1775, publicado por Costa, P. Avelino
de Jesus. "População da Cidade da Bahia em 1775", V Colóquio Internacional
de Estudos Luso-Brasileiros, Coimbra, 1964.
(9) O relatório do Conselheiro Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira, de
1819, estima a população brasileira em 4.396.123 habitantes, cf. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. XXIX, no. 1, 1866. Sobre a demo-
grafia em Portugal. ver Marques, A.H. Oliveira. Op. cit.
(10) Antonil, André João. Cultura e Opulência do Brasil, por suas dro-
gas e minas. Lisboa, Oficina Real Deslanderina, 1711, p. 156.
(11) Sobre a produção e circulação interna de panos de algodão ver
Novais, Fernando A.. Portugal e o Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial,
1777-1808. São Paulo, Hucitec, 1979, p. 268-285.
73
(12) As primeiras referências, principalmente sobre a tecelagem de al-
godão, são dadas no século XV por Gandavo, Gabriel Soares de Souza e Je-
an de Lery e no início do século XVII, por Ambrósio Fernandes Brandão. So-
bre o século XVIII, além de Antonil, há algumas indicações gerais nas obras
de Aires de Casal e Luís dos Santos Vilhena e nas descrições dos viajantes
do início do século XIX, como Henry Koster, Tollenare e Spix e Martius.
(13) Serrão, Joel. Op. cit., v. II, p. 20.
(14) Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro,
Fundo de Cultura, 1964, p. 61-63.
(15) Azevedo, José Lúcio. Épocas do Portugal Econômico. 4ª ed., Li-
vraria Clássica Editora, 1978, p.441. Ver também Macedo, Jorge Borges de. A
Situação Econômica no Tempo de Pombal. 2ª ed., Lisboa, Moraes, 1982.
(16) Novais, Fernando. Op. cit., p. 268-285.
(17) Alvará de 5 de janeiro de 1785, Coleção Pombalina, doc. 643 fls.
117-118, Biblioteca Nacional de Lisboa.
(18) Braudel, Fernand. Op. cit., p. 259-263. Tomando por base o mode-
lo criado por Hubert Bourgin, Braudel distingue, entre os séculos XVI e XVIII,
quatro categorias industriais: (1) as "oficinas familiares" dispostas em "nebulo-
sas" e constituídas por um mestre, dois ou três "compagnons" e alguns
aprendizes, que podiam ser todos membros de uma só família. Essas oficinas
formavam unidades unicelulares, onde as tarefas eram indiferenciadas e con-
tínuas, às vezes sem divisão do trabalho, como por exemplo as oficinas de cu-
telaria, ferraria e serralheria das vilas; (2) as "manufaturas disseminadas",
mas ligadas entre si, como as fábricas de tecido do século XVIII, as metalúrgi-
cas localizadas em espaço não muito grandes, cujo coordenador intermediário
ou mestre de obras era um comerciante empresário, que adiantava a matéria-
prima, conduzia-a da fiação à tecelagem, à tintura e ao acabamento, regulava
os salários e apropriava-se do excedente gerado no comércio local ou exter-
no; (3) as "fábricas aglomeradas", como as cervejarias, curtumes, vidrarias e
têxteis, onde diversas operações achavam-se reunidas em um só local. Cons-
74
tituídas no século XVI como manufaturas reais ou privadas, multiplicaram-se
em toda a Europa no século XVIII. Caracterizavam-se pela concentração da
mão-de-obra em edificações relativamente grandes, que permitiam o controle
do trabalho, a divisão de tarefas, maior produtividade e melhoria da qualidade
do produto; (4) as "fábricas equipadas com máquinas", como os estaleiros na-
vais e a fabricação de armas, movidas à força hidráulica. Para Braudel, os
obrajes estavam incluídos na última categoria.
(19) Marx, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 2ª ed., Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977.
(20) Dobb, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar,
1971. Cipolla, Carlo M. The Fontana Economic History of Europe. London,
Fontana Books, 1971.
(21)Glamann, Kristof. "European Trade, 1500-1700". In Cipolla, Carlo
M. Op. cit., v. 2, Section 6, p. 78.
(22) São os seguintes os autores que discutem o conceito de proto-
industrialização: Mendels, Franklin D. "Proto-industrialization - The First Phase
of Industrialization Process", Journal of Economic History, v. XXXII, March
1972, no. 1, p. 241-261. Medick, Hans. "The Proto-Industrial Family Economy:
The Structural Function of Household and Family during the transition from
Peasant Society to Industrial Capitalism", Social History, 3, October 1976, p.
291-315. Deyon, Pierre e Mendels, Franklin. "La Proto-Industrialization:
Théorie et Réalité". Section A2, VIII Congrés International d'Histoire
Economique, Budapest, 1982. Aracil, Rafael e Bonafé, Marius Garcia, "La Pro-
to-Industrialization - Un Nou Concept en la História Economica". L'Avenc, no.
32, Revista d'Historia, nov. 1980, Barcelona. Vries, Jan de, La Economia de
Europa en un periodo de crisis, 2ª ed., Madrid, Catedra, 1982.
(23) Sobre a evolução da camada artesanal nas cidades medievais ver
Bourgin, Hubert. L'Industrie et Le Marché, Paris, 1924. Pirenne, Henri. História
Economica y Social de la Edad Media. Madrid, Fondo de Cultura Economica,
15ª ed., 1978.
75
(24) Braudel, Fernand. Op. cit., p. 261.
(25) Mattoso, Kátia de Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo, Bra-
siliense, 1982, p. 142.
(26) Tollenare, I.F. Notas Dominicais - 1817. Coleção Pernambucana,
v. XVI, Recife, Secretaria de Educação, 1978, p. 22-23.
(27) Idem, ibidem, p. 237.
(28) Leite, Serafim. Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil, 1549-1760.
Lisboa, Livros de Portugal, 1950.
(29) Flexor, Maria Helena. Ofícios Mecânicos na Cidade de Salvador.
Prefeitura Municipal de Salvador, 1974.
(30) Holanda, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. Liv. José Olym-
pio Editora, Rio de Janeiro, 1957, p. 267.
(31) Vasconcelos, Salomão. "Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o
século XVIII". Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
no. 4, 1940, p. 332.
(32) Costa, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro.
Revista do I.P.H.A.N., v. 3, Rio de Janeiro, 1939.
(33) Abreu, Capistrano de. Capítulos de História Colonial e Caminhos
Antigos e o Povoamento do Brasil. 5ª ed., Brasília, Ed. Universidade de Brasí-
lia, 1963, p. 147.
(34) Franco, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento da Civilização
Material no Brasil. 2ª ed., Conselho Federal de Cultura, 1971, p. 98-9.
(35) Mello, José Antônio Gonçalves de. Tempo dos Flamengos. 2ª ed.,
Recife, Cia. Editora de Pernambuco, 1979. p. 79.
(36) Carta de 30 de junho de 1729, do governador de Pernambuco Du-
arte Sodré Pereira ao rei de Portugal, Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas de
Pernambuco.
76
(37) Vasconcelos, Sérgio de. Vila Rica. São Paulo, Perspectiva, 1977,
p. 92-101.
(38) Vasconcelos, Salomão. Op. cit.
(39) Por "estudos menores" entende-se o conjunto de disciplinas ensi-
nadas nos colégios que visavam preparar para os estudos universitários. In
Dicionário da História de Portugal. Op. cit., v. II, p. 131-133.
(40) Além do livro de Serafim Leite sobre Artes e Ofícios dos Jesuítas
no Brasil, Op. cit., ver do mesmo autor, Leite, Serafim. História da Companhia
de Jesus. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945. Hoornaert, Eduardo. For-
mação do Catolicismo Brasileiro, 1550-1800. Petrópolis, Vozes, 1974.
(41) Leite, Serafim. Op. cit., p. 49.
(42) Leite, Serafim. Op. cit., p. 69-73.
(43) Costa, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro.
Op. cit., p. 135-139.
(44) Buschiazzo, Mário J.. "Artistas y Artesanos Portugueses en el Vir-
reinato del Rio de La Planta". III Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros. Uni-
versidade de Buenos Aires. Sem data.
(45) Mapa Exatíssimo de todos os moradores da freguesia de São Pe-
dro da cidade da Bahia... Op. cit.
(46) Dias, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo
no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1984.
(47) Pirenne, Henri. Op. cit., p. 136.
(48) Idem, ibidem. p. 135-137.
(49) Heers, P.. Escravos e Domésticos na Idade Média no mundo medi-
terrâneo. São Paulo, DIFEL, 1983, p. 126-129.
(50) As leis sobre a liberdade dos índios e os casos em que se podia ou
não torná-los cativos surgem logo no século XVI, quando é promulgada a lei
77
de 20 de março de 1570 acerca dos casos passíveis de escravização, como
as guerras justas, respostas a ataques e canibalismo. Segue-se uma suces-
são de leis - em 1587, 1595, 1605, 1611, 1647, 1655, 1680, 1755, até a lei de
8 de maio de 1758 que extingue a escravidão indígena em todas as suas for-
mas. Ver Figueiredo, José Anastácio. Sinopsis cronológica de subsídios para
a história da legislação portuguesa. Lisboa, 1790, v. II, p. 152. ANTT.
(51) O código de trabalho do indígena americano foi objeto de extensa
legislação da colonização espanhola, que se ocupou do assunto mais que a
portuguesa, sobretudo no México. Ver a esse respeito: Canalda Palau, Guil-
lermo. España y Mejico. El derecho laboral en "Nueva España". Siglos XVI y
XVII. Madrid, Ed. del Movimiento, 1968. Zavala, Silvio y Castelo, Maria. Fuen-
tes para la Historia del Trabajo en Nueva España. México, Fondo de Cultura
Econômica, 1939-1945. Rumeu de Armas, Antônio. Codigo del Trabajo del In-
digena Americano. Madrid, Ed. Cultura Hispânica, 1953. Viñas y Mel, Carme-
lo. El Estatuto del Obrero Indigena en la Colonización Española. Madrid,
Compañia Ibero-americana de Publicaciones, 1929. Fernandez de Velasco,
Manuel. "El Trabajo en la Nueva España, Perspectivas Sociales y Economi-
cas". Reunión Hispano Mexicana de Historia. Santa Maria de la Rábida, Hu-
elva, 1980. Popescu, Oreste. El sistema economico en las misiones jesuíticas.
Un vasto experimento de desarrollo indoamericano. 2ª ed., Barcelona, Ariel,
1967. Morner, Magnus. Actividades Políticas y Economicas de los jesuítas en
el Rio de la Plata. La Era de los Habsburgos. Buenos Aires, Paidós, 1968. Pe-
rez Martin, Antonio. "Nuevo Mundo (America y Filipinas)". In Legislación y Ju-
risprudencia en la España del Antiguo Régimen. 1494-1810.
(52) A regulamentação dos ofícios data do século XVI e acha-se no
Regimento de 1572 dos Oficiais Mecânicos de Lisboa, válido para todo o Rei-
no. Ver Langhans, Franz-Paul. As Corporações dos Ofícios Mecânicos. Sub-
sídios para a sua História. Imprensa Nacional de Lisboa, 1943. O alvará sobre
os ourives data de 20 de outubro de 1621 e está transcrito na página 363.
Ainda sobre a ourivesaria, vel Valladares, José G.. As Artes Plásticas no Bra-
78
sil - Ourivesaria. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1970 e Alves Marieta. Mes-
tres Ourives de Ouro e Prata. Bahia, Imprensa Oficial, 1962.
(53) Documento no. 1283 do Arquivo Histórico Ultramarino, reproduzido
in FLEXOR, Maria Helena, Op. cit., p. 75-882.
(54) Documento de 25 de abril de 1732. Arquivo Histórico Ultramarino,
Caixa de Pernambuco.
(55) Sobre a mobilidade social nos centros urbanos, ver Costa, Emília
Viotti. "Urbanização no Brasil no século XIX" in Da Monarquia à República,
Momentos Decisivos. 2. ed., São Paulo, Ciências Humanas, 1979, p. 179-208.
(56) Brandão, Ambrósio Fernandes, Diálogo das Grandezas do Brasil,
1618. São Paulo, Melhoramentos, 1977. p. 33.
(57) Melo, José Antônio Gonçalves de. "Pernambuco", in Serrão, Joel,
Op. cit., v. III, p. 364-365.
(58) Costa, Emília Viotti, Op. cit., p. 189-190.
(59) Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser Escravo no Brasil, São Paulo,
Brasiliense, 1981, p. 77-88. Ver também Gorender, Jacob. Op. cit., p. 192-
194.
(60) in Gorender, Jacob. Op. cit., p. 453.
(61) Tollenare, F. Op. cit., p. 111-112.
(62) Mattoso, Kátia. Op. cit., p. 110-111.
(63) Idem, ibidem, p. 106.
(64) Pirenne, Henry, Op. cit., cap. VI; Le Goff, Jacques, La Ciudad co-
mo agente de civilización, in Cipolla, Carlo M. História Economica de Europa,
La Edad Media. Ariel, Barcelona, 1979, p. 78-114.
(65) Mauro, Frédéric e Wolff, Philippe. La Epoca del Artesanado. in His-
toria General del Trabajo, editada por Louis Henry Parias, Libro IV, 1960;
Braudel, Fernand. Op. cit., T. 2.
79
(66) Vives, J. Vicens. Historia de España y America. v. II, Ed. Vicens-
Vives, Barcelona, 1961. Ribalta, Pedro Molas. Los Gremios Barceloneses del
Siglo XVIII. Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorro, 1969.
(67) Langhans, Franz-Paul. As Corporações dos Ofícios Mecânicos,
Subsídios para a sua História. Imprensa Nacional de Lisboa, 1943; Marques,
A.H. de Oliveira. A Sociedade Medieval Portuguesa, Liv. Sá da Costa Ed., 2ª
ed., 1971.
(68) Braudel, Fernand. Op. cit., p. 273-276.
(69) Dobb, Maurice. Op. cit.
(70) Marx, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 2ª ed., Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977, p.110.
(71) Holanda, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 9ª ed., Rio de Janeiro,
José Olympio, 1976. p. 25-28. Gorender, Jacob. Op. cit., p. 452-455.
(72) Saraiva, Antônio José. "Artes Liberais". In Serrão, Joel. Op. cit., v.
I, p. 211.
(73) Godinho, Vitorino Magalhães. A Estrutura da Antiga Sociedade
Portuguesa. Lisboa, Arcadia, 1971, p. 84.
(74) Bridenbaugh, Carl. The Colonial Craftsman. New York University
Press, 1950, p. 155.
(75) Regla, Juan. "La Epoca del Artesanato en España". In Historia Ge-
neral del Trabajo. Livro IV, Barcelona, Grijalbo, 1965, p. 437-454.
(76) Langhans, Franz Paul de Almeida. A Casa dos Viente e Quatro de
Lisboa. Lisboa, Imprensa Nacional, 1948.
(77) Caetano, Marcelo. "A Antiga Organização dos Mesteres na Cidade
de Lisboa", prefácio à obra de Langhans, Franz paul. As Corporações de Ofí-
cios Mecânicos. op. cit., v. I, p. XI-LXXV.
(78) Edição facsimilada, reimpressa pela Fundação da Casa de Bra-
gança, Lisboa, 1955.
80
(79) Calmon, Pedro. História do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio,
1959, v. I, cap. XIX.
(80) Leite, Serafim. Op. cit., p. 28.
(81) Idem, ibidem.
(82)Langhans, Franz-Paul. Op. cit., p. X-XXIV.
(83) Flexor, Maria Helena. Op. cit., p. 15.
(84) Caetano, Marcelo. Op. cit., p. L-LI.
(85) Leite, Serafim. Op. cit., p. 30-31.
(86) Noronha, Santos. "Um litígio entre marceneiros e entalhadores no
Rio de Janeiro". Revista do I.P.H.A.N., no. 6, Rio de Janeiro, Ministério de
Educação e Cultura, 1942.
(87) Compromisso de Irmandade e Confraria do Patriarca São José dos
Ofícios de carpinteiro, pedreiro, marceneiro e tanoeiro, ereta na Igreja de Nos-
sa Senhora do Paraiso de Recife. 1800, Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa
de Pernambuco.
(88) Flexor, Maria Helena. Op. cit., p. 9.
(89) Vasconcelos, Salomão. Op. cit., p. 330-360.
(90) Caetano, Marcelo. Op. cit. Saint-León, Martin. Histoire des corpora-
tions de métiers. 4ª ed., Paris, 1941. Ribalta, Pedro Molas. Los Gremios Bar-
celoneses del Siglo XVIII. Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahor-
ro, 1969.
(91) Caetano, Marcelo. Op. cit., p. XXVI-XXXI. Sobre a indústria e o ar-
tesanato em Portugal no século XVIII consultar: Serrão, Joel e Martins, Gabri-
ela. Da Indústria Portuguesa, do Antigo Regime ao Capitalismo. Lisboa, Hori-
zonte Universitário, 1978. Azevedo, José Lúcio de. Épocas de Portugal Eco-
nômico, Esboços de História. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 4ª ed., 1978.
(92) Vasconcelos, Salomão. Op. cit., p. 330-360.
81
(93) Santos, Noronha. Op. cit., p. 301-317.
(94) Lapa, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira das Índias.
São Paulo, Nacional, 1968. p. 99-134.
(95) Flexor, Maria Helena. Op. cit., p. 11-12, p. 60.
(96) Spix, J.B. e Martius, C.F.P.. Viagem pelo Brasil. Primeiro Volume,
Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1938, p. 123.
(97) Idem, ibidem.
(98) Ibidem, p. 124.
(99) Barata, Mário. "As Artes Plásticas de 1808 a 1889". In História Ge-
ral de Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico, T. II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969, p. 414. Ver também Franco, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento
de Civilização Material no Brasil. Op. cit.. A Escola de Belas Artes foi criada fi-
nalmente em 1826. Sobre a história das artes plásticas no Brasil no período
da monarquia ver Durand, José Carlos Garcia. Arte, Privilégio e Distinção. Te-
se de doutoramento, F.F.L.C.H., Universidade de São Paulo, datilo, 1985.
(100) Extrato das Leis, Avisos, Provisões, Assentos e Editais publicados nas
cortes de Lisboa e Rio de Janeiro desde a época de partida de El Rei Nosso Se-
nhor para o Brasil em 1807 até julho de 1816, Arquivo Nacional da Torre do Tom-
bo, Lisboa. Ver também Marques, A.H. Oliveira. .Op. cit., v. II, p. 410-411.
(101) Costa, Emília Viotti. "A Consciência Liberal nos Primórdios do Império".
In Da Monarquia à República Momentos Decisivos. São Paulo, Ciências Huma-
nas, 1979, p. 112.
(102) Idem, ibidem, p. 122.
(103) Spix e Martius. Op. cit., p. 115.
(104) Idem, ibidem, p. 118.
82
CAPÍTULO II
PECUÁRIA E ALGODÃO:
DOIS PÓLOS GERADORES DE NÚCLEOS ARTESANAIS NO CEARÁ
COLONIAL.
83
O Ceará foi colonizado a partir de duas rotas distintas - uma pela
costa litorânea, saindo da Pernambuco, em direção ao Maranhão e Pará, outra
pelo interior, vinda da Bahia e Pernambuco, compreendendo a região que vai do
médio São Francisco até o rio Parnaíba, nos limites do Piauí e do Maranhão.
Expansão da pecuária.
A colonização se inicia apenas no século XVII. A estreita faixa de lito-
ral, de ocupação intermitente, servia à extração de madeira, âmbar, algodão nati-
vo, pimenta e animais. Os colonos pouco se interessavam pelas terras da região,
de solo arenoso, pouca água e sem matas para o fornecimento de lenha, ou seja,
inviável para o empreendimento açucareiro. Economicamente destituída de inte-
resse para a metrópole e politicamente isolada, (1) a capitania permanece quase
despovoada até meados do século XVII, quando tem início a ocupação pela pecu-
ária.
Foi o processo de separação entre a produção de cana de açúcar e a
criação de gado que deu impulso à ocupação produtiva das terras do interior nor-
destino. A conhecida divisão entre as duas atividades, em áreas distintas, levou os
produtores da Bahia e Pernambuco a obterem extensas sesmarias para o estabe-
lecimento de currais fora dos domínios da lavoura, forçando, também, a interiori-
zação por parte dos que não possuíam capital suficiente para a montagem de en-
genhos. Os criadores de gado foram gradativamente empurrados da costa, das
terras mais férteis e dos portos de embarque do açúcar para Portugal, passando a
ocupar as terras do sertão. (2)
84
Relegada a uma posição secundária, a pecuária encontrou condi-
ções de se expandir nas terras impróprias ao cultivo de cana, na medida em que
atendia aos mercados internos, como supridora de carne, animais de transporte e
tração e fornecedora de couros e peles. A organização dos currais dependia de
pouca mão-de-obra e pequenos investimentos de capital. As boiadas podiam ser
transportadas para os locais de comercialização, superando as distâncias, inexis-
tência de estradas e meios de transporte, que dificultavam o cultivo da cana de
açúcar no interior, mesmo quando o solo era apropriado.
Esses fatores, aliados à grande disponibilidade de terras, à pressão
populacional e ao sistema de "quartiação", (3) que abria possibilidades de acumu-
lação aos vaqueiros contratados para administrar as fazendas, explicam a rápida
multiplicação dos currais no Ceará, na segunda metade do século XVII. (4)
Nas primeiras décadas do século XVIII a pecuária já ocupava exten-
sas faixas de terra, tendo como eixo central a bacia do rio Jaguaribe, no sentido
norte-sul, e expandindo-se pelos sertões do Quixeramobim, vale do Cariri, região
sul de Fortaleza, chegando ao extremo norte, pelos rios Acaraú e Coreaú e ao
oeste, nos sertões do Crateús. (5)
Os primeiros sesmeiros acumularam extensas propriedades e con-
centraram a posse da terra, com a prática de obterem várias "datas" simultanea-
mente. Muitos, no Ceará, conseguiram dez ou mais concessões de sesmarias,
com que o governo português decidiu estabelecer certos limites, diminuindo pro-
gressivamente o tamanho das "datas", em fins do século XVII. (6)
A historiografia sobre a pecuária nordestina considera que, apesar da
baixa produtividade e pequena monetarização, as condições de organização do
trabalho facilitaram a expansão da economia, o crescimento vegetativo da popula-
ção e dos rebanhos. (7) As fazendas requeriam pouca mão-de-obra, podendo ser
administradas por escravos ou agregados contratados, mesmo na ausência do
proprietário. Pequenos lotes de terra inaproveitada eram arrendados a posseiros,
que trabalhavam em regime familiar ou com pequeno número de agregados, en-
carregados todos de tarefas semelhantes: campear, ferrar e amansar o gado e
85
tanger as boiadas para os pontos de venda. A alimentação necessária à reprodu-
ção da força de trabalho era assegurada pela carne, o leite e por alguma agricultu-
ra de subsistência, a cargo de posseiros e rendeiros, onde o solo permitisse.
Estudos recentes procuram demonstrar que a organização da mão-
de-obra nas fazendas de gado teria tido o mesmo caráter escravista das demais
atividades produtivas. (80) contrariando teses mais antigas, de que o criatório era
incompatível com a escravidão, devido à dispersão geográfica e absenteísmo dos
proprietários.
É inegável, porém, a crescente presença de homens livres, brancos,
mulatos, mestiços, índios e pretos forros, entre os vaqueiros e auxiliares nos cur-
rais, mesmo que as fazendas contassem com plantéis de escravos. O autor do
Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí, (10) na segunda metade do
século XVIII, revela a atração exercida pela pecuária sobre a população pobre e
livre:
"Em cada fazenda destas, não se ocupam mais de dez ou
doze escravos, e na falta deles os mulatos, mestiços e pretos
forros, raça de que abundam os sertões da Bahia, Pernam-
buco e Siará, principalmente pelas vizinhanças do rio S.
Francisco.
Esta gente perversa, ociosa e inútil pela aversão que tem ao
trabalho da agricultura, é muito diferente empregada nas di-
tas fazendas de gados. Tem a este exercício uma tal inclina-
ção, que procura com empenhos ser nele ocupada, consti-
tuindo toda a sua maior felicidade em merecer algum dia o
nome de vaqueiro. Vaqueiro, criador, ou homem de fazenda,
são títulos honoríficos entre eles, e sinônimos, com que se
distinguem aqueles a cujo cargo está a administração e eco-
nomia das fazendas".
86
A perspectiva de alguma acumulação, pela partilha do gado criado
pelo vaqueiro, era o fator que realmente atraia o homem livre e o prendia à fazen-
da, como reconhece o autor logo a seguir:
"O uso inalterável nos sertões de fazer o vaqueiro sua quarta
parte dos gados que cria, sem poder entrar nessa partilha
antes de cinco anos, não só faz que os ditos vaqueiros se in-
teressem como senhores, no bom trato das fazendas; mas
faz também que com os gados que lucram, passem a esta-
belecer novas fazendas..."
O que parece mais relevante nessa questão não é o peso relativo do
segmento escravo e livre mas o fato de que, na pecuária, a escravidão não repre-
sentou obstáculo à inserção do homem livre. Os limites eram impostos, muito
mais, pela pequena absorção de mão-de-obra nas fazendas. Estas, ao mesmo
tempo em que atraiam a população livre, forçavam-na à ociosidade ou então à
busca de atividades de subsistência que tornassem possível, de uma forma ou de
outra, a sobrevivência, afora a criação de gado.
A indústria da charqueada, iniciada por volta de 1720, abre um novo
período na atividade criatória. Pela sua importância para a economia do Ceará, a
comercialização da carne salgada em substituição ao gado vivo chega a ser con-
siderado um ciclo próprio, o chamado "ciclo das oficinas". (11) As charqueadas se
expandem da foz do rio Jaguaribe para o leste, em direção ao Rio Grande do Nor-
te e, no sentido inverso, rumo ao Piauí, graças à abundância de salinas naturais.
Introduzem uma importante modificação na atividade produtiva, que resulta na
separação espacial e na divisão do trabalho entre fazendas de criação, oficinas de
salga e pontos de comercialização. (12)
A transformação em vila de vários povoados originados pela expan-
são da pecuária - Icó (1738), Aracati (1748), Sobral (1773), Quixeramobim (1789),
é um indicativo do interesse que o governo metropolitano passa a ter pela capita-
nia. Através da administração sediada nas vilas, o Estado podia exercer maior
controle sobre a mão-de-obra dispersa e levar os "vadios" à produção, bem como
87
viabilizar a captação de recursos, coletando impostos, controlando a atividade
produtiva e o comércio. (13)
A vila do Aracati, na foz do rio Jaguaribe, assume a função de princi-
pal núcleo urbano a partir de 1750, por onde se faziam exportações para os portos
de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. As boiadas transitavam pela bacia do Jagua-
ribe, subindo e descendo o rio e a vila era o principal entreposto comercial, distri-
buindo para o sertão as mercadorias importadas. (14) As vilas sertanejas, por sua
vez, atuavam como pontos de recebimento do gado e comercialização dos artigos
manufaturados, ferramentas e utensílios importados, distribuindo-os às fazendas e
povoados mais distantes.
Há alguns núcleos urbanos do século XVIII que não são diretamente
decorrentes da expansão pecuária: Aquiraz, primeira sede do governo (1700), For-
taleza (1726), base de ocupação do litoral e os antigos aldeamentos indígenas,
transformados em vila depois da expulsão dos jesuítas: Messejana (1759), Cau-
caia (1766), Parangaba (1759), Viçosa (1759) e Baturité (1764). Mesmo essas
vilas, contudo, subsistiam da produção e comercialização do gado. Para se ter
uma ideia, os bens confiscados aos jesuítas, em 1759, consistiam, unicamente,
em rebanhos de gado vacum, cavalar e caprino. (15)
As funções comerciais urbanas também começam a se desenvolver,
na segunda metade do século XVIII. Nas vilas e povoados do sertão predomina-
vam os pequenos comerciantes, marchantes, taverneiros, caixeiros, mercadores a
retalho e mascates ambulantes, com um reduzido número de grandes negocian-
tes. A economia dependente do mercado interno era forçada a estabelecer rela-
ções comerciais tanto com os grandes centros do litoral como com as fazendas e
sítios mais distantes. Segundo Furtado, (16) a comercialização, na pecuária, atuou
como fator de redução do isolamento entre regiões, pois através dela se articula-
vam as zonas açucareiras e mineiras com o extremo norte e sul da colônia.
Na verdade, a relação de dependência entre as capitanias do litoral e
do interior tendia a beneficiar as primeiras, que centralizavam a maior parte da
captação do excedente, como bem observou o autor do Roteiro do Maranhão, em
88
suas conclusões sobre o florescimento do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco,
onde estabelece os seguintes princípios:
"1º Que as povoações do interior do país sendo dependentes
das capitanias da marinha, e tendo com elas comunicação,
concorrem para o aumento tanto intensivo como extensivo da
povoação, cultura e comércio das capitanias da marinha.
2º Que sem esta comunicação as capitanias da marinha não
excederiam na povoação, cultura e comércio a certos limites;
e dentro dos mesmos limites não seriam também povoadas."
(17)
O comércio do sertão teve importância fundamental no crescimento
das vilas do litoral, também a nível interno da capitania. Aracati, em 1787, contava
com setenta lojas de mercadorias, para uma população de apenas 2.000 habitan-
tes (18) e em Fortaleza, no final do século, a maioria dos comerciantes era ataca-
distas, vendedores para o sertão de gêneros vindos de Pernambuco. (19)
A maior parte da comercialização do gado era feita com Pernambuco
e sua área de influência, razão pela qual Furtado considera a pecuária uma "pro-
jeção da economia açucareira". É a existência desse segundo setor, incluindo a
agricultura de alimentos como a mandioca, milho e feijão, que teria permitido a
extrema especialização da monocultura açucareira, nos períodos de maior de-
manda do produto pelos mercados europeus. Furtado levanta a hipótese de que,
nesses períodos, a economia de subsistência se monetarizava, o que também é
sustentado por Fernando Novais, ao considerar que a mobilização dos fatores de
produção na atividade açucareira exportadora abria aos setores de subsistência a
possibilidade de se desenvolverem autonomamente. (20)
Essa análise, embora correta, é incompleta, a nosso ver, para dar
conta do desenvolvimento da região pecuária, pois deixa de considerar as liga-
ções diretas da economia do sertão com o setor exportador externo, através da
produção de couros e peles.
89
No século XVIII o couro adquire papel importante na economia, ocu-
pando o terceiro lugar no valor estimado das exportações, no período colonial co-
mo um todo. (21) Seu aproveitamento industrial consistia na preparação de couro
bruto do gado, os chamados "couros em cabelo", couros curtidos em atanados e
em meios de sola.
O estudo da atuação da Companhia de Comércio de Pernambuco e
Paraíba (22), que controlou o monopólio no nordeste, de 1759 a 1777, demonstra
que o couro ocupou o segundo lugar nas exportações da região, tendo se benefi-
ciado das mesmas facilidades de transporte e isenções de direitos alfandegários
que eram dadas à cana de açúcar. Para os produtores, espalhados por uma área
rural extensa, fluida e desarticulada, onde o nível de produtividade era muito baixo
e o capital escasso, essa comercialização trouxe poucas possibilidades de acumu-
lação.
Segundo Ribeiro Júnior, o produto era enviado por conta e risco do
fabricante, o direito de fabricação era concedido a poucos produtores, os preços
eram mantidos nos limites mínimos e o controle de peso e qualidade era dos mais
rigorosos. Os comerciantes que faziam a ligação entre os criadores e os centros
de beneficiamento também pouco ganharam. Apenas a Companhia apropriou-se
dos recursos gerados pela exportação do couro. (23)
A participação do Ceará nesse setor é difícil de ser avaliada, pois
dada a condição de capitania subalterna, o comércio externo era feito através do
porto de Recife. A intermediação de Pernambuco na captação de excedente cons-
tituía um fator adicional, a limitar a expansão produtiva. (24) Além disso, grande
parte do comércio era feito por contrabando, prática que beneficiava os chamados
"portos livres", isto é, sem controle direto do monopólio, o que dificulta ainda mais
o conhecimento da importância das exportações de couro para a economia cea-
rense, apesar das referências ao porto do Aracati, no estudo de Ribeiro Júnior.
90
Diversificação agrária: o algodão.
A partir de 1780, um novo produto entra no circuito exportador: o al-
godão.
O algodão nativo, cultivado pelos índios desde o período pré-colonial,
fazia parte da economia de subsistência em todo o país, tornando-se matéria-
prima indispensável na fabricação doméstica de tecidos para a escravaria e a po-
pulação pobre livre e para o enfardamento de mercadorias exportadas. No século
XVI, cronistas como Gandavo, Gabriel Soares de Souza e Jean de Léry (25) se
referem à plantação, fiação e tecelagem do algodão em várias capitanias. No iní-
cio do século XVII, no Ceará e Maranhão, o algodão era um dos principais produ-
tos de troca, no escambo que os franceses estabeleceram com as populações
indígenas, antes que os portugueses ocupassem definitivamente o território. (26)
A comercialização do excedente no mercado interno também é regis-
trada desde o século XVI. Fios e rolos de pano de algodão serviram inclusive co-
mo moeda, no Maranhão, Piauí e Ceará, constando dos relatórios dos governado-
res sugestões para o estímulo à fabricação de tecidos, dos quais se poderia tirar
"não só utilidade para aumento das ditas capitanias, como também rendimento
para a fazenda real". (27)
A prática de usar novelos de fio de algodão, os nimbós, como moe-
da, era comum entre os índios do Ceará. A Companhia de Comércio de Pernam-
buco proibiu a circulação dos nimbós, ao que não se conformaram os índios. Em
1808 os Tremembés da serra de Ibiapaba chegaram a apelar ao governo da capi-
tania, pedindo permissão para tornar a usá-los. (28)
O cultivo em larga escala se dá com a entrada do produto no merca-
do externo, a partir da demanda provocada pelo desenvolvimento da indústria têx-
til inglesa. Stanley Stein situa entre 1780 e 1820 o período mais importante de for-
91
necimento do Brasil à Inglaterra, sendo depois suplantado pelo algodão dos Esta-
dos Unidos, Egito e Índia. (29)
O ingresso do algodão no mercado exportador resultou em mudan-
ças na estrutura produtiva do Ceará, que apenas se esboçam na passagem do
século XVIII para o XIX. A adequação ao clima e ao solo, a estrutura pouco com-
plexa e o ciclo vegetativo curto do cultivo facilitaram a multiplicação das planta-
ções, atraindo tanto os grandes produtores, como os médios e pequenos. Ao con-
trário das fazendas de gado, concentradas em grandes latifúndios, o algodão per-
mitiu também a expansão da pequena produção, associada à plantação de ali-
mentos. (30)
A agricultura comercial veio acelerar o processo de formação de uma
reserva de trabalho livre. Inicialmente, as plantações parecem ter seguido o mode-
lo dos engenhos de cana de açúcar, com grande concentração de escravos. Tol-
lenare encontra no Ceará algumas plantações com mais de 300 escravos. (31)
Entretanto, o ciclo vegetativo curto do algodão tornava desvantajoso o emprego do
escravo, ocioso grande parte do tempo e a colheita exigia vigilância redobrada,
para evitar o contrabando nos algodoais, prática comum entre os escravos, que
usavam ardis e subterfúgios de vários tipos para burlar a vigilância dos produtores.
(32)
A disponibilidade de mão-de-obra livre, não absorvida pela pecuária,
e a facilidade da colheita, onde se podiam empregar mulheres e crianças, contri-
buíram para alterar as relações de produção e reduzir o plantel escravo. Foi a
agricultura comercial, ao que tudo indica, que acelerou a prática dos contratos de
parceria e arrendamento, através de formas variadas de trabalho familiar e indivi-
dual.
Arruda Câmara, um dos primeiros grandes proprietários e estudioso
da cultura dos algodoeiros registra os efeitos da nova atividade:
"Nos anos de 1777 até 1781 animaram-se os povos de uma
nova força, então é que se viram os interiores dos sertões
mais habitados e cultivados... pois o grande lucro promete,
92
impele a todos ao trabalho, tirando-os da ociosidade, dá valor
às terras que dantes o não tinham, com sumo proveito do
proprietário..." (33)
Verifica-se aí a introdução da cobrança da renda da terra, definidora
das relações de parceria. Koster, também grande proprietário de terras em Jagua-
ribe, algumas décadas mais tarde, assalariava indígenas e facilitava o estabeleci-
mento de moradores em suas terras, com a condição de trabalharem dois ou três
dias por semana. (34)
A absorção da mão-de-obra livre foi facilitada pelo cultivo conjugado
de alimentos, no interior da própria unidade produtiva, garantindo, assim, a repro-
dução da força de trabalho. Em 1802, o algodão e a mandioca eram apontados
como os principais gêneros agrícolas do Ceará, servindo a farinha não apenas à
subsistência, mas também à comercialização dentro da capitania:
"os gêneros mais cultivados no Ceará são os algodões e a
farinha de pau. Estes e a criação dos gados, é que fazem os
objetos de comercio e riqueza dela; e pelo que respeita ao
segundo, como dele se alimentam quotidianamente os po-
vos, fazem avultadas lavouras, exportam o que lhes sobeja
assim para os outros lugares do interior da mesma capitania
onde o solo não é muito próprio para a cultura deste gênero
mas só para as pastagens dos gados". (35)
À agricultura de subsistência somava-se a produção de rapadura e
mel dos pequenos engenhos de cana e o fornecimento de carne e leite que havi-
am assegurado, até então, o crescimento vegetativo da população.
É importante observar que algodão e pecuária não eram atividades
excludentes. Antes, pelo contrário, acomodaram-se uma à outra para formar as
bases de um complexo socioeconômico que iria se consolidar no decorrer do sé-
culo XIX. Ocupação da maior parte das terras produtivas pelos grandes proprietá-
rios, formação de uma reserva de força de trabalho, cobrança da renda da terra,
93
vinculação dos pequenos produtores ao latifúndio, formas variadas de trabalho
individual e familiar, parceria, arrendamento, agricultura de subsistência: eis aí as
bases do complexo algodoeiro-pecuário em formação.
O aumento da densidade populacional faz-se notar nos primeiros re-
censeamentos, entre 1775 e 1808:
População do Ceará - 1775-1808
Vilas e Povoados* 1775 1808
Fortaleza 3.132 9.624
Aquiraz 3.642 9.527
Aracati 6.889 5.333
Russas 10.787
Icó 6.028 17.698
Crato 7.128 11.735
Quixeramobim 2.460 6.515
Tauá 4.548 7.560
Ipu 3.442 7.623
Parangaba 6.070 1.415
Messejana 1.538 1.570
Caucaia 1.388 767
Baturité 2.745
Viçosa 4.900 12.104
Montemor-o-Velho 264 311
Sobral 7.721 14.629
Granja 2.344 4.924
Ibiapina 4.170
Almofala 1.011
Totais 61.474 125.878
1775 - Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas de
Pernambuco, 30 de setembro de 1777.
94
1808 - Barba Alardo de Menezes, Memória sobre a
Capitania do Ceará, 1814.
(*) - Denominação atual.
Com a entrada do algodão no circuito exportador, algumas vilas co-
mo Icó, Sobral e Crato tiveram sua função mercantil estimulada (36). A grande
beneficiária da diversificação econômica viria a ser, porém, a vila de Fortaleza,
que se tornaria o principal porto exportador de algodão, embora ainda prevaleces-
se, por mais algumas décadas, a hegemonia do Aracati nas funções urbanas. (37)
Entre 1800 e 1820 o algodão se consolida como principal produto da
economia cearense. As quantidades exportadas aumentam de 768 arrobas, em
1803, para 11.892 arrobas em 1807. A cotação do produto sobe, ao mesmo tem-
po, no mercado internacional, de 5.120 réis a arroba, em 1803, para 7.680 réis,
em 1807. Com isso, o aumento do valor das exportações passa de 3.934,72 réis
em 1803 para 91.330,56 réis em 1807. (38)
As balanças de comércio com Portugal, após 1808, deixam de refletir
o real movimento exportador, em virtude das ligações diretas que se estabelecem
com a Inglaterra e outros países. Ainda assim, os dados de exportação do Ceará
para Portugal, entre 1815 e 1822, são suficientes para mostrar que o algodão ha-
via se tornado o sustentáculo econômico da capitania.
Exportação dos principais produtos do Ceará - 1815-1822 (em mil réis)
Produtos
Exportados
1815 1816 1817 1818 1819 1820 1821 1822
Algodão 61.560 60.992 92.491 175.524 211.685 148.437 127.377 87.680
Couros 4.513 8.881 14.250 25.172 2.178 11.072 28.744 30.027
Açúcar - - - 2.110 - - - 1.485
Arroz - 532 - 1.890 660 209 - -
Madeiras 110 542 - 459 - - - -
95
Vários
gêneros
2.987
1.704
1.815
5.649
9.218
3.785
5.659
3.476
M. de Lourdes R. de Aguiar Ribeiro, As Relações Comerciais entre Portugal e
Brasil segundo as "Balanças de Comércio", 1801-1821, Lisboa, 1972.
O valor da arroba no mercado externo continua a subir, até alcançar
a cotação máxima de 9.150 réis, em 1818. Após essa data começam a cair os
preços, que atingem apenas 5.000 réis a arroba em 1822, indício do fim desse
primeiro período de relativa prosperidade. As quantidades exportadas, entretanto,
continuam altas, mostrando que o esforço produtivo se mantinha, apesar da queda
de preços.
Exportação de algodão do Ceará - 1815-1822
Ano Arrobas Valor anual
da arroba
1815 8.208 7.500
1816 7.624 8.000
1817 12.846 7.200
1818 19.183 9.150
1819 25.443 8.320
1820 21.829 6.800
1821 21.229 6.000
1822 17.536 5.000
M. de Lourdes Aguiar Ribeiro, As Relações
Comerciais entre Portugal e Brasil segundo
as "Balanças de Comércio", p. 105-107.
Nas duas primeiras décadas do século XIX, formas incipientes de au-
tonomia do Ceará, dentro da região, começam a surgir. A diversificação e expan-
são econômica coincidem com mudanças na ordem política, definidoras de novas
96
relações de dominação. O desligamento do Ceará da capitania de Pernambuco,
em 1799, e o fim do monopólio português sobre o comércio externo, colocam o
Ceará na órbita direta do domínio mercantil inglês, que se impõe pelo tratado co-
mercial de 1814, segundo o qual a Inglaterra pagava somente 15% de direitos al-
fandegários nos portos brasileiros.
A separação político-administrativa de Pernambuco, embora comece
a tornar mais visíveis os conflitos de interesse dentro da região, não elimina a de-
pendência da economia algodoeiro-pecuária em relação ao setor açucareiro.
Grande parte das exportações continua a ser feitas através do Porto de Recife,
não só de produtos do Ceará, como do Rio Grande do Norte e da Paraíba. De
1801 a 1822, por exemplo, Pernambuco é o porto que manda para Portugal as
maiores quantidades de algodão, apesar de ser o Maranhão o maior produtor. (39)
As relações de dependência, tanto a nível regional como externo,
são agravadas pelas condições internas da capitania. O fraco desenvolvimento
das forças produtivas, a dificuldade das condições de vida, a luta pela sobrevivên-
cia nas terras áridas, a destruição dos rebanhos e a migração das populações em
decorrência das secas, impressionam os viajantes estrangeiros que visitam o Cea-
rá nas primeiras décadas do século XIX. Koster e Tollenare chamam atenção para
as más condições dos portos, a precariedade dos meios de comunicação e trans-
porte, o efeito destruidor das crises climáticas, o quadro geral de pobreza, enfim,
quando comparado a Pernambuco, Maranhão e Bahia. (40)
De colonização tardia e interesse secundário para a metrópole, a
economia da pecuária e do algodão no fim do período colonial se mantém na po-
sição de coadjuvante do sistema, limitada na sua capacidade de acumulação e
voltada, em grande parte, para a própria subsistência.
A produção artesanal possível.
97
A historiografia costuma enfatizar a importância da grande proprie-
dade rural na colônia, bem como seu caráter autárquico, garantidor de uma relati-
va autonomia. Fora dos grandes centros urbanos, teria se desenvolvido no interior
das fazendas uma indústria doméstica que, somada à produção de alimentos, ca-
racterizava a "plantation" escravista como um misto de economia mercantil e natu-
ral. (41) Essa produção de alimentos e manufaturas caseiras era, portanto, não
somente uma alternativa, mas uma necessidade estrutural ou, pelo menos, uma
"possibilidade estrutural" (42)
A política do "pacto colonial" garantia, por outro lado, o suprimento
de manufaturados europeus não produzidos internamente. De fato, no período da
ocupação holandesa em Pernambuco, por exemplo, "muitos senhores davam-se
ao luxo de se alumiarem com boas velas holandesas de cera. De se vestirem com
os melhores tecidos flamengos, com os mais ricos panos de linho, de enfeitar
chapéus com as mais bonitas plumas". (43)
As importações se intensificaram na segunda metade do século
XVIII, com a atuação das companhias de comércio. O mercado nordestino absor-
veu grande quantidade de manufaturados europeus através da Companhia de
Comércio de Pernambuco e da Paraíba. A relação pesquisada por Ribeiro Júnior é
extensa: "compreendia alimentos e bebidas (azeite, aguardente, uvas e farinhas) e
produtos têxteis (tecidos de seda e algodão dos mais diferentes tipos), produtos
metalúrgicos (desde abotoaduras até panelas, barris e ferramentas), além de di-
versos outros gêneros como papel, vidro e produtos químicos". (44)
Como medida destinada a desenvolver a indústria de manufaturas
em Portugal, há um considerável aumento na exportação de tecidos de algodão
para o Brasil. No início do século XIX, o reino enviava em quantidades, baetilhas,
chitas, cassas, cobertas, cangas, fustão, musselinas, riscados e ainda meias, len-
ços, saias, etc. (45)
Para a maioria dos autores, a indústria rural doméstica teria perma-
necido ao nível da produção de valores de uso, para atender à estrutura interna
das fazendas, não fazendo parte, com raras exceções, da troca de mercadorias.
98
Sérgio Buarque de Holanda julga, inclusive, que a indústria caseira teria entravado
o comércio e prejudicado a organização dos próprios ofícios artesanais, embora
fosse capaz de garantir relativa independência aos proprietários. (46)
De fato, nas fazendas da região algodoeiro-pecuária desenvolveu-se
uma indústria caseira destinada a atender, a princípio, as necessidades do grupo
familiar, de forma semelhante à agricultura de subsistência. Utilizando processos e
equipamentos rudimentares, essa indústria rural doméstica vai se expandir incor-
porada à estrutura de propriedade da terra, com uma função complementar à
produção agrária, à qual estava intimamente vinculada.
Numa tentativa de ordenação, é possível distinguir três setores da
indústria rural doméstica nessa fase. O primeiro incluía equipamentos básicos co-
mo os engenhos de rapadura e mel, as casas de farinha, os curtumes e as olarias,
que formavam a infraestrutura da vida material no interior do Ceará. O segundo é
constituído pela fabricação de artigos e objetos de consumo diário, como louças,
velas, sabão, chapéus, esteiras, calçados, ferraria, mobiliário, utensílios domésti-
cos que se desenvolve em torno de fontes de matéria-prima como as "minas" de
barro, as matas de carnaúba e de madeiras de vários tipos, couros e peles de ve-
ado e da "criação miúda", cascos de tartaruga, etc. Finalmente, num terceiro gru-
po, estão a fiação e tecelagem de panos de algodão, as rendas, bordados e labi-
rintos.
No que diz respeito à organização produtiva, o primeiro setor é o que
se achava mais intimamente vinculado à produção agrária, tanto em termos da
divisão do trabalho quanto dos processos e técnicas empregadas.
As "engenhocas" de rapadura concentravam-se, sobretudo, no vale
do Cariri, onde as terras férteis e a abundância de água permitiram a expansão da
cana de açúcar, mas Paulet encontrou, também, 28 pequenos engenhos em Aqui-
raz e 88 nas serras de Meruoca e Uruburetama. Tratava-se de engenhos bastante
rudimentares, de uso dos agricultores livres:
99
"... é necessário advertir que tais fábricas nada são, algumas
nem um escravo tem, um taxo, dois tambores ao tempo, ou
debaixo de uma palhoça é todo o trem". (47)
As casas de farinha, tão essenciais à sobrevivência quanto os enge-
nhos de rapadura, eram também equipamentos bastante simples. A fabricação da
farinha de mandioca, alimento básico da população, constava de cinco operações:
raspar, ralar, espremer, peneirar e cozer. Os equipamentos se resumiam a uma
roda de ralar, movida por duas pessoas ou, no caso das mais pesadas, tocadas à
água ou por cavalos e bois, uma prensa de espremer a mandioca ralada, peneiras
chamadas urupembas e o forno de cozer a massa peneirada.
As farinhadas eram feitas em mutirão, muitas vezes de noite, sendo
a tarefa de peneirar quase sempre delegada às crianças. Além da farinha, tirava-
se o polvilho, a tapioca e a carimã. Tapioca é o polvilho cozido, da qual se fazem
os beijus, que são comidos puros ou misturados ao leite. Carimã é a massa da
mandioca puba, isto é, macerada após alguns dias de molho na água, da qual se
fazem várias qualidades de bolos. (48)
Quanto aos curtumes, também muito rudimentares, embora desti-
nassem boa parte de sua atividade à produção de couros e solas de gado vacum
para venda, também curtiam couros miúdos de bezerros e cabras para consumo
interno das fazendas. A importância do couro, como matéria-prima básica da regi-
ão é comparável ao algodão. Ainda no final do século XVIII, quando a produção
algodoeira já havia alcançado grande expansão, o couro era utilizado em enfar-
damentos e como vestimenta, levando um administrador português a observar que
"algumas qualidades de couros miúdos tem no mesmo sertão aqueles usos que os
panos em outras partes". (49)
A arte do couro servia à fabricação de mobiliário, cordoaria, armaze-
namento de líquidos e comestíveis e uma série de outros usos, que Capistrano de
Abreu descreve, ao se referir à "época do couro". (50) Das mais importantes era o
ramo da alfaiataria para a vestimenta dos vaqueiros e da selaria e arreios de mon-
tarias e animais de tração.
100
Em relação ao segundo setor, a fabricação também assumia um ca-
ráter doméstico e familiar, na qual os produtores alternavam a atividade artesanal
com a agricultura, não se tendo notícia, nesse período, de uma separação entre
as duas atividades. Entretanto, as manufaturas caseiras implicavam no domínio de
técnicas e no uso de equipamentos que demandavam aprendizagem e especiali-
zação em certos ofícios, como é o caso da cerâmica, dos trançados, da arte do
couro, da carpintaria e da metalurgia.
É possível identificar um pequeno número de mestres e oficiais es-
pecializados, no Ceará colonial, mas não se pode assegurar que fossem indepen-
dentes nem que vivessem do trabalho exclusivo de suas oficinas. O mais provável
é que complementassem seu ofício com a atividade agrícola, a nível individual ou
familiar, em virtude da pequenez e estreiteza da vida urbana. Há algumas refe-
rências aos mestres de ofício nos registros das câmaras das vilas, onde, aliás, se
reclama muito a sua falta e necessidade, na criação do incipiente aparato urbano.
Grande parte dos ofícios foi introduzida pelos jesuítas, em suas al-
deias. Em Baturité, por exemplo, havia, em 1788, 20 oficiais, em uma população
de 1.177 índios e 22 brancos, sendo 11 artesãos brancos e pardos e nove índios,
dos ofícios de carpinteiro, ferreiro, sapateiro, pedreiro e ourives. (51) Nas oficinas
da Companhia seu principal trabalho consistia em tomar conta das forjas e serrari-
as onde eram fabricados anzóis, facas, machados, foices, enxadas e outros uten-
sílios. Artífices brancos também existiam, em pequeno número, em Fortaleza e
Aracati. A aplicação da legislação corporativa é tentada no século XVIII, como
forma de atrair mão-de-obra branca especializada para as vilas. Tentativas sem
muito êxito, pelo que se pode depreender do reduzido número de oficiais licencia-
dos em Fortaleza. Em 1800, a vila contava apenas com cinco carapinas e um al-
faiate brancos. (52)
Destaca-se, nessa pequena produção rural, a arte da palha de car-
naúba, de origem indígena. Os índios paiacus, do litoral leste, onde são abundan-
tes as matas de carnaubais, parecem ter sido os que mais desenvolveram as ces-
tarias e os trançados, em Aquiraz e no Aracati. Barba Alardo considerava-os os
101
mais industriosos, pelas excelentes esteiras que faziam (53). A extração da cera
de carnaúba é citada pela primeira vez em 1783, pelo capitão-mor Azevedo de
Montauri, que remete a Lisboa produtos da indústria cearense (54). Poucos anos
depois o botanico Arruda Câmara descreve o uso da cera e sua forma de extra-
ção, ainda não conhecida em Lisboa, bem como o emprego da palha para fazer
chapéus e esteiras, tingidas de diversas cores. (55)
Por fim há que considerar as manufaturas de algodão que, por suas
características, representam uma categoria à parte no contexto da indústria rural.
A indústria têxtil incluía a fiação do algodão, a tecelagem de panos e redes e a
confecção de rendas, labirintos e bordados e expandiu-se empregando a mão-de-
obra indígena feminina, sob controle e treinamento dos jesuítas.
Valendo-se de práticas antigas dos índios no cultivo e fiação do al-
godão e tecelagem de redes de dormir, que já serviam ao escambo com os fran-
ceses antes mesmo da colonização portuguesa da costa cearense, (56) os jesuí-
tas organizaram o trabalho têxtil e a confecção de rendas e bordados nos aldea-
mentos, como forma eficaz de "redução" dos índios e uso da mão-de-obra.
A jurisdição no governo das aldeias, regulada pela "visita" de Antônio
Vieira, entre 1658 e 1661, tem um item especial sobre os tecelões, revelador de
sua importância para o sucesso dos propósitos das missões:
"Tecelões. Como sua Majestade foi servido, em carta sua,
conceder que haja tecelões nas Aldeias, podem já os Padres
Missionários consecutivamente mandar fiar também algumas
índias ad proprios usus, sem estrondo ou causa, que lhes fa-
ça opressão, principalmente as mulheres pertencentes aos
25 casais, que Sua Majestade concede, e também algumas
outras, sendo necessário, para os ornatos das igrejas, ou
também para cobrir a desnudez das que novamente se des-
cem dos sertões, e podem os missionários exortar a todos os
índios, particularmente aos novamente descidos dos sertões,
a que fiem, e façam para si, e ganhem por todas as vias, o
102
pano necessário para se cobrirem decentemente, e enquanto
for possível se evite o intolerável abuso e miséria de irem
mulheres à igreja totalmente despidas". (57)
Além dos usos conhecidos dos panos para os índios se "cobrirem
decentemente", aparece nesse documento, o uso "para os ornatos das igrejas",
dos labirintos e rendas, tão conhecidos no artesanato cearense, cuja introdução
costuma ser atribuída às mulheres brancas de origem portuguesa. Na verdade, as
técnicas das rendeiras foram ensinadas primeiramente às índias, nos aldeamen-
tos, para que fizessem as toalhas e outros ornamentos dos altares.
Fiar, tecer e coser era o aprendizado das meninas nas oficinas das
aldeias e nas fazendas de gado da Companhia, enquanto aos rapazes se ensina-
va a ler, escrever e dominar algum ofício. Na coleção iconográfica do Arquivo His-
tórico Ultramarino de Lisboa encontram-se amostras de rendas de bilro, labirintos
simples e de ponto cheio, recolhidos em 1760 nas aldeias do Ceará, por ocasião
do confisco dos bens dos jesuítas. (58). Por essa época havia, nas sete aldeias
confiscadas, Viçosa, Messejana, Caucaia, Baturité, Parangaba, Estremoz e Arez,
(59) 621 rapazes na escola, 40 rapazes aprendendo vários ofícios e 302 moças
aprendendo a fiar, tecer e coser, em uma população de 10.588 índios.
A tecelagem de panos e redes formava o setor mais importante do
trabalho artesanal indígena. Mão-de-obra compulsória da Companhia, o trabalho
das índias, controlado através das missões, foi objeto de conflito permanente com
os moradores, colonos e administradores locais. Os litígios refletem-se na legisla-
ção do reino, que procura reforçar o poder da Igreja. Várias ordens régias proíbem
que a população branca retire índias das aldeias, sob pretexto de fiar algodão.
Uma ordem de 1683 dirige-se especialmente aos soldados:
"... quando eles quiserem algodão fiado para suas redes o
entreguem aos missionários que lhes mandarão fiar e que as
índias, salvo caso de exceção, só possam ser contratadas
para amas de leite". (60)
103
As manufaturas de algodão difundem-se rapidamente por toda a ca-
pitania e de tal forma que, no final do século XVIII, já se perdera o registro de sua
origem nas aldeias. Na Relação de Montaury são incluídas amostras de renda de
linha de algodão e bordados, "tudo feito por pessoa curiosa e sem princípios de
arte", cujo principal mérito está em ser feito por "natural engenho" das mulheres do
sertão:
"o dito bordado que é feito em cambraia e a renda que orla o
mesmo bordado tem por merecimento o ser feito por umas
mulheres velhas desta mesma terra, e da qual nunca saíram,
e vivem no mais interior sertão desta capitania em que nas-
ceram, que só por natural engenho, sem outro qualquer prin-
cípio de instrução ou arte trabalham dessa forma com a curi-
osidade de que assinalada a ramagem, ou configuração do
bordado designado por anil, que serve para o configurar em
lugar de lápis, desfiam os fios da cambraia, tirando uns que
lhe servem para fazer o assento, ou ponto do bordado da
forma que se vê; e os outros os torcem e ficam parecendo
ponto de Merlin".
É difícil avaliar até que ponto a indústria rural doméstica, destinada à
subsistência do grupo familiar e a suprir as necessidades da vida quotidiana, colo-
cava no mercado o excedente de sua produção. A comercialização pode ter sido
maior do que se supõe, a julgar pelas descrições dos mercados e feiras locais e
pelas condições de vida nas fazendas.
Em primeiro lugar, a autonomia das fazendas de gado deve ser rela-
tivizada, pois em certas zonas do sertão a aridez do solo tornava impraticável até
mesmo a plantação de alimentos, forçando os moradores a se abasteceram nas
feiras dos povoados.
Os cronistas e administradores surpreendem-se com a escassez dos
gêneros e a necessidade do abastecimento externo. Em algumas partes da capi-
tania, queixa-se Paulet, "... grande parte do tempo consome-se em jornadas por
104
estradas de vilas aonde é necessário levar absolutamente tudo o que não é carne
de vaca e farinha...". (61) Em Icó, por exemplo, a farinha e a rapadura vinham do
Crato (62) e em sua feira, das mais movimentadas, vendiam-se melões, melanci-
as, abóboras, limas e laranjas trazidas de longe, porque os arredores secos nada
produziam.
Louças, velas, panos e redes, sabão, cestos de palha de carnaúba,
baús de madeira, peças de casco de tartaruga, calçados eram vendidos, supõe-se
que pelos próprios produtores diretos, nas vilas e povoados, além da produção de
farinha, rapadura, mel, da aguardente, da carne seca e do sal. A praça do merca-
do de Aracati era assim descrita ao tempo de Paulet:
"este edifício tinha em seu interior um largo patio, que era
circundado de 30 a 40 compartimentos, onde se vendia fru-
tas, verduras, louças e outros muitos objetos que aí se procu-
ram e duas bancas no centro para a venda do peixe". (63)
Apesar das longas distâncias, do isolamento das fazendas e da inci-
piência da vida produtiva, as próprias condições do povoamento pelo criatório ex-
tensivo, transumância do gado e seu transporte para venda no litoral, haviam cria-
do caminhos e trilhas de circulação de mercadorias de todo o tipo pelo interior.
O movimento comercial de Aracati, por exemplo, consistia, em gran-
de parte, na troca de mercadorias produzidas localmente e distribuídas entre pra-
ças distantes:
"... grande parte desses carregamentos era destinada ao Icó,
São Bernardo e outros lugares do centro, donde vinha igual-
mente algodão, couro, sola, a cera de carnaúba e outros ar-
tefatos dessa planta, como chapéus, esteiras, palhas, etc."
(64)
Em que condições se dava a produção do excedente é outra questão
sobre a qual não há evidências suficientes para uma análise. Furtado levanta cer-
105
tas hipóteses para a região da monocultura açucareira, que podem servir de ponto
de partida para uma reflexão e futuras investigações sobre o tema e que dizem
respeito à compressão na capacidade para importar. Segundo o autor, a economia
açucareira, nos períodos de crise, sofria redução na renda monetária, sendo for-
çada a abastecer-se localmente, substituindo artigos importados por outros, de
fabricação local. Esse mecanismo teria dado lugar a uma maior divisão do traba-
lho no interior das fazendas e à expansão de formas rudimentares de artesanato,
com a utilização do couro como principal matéria-prima. (65)
Tomando como correta essa análise e levando em conta o fato de
que a capacidade para importar, na região algodoeiro-pecuária, era bem menor do
que na açucareira, é de se supor que as manufaturas fabricadas localmente en-
contraram aí maiores condições de expansão. A fragilidade da economia e a baixa
renda monetária impunham os limites do consumo de bens importados.
No interior das fazendas e nos aglomerados urbanos do sertão os
modos de vida eram mais simples, não havendo registro de diferenças sociais na
vida quotidiana equivalente às dos sobrados e mocambos dos grandes centros
litorâneos, nem as enormes distâncias entre casa grande e senzala dos engenhos
de cana. Assim, é de se supor que não só a comunidade de produtores diretos
consumia as manufaturas caseiras mas também as camadas mais abastadas da
população.
As descrições do botânico Gardner podem dar uma ideia de precari-
edade da vida quotidiana no sertão, nas primeiras décadas do século XIX, apesar
de terem sido escritas um pouco mais tarde, na década de 1830.
Grande parte da viagem foi feita por caminhos sem nenhuma mora-
dia, onde o único abrigo eram as copas das grandes árvores. Viagem difícil, cheia
de percalços, frequentemente interrompida pelas chuvas que duravam dias ou
pelo sol abrasador, que impedia o trajeto durante grande parte do dia. A dormida,
havendo sorte, era feita nos alpendres das casas fora das vilas, onde os viajantes
armavam suas redes, com permissão do proprietário. Alimentando-se de charque,
106
farinha e rapadura, o naturalista inglês se sente aliviado ao chegar ao vale do Ca-
riri, onde encontra nas feiras frutas frescas.
Na vila do Crato, onde permanece por quase cinco meses, a gente
influente do lugar o recebe em suas casas, as senhoras dos comerciantes senta-
das em esteiras ou redes. A descrição dessa recepção é bem ilustrativa das con-
dições de vida do sertão cearense nessa época:
"Impossível descrever o deleite que senti ao entrar nesse dis-
trito, comparativamente rico e risonho, depois de marchar
mais de trezentas milhas através de uma região que naquela
estação era pouco melhor que um deserto.
A tarde era das mais belas que me lembra ter visto, com o
sol a sumir-se em grande esplendor por trás da Serra de Ara-
ripe, longa cadeia de montanhas a cerca de uma légua para
o oeste da vila; e o frescor da região parece tirar aos seus
raios o ardor que pouco antes do poente é tão opressivo ao
viajante nas terras baixas.
A beleza da noite, a doçura revigorante da atmosfera, a ri-
queza da paisagem, tão diferente de quanto, havia pouco,
houvera visto, tudo tendia a gerar uma exultação do espírito,
que só experimenta o amante da natureza, e que em vão eu
desejava fosse duradoura, porque me sentia não só em har-
monia comigo mesmo, mas "em paz com tudo em torno".
Já escurecera quando entrei na vila, mas logo encontrei a
casa de um respeitável comerciante, o senhor Francisco Dias
de Azede e Melo, a quem levava cartas de apresentação. Fui
introduzido na sala de visitas, onde me encontrei no meio de
uma dúzia de senhoras, todas sentadas sobre esteiras no
soalho, e entre elas a dona da casa que, como de costume,
me encheu de perguntas a respeito de mim mesmo e da mi-
107
nha pátria. Notei que as visitantes tinham vindo dar-lhe os
pêsames pela perda do sogro que falecera na véspera.
Embora nas casas mais respeitáveis do sertão, como lhe
chamam o interior do país, se vejam cadeiras na sala de visi-
tas, raramente são usadas, porque as mulheres preferem a
rede, da qual só se arredam à hora das refeições. Na rede,
como na esteira, sentam-se com as pernas cruzadas por bai-
xo e aí passam o dia fumando, comendo doces e bebendo
água fria. Suspende-se a rede à altura de um pé e meio do
solo, servindo assim de sofá, por vezes mais de uma pessoa
se vê sentada na mesma rede. À noite preferem-na comu-
mente como leito, por ser muito mais fresca, como pode
atestar quem, como eu, por mais de três anos raramente
dormiu em outra cama.
Fazem-se geralmente de uma espécie de algodão encorpa-
do, tecido pelos próprios habitantes e são brancos, ou branco
e azul, sendo esta última cor obtida de uma espécie de ani-
leira muito abundante nas vizinhanças. São sempre mais lar-
gas do que compridas, podendo assim a gente deitar-se ne-
las transversalmente e, portanto, mais horizontalmente do
que se fossem estreitas. Tem ainda a vantagem de não pre-
cisar de outras roupas de cama, além de um cobertor fino no
tempo fresco ou um lençol no calor". (66)
Quanto à importância da indústria rural no conjunto da vida produtiva,
o aspecto mais importante, nesse sentido, foi o fato de que esse artesanato colo-
nial, assim como a agricultura de subsistência, teve papel fundamental no desen-
volvimento da agricultura comercial, na medida em que tornava possível a repro-
dução da força de trabalho a baixo custo, pois a população livre, pobre e destituí-
da, via-se obrigada a procurar formas complementares com que atender à sobre-
vivência, encontrando no artesanato uma dessas possibilidades.
108
As manufaturas caseiras possibilitaram, também, a criação de uma
mão-de-obra especializada nas áreas rurais. A pecuária e o algodão serviram, as-
sim, de polos geradores de núcleos artesanais que iriam se expandir no decorrer
do século XIX, utilizando processos, técnicas e uma divisão social do trabalho que
tinham sua base nessa herança colonial.
A produção artesanal no Ceará, sua expansão, modificação e limites
devem ser analisados, portanto, a partir do conjunto das relações sociais no cam-
po, onde surgiram e se desenvolveram, de forma complementar à produção agrá-
ria e à pecuária. Mesmo posteriormente, quando cresceram os núcleos urbanos,
as artes e ofícios mantiveram a vinculação com a estrutura rural, na medida em
que prosperaram sobretudo nas vilas e cidades sertanejas, guardando uma pro-
funda relação com os modos de vida rural, expandindo-se com os mesmos canais
de comercialização da agricultura de alimentos, mantendo uma sazonalidade na
produção, um uso de matérias-primas e uma divisão social do trabalho que de-
pendia diretamente das condições e da estrutura produtiva no campo, vinculação
essa que pode ser percebida até o final do século XIX.
Notas.
(1) O Ceará fez parte do Estado do Maranhão e Grão-Pará de 1621 a 1656,
passando depois à jurisdição de Pernambuco, como capitania subalterna, até
1799.
(2) Os principais estudos sobre a pecuária nordestina encontram-se em Abreu,
Capistrano de. Capítulos de História Colonial & Caminhos Antigos e o Povoamen-
to do Brasil. 5ª ed., Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1963. Simonsen Rober-
to. História Econômica do Brasil. 7ª ed., São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1977.
Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1956 e
109
Formação do Brasil Contemporâneo. 3ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1948. Furta-
do, Celso. Formação Econômica do Brasil. 6ª ed., Rio de Janeiro, Fundo de Cultu-
ra, 1964 e Manoel Correa de Andrade. A Terra e o Homem do Nordeste. 3ª ed.,
São Paulo, Brasiliense, 1973.
(3) Pagamento anual ao vaqueiro em forma de um quarto da produção,
ou seja, de cada quatro bezerros nascidos um pertencia ao vaqueiro.
(4) Girão, Raimundo (org.). Sesmarias Cearenses - distribuição geográ-
fica. Fortaleza, Departamento de Imprensa Oficial, 1971.
(5) Girão, Raimundo. História Econômica do Ceará. Fortaleza, Instituto
do Ceará, 1947, p. 83-86.
(6) Girão, Raimundo. Sesmarias Cearenses. op. cit., p. 2.
(7) Furtado, Celso. Op. cit. p. 57-61; Andrade, Manuel Correia. Op. cit.
cap. V; Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. op. cit.
(8) Gorender, Jacob. O Escravismo Colonial. op. cit., cap. XX. Mott, Luiz
R.B. Estrutura demográfica das fazendas de gado do Piauí colonial: Um caso
de povoamento rural centrífugo. Revista Civilização e Cultura, v. 30, nº 10, ou-
tubro, São Paulo, 1978, p. 1196-1210.
(9) Studart, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará. Fortale-
za, V.I. p. 239-240. Araripe, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará,
desde os tempos primitivos até 1850. 2ª ed., Fortaleza, Minerva, 1958. Cap. V.
(10) Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. LXII, 1897. p. 88-89.
(11) Girão, Raimundo. História Econômica do Ceará. op. cit. cap. V.
(12) Lemenhe, Maria Auxiliadora. Expansão e Hegemonia Urbana: O
caso de Fortaleza. dissertação de mestrado em Sociologia, Fortaleza, Univer-
sidade Federal do Ceará, 1983, mimeo, p. 24; Girão, Valdelice C. As Oficinas
ou Charqueadas no Ceará. dissertação de mestrado, Universidade Federal de
Pernambuco, 1982.
110
(13) Lemenhe, M. Auxiliadora. Op. cit., p. 25-32.
(14) Girão, Raimundo. Op. cit., cap. V; Abreu, Capistrano de, Op. cit., p.
144-151.
(15) Mapa geral do que produziram as sete vilas e lugares que adminis-
travam os jesuítas. documento de 14 de janeiro de 1761. Coleção Iconográfi-
ca, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. Sobre a criação das vilas no Ceará
ver: Alencar, Álvaro de. Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Esta-
do do Ceará. Fortaleza, Ateliers Louis, 1903.
(16) Furtado, Celso. Op. cit., p. 90.
(17) Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí. op. cit., p.
114.
(18) Relatório do Ouvidor Geral da Comarca do Ceará in Lima, Abelar-
do Costa. Terra Aracatiense. Fortaleza, Ramos e Pouchain, 1941, p. 64.
(19) Lista do homens brancos que habitam dentro desta vila da Fortale-
za do Ceará. Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa 10 do Ceará.
(20) Furtado, Celso. Op. cit. Novais, Fernando A. Portugal e Brasil na
Crise do Antigo Sistema Colonial, 1777-1808, op. cit., p. 96.
(21) Simonsen, Roberto. Op. cit., p. 381.
(22) Ribeiro Júnior, José. Colonização e Monopólio no Nordeste Brasi-
leiro. São Paulo, Hucitec, 1976.
(23) Idem, ibidem. p. 145-149.
(24) Lemenhe, Op. cit., p. 39. No final do século XVIII e primeiras déca-
das do século XIX a pecuária passou por um período de crise, que afetou
principalmente a indústria da charqueada. A concorrência da carne do Rio
Grande do Sul e grandes secas que destruíram os rebanhos foram responsá-
veis por essa crise. A supressão do monopólio do sal, e, 1801, estimulou a in-
dústria do couro e da carne do sul do país, que passou a atrair a maior parte
111
do mercado comprador. Ver: Ellis, Myriam. O Monopólio do Sal no Estado do
Brasil, 1631-1801, p. 183.
(25) Gandavo, que escreveu em 1570, informa que além do açúcar, o
algodão e o pau Brasil são os "gêneros de que enriquecem os moradores" de
Pernambuco e que na Bahia "os moradores se lançam mais ao algodão que
às canas dassucres porque se dá melhor na terra". Gandavo, Pero de Maga-
lhães. Tratado da Terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz. Rio
de Janeiro, Anuário do Brasil, 1924. Jean de Léry esteve no Brasil em 1557 e
observou que o arbusto do algodão crescia em muitos lugares, cultivado pelos
índios que fiavam e teciam redes. Léry, Jean de. Viagem à Terra do Brasil.
São Paulo, Martins, 1951.Ver ainda Souza, Gabriel Soares de. Tratado Des-
critivo do Brasil, 1587. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1938. No início do
século XVII, Ambrósio Fernandes Brandão chega a considerar que os algo-
dões "já foram tidos em maior reputação, e deram mais proveito aos que nele
tratavam do que de presente dão". Brandão, Ambrósio Fernandes. Diálogo
das Grandezas do Brasil, 1618. São Paulo, Melhoramentos, 1977.
(26) Figueira, Luiz. Relação do Maranhão, 1608. Revista do Ceará.
Tomo XVII, Fortaleza, Tip. Studart, 1903, p. 98.
(27) Lima, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do
Brasil. Cia. Editora Naciuonal, 1970, p. 48-49.
(28) Menezes, Luiz Barba Alardo de. Memória sobre a Capitania do
Ceará, 1814. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. XXXIV,
1871, p. 271.
(29) Stein, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil,
1850-1950. Rio de Janeiro, Campus, 1979, p. 57.
(30) Andrade, Manoel Correa. Op. cit., 101, 150.
(31) Tollenare, I.F. de. Notas Dominicais, 1817. Op. cit., p. 88.
(32) Câmara, Manuel Arruda. Memória sobre a cultura dos algodoeiros.
Lisboa, Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, p. 58-62.
112
(33) Idem, ibidem, p. 78.
(34) Koster, Henry. Travels in Brazil, 1816. Revista da Academia Cea-
rense. v. XII, cap. 7.
(35) Ofício do governador Bernardo de Vasconcelos para Lisboa, 31 de
março de 1802, Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas do Ceará.
(36) Além da Memória do governador Barba Alardo, uma descrição das
vilas do Ceará no início do século XIX pode ser encontrada na Descrição Ge-
ográfica Abreviada da Capitania do Ceará, atribuída a Antônio José da Silva
Paulet, em 1816, publicada pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. v. LX, 1897, p. 75-101. Ver ainda Casal, Aires de. Corografia Brasí-
lica, 1817. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945, p. 219-236.
(37) Lemenhe, M. Auxiliadora. Op. cit., cap. 3.
(38) Ribeiro, Maria de Lourdes Roque de Aguiar. As Relações Comer-
ciais entre Portugal e Brasil segundo as "Balanças de Comércio", 1811-1821.
Lisboa, Imprensa de Coimbra, 1972, p. 104-106.
(39) Idem, ibidem, p. 107.
(40) Tollenare, I.F.. Op. cit., p. 119-121. Koster, Henry, Op. cit., cap. 7.
(41) Os "clássicos" sobre a questão da indústria na colônia são: Sérgio
Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, especialmente o cap. II, "Trabalho e
Aventura", 9ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1976, p. 12-40 e Caio Prado
Júnior em Formação do Brasil Contemporâneo, op. cit., "Artes e Indústrias", p.
218-225. Fernando Novais e Jacob Gorender, mais recentemente, analisam
as atividades manufatureiras, encontrando-se em Gorender, Op. cit., p. 242-
257 uma síntese das características da economia natural na plantagem es-
cravista, que incluía indústrias caseiras como a produção de tecidos, peças de
carpintaria, mobília, calçados, edificações, etc.
(42) Gorender, Jacob. Op. cit., p. 242-257.
113
(43) Mello, José Antônio Gonsalves. Tempos dos Flamengos. 2ª ed.,
Recife, Ed. de Pernambuco, 1979, p. 158-159.
(44) Ribeiro Júnior. Op. cit., p. 160-164.
(45) Ribeiro, M. de Lourdes. Op. cit., p. 114.
(46) Holanda, Sérgio Buarque. Op. cit., p. 27.
(47) Paulet, Antônio da Silva. Op. cit., p. 85.
(48) Barros, José Villela. Memória ou exposição do método de plantar e
colher no Brasil a mandioca, e fabricar a sua farinha. Lisboa, Memórias Eco-
nômicas da Academia Real de Ciências, T. VII, 1789, p. 52-72.
(49) Documento de 17 de novembro de 1794, Arquivo Histórico Ultra-
marino, Caixas do Ceará.
(50) Abreu, Capistrano. Op. cit., p. 147.
(51) Mapa do Casaes, Pessoas Livres e Oficiais de vários ofícios da Vi-
la de Montemor-o-Novo, 1788. Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas do Cea-
rá.
(52) Lista dos homens brancos que habitam dentro desta vila de Forta-
leza do Ceará, 1800. Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas do Ceará.
(53) Menezes, Luiz Barba Alardo. op. cit., p. 264.
(54) Relação de João Batista de Azevedo Montaury a Martinho de Mello
e Castro de caixas com produção da capitania, 25 de outubro de 1784. Arqui-
vo Histórico Ultramarino, Caixas do Ceará.
(55) Girão, Raimundo. História Econômica do Ceará. op. cit. p. 373-
374. Ver também Dennis, Johnson. A Carnaubeira e seu Papel como Planta
Econômica. Universidade da Califórnia, ed. Banco do Nordeste do Brasil, For-
taleza, 1972.
(56) Diz o autor da Relação do Maranhão de 1608: "O sertão é muito
grande e tem infinidade de gentio... (as amazonas) são guerreiras e caçado-
114
ras e engenhosas de mãos para fazerem redes muito lavradas e também seus
arcos são todos pintados...", Figueira, Luiz, op. cit., p. 98.
(57) Leite, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, v. II, op.
cit., p. 111.
(58) Mapa geral do que produziram as sete vilas e lugares..., 14 de ja-
neiro de 1761. Coleção Iconográfica, Arquivo Histórico Ultramarino.
(59) As vilas de Estremoz e Arez pertenciam ao Rio Grande do Norte e
não ao Ceará.
(60) Studart, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará, op.
cit., v. I documento de 24 de abril de 1683.
(61) Paulet, Antônio da Silva. Op. cit., p. 100.
(62) Casal, Aires. Op. cit., p. 239.
(63) Carreira, Liberato de Castro. Retificação à Descrição da Capitania
do Ceará por A.J. da Silva Paulet. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, v. LX, 1897, p. 115.
(64) Idem, ibidem, p. 117.
115
CAPÍTULO III
O DECLÍNIO DA ESCRAVIDÃO E
O "TRABALHADOR NACIONAL" NO NORDESTE
116
A compreensão das relações sociais do trabalho às quais estiveram
integrados os artesãos, ao longo do tempo, é um dos aspectos centrais para o
conhecimento dessa categoria no processo histórico.
No decorrer do século XIX, a questão do trabalho esteve fundamen-
tada no processo de transição da escravidão para o trabalho livre, processo que
se iniciou por volta de 1830, com as proibições ao tráfico de africanos, culminou
com a abolição e manteve efeitos residuais até, aproximadamente, 1920.
A incorporação do homem livre à estrutura produtiva, nesse período,
assumiu configurações diferentes nas diversas regiões do país, muito embora, na
globalidade das relações sociais, o modelo de base escravista, em seus funda-
mentos, fosse um só.
A questão do trabalho livre após 1850 esteve centrada no complexo
cafeeiro, que constituía o setor hegemônico da economia e comandava as deter-
minações básicas do processo, com o regime de colonato, a imigração estrangeira
para o campo subsidiada pelo Estado, a emergência do trabalho assalariada ur-
bano, o surgimento da organização sindical e dos movimentos políticos da classe
operária.
Em São Paulo, onde se dá o processo decisivo de constituição de re-
lações capitalistas de produção, o assim chamado "trabalhador nacional" perma-
nece como reserva de força de trabalho e a transição se dá através da incorpora-
ção em massa de imigrantes europeus, em substituição ao escravo.
No Nordeste, pelo contrário, a mudança nas relações de produção se
faz quase que exclusivamente através do trabalhador nacional que já no início
desse período começa a substitui a mão-de-obra escrava, sobretudo naqueles
setores mais pobres e menos dinâmicos da sociedade, registrando-se um declínio
precoce da escravidão, que tem início por volta de 1830.
117
Declínio da escravidão e crescimento da população livre.
Em fins do século XVIII, os escravos constituíam cerca da metade da
população da colônia e representavam, enquanto força de trabalho, quase toda a
vida produtiva do país. Três quartos do século depois, às vésperas da Abolição,
sua proporção havia caído para apenas 15,21 por cento. A população livre havia
tido um forte crescimento e sua inserção no sistema produtivo tornou-se uma das
questões mais polêmicas do período final da escravidão.
Constitui uma das mais notáveis contradições da história do trabalho
no Brasil o fato de que se tenha instalado uma forte crise de mão-de-obra, em de-
corrência da escassez do braço escravo, justamente nesse período de grande
crescimento da população livre, em sua maioria pobre e destituída.
De fato, houve uma grita constante dos grandes proprietários e seus
representantes no poder, em todas as províncias, em torno da chamada "fome de
braços". A alegada falta de homens para o trabalho, que se intensificou a partir de
1850, foi um argumento permanente do debate abolicionista e imigrantista. A ela
se atribuíam as crises econômicas, o encarecimento dos gêneros alimentícios, a
escassez da produção, a falta de alimentos nas cidades, as dificuldades da agri-
cultura de exportação.
Evidentemente, o fim do tráfico de escravos afetou a produção e a
unanimidade das classes produtoras em torno da escassez de mão-de-obra tinha
sua razão de ser. Entretanto, é preciso compreender melhor em que se constituiu,
exatamente, a "fome de braços" nos diferentes setores produtivos, para poder si-
tuar de forma mais global as questões específicas que dizem respeito às relações
de trabalho.
O declínio do número de escravos em relação ao conjunto da popu-
lação pode ser percebido a partir de 1830. No Nordeste, esse declínio se intensifi-
118
ca na década de 1850, com a suspensão definitiva do tráfico da África e a gradual
transferência de cativos para as províncias do leste e do sul.
Isso apesar do fato de que houve um grande aumento no volume do
tráfico na primeira metade do século XIX, mesmo com a intensa pressão do go-
verno inglês em sentido contrário. Para se ter uma ideia dessa entrada, basta citar
o fato de que, do total de escravos vindos da África, que é estimado em torno de
3.600.000 para todo o período da escravidão, o número dos que chegaram entre
1800 e 1850 é de 1.350.000 a 1.600.000. (1) Algumas estimativas acham possível
a entrada de um número maior de africanos, em torno de 5.000.000 para todo o
período (2) e calcula-se que cerca de 1.200.000 tenham desembarcado entre
1810 e 1860. (3)
Ocorre que a taxa de crescimento da população livre, na segunda
metade do século, foi muito superior à da população escravizada. Se a taxa de
reprodução natural dos escravos tivesse se mantido dentro de valores médios,
deveria haver cerca de três milhões de escravos por ocasião do primeiro Censo
Oficial, realizado em 1872, quando na realidade o Censo registra apenas
1.510.806 escravos.
Certamente, as duras condições do cativeiro foram responsáveis pe-
los índices tão elevados de mortalidades e pela baixa taxa de natalidade, além do
fato de que o desinteresse dos proprietários pela sobrevivência e reprodução de
seus plantéis devia-se à opção de substitui-lo através da importação contínua, aí
residindo as razões da luta contra a supressão do tráfico da África. (4)
Alguns dados sobre a correlação entre escravos e homens livres no
conjunto da população, entre 1798 e 1876, demonstram o acentuado declínio da
força de trabalho escravizada.
População livre e escrava no Brasil - 1798-1876 (5)
Ano Livres Escravos Total % Escravos
1798 1.666.000 1.582.000 3.248.000 48,70
1817/18 1.887.900 1.930.000 3.817.900 50,55
119
1850 5.520.000 2.500.000 8.020.000 31,17
1876 8.419.672 1.510.806 9.930.478 15,21
Enquanto que até o final do período colonial os escravos representa-
vam aproximadamente metade da população, após 1830, com o encarecimento do
preço e as crescentes barreiras ao tráfico, a população livre começa a suplantar a
escrava. Uma memória estatística de 1823 (6) chega a estimar para um total de
3.960.866 habitantes, 2.813.351 livres e 1.147.515 escravos, ou seja, uma taxa de
apenas 28,97 por cento da população escravizada, (cifra que parece demasiado
reduzida, quando comparada à de 1850). Após 1850, o declínio é drástico. Já em
1864, de acordo com Perdigão Malheiros, a proporção de escravos havia caído
para 16,73 por cento (7) e em 1876 para 15,21 por cento.
Apesar das restrições que devem ser feitas às estatísticas do tempo
do Império, nota-se que o número de escravos permaneceu relativamente cons-
tante durante a maior parte do século XIX, ao passo que houve um crescimento
demográfico acentuado da população livre para as condições da época. Em 1876,
o número de homens livres é mais do que cinco vezes superior a 1798. No último
quartel do século, após a abolição da escravidão, a expansão demográfica conti-
nua acentuada: o censo de 1900 indica um total de 16.626.991 habitantes (8) e
que representa um aumento de 67 por cento em relação ao censo de 1872.
Contudo, o crescimento da população livre e o declínio de escravos
não se deu de forma homogênea em todo o país. Examinando-se as diversas pro-
víncias isoladamente, verificam-se diferenças importantes, tanto no que diz respei-
to ao aumento da população como à correlação entre escravos e homens livres.
Comparando-se os anos de 1823 e 1876, Minas Gerais, São Pau-
lo/Paraná e Santa Catarina registram as taxas mais altas de crescimento demo-
gráfico na região leste e sul. No Nordeste, a população cresceu sobretudo no Cea-
rá, Rio Grande do Norte e Paraíba, apresentando o Ceará a taxa mais elevada de
crescimento do país. Por outro lado, Pernambuco e Sergipe registram as taxas
mais baixas de crescimento da população, inferiores às da própria Amazônia. (9)
120
Total da População por Província - 1823-1876.
Província 1823 1876 Taxa de
crescimento
Amazonas 32.000 57.610 80,03
Pará 96.000 275.237 186,70
Maranhão 164.836 359.040 117.80
Piauí 90.000 202.222 124.80
Ceará 200.000 721.686 260,84
Rio G. do Norte 71.053 233.979 229,30
Paraíba 122.407 376.226 207,35
Pernambuco 480.000 841.539 75,32
Alagoas 130.000 348.000 167,70
Sergipe 120.000 176.243 46,86
Bahia 671.922 1.379.616 105,32
Minas Gerais 640.000 2.039.735 218,70
Espírito Santo 120.000 82.137 -31,55
Mun. Neutro 100.000 274.972 174,97
Rio de Janeiro 351.648 782.724 122,58
São Paulo
Paraná
280.000 837.354
126.722
244,31
Santa Catarina 50.000 159.802 219,60
Rio G. do Sul 150.000 434.813 189,87
Goiás 61.000 160.395 162,94
Mato Grosso 30.000 60.417 101,40
Total 3.960.866 9.930.478 150,71
Fontes: 1823 - Araripe, Tristão de Alencar, Memória Estatística
do Império do Brasil, Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, v. LVIII, 1895, pp. 91-99. 1876 - Diretoria Geral de Es-
tatística, Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876.
121
Quanto à correlação escravos-homens livres, as estimativas de 1823
são muito inconsistentes para permitirem comparação com 1876. Tomando-se
apenas os dados de 1876, verifica-se que no período final da escravidão as pro-
víncias cafeeiras - Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, utili-
zavam o trabalho escravo em proporção maior do que as chamadas províncias do
Norte. O Rio de Janeiro concentrava a maior proporção de escravos em relação a
de homens livres do país - 37,38% da população escravizada. As menores taxas
de escravos estavam nas zonas da pecuária e do algodão nordestinas - Ceará,
Rio Grande do Norte e Paraíba.
Também a proporção de escravos em relação aos livres era pequena
na região açucareira de Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, se comparada à
zona cafeeira. A província do Ceará que, como se viu no quadro anterior, apresen-
tara o maior crescimento demográfico do período era, por outro lado, a que tinha a
segunda menor taxa de escravos do país, apenas 4,42 por cento, vindo logo após
o Amazonas, onde os escravos eram praticamente inexistentes. Vale dizer que, no
Ceará, a expansão demográfica devia-se exclusivamente ao aumento da popula-
ção livre.
População Livre e Escrava por Província - 1876
Província Livres Escravos Total % Es-
cravos
Amazonas 56.631 979 57.610 1,69
Pará 247.779 27.458 257.237 9,97
Maranhão 284.101 74.939 359.040 20,87
Piauí 178.427 23.795 202.222 11,76
Ceará 689.773 31.913 721.686 4,42
Rio Gde.Norte 220.959 13.020 233.979 5,56
Paraíba 354.700 21.526 376.226 5,72
Pernambuco 752.511 89.028 841.539 10,57
Alagoas 321.268 35.741 348.009 10,27
122
Sergipe 153.620 22.623 176.243 12,83
Bahia 1.211.792 167.824 1.379.616 12,16
Minas Gerais 1.669.276 370.459 2.039.735 18,16
Espírito Santo 59.478 22.659 82.137 27,58
Mun. Neutro 226.033 48.939 274.972 17,79
R.de Janeiro 490.087 292.637 782.724 37,38
São Paulo 680.742 156.612 837.354 18,70
Paraná 116.162 10.560 126.722 8,33
S. Catarina 144.818 14.984 159.802 9,37
Rio Gde Sul 367.022 67.791 434.813 15,59
Goiás 149.743 10.652 160.395 6,64
Mato Grosso 53.750 7.667 60.417 12,69
Total 8.419.672 1.510.806 9.930.478 15,21
Fonte: Diretoria Geral de Estatística, Relatório e Trabalhos Estatís-
ticos de 1876, Rio de Janeiro, Tip. Hipólito José Pinto, 1877.
"Fome de Braços", questão nacional.
Em 1860, o estatístico Sebastião Ferreira Soares elabora sua Notas
Estatísticas sobre a Produção Agrícola e Carestia dos Gêneros Alimentícios no
Império do Brasil, (10) destinadas a colocar por terra a ideia de que a agricultura
entrara em crise devido ao fim do tráfico de escravos:
"Tenho convicção de que muitos indivíduos reformarão suas
opiniões sobre o estado da produção agrícola do país, quan-
do esclarecidos pela verdade dos fatos que passam desa-
percebidos; e neste pressuposto vou escrever algumas con-
siderações, nas quais pretendo demonstrar até à evidencia
que a produção agrícola do país não está decadente, e an-
123
tes, pelo contrario, marcha nas vias do progresso, mesmo
depois da cessação do trafico dos Africanos; bem como de-
monstrarei que a carestia dos gêneros alimentícios não pro-
cede da falta de braços que se possam empregar na lavoura,
e tão somente de causas que, sendo removidas, podem tra-
zer a abundancia e barateza dos gêneros necessários à ali-
mentação dos nossos conterrâneos." (11)
O autor demonstra, através dos mapas do comércio de importação e
exportação do Tesouro Nacional, que as quantidades exportadas dos oito princi-
pais produtos agrícolas - café, açúcar, algodão, fumo, borracha, erva mate, aguar-
dente e cacau - aumentaram continuamente entre 1839-1844 e 1852-1857, para
concluir:
"porquanto é evidente que a exportação não teria aumentado
se não houvesse maior produção; e conseguintemente tendo
aumentado a produção, segue-se que não existe até ao pre-
sente falta de braços no país para se ocuparem da agricultu-
ra, como se tem querido incutir no espírito público, com o fim
de fazer persuadir aos incautos que a cessação do tráfico
dos Africanos foi um mal para o país". (12)
Ferreira Soares via com clareza que a razão fundamental da crise de
abastecimento, da qual todos se queixavam, estava no fato de que a produção
concentrava-se cada vez mais nos gêneros de exportação, negligenciando a cultu-
ra de alimentos: arroz, farinha de mandioca, feijão e milho. A falta de gêneros ali-
mentícios repercutia na população das cidades negativamente, facilitando a pro-
paganda anti-abolicionista e fazendo crer que o declínio da escravidão, que na
realidade afetava os interesses da grande lavoura, era prejudicial à nação como
um todo.
Aliás, o problema da falta de alimentos era um dos mais antigos na
vida do país. Durante a ocupação holandesa de Pernambuco, por exemplo, o go-
124
verno de Nassau incompatibilizou-se seriamente com os produtores de cana de
açúcar, por querer obrigá-los a plantar mandioca, para enfrentar a fome que gras-
sava nas vilas e cidades. (13)
A análise de Ferreira Soares e de outros contemporâneos vem cor-
roborar, e não é preciso repisar argumentos, o conhecido fato de que o mercado
interno, as atividades "marginais" de subsistência e, consequentemente, os ho-
mens que a elas de dedicavam, continuavam fora da orientação geral do sistema
agroexportador, mesmo com as mudanças políticas decorrentes do fim da domi-
nação colonial.
Porém, se a produção continuava a crescer na agricultura de expor-
tação e se as queixas de escassez de mão-de-obra partiam exatamente desses
setores, em que consistia, realmente, a questão da "fome de braços"? A pergunta
é importante de ser respondida porque a partir de 1850, a falta de mão-de-obra
aparece como uma reclamação constante dos grandes proprietários, de norte a
sul do país, servindo para fundamentar tanto os argumentos dos anti-
abolicionistas, como as reivindicações dos que viam na imigração a única solução
para os seus males.
A falta de trabalhadores livres nacionais para substituir os escravos e
a sua alegada ociosidade e incapacidade para o trabalho, era argumento mais
contundente no discurso das camadas dominantes, que exigiam a intervenção do
governo imperial no sentido de encaminhar uma política do trabalho que solucio-
nasse a crise instalada.
Havia um consenso por parte dos representantes da grande lavoura
quanto à escassez de mão-de-obra mas isso não significa dizer que a crise do
trabalho escravo estivesse afetando todos os setores da agricultura comercial da
mesma maneira. Explicitando melhor, ao se comparar os três principais ramos
produtivos - café, açúcar e algodão, vê-se que a falta de escravos devia-se a cau-
sas não apenas diferentes mas diametralmente opostas. Na realidade, enquanto
no polo cafeeiro a escassez devia-se a uma demanda crescente de força de traba-
lho, decorrente da expansão da economia, nos dois outros setores ocorria o inver-
125
so - uma diminuição do plantel de escravos, em decorrência da crise interna da
economia e da transferência dos escravos para o sul.
A partir da década de 1830, como se sabe, o café começa a afirmar-
se como principal produto de exportação e a comandar, por volta de 1850, as de-
terminações básicas do processo de transformação das relações de trabalho, com
o regime de colonato, a imigração estrangeira, a emergência do trabalho assalari-
ado, da classe operária urbana e, na passagem do século XIX para o atual, o sur-
gimento de movimentos sindicais e políticos da classe trabalhadora. (14)
Alguns dados sobre o comércio de exportação ilustram a rapidez
com que o café tomou o centro da economia brasileira, já na primeira metade do
século passado:
Quantidades, Valor e Preço Médio da Exportação de Açú-
car, Algodão e Café - 1801-1857. (15)
Açúcar Quantidade
arrobas
Valor
réis
Preço
médio
1801 2.907.130 6.109.729 2.350
1820 1.414.689 2.552.066 2.050
1839-44 5.603.929 10.313.480 1.842
1852-57 7.765.534 20.099.740 2.588
Algodão Quantidade
arrobas
Valor
réis
Preço
médio
1801 438.000 3.448.397 5.540
1820 231.000 1.450.753 5,800
1839-44 705.768 3.646.040 5.162
1852-57 958.182 5.518.850 5.760
126
Café Quantidade
arrobas
Valor
réis
Preço
médio
1801 28.832 118.213 4.100
1820 71.855 425.168 5.500
1839-44 5.693.037 18.371.43
0
3.227
1852-57 9.997.868 43.990.62
0
4.400
Fontes: 1801-1820 - Ribeiro, Maria de Lourdes, As Relações
Comerciais entre Portugal e Brasil segundo as Balanças de
Comércio, p. 60-64, 87-88. 1839-1857 - Soares, Sebastião
Ferreira, op. cit. p. 20, 38, 52.
O café expande-se rapidamente no Rio de Janeiro, na região do Vale
do Paraíba, Minas Gerais e São Paulo. A produção paulista, que até o início da
década de 1870 representava apenas 16% da produção nacional, desloca-se em
direção às terras férteis do chamado "Oeste Novo" e passa a liderar o mercado
exportador. Em 1885 São Paulo já produzia 40% do total, atingindo de 1911 a
1920, 70% e 75% da produção brasileira (16) e foi principalmente no oeste paulis-
ta que o processo de acumulação efetuou a passagem do trabalho escravo para
relações capitalistas de produção, valendo-se sobretudo da imigração de traba-
lhadores livres europeus. (17)
Na segunda metade do século XIX, a economia de exportação passa
a depender quase que exclusivamente do café, como se vê no quadro a seguir.
127
Participação percentual do café, açúcar e algodão nas
Exportações - 1851-1900
Período Café Açúcar Algodão
1851-1860 48,8 21,2 6,2
1861-1870 45,5 12,3 18,3
1871-1880 56,6 11,8 9,5
1881-1890 61,5 9,9 4,2
1891-1900 64,5 6,0 2,7
Fonte: Singer, Paul, O Brasil no Contexto do Capitalismo
Internacional, p. 335.
Enquanto o polo cafeeiro se expande nessa direção, a economia
açucareira do Nordeste prossegue em sua lenta marcha descendente, sofrendo os
efeitos das baixas cotações de preço no mercado internacional, da forte concor-
rência de Cuba, e da introdução do açúcar de beterraba no mercado europeu. A
produção açucareira experimenta uma recuperação satisfatória na década de
1880, com a expansão das vendas externas, o crescimento do mercado nacional,
a modernização tecnológica e a fundação das usinas. É quando se dá a incorpo-
ração de novas terras à lavoura de cana no leste e sul do país, perdendo o Nor-
deste a dominação do mercado. (18)
É preciso observar, porém, que as crises na exportação não implica-
vam em diminuição das quantidades produzidas. Pelo contrário, o esforço produti-
vo foi redobrado no decorrer de todo o século XIX, para tentar manter o nível dos
valores de exportação, continuamente rebaixados pela queda dos preços. (19)
Quanto ao algodão, tratava-se de uma produção instável, que oscilou
entre longos períodos de abastecimento para o mercado interno e a economia de
subsistência, e intervalos de ingresso na economia de exportação, decorrentes da
escassez do produto nos mercados europeus. Nas décadas de 1860 e 1870, com
a demanda do mercado manufatureiro inglês, o algodão passou a se constituir no
setor mais dinâmico da economia nordestina. (20) Assim como com o açúcar, as
128
oscilações do preço do produto no mercado externo tendiam a provocar um au-
mento das quantidades produzidas, ou seja, de trabalho investido, para compen-
sar as quedas nos valores exportados. No caso do algodão havia ainda a peculia-
ridade de que o cultivo não era exclusivo dos grandes proprietários, havendo uma
multiplicidade de médios e pequenos produtores, pulverizados pelo interior do ter-
ritório.
A diminuição do plantel escravo nos engenhos de cana da Zona da
Mata vinha ocorrendo desde 1830, quando a queda dos preços e o encarecimento
do escravo começaram a tornar pouco remunerativa a produção. Na cultura do
algodão, o emprego de escravos era pouco vantajoso, principalmente devido ao
ciclo vegetativo curto, que implicava em longos períodos de ociosidade forçada da
mão-de-obra. (21)
No sertão nordestino, como foi visto no capítulo anterior para o caso
do Ceará, grande parte do cultivo de algodão desenvolveu-se através da pequena
produção, associada à plantação de gêneros alimentícios, dentro de um complexo
vinculado à pecuária extensiva e às relações latifúndio-minifúndio. A própria estru-
tura interna do sistema favoreceu a absorção precoce do trabalho livre e o rápido
declínio da escravidão.
Com a proibição do tráfico africano, as regiões cafeeiras voltaram-se
para o Nordeste, dando início ao tráfico interprovincial. A mão-de-obra escrava
começa a afluir do Norte para o Sul tão cedo que, em 1854, surge no Parlamento
um projeto lei proibindo a venda de escravos entre as províncias. A lei não foi
aprovada mas se instituíram taxas locais sobre a saída de escravos, visando frear
a corrente migratória. (22) Estima-se que, entre 1850 e 1888, as províncias cafeei-
ras absorveram cerca de 300.000 escravos através do tráfico interprovincial. (23)
É possível concluir, portanto, que houve um sentido inverso na ques-
tão da "fome de braços" quando comparadas as duas regiões. No polo cafeeiro,
onde havia uma demanda de força de trabalho decorrente da expansão da eco-
nomia, a distribuição dos fatores de produção segundo a forma escravista, ao con-
129
tinuar mantendo sua eficácia, tornava indesejável, pelo menos até certo momento,
a questão da abolição, já que não esta não criava obstáculos à acumulação.
Somente no fim do regime servil é que São Paulo aderiu à campanha
abolicionista, quando o problema da mão-de-obra se resolveu favoravelmente pa-
ra os cafeicultores do "Oeste Novo", através da imigração estrangeira, subsidiada
pelo Estado. Nos outros dois setores, ao contrário, houve uma liberação precoce
da mão-de-obra escrava, uma desagregação do sistema, daí resultando a carên-
cia de braços, liberação essa decorrente da instabilidade da agricultura nordestina
e do fator de atração que representava o polo cafeeiro.
De fato, o plantel de escravos cresceu no Rio de Janeiro e em São
Paulo, no decorrer do século, de forma consistente:
População escrava em São Paulo e Rio
de Janeiro - 1819-1888 (24)
Período São Paulo Rio de Ja-
neiro*
1819 77.667 146.060
1823 - 150.549
1836 78.955 -
1854 117.731 -
1876 156.612 341.576
1887 107.329 169.909
(*) Inclui a província e a cidade do Rio de Janeiro.
130
População escrava no Nordeste - 1819-1888 (25)
Perío-
do
Piauí Ceará R.G.
Norte
Paraí-
ba
Per-
namb.
Alago-
as
Sergi-
pe
Bahia
1819 12.405 55.439 9.109 16.723 97.633 69.004 26.213 147.263
1823 10.000 20.000 14.376 20.000 150.000 40.000 32.000 237.458
1876 23.795 31.913 13.020 21.526 89.028 35.741 22.623 167.824
1887 8.970 108 3.167 9.448 41.122 15.269 16.875 76.838
Porém, se a "fome de braços" era uma questão nacional com diferen-
tes significados, em um ponto coincidiam os interesses dos queixosos. Para além
das diversidades regionais é possível identificar um fator de interesse comum aos
grandes produtores de Norte a Sul, que consistia no desejo de garantir a continui-
dade de certas vantagens da escravidão, ou seja, uma oferta de trabalho abun-
dante e, se possível, barata e estável. A eles se aliavam os interesses dos grupos
no poder, uma vez que o próprio Estado dependia da agricultura comercial para
sua manutenção, pois 75 por cento da receita do governo, no final do Império,
provinha do movimento do comércio exterior. (26)
Assim, pode-se indagar até que ponto a "fome de braços", transfor-
mada em problema da nação, não teria sido, sobretudo, uma conveniente estraté-
gia das camadas dominantes para garantir a continuidade do modelo colonial de
trabalho, agora com nova roupagem.
No grande embate político que então se travou, saíram vitoriosos os
fazendeiros de café, que conseguiram a "socialização do custo" da introdução ma-
ciça de colonos estrangeiros, através da imigração subsidiada pelo Estado. Como
afirma José de Souza Martins: "Somente com a intervenção do Estado foi possível
quebrar o circuito do trabalho cativo, procedendo-se a uma socialização dos cus-
tos de formação da força de trabalho e criando-se as condições para que se insti-
tuísse o trabalho livre e o mercado de trabalho". (27)
131
Paula Beiguelman demonstra, também, como os fazendeiros de café
se desinteressaram pela introdução de imigrantes até a década de 1860, porque a
responsabilidade pelo pagamento da passagem recaia sobre eles próprios e sobre
os colonos. Era mais compensador continuar a ater-se ao braço do escravo, ape-
sar do grande investimento inicial. (28) Boris Fausto, retomando a questão, obser-
va que a imigração subsidiada permitiu aos fazendeiros adequar a oferta de traba-
lho aos seus interesses. Baseando-se na análise de Michael Hall, Fausto conclui
que "ao longo de todo o período em que a imigração estrangeira para as fazendas
foi a fonte essencial de mão-de-obra não ocorreu "falta de braços", mas, com fre-
quência, uma grande e calculada oferta de trabalho", cujo objetivo central era de-
primir os salários rurais. (29)
Avançando a análise para o setor urbano, Wilson Cano demonstra
como essa política beneficiou a nascente indústria paulista, permitindo-lhe operar
com uma oferta abundante de mão-de-obra, a taxas de salário mais baixas que as
de outras regiões. (30)
Quais as perspectivas para os grandes proprietários do Nordeste,
nesse momento? Incapazes de atrair o imigrante estrangeiro e sofrendo a drena-
gem contínua de mão-de-obra escrava, não lhes restava outra alternativa senão
recorrer ao trabalhador livre nacional, sob pena de diminuir a produção ou até
mesmo deixar de produzir. Roberto Avé-Lallemant, por exemplo, encontrou a pro-
dução açucareira de Sergipe em completa decadência em 1859, devido à diminui-
ção do número de escravos.
O abolicionista Tavares Bastos, ao defender a abolição gradual por
província, em 1865, argumentava que o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Alagoas e em certas áreas de Pernambuco o número de escravos era reduzido e
a agricultura já era praticada quase que exclusivamente por homens livres (31).
Segundo Manoel Correa de Andrade, o trabalho livre, na segunda metade do sé-
culo XIX, era de uso generalizado, tanto em Pernambuco, como no Rio Grande do
Norte, na Paraíba e em Alagoas. (32)
132
No Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, além disso, os poucos es-
cravos existentes concentravam-se nos serviços domésticos, eram artigo de luxo,
enquanto em certas áreas açucareiras e nas províncias cafeeiras eles trabalha-
vam sobretudo na agricultura, como se pode ver no quadro a seguir.
Ocupações dos escravos por província - 1872
Província Trabalhado-
res agríco-
las
Criados e
jornaleiros
Outros Total
Nordeste
Piauí 6.264 6.631 10.900 23.793
Ceará 7.375 11.363 13.175 31.913
Rio Gde Norte 2.353 3.057 7.610 13.020
Paraíba 9.125 5.982 6.419 21.526
Pernambuco 38.714 20.480 29.834 89.028
Alagoas 11.628 13.462 10.651 35.741
Sergipe 11.907 3.291 7.425 22.623
Bahia 82.954 33.073 51.797 167.824
Leste
Minas Gerais 278.767 30.989 60.703 370.459
Espírito Santo 12.917 3.493 6.249 22.659
R. de Janeiro 141.575 52.806 98.256 292.637
Mun. Neutro 5.695 28.815 14.429 48.939
São Paulo 88.620 29.889 38.103 156.612
Fonte: Conrad, Robert. Os últimos anos da Escravatura no Brasil. p. 361.
Os próprios governos provinciais nordestinos, apesar de solicitarem
continuamente ao governo central a introdução de colonos estrangeiros, reconhe-
ciam a importância crescente do trabalhador nacional na região.
133
Quase todos os relatórios de presidentes da província do Ceará, en-
tre 1847 e 1888, apontam a adoção do trabalho livre como forma de estimular a
produção. Em 1864, o presidente Lafaiete Rodrigues Pereira reconhece: "a agri-
cultura no Ceará é quase exclusivamente praticada por braços livres". (33) Os re-
latórios registram também a impossibilidade de conter a evasão crescente de es-
cravos em direção ao sul, "que não foi ainda neutralizada, apesar da elevação da
imposição na saída dos mesmos", segundo afirma o relatório de 1856. (34)
Em Pernambuco os documentos oficiais oferecem as mesmas evi-
dências. O relatório do presidente da província, em 1866, considera que o trabalho
livre "é muito mais produtivo que o escravo" e o de 1876 conclui que os proprietá-
rios não se interessavam sequer pela mão-de-obra estrangeira, devido à abun-
dância de trabalhadores livres nacionais: "a massa de trabalhadores livres nacio-
nais que perambulavam pela província e a quem os proprietários tinham quantos
quisessem e por diminuto preço". (35)
Resta saber o que fazia e de que vivia essa população "perambulan-
te", "repartida pelos diversos misteres da vida", como dizia um desses relatórios
provinciais. Como estava se dando a incorporação desses homens ao mundo do
trabalho e da produção e a que se refere, em última análise, o termo "trabalho li-
vre", nesse contexto.
Instabilidade da existência e degradação do trabalho.
Caio Prado Júnior usa o termo "população vegetativa" para designar
os que viviam à margem da economia mercantil de base escravista, fundada no
binômio "senhor-escravo". (36) Ao mesmo tempo em que o sistema agro-
exportador deixara sem função a maior parte dos homens pobres livres, a escravi-
dão marcara-os ideologicamente com o estigma do trabalho servil, diante do qual
a condição de liberdade só era compatível com a condição de proprietário. Para os
que não podiam sê-lo, submeter-se significava igualar-se ao escravo. Trabalhar a
134
serviço de outro era aviltar-se, em uma "relação de sujeição" incompatível com a
condição de homem livre.
Um dos aspectos mais marcantes da vida desses homens era a ins-
tabilidade das condições de existência. As oscilações da economia de exportação,
somadas a uma política de ocupação e posse do solo excludente e concentradora
de terras, resultaram em constante desenraizamento e mobilidade da população.
O nomadismo e a não fixação ao solo se apresentavam, frequentemente, como
único recurso disponível para enfrentar as condições de vida adversas e a violên-
cia das relações sociais. Por volta de 1820, Saint Hilaire presenciava a expulsão
de posseiros das terras cultivadas.
"os pobres que não podem ter títulos se estabelecem nos ter-
renos que sabem não terem dono. Plantam, constroem pe-
quenas casas, criam galinhas, e quando menos esperam,
aparece-lhes um homem rico, com o título que recebeu na
véspera, expulsa-os e aproveita o fruto do seu trabalho". (37)
O problema da terra se agravou com a suspensão das concessões
de sesmarias em 1822. Nos trinta anos seguintes, anos de intensa expansão po-
pulacional, a ocupação de terras devolutas se intensificou, coincidindo com a au-
sência de legislação e controle. A Lei de Terras de 1850, ao impedir o livre acesso
à terra, transformando-a em mercadoria sujeita a compra e venda, tinha por objeti-
vo principal forçar os colonos estrangeiros a trabalharem nas grandes fazendas,
(38) mas intensificou, ao mesmo tempo, o processo de concentração fundiária.
O quadro fundiário no Nordeste, por essa época, era constituído, em
síntese por: (a) grandes latifúndios, alguns de propriedade de sesmeiros legítimos,
outros ilegítimos; (b) áreas ocupadas por posseiros sem legitimidade e (c) faixas
de terras devolutas ainda não ocupadas que, a partir daí, deveriam ser compradas
pelos interessados. (39)
O processo de expulsão de posseiros e rendeiros aumentou a partir
de 1850. Um relatório do presidente da província de Pernambuco, de 1871, chega
135
a sugerir uma "lei previdente que regulasse as relações entre proprietários de terra
e rendeiros". (40) A imprensa pernambucana também denunciava:
"como é que se exige que esses infelizes (os agregados,
gente pobre, foreiros) plantem se eles não tem certeza de co-
lha? Que incentivo existe que os induza a beneficiar um ter-
reno, do qual podem ser despojados de um instante para ou-
tro? Nas terras dos grandes proprietários, eles não gozam de
direito algum político, porque não tem opinião livre: para eles
o grande proprietário é a polícia, os tribunais, a administra-
ção, numa palavra, tudo...". (41)
A sujeição dos homens pobres livres ao poder e arbítrio dos grandes
proprietários somavam-se à dominação pelo Estado, prisões, recrutamento força-
do para obras públicas, serviço da Guarda Nacional, novas ou antigas "formas de
utilidade" que já haviam feito parte da exploração colonial dos desclassificados,
(42) construção de presídios e prédios da administração, trabalho forçado em la-
vouras, formação de milícias e guardas privadas.
Os que conseguiam vincular-se ao processo produtivo, disputando
pequenas faixas de terra, as de pior qualidade, constituíam uma economia mini-
fundiária, de baixa rentabilidade, insuficiência de recursos financeiros, de caráter
quase vegetativo. No sertão dedicavam-se às chamadas "culturas de pobre" - mi-
lho, feijão, mandioca e à criação "miúda", pelas quais os grandes proprietários não
se interessavam. Esse descaso é motivo de queixa do presidente da província do
Ceará, em 1847, preocupado com os destinos da agricultura:
"a agricultura, esse manancial do qual tudo poderíamos es-
perar, não tem sido encarada como a primeira e talvez a úni-
ca fonte donde há de manar a nossa prosperidade; ela bem
se pode dizer é quase exercida somente pela classe pobre
que não tem a força necessária para levá-la ao ponto conve-
niente aos interesses da província" (43).
136
A pequena produção caracterizava um crescente setor de subsistên-
cia, voltado para o consumo local, onde as feiras apareciam como principal com-
ponente mercantil. Exercida em sua maioria por ocupantes sem legitimidade sobre
a terra, ela podia ser interrompida a qualquer momento pela expulsão, indo os
agricultores engrossar a camada de arrendatários, meeiros, agregados e morado-
res das grandes propriedades, em substituição ao escravo. Os que não se subme-
tiam às condições de trabalho impostas partiam em busca de alternativa em outras
terras, talvez ainda desocupadas, outras fazendas em regiões mais prósperas. A
migração surgia, então, como esperança e alternativa derradeira.
Assim, a crise do trabalho escravo trazia à tona uma das principais
fragilidades do trabalho livre, herdada da exploração colonial - a instabilidade da
mão-de-obra. O trabalhador não possuía nenhuma garantia de fixação ao solo que
cultivava, vivendo em permanente insegurança.
O nomadismo, o desenraizamento, a mobilidade e a consequente
desorganização do trabalho agravavam-se nas áreas semiáridas sujeitas a secas
e inundações periódicas. O século XIX registrou dez das chamadas "secas gran-
des": em 1804, 1809-10, 1816-17, 1824-25, 1827, 1830, 1844-45, 1877-79, 1888-
89 e 1900. (44)
As repercussões se fizeram sentir ao longo das gerações, como ob-
serva Djacir Menezes:
"as consequências econômicas do nomadismo sertanejo re-
fletem-se na instabilidade da vida social, no fluxo e refluxo da
fortuna particular, que emigra de senhor para senhor, sem
nunca permitir a garantia de um desenvolvimento econômico,
ocasionando ainda a ausência de tradições familiares, con-
fundindo-se, nos grandes dias de miséria, a aristocracia rural,
representada por seus descendentes, com a plebe de des-
cendentes africanos e camponeses que sempre viveram
agregados aos proprietários". (45)
137
A instabilidade das condições de existência teve influência decisiva
na composição social do sertão. No período colonial, as fazendas de gado perten-
ciam, em grande parte, a proprietários absenteístas e muitas não possuíam se-
quer domicílio com estrutura familiar, sendo conduzidas por vaqueiros, escravos e
agregados. (46) As formas de dominação e poder apresentavam-se mais fluidas e
camufladas do que na rígida hierarquização da plantação açucareira da zona da
Mata.
Dentro de condições de trabalho e existência instáveis e desequili-
bradas para todos, a diferenciação social entre homens livres se revestiu de for-
mas complexas de dominação ideológica, a expropriação e exploração do traba-
lhador pelo dono da terra ficando mascaradas sob uma rede de relações de paren-
tesco e clientelismo, que impregnaram e atravessaram todo o tecido social e cujos
resíduos permanecem ainda hoje.
O estigma da escravidão aviltou as relações de trabalho para o ho-
mem pobre sem terra, agregado que dividia com o escravo as tarefas no interior
das fazendas. A relação de sujeição, imposta pela condição de "morador", homem
que vive em terra alheia sob a tutela do proprietário e a ele vinculado por um sis-
tema recíproco de prestação de serviços, colocava-se como um dos principais en-
traves a uma concepção mais digna do trabalho. A ideologia do clientelismo, apoi-
ada basicamente na "capacidade de fazer favores", que envolveu aspectos
econômicos, políticos e de parentesco, cuja expressão mais acabada viria a ser o
"coronelismo" da Primeira República (47), tinha seus fundamentos assentados na
estrutura das relações de trabalho e da propriedade da terra, que se consolidaram
na segunda metade do século XIX.
A concepção de liberdade associada a de propriedade, somada a
uma concepção degradante do trabalho, como sequelas da escravidão, compõem
o marco ideológico por onde se garantia a subordinação da "população vegetati-
va", do "trabalhador nacional", homens livres destituídos, previamente expropria-
dos pela "herança colonial".
138
A questão da degradação do trabalho envolve um aspecto particu-
larmente importante, que justificava e legitimava a dominação, e que diz respeito à
ideologia da vadiagem. Laura de Mello e Souza, ao estudar os "desclassificados
do ouro" do século XVIII, toca em um ponto crucial que é a construção de uma
visão de mundo que justificasse o escravismo, à qual a imagem de indolência,
inércia e inaptidão do homem pobre livre para o trabalho se adequava com inteira
conveniência. O estigma da ociosidade era extremamente útil, na medida em que
a desqualificação desses homens, sua condição miserável e a proliferação dos
vadios tornava possível seu emprego como mão-de-obra como parte da própria
exploração colonial, ao mesmo tempo em que justificava moralmente a escravi-
dão.
Essa condição se prolonga enquanto persiste a escravidão. No sécu-
lo XIX, a ociosidade e a vadiagem, tanto nas cidades como no campo, chamavam
a atenção dos viajantes estrangeiros que percorreram o país. Tollenare, nas pri-
meiras décadas do século, deplorava "o espetáculo da indolência" nos bairros ha-
bitados por brancos, mulatos e negros livres do Recife. (49) Daniel Kidder, em
meados do século, denunciou o estado de degradação dos nativos que habitavam
o Ceará. Outrora organizados e chegando mesmo a contratar turmas para o traba-
lho agrícola dos colonos, essa população ficara "sem utilidade alguma, nem para
si próprios nem para outrem". Constatou ainda que, sendo relativamente raros
nessa província os escravos, o cativeiro era considerado pelo povo verdadeira
calamidade. (50)
Quanto mais forte a ordem escravocrata, maior a degradação do
homem livre. Nas fazendas de café do "Oeste novo" paulista, argumenta exausti-
vamente Kowarick, o homem livre e liberto quase não passava pela "escola do
trabalho", sendo visto pelos senhores como corja inútil, que preferia o ócio, o vício,
o crime, ao trabalho disciplinado nas fazendas. (51) A depreciação do trabalhador
nacional, que servira para justificar a escravidão, servia ali também como argu-
mento para a entrada abundante de imigrantes, durante e após a extinção do re-
gime servil. (52)
139
A questão ideológica do trabalho envolve ainda um elemento signifi-
cativo de aviltamento, que diz respeito à oposição entre o mundo dos brancos, dos
negros e das demais etnias indígenas. As teorias da inferioridade racial, ampla-
mente difundidas e defendidas pelos primeiros "explicadores" do caráter nacional,
Oliveira Vianna principalmente, tinham raízes profundas na existência degradada
e miserável dessa massa resultante da mestiçagem que formava o povo brasileiro,
não importa fosse ela de origem escrava, livre ou liberta.
Algumas das diferenças étnicas e culturais foram percebidas por al-
guns dos primeiros observadores do século XIX, como Tollenare, por exemplo,
que discutia o fato de que aquilo que se classificava como preguiça e apatia podia
ser interpretado de outra perspectiva, como uma "moderação dos desejos".
Sebastião Ferreira Soares lutou, precocemente, para mostrar as di-
ferenças da origem indígena de grande parte da população livre, tentando argu-
mentar com a "limitação de desejos e aspirações" de sua cultura, como havia feito
Tollenare. Chegou a advogar leis especiais, "que soubessem respeitar nos cabo-
clos a sua qualidade de homem" e considerava a visão do europeu, imbuído de
outros valores, preconceituosa e mal informada, pois "pintam o caráter dos aborí-
genes brasileiros como homens nimiamente indolentes e inativos" quando, na ver-
dade, "esse homem tem desejos muito limitados". Soares atribui a "falta de ambi-
ção" à herança indígena e à ausência de uma ideologia engendrada pelo capita-
lismo: "não tratam de acumular riquezas como o homem social civilizado, porque,
como este, não tem as necessidades criadas pela moderna sociedade". (53)
Convém lembrar a respeito desses antagonismos, a enorme resis-
tência dos povos indígenas e africanos em se submeterem ao mundo dos bran-
cos, que acompanha todo o processo histórico das relações de trabalho no Brasil,
as lutas sociais, rebeliões, conflitos, fugas, ataques de índios e negros, ao longo
do tempo, a demonstrar que a dominação se deu sempre de forma violenta e dolo-
rosa.
Para concluir, é preciso que se diga que, apesar das condições ad-
versas, alguns segmentos da população destituída encontraram, ainda na vigência
140
da escravidão, possibilidades variadas de romperem as condições de uma exis-
tência sem perspectivas e tentarem ascender socialmente. Essas possibilidades,
no período colonial, já foram vistas nos capítulos anteriores, no que diz respeito à
vantagens de uma especialização profissional, principalmente para as camadas
pertencentes às artes e ofícios urbanos.
A incorporação do trabalhador nacional após 1850.
Em meados do século XIX e mais precisamente nas décadas de
1860 e 1870, alguns segmentos da população rural também encontraram vias de
mobilidade social. É o caso dos chamados "brancos do algodão", plantadores
mestiços, mulatos e pretos forros, sem recursos, que fizeram fortuna súbita com
as elevações do preço e demanda do produto no mercado internacional.
É também o caso do vaqueiro, figura simbólica, por excelência, dos mitos heroicos
do sertão.
Tollenare também se impressionava vivamente com os passadores
de gado que atravessavam o sertão para vender as boiadas nas feiras paraibanas
e pernambucanas do litoral, em intenso movimento comercial por zonas de trânsi-
to perigoso. Curiosamente, é ao mesmo caráter indígena, geralmente visto de
forma negativa, que Tollenare atribui o porte e a altivez do vaqueiro, embora reco-
nhecendo que o gênero de trabalho envolvido exigia "um vigor e uma coragem
que só o interesse pode manter" (54). Evidentemente, a oportunidade de enrique-
cimento e de ascensão social que garantia esse "interesse", estava ausente para
a grande maioria dos destituídos, cujo horizonte de vida se mostrava sempre mi-
serável, quer trabalhasse quer não.
Já no final do século XIX, é também através da figura do vaqueiro
que as condições de existência dos demais homens livres podem ser expostas
mais cruamente e percebidas em toda a sua extensão, na descrição de um estu-
dioso cearense:
141
"Ao sertanejo pobre abrem-se duas carreiras: ou é vaqueiro
de um fazendeiro qualquer ou agregado, isto é, morador nas
terras do fazendeiro, trabalhando como jornaleiro seu, po-
dendo ser expulso da noite para o dia. Sendo agregado ou
morador arrastará vida miserável, sem casa, sem terra, sem
gado, plantando em terra alheia, sempre dependente. Ao va-
queiro abre-se outra perspectiva. Guardará a fazenda, tirará
sortes, poderá fazer um dia sua independência. Além disso,
vestirá roupa de couro, correrá nas vaquejadas fazendo pro-
ezas, terá nome como pegador de gado ou como capador de
animais, ou ainda como curador de feridas e bicheiras" (55).
O trabalho livre assume formas diferenciadas no Nordeste, no mo-
mento em que a crise da escravidão tira das sombras essas camadas de "peso
inútil e sem função" de que fala Caio Prado Júnior.
A predominância de escravos no Nordeste, após 1850, se mantém
apenas no sul de Pernambuco e Recôncavo baiano, onde se localizavam os en-
genhos mais ricos. Ao norte de Recife, Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba, a
antiga prática de contratar índios, caboclos, mulatos e negros libertos, que já era
assinalada ao tempo de Koster, (56) se intensificou com a venda de cativos para o
sul.
Entretanto, se a maioria dos grandes proprietários não possuía capi-
tais suficientes para reter os escravos, sendo obrigados a vendê-los, menos ainda
se dispunha a contratar trabalhadores livres por salários atraentes. As atitudes de
parte desses proprietários podem ser avaliadas pela leitura de uma petição de la-
vradores de Sergipe, de 1877 ao governo central. Com os cativos destinados ob-
viamente a uma rápida extinção, os requerentes manifestavam sua oposição a
escravatura e pediam estímulos para atrair os homens livres dispostos a trabalhar
por salários ou sob contrato, como, por exemplo, a isenção do serviço militar:
"concessões particulares liberalizadas poderiam ser
oferecidas para atrair trabalhadores, incluindo a con-
142
cessão de alojamentos confortáveis, um cultivo maior
de cereais e outras safras alimentícias e o estabeleci-
mento de aulas noturnas, onde os trabalhadores agríco-
las pudessem aprender a ler e a escrever". (57)
O atraso das forças produtivas dificilmente possibilitaria o desenvol-
vimento do trabalho assalariado. O quadro nordestino se caracterizava pela defici-
ência dos circuitos econômicos internos, base material precária, falta de moderni-
zação tecnológica, insuficiência de ferrovias e portos para um rápido escoamento
de mercadorias, debilidade do sistema financeiro, ausência de um mercado con-
sumidor local suficientemente monetarizado, uma série de fatores, enfim, que de-
vem ser levados em consideração no estudo das formas assumidas pelo trabalho
nesse momento de transição.
Assim, passaram os proprietários a atrair o trabalhador livre, facili-
tando o estabelecimento da crescente população pobre, sem terra, nas áreas me-
nos férteis dos latifúndios, como arrendatários, parceiros ou moradores. O paga-
mento da renda da terra era feito, em geral, anualmente, em espécie no tempo da
colheita, ou semanalmente, em trabalho, pelo sistema do "cambão", pelo qual o
morador obrigava-se a trabalhar três dias gratuitamente para o patrão. Vem daí a
expressão "morador de condição". Uma das formas mais comuns de impedir a
mobilidade do trabalhador era retê-lo por dívidas, através do fornecimento de mer-
cadorias pelo barracão ou armazém, a preços extorsivos. O trabalhador só podia
deixar a fazenda uma vez saldados os débitos.
Na área açucareira crescia o número de lavradores que apenas cul-
tivavam a cana, moendo-a no engenho do proprietário e dividindo com ele a pro-
dução (58). A Lei de Terras de 1850, que visava dificultar o acesso à terra para o
imigrante europeu, havia decidido em grande parte, o destino do trabalhador naci-
onal, expulsando posseiros e aumentando o potencial de reserva de força de tra-
balho. Mesmo quando o posseiro conseguia manter o direito à terra, precisava
pedir proteção para obter o registro de seus títulos. Com isso fortaleciam-se os
vínculos de subordinação e a clientela a serviço dos proprietários.
143
Ao se falar em "trabalho livre" no Nordeste do século XIX não se está
falando, portanto, no sentido de trabalho "liberado" para o capital, ou seja, despo-
jado das condições objetivas de sua efetivação, "dos meios e do material do traba-
lho" no sentido clássico empregado por Marx. (59) O termo se refere apenas ao
estatuto jurídico de liberdade formal do indivíduo em contraposição à condição do
escravo. Na verdade, o que estava ocorrendo era a cristalização de relações de
produção baseadas na subordinação do trabalhador rural ao grande proprietário,
através do predomínio das "relações de parceria" que, de forma continuamente
recriada, ainda perduram em várias áreas nordestinas.
O complexo algodoeiro-pecuário é talvez o setor onde melhor se po-
de perceber a forma tortuosa e complicada de expansão do trabalho livre no Nor-
deste, pelo fato de ter sido marcado por fluxos e refluxos, oscilando entre peque-
nos intervalos de produção para o mercado externo, gerando uma ilusão de rique-
za e crescimento, e longos períodos de sobrevivência, buscando o mercado inter-
no e mantendo-se através da produção de subsistência. Os grandes proprietários
se interessavam apenas subsidiariamente em plantar algodão, mantendo-se basi-
camente pecuaristas.
A criação de gado era a atividade que definia o latifúndio, enquanto
o algodão permanecia, em grande medida, como atividade dos pequenos produto-
res estabelecidos em minifúndios e mantendo estreitos vínculos de dependência
com o grande proprietário. Stanley Stein atribui, inclusive, às técnicas rudimenta-
res do pequeno produtor a capacidade de rápida difusão do algodão durante a
época de escassez mundial na década de 1860. Era um produto encarado com
menosprezo pelo fazendeiro, que consideravam má inversão empregar escravos
nas plantações. "O lavrador prefere pagar aos assalariados 1$280 diários a em-
pregar na roça seus poucos escravos". (60)
O assalariamento de que fala o historiador cearense Rodolfo Theófhi-
lo era temporário e, frequentemente, o pagamento em dinheiro era complementa-
do em espécie. Geralmente era calculado por diária ou jornal, sendo muito nume-
144
rosos os "jornaleiros" no trabalho agrícola, como se pode verificar pelo Censo de
1872.
O assalariamento temporário era comum nos algodoais. Conjugava-
se uma gama variada de relações com o patrão e de cooperação vicinal e divisão
de trabalho familiar, que alternava ao complementava o cultivo do algodão com o
de alimentos, o trabalho para o dono da terra com o trabalho para a subsistência
da família. A descrição de Manoel Correa de Andrade sobre o calendário agrícola
sertanejo dá uma ideia da complexidade dessas relações:
"nos anos regulares, costumavam os sertanejos, reunidos em
mutirão, "brocar" os seus roçados em outubro, fazendo a
queima em fins de dezembro, a fim de que em janeiro fos-
sem construídas as cercas. Com a chegada do "inverno" -
período chuvoso - o chefe de família, ajudado pela mulher e
pelos filhos, fazia a semeadura. Esta era iniciada pelo feijão
"ligeiro", pelo milho de "sete semanas", o jerimum e a melan-
cia. A mandioca, o algodão, o milho e o feijão eram semea-
dos depois. Entre o primeiro e o segundo plantios, a família
mantinha o roçado limpo, enquanto o chefe trabalhava assa-
lariado nas grandes e médias propriedades. O salário era uti-
lizado na aquisição da farinha que constituía com a caça do
preá, sobretudo, o alimento cotidiano. Até agosto eram colhi-
dos e consumidos o milho, o feijão, o jerimum e a melancia.
Em setembro começavam a desfazer a mandioca, a realizar
a "farinhada", trabalho em que contavam com a ajuda de pa-
rentes e amigos, sendo a farinha guardada em sacos sobre
jiraus existentes nas pequenas casas de taipa. Esta coope-
ração da farinhada é comumente chamada de "ajutório". A
farinha devia ser consumida com parcimônia, pois dela de-
pendia o sustento da família até abril, quando o roçado co-
meçava a dar o jerimum, a melancia e as primeiras vagens
145
de feijão. A colheita e venda do algodão permitia ao pobre
trabalhador a aquisição de roupas e outros utensílios para a
família". (61)
O assalariamento puro parece ter ocorrido somente no período do
surto algodoeiro de 1860-1870, quando a demanda da mão-de-obra nos algodoais
tornou difícil até a manutenção da força pública no Ceará, pois os trabalhos agrí-
colas dificultavam as reuniões para instrução da tropa. Os altos salários atraiam
não só homens, como mulheres e crianças, provocando a crise de abastecimento
e o abandono das culturas alimentares. Os salários alcançaram o pico de 1.250
réis diários, quando a média girava em torno de 400 a 500 réis.
"Os homens descuidavam-se da mandioca e dos legumes,
as próprias mulheres abandonavam os teares pelo plantio do
precioso arbusto; era uma febre que a todos alucinava, a fe-
bre da ambição". (62)
Quanto ao assalariamento dos engenhos de cana, tratava-se de um
processo ligado às transformações do sistema tradicional dos "bangues", primeiro
com a introdução dos "engenhos centrais" e, em seguida, das usinas, com o que,
no último quartel do século XIX, dá-se o fim da hegemonia da antiga classe agrí-
cola e o surgimento da nova camada de usineiros, ligados ao capital industrial e
financeiro de origem urbana. (63)
A maior parte dos trabalhadores mantinha-se em níveis baixíssimos
de remuneração. Ao longo de meio século, os salários oscilaram entre um mínimo
de 400 a 600 réis diários e um máximo de 1.200 a 1.400 réis para cultivadores e
operários. Em 1898, os salários de Pernambuco, comparados aos do Rio de Ja-
neiro, relativos a 12 horas de trabalho nos canaviais, sem refeição, eram bem infe-
riores.
146
Salários nos Canaviais do Rio de Janeiro
e Pernambuco, 1898
1898 Rio de Ja-
neiro (réis)
Pernambuco
(réis)
Operários 2.500 a
3.000
1.200 a
1.400
Cultivadores 2.000 a
2.500
1.100 a
1.300
Mulheres e
crianças
1.500 a
2.000
800 a 1.000
Mecânicos 6.000 a
8.000
4.000 a
5.000
Chefes de
cultura
5.000 a
6.000
2.000 a
3.000
Contrames-
tres
6.000 a
8.000
4.000 a
6.000
Fonte: Perruci, G., A República das Usinas,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 223.
No último quartel do século XIX, havia se criado um excedente popu-
lacional que, sem encontrar maneiras suficientes de se incorporar à vida produtiva
formava uma reserva de mão-de-obra considerável. É nesse momento que au-
mentam as migrações internas na região e para fora dela e o desenraizamento da
população se acentua.
Parte do contingente liberado dos bangues começa a se dirigir para o
Recife, dando impulso ao nascente parque industrial têxtil, com os surgimentos
das fábricas. A corrente migratória aumenta em decorrência da desorganização
da economia açucareira com a introdução das usinas, além do próprio processo
147
de atração exercido pela cidade, como nova alternativa de trabalho para o traba-
lhador rural (64). As taxas mais altas de imigrantes saem, contudo, do sertão as-
solado pelas secas, em direção à Amazônia e ao trabalho nos seringais.
O excedente populacional e a migração em massa.
A maior saída de contingentes populacionais, no período entre 1872
e 1920, se deu no Estado do Ceará, sobretudo até 1890. Simultaneamente, os
Estados do Sul, como São Paulo e Rio de Janeiro, registraram um saldo migracio-
nal positivo, que se prolonga e se intensifica nos anos até 1920.
Migração interna líquida de brasileiros natos. 1872-1920.
Estado 1872/90 1890/1900 1900/1920
Amazonas 37.467 55.939 18.110
Pará 56.468 53.385 93.382
Ceará -198.219 83.098 -76.170
Pernambuco -104.306 -1.967 71.935
Paraíba -79.304 -31.490 43.293
Guanabara 57.469 85.547 55.322
São Paulo 45.847 70.292 19.933
Fonte: Villela, A.V. e Suzigan, W., Política do Governo e
Crescimento da Economia Brasileira, 1889-1945, Rio de
Janeiro, IPEA/INPES, 1973, p. 282.
Costuma-se atribuir ao fenômeno da seca a responsabilidade pela
migração desses grandes contingentes de mão-de-obra nordestina. Sem negar a
importância das alterações climáticas em uma economia marcada por baixos ní-
148
veis de tecnologia e produtividade, é preciso dizer, porém, que a seca é um fator
conjuntural que mais dificulta do que esclarece o entendimento da formação de
um "excedente populacional" ao qual não restava outra solução senão emigrar
(65).
Uma pesquisa sobre a história da agricultura no Ceará entre 1850 e
1930 observa que "durante os oitenta anos focalizados, a seca foi a justificativa
ideal que as classes dominantes utilizaram para desculpar a estagnação do Cea-
rá. No discurso oficial ela surge como a causa do atraso da lavoura, da penúria da
população, da emigração. A solução indicada pelas classes dominantes resumia-
se à construções de açudes e estradas". (66)
Tomando o caso do Ceará como referência, o que se verifica é que a
seca atuou mais como fator desorganizador de uma estrutura econômica já abala-
da pela sua própria fragilidade interna carente de qualquer estímulo por parte da
política econômica do governo, inteiramente voltada para os setores hegemônicos
do sistema (café e açúcar). Comparando-se os períodos favoráveis ao comércio
externo, aos desfavoráveis, entre 1862 e 1895, verifica-se que apenas o quinquê-
nio 1867-1871 registra uma grande produção de algodão a preços compensado-
res:
Produção de algodão no Ceará, 1862-1895.
Quinquênio Quilos Valor Oficial
1862-1866 5.549.915 6.841:446$025
1867-1871 28.883.116 22.610:999$420
1880-1886 22.352.077 9.592:781$620
1891-1895 12.810.032 6.386:939$210
Fonte: Guabiraba, Célia, História da Agricultura no
Ceará, 1850-1930. Fortaleza, 1978, p. 49-55.
A queda dos preços, no início da década de 1870, e a tentativa dos
produtores de evitar os prejuízos mantendo as quantidades produzidas, provoca-
149
ram uma crise de superprodução e a quebra da maior parte dos produtores. Fran-
cisco Sá Júnior chama atenção para o fato de que, no Nordeste, a queda dos pre-
ços no mercado externo não costuma ser acompanhada por uma reação corres-
pondente do lado das quantidades físicas exportadas, e que essas quantidades
prosseguem crescendo como se ignorassem o que passa com seus preços. (67)
Não se dando a substituição de parte das culturas de exportação pe-
las de consumo interno, dentro de uma ação orientada pelo lucro, a queda dos
preços acaba por implicar na liberação da mão-de-obra empregada. Essa força de
trabalho liberada vai constituir um "excedente populacional" que emigra para as
cidades e outras zonas rurais, em busca de trabalho, ou procura sobreviver por
meio de atividades de subsistência.
As grandes secas de 1877-79 e 1888-89 representaram fatores ace-
leradores da crise, acarretando o êxodo não só do trabalhador mas de grande par-
te dos proprietários rurais, em direção ao Amazonas e Pará. Tratava-se, por tanto,
de uma evasão não só de mão-de-obra mas também de capitais, com o que se
reforçava o circuito de expulsão pelo empobrecimento geral da economia.
Um dos maiores desequilíbrios causados pela expulsão de exceden-
te populacional era a queda da produção de alimentos, quase toda de responsabi-
lidade do pequeno produtor. A necessidade de importar alimentos drenava as divi-
sas do Estado, desequilibrando o balanço de pagamentos e prejudicando grande-
mente o comércio local, agravando ainda mais as condições de crise.
A política do governo desempenhou, por outro lado, importante papel
nessa questão, pela ausência de qualquer incentivo ou proteção à produção algo-
doeira, nesse momento, tomava impulso a produção industrial têxtil. A ação go-
vernamental em relação à seca, por outro lado, tanto a nível do poder central co-
mo estadual, atuou no sentido de reforçar a migração. Na seca de 1877, iniciava-
se a emigração oficializada para o Amazonas e Pará com passagens pagas aos
retirantes e diárias pela demora que tivessem no caminho. Entre 1872 e 1890 saí-
ram mais de 350.000 pessoas maiores de dez anos, cabendo ao Ceará a maior
taxa de migração. (68) A migração era indiretamente forçada pela recusa do go-
150
verno local em enviar recursos para atender às populações do interior, forçando-
as a procurarem o litoral e as capitais, criando desse modo grandes aglomerações
necessitadas de socorros, maltratada pela falta de alimentos e epidemias resultan-
tes das más condições sanitárias.
Esse processo de expulsão cessa no momento em que o Estado in-
tervém a nível do processo produtivo, dando condições de trabalho à massa desti-
tuída e inclusive há uma volta do migrante ao local de origem. Foi o que ocorreu
no período de 1920-1940 com os incentivos dados pelo governo federal à produ-
ção algodoeira. Nessas duas décadas o Ceará se transformou no maior produtor
brasileiro de algodão, e principal produtor de milho do Nordeste, plantado como
cultura associada ao algodão, registrando uma taxa líquida positiva de migração
de 98.386 indivíduos.
Começa a se intensificar, também, o uso da seca para fins eleitorais
e de manipulação do trabalhador, que foi uma constante na história do Ceará. Já
na seca de 1824-1825, quando a província se achava envolvida no movimento da
Confederação do Equador, a seca serviu de instrumento para a acomodação do
conflito político: "As autoridades públicas não se sensibilizaram com o drama das
populações famintas, das propriedades arruinadas e saqueadas e das vítimas da
peste. Sua preocupação consistia em aquietar, com mão de ferro, a Província"
(69).
A partir daí a seca passa a ser usada como instrumento de carreação
de recursos públicos e fator de barganha e corrupção, utilizado para submeter as
oposições locais e orientar a ação conjunta das elites parlamentares, afetando
todo o sistema político e aumentando a dependência do Nordeste ao governo fe-
deral.
Acirravam-se, assim, as contradições entre uma economia já há mui-
to tempo em crise, incapaz de absorver a reserva de força de trabalho existente, e
os interesses das oligarquias, cujas bases de poder se alicerçava no domínio fun-
diário e exploração das camadas pobres e destituídas.
151
Apesar da resistência dos grandes proprietários e dos grupos políti-
cos, aos homens livres do Nordeste não restava melhor alternativa, no momento
em que finda a escravidão, que a de migrar em busca de trabalho e, quem sabe, a
esperança de uma vida menos dura e mais digna em outras partes do país.
Notas.
(1) Sobre o tráfico na primeira metade do século XIX ver: Curtin, Philip D..
The Atlantic Slave trade: A Census, Madison, Wis., 1969. Conrad, Robert Edgar.
Tumbeiros, O Tráfico de Escravos para o Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1985.
(2) Conrad, R.E., op. cit., p. 43.
(3) Conrad, P.D., op. cit., pp. 216, 234.
(4) Sobre as condições de vida dos escravos consultar: Gorender, Ja-
cob. O Escravismo Colonial, São Paulo, Ática, 1978. Costa, Emília Viotti. Da
Monarquia à República, Momentos Decisivos, São Paulo, Ciências Humanas,
1979. Mattoso, Katia M. de Queiroz. Ser Escravo no Brasil, São Paulo, Brasili-
ense, 1981. Conrad, R. E.. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, 2ª ed.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
(5) Os índices de 1798 e 1817/18 foram extraídos de Malheiro, Agosti-
nho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil, Rio de Janeiro, Tip. Nacional,
1877. 2ª ed., São Paulo, 1944, vol. II, p. 197-198. Para o ano de 1850, as es-
timativas são do Senador Batista de Oliveira, cf. Gorender, J., op. cit., p. 319.
As cifras de 1876, as mais exatas, são dadas pela Diretoria Geral de Estatísti-
ca, Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876, Rio de Janeiro, Tip. Hipólito Jo-
sé Pinto, 1877.
152
(6) Araripe, Tristão de Alencar. Memória Estatística do Império do Brasil,
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. LVIII, 1895, p. 91-99.
(7) Malheiro, Perdigão. op. cit., p. 197-198. O autor estima um total de
8.530.000 homens livres em uma população de 10.245.000 habitantes.
(8) Diretoria Geral de Estatística. Relatório Apresentado ao Ministério da
Indústria, Viação e Obras Públicas, Rio de Janeiro, Tip. de Estatística, 1908.
(9) Na memória de 1823, os dados sobre o Espírito Santo parecem es-
tar sobre-estimados, razão pela qual a província apresenta uma taxa negativa
de crescimento, entre 1823-1871.
(10) Soares, Sebastião Ferreira. Notas Estatísticas sobre a Produção
Agrícola e Carestia dos Gêneros Alimentícios no Império do Brasil - 1860, Rio
de Janeiro, Ipea/Inpes, 1977.
(11) Id. ibid., p. 14-15.
(12) Id. ibid., p. 121.
(13)Mello, José Antônio Gonsalves de. Tempos dos Flamengos, 2ª ed.,
Recife, Companhia Editora de Pernambuco, 1979, p. 150.
(14) Dentre os inúmeros estudos sobre o trabalho na região cafeeira,
destacam-se, para os propósitos deste capítulo, os de: Kowarick, Lúcio. Tra-
balho e Vadiagem. A origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo, Brasilien-
se, 1987. Cano, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Rio
de Janeiro, Difel, 1977. Mello, João Manoel Cardoso de. O Capitalismo Tardio,
São Paulo, Brasiliense, 1982. Martins, José de Souza. O Cativeiro da Terra,
São Paulo, Ciências Humanas, 1979. Beiguelman, Paula. A Formação do Po-
vo no Complexo Cafeeiro, São Paulo, Pioneira, 1968. Fausto, Boris. Trabalho
Urbano e Conflito Social, 1890-1920, Rio de Janeiro, Difel, 1977.
(15) Ribeiro, Maria de Lourdes Roque de Aguiar. As Relações Comer-
ciais entre Portugal e Brasil segundo as Balanças de Comércio - 1801-1821,
Lisboa, Imprensa de Coimbra, 1972, p. 60-64, 84-88, 104-107. Soares, Sebas-
153
tião Ferreira. op. cit., p. 20, 38, 52. Os dados de 1820 não incluem as exporta-
ções diretas para outros portos europeus, apenas as dirigidas para Portugal.
(16) Cano, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo,
Rio de Janeiro, Difel, 1977, p. 17-31.
(17) Id. ibid., p. 42-50. Mello. João Manuel Cardoso de. O Capitalismo
Tardio, São Paulo, Brasiliense, 1982.
(18) Gnaccarini, José C.. A Economia do Açúcar, Processo de Trabalho
e Processo de Acumulação, in Fausto, Boris (dir.) História Geral da Civilização
Brasileira, Tomo III, vol. 1, São Paulo, Difel, 1977, p. 329.
(19) Soares, Sebastião Ferreira. Op. cit., p. 38-45. Gnaccarini. op. cit.
(20) Singer, Paul. O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional, in
Fausto, Boris. História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, vol. 1, São
Paulo, Difel, 1977, p. 358-360. Stein, Stanley J.. Origens e Evolução da Indús-
tria Têxtill no Brasil - 1850-1950, Ed. Campus Ltda., Rio de Janeiro, 1979, p.
57.
(21) A cultura algodoeira no Maranhão foi uma exceção a essa tendên-
cia, pois esteve integrada ao sistema de "plantation" escravista até o final do
regime servil, cf. Ribeiro, Talila Ayoub Jorge. A Desagregação do sistema es-
cravista no Maranhão, 1850-1888, Dissertação de Mestrado em História, Uni-
versidade Federal de Pernambuco, Recife, 1983 (mimeografado).
(22) Conrad, Robert Edgar. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil,
p. 83-87.
(23) Gorender, Jacob. Op. cit., p. 525.
(24) Silva, Joaquim Noberto de Souza. Investigações sobre os Recen-
seamentos da População Geral do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 152. Ara-
ripe, Tristão de Alencar. Memória Estatística do Império no Brasil, op. cit., p.
91-99. Diretoria Geral de Estatística. Relatório e Trabalhos Estatísticos de
1876. Conrad, Robert Edgar. Op. cit., p. 346.
154
(25) Silva, J.N.. op. cit., Araripe, T.A.. Relatório de 1876, op. cit., Con-
rad, R.E., op. cit.
(26) Villela, Anníbal Villanova e Suzigan, Wilson. Política de Governo e
Crescimento da Economia Brasileira, Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1973, p. 29-
30.
(27) Martins, José de Souza. O Cativeiro da Terra, São Paulo, Ciências
Humanas, 1979, p. 66.
(28) Beiguelman, Paula. A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro,
São Paulo, Pioneira, 1968, p. 86.
(29) Fausto, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social, 1890-1920, Rio
de Janeiro, Difel, 1977, p. 24.
(30) Cano, Wilson. op. cit., 227-232.
(31) Bastos, Tavares. A Província, São Paulo, Ed. Nacional/Brasília,
Coleção Brasiliana, vol. 105, 1975, p. 183.
(32) Andrade, Manoel Correia de. A Terra e o Homem do Nordeste,
São Paulo, 3ª ed., Brasiliense, p. 106-108.
(33) Relatório do Presidente Lafaiete Rodrigues Pereira à Assembleia
Legislativa Provincial, 1º de outubro de 1864, p. 47.
(34) Relatório do Vice-Presidente Herculano Antônio Pereira da Cunha,
à Assembléia Legislativa Provincial do Ceará, 1856, p. 28.
(35) Santos, Ana Maria Barros dos. Introdução ao Estudo da Escravi-
dão em Pernambuco e sua Transição para o Trabalho Livre, dissertação de
mestrado em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, junho de
1978 (mimeografado), p. 121.
(36) Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo, op. cit., p.
280.
(37) Saint-Hilaire, Auguste de, cf. Porto, Costa. Estudo sobre o Sistema
Sesmarial, Recife, Imprensa Universitária, p. 176.
155
(38) Costa, Emília Viotti da. "Política de Terras no Brasil e nos Estados
Unidos", in Da Monarquia à República, Momentos Decisivos, op. cit., p. 127-
147.
(39) Porto, Costa. op. cit., p. 177.
(40) Santos, Ana Maria. op. cit., p. 112.
(41) Conforme Freire, Gilberto. Nordeste, Rio de Janeiro, 1937, p. 248-
249.
(42) Ver Souza, Laura de Mello. Desclassificados do Ouro, A Pobreza
Mineira no Século XVIII, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 71-90. Essas "formas
de utilidade" citadas pela autora não foram exclusivas de Minas Gerais, tam-
bém ocorreram em todo o Nordeste.
(43) Relatório de Inácio Correa de Vasconcelos, na abertura da As-
sembléia Legislativa do Ceará, 1º de julho de 1847.
(44) Girão, Raimundo. Pequena História do Ceará, 13ª ed., Fortaleza,
Imprensa Universitária, 1971, p.291.
(45) Menezes, Djacir. O Outro Nordeste, Rio de Janeiro, José Olympio
Ed., 1937, p. 174.
(46) Mott, Luiz Roberto de Barros. op. cit., p. 1205-6.
(47) Queiroz, Maria Isaura Pereira de. "O Coronelismo numa Interpreta-
ção Sociológica", in História Geral da Civilização Brasileira, O Brasil Republi-
cano, Tomo III, vol. 1, São Paulo, Difel, p. 155-190. Leal, Vitor Nunes. Corone-
lismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Forense, 1948.
(48) Souza, Laura de Mello. Op. cit., p. 71-90.
(49) Tollenare, I.F.. Notas Dominicais, Coleção Pernambucana, vol.
XVI, Recife, Sec. de Educação e Cultura, 1978, p. 22.
(50) Kidder, Daniel P.. Reminiscências de Viagem e Permanência no
Brasil, Províncias do Norte, vol. 2, São Paulo, Martins/EDUSP, 1972, p. 141.
156
(51) Kowarick, Lucio. Op. cit., cap. 3, p. 65.
(52) Idem, ibidem, p. 112. Nas regiões cafeeiras, diz o autor "quem não
era forçado a trabalhar o fazia quando estritamente necessário", citando o
testemunho de Saint-Hilaire, em sua passagem por São Paulo: "Quando um
artesão ganhava algumas patacas (330 réis) ele descansava até que eles se
acabassem. Eles mal possuíam ferramentas necessárias ao seu trabalho e
quase nunca dispunham de material. Assim era necessário fornecer couro ao
sapateiro, pano ao alfaiate, a madeira ao marceneiro... Se alguém precisava
encomendar alguma coisa a um artesão, tinha que fazê-lo com grande anteci-
pação. Suponhamos, por exemplo, que se tratasse de um trabalho de marce-
naria. Antes de tudo era necessário recorrer aos amigos para se conseguir, na
mata, a madeira para a obra. Em seguida, era preciso ir centenas de vezes à
casa do marceneiro, pressionando-o e ameaçando-o. E no final, muitas vezes
não se conseguia nada", p. 67.
(53) Soares, Sebastião Ferreira. Op. cit., p. 80-81.
(54) Tollenare, I.F.. Op. cit., p. 111-123.
(55) Barroso, Gustavo. Terra do Sol, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Benja-
mim de Aguillar, 1913, p. 187-188.
(56) Koster, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil, São Paulo, Cia. Ed.
Nacional, 1942.
(57) Conrad, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, op. cit.,
p. 153.
(58) Andrade, Manoel Correa. A Terra e o Homem do Nordeste, op. cit.
(59) Marx, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas, Rio de Janei-
ro, Paz e Terra, 1977, p. 65.
(60) Theóphilo, Rodolfo. História da Seca no Ceará, 1877-1880, Forta-
leza, Tip. do Liberador, p. 22-23.
(61) Andrade, Manoel Correa. Op. cit., p. 194-5.
157
(62) Theóphilo, Rodolfo. Op. cit., p. 22.
(63) Sobre as transformações na agroindústria açucareira ver: Andrade,
Manoel Correa. Op. cit., p. 98-9 e 109-114; Carone, Edgar. A República Velha,
Instituições e Classes Sociais, Rio de Janeiro, Difel, 1978, p. 52-61; Eisen-
berg, Peter. Modernização sem Mudança. Gnaccarini, José César. Op. cit.,
Perruci, Gadiel. A República das Usinas: Um Estudo da História Social e Eco-
nômica do Nordeste, 1889-1930, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, cap. I e II.
Oliveira, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião, Rio de Janeiro, Paz e Ter-
ra, 1977, cap. III. Sigaud, Lígia. Os Clandestinos e os Direitos, São Paulo, Du-
as Cidades, 1979.
(64) Lopes, José Sérgio Leite et al. Mudança Social no Nordeste. Estu-
do sobre trabalhadores urbanos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. Lima, Ja-
cob Carlos. "Indústria e Trabalho no Nordeste: 1889-1930". In Autores Vários.
Relações de Trabalho e Relações de Poder. Mudança e Permanências. Forta-
leza, Universidade Federal do Ceará, 1986, p. 121-133.
(65) Utilizamos o conceito de "excedente populacional" conforme em-
pregado por Francisco de Oliveira: Quando a reprodução da população sofre
um incremento e o bloqueio à terra é rígido e dificilmente transponível, "a força
de trabalho assim incrementada não encontra condições de ser "consumida",
ao mesmo tempo em que a fertilidade da população continua a ser reforçada
pela produção doméstica de valores de uso; o trânsito para formas artesanais
desses valores de uso, que ingressariam na esfera do capital mercantil, é bar-
rado pela competição dos produtos industrializados. O "excedente populacio-
nal" que se forma é drenado para fora de suas regiões de produção e alimen-
tará o exército industrial de reserva migratório em todas as direções: campo-
campo, campo-cidade, com algumas escalas itinerantes tipoi cidade-campo e
campo-cidade". Oliveira, Francisco, "A produção dos Homens: notas sobre a
reprodução da população sob o capital" in A Economia da Dependência Im-
perfeita, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1980, p. 157-8.
158
(66) Guabiraba, Célia. História da Agricultura no Ceará, 1850-1930,
Fortaleza, mimeografado, 1978, p. IV.
(67) Sá Júnior, Francisco. O desenvolvimento da agricultura nordestina
e a função das atividades de subsistência, Seleções CEBRAP 1, Brasiliense,
1975, p. 89.
(68) Villela e Suzigan. Op. cit., p. 278-9.
(69) Paiva, M. Arrais Pinto. A Elite Política do Ceará Provincial, Rio de
Janeiro, Tempo Brasileiro, 1979, p. 42-43.
159
CAPÍTULO IV
TRABALHO ARTESANAL NO CEARÁ NO SÉCULO XIX
160
Ocupar a força de trabalho para estimular a produção.
Na etapa de constituição do Estado nacional as lutas políticas toma o
centro do cenário. As chamadas "províncias do Norte" são agitadas pelo movimen-
to republicano em 1817 e pela Confederação do Equador em 1824. O Ceará foi
tão dilacerado por revoltas e lutas armadas, comenta um estudioso das guerras de
família no sertão, "que um ambiente de inquietação se tornou lugar comum". (1)
Crime e justiça ocupam o primeiro plano do discurso dos primeiros governantes do
Império, principalmente o de José Martiniano de Alencar, que decide implantar um
aparato mais eficiente de segurança pública e administração judiciária na provín-
cia, em meados da década de 1830.
Alencar governou o Ceará de 1834 a 1837 e estava basicamente
preocupado em melhorar a situação econômica da província. Tinha ideias claras a
respeito das medidas necessárias para isso: força policial, melhor divisão judiciá-
ria, arrecadação eficaz de impostos, impulso à agricultura e às obras públicas, ins-
trução e religião. O Padre Alencar desejava "plantar a moral, adoçar os costumes,
e mesmo incutir nos ânimos dos povos um amor verdadeiro às nossas instituições
públicas" e estava convencido de que as causas do atraso da agricultura e do co-
mércio deviam-se à "indisposição" da população pobre e livre em trabalhar para os
grandes agricultores:
"Demais, vós conheceis bem o país, e sabeis que nestes
dois objetos tudo está no berço, sendo forçoso reconhecer
como causa primordial do abatimento do primeiro, e por con-
seguinte do segundo, que dele depende, a indisposição que
se observa em nossa população para de empregar na lavou-
161
ra, e a nenhuma indústria com que a ela se aplica nesse
mesmo pouco que faz". (2)
Em uma população estimada em 200 mil habitantes, da qual apenas
a oitava parte era escrava, a solução encontrada por Alencar para que a mão-de-
obra livre se submetesse às condições aviltantes do trabalho na grande lavoura
era o recrutamento compulsório. Propõe a criação de uma Companhia de Traba-
lhadores em todos os municípios:
"... nas quais sejam alistados todos os indivíduos, que não
tenham a renda que os constitua guardas nacionais, a fim de
serem assalariados pelos agricultores pelo preço que for cor-
rente no país, suprindo-se deste modo a falta de braços para
a lavoura".(3)
Solicita a criação de Companhias semelhantes para dar impulso às
obras públicas, onde os indivíduos:
"... sejam efetivamente pagos, vestidos e aquartelados à cus-
ta da fazenda pública, e entregues à disposição do governo.
Essa Companhia deve em tudo assimilar-se à uma compa-
nhia de guarda policial, e só a diferença deve ser que esta te-
rá em seu quartel, em vez de armas - foices, machados e
enxadas, e todos os instrumentos de laboragem".
Não há registros de que as Companhias requisitadas por Alencar à
Assembleia Legislativa tenham sido formadas, mas o recrutamento forçado de
trabalhadores para a construção de obras públicas, recurso comum no Brasil colo-
nial, continuou a ser praticado amplamente pelo estado durante o século XIX, e o
Ceará não fugiu à regra.
Como os trabalhadores do campo não estavam treinados para isso e
havia poucos artesão habilitados, cabia ao governo tomar certas medidas. Assim,
Alencar mande engajar na Europa seis oficiais, sendo dois pedreiros, dois carpi-
162
nas e dois ferreiros para a abertura de estradas, reconhecendo "a falta extrema
que temos de oficiais obreiros para qualquer obra que se queira empreender" (4).
Pede também a contratação de 50 trabalhadores especializados franceses, de
Saint Cloud, sobretudo ferreiros, pedreiros e carpinas, para serem empregados
nas obras públicas (5).
Alencar tenta inclusive trazer imigrantes estrangeiros para trabalhar
na agricultura, empenhando-se no engajamento de 120 colonos da Ilha da Madei-
ra e dos Açores, chegados em 1837, que vinham para trabalhar "não como escra-
vos, sim como homens livres". Pode parecer estranho que uma província pobre
como o Ceará, afastada dos centros econômicos e políticos da nação tome tal ini-
ciativa em data tão prematura. Ocorre que, tendo sido deputado e senador na cor-
te durante a regência, Alencar estava em perfeita sintonia com o governo imperial
e bem informado sobre as primeiras medidas quanto ao emprego de "gente bran-
ca e industriosa tanto nas artes como na agricultura" e que datavam já de 1824
(6).
Os investimentos em infraestrutura, construções de pontes, melhoria
dos portos e abertura de estradas permitiram que, no final da década de 1830, se
tivessem criado condições para um melhor escoamento da produção. A província
estava dividida, por essa época, em seis comarcas: Fortaleza, Sobral, Aracati, Icó,
Crato e Campo Maior. (7) Sobral, Aracati e Icó eram os núcleos urbanos de maior
expansão, sendo elevadas à categoria de cidade em 1841-42, afora a capital, cuja
passagem de vila a cidade se dera em 1823.
O crescimento, entretanto, ainda era muito limitado, como constata
Ferdinand Denis, ao percorrer o Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte no início da
década de 1840. A falta de meios de transporte e boas estradas continuava a ser
um dos principais entraves à comunicação e ao comércio. A dispersão das fazen-
das e as grandes distâncias dos centros de distribuição só permitia que o viajante
percorresse o interior em caravanas, sendo indispensável a presença de um guia
conhecedor das fontes de água e poços, para enfrentar a aridez do clima.
163
Denis deixou um testemunho importante sobre a vida e o trabalho no
Ceará de meados do século passado. O que mais o surpreende é a figura do ser-
tanejo, ao qual estavam confiados os rebanhos de gado:
"da cabeça aos pés, sem excetuar nenhuma parte do corpo,
o sertanejo é revestido de uma verdadeira armadura de cou-
ro, de cor amarelada; ou, melhor dizendo, o barrete, arre-
dondado, sua veste curta, suas perneiras são de couro de
veado, preparado de modo que a dureza não exclua inteira-
mente a flexibilidade, principalmente nas articulações. Os
sertanejos andam comumente armados de uma faca de cabo
vermelho, de uma espécie de sabre, cuja lâmina mais que
medíocre parece-se com os nossos sabres de infantaria.
Com muita destreza fazem uso de uma lança por meio da
qual eles perseguem o gado e o obrigam a voltar ao curral;
são quase tão hábeis como os gaúchos ou peões em atirar o
laço; ignoram, porém, o uso das bolas". (8)
Estabelecendo comparações entre esse sertanejo e o gaúcho, o au-
tor conclui que as condições de vida na pecuária nordestina eram melhores do
que no sul do Brasil e nos pampas da Argentina:
"O sertanejo do Brasil tem um pouco mais de indústria que o
gaúcho dos pampas, e leva uma vida um pouco menos dura.
A sua cabana é pequena, é verdade, mas é construída de
terra e coberta de telhas; e, se este luxo lhe parece muito
grande, folhas de palmeira lhe fazem um teto excelente. Em
vez de ossadas de boi e de cavalo, de que consta quase to-
da a mobília da choupana de um peão de Buenos Aires, o
sertanejo imitou os índios no uso da rede; algumas vezes há
uma mesa na sua cabana. Este luxo, porém é com frequên-
cia desprezado. O costume é assentar-se no chão para to-
mar o repasto. O vasilhame é tão simples como os móveis,
164
mas oferece mais recursos que o do peão. Consiste em pra-
tos de faiança inglesa, em cabaças que se procuram facil-
mente no campo e em tigelas de barro, que os índios da cos-
ta oriental fabricam com uma arte requintada. A alimentação
do sertanejo é infinitamente mais variada que a do peão. A
carne faz a base principal de seus repastos, é verdade, e ele
come três vezes por dia, mas ajunta-lhe farinha de mandioca,
arroz, feijões e, às vezes, milho. Os sertanejos fazem queijo
e algumas vezes manteiga. Serve-se comumente leite coa-
lhado junto com a carne assada". (9)
A importância da carnaúba na economia da região também chama a
atenção de Denis, que a descreve como "árvore da vida", uma dessas árvores às
quais "a existência de uma aldeia inteira pode prender-se".
Destaca seu emprego na construção, o uso da palha em esteiras,
chapéus e cestos, a extração da cera, a fabricação de velas e o uso, que então se
difundia, de bengalas adornadas. "A carnaúba alimenta o luxo das bengalas, pro-
curadas no comércio, por causa do seu brilho admirável e dos salpicos belamente
dispostos que apresentam".
Com relação ao trabalho, alguns comentários sobre os índios, a
quem chama de "índios operários" confirmam não só sua ampla utilização como
mão-de-obra como o fato de que estavam quase todos subjugados, não havendo
qualquer menção à vida tribal.
"como seus irmãos, os caboclos da costa oriental, estes po-
bres índios baixam a cabeça, porque não têm já o poder de
resistir". (10)
Há indícios, também, de que a prática de escravização indígena con-
tinuava ativa no Ceará. O regime civil dos diretórios, que havia substituído o sis-
tema de aldeamentos jesuíticos, fora extinto em 1824. A partir daí, as terras dos
índios, doadas pelo Estado, sofriam contínuas invasões de posseiros, forçando os
165
índios a fugir ou se submeter. A situação se tornou mais grave após a Lei de Ter-
ras de 1850, quando as terras dos índios de Viçosa, Maranguape, Aratanha e Ba-
turité passaram a pertencer ao Estado, como terras devolutas. (11)
O desenraizamento provocado pelas secas periódicas acelerava o
processo. Thomas Ewbank, outro viajante estrangeiro que escreveu sobre o Brasil
na década de 1840, relata conversa mantida com um deputado do Ceará no Rio
de Janeiro, acerca do efeito calamitoso da grande seca de 1845. Entre as notícias
de fome, morte, fugas para a costa em busca de socorros, perda de todo o gado e
das plantações, descritos pelos jornais, Ewbank informa sobre a venda de meni-
nos índios pelos próprios pais:
"os índios, e até mães índias, traziam os filhos pequenos pa-
ra vendê-los à Marinha, em troca de comida. Antigamente
era difícil conseguir um menino índio por menos de setenta
mil réis, porém agora seus pais, nada tendo para comer, nem
para si nem para os filhos, ofereciam-nos abertamente por
dez mil-réis...
Quase tanto quanto os negros, os índios se apresentam para
ser escravizados, e são comprados e vendidos como aque-
les. No Rio, grande número de aborígenes transformou-se
em mercadoria...". (12)
O tráfico interprovincial, que começava a se intensificar nesse perío-
do, pode ter incluído, no caso do Ceará, a venda não apenas de escravos negros
para o sul mas também de índios. Pelo menos é o que leva a supor os comentá-
rios de Ewbank, sendo importante notar que se tratava inclusive de escravização
voluntária por parte daqueles que se viam em condições de desespero pela so-
brevivência.
As modificações nas relações de trabalho, com a extinção do tráfico
de africanos e a crescente evasão dos escravos do norte para o sul, tornam as
menções ao trabalho livre uma constante nas falas dos presidentes da província
166
na década de 1850. A população havia aumentado de 223.554 habitantes em
1835 para 350.000 em 1850, crescimento que se deu de forma dispersa no campo
e descentralizada. Para se ter uma ideia da incipiência da vida urbana, a popula-
ção livre de Fortaleza, capital da província, era de apenas 8.896 habitantes, em
1848, contendo o distrito 11.437 e o termo 40.675 habitantes. (13)
O emprego de escravos negros guardava certa importância nas fa-
zendas de gado dos grandes proprietários, mas ainda assim sua presença era
pequena, se comparada às grandes concentrações dos engenhos de cana e das
fazendas de café. O maior dono de escravos do sertão dos Inhamuns, por exem-
plo, deixou ao morrer, em 1843, 263 escravos, distribuídos por várias proprieda-
des. Esses escravos participavam de todos os tipos de atividade, estando incluí-
dos no inventário alfaiates, costureiras, ferradores, pedreiros, carpinteiros, selei-
ros, correios e vaqueiros. (14)
Em uma província pobre e destituída de capitais, o governo tratava
de estimular a produção através do único meio que se mostrava viável - a ocupa-
ção da crescente reserva de trabalho livre. Em todo tipo de atividade e como fosse
possível, não só na agricultura, mas também na indústria.
O relatório do presidente da província de 1854 manifesta esperanças
de melhores dias:
"... com o desenvolvimento da indústria, que vai nascendo, a
qual empregando braços ora ociosos, criando interesses,
apresentando comodidades, chama a atividade individual pa-
ra exercícios úteis e trabalhos produtivos". (15)
O mesmo relatório refere-se à necessidade de uma reforma no ensi-
no e na instrução pública secundária, considerando-os deficientes "pela omissão
de disciplinas de uso prático, que habilitem para a vida industrial".
Os progressos da pequena indústria fabril são mencionados no rela-
tório de 1859, onde se destaca a fabricação de calçados e chapéus de palha no
Aracati, velas de carnaúba e vinho de caju, queijos, rapé e olarias. (16)
167
É possível que o novo interesse dos governantes pela indústria esti-
vesse relacionado com as medidas protecionistas inauguradas com a Tarifa Alves
Branco de 1844, embora as primeiras fábricas no Ceará só viessem a ser implan-
tadas a partir de 1880. Segundo Paula Beiguelman, o fim do livre cambio aduanei-
ro e a elevação das tarifas de importação tinham como principal objetivo fornecer
ao tesouro nacional recursos para manter o nível de emprego no país. A indústria
nacional poderia representar uma alternativa para manter ocupada a força de tra-
balho livre (17).
A tarifa Alves Branco enfrentou forte oposição dos liberais, defenso-
res do livre cambio e dos interesses da grande lavoura, que se sentia prejudicada
pelas taxas elevadas sobre matérias-primas, ferramentas, máquinas agrícolas e
gêneros alimentícios importados. Mas não escapava a uma parcela da classe do-
minante a conveniência de aumentar os impostos sobre certos manufaturados es-
trangeiros como tecidos de algodão, calçados e louças. Não tanto porque os de-
fensores do protecionismo acreditassem em rápidas transformações industriais no
país, observa Nícia Vilela Luz, mas porque percebiam a ameaça que uma popula-
ção desocupada representava para a ordem vigente. (18)
De fato, entre 1840 e 1860 a política econômica do país voltou-se pa-
ra dentro, estimulando as atividades urbanas, através de emissões inflacionárias e
do protecionismo industrial. (19) Em 1846 são criados privilégios para a instalação
de fábricas de algodão, que ficam isentas por dez anos dos direitos de entrada
sobre máquinas e em 1847 é aprovada a isenção de direitos de importação sobre
matérias-primas para utilização nas fábricas nacionais. (20) Como resultado, as
províncias criaram taxas particulares na entrada e saída de produtos nacionais,
para proteger a indústria fabril local e evitar a concorrência de produtos similares
de outras províncias. (21)
O primeiro surto de industrialização ocorreu na Bahia. Em 1834 co-
meçou a funcionar em salvador a fábrica "Santo Antônio do Queimado" e, no ano
seguinte, a "Nossa Senhora da Conceição", para fabricação de tecidos grosseiros
de algodão, de uso da população pobre e dos escravos, enfardamentos de produ-
168
tos de exportação, cobertores e velas de pano dos barcos de pesca (22). Em 1844
surge a primeira grande fábrica, a "Todos os Santos", em Valença, com capitais
baianos e norte-americanos, movida a força hidráulica. Tinha 2.000 fusos e 50
teares e empregava entre 100 e 200 operários, "nacionais livres de um e outro
sexo", funcionando com elevado grau de autarquização. Possuía uma fundição de
ferro e bronze para reparo das peças, moradia e escola para os operários e forne-
cia alimentação, além de instalar uma capela, dar atendimento médico e dentário
e se ocupar do lazer dos operários. (23)
Em 1866, cinco das nove fábricas existentes no Brasil estavam loca-
lizadas na Bahia. Segundo Stanley Stein, a Bahia dispunha de capital, matéria-
prima, fontes hidráulicas de energia, sistema portuário que facilitava o transporte,
população escrava e trabalhadores livres em proporção suficiente para produzir e
consumir tecidos grossos. (24)
A maioria desses fatores estava ausente da economia cearense, ex-
ceto no que diz respeito à existência de matéria-prima e à oferta de mão-de-obra.
Desde a administração de Alencar o governo vinha fazendo tentativas de mecani-
zar a agricultura e introduzir máquinas de descaroçar algodão que melhorassem a
qualidade e o rendimento do produto. As empresas de beneficiamento e prensa-
gem, posteriormente centralizadas nas chamadas usinas centrais de prensamen-
to, grandes firmas exportadoras, nacionais e estrangeiras, passaram a ser sedia-
das no Ceará somente a partir de 1850 e seriam elas as primeiras a concentrar
grandes capitais e investir no setor fabril.
No momento em que o debate nacional entre livre-cambistas e prote-
cionistas se tornava mais aceso, com a nomeação de uma comissão encarregada
de rever a tarifa Alves Branco, em 1853, que atividades industriais existiam no
Ceará? Essa pergunta entre outras, devia estar na cabeça dos governantes, pois
em 1855 o Presidente da província encomenda a contratação do Senador Thomas
Pompeu de Souza Brasil para fazer um ensaio estatístico da vida produtiva.
169
A indústria artesanal doméstica, 1845-1890.
O Ensaio Estatístico da Província do Ceará (23) calcula a produção
média anual, para os anos de 1845 a 1860, dos diferentes gêneros, considerando
as tabelas de exportação dos portos de Fortaleza, Aracati, Granja e Acaraú e o
consumo interno da província.
Em termos de valor total da produção, a agricultura ocupava o pri-
meiro lugar, a indústria fabril o segundo, a pecuária o terceiro e a indústria extrati-
va o quarto.
Valor da produção do Ceará, 1845-1860 (termo médio
anual em mil réis)
Exportação Consumo In-
terno
Total
Agricultura 2.528.400 3.833.600 6.362.000
Pecuária 1.144.000 2.200.000 3.344.000
Indústria fa-
bril
905.750 2.865.000 3.770.750
Indústria ex-
trativa
588.945
1.313.800
1.902.745
Total 5.167.095 10.212.400 15.379.495
Fonte: Brasil, Thomaz Pompeu de Souza, Ensaio Estatístico
da Província do Ceará, V. II, Fortaleza, 1864, p. 351, 376, 394.
A indústria fabril consistia quase toda de manufaturados de algodão
ou produtos derivados da pecuária. A maior parte era consumida internamente,
com exceção de produção de solas e couros curtidos exportados para fora do país
e para Pernambuco e Maranhão.
A fabricação de calçados era, individualmente, o setor mais importan-
te, como se vê no quadro a seguir, seguido pela fabricação de solas. Roupas fei-
170
tas, bordados e crivos ocupavam o terceiro lugar no valor da produção, destacan-
do-se ainda a fabricação de redes de dormir, tecidos de algodão, obras de palha,
sabão e queijos.
Vê-se, portanto, que a indústria artesanal e doméstica gerada no in-
terior da estrutura algodoeira e pecuária, destinada a suprir o mercado interno,
havia alcançado, em meados do século passado, um lugar significativo na econo-
mia do Ceará.
Alguns artigos como couros miúdos, velas, parte da produção de cal-
çados, redes de dormir, roupas feitas, rendas e labirintos saiam também para ou-
tras províncias e, eventualmente, para fora do país. Outros como queijos, sabão,
objetos de palha e tecidos de algodão eram consumidos quase que inteiramente
na província.
É interessante observar também a variedade de produção de uma
série de "outros objetos", que incluía o setor tipicamente oficinal das obras de
marcenaria, carapina, calafate, ferreiro, ourives, latoeiro, lampista e pedreiro; di-
versas obras de couro para o serviço do campo; flores de pena, de pano, de cera,
de massa, obras de oleiro e outros artefatos.
171
Valor da Produção da Indústria Fabril, 1845-1860 (termos
médios anuais em mil réis)
Exportação Consumo
interno
Total
Couros salgados 386.250 386.250
Solas 285.000 360.000 645.000
Couros miúdos 65.000 150.000 215.000
Queijos 20.000 180.000 200.000
Carne charque 20.000 20.000
Sabão 4.000 46.000 50.000
Velas carnaúba
Calçados 37.500 750.000 787.500
Chapéus seda 5.000 5.000
Obras de palha 4.000 60.000 64.000
Tecidos algodão 4.000 64.000 68.000
Redes de dormir 20.000 100.000 120.000
Roupas, borda-
dos e crivos
60.000
350.000
410.000
Outros objetos 800.000 800.000
Total 905.750 2.865.000 3.770.750
Fonte: Ensaio..., V. II, p. 396-408.
O Ensaio do Senador Pompeu fornece também estimativas sobre a
população e a mão-de-obra empregada nas diversas atividades produtivas. A po-
pulação da província era calculada em 1860 em 503.759 habitantes (p. 299) com
a seguinte distribuição por sexo e condição:
172
Livres Escravos Total
Homens 231.708 18.434 250.142
Mulheres 236.610 17.007 253.617
Total 468.318 35.441 503.759
A população economicamente ativa, incluindo "industriais de toda a
espécie contando todos os indivíduos das famílias" (p. 412) concentrava-se sobre-
tudo na pecuária e na agricultura.
Livres Escravos Total
agricultura 100.000 10.000 110.000
pecuária 200.000 2.000 202.000
ind. fabril 50.000 5.000 55.000
ind. extrativa 20.000 20.000
Total 370.000 17.000 387.000
Em relação à indústria fabril, do total de 50.000 trabalhadores livres,
40.000 eram mulheres, o que confirma as tendências apontadas para o período
colonial, sobre o predomínio da mão-de-obra feminina nas manufaturas de algo-
dão. Esse predomínio é ainda mais significativo quando se considera que a maior
parte das mulheres trabalhava exclusivamente no setor artesanal, enquanto o ho-
mem dividia o trabalho artesanal com a criação de gado ou alternava-o com a
agricultura.
"as obras de tecidos, costuras e labirintos são quase que ex-
clusivamente das mulheres; e estas então não se distraem
para outras. As demais obras, como sola, queijo, velas, etc.
são feitas por indivíduos que não se ocupam somente des-
sas indústrias". (p. 411)
173
Ou seja, o trabalho das costureiras, tecedeiras, fiandeiras, etc., a jul-
gar pelas indicações de Pompeu, já havia alcançado a fase de separação entre
artesanato e agricultura, embora essas manufaturas mantivessem ainda o caráter
de indústria doméstica, com o uso de teares de madeira, rocas e fusos e apenas a
presença de uma ou outra máquina de costura.
No caso do trabalho masculino, apenas os ofícios tradicionais espe-
cializados continuavam mantendo-se como profissões autônomas, separadas da
agricultura. Era o caso de sapateiros, alfaiates, ferreiros, carpinteiros, marcenei-
ros, pedreiros, oleiros, etc., com suas oficinas nas vilas e cidades. Algumas maio-
res eram denominadas "fábricas", coma as duas fábricas de sabão e uma "fábrica
de curtume" francês do Aracati onde "ocupam-se os indivíduos exclusivamente
desses misteres".
Embora a pequena produção artesanal tenha tido uma expansão
descentralizada e dispersa pelo interior da província, há um crescimento também
do setor oficinal urbano, que pode ser percebido pelos dados referentes ao co-
mércio da cidade de Fortaleza.
Em 1860 havia em Fortaleza sete casas exportadoras: uma inglesa,
uma francesa, uma alemã, uma suíça, duas portuguesas e uma brasileira. O co-
mércio era feito diretamente com as praças estrangeiras ou indiretamente, por ca-
botagem, com as praças de Pernambuco e Maranhão, através dos portos de For-
taleza, Aracati, Acaraú e Granja. (p. 414)
Entre os estabelecimentos "comerciais" estavam incluídas quatro fá-
bricas, duas brasileiras e duas estrangeiras, sendo uma de sabão, uma de selas,
uma de charutos e uma de chapéus e setenta e seis oficinas, sendo setenta brasi-
leiras e seis estrangeiras, de alfaiate, sapateiro, ourives e funileiro.
174
Estabelecimentos comerciais de Fortaleza, 1860
Brasileiros Estrangeiros Total
Escritórios de co-
mércio
5
7
12
Lojas de fazenda 38 15 53
Tabernas 49 24 73
Quitandas 87 6 93
Boticas 3 1 4
Armazéns 4 12 16
Fábricas de sabão,
selas. charutos, cha-
péus
2
2
4
Açougues 9 6 15
Oficinas de alfaiate,
sapateiro, ourives,
funileiro
70
6
76
Casas de roupas e
calçados feitos
6
5
11
Total 273 84 357
A inclusão das fábricas e oficinas artesanais entre os estabelecimen-
tos "comerciais" indica que a produção e a comercialização ainda achavam-se in-
terligadas, de forma semelhante a dos ofícios artesanais na vida colonial, e reali-
zavam-se no mesmo espaço físico, misto de oficina e loja, através dos produtores
diretos, os comerciantes-artesãos.
Entretanto, dada a grande dispersão de pequenos estabelecimentos
pelo interior da província e o caráter doméstico da produção, é possível supor que,
por essa época, já se havia formado também um grupo social de pequenos co-
merciantes, intermediários entre os artesãos do campo e os mercados urbanos.
175
A comercialização do excedente artesanal por uma camada de pe-
quenos comerciante não eliminava, contudo, o caráter de subsistência dessa pro-
dução, que continuava a fazer parte das atividades complementares à agricultura
e à criação de gado, como forma de sobrevivência da população pobre e destituí-
da. Pelo contrário, conjugavam-se as duas alternativas - produção para autocon-
sumo e venda do excedente, de forma semelhante ao que ocorria com a cultura
de gêneros alimentícios, razão pela qual se poderia considerar essa produção
como um artesanato de subsistência.
A venda costumava ser feita diretamente nas feiras e mercados lo-
cais, pelo próprio produtor ou pelo pequeno comerciante, sendo também comum o
trabalho por encomenda do consumidor ou do comerciante, que venderia posteri-
ormente o produto. A rede ampliada de produto ores e comerciantes "profissio-
nais" ou "ocasionais" permitia a alternância do artesanato com a agricultura e com
o pequeno comércio das tabernas, quitandas, boticas e armazéns, muitas vezes
de propriedade de artesão mais prósperos.
É importante frisar, portanto, que o trabalho artesanal se expandiu no
Ceará como parte da estrutura agrária e dela dependente e é dentro dessa estru-
tura que se pode compreender seu significado e a posição do artesão no conjunto
das relações sociais de trabalho no Ceará do século XIX.
Até 1860, não há registro de modificações na base técnica da produ-
ção, nem na divisão social do trabalho, ou seja, o setor continuava a manter carac-
terísticas nitidamente pré-industriais, herdades do século XVIII:
"a pequena indústria fabril da província é quase toda manual,
apenas auxiliada por algum instrumento muito comum e
grosseiro. Os tecidos grosseiros e redes de dormir fazem-se
movidos a braços de tecedeiras. As obras de agulha e labi-
rintos são todas à mão. Apenas nesta capital foi introduzida
uma ou outra máquina de costura". (p. 410)
176
A estreiteza dos mercados e a importação de manufaturados estran-
geiros, que concorriam diretamente com os produtos nacionais, eram fatores de
peso a impor os limites da expansão e transformação da pequena produção arte-
sanal.
Apesar das tarifas protecionistas, entre 1845 e 1862 as importações
de manufaturados haviam tido um aumento notável. (p. 460-1)
Importação estrangeira e nacional, 1845-1862 (termo médio em mil réis)
Quinquê-
nios
Direta Es-
trangeira
Indireta
Estrangei-
ra
Nacional Total
1845-49 149.449 161.462 153.578 464.489
1850-54 521.525 313.730 91.570 926.825
1855-59 962.804 524.083 92.535 1.579.422
1860-62 952.763 661.877 110.702 1.725.342
Além das importações da Grã-Bretanha, havia um comércio razoável
com os Estados Unidos, França, Portugal e Itália. A maior parte das importações
consistia de tecidos e outras manufaturas de algodão mas entravam também
grandes quantidades de farinha de trigo e derivados, obras de ouro, prata e pe-
dras preciosas, louças e vidros, manteiga, papel, tecidos de lã, linho e seda, per-
fumaria, ferragens, calçados, armas, bacalhau, azeite, vinhos e drogas medicinais.
Ao todo, as tabelas de importação relacionavam 104 itens diferentes de mercado-
ria estrangeira.
Quanto às trocas com outras províncias, o comércio era feito sobre-
tudo com Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro e incluía produtos da indústria na-
cional como charutos, fumo em rolo, maquinaria, obras de ouro, rapé, sabão e li-
vros, em uma relação de 82 artigos diversos.
177
Durante todo o período a balança comercial é desfavorável, o valor
das importações superando o das exportações. No biênio 1860-1862, entretanto,
essa tendência começa a inverter-se e pela primeira vez há um predomínio no
valor das exportações ( p. 460 e 485).
Valor das importações e exportações,
1845-62 (termo médio em mil réis)
Quinquênio Import. Export.
1845-1849 464.489 172.078
1850-1854 926.825 521.084
1855-1859 1.579.422 1.236.755
1860-1862 1.725.342 1.936.579
A melhoria das finanças devia-se ao início de novo surto algodoeiro
para exportação, em decorrência da retração temporária de fornecimento norte-
americano aos mercados europeus. O aumento das exportações de algodão, na
década de 1860, viria trazer algumas mudanças na economia do Estado, com o
fortalecimento da camada de comerciantes urbanos. Do ponto de vista da indústria
essas mudanças só seriam perceptíveis, entretanto, a partir da década de 1880,
quando se instalam as primeiras fábricas.
No final da década de 1850 o que se registrava ainda era um quadro
crônico de dificuldades e o mesmo corolário de causas se repetia nos relatórios
presidenciais (26):
"a falta de braços cada vez mais crescente... a falta de um
sistema regular e bem pensado de legislação e instituições
de crédito rural, de boas estradas, de bons portos... de uma
educação profissional agrícola... da introdução de maquinis-
mos e processos aperfeiçoados de lavoura... e por cima dis-
178
so as secas que de anos a anos as tem vindo quase aniqui-
lar...".
Os avanços da agricultura comercial começavam a se fazer sentir
através de seus efeitos negativos sobre a oferta de alimentos e de mão-de-obra,
de forma semelhante ao que ocorria em outras partes do país, provocando quei-
xas sobre a carestia dos gêneros e a falta de braços, por parte dos governantes:
"... a repressão efetiva do tráfico de escravos, sem uma
substituição imediata de trabalhadores livres, que supram a
falta dos serviços daqueles, o desenvolvimento desproporci-
onal das lavouras dos gêneros de exportação, trazendo co-
mo consequência o esmorecimento dos mais e principalmen-
te das pequenas plantações dos grãos e cereais, tudo isso e
outras razões... tem feito com que a produção dos gêneros
de primeira necessidade não corresponda ao seu consumo,
sempre crescente, e determinando essa alta excessiva dos
seus preços".
O artesanato era meio de sobrevivência, disperso, e atomizado em
pequenas unidades oficinais e domésticas nas cidades, vilas e áreas rurais, en-
frentando a concorrência de produtos importados, sem que houvesse surgido uma
camada mais próspera capaz de processar a acumulação, investindo na indústria
fabril ou concentrando a pequena produção doméstica.
Juvenal Galeno, folclorista e poeta nativista, publica em 1864 um li-
vro em que aborda de forma nostálgica e utópica um passado perdido de fartura e
trabalho, descrevendo tipos populares como o pequeno lavrador, o pescador, o
vaqueiro e o artesão, a quem homenageia em versos, na figura do sapateiro. (27)
O poema merece ser transcrito por ser bastante sugestivo dos efeitos sobre o pe-
queno artesão, da entrada em massa de manufaturas europeias.
179
O Sapateiro
Enquanto puxo estas linhas
Dois cabos na sola-e-vira,
Vou cantar umas cantigas,
Que a minha vida me inspira.
Ai, vida, vida tirana
Sem lé, nem cré,
Que a sorte prende à miséria,
Como prende este sapato
O tira-pé.
Houve um tempo de ventura
Na vida do sapateiro...
Então era patriota
O cidadão brasileiro
Era farta então a vida,
Sem lé, nem cré,
Que a sorte prende à miséria
Como prende este sapato
O tira-pé
Rendia muito este ofício,
As obras davam dinheiro
A forma não descansava,
E a sovela no bezerro.
Era farta então a vida
.................................
Todos calçavam somente
Sapatos feitos na terra...
Ai, tempo de f'licidade,
Ninguém nos fazia guerra.
180
..................................
E eu trabalhava contente,
Finas palmilhas lambendo,
Gaspeando a obra fina,
Batendo a sola, batendo.
..................................
Mas, hoje... dentro da tenda
É raro ver-se um freguês
Pois o pé dos brasileiros
É monopólio francês!
Ai vida, vida tirana,
................................
Hoje é moda dos patrícios
Calçar a obra estrangeira,
Deixando a nossa à parede,
Deixando a nossa à poeira!
..........................................
Só nos procura o matuto,
O pobretão, o soldado;
Quem pode mais ocupar-se
Fazendo o fino calçado?
....................................
Se o rico por um capricho
Uns chinelos encomenda,
Quase por nada os entrego
Se os quero fora da tenda'
..........................................
Como pois o sapateiro
Chegará a perfeição,
181
Se apenas vende na tenda
O que é - carregação?!
....................................
Acorda, patriotismo
Desta nação brasileira...
Calça os sapatos da terra,
Despreza a obra estrangeira!
Acorda... melhora a vida.
........................................
Galeno foi influenciado a escrever sobre temas populares por Gon-
çalves Dias, que esteve no Ceará em 1859 com a Comissão Científica de Explo-
ração. A passagem dessa Comissão pelo Ceará traz alguns subsídios adicionais
para o panorama das artes e ofícios em meados do século passado, com docu-
mentos sobre o trabalho e a vida cotidiana.
A descoberta da diversidade e da criatividade.
A Comissão, composta de engenheiros, naturalistas e médicos foi
formada em 1856, por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para
explorar o interior de algumas províncias e colher material para os museus nacio-
nais e provinciais em formação (28). Faziam parte da equipe nomeada pelo go-
verno imperial, Francisco Freire Alemão (Botânica), Manoel Ferreira Lagos (Zoo-
logia), Guilherme Schuch Capanema (Geologia), Giacomo Raja Gabaglia (Astro-
nomia) e Antônio Gonçalves Dias (Etnografia).
No momento em que a estabilidade do Império tendia a se afirmar, o
episódio de envio ao Ceará de uma Comissão fazia parte do desejo de afirmação
do governo central, "muito reveladora do estado de espírito nacionalista que, nes-
182
sa época de viajantes estrangeiros, levava a querer descobrir o Brasil por conta
própria" (29).
A escolha do Ceará como primeira província a ser visitada tinha tam-
bém outros objetivos, não confessados: a esperança de encontrar jazidas de ouro
e metais preciosos e supostas riquezas minerais que, dizia-se, existiam nas serras
da Ibiapaba e do Araripe. "Ministros e cientistas sonhavam como bandeirantes, do
mesmo modo que os estudiosos locais e o povo, que vivia sonhando com eldora-
dos", diz Renato Braga, que historiou a visita da comissão. (30)
A comissão percorreu o Ceará de 1859 a 1861. Parte da documenta-
ção recolhida se extraviou no fim da viagem, mas ficaram alguns resultados impor-
tantes, estudos sobre a seca, as moléstias endêmicas, a flora cearense.
A contribuição mais significativa foi dada por Freire Alemão (31) em
estudos de botânica. Em seus manuscritos há relatos valiosos sobre a vida cotidi-
ana e a cultura material da região, como as descrições sobre o vestuário da "gente
acaboclada" que compunha a maior parte da população do Ceará:
"Os homens andam sempre com a camisa solta por cima das
calças ou ceroulas, e sem jaqueta, ou colete, temos tido al-
guns criados que lhes custa largar esse costume. As mulhe-
res vestem saias, e com vestidos deixam cair o corpo, e os
atam pela cintura. As camisas são mais ou menos rendadas,
e quase sempre têm lenço ao pescoço. Quando se vestem
trazem por cima da cabeça o lençol, que é uma toalha com
babados ou rendas nos três lados, isto na cidade e aqui. Nas
igrejas e nas procissões vão todas assim - o que é curioso; e
tem um ar de asseio, que agrada, que é muito próprio para o
país. É notável que as pretas não usam tanto dos lençóis".
(32)
Da mesma forma que os viajantes estrangeiros que o precederam,
Alemão demora-se em considerações sobre a rede de dormir, elemento funda-
183
mental na vida do sertão. Ressalta a praticidade, o conforto, a limpeza e a beleza
das redes que são dadas aos hóspedes nas casas mais ricas, descreve os arma-
dores de ferro onde são penduradas, os punhos ou cordas por onde são presas à
parede ou teto dos quartos, salas e corredores, as varandas, rendas ou babados
que pendem dos lados.
"Pelo interior se acha por toda a parte, na sala de visitas, e
até nos corredores, ferros de pendurar redes, que chamam
armadores. Em uma sala ou alcova quadrada, com 4 arma-
dores se suspendem 5 redes. Na rede se dorme, se lê, se
conversa, etc. Em algumas casas há um leito, ou cama de
parada, para um hóspede. Porém de ordinário é esse um
traste escusado, e não existe. Nas redes há grande luxo de
crivos, de rendas, de bordados brancos ou de cores. Com a
rede, um lençol, ou colchão, está a cama feita, usam também
de umas pequenas almofadinhas, muito historiadas, mas eu
nunca me ajeitei com elas, e as dispenso bem. Não se deita
na rede a fio comprido, mas diagonalmente (e mesmo atra-
vessado) e é assim que ela oferece melhor cômodo, ficando
o corpo direito e não curvo, e por isso são as redes mui lar-
gas. Hoje já me acho habituado com elas e tem uma grande
vantagem para o país, e é que balançando, refresca e não se
sente calor. E enfim livra das pulgas. Outra vantagem é que
dispensa alcovas; qualquer sala, mesmo a de jantar, se
transforma em quarto de dormir, que toma de manhã seu uso
ordinário. Nas casas pobres dispensa também cadeiras e so-
fás". (33)
Não deixa de ser significativa a impressão colhida pelo botânico de
que a indústria nacional era mais desenvolvida no Ceará do que no Rio de Janeiro
(onde morava Alemão), impressionando-o muito o trabalho feminino das rendas e
tecelagem e certos ofícios como a marcenaria e a arte do couro.
184
"... o certo é que há grande diferença entre estes e os nos-
sos matutos. Tanto mulheres (e estas mais) como homens
são capazes de grande desenvolvimento industrial. Com efei-
to há aqui muito mais indústria nacional do que no Rio de Ja-
neiro. Faz-se muito bom queijo, e abundante. Vi obras de chi-
fre, imitando a tartaruga (de Aracati). No sertão curte-se mui-
to bem; e fazem roupas de coiro curtido. Faz-se velas de
carnaúba. As mulheres tem muitas indústrias, fazem filós e
outras obras mui delicadas de pano, de polvilho (goma), etc.
Tecem panos grosseiros. Tecem redes admiravelmente, bor-
dam-nas de branco e de cores. Fazem muita renda, em al-
mofadas de colo, que são uns travesseiros grossos e curtos,
às vezes cheios de palha. Fazem crivos que chamam labirin-
tos, perfeitamente executados e custosos. Fazem obras de
goma de polvilho mui delicadas, etc. Há aqui oficiais de car-
pinteiro (que chamam carapinas) que trabalham muito bem, e
admirei-me de os ver trabalhar com excelente e moderna fer-
ramenta. Não trabalham mal de sapateiros, e exportam obra
feita". (34)
Por sua vez, Manoel Ferreira Lagos complementou estudos de zoo-
logia com uma coleta de produtos naturais e da indústria cearense. Essa coleção
deu lugar à primeira exposição de produtos industriais realizada no Brasil, no Mu-
seu Nacional do Rio de Janeiro, em 1861.
A Exposição do Ceará foi preliminar, por sua vez, à primeira Exposi-
ção Nacional da Indústria, realizada no mesmo ano. A notícia da abertura da ex-
posição do Ceará, dada pelo Diário do Rio de Janeiro advertia: "não imagine nin-
guém que vai ser uma ostentosa coleção de objetos de toda a espécie". Comenta
a dificuldade de obtenção de muitos objetos, pela vergonha dos habitantes em
vender ou fabricar iguais. Muitos se negavam a vender o que produziam "para não
185
serem envergonhados na comparação aqui na Corte e realmente era preciso uma
verdadeira catequese para vencer escrúpulos tão absurdos". (35)
A notícia ressalta o mérito da iniciativa "que é provar a existência dos
principais elementos para a criação de indústrias", para concluir:
"a indústria e a ciência não tem oposição nem governismos;
aquela localiza-se as vezes segundo as condições de sua
existência, esta porém nem mesmo têm pátria, é cosmopoli-
ta! A divisa de ambas é progresso e desenvolvimento. To-
mem bem nota disso".
A exposição incluía uma variedade de objetos de uso diário da popu-
lação, desde mesas de costura de madeira até cachimbos de barro, estribos, es-
pingardas de ferro, peias e chocalhos de latão, facas, cordas, rédeas e selas, po-
tes de barro, cestos e chapéus de palha, redes de dormir, garrafas de aguardente,
vinho de cajú, queijos variados. Produtos que ainda hoje continuam a ser produzi-
dos artesanalmente no Ceará.
A qualidade de acabamento e a criatividade de certos artigos surpre-
ende o observador da Corte, que não esperava que nos Inhamuns, alto sertão
quase isolado, se fabricasse uma coleção de copos, tigelas, xícaras e pires, pra-
tos, cuias, colheres, conchas, bules, açucareiros, com tanta habilidade - "trabalhos
dignos de figurar ao lado dos da Floresta Negra ou de Nurenberg", cachimbos de
barro preto, cujos ornatos "fazem lembrar a arte indostânica, facas "que recordam
a média idade", espingardas que "revelam habilidade e espírito inventivo".
Ao lado de peças de uso diário figuravam artigos de luxo, como as
obras de labirinto do Aracati, de "lavor delicado e gosto puro na escolha dos orna-
tos", que adornavam peças de linho e seda importadas. Os contrastes, o inespe-
rado dos trabalhos expostos, chegam a provocar a reprovação do comentarista:
"ao contemplá-los, não podemos sustar uma expressão de
tristeza. Vemos ali a concentração de uma notável porção de
atividade e inteligência, gastas em artigos de luxo, em uma
186
produção secundária, quando o lenço, a camisa, a fronha,
etc. que eles têm de adornar vêm da Europa! Por que não
empregamos toda essa soma de habilidade para fabricar es-
ses mesmos objetos que mais tarde poderão ser enfeitados".
O refinamento aparece também nas rendas de bilro, trabalhadas com
grande variedade de pontos (sergido, susto, paleitão, seda) - "algumas tão bem
acabadas, tão delicadas que rivalizam com os produtos de Flandres (Bruxelas,
Malines, Chantilly)" e em obras que parecem tão refinadas quanto supérfluas, co-
mo flores de adorno, coleções de animais e figurinos feitos com as mais variadas
matérias-primas:
"trabalhos belíssimos de pano, de escamas, de palha, de ca-
vacos das madeiras, e sobretudo algumas admiráveis não só
pela execução como pela perfeita imitação dos modelos da
natureza, e estas são feitas de polvilho!"
Foot Hardman, em estudo recente sobre a entrada do Brasil no cir-
cuito das exposições industriais, comenta que tal iniciativa "não era em absoluto
algo esotérico, mas se inscrevia plenamente na ótica da moderna exhibitio bur-
guesa"(36). A Exposição do Ceará inaugurara, a nível nacional e provincial, as
exposições que, por sua vez, eram preparatórias para as universais, apenas uma
década depois da Primeira Exposição Internacional de Londres, de 1851.
As exposições industriais: "vulgarização da riqueza do país".
O Ceará participou de cinco das seis exposições nacionais realiza-
das no Império: a de 1861 (preparatória à de Londres, 1862), a de 1866 (prepara-
tória à de Paris, 1867) a de 1873 (preparatória à de Viena, 1873) a de 1875 (pre-
paratória à de Philadelphia, 1876) a de 1889 (preparatória à de Paris, 1889). Além
187
disso participou da exposição do Porto em 1865 e, já na República, da de Chica-
go, em 1893.
No Brasil, as exposições eram organizadas sob patrocínio do Gover-
no e serviam para acirrar o debate entre protecionistas e livre-cambistas quanto à
política do Estado em relação à indústria. Os discursos oficiais, usavam-se para
reforçar a ideologia do progresso e da modernidade, viam nelas a entrada no
compasso dos povos civilizados, da ética burguesa de valorização do trabalho e
da mercadoria. (37)
Tavares Bastos, o mais veemente opositor do protecionismo, inicia
seus ataques logo após a Exposição Nacional de 1861, argumentando que as
poucas oficinas fundadas não se sustentavam sem auxílio governamental ou lote-
rias e que a exposição demonstrava isso pela sua pobreza e atraso. Além disso,
acrescentava, a tarifa de 1844, cujo fim era desviar os capitais da agricultura para
as fábricas e enfraquecer a concorrência de produtos estrangeiros, não havia im-
pedido que as exportações aumentassem em mais do dobro.
Inspirado nas doutrinas econômicas liberais, argumentava:
"um povo só é manufatureiro quando tem grande densidade
de população, quando possui abundantes meios de transpor-
te, quando pode aplicar a lei da divisão do trabalho à agricul-
tura, destacando-a o mais possível dos processos manufatu-
reiros: assim a Inglaterra, verdadeira oficina do mundo....
A proteção não passa de um tormento inútil aonde não exis-
tem condições próprias para florescer a indústria protegida; e
quando mesmo existam, é melhor confiar da liberdade e da
concorrência o encargo que se atira sobre a lei... Paga o po-
vo um imposto vexatório para sustentar-se por alguns anos
mais este ou aquele fabricante, de cujo infortúnio não tem
certamente culpa!". (38)
188
Do ponto de vista dos interesses de uma província pobre de capitais
e posição inteiramente secundária na economia nacional, como o Ceará, as expo-
sições pareciam oferecer benefícios que não escapavam aos governantes locais.
O representante da província na Exposição Nacional de 1866 observa em seu re-
latório:
"É, pois, forçoso reconhecer que os principais fins das expo-
sições - a vulgarização da riqueza do país, como meio de pa-
tentear todas as fontes de produção exploradas e por explo-
rar, o aperfeiçoamento das indústrias pela competência dos
produtores, pelas censuras e corretivos esclarecidos, pelo
estímulo dos prêmios e recompensas; o desenvolvimento do
comércio, que naturalmente resulta da inspeção atenta de
todos os produtos e reconhecimento de sua utilidade; esses
valiosos benefícios a Comissão não se pode dispensar de
haver plenamente alcançado". (39)
O relatório era claro quanto aos problemas da província: agricultura
rudimentar, subordinação da lavoura ao comércio, falta de capitais e ausência de
instituições bancárias (o que obrigava os produtores a recorrerem a empréstimos
dos comerciantes, pagando altas taxas de juros), oferta limitada de mão-de-obra
na agricultura, falta de vias de comunicação, baixa mecanização.
A indústria fabril não poderia se desenvolver para além dessas limi-
tadas condições estruturais:
"não é preciso dizer que estas indústrias estão em grande
atraso. Quando a agricultura ainda carece de arte, de braços,
de capital, não podem as fábricas e manufaturas estar adian-
tadas, pois dependem dos progressos daquela e reclamam
superiores habilitações artísticas, capitais mais avultados e
custosas máquinas. Contudo foram exibidos alguns produtos
que me parecem dignos de atenção". (40)
189
O exame dos catálogos e relatórios das exposições do Ceará revela
que, entre 1860 e 1890, em termos de tecnologia e divisão do trabalho e produção
industrial pouco se alterou. O que parece mais significativo é a diversidade e vari-
edade dos artigos expostos. A Exposição de 1866, por exemplo, constava de 438
produtos e a de 1893 de 342, incluindo tanto produtos naturais como manufatura-
dos. Contudo, apesar da diversificação, a produção continuava a manter seu cará-
ter artesanal, como observa o catálogo para a Exposição de Chicago, de 1893
(41):
"a pequena indústria não é limitada, está mais adiantada do
que parece; infelizmente, são ainda muito rudimentares os
instrumentos empregados".
O Presidente da comissão organizadora dessa exposição, Isaias Bo-
ris, próspero negociante francês estabelecido em Fortaleza, defende o desenvol-
vimento da pequena indústria, em contraposição à grande indústria, especialmen-
te na fabricação de tecidos, redes e outros ramos têxteis:
"Estas e outras pequenas indústrias mereciam ser encoraja-
das neste país, mais que a grande indústria que até hoje tem
causado mais dificuldade que proveito.
... hábeis como são os cearenses para a pequena indústria,
nos parece que esta será de muito futuro, e mais segurança".
(42)
Mais futuro e segurança no sentido de que os interesses da pequena
indústria não eram vistos como contrapostos aos dos grandes produtores agríco-
las e dos setores comerciais ligado a à lavoura:
"a agricultura é de interesse geral e vital do país, dela tudo
depende; pode-se dizer que a vida e o futuro do país depen-
dem dela. Tirar capitais da agricultura que tanto necessita,
para empregar na indústria fabril, que só poderá sustentar-se
190
a mercê da depreciação do câmbio e do país deve ser levado
a conta de muitos erros graves, que retardam a grandeza do
país". (43)
Boris termina por centrar a questão no emprego da força de trabalho
livre e é este o fulcro de toda a argumentação em defesa da pequena indústria:
"o ensemble dos objetos mandados pelo Ceará à Exposição
preparatória do Rio de Janeiro, se não demonstra um gosto
apurado, um finit artístico; demonstra que as cearenses e os
cearenses são muito mais acostumados ao trabalho, do que
a generalidade dos brasileiros, e tem a pretensão de marchar
neste particular na vanguarda, do mesmo modo porque fo-
ram os primeiros em outros terrenos, especialmente na abo-
lição dos escravos do Brasil, começando por libertarem os
seus a 25 de março de 1884, acontecimento que foi uma
epopeia das mais heroicas e imortalizou os libertadores che-
fiados por João Cordeiro". (44)
Os relatórios das exposições permitem acompanhar melhor o debate
sobre o emprego da força de trabalho. O discurso em relação ao trabalho, no final
do século, havia mudado consideravelmente. Das queixas sobre a "falta de bra-
ços" que cercavam as tentativas fracassadas de introdução da colonização es-
trangeira, passara-se ao reconhecimento de que havia, na realidade, uma grande
população livre não absorvida nas atividades produtivas.
A grande migração de trabalhadores cearenses para o Amazonas e
Pará, para trabalhar em condições sub-humanas na exploração da borracha, havia
colocado com crueza a verdade dos fatos até então negados, de que o "trabalha-
dor livre nacional", força de trabalho abundante e barata, formava no Nordeste um
excedente populacional marginalizado e ignorado pela política de trabalho do Es-
tado.
191
As grandes secas do último quartel do século XIX tiveram efeitos tão
devastadores devido ao aumento dessa "população de risco", como a chama An-
thony Hall (45), pois durante a seca a agricultura de subsistência falia, anulando a
única fonte alimentar do trabalhador. A seca de 1877 a 1879, combinada com a
queda dos preços do algodão, mostrou pela primeira vez, de forma trágica, a vul-
nerabilidade da massa rural. (46)
A desorganização da vida social, o desenraizamento e o êxodo da
população atingiram proporções inéditas. A cidade de fortaleza, que tinha 40.000
habitantes em 1877, chega a 160.000 em 1879 (47), a fome, a doença, epidemias
como a cólera e a varíola, o aumento da criminalidade e da violência sendo res-
ponsáveis por índices altíssimos de mortalidade.
Passada a seca, a sobrevivência do trabalhador sem terra volta a or-
ganizar-se em torno da agricultura de subsistência, complementada da pequena
produção artesanal. Os baixos salários e a imposição de relações de parceria na
agricultura comercial fazem com que grande parte da população do campo conti-
nue a emigrar, preferindo arriscar a sorte em outras regiões, na esperança de en-
contrar melhores condições de vida e trabalho.
A contradição resultante consiste no fato de que ao lado de um ex-
cedente populacional que aumenta a cada ano as ondas migratórias, a grande
lavoura local, nos períodos de normalização da produção, ressente-se de escas-
sez de mão-de-obra.
A Notícia sobre o Ceará que acompanha o catálogo da Exposição de
Chicago, escrita por Pompeu Filho (48) explicita claramente essa realidade:
"com a rapidez com que a população se desdobra e com a
inconstância das estações que contrariam os mais fundados
cálculos e esforços do agricultor, houve sempre abundância
de braços e falta de aplicação aturada para todos eles. Daí a
emigração para o Amazonas e Pará, cujo excesso, já agora
que as chuvas voltaram a beneficiar as terras ricas e produti-
vas do Ceará, vai causando pequeno transtorno à lavoura.
192
Permanecendo as mesmas causas que determinam o acrés-
cimo da população, entre as quais sobressai a regularidade
da temperatura e secura atmosférica, haverá sempre exces-
so de braços que fatalmente procurarão aplicação nas pe-
quenas indústrias locais ou terão de emigrar por trabalho. Em
todo o caso a média do jornal operário será inferior a da mai-
oria dos estados brasileiros".
Ao contrário de Boris, Pompeu defendia a implantação da grande in-
dústria, achando que havia condições para isso em função da grande reserva de
força de trabalho e abundância de matéria-prima:
"com a abundância de braços, salários baixos, matéria-prima
a mão-de-obra, clima benéfico, a grande indústria há de ne-
cessariamente se implantar no Ceará com a certeza de bom
êxito". (49)
Em resumo, apesar das controvérsias, da defesa de um progresso e
de uma modernidade apenas ilusórias, dos ataques cerrados da oposição, as ex-
posições provinciais e nacionais tiveram pelo menos o mérito de fornecer uma
amostra da produção de mercadorias no Brasil imperial e de manter vivo o debate
em torno dos caminhos a seguir na economia nacional. Hardman observa, com
inteira justeza, que elas serviram também para mostrar que a presença das manu-
faturas era bem maior e diversificada na segunda metade do século XIX do que os
estudos sobre o processo de industrialização brasileira fazem supor. (50)
Oficinas e fábricas.
Como já foi observado, a maior parte da indústria fabril cearense, no
século XIX, tinha caráter artesanal e doméstico ligado a estrutura rural. Entretanto,
193
os ofícios urbanos também se expandem, com o crescimento das cidades e da
população, entre 1860 e 1890.
Na década de 1860, Fortaleza, através da Câmara Municipal, inicia a
regulamentação das artes e ofícios. O código de posturas impõe medidas para
controlar as condições de salubridade e limpeza pública, como por exemplo o uso
de ingredientes que exalem vapores que corrompam a atmosfera, nos fornos de
cozer ou torrar tabacos, nas fábricas de aguardente, de sabão e de azeite. Tam-
bém os ferreiros, caldeireiros, fundidores e latoeiros são obrigados a dar saída ao
fumo das forjas por canos e observar uma série de restrições. (51)
Em 1873, quando sai publicado o primeiro Almanaque Administrativo,
Mercantil e Industrial da Província do Ceará, havia 99 oficinas na cidade e em
1899, 122 (52), assim distribuídas:
Oficinas de Fortaleza 1873-1899
1873 1899
tipógrafos 30 9
pedreiros 23 12
ourives 7 16
sapateiros 7 11
alfaiates 5 13
marceneiros/
carpinteiros
5 12
encaderna-
dores
2 8
funileiros 2 6
ferreiros - 4
relojeiros 3 3
tanoeiros 4 2
pintores - 5
fundidores 2 2
194
impressores 3 -
fotógrafos 2 2
desenhistas - 3
tintureiros - 3
bauleiros - 2
imaginários/
entalhadores
2 1
colchoeiros - 2
seleiros - 2
calceteiros 1 1
latoeiros 1 -
marmoristas - 2
torneiros - 1
Havia ainda algumas pequenas fábricas de fogos artificiais (4), cerve-
ja e vinho de caju , tijolos e telhas, sabão (2), massas alimentícias, gêlo, destila-
ção, óleos de mamona e caroço de algodão, cigarros (8), chapéus de sol (5) e cal-
çados.
Uma ideia desse tipo de estabelecimento pode ser dada pela descri-
ção da fábrica de tijolos e telhas, de propriedade do capitão João de Araújo Costa
Mendes, em 1873:
"... além de tijolos e telhas fabricam em rodas todos os obje-
tos de uso doméstico, para jardins, irrigação, etc. O trabalho
das olarias é executado por máquinas do sistema Clayton e
alguns produtos são feitos a mão. Pessoal empregado - 32
pessoas livres, nacionais e estrangeiras e 6 escravos". (53)
As primeiras fábricas de tecido surgem apenas a partir da década de
1880, após meio século de esforços para sua implantação.
195
A primeira tentativa de instalação de fábricas de fiação e tecelagem
data de 1829, quando o presidente da província solicita ao governo imperial a cri-
ação de uma ou mais fábricas, pedido recusado sob a alegação de que iria desviar
capitais e braços da agricultura (54).
A partir de 1849, as administrações provinciais aconselham a particu-
lares a fundação de fábricas que aproveitassem o algodão da província e as tenta-
tivas se intensificam. O governo concede privilégio a Paulino Franklin do Amaral e
João Reydner para fundarem uma fábrica em 1872 e contrata com João Cordeiro
e João da Rocha Moreira o estabelecimento de duas fábricas, em 1879. Entretan-
to, nenhum desses contratantes consegue levar a efeito o estabelecimento das
fábricas. Somente em 1882 é fundada a primeira fábrica, "Pompeu & Irmãos", pos-
teriormente denominada Fábrica Progresso, de propriedade dos irmãos Thomaz e
Antônio Pompeu de Souza Brasil. (55)
Até o final do século foram instaladas mais cinco fábricas, sendo três
em Fortaleza, uma em Aracati e uma em Sobral. (56)
Estabelecimentos Industriais no Ceará, 1880-1900
Data
de
funda-
ção
(a)
Local
(a)
Capital
inicial
(a)
Nº de
operá-
rios (a)
Teares
(b)
Produção anual
em metros
(b)
-Fábrica Progresso
1882
Fortaleza
180.000$000
215
128
1.900.000
-Fábrica Ceará
Industrial
1894
Fortaleza
400.000$000
140
70
800.000
-Cia. Fáb.Tecidos
União Comercial
1891
Fortaleza
600.000$000
196
-Cia. Fabril Cea-
rense de Meias
1891
Fortaleza
100.000$000
-Fábrica Santa
Thereza
1893
Aracati
100.000$000
110
50
Fábrica Sobral 1895 Sobral 450.000$000 199 122 960.000
(a) Aragão, Elizabeth Fiuza. A trajetória da indústria têxtil no Ceará, 1880-1950, p.
37. b) Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Ceará de
1899.
A indústria têxtil havia sido estimulada em todo o país, na década de
1860, devido a dois fatores: a abundância de matéria-prima, em decorrência da
expansão do cultivo de algodão para o mercado externo, com preços de venda em
alta; e a proteção indireta à indústria nacional durante a Guerra do Paraguai em
virtude da elevação dos direitos alfandegários e da inflação provocada pelo au-
mento das emissões.
Finda a guerra, voltou-se à isenção dos direitos sobre gêneros ali-
mentícios e manufaturados, por pressão dos produtores de café, mas na década
de 1870 o governo volta a dar um incentivo moderado a indústria, aumentando um
pouco as taxas sobre produtos estrangeiros similares aos nacionais, com a Tarifa
Rio Branco de 1874. (57)
No Ceará os primeiros investimentos no setor têxtil resultaram da
atração do capital comercial que até então estava sendo reinvestido na atividade
agrícola ou comercial. O setor mercantil urbano concentrava capitais nas casas
exportadoras, empresas de comércio e beneficiamento de algodão. As usinas de
beneficiamento representam a primeira forma de atividade fabril, através da atua-
ção das empresas Boris Frères, Gradvhol & Fils, Salgado, Filho e Cia. A Usina
Costa Lima & Irmão, no Aracati participa da fundação da fábrica Santa Thereza.
Grande parte dos primeiros fabricantes de tecidos era de comercian-
tes exportadores de algodão. Três dessas fábricas existem ainda hoje em mãos
197
dos mesmos grupos fundadores: a "Fábrica Progresso" fundada por Pompeu e
Irmãos em Fortaleza, a "Santa Thereza" da família Leite Barbosa, em Aracati e a
"Fábrica Sobral" fundada por Ernesto, Saboya & Cia., em Sobral. (58)
Não houve qualquer ajuda concreta do governo provincial, que se li-
mitava a recomendar o desenvolvimento da indústria têxtil. As possibilidades de
crédito também eram muito limitadas. A inexistência de estabelecimentos bancá-
rios e as altas taxas de juros cobrados pelos empréstimos dos comerciantes de
algodão somente tornou viável a criação de algumas fábricas pela reunião de
grande número de sócios com pequeno capital, em sociedades anônimas. É o ca-
so da "União Comercial" e da "Fabril Cearense", a primeira com 16 sócios e a se-
gunda com 23 e da "Santa Thereza", inicialmente chamada "Aracatiense", com
122 sócios fundadores. (59)
Uma particularidade das primeiras fábricas cearenses é que, além da
fabricação de tecidos, grande parte da produção consistia na tecelagem de redes,
o que significa que o pessoal empregado era bem maior do que o número de ope-
rários das fábricas, devido ao trabalho de acabamento a domicílio. Em 1899, por
exemplo, a fábrica de Pompeu e Cia, além do pessoal interno de 230 operários,
dava trabalho externo a 180 mulheres, produzindo de 25 a 30 redes por dia. A
"União e Trabalho" manufaturava 10.400 redes anualmente, no valor oficial de
166.400$000. Além do trabalho de tinturaria, urdimento e tecelagem, feito no inte-
rior da fábrica, empregava cerca de 200 mulheres e 30 crianças a domicílio, no
trabalho de empunhamento, varandas e demais acabamentos. (60)
A atitude do governo central, de não intervenção direta na economia,
acaba por não satisfazer nem à lavoura nem à indústria. As campanhas dos libe-
rais contra a proteção à indústria só iriam deixar de surtir efeito no início da déca-
da de 1890, quando a política do encilhamento finalmente propiciou a expansão
do setor têxtil e desencadeou campanhas em favor da contribuição do Estado para
o desenvolvimento industrial. (61)
Medidas adotadas no início da República foram a expansão do crédi-
to à agricultura, a criação de bancos de emissão e a arrecadação em ouro dos
198
direitos aduaneiros. A rápida desvalorização da taxa cambial e a legislação tarifá-
ria protecionista propiciaram aos fabricantes de tecidos condições de mercado
para seus produtos e facilidades de compra de maquinário no exterior. (62)
A Notícia destinada a exposição de Chicago, de 1893, faz um resu-
mo do valor da produção do Ceará da seguinte ordem, em mil réis:
Indústria agrícola e extrativa 17.200$000
Indústria fabril 7.620$000
Criação de gado 4.600$000
A produção fabril achava-se distribuída pelos seguintes ramos (63):
couros salgados e solas 550$000
courinhos 950 $000
queijos 1.100$000
carne seca 300$000
sabão 150$000
calçados 900$000
cerâmica 600$000
metalurgia 300$000
marcenaria 100$000
199
cigarros e charutos 300$000
óleos vegetais 50$000
gelo e gasosas 30$000
refinação 50$000
alcool 30$000
vinho de caju 300$000
rendas, bordados e costuras 560$000
tecidos de algodão 1.000$000
Total 7.620$000
Como se vê, havia uma continuidade de expansão nos mesmos ra-
mos originados da pecuária e da cultura algodoeira coloniais: calçados, couros
curtidos, queijos, tecidos, rendas e bordados, agora acrescidos de novos ramos:
cerâmica, metalurgia, cigarros e bebidas.
Resta verificar como estava se dando a incorporação do artesão a
esse processo produtivo, ao longo do século XIX.
Artesãos e operários.
Stanley Stein observa que durante meio século (1840-1890) o recru-
tamento e treinamento da força de trabalho na indústria teve como matriz uma so-
ciedade escravagista, onde "os proprietários das fábricas tratavam os seus operá-
rios diaristas da mesma forma que os fazendeiros de café ou os senhores de en-
genho tratavam os seus escravos ou os poucos trabalhadores livres que recebiam
pagamento por dia de trabalho". (64) Dentro dessa primeira camada operária, a
maior parte da mão-de-obra nacional era recrutada nos orfanatos, juizados de
200
menores, casas de caridade e entre desempregados das cidades. (65) O restante
da reserva de força de trabalho incluía alguns escravos e os contingentes forneci-
dos pela imigração de estrangeiros, na região leste e sul do país.
Como já foi visto, o Ceará dispunha de um número reduzido de es-
cravos. A colonização estrangeira esteve também praticamente ausente na forma-
ção da classe trabalhadora. Em que pese o discurso insistente dos presidentes da
província reclamando a vinda de colonos, sua entrada foi muito reduzida. Os maio-
res ingressos se deram em 1870, com a vinda de 387 colonos do Porto e da Ilha
de São Miguel. (66) Não havendo escravos nem imigrantes na reserva de traba-
lho, os primeiros proletários do Ceará eram, portanto, na sua quase totalidade,
provenientes das camadas da população livre urbana e rural, os chamados "traba-
lhadores nacionais".
O Estado tenta colocar em prática uma série de medidas visando o
controle dessa mão-de-obra, através de uma legislação que se intensifica após
1850.
Os desocupados, aqueles que não sabendo nenhum ofício se trans-
formam em vadios são o principal alvo da ação do poder público. Em 1854, a câ-
mara do município de Telha determina:
"o indivíduo que andar devagando pelas ruas sem que apre-
sente meio lícito pela qual adquira subsistência, será obriga-
do a assinar termo em que se lhe imponha o dever de apren-
der qualquer ofício ou procurar modo decente de vida, e não
o cumprindo será preso por oito dias, e na reincidência em
dezesseis".
E mais:
"pais que pelo mal entendido amor conservarem em suas
companhias filhos a quem não possam sustentar e educar,
serão obrigados a entregá-los a mestres de ofícios, para que
201
com termo passado se obriguem em tempo tratado apresen-
tá-los oficiais". (67)
A antiga ideia de criar Companhias de Trabalhadores volta à baila
em 1858, desta vez regulamentada em decreto que prevê o recrutamento para o
trabalho na agricultura e obras públicas:
"os mesmos trabalhadores só poderão, em regra, ser empre-
gados em serviço dentro do seu município, ou nos limitrofes,
salvo se voluntariamente se prestarem ou engajarem para
trabalhos em qualquer outros; ou se o presidente da provín-
cia, por motivos de manifesta utilidade pública, e para dar
impulso a alguma obra importante, assim o determinar". (68)
Não é demais lembrar que o recurso ao trabalho compulsório tinha
antecedentes de grande eficácia no Ceará, desde a experiência dos jesuítas nos
aldeamentos indígenas, que por muito tempo forneceram aos colonos a mão-de-
obra que necessitavam para a fiação e tecelagem e para as oficinas mecânicas e
manuais.
As companhias imaginadas pelo Presidente Alencar na década de
1830 e novamente tentadas na década de 1850, não por acaso, mantinham para-
lelo com o recrutamento militar. Na década de 1860, as frentes de trabalhadores e
os destacamentos para a Guerra do Paraguai eram literalmente caçados entre a
pobreza, no campo como na cidade, fazendo com que o temor da escravização se
alastrasse entre a população e forçasse sua interiorização pelas serras, em busca
de esconderijo.
Entretanto, a submissão não se dava de forma passiva. A violência
das ralações sociais em todo o Nordeste recrudesceu com o fim do tráfico de es-
cravos e as mudanças irreversíveis nas relações de trabalho. Basta lembrar, como
indícios dessa violência ainda pouco estudada pela historiografia, (69) os movi-
mentos armados que tiveram lugar em Pernambuco, Alagoas e Paraíba, logo após
a Revolução Praieira de 1848, contra a determinação imperial de realizar o Censo
202
Geral da população e o Registro Civil dos Nascimentos, pelo temor da população
de que essas medidas fossem formas disfarçadas de escravização.
"... espalhara-se a notícia de que os decretos 797 e 798 visa-
vam a 'escravizar a todos os recém-nascidos e aqueles bati-
zados com as formalidades prescritas por aquela lei' que fa-
zia parte de um plano geral para reduzir 'à escravidão as
pessoas livres' e, para enfim 'reduzir à escravidão a gente de
cor". (70)
O momento era propício para que os grandes proprietários, que se
queixavam da "preguiça" e "resistência ao trabalho" por parte dos trabalhadores
livres, diz Hamilton Monteiro, tentassem obter maiores cotas de trabalho dos mo-
radores e "leis repressoras da vadiagem, que forçassem os homens ao trabalho".
O vínculo entre recrutamento militar e trabalho compulsório não era
destituído de fundamento e por aí se explica a desconfiança e oposição a qualquer
lei de recrutamento militar, como a de 1874, que espalhou entre a população a
preocupação de que tornaria todo cidadão escravo, pois se aplicava sobretudo
aos indivíduos de 'baixa condição", "moradores" e "proletários". (71)
Os abusos do recrutamento constante e arbitrário entre os homens
válidos das famílias de agricultores era fonte contínua de conflitos. No Ceará ocor-
reram distúrbios provocados pela lei de alistamento de 1874 em Acarape, Limoei-
ro, Quixadá, Boa Viagem, Baturité e Saboeiro. Como em outras províncias, essa
lei provocou a reação preponderante das mulheres, que pela primeira vez atuam
coletivamente em uma rebelião, temendo perder seus maridos e filhos, e atacam
as juntas paroquiais, instaladas nas igrejas locais.
"Instaladas as juntas e tendo-se iniciado os trabalhos, grupos
de mulheres, em sua maioria, invadem as igrejas, rasgam os
editais e exemplares da lei, destroem móveis e utensílios e
partem ameaçando voltar a qualquer momento". (72)
203
O protesto das mulheres certamente refletia também a longa experi-
ência acumulada de exploração do trabalho. Orfanatos, casas de caridade, juiza-
dos de menores abrigavam grande número de moças e meninas sem família, de
onde saíram as primeiras operárias.
As casas de caridade aparecem no Ceará por iniciativa do padre Jo-
sé Antônio Maria Ibiapina. A primeira de que se tem notícia é a Casa de Caridade
de Santa Ana, fundada em 1863, "um vasto e elegante edifício de boa e sólida
construção, levantado em 72 dias". (73) O Padre Ibiapina atua mais intensamente
na região do Cariri, fundando casas de caridade em Missão Velha (1865), Barba-
lha e Milagres (1869) (74). Em todas elas, as oficinas mecânicas são parte impor-
tante do projeto assistencial de Ibiapina e constituem-se possivelmente na única
instituição de treinamento e formação de mão-de-obra especializada no Ceará no
século XIX. A descrição da casa de caridade de Missão Velha dá uma ideia desse
tipo de estabelecimento:
"compõe-se (o estabelecimento) de 2 salões no lado da fren-
te, uma pequena capela e um pateo ajardinado, uma ordem
de salas onde funcionam diversas oficinas, ligando-se as 2
partes do edifício por uma ordem de cubículos, de um lado e
de outro por um muro com cacimba e banheiro no centro. O
edifício é térreo tendo um sótão, que abrange todo o lado da
frente, e no qual existem diversos dormitórios". (75)
A ideia da criação de um liceu de artes e ofícios não chega a se con-
cretizar, apesar das recomendações insistentes dos relatórios presidenciais nesse
sentido. Tais recomendações tornam-se mais frequentes após a fundação do Li-
ceu de Arte e Ofícios do Rio de Janeiro (1856) e de São Paulo (1873) onde a mai-
or parte dos alunos era composta de "artistas", em sua maioria já integrados ao
mercado de trabalho. (76)
Além das casas de caridade, as colônias orfanológicas também for-
neceram, em várias partes do país, parte dos primeiros contingentes operários. No
Ceará houve a experiência da "Colônia Cristina", bastante controvertida. Criada
204
em 1877, empregava trabalhadores sobretudo no corte de lenha para consumo da
via Férrea de Baturité, Os órfãos eram iniciados no aprendizado de ofícios, princi-
palmente de ferreiro, carpinteiro, sapateiro e alfaiate, além dos que se ocupavam
da lavoura. Acusada de estar sendo utilizada a serviço de interesses particulares,
surge a idéia de transformá-la em colônia correcional para vadios e mendigos, até
que uma lei de 1896 lhe dá novo destino - o cultivo de fumo para fabricação de
cigarros, charutos e rapé, que não chegou a se concretizar. (77)
Quanto à diferenciação entre o segmento de artesãos e o de operá-
rios fabris na composição da classe trabalhadora na indústria, como observa Foot
e Leonardi, fica difícil caracterizá-la, pelo fato de que os dados estatísticos ao citar
os "estabelecimentos industriais" tanto incluem as grandes fábricas, como a pe-
quena indústria e as oficinas. (78)
O primeiro Censo oficial de 1872 agrupa essa categoria sob a deno-
minação de "profissões manuais e mecânicas", enquanto o Censo de 1900 as de-
nomina "artes e ofícios", sem estabelecer diferenças entre artesãos independentes
(os chamados "artistas") e operários fabris.
No Ceará, essa categoria totalizava, em 1872, 63.257 indivíduos e
em 1900, 74.997 indivíduos, que representavam aproximadamente 15% da popu-
lação ativa da província. (79)
No Censo de 1872 discrimina as profissões manuais e mecânicas, o
que não é feito em 1900, e por ela se pode ter uma idéia da distribuição de arte-
sãos e operários entre as diversas profissões, no último quartel do século passa-
do, embora sem precisar, como foi dito, quem era artesão e quem era operário.
Profissões Manuais ou Mecânicas no Ceará - 1872
costureiras 38.379
canteiros, calafa-
tes, mineiros e
cavoqueiros
193
205
em metais 1.139
em madeiras 1.872
em tecidos 18.135
de edificações 639
em couros e peles 717
em tinturaria 26
de vestuário 1.235
de chapéus 59
de calçados 1.133
Total 63.257
Fonte: Diretoria Geral de Estatística, Rio
de Janeiro, 1876.
Vale destacar que a profissão de costureira, uma das mais antigas,
que garantia a sobrevivência das mulheres que tinham que ganhar o seu sustento
desde os tempos coloniais, como se viu no primeiro capítulo, continuava a manter
o primeiro lugar das profissões artesanais. O grande número de trabalhadores no
setor de tecidos que, como também já foi bastante frisado, era constituído predo-
minantemente por mulheres, mostra o papel significativo do trabalho feminino no
setor industrial do Ceará, fator, aliás, que perdura ainda hoje.
Os dados estatísticos mostram, porém, que cerca de 40% da popula-
ção ativa estava ocupada na agricultura e 27% nos serviços domésticos, ou seja,
o lugar do trabalho artesanal e fabril era bastante secundário no conjunto da vida
produtiva. além disso, o número de indivíduos sem profissão era muito grande -
representava cerca de 40% de toda a população da província.
Na passagem do século XIX para o século XX, em que a maior parte
da população brasileira ainda estava concentrada nas atividades agrícolas, o es-
tudo do trabalho artesanal no Ceará coloca uma questão mais global, que consiste
em verificar como se situa o artesão no conjunto da vida produtiva, no momento
em que se intensificam as desigualdades regionais, com a nascente concentração
206
industrial no centro-sul e a crescente evasão de mão-de-obra nordestina em dire-
ção a esse novo polo urbano-industrial.
É o que se procura analisar a seguir, a título de considerações finais.
Notas.
(1) Chandler, Billy Jaynes. Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns: a his-
tória de uma família e uma comunidade no Nordeste do Brasil. Fortaleza/Rio
de Janeiro, Edições UFC/Civilização Brasileira, 1980.
(2) Nogueira, Paulino. Presidentes do Ceará Durante a Monarquia. 3º
volume, Fortaleza, Instituto do Ceará, 1889, p. 107.
(3) idem, ibidem, p. 110.
(4) ibidem, p. 113.
(5) Nogueira, Paulino. Op. cit., p. 126-135. Segundo Raimundo Girão
chegaram 16 obreiros apenas, sendo 4 pedreiros, 3 carpinteiros, 1 ferreiro, 1
arquiteto, 1 serralheiro, 2 marceneiros, 2 cavoqueiros e 2 cantareiros. Girão,
Raimundo. Pequena História do Ceará. 3ª ed., Fortaleza, Imprensa Universitá-
ria, 1971, p. 182-3.
(6) Nos termos da portaria imperial de 31 de março de 1824, quando fo-
ram definidos os privilégios em favor das primeiras famílias alemãs estabeleci-
das em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Cf. Nascimento, F.S. "Síntese His-
tórica da Escravidão Negra no Ceará". Revista Aspectos. Fortaleza, Secretaria
de Cultura e Desporto, 1984, p. 21.
(7) Studart, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará. Op. cit.,
v. II, p. 76-78.
207
(8) Denis, Ferdinand. Brasil, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, São Paulo, Ed.
da Universidade de São Paulo, 1980, p. 288.
(9) idem, ibidem.
(10) ibidem, p. 292.
(11) Araripe, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará. Op.
cit., p. 63-66.
(12) Ewbanck, Thomas. A Vida no Brasil ou Diário de uma Visita ao Pa-
ís do Cacau e das Palmeiras. 2º volume, Rio de Janeiro, Conquista, 1973, p.
316-17.
(13) Araripe, Tristão de Alencar. Op. cit., p. 70-72.
(14) Chandler, Billy Jaynes. Op. cit., p. 181-82.
(15) Relatório do Presidente Vicente Pires da Motta na Abertura da
Sessão da Assembléia Legislativa Provincial em 1854, DHBEC, p. 2.
(16) Relatório do Presidente João Silveira de Souza à Assembleia Le-
gislativa Provincial em 1859, DHBEC, p. 29.
(17) Beiguelman, Paula. Formação Política do Brasil. São Paulo, Pio-
neira, 1967, p. 100.
(18) Luz, Nícia Villela. A Luta Pela Industrialização no Brasil. São Pau-
lo, 1960, p. 28.
(19) Beiguelman, Paula. Op. cit., p. 103.
(20) Deveza, Guilherme. Política Tributária no Período Imperial. In: His-
tória Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, volume 4, São Paulo, Difel, 1971,
p. 71.
(21) Bastos, Tavares. Cartas do Solitário. São Paulo, Cia. Ed. Nacional,
p. 367.
(22) Oliveira, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença. Um surto
de industrialização na Bahia do século XIX. Salvador, Centro de Estudos Bai-
208
anos, 1985, p. 35-6. Ver também Pinho, Wanderley. A Bahia - 1808-1856. In:
História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, volume 2, São Paulo, Difel,
1967 e Stein, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil -
1850/1950. Op. cit., cap. 2.
(23) Oliveira, Waldir Freitas. Op. cit., p. 37-51.
(24) Stein, Stanley. Op. cit., p. 35-36.
(25) Brasil, Thomaz Pompeu de Sousa. Ensaio Estatístico da Província
do Ceará. Fortaleza, Tip. B. de Matos, 1864.
(26) Relatório do Presidente João Silveira de Sousa de 1859. Op. cit.,
p. 26.
(27) Galeno, Juvenal. Lendas e Canções Populares. Fortaleza, Impren-
sa Universitária, 1965, p. 265-68.
(28) Braga, Renato. História da Comissão Científica de Exploração.
Fortaleza, Imprensa Universitária, 1962. Ver também Alves, Joaquim. História
das Sêcas - Séculos XVII a XIX. Fortaleza, Instituto do Ceará, 1953, cap. III.
(29) Meyer, Marlyse. "Um Eterno Retorno: As Descobertas do Brasil".
Cadernos CERU, nº 13, 2ª série, 1980, p. 26.
(30) Braga, Renato. Op. cit., p. 36-8.
(31) Anais da Biblioteca Nacional. Os Manuscritos do Botânico Freire
Alemão. Catálogo e Transcrição. Volume 81, Rio de Janeiro, 1961.
(32) idem, ibidem, p. 211.
(33) ibidem, p. 218.
(34) ibidem, p. 211-12.
(35) Diário do Rio, 1861. Transcrito in Braga, Renato, Op. cit., p. 115-
129.
(36) Hardman, Francisco Foot. "Brasil na Era do Espetáculo: figuras de
fábrica nos sertões". In Autores Vários. Relações de Trabalho & Relações de
209
Poder. Mudanças e Permanências. Fortaleza, Mestrado em Sociologia e Nú-
cleo de Estudos e Pesquisas Sociais da Universidade Federal do Ceará,
1986, p. 12.
(37) idem, ibidem, p. 12-15.
(38) Bastos, Tavares. Op. cit., p. 364-65.
(39) Barros, José Júlio de Albuquerque. Relatório e Catálogo da Expo-
sição Agrícola e Industrial do Ceará em 1866. Rio de Janeiro, Tip. Perseve-
rança, 1867, p. 9.
(40) idem, ibidem, p. 33.
(41) Exposição de Chicago, 1892-1893. Catálogo dos Produtos do Cea-
rá remetidos à Exposição Preparatória do Rio de Janeiro. Fortaleza, Tip. Eco-
nômica, 1893.
(42) idem, ibidem, p.
(43) idem, ibidem, p.
(44) idem, ibidem, p.
(45) Hall, Anthony L. Drought and Irrigation in North-East Brazil. Lon-
dres, Cambridge University Press, 1978.
(46) idem, ibidem, p. 4.
(47) Theóphilo, Rodolpho. História da Seca no Ceará - 1877-1880. 2ª
ed., Rio de Janeiro, Imp. Inglesa, 1922, p. 417.
(48) Brasil Filho, Thomaz Pompeu de Sousa. Rápida Notícia sobre o
Ceará destinada à Exposição de Chicago. Fortaleza, Tip. Econômica, 1893, p.
162.
(49) idem, ibidem, p. 169.
(50) Hardman, Francisco Foot. Op. cit., p. 20.
210
(51) Campos, Eduardo. Procedimentos de Legislação Provincial do
Ecúmeno Rural e Urbano do Ceará. Fortaleza, Secretaria de Cultura e Des-
portos, 1981, p. 44.
(52) Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do
Ceará para o ano de 1873. Fortaleza, Ed. João Batista Pereira, 1873, p. 442-
51. Almanaque Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do
Estado do Ceará. Fortaleza, Tip. Universal, 1899.
(53) Almanaque de 1873, op. cit., p. 449.
(54) Lemenhe, M. Auxiliadora. Op. cit., p. 72-3.
(55) Pompeu Filho. Op. cit., p. 166. Sobre a indústria têxtil no Ceará ver
Aragão, Elizabeth Fiúza. A Trajetória da Indústria Têxtil no Ceará: O Setor de
Fiação e Tecelagem, 1880-1950. Fortaleza, Núcleo de Documentação Cultural
da Universidade Federal do Ceará, 1986.
(56) Aragão, Elizabeth Fiúza. Op. cit., p. 28-38.
(57) Luz, Nícia Villela. Op. cit., p. 41-50.
(58) Aragão, Elizabeth Fiúza. Op. cit., p. 41-50.
(59) idem, ibidem, p.
(60) Almanaque de 1899, op. cit.
(61) Stein, Stanley. Op. cit., cap. 7.
(62) Villela, Annibal Villanova e Suzigan, Wilson. Política do Governo e
Crescimento da Economia Brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro, IPEA/INPES,
1973, p. 31-39.
(63) Pompeu Filho. Op. cit., p. 169.
(64) Stein, Stanley. Op. cit.
(65) idem, ibidem, p. 66.
(66) Studart, Guilherme. Op. cit., p. 205-07.
(67) Campos, Eduardo. Op. cit., p. 58-9.
211
(68) idem, ibidem, p. 57.
(69) Ver a esse respeito Monteiro, Hamilton de Mattos. Nordeste Insur-
gente, 1850-1890. São Paulo, Brasiliense, 1981.
(70) idem, ibidem, p. 37.
(71) ibidem, p. 51.
(72) ibidem, p. 75.
(73) Studart, Guilherme. Op. cit., p. 174.
(74) idem, ibidem, p. 199-200.
(75) ibidem, p. 184.
(76) Sobre as Academias e Liceus no ensino das artes e ofícios no Im-
pério ver Durand, José Carlos Garcia. Arte, Privilégio e Distinção. Tese de
doutoramento, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univer-
sidade de São Paulo, datilo., 1985.
(77) Campos, Eduardo. Op. cit., p. 138-143.
(78) Foot, Francisco e Leonardi, Victor. História da Indústria e do Traba-
lho no Brasil. São Paulo, Global, 1982, cap. 6.
(79) Os dados foram extraídos das seguintes fontes: Diretoria Geral de
Estatística. Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876. Rio de Janeiro, Tip.
Hipólito José Pinto, 1877. Diretoria Geral de Estatística. Relatório apresentado
ao Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Rio de Janeiro, Tip. de Es-
tatística,1908.
212
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O ARTESÃO DIANTE DA INDUSTRIALIZAÇÃO
213
Viu-se, pela análise dos capítulos anteriores, que a tentativa de com-
preensão de uma categoria - o artesão - tornou necessário um esforço de reconsti-
tuição histórica através de um longo período de tempo. Isso porque sua origem
remonta ao passado colonial, complexa herança das artes e ofícios medievais por-
tugueses, mesclada à diversidade dos que se desenvolveram localmente, incorpo-
rando a cultura material indígena e de origem africana.
A produção industrial, sem nunca ter sido um setor essencial e ape-
sar de combatidas pelas camadas agro-exportadoras, que não desejavam o des-
vio de mão-de-obra e capitais para outras atividades que não a agricultura e o co-
mércio a ela relacionado, teve, entretanto, uma expansão bem mais ampla, diver-
sificada e complexa do que se costuma supor.
O primeiro grande impulso se dá no século XVIII, quando a expansão
das artes e ofícios manuais e mecânicos acompanha o crescimento das cidades e
da população, a oferta de matérias-primas e a formação de um mercado de troca
interno à colônia. Os ofícios urbanos tornam-se um dos raros meios de sobrevi-
vência para a população pobre livre e ex-escravos, e representa uma possibilidade
de ascensão social para os que conseguiam adquirir uma especialização profissi-
onal, chegando a se constituir uma camada pequeno burguesa de certo status nas
principais cidades e vidas coloniais.
As transformações sociais das primeiras décadas do século XIX tra-
zem consigo o início da proletarização do artífice e uma queda na escala social
para o mestre artesão independente, com a entrada em massa de manufaturados
europeus a preços baixos e o fim dos privilégios do sistema corporativo, que re-
presentam um momento de ruptura para a categoria.
214
Foi visto também que, se a reconstituição do artesanato urbano é ta-
refa difícil, mais ainda é tentar acompanhar sua trajetória no campo, uma vez que
as diferenciações foram muitas, em função das condições específicas de cada
região. Optando pelo estudo da região algodoeira-pecuária do sertão nordestino,
acompanhou-se a evolução das artes e ofícios no Ceará, onde ainda hoje a pro-
dução artesanal é atividade que ocupa grande parte da classe trabalhadora.
Assim, foi assinalado que o complexo formado pela criação de gado
e plantação de algodão se constituiu em polo gerador de núcleos artesanais no
Ceará colonial, que se expandem e diversificam no decorrer do século XIX, como
meio de sobrevivência de uma crescente camada de homens livres. O trabalho
artesanal, conjugado à pequena produção de alimentos, garantia a reprodução da
força de trabalho a baixo custo, permitindo a expansão da agricultura comercial,
através de uma gama variada de formas de trabalho familiar e individual.
A incorporação do chamado "trabalhador nacional" no Nordeste, que
se deu de forma precoce em comparação com outras regiões, inicia-se em 1830 e
é marcada pela violência e aviltamento das relações de trabalho, degradadas pelo
estigma da ideologia escravista. A concentração crescente da propriedade fundiá-
ria, a pobreza geral do meio, as crises da agricultura comercial, as condições ad-
versas do clima, marcado por secas periódicas, imprimiram permanente instabili-
dade e desenraizamento à população destituída.
No final do século a existência de um "excedente populacional" faz
com que a perspectiva de sair para outras regiões em busca de trabalho se apre-
sente, cada vez mais, como último recurso e esperança, resultando no processo
de migração em massa.
Entre 1830 a 1900, o trabalho artesanal no Ceará se expandiu sobre-
tudo nos setores onde já havia alcançado alguma diversificação no século XVIII -
calçados de couro, tecidos, redes, rendas e bordados de algodão, agora acresci-
dos de ramos como a cerâmica, a madeira e a metalurgia. Mantinha-se, funda-
mentalmente, como atividade vinculada à estrutura agrária e dela dependente,
descentralizada, dispersa e atomizada pelos pequenos núcleos urbanos, bairros
215
rurais e interior das fazendas. Comercializava-se o excedente produzido, nas inú-
meras feiras e mercados locais e na venda ambulante que percorria as estradas
de passagem do gado e algodão, entre o litoral e o interior.
Na segunda metade do século XIX, dá-se uma "descoberta" da vari-
edade, qualidade e criatividade do artesanato cearense, que ia da fabricação de
objetos de uso diário a artigos de luxo e mesmo supérfluos. As exposições indus-
triais, veiculando a produção a nível provincial e nacional, atuam no sentido de
mostrar o panorama das manufaturas no Brasil e acirrar o debate entre livre-
cambistas e protecionistas, em torno da política industrial.
Os artesãos escapam aos ataques dos grandes produtores e comer-
ciantes, empenhados em combater a grande indústria, acusada de desviar capitais
e mão-de-obra da agricultura. A pequena indústria no Ceará, pelo contrário, é re-
conhecida pela sua importância em manter o nível de emprego, ao lado da agricul-
tura de subsistência, atenuando o êxodo crescente de trabalhadores.
Do ponto de vista da base técnica e material, dos processos de fabri-
cação e da divisão social do trabalho, houve poucas transformações no artesanato
cearense, no período estudado. A herança de trabalho reproduzia-se secularmen-
te, de geração à geração, pela transmissão familiar e oficinal do aprendizado,
mantendo a divisão sexual da especialização nos diferentes ramos e ocupando,
predominantemente, a mão-de-obra feminina. O surgimento das primeiras fábri-
cas, na década de 1880, pouco alterou esse panorama.
As dificuldades de diferenciação entre artesãos e operários, na pas-
sagem do século XIX para o século XX, refletem-se na forma confusa com que as
profissões são agrupadas nos primeiros censos estatísticos nacionais. O Recen-
seamento de 1872 distingue duas categorias: "manufatureiros e fabricantes" e
"profissões manuais ou mecânicas". O Recenseamento de 1900 divide-as em "in-
dústria manufatureira" e "artes e ofícios", sem discriminação por setor de produ-
ção.
A partir de 1920, sintomaticamente, as "artes e ofícios" desaparecem
dos Censos, dando lugar ao tipo de classificação que, com algumas modificações,
216
perdura até hoje, distinguindo quatro setores básicos: agricultura, indústria, co-
mércio e serviços, ficando os artesãos submergidos no interior da camada indus-
trial, sem distinção do setor operário.
Os primeiros censos oferecem informações valiosas sobre a posição
da categoria "artes e ofícios" no conjunto das ocupações, no momento em que
começa a se expandir a indústria fabril. Entre 1872 e 1900, quando a maior parte
da população estava ocupada no trabalho agrícola e, em segundo lugar no serviço
doméstico, as artes e ofícios aparecem em terceiro lugar no rol das profissões,
representando um pouco mais de dez por cento da população ativa.
Brasil - Distribuição ocupacional, 1872-1900
Profissões 1872 1900
Trabalhadores agrícolas 3.253.246 5.054.907
Indústria manufatureira 19.343 195.599
Profissões manuais ou me-
cânicas/ artes e ofícios
749.218
963.969
Profissões liberais 73.100 87.406
Profissões comerciais 102.343 322.857
Serviço doméstico 1.056.021 2.358.759
Outras profissões 502.801 352.776
Sem profissão 4.174.406 7.290.718
Total 9.930.478 16.626.991
Fontes: Diretoria Geral de Estatística, Relatório e Trabalhos Es-
tatísticos de 1876, Rio de Janeiro, Tip. Hipólito José Pinto,
1877. Diretoria Geral de Estatística, Relatório apresentado ao
Ministro da Indústria Viação e obras Públicas, Rio de Janeiro,
Tip. de Estatística, 1908.
Note-se que a indústria manufatureira, apesar de ser ainda muito re-
duzida teve um índice de crescimento maior do que as artes e ofícios no período.
217
Chama atenção, também, no quadro anterior, o elevado número dos sem profis-
são no país, que representam cerca de 40 por cento do total da população.
Examinando-se mais de perto os dois setores industriais, verifica-se
que a indústria manufatureira, em 1872, ocupava um número maior de homens,
enquanto que em 1900 passara a ocupar uma proporção majoritária de mulheres.
Já nas artes e ofícios, a divisão sexual do trabalho seguiu um padrão diverso. Em
1872 havia maioria absoluta de mulheres, enquanto que em 1900, embora a mão-
de-obra feminina fosse predominante, havia crescido bastante o número de ho-
mens empregados no setor.
Trabalhadores na Indústria Manufatureira, Artes e ofícios 1872-1900
1872 1900
Total Homens Mulhe-
res
Total Homens Mulhe-
res
Indústria Ma-
nufatureira
19.343
14.473
4.870
195.599
17.932
177.667
Artes e ofí-
cios
749.219 134.123 615.096 963.969 363.196 600.772
Em relação à população ocupada por região, a maior parte dos que
trabalhavam na indústria manufatureira estava localizada no Nordeste e, em se-
guida, no Leste. (A comparação por região para o ano de 1900 fica prejudicada
pela ausência da cidade do Rio de Janeiro, cujos resultados foram anulados). Em
relação às artes e ofícios pode-se dizer que as duas regiões apresentavam uma
absorção equivalente de trabalhadores.
218
População ocupada na Indústria Manufatureira, Artes e Ofícios - 1872-1900
Região Ind. Manufatureira Artes e Ofícios População Total
1872 1900 1872 1900 1872 1900
Norte 3.854 8.727 58.246 79.228 410.202 741.948
Nordeste 10.079 112.669 303.475 469.899 2.480.861 3.514.234
Leste* 3.911 48.932 318.189 325.526 2.269.429 3.919.093
Sul 1.102 3.747 44.155 66.107 460.030 955.101
Centro-
Oeste
397
21.524
25.153
23.209
135.540
205.897
Total 19.343 195.599 749.218 963.969 9.930.478 16.626.991
(*) O Censo de 1900 não inclui a cidade do Rio de Janeiro, cujos resultados foram
anulados.
Dentro da região Nordeste, há diferenças interessantes entre 1872 e
1900. Em 1872, a Bahia ocupava a maior parte da mão-de-obra na indústria ma-
nufatureira, mas em 1900 o Ceará dá um salto, alcançando o primeiro lugar em
termos de nível de emprego no setor. O crescimento em Pernambuco havia sido
surpreendentemente pequeno nesse período, aparecendo em terceiro lugar o rio
Grande do Norte. Em relação às artes e ofícios, novamente se destaca sua pre-
sença na Bahia, reflexo, possivelmente, da grande expansão do artesanato urba-
no nessa cidade nos tempos coloniais. O mesmo se pode dizer do Ceará, em re-
lação à herança artesanal no campo. Novamente a participação de Pernambuco,
por ser pequena, em termos proporcionais à população da província, chama a
atenção do observador sobre os possíveis motivos da limitada expansão artesanal
e manufatureira na zona da monocultura açucareira.
219
População ocupada na Indústria Manufatureira, Artes e Ofícios,1872-1900
Nordeste Ind. Manufatureira Artes e Ofícios População Total
1872 1900 1872 1900 1872 1900
Piauí 108 9.226 24.589 33.655 202.222 334.328
Ceará 597 38.143 63.257 74.997 721.686 849.127
R. Gde.Norte 271 11.715 15.769 15.933 233.979 274.317
Paraíba 118 4.452 26.029 14.463 376.226 490.784
Pernambuco 1.375 4.848 32.025 52.128 841.539 1.178.150
Alagoas 477 4.080 19.769 36.732 348.009 649.273
Sergipe 309 3.900 12.656 34.796 176.243 356.264
Bahia 6.824 36.305 109.381 207.195 1.379.616 2.177.956
Total 10.079 112.669 303.475 469.899 4.279.520 6.250.199
No Leste, para efeitos comparativos, Minas Gerais apresentava o ín-
dice mais alto de emprego nos dois setores. São Paulo aparece em segundo lu-
gar, registrando um crescimento significativo entre 1872 e 1900, seguido do Rio de
Janeiro.
Leste Ind. Manufatureira Artes e Ofícios População Total
1872 1900 1872 1900 1872 1900
Minas Gerais 754 42.065 198.808 192.584 2.039.735 3.594.471
Espírito Santo 78 313 9.166 3.216 82.137 209.783
Guanabara 822 - 29.683 - 274.972 -
Rio de Janeiro 679 1.659 24.121 32.650 782.724 926.035
São Paulo 1.578 4.895 56.411 97.076 837.354 2.282.279
Total 3.911 48.932 318.189 325.526 4.016.922 7.012.568
220
O setor artesanal e manufatureiro não é demais frisar, tinha, pois,
um papel significativo em termos de manutenção do nível de emprego no final do
século passado, em quase todas as partes do país.
O que se pode concluir deste estudo é que as condições de sua evo-
lução particular no caso do complexo algodoeiro-pecuário não representam um
caso isolado, uma exceção, embora o Ceará se destacasse no setor, quando
comparado a outras províncias, dentro e fora da região. Pelos dados acima apre-
sentados, vê-se que havia um contingente razoável de trabalhadores na indústria,
espalhados por todo o país, nos mais variados setores, às vésperas do processo
de concentração da indústria fabril em São Paulo, onde iria se formar o principal
parque industrial do país.
Para ilustrar o argumento acima, veja-se a distribuição das profissões
manuais e mecânicas por província, em 1872.
221
Profissões Manuais e Mecânicas por Província - 1872
Província Costu-
reiras
Cantei-
ros e
Calce-
teiros
Metais Madeira Tecidos Edifica-
ções
Cou-
ros/
Peles
Tin-
tu-
raria
Vestuá-
rio
Chapéus Calça-
dos
Total
Amazonas 4.064 52 202 306 1 140 - - 155 1 145 5.066
Pará 8.572 389 942 2.493 369 1.342 134 52 999 120 735 16.147
Maranhão 23.843 134 1.637 3.292 2.195 1.925 235 7 1.924 95 1.746 37.033
Piauí 18.003 - 454 665 4.110 332 128 - 245 2 650 24.589
Ceará 38.379 193 1.139 1.872 18.135 369 717 26 1.235 59 1.133 63.257
Rio Gde.Norte 9.966 - 391 846 2.939 609 115 - 289 2 612 15.769
Paraíba 18.528 42 295 703 5.040 394 183 21 336 36 451 26.029
Pernambuco 20.627 111 1.380 2.218 2.100 1.958 540 66 1.204 204 1.617 32.025
Alagoas 12.653 35 920 1.814 840 953 287 16 989 115 1.147 19.769
Sergipe 7.765 13 529 1.072 1.645 298 134 5 623 21 551 12.656
Bahia 76.651 1.135 4.555 6.925 6.471 5.297 361 48 3.476 224 4.238 109.381
Espírito Santo 6.426 6 250 707 1.224 220 41 - 192 1 99 9.166
Rio de Janeiro 11.592 928 2.987 5.920 14 2.738 479 8 2.519 498 2.000 24.121
Guanabara 21.536 219 239 819 376 185 5 8 317 44 373 29.683
São Paulo 29.082 600 3.197 5.581 10.256 2.366 1.256 202 1.659 386 1.826 56.411
222
Paraná 2.083 - 247 548 - 286 55 - 156 2 315 3.647
Santa Catarina 5.238 115 351 1.017 1.306 379 167 63 213 21 283 9.153
Rio Gde do Sul 27.587 124 309 929 933 238 347 6 381 29 472 31.355
Minas Gerais 124.633 187 121 786 70.904 231 81 1 838 5 1.021 198.808
Goiás 8.934 107 593 799 9.829 459 325 23 463 65 547 22.144
Mato Grosso 1.830 - 123 361 183 243 27 - 122 - 120 3.009
Total 477.947 4.390 20.861 39.673 138.870 20.962 5.617 552 18.335 1.930 20.081 749.218
223
Deixando de lado o numerosíssimo grupo das costureiras, que cer-
tamente está a merecer um estudo específico na história do trabalho feminino, o
quadro anterior traz indicações interessantes sobre a diversidade do artesanato e
das manufaturas nas diferentes províncias. Algumas apresentavam produção bas-
tante diversificada, como São Paulo, Bahia, Maranhão e cidade da Guanabara. A
arte da madeira era particularmente desenvolvida nessas províncias, assim como
no Pará e Pernambuco. Outras concentravam quase toda a produção na manufa-
tura de tecidos, caso sobretudo de Minas Gerais, onde os demais ramos eram
quase inexistentes, de Goiás, da Paraíba. A metalurgia era um setor expressivo
em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, assim como a construção civil, que tam-
bém empregava mão-de-obra acima da média no Maranhão e Pernambuco, em
edificações.
Que conclusões se pode tirar da posição da camada artesanal diante
do processo de industrialização? Evidentemente, para responder a essa questão
seria necessário estender a pesquisa para o período que se inicia em 1920 e
acompanhá-la até nossos dias, pois as artes e ofícios continuam a ser atividade
dinâmica em numerosas partes do país. As décadas seguintes representaram,
sem dúvida, um novo momento de ruptura no processo histórico das relações de
trabalho no Brasil.
Nesse processo, o artesão submergiu em obscurecimento ainda
maior, diante da ideologia da modernização, do desejo de superação do "atraso"
por parte das teorias desenvolvimentistas e industrializantes. Mas não desapare-
ceu, não deixou de existir, principalmente ali onde as condições estruturais conti-
nuavam as mesmas, ou quase as mesmas, e onde a sobrevivência do trabalhador
continuou a depender desses meios precários de sobrevivência, que conseguem
garantir sua subsistência, na luta de cada dia.
Sem dúvida, há ainda muito a ser investigado e desvendado, acerca
dos meios de vida de amplas camadas da população brasileira, no passado como
no presente, no campo e na cidade, no Norte e no Sul, nas "artes", nos "ofícios",
assim como nas demais esferas da produção cotidiana da classe trabalhadora.
224
Abreviaturas
AHU - Arquivo Histórico Ultramarino.
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa.
BNRJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
DHBEC- Documentos Históricos da Biblioteca do Estado do Ceará.
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