2004 natal rn otutumi christiane hatsue vital
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ARTETERAPIATRANSCRIPT
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UnP UNIVERSIDADE POTIGUAR
ALQUIMY ART
PR REITORIA DE PS-GRADUAO LATU SENSO
CURSO DE PS-GRADUAO EM ARTETERAPIA
CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI
O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA:
DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA
NATAL
2004
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CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI
O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA:
DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA
Monografia apresentada Universidade
Potiguar UnP e ao Alquimy Art SP, como parte dos requisitos para a
obteno do ttulo de Especialista em
Arteterapia.
Orientadora: Prof. Dra. Cristina Dias
Allessandrini.
Co orientadora: Prof. Sonia Silva
NATAL
2004
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O88u Otutumi, Cristiane Hatsue Vital
O universo sonoro da arteterapia: desenvolvimento musical nas etapas da
oficina criativa. / Cristiane Hatsue Vital Otutumi. Natal, 2004. 94 f.
Monografia (Especializao em Arteterapia). - Universidade Potiguar.
Pr-Reitora de Pesquisa e Ps-Graduao.
1. Arteterapia - Monografia. 2. Msica 3. Musicoterapia I. Ttulo.
RN/UNP/BCFP CDU: 37.015.3
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CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI
O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA:
DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA
Monografia apresentada pela aluna Cristiane Hatsue Vital Otutumi ao curso de Especializao
em Arteterapia em ___/___/___ e, recebendo a avaliao da Banca Examinadora constituda
pelos professores:
_________________________________________________
Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini
___________________________________________________
Prof. Sonia Silva
___________________________________________________
Prof. MsC. Deolinda Fabietti
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A Frutos da Natureza e todos os seus colaboradores,
Amigos de longa data.
queles que acreditam em possibilidades infindveis
de se visualizar luz.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo aos meus pais, Leila e Shingiro Otutumi, por me permitirem e me
incentivarem com tanto amor e dedicao a sempre prosseguir, percebendo a
importncia que o meio musical se tornou para mim.
Aos meus irmos queridos, Mrcio e Fernando, por me acompanharem, fortalecendo
laos de real fraternidade entre ns, e tambm por seguirem neste rumo s artes,
perseverando na busca de seus prprios caminhos.
Aos meus tios, Mrio e Rosely, que se tornaram tambm pais ao apoiar quando
precisei e quando no sabia que precisava de algo. Por saber, com eles, o que servir.
Ao meu primo Francisco, mais uma rvore de arte que se abre.
Aos meus avs maternos que foram a raiz forte de tudo.
Ao meu esposo Fabio, companheiro e leitor atento, minha fonte de bom senso em
palavras e gestos, que tanto acredita e luta por ns, e pela verdadeira msica.
prof. Dra. Cristina Allessandrini, pelo carinho, pelo entusiasmo e incentivo,
orientao e conhecimentos compartilhados nesta fase to rica e importante.
prof. Sonia Silva, pela ateno e cuidado com minhas palavras e pela sempre
receptiva troca de idias.
Aos amigos Marcus Varela pela traduo do resumo para a lngua inglesa e a
Elizabeth Kanzaki pela pacincia durante minhas eternas dvidas de normalizao.
A tantos amigos e professores, alunos e clientes pelo encontro nesta vida.
A Deus, pai infinito, que oferece essa oportunidade para mim.
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O artista cria e criado, para revelar novas
realidades entre as palavras e o terreno do
inominvel.
Carlos Daniel Fregtman (1989)
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RESUMO
O objetivo deste trabalho apresentar o meio sonoro da arteterapia, atravs da metodologia
idealizada por Allessandrini (1996) denominada Oficinas Criativas, na qual a concepo do som fundamenta-se e conduzida em cada uma das suas cinco etapas: Sensibilizao,
Expresso livre, Elaborao, Transposio de linguagem e Avaliao. A partir da experincia
vivida em encontros com grupos de terceira idade, so comentadas diversas propostas de
atividades, relacionando-as tambm com os nveis de expresso humana segundo Lusebrink
(1990). O estudo enriquecido com breve considerao sobre a arte como expresso
espontnea e como expresso individual, bem como uma explanao entre arteterapia e
musicoterapia, alm de depoimentos das participantes e ilustraes dos trabalhos realizados,
oferecendo um panorama que confirma como o uso da msica em um contexto de atelier
teraputico pode contribuir facilitando a conscincia de potencialidades e oportunizando um
processo verdadeiro de transformao interna.
Palavras-chave: Arteterapia (msica). Msica e criatividade. Msica.
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ABSTRACT
The purpose of this work is to present the environmental sounds of Art Therapy, through the
methodology idealized by Allessandrini (1996), denominated Creative Workshop, in which the conception of sound is based and conduced through each one of its five stages:
Sensibilization, Free Expression, Development, Language transposition and Avaliation.
Starting with experiences lived in third age group meetings, several activity proposals are
commented and also related with human expression levels, according to Lusebrink (1990).
The study is enriched with a concise consideration of art as spontaneous expression and
individual expression, along with an explanation between Art Therapy and Music Therapy.
There are members testimonies and illustrations of works, offering an overview that confirms how the use of music in a context of therapeutic atelier can contribute facilitating
consciousness of potentials and allowing a true process of internal transformation.
Key-words: Art Therapy (music). Music and Creativity. Music.
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LISTA DE ILUSTRAES
Quadro 1 A msica e sua poca .................................................................... 24
Quadro 2 Apresentao da musicoterapia como nica rea de atuao em
msica com objetivos teraputicos................................................
43
Quadro 3 Apresentao de diferentes atividades com utilizao da msica,
acrescentando a Arteterapia como uma nova rea de atuao
com fins teraputicos.....................................................................
44
Exemplo musical 1 Frase cantada ................................................................................. 51
Exemplo musical 2 Palavras cantadas .......................................................................... 74
Exemplo musical 3 Aconchego .................................................................................... 75
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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 Sou eu ..................................................................................................... 53
Fotografia 2 Canto do povo ........................................................................................ 54
Fotografia 3 Trabalho com ls .................................................................................... 56
Fotografia 4 Tecendo com as mos ............................................................................ 56
Fotografia 5 Com ls em dupla ................................................................................... 56
Fotografia 6 Relaxamento .......................................................................................... 57
Fotografia 7 Brincando ............................................................................................... 58
Fotografia 8 Ritmando ................................................................................................ 58
Fotografia 9 Recorte e colagem .................................................................................. 68
Fotografia 10 Performance Sonora ............................................................................... 70
Fotografia 11 Confeco dos bonecos .......................................................................... 71
Fotografia 12 Os bonecos ............................................................................................. 71
Fotografia 13 Confeco dos ganzs ............................................................................ 72
Fotografia 14 Mscaras de carnaval ............................................................................. 76
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Exploso ........................................................................................... 60
Figura 2 A msica fez assim .......................................................................... 60
Figura 3 Abrindo a janela ............................................................................... 61
Figura 4 Minha casa ....................................................................................... 61
Figura 5 Movimento Sonoro .......................................................................... 63
Figura 6 Bordado ............................................................................................ 63
Figura 7 Rpida, lenta e mais cano ............................................................. 63
Figura 8 Carnaval ........................................................................................... 63
Figura 9 As msicas ....................................................................................... 63
Figura 10 Lao de amizade .............................................................................. 65
Figura 11 Cordo de So Francisco ................................................................. 65
Figura 12 Flor ................................................................................................... 65
Figura 13 Paz e amor ........................................................................................ 65
Figura 14 Sou uma pessoa feliz ........................................................................ 68
Figura 15 Vamos amenizar o estresse .............................................................. 68
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SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................................. 13
1.1 BUSCAS E MOTIVAOES ........................................................................................ 13
1.2 COMPONDO A ESCRITA ......................................................................................... 17
2 DO SOM AO MUSICAL .............................................................................................. 21
2.1 EXPRESSO COLETIVA X ARTSTICA INDIVIDUAL ....................................... 21
2.2 A SUTE DO CONHECIMENTO ............................................................................... 25
3 ARTETERAPIA E MUSICOTERAPIA ..................................................................... 30
3.1 UTILIZAO TERAPUTICA ................................................................................. 30
3.1.1 Musicoterapia .......................................................................................................... 30
3.1.2 Arteterapia ............................................................................................................... 32
3.2 ESTUDO COMPARATIVO ........................................................................................ 35
4 MSICA NA ARTETERAPIA .................................................................................... 47
4.1 INTEGRANDO SONS NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA ........................... 48
4.1.1 Sensibilizao ........................................................................................................... 49
4.1.2 Expresso livre ........................................................................................................ 57
4.1.2.1 Recurso sonoro como apoio para construes plsticas ................................... 64
4.2.3 Elaborao ............................................................................................................... 67
4.2.4 Transposio de Linguagem ................................................................................... 70
4.1.5 Finalizao dos encontros ....................................................................................... 73
5 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 78
REFERNCIAS .............................................................................................................. 81
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APNDICE A DISCOGRAFIA COMENTADA UTILIZADA NOS
ENCONTROS ..................................................................................................................
85
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APNDICE B PROJETO DE ARTETERAPIA COM IDOSAS ............................. 89
APNDICE C FICHA CADASTRAL DE PARTICIPANTES ................................ 94
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1 INTRODUO
1.1 BUSCAS E MOTIVAES
Comecei a estudar flauta doce aos seis anos porque tinha problemas respiratrios.
Lembro-me de estudar em casa com minha tia, soprando bexiga, velas, fazendo exerccios
para respirao, coordenao fina, escrita musical. Tudo era bem artesanal e criativo: jogos de
figuras musicais com pedaos de madeira, folhas de atividades com versinhos, partituras
feitas por minha tia. Isso me incentivava e despertava em meus irmos mais novos tambm a
vontade de aprender. Depois de um tempo fui estudar na escola de msica onde ela
trabalhava. L havia um ambiente musical maior e pude conhecer outras pessoas que tambm
gostavam do que eu gostava. A partir da a flauta no parou mais de tocar.
Tive sorte em ter perto de mim pessoas que se importavam com esse tipo de
conhecimento. Minha me j havia sido parceira de minha tia nos estudos de violo clssico;
meu pai compreendia a importncia, apesar de no entender nada dessas bolinhas pretas;
minha av materna sempre viveu a cantar e a danar no meio da casa; meu av sabia tocar
violo, apesar de gostar mais de ler versos, de contar histrias, causos de sua vida (sempre
primando pelo bom e correto portugus). Tanta coisa, tanta gente!
Em nossas reunies de famlia aniversrios, festas de fim de ano, pscoa, havia
gincana com as crianas, brincadeiras de roda, jograis sobre o natal, perguntas e debates com
temas diversos. Adultos e crianas brincavam, aprendendo. Houve natal em que ensaivamos
teatro de fantoches para apresentar no dia 25: arrumvamos a platia, fazamos convites para
distribuir entre os primos e tios; ajudvamos na preparao do lanche, era uma verdadeira
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festa. As datas especiais eram esperadas ansiosamente. Lembro-me de ter montado por vrios
anos, cartes de natal com figuras em alto relevo coloridas com papel laminado e algodo, e
distribu-las para toda a famlia; de escrever versos e rimas para ler, de montar com meu tio,
meus irmos e primos o prespio em origami. Muitas recordaes boas que poderia descrever
por muitas pginas.
ntido observar hoje que o meu universo artstico no era somente de sons. A msica
foi o que deu esse impulso de mobilizar para minha formao profissional a beleza que recebi
da arte, em forma de arte. Foi a maneira mais clara de dar continuidade ao que j fazia parte
do meu ritmo de vida, do que eu acreditava, do que poderia contribuir para uma nova
conscincia, e, assim, fui criando por meio dela a minha prpria identidade. Assim, na
adolescncia pude notar mais evidentemente os benefcios que recebia fazendo msica. Desde
a socializao (na movimentao de idias em grupos e na participao ativa do ambiente de
convvio) auto-estima (no estmulo capacidade), ao apoio para amenizar os conflitos
interiores dessa fase, formao cultural e construo do meu ser individual consciente.
Procurei estudar didtica e educao musical infantil, e esse conhecimento foi de
grande utilidade para a sedimentao terica de minhas idias. Dessa forma, dediquei tempo a
essa prtica que foi a primeira e a propulsora de outras. Assim, como tornar dinmica,
prazerosa e eficiente a aprendizagem? Era a questo central que movia meus planos de aula.
A convico de que o verdadeiro aprender deveria ser inerente a uma boa sensao era e
ainda presente, bem como a certeza de que a msica poderia ir mais alm das notas musicais.
Se para mim era to bom, por que no para os outros? Pude estudar msica em timas
instituies, pratiquei muita tcnica de instrumento, participei de diversos grupos, mas ainda
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no estava satisfeita. Percebi que ainda faltava algo (que estava na msica) e no era o que eu
aprendia na universidade.
Nesta poca, meus pais e tios abriram uma loja de produtos naturais em frente a nossa
casa. Manter a sade do corpo era tambm imprescindvel. Vamos clientes buscando
melhorar sua alimentao quase que obrigados por recomendaes mdicas, pessoas com
debilidades orgnicas que muitas vezes traziam, aliadas a isso, depresses e queixas
emocionais graves, pessoas dos mais diferentes estilos de vida. Percebi que na maneira de
comer as pessoas revelavam suas histrias e, portanto, mudar seu cardpio era mudar de
atitude perante a vida. A questo da escolha de melhores alimentos e o cuidado com a sade
trouxe muitas ligaes com o fazer arte, pois notava que com o auxlio da msica era possvel
tambm promover essa transformao pessoal.
Aps trs anos de envolvimento com temas ligados a sade e ao bem estar, decidimos,
em famlia, construir mais uma sala para que pudesse ser um lugar de atividades artsticas,
principalmente musical. Inauguramos, ento, em 2001 o Espao Musical Frutos da
Natureza, juntamente com meu esposo, onde aprendi a organizao e a coordenao de
projetos e professores, quando tambm comecei a trabalhar com msica voltada terapia. Foi
um fazer intuitivo e como todo comeo, borbulhando de idias. Trabalhei com clientes das
diversas faixas etrias desde crianas a adultos; atendi meu pai durante quase dois anos
verificando nele visveis progressos na sade e em sua postura diante de situaes da sua vida.
Meu trabalho j lidava melhor com o indivduo, fazendo-o expressar suas emoes e
estimulando bastante o seu potencial criativo, atravs de materiais similares aos da arteterapia,
mas que ainda precisava de fundamentao terica.
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O encontro com a arteterapia1 no me deixou dvidas, era isso o que eu buscava:
possibilitar recursos artsticos que no somente a msica para auxiliar a autodescoberta. Foi
uma coincidncia sabida e procurada por mim, interna e inconscientemente. Vim sem crticas
e preconceitos, vim com alegria, com o mpeto de trabalhar, pois, sempre soube que as
pessoas precisam deixar acontecer seu lado positivo, amvel, caridoso, fraterno. Havia uma
certeza de que possvel unir o trabalho s virtudes e aos bons sentimentos, e, com a
arteterapia, descubro uma outra maneira de utilizar a arte e fazer o caminho do bem - estar
aproximar-se de mim e de outras pessoas. Desse modo, em campo de estgio pude vivenciar
com idosas um ambiente arteteraputico: gratificante e significativo para mim e para as
participantes. Desde a convivncia com pessoas com tantas histrias para contar, mundos
diferentes, sabedoria de vida, coragem de se permitir compreender suas dificuldades. Ser
observador-colaborador de um processo de mudana e descoberta pessoal dessas senhoras foi
um grande aprendizado.
Essas vivncias, juntamente com muitas leituras, alm de estruturarem minha
formao em arteterapia vieram tambm otimizar meu desenvolvimento como musicista e
professora de msica. Notei que as aulas continuavam com o cuidado de estabelecer ligao
entre a teoria e a prtica, e mais ainda, podia perceber claramente os contedos internos que,
inevitavelmente, os alunos traziam consigo. Isso possibilitou compreender porque algumas
atividades traziam bons resultados e outras no, e assim, encorajei-me a observar o que era
mais apropriado para cada classe; permitiu ainda, que fosse trabalhada a tcnica musical e
elementos como melodia, harmonia e ritmo com maior conscincia resultando numa
aprendizagem mais verdadeira. Sem deixar que a criao fizesse parte da metodologia de
1 Esse termo pode ser encontrado em diversas formas como: arte-terapia, arte terapia, arteterapia. Emprego a
ltima opo no presente texto, sendo que, nas citaes, como apresentadas pelos autores.
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ensino, acabei criando um perfil prprio de trabalho que valoriza o aluno, bem como a
situao de aprendizagem.
inerente natureza humana trazer tona aspectos pessoais na sua expresso, no seu
comportamento, na verbalizao, assim como na forma de arte, em atividades plsticas, na
msica, na dana, entre outras, como afirma a educadora musical Violeta Gainza (1987, p. 31)
Toda conduta expressiva projetiva e, como tal, tem a qualidade de refletir aspectos da
personalidade. Saber que isso acontece a minha certeza. Compreender essas condutas a
maior busca.
1.2 COMPONDO A ESCRITA
Para escrever este trabalho retomei algumas leituras antigas quando meu interesse por
msica aliada a terapia iniciou-se. Reencontrei autores como o musicoterapeuta argentino
Carlos D. Fregtman (1986, 1989), Violeta Gainza (1982) educadora musical argentina, Edgar
Willems (1961) com suas profundas bases psicolgicas em msica, Carl Albert Friedenreich
(1990) sobre a educao musical no pensamento de Rudolf Steiner2, Carol Bush (1995) com
suas experincias de msica e imagens numa abordagem idealizada por Helen Bonny3, como
tambm pude encontrar novos autores nos estudos mais recentes com a arteterapia. Assim,
Allessandrini (1996, 1999) com a estruturao das Oficinas Criativas e suas prticas em
atelier teraputico, Andrade (2000) trazendo o percurso da arteterapia e relacionando-a com
outras reas de atuao, Fagali (1997-98) apresentando seu trabalho de Oficinas Integrativas,
Carvalho (1995) organizando pensamentos sobre a questo da cura com a arte, fazem parte
dessa fase.
2 Rudolf Steiner: filsofo e mdico alemo, idealizador da Antroposofia.
3 Helen Bonny: violinista americana que nos anos 60 iniciou pesquisa de msica e os estados alterados de
conscincia com pacientes alcolatras de dois hospitais americanos.
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Com o objetivo de responder as questes trazidas em minhas buscas, apresentadas
anteriormente, e, ainda proporcionar ao leitor um outro olhar sobre a prtica de msica em
atelier teraputico, o presente trabalho inicia-se com o captulo Do som ao musical, pois
mostra o caminho dos sons desde os rudos primitivos, sua manifestao com danas, ritos
mgicos, sua importncia nesse contexto, e, posteriormente, msica como revelao artstica
e individual de nossos dias. Assim, em Sute do Conhecimento parto do princpio que esta
fragmentao no ocorreu somente na msica, e ento apresento a direo tomada pela
cincia, que ao absorver o positivismo levou a construo da verdade sobre o patamar de
normas e padres absolutos, o que possivelmente trouxe como resposta um crescente interesse
e surgimento, principalmente no Ocidente, de inmeras formas de tratar o ser humano de
maneira mais global.
No terceiro captulo, Arteterapia e Musicoterapia, procurei me aprofundar nas duas
reas e como, para ambas, se manifestam as relaes prticas entre paciente e terapeuta.
Possuindo em comum a msica como recurso teraputico, parto da musicoterapia onde a
atmosfera sonora foi bem estudada e desenvolvida, para auxiliar no estudo da atividade
musical em atelier teraputico. Assim, so apresentadas nas duas reas de conhecimento, a
formao e conceitos dados por profissionais e tericos, para posteriormente em Estudo
Comparativo serem abordadas de maneira que se explicitem seus pontos comuns e
divergentes.
Para o quarto captulo Msica na Arteterapia, venho apresentar a metodologia
Oficinas Criativas, idealizada por Cristina Allessandrini (1996) utilizada nos encontros de
arteterapia, e suas cinco etapas: 1. sensibilizao, 2. expresso livre, 3. elaborao, 4.
transposio de linguagem e 5. avaliao. Para este ltimo item, neste texto, denomino
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finalizao dos encontros, pois esta etapa admite uma sntese da sesso vivida pelos
participantes. Sabendo que freqentemente os trabalhos em arteterapia so expressos em
recursos plsticos, ficando a msica como figura de fundo para essas construes, aqui
proponho o desenvolvimento de atividades ligadas ao universo dos sons, e dessa forma, trago-
a para um plano de igualdade ao das artes plsticas. Como nos trabalhos em arteterapia essa
metodologia de Oficinas criativas utilizada, evidencia-se um procedimento em arteterapia.
Todas as fases do processo so comentadas, alm de ilustradas com trabalhos, depoimentos e
fotos das propostas com os grupos.
Considero, como fechamento deste trabalho, que alm dos desafios de escrever sobre
musicoterapia e arteterapia, importante e at mesmo ousado, trazer a msica para um
patamar de maior presena em atelier teraputico. Acredito que essa realidade possa vir a
estar mais evidente nos encontros, se os colegas profissionais no se inibirem de utilizar
recursos sonoros em suas propostas, e, assim agindo, vo contribuir enormemente para que os
estudos nesta rea se aperfeioem e se aprofundem ainda mais.
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A msica um elo entre pocas, entre pessoas e at
entre partes aparentemente inatingveis do self.
Katsh e Merle-Fishman (1985)
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2 DO SOM AO MUSICAL
Tem-se como uma das premissas em arteterapia a expresso espontnea dos
participantes atravs de recursos artsticos. Apesar de trabalhar com arte, no h
correspondncias com o aprimorar tcnicas ou quaisquer outros objetivos que tentem alcanar
algum grau de perfeio nas produes. Beleza e expresso podem coexistir, mas, unidas, no
fazem parte da finalidade dos atendimentos, pois que estando o foco em criar belamente
desviamos a ateno de ns mesmos. Desse modo, importante observar que essa dualidade,
presente em nossa sociedade de hoje, deu-se a partir da diviso da manifestao coletiva de
sociedades antecessoras. Portanto, faz-se necessrio lembrar, como se configuraram esses
caminhos, a partir da experincia musical, tema desse trabalho. Assim, desde a origem do
fazer musical, das vivncias sonoras primitivas at o que hoje chamamos msica, e ainda,
lanar perguntas sobre a questo do conhecimento, o que pretende abordar esse captulo.
2.1 EXPRESSO COLETIVA X ARTSTICA INDIVIDUAL
Segundo o pensamento de Karlheinz Stockhausen (apud FREGTMAN,1989) um dos
grandes vultos da msica contempornea - a origem da msica est na origem do homem ou
do universo: quando h movimento tudo vibra e, portanto h msica; seguindo esse
raciocnio, para o musicoterapeuta argentino Carlos Fregtman (1989) vivemos numa
sonosfera, pois onde h ar, gua, vida, h som. Uma infinidade de afirmaes,
complementares e contrrias, recentes e no muito atuais sobre esse assunto podem ser
encontradas, e durante as diferentes pocas esse conceito e sua funo na sociedade foram
bastante modificados. Mas como foi o desenrolar desse som para a concepo de msica que
temos hoje?
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Partindo dos povos primitivos podemos dizer que essa atividade sonoro musical era
a sua prpria expresso de grupo, ou seja, aspectos como coletividade e naturalidade eram
interdependentes e essenciais, como narra Fregtman (1989, p. 34):
Nos povos primitivos, as manifestaes musicais eram compreendidas de imediato
pela comunidade; elas no tinham fins artsticos ou individuais, mas eram
exteriorizao espontnea e vitais, para a tribo em sua totalidade.
Essas manifestaes tiveram incio com sons do prprio corpo a comear pela voz
(atravs de rudos, grito, canto); depois unindo-se a movimentos corporais, danas, gestos e
da em diante para a fabricao e uso de instrumentos sonoros como chocalhos, flautas de
ossos, etc. Ainda em Fregtman (1989, p. 34-35) encontramos:
O canto dos povos primitivos tem origem num estado de excitao ou embriaguez e
se manifesta sob a forma de impulsos motores com significaes erticas, mgicas
ou religiosas. Tratava-se de desumanizar a voz com a finalidade de comunicar-se
com todo o sobre-humano, utilizando como meio vrios recursos, tais como
guinchos, emisses nasais, gritos, canto ventrloquo, falsete, etc., e dispondo todas
essas formas em registros extremamente agudos.
Vinculadas ao canto, surgem duas necessidades: o movimento (o movimento
corporal e rtmico) e a emisso de rudos ou sons de acompanhamento.
[...] Antes de recorrer a objetos materiais alheios ao seu corpo, o homem bate
palmas, pisoteia, bate no ventre, nas coxas ou nas ndegas.
Logo se comeam a utilizar molhos de soalhas ao redor do corpo dos bailarinos,
pedaos de madeira que se entrechocam ou atritam, maracas de cabaa. A esses
instrumentos se acrescentam outros, no teis para a marcao do ritmo, como, por
exemplo: chocalhos, assobios, bzios, etc. Supe-se datar da a iniciao da prtica
instrumental contnua.
O homem foi aos poucos ampliando e elaborando suas relaes sonoras, alm de
integrar outro aspecto importante: o movimento. A idia de som e movimento era algo
inerente a sua forma de linguagem e comunicao; as tribos podiam trocar informaes sobre
acontecimentos atravs de ritmos de tambores e tan-tans como no exemplo de Laban (1978, p.
132) - sobre pases que ainda possuem tribos primitivas a notcia da passagem da caravana
do explorador por perto de alguma aldeia transmitida em grandes detalhes e a uma
velocidade incrvel aos mais afastados recantos do pas. Laban evidencia que esta linguagem
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rtmica precisa pode ser explicada pelo fato de que o tocador de tambores faz uma leitura dos
movimentos, decodificando-os ao tocar.
Assim a msica, desde a antiguidade, esteve presente como aliada de questes mgicas
e curativas, como tambm na formao educacional e cultural de alguns povos, como cita
Bush (1995, p. 29):
Diz-se que na Grcia antiga, Esculpio, o primeiro mdico da humanidade, utilizava
a msica para curar. Na mesma cultura, Pitgoras ensinava seus discpulos a
empregar a msica e o canto para se livrarem de medos, preocupaes e raiva. Em
alguns templos do Oriente, a cura atravs de sons meldicos e de msica elevou-se
ao status de arte maior. Acreditava-se, por exemplo, que sons repetidos ajudavam a
induzir estados de meditao e a reduzir tenses fsicas e emocionais.
Portanto, no raro encontrar na histria da humanidade registros de mitos e lendas
que trazem consigo revelaes de poderes e fatos sobre humanos que Fregtman (1989, p. 27)
exemplifica:
As mitologias de quase todos os pases do mundo possuem figuras de deuses e
semideuses aos quais se atribui milagrosa habilidade musical. Nas lendas gregas,
Tirteo leva um exrcito ao ao som da flauta; Terpandro com um instrumento
semelhante, volta a submeter um povo rebelde; Anfio levanta os muros de Tebas
tocando uma lira [...] Os mitos irlandeses contm referncias a harpas milagrosas, a
apitos e cornetas. As lendas galesas e escocesas falam de feitios lanados sobre
pessoas por meio da msica [...] A bblia relata que os muros de Jeric caram
quando os sacerdotes sopraram suas trombetas. Salomo foi levado loucura pelos
cantos de suas mulheres e os marinheiros gregos e teutnicos eram deslumbrados e
arrastados morte pelo doce canto das sereias.
Com a vinda da monarquia e aristocracia, inicia-se a modificao e dissociao dos
termos msica e expresso. A msica passa a ser vista como algo artstico, de beleza e luxo,
surgindo a separao de msica culta (clssica, para os nobres) e msica popular (do povo). A
idia de msico profissional tambm revelada nesta poca. Desse modo, a msica deixa de
ter carter e compreenso coletivos, deixa de ser uma expresso emocional, para transformar-
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24
se em expresso de carter esttico, com a necessidade de pblico e de executantes
profissionais (FREGTMAN, 1989, p. 37).
As criaes musicais passam a pertencer a um pblico especfico, ou seja, produzida
por msicos profissionais e instrumentistas aqueles que sabem lidar com os sons de forma
organizada e dominam a linguagem e execuo musical. Os perodos histricos como o
Renascimento, o Barroco, o Classicismo, o Romantismo e o Contemporneo vo trazer, a seu
tempo, as caractersticas prprias desse fazer musical, com suas instrumentaes, influncias
de outras artes e do contexto histrico vivido. Para que se possa melhor compreender
determinados estilos feita uma diviso da histria da msica, com fins unicamente didticos,
como no seguinte quadro:
A msica e sua poca
Msica medieval At cerca de 1450
Msica Renascentista 1450 1600
Msica Barroca 1600 1750
Msica clssica 1750 1810
Romantismo do sculo XIX 1810 1910
Msica do sculo XX de 1910 em diante
Quadro 1 Perodos da histria da msica Fonte BENNETT (1989, p. 11)
Dessa maneira, a msica se modifica nesses perodos em suas formas de execuo,
sendo ora vocal ora instrumental, com fortes ligaes com a igreja e em outros momentos
dando mais nfase ao profano. Tornou-se cada vez mais pblica, ou seja, de acesso ao povo e
foi tambm acrescentando novos timbres com o desenvolvimento de diversos instrumentos,
acsticos e eletrnicos e, at mesmo utilizando objetos e mquinas em exploraes sonoras
mais ousadas. Passa a ser de conhecimento comum desde as manifestaes primitivas at as
experincias eletroacsticas, bem como a convivncia ecltica de diversos estilos.
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25
2.2 A SUTE DO CONHECIMENTO
Partindo desta viso atual, proponho agora que reflitamos sobre a segregao de
conhecimentos, que no ocorreu somente nas artes ou na rea musical, mas tambm em outras
reas do saber humano. Escolhi chamar de sute, com o objetivo de retratar por meio de um
termo musical o conjunto de diferentes especificidades a que tudo foi se diferenciando, j que
sute o conjunto de peas instrumentais, dispostas ordenadamente e destinadas a serem
executadas em uma audio ininterrupta (SADIE, 1994, p. 915).
Estudos acadmico-cientficos proporcionaram atravs dos tempos, maior
aprofundamento das informaes e realidades mais prximas do antes inimaginvel. O
movimento Positivista por intermdio de Descartes entre outros, trouxe o padro de
racionalidade e objetividade os quais so aspectos imprescindveis e relevantes para pesquisa
e uma legitimao comprovada. Neste sentido para Urrutigaray (2003, p. 14):
O modelo de racionalidade, como paradigma cientfico ainda dominante em nosso
sculo, firmou-se a partir da revoluo cientfica do sculo XVI. Suas formulaes,
acerca dos critrios de objetividade e de validade cientfica, continuam produzindo
srias distines s formas de conhecimento consideradas no cientficas por se eximirem de critrios de rigor dispostos em mensuraes dos fatos.
medida que os avanos tecnolgicos foram sendo descobertos, o compromisso com
a verdade cientfica, ou seja, com valores precisos e mensurveis foram se aproximando e
tomando conta tambm do universo humanstico. No somente nas reas exatas ou biolgicas
aconteceram os avanos. Com a valorizao das informaes, o sistema educacional tambm
sofreu a absoro dessa realidade, formando novos indivduos a partir de critrios que
privilegiassem o conhecimento subjetividade e criatividade. Sobre isso Friedenreich
(1990, p. 33) diz:
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26
[...] na educao comum de hoje se atribui valor quase que exclusivo a um
desenvolvimento preponderante do intelecto e aquisio de habilidades exteriores,
temos uma vida social tendente a imobilizar-se at transformar-se em rotina, dentro
da qual sentimentos e manifestaes de uma vontade individual criativa so
geralmente considerados no-objetivos e, portanto, inoportunos.
Assim, com a especificidade dominante, dificultou-se mais a possibilidade de pensar e
lidar com o todo, alm de promover a difuso de profissionais com esse perfil de se distanciar
de uma viso integrada. Para Urrutigaray (2003, p. 16):
[...] Reforado por um ganho em detalhamentos e especificidades, perdeu-se a noo
da totalidade e da complexidade. Favorecendo e reforando, como conseqncia, a
competio, o individualismo, em desprezo solidariedade e a cooperao, pela
indiferena frente s diferenas individuais.
H que se colocar que desse caminho traado pela racionalidade, o homem obteve
muitos sucessos, sendo parcial ou mesmo leviano deixar de citar os benefcios conquistados
como, por exemplo, na medicina, o diagnstico e tratamento de doenas como a tuberculose e
a inveno de aparelhos cirrgicos e vacinas; os meios de comunicao e transporte mais
velozes e eficazes, ou seja, possibilidade de entender e dominar melhor o ambiente em que
vivemos. A humanidade colhe hoje o que desenvolveu ao longo desses sculos de
aprendizado, que, naturalmente, trilhou por boas e ms escolhas.
Podemos verificar que, apesar do grande movimento em trazer a razo para o mais alto
posto, uma outra corrente, em decorrncia desta primeira, comeou a se organizar, pois j
nos fins do sculo XIX, em plena valorizao do movimento cientificista e positivista
Moderno, encontramos as crticas da Fenomenologia tendncia classificatria e monoltica
da cincia e da prpria psicologia[...] (FAGALI, 19971998, p. 44). A Fenomenologia vem
oferecer juntamente com seus pensadores Edmund Husserl, Martin Heideger e outros uma
viso inversa, trazendo a abertura de possibilidades para entender o fenmeno e no
reduzindo-o a um nico aspecto.
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27
E com esse pensamento mltiplo, amplo e de inter-relaes das pequenas estruturas,
que se inicia a conquista das terapias alternativas (em sua maior parte Orientais) no Ocidente.
Com uma proposta chamada holstica 4 terapias como aromaterapia, acupuntura, biodana,
cromoterapia, iridologia, entre outras, chegaram proporcionando a pacientes e clientes uma
abordagem mais completa do indivduo quanto a sua sade e bem-estar. Ao mesmo tempo, os
estudos em psicologia com C. Jung e as precursoras da arteterapia, Margareth Nauburmg e
Edith Kramer j iniciavam atendimentos com utilizao de materiais artsticos como auxiliar
no tratamento de diversos distrbios. Mas por que o destaque desse universo holstico? o
que responde Fagali (19971998, p. 44):
O olhar mltiplo e o plural j se encontra em muitas concepes filosficas antigas, na mitologia grega e na concepo Zen oriental. Esta concepo de mundo ressurge
como crtica s tendncias reducionistas e unidirecionais do cientificismo moderno,
nestes fins do sculo XX, no movimento denominado Ps Moderno.
Podese dizer, ento, que essa cultura holstica ficou restrita por muito tempo a povos
orientais permitindo que os progressos tecnolgicos e a adoo da racionalidade trouxessem
um momento de refinamento, no sentido de detalhamento de informaes. como pensa
Bush (1995, p. 12): O trabalho com msica antigo, mas o poder da msica encontrou agora
novas vias de expresso com as metodologias atuais [...]. So os casos da musicoterapia e da
arteterapia que sero tratados nos prximos captulos.
Neste sentido, temos presenciado cada vez mais acentuadas manifestaes de mtodos
auxiliares para inmeras queixas de sade possibilitando melhor qualidade de vida alm
de projetos e iniciativas transdisciplinares na educao, tecnologias, etc., pois, a compreenso
4 Do grego: holos = todo. Holstico: 2. Que d preferncia ao todo ou a um sistema completo, e no anlise,
separao das respectivas partes componentes (FERREIRA, 1993, p. 288).
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de que necessrio unir os conhecimentos e complementar informaes entre as reas j se
faz mais presente. Assim diz Fregtman (1989, p. 13):
[...] Procurando compreender o mistrio de nossa vida, ns, seres humanos,
seguimos trilhas muito diferentes. Entre elas se encontram as do cientista, do artista,
do mstico, dos psicanalistas, dos poetas, dos msicos e de muitos mais. Cada um de
ns produziu diferentes descries do mundo verbais e no verbais que enfatizam diversos aspectos, teis e valiosos em seu contexto, mas que, no obstante,
constituem apenas descries limitadas da realidade, pois ningum, por si s, pode
dar uma imagem completa do mundo em que vivemos.
Apenas um trabalho compartilhado onde ferramentas de diversos conhecimentos
manejam suas tcnicas com igual valor, pode contribuir verdadeiramente para a construo e
formao de uma conscincia ampla e liberta de suas prprias limitaes. Assim, a idia de
sute bem aceita: um conjunto de distintas partes, com estilo, forma, materiais, discursos
diferentes, unidas num conjunto que, belamente, completam-se e compem uma verdadeira
obra prima.
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E o homem no somente percebe as transformaes
como, sobretudo, nelas se percebe.
Fayga Ostrower (1977)
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3 ARTETERAPIA E MUSICOTERAPIA
Msica, pintura, desenho, dana, enfim, as artes proporcionam um vivenciar encantador
por si mesmas, mas aqui neste trabalho, trago a singularidade do seu papel teraputico.
3.1 UTILIZAO TERAPUTICA
Em um Congresso de Arteterapia realizado em Vitria, durante palestra apresentada
por Allessandrini5, foi por ela comentada a questo do termo teraputico, onde concluiu ser
a possibilidade de promover transformaes e melhorias no jeito de sentir e pensar a vida,
fazendo a diferena. Essa diferena o que o teraputico possibilita e o objetivo de um
processo de terapia seja com utilizao de recursos artsticos ou no. Buscar juntamente com
o cliente o desvelar de seus prprios caminhos, e potenciais e encontrar meios mais
satisfatrios de se colocar no mundo o que pretende uma terapia. Dessa forma, o intuito
desse captulo o de apresentar duas abordagens, a musicoterapia e a arteterapia, cada linha
de trabalho e sua relao com a msica, lembrando que apresentar significa de acordo com
Ferreira (1993, p. 39) pr diante, vista, ou na presena de, mostrar, exibir, expor, etc. e,
no caracterizar, fechando conceitos.
3.1.1. Musicoterapia
O que vem a ser musicoterapia? Quais os mtodos e/ou estruturas que norteiam o
processo musicoterpico? Apesar de parecer fcil dizer o que seja esse trabalho, h inmeras
formas de explicitar essa questo, como comenta Ruud (1990, p. 13):
5 Informaes verbais obtidas em palestra proferida no 6
o. Congresso de Arteterapia realizado em Vitria ES
em setembro de 2004.
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[...] parece haver quase tantas definies de musicoterapia quanto o nmero de
musicoterapeutas. A musicoterapia freqentemente definida de acordo com o
grupo especfico de tratamento, grupo etrio ou filosofia teraputica especfica do
terapeuta que se incumbe da definio.
Da mesma maneira que encontramos dificuldades de um consenso no conceito de
msica, acontecem idias complementares e divergentes na musicoterapia, bem como em
vrias outras reas do conhecimento. Segundo Ferreira (1993, p. 183) definir : determinar a
extenso ou os limites de; explicar o significado de; fixar, estabelecer; dizer o que pensa a
respeito de algo; o qual complexo em se tratando de cincia ainda em estudo e, tambm
considerando que o saber infindvel. Porm, ainda assim, relevante verificarmos o que
pensam os musicoterapeutas sobre seu trabalho. Para Benenzon (1988, p. 11):
A musicoterapia o campo da medicina que estuda o complexo som-ser humano-
som, para utilizar o movimento, o som e a msica, com o objetivo de abrir canais de
comunicao no ser humano, para produzir efeitos teraputicos, psicoprofilticos e
de reabilitao no mesmo e na sociedade.
Em musicoterapia, sero desenvolvidas as relaes dos sons, das msicas com o
homem, proporcionando-o maior conscincia de si e possibilitando-o viver melhor, mas isso
no se restringe ao campo mdico. Apesar de serem bastante estudados e desenvolvidos os
atendimentos com pacientes em hospitais utilizando msica de forma passiva como auxiliar
em tratamentos, o musicoterapeuta poder ser engajado em instituies, escolas, clnicas
multidisciplinares, hospitais, empresas, prefeituras, trabalhos sociais e reabilitao
(INFOMT, 2003, p. 13).
J a concepo para outra profissional, abrange as questes trazidas pelos pacientes e a
forma de lidar com esses contedos em msica, ressaltando a importncia do terapeuta.
Assim, para Furusava (2003, p. 33):
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O trabalho de um musicoterapeuta consiste no constante desafio de transformar as
questes trazidas por um paciente ou grupo em questes sonoras, instigando que elas
sejam dinamizadas, tambm, de maneira musical.
O processo musicoterpico um processo criativo onde no qual, e atravs do qual,
musicoterapeuta e paciente tornam-se um nico artista que vivencia experincias,
descobrindo possibilidades e criando novos elementos a partir do musical (grifo da
autora).
Da mesma forma que Benenzon (1988) no aspecto de se aliar movimentos, e tambm
como Furusava (2003) sobre os contedos trazidos pelos pacientes, Fregtman (1989) traz
como concepo de seu trabalho o fazer msica com movimentos, alm de lembrar que os
instrumentos musicais tm alto poder de evocao de contedos internos:
Trabalhar em musicoterapia com sons e movimentos mergulhar num
mundo carregado de significaes ancestrais, de veculos de mobilizao
altssimos como so os instrumentos musicais e de tantos possveis
receptores valiosos quantos so os habitantes do planeta (FREGTMAN,
1989, p. 25).
A musicoterapia, enfim, lida com os recursos sonoros de instrumentos musicais, sons
corporais, gravaes, aliados algumas vezes, a movimentos corporais e dinmicas realizadas
em grupo ou individualmente. Pode vir a ser um processo teraputico vivido em hospitais,
clnicas, escolas ou projetos sociais. Traz os conflitos ou as questes dos pacientes para serem
expressas em forma de ritmos, melodias, sons e msica, assim, a musicalidade aqui estaria a
servio do outro que o nosso paciente ou o nosso grupo (BARCELLOS apud FURUSAVA
2003, p. 38).
3.1.2 Arteterapia
Cabem aqui as mesmas perguntas: O que a Arteterapia? Quais os mtodos de
trabalhos presentes em atelier teraputico? Quais das artes envolve? Anlogo ao pensamento
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33
de que quando o homem est participando e vivendo uma atualidade muito difcil conceituar
historicamente o momento, da mesma maneira no simples encontrar uma explicao
sucinta do que seja arteterapia, pois a Arte-Terapia um campo profissional muito novo e
como a maioria das novas disciplinas ela ainda no muito bem-definida nem bem-
compreendida (RUBIN apud CARVALHO, 1995, p. 25).
Como a Arteterapia foi bastante estudada e sistematizada nos EUA e tambm Europa,
relevante saber qual seu conceito para a Associao Americana de Arteterapia AATA:
American Art Therapy Association, fundada em 1969 (apud CARVALHO, 1995, p. 23-24):
Arte-terapia uma profisso assistencial ao ser humano. Ela oferece oportunidades
de explorao de problemas e potencialidades pessoais por meio da expresso verbal
e no-verbal e do desenvolvimento de recursos fsicos, cognitivos e emocionais, bem
como a aprendizagem de habilidades, por meio de experincias teraputicas com
linguagens artsticas variadas. A terapia por meio das expresses artsticas reconhece
tanto os processos artsticos como as formas, os contedos e as associaes, como
reflexos de desenvolvimento, habilidades, personalidade, interesses e preocupaes
do paciente. O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um
meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar autopercepo e o
desenvolvimento pessoal.
Nesta explanao verificamos um panorama geral do trabalho em arteterapia, seus
objetivos, o desenvolvimento atravs de expresses verbais e no verbais, e o aspecto da
criatividade presente em atelier. J em Liebman (2000) observamos uma questo muito
importante sobre a esttica nesse fazer arte. imprescindvel que o arteterapeuta saiba
conduzir as atividades de forma que no coloque o belo como parte do processo, pois,
preocupar-se com a esttica das obras, de uma certa maneira, traz obstculos na expresso do
cliente. E, sendo assim, modifica-se o principal objetivo que sua transformao pessoal,
fazendo dos encontros aulas de arte. Para Liebmann (2000, p. 18):
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A arteterapia usa a arte como meio de expresso pessoal para comunicar
sentimentos, em vez de ter como objetivo produtos finais esteticamente agradveis a
serem julgados segundo padres externos. Esse meio de expresso acessvel a
todos, no apenas aos que tm talento artstico.
Portanto, o objetivo no o de ensinar artes no sentido usual, nem emitido nenhum
juzo crtico ou avaliao artstica. O participante levado pelo arteterapeuta a se soltar da
maneira mais espontnea possvel, rabiscando, colorindo, desenhando, esculpindo, danando,
o que e como quiser (CARVALHO, 1995, p. 24). Isso o possibilita desenvolver seus
potenciais e a descobrir novas formas de agir em seu cotidiano.
E esse o caminho que Norgren (1995) narra em artigo sobre seu trabalho com o
pblico infantil e adolescente, quando enfatiza o processo de arteterapia como facilitador
por ser ldico e permitir a expresso espontnea destes, juntamente com os materiais que
dispe. Desse modo, estar com o material produzido e consigo prprio, tendo o terapeuta
como seu companheiro de viagem, a criana ou adolescente vai se apossando de seus
contedos mais profundos. Assim, dada ao cliente a possibilidade de integrar e estruturar
sua prpria experincia, criar seu prprio eu, participar de sua cura (NORGREN, 1995, p.
34). Naturalmente que esses pontos apresentados podem vir a contribuir e fazer parte no
apenas de um processo com crianas e adolescentes, pois so em sua maioria aspectos amplos
que tambm encontramos no desenvolver de adultos e idosos em atelier teraputico.
Em outra concepo de arteterapia, de acordo com o livro A Arte cura? : recursos
artsticos em psicoterapia Carvalho (1995, p. 25) comenta:
[...] adotamos a denominao Arte-Terapia como aquela que define toda a rea de
terapias expressivas, ou seja, como denominao maior, abrangendo todas as
modalidades de uso de recursos artsticos[...].
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Com isso, Carvalho (1995) esclareceu sua posio, de quais expresses artsticas
fazem parte do processo em atelier teraputico, pois as linhas de atuao so diversas bem
como as concepes de seus trabalhos. Desse modo, Allessandrini (1999) prope outro olhar
sobre a arteterapia, trazendo pontos entre a arte e o ser humano:
Em Arte Terapia evocamos o valor e a abrangncia que a Arte tem sobre o Ser
Humano: pensante, formador, construtor, sensvel, consciente e intuitivo. [...] Nossa
proposta evoca a presena do Ser Humano em pleno desenvolvimento de sua
sensibilidade e de suas competncias (ALLESSANDRINI, 1999, p. 24).
Assim, um aspecto mnimo que tambm condio sine qua non que a arte esteja
no centro do trabalho para este poder ser considerado como arte terapia (grifo do autor)
(ANDRADE, 2000, p. 165).
3.2 ESTUDO COMPARATIVO
Alm da Musicoterapia e da Arteterapia trabalharem igualmente com msica, temos
agora o segundo ponto comum: a transdisciplinaridade. A possibilidade de se aliar a diversas
faces do conhecimento oferece uma abertura muito grande no campo de atuao do
profissional, alm de possibilitar tambm uma viso ampla da doena e/ou questes trazidas
pelos clientes, pois o trabalho em equipe permite a troca e a complementao de dados que
apenas um profissional no teria. Assim, sobre o emprego da arteterapia podemos encontrar
Andrade (2000, p. 52) dizendo:
(...) utilizada com crianas, adolescentes e adultos, em terapias focais, breves e de
longa durao.Tambm so utilizados seus recursos em orientao profissional,
vocacional, ocupacional, recrutamento, seleo e treinamento, bem como encontram
amplo uso em preveno e educao.
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Talvez essa multidisciplinaridade traga consigo outras perguntas: seriam ambas as
reas uma metodologia de tratamento em psicologia? Ou um campo especfico do uso da
arte nas suas diversas expresses, em terapia? Embora aparentemente bem prximas essas
duas questes podem ter distncias grandes quanto formao que o profissional responsvel
pelo atendimento dever suprir. Acredito, como a maioria dos artistas, que no basta ter a
fundamentao de teorias da psique para realizar um bom atendimento, entretanto, no basta
ter somente a tcnica da arte para ter sucesso com o cliente. Tambm para Papalia (1998, p.
10):
Mi dicurso es exigente: Sostengo que no cualquier persona puede ejercer la
Musicoterapia. Sostengo que para ser musicoterapeuta es bsicamente necesario
estar atravesado por la msica, es decir: ser musico, hablar desde la msica,
amar la msica por sobre todos los recursos. Luego y sobre lo fundante que la msica es, una formacin psicolgico-conceptual general y especfica se hace
condicin (grifo da autora).
A autora sustenta ainda que todo profissional que utiliza-se da msica como recurso,
seja com qual objetivo for, deve conhecer profundamente sua linguagem, aspectos auditivos e
corporais; pois para ela, a musicoterapia uma opo de tratamento para distrbios orgnicos
e tambm da psique, atravs da msica e movimento.
Apesar da diversidade estar presente em ambas as reas, um diferencial surge: a
aplicao passiva e ativa da arte. Em musicoterapia h procedimentos em que o paciente no
age exatamente sobre o universo sonoro, mas deixa-se conduzir, em um nvel profundo, pelos
acontecimentos e estmulos musicais. Nestes, esto inclusos o mtodo GIM e tambm, numa
outra abordagem, a utilizao de gravaes com pacientes em coma, que sero comentados a
seguir. Trabalhos como esses ligam-se muito ao campo da medicina a exemplo da citao
de Benenzon (1988), mas envolvem tambm aprofundado estudo do consciente e inconsciente
humano.
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Em entrevista publicada recentemente pela revista INFOMT, uma estudante do curso
de graduao em musicoterapia da UNAERP - Universidade de Ribeiro Preto (SP), conta sua
experincia com pacientes da unidade de tratamento intensivo de um hospital da cidade. Seu
trabalho focou pessoas entre 60 e 80 anos, em coma natural, onde estudou mtodos mdico-
cientficos para medir as reaes dos pacientes; dentre eles, o eletrocardiograma e a escala de
Glasgow que mede o grau de conscincia do indivduo, que varia de 3 (inconsciente) a 15
(estado alterado de conscincia). Alm da utilizao de msicas de acordo com as
preferncias do paciente, pesquisadas com seus familiares, usou tambm gravaes de
mensagens para o tratamento:
Para Denise, um dos casos mais excepcionais foi o caso da paciente E., em que a
escala de Glasgow era 3. O ECG dela mudou muito principalmente quando ouviu a voz do neto e do irmo, que gravaram mensagens para ela, afirma (ANDRADE, 2003, p.08).
J o mtodo GIM Guide Imagery Therapy trazido para o Brasil nos anos 90 e
divulgado pela musicoterapeuta Lia Rejane Barcellos 6, o processo d-se a partir de gravaes
pr-estabelecidas (com peas orquestrais de carter erudito), em que o paciente ouve a seleo
ao mesmo tempo em que comenta lembranas ou sensaes estimuladas pelo terapeuta. O
estmulo verbal, alm do sonoro, e o dilogo deve acontecer todo o tempo que durar as
msicas. A idealizadora Helen Bonny (apud BUSH, 1995, p. 11), violinista americana,
analisou diversas peas e as organizou em udio, chamados programas, variando entre 35 a 50
minutos cada um. O pensamento norteador do processo que essa tcnica teraputica utiliza-
se da fora inerente s obras-primas clssicas para evocar nveis metafricos da psique,
revelando sentimentos e ao mesmo tempo facilitando a sua liberao.
6 Informao verbal obtida em mini curso do XI Simpsio Brasileiro de Musicoterapia realizado na cidade de
Natal RN em outubro/novembro de 2003.
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38
A origem desse trabalho ocorreu a partir de pesquisas com pacientes alcolicos de dois
hospitais americanos, nos anos 60, quando Bonny verificou que no era necessria a
utilizao de drogas para alcanar os estados alterados de conscincia. Como trata de um
aprofundamento ou mesmo evocaes desses estados, esse tratamento no pode ser feito com
pacientes psicticos ou aqueles que por qualquer razo no tem a capacidade de simbolizao.
destinado a pacientes adultos normais que tm a finalidade de busca da auto atualizao,
partindo-se do pressuposto que o paciente deve gostar de msica erudita e estar disposto a
esse tipo de abordagem.
A dra. Bonny aplicou seus conhecimentos musicais, ajudando os pacientes a
atingirem o inconsciente atravs da msica, juntamente com drogas alteradoras da
mente. Muitos deles tiveram experincias intensas que alteraram suas vidas. Como
profissional da msica, a dra. Bonny avaliou o potencial da msica para estimular o
inconsciente sem as drogas (BUSH, 1995, p. 28).
Diferentemente dessa linha da musicoterapia, em arteterapia tem-se a utilizao dos
materiais artsticos de maneira que o cliente atue sobre ele, ativamente, produzindo e/ou
expressando formas, construes e sons. No h utilizaes passivas nesse nvel, como essas
propostas apresentadas, pois a aplicao da msica est ligada a movimentos, exploraes,
verbalizaes ou expresso em pintura, desenho, argila entre outros, como narra Allessandrini
(1999, p. 23) sobre seu trabalho de arteterapia no Alquimy Art SP: Desenhos, esculturas,
construes, modelagem, trabalhos manuais, escritos, textos, poesias e msica esto sempre
presentes. Fazem parte do contexto e ajudam a compor nossa criao e reflexo.
Outro ponto distinto que musicoterapeutas defendem, a necessidade de uma
entrevista e uma testificao musical como formas de avaliar se o paciente se adaptar ou no
para o processo de musicoterapia. Para Barcellos (1999, p. 39):
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39
Obtidos os dados que compem a histria do paciente atravs da Entrevista Inicial e
observadas as suas reaes frente aos estmulos musicais na Testificao, somos
capazes de verificar se trata-se de um paciente elegvel para a musicoterapia e quais
so os objetivos a serem alcanados.
Esta metodologia foi inaugurada por Benenzon (1985) quando disps a pacientes
psiquitricos instrumentos como violo, piano, instrumentos de percusso e aparelho de som
com estmulos musicais gravados, com o objetivo de obter as mais detalhadas informaes,
alm de observar as reaes que os sons, o ritmo, os diferentes instrumentos, enfim, os
distintos tipos de estmulos provocam no paciente (BARCELLOS, 1999, p. 33). Benenzon
permite a substituio desses instrumentos - quando necessria, por outros do folclore do pas
ou de origem do paciente, ou at mesmo conforme as possibilidades do terapeuta.
Certamente que realizar uma entrevista inicial fato comum a vrias linhas de terapia,
e, conhecer a histria e as expectativas do cliente fundamental para o atendimento1. Porm a
musicoterapia tem algumas especificidades enquanto etapas de terapia da msica, como
comenta Barcellos (1999, p. 13):
Os procedimentos em Musicoterapia so os mesmos dos outros processos
teraputicos com exceo da elaborao da ficha musicoterpica e da testificao
musical que so encontradas exclusivamente num processo musicoterpico.
Dessa forma, cria-se uma possibilidade de reconhecer o trabalho de musicoterapia,
no somente pelo enfoque dado a msica ou a elementos sonoros, mas devido tambm aos
procedimentos seguidos pelos profissionais da rea. Porm, ser mesmo necessrio esse tipo
de avaliao? E que tipo de paciente no poderia trabalhar com musicoterapia se ela tem o
alcance de chegar at mesmo a pessoas imobilizadas ou fora de sua conscincia normal?
Como o tratamento se detm a uma nica linha, a msica, talvez sejam necessrias tais
1 Apesar de que a arteterapia quando aplicada em grupo e/ou instituies diversas (como empresas, escolas, etc)
tem ocasionalmente como primeira fase algumas visitas ao local e contato com dirigentes da instituio, no
sendo necessria uma entrevista anterior com os participantes para ser traado o perfil do grupo.
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40
precaues. Mas no necessariamente deva-se gostar de msica como j mencionado por
alguns musicoterapeutas, mas sim saber se h sons que perturbam ou mesmo alterem
indesejavelmente o comportamento do paciente e, por outro lado, verificar quais lhe chamam
mais ateno e ir desvendando e ajudando-o a perceber por que isso acontece. Se a questo for
intransponvel, concordo que o direcionamento possa ser outro, em vez de um tratamento com
msica.
J em arteterapia no se tem como etapa qualquer tipo de avaliao com finalidades
especficas relativas s artes. At mesmo porque se tem como norte que a arte est para ser
expresso de contedos internos e no para tcnica, e ainda sabe-se que alguns materiais
evocam sentimentos mais estruturantes e outros de liberdade e abertura; assim, se um cliente
no gosta do que faz, pode trocar de material, experimentar outro, pode ir moldando seu
caminho de acordo com o que sentir. Para Allessandrini (1999, p. 21): Os diferentes
materiais possibilitam um fazer artstico altamente re-estruturante e desencadeador de novos
jeitos de lidar. E ainda para Andrade (2000, p. 35):
Ao utilizar-se de prticas artsticas como a pintura, a modelagem e muitas outras
tendo funes teraputicas, postula-se a capacidade da vida psquica organiza-se a
partir delas e naturalmente deixa-se de lado os aspectos estticos e formais de
julgamento da expresso enquanto Arte Maior ou no. O que importa de fato propiciar aos indivduos uma forma de dinamizar sua condio inata de organizar
suas percepes, sentimentos e sensaes, ou seja os contedos internos de sua vida
psquica vertidos em imagens e smbolo (grifo do autor).
Se pensarmos que um dos pressupostos para ser paciente em musicoterapia seria
gostar de msica, antes teramos que fazer uma outra pergunta: o que gostar de msica?
cantar no chuveiro, ouvir algum estilo especfico? ter algum contato com sons? Se for
assim, todos ns temos o tempo todo, como argumenta Fregtman (1989) sobre o termo
sonosfera apresentado no captulo anterior. Ento, poderamos melhor dizer que: gostar de
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msica ter prazer de agir ou estar num ambiente sonoro, alm de perceb-lo. E este outro
ponto importante, pois mesmo vivenciando diariamente os elementos musicais, no cantarolar,
no falar, no caminhar, no conversar, no so todas as pessoas que percebem esse meio sonoro.
Assim, estar ciente de que pode-se lidar ou mesmo que pode-se gostar de msica no tarefa
simples, pois em nosso foro ntimo, todos ns temos equilbrio rtmico em nossa pulsao, s
que muitas vezes no o deixamos desenvolver-se ou simplesmente no sabemos ouvi-lo
(FREGTMAN, 1986, p. 26).
Em Arteterapia lida-se com diversos materiais e a msica tambm uma possibilidade
que aos poucos vai sendo explorada e descoberta. As criaes sonoras com a voz, o corpo, os
instrumentos e a expresso (muitas vezes plstica) do processo vivido vo possibilitando
conexes entre o fazer, o sentir e o pensar do indivduo. Isso promove uma amplitude de
conscincia, de saber mais de si mesmo, de permitir seus erros e acertos, pois oportuniza-se,
em atelier teraputico, recri-los quando quiser ou necessitar. Como conta Urrutigaray (2003,
p. 37):
Fazer Arte num sentido literal envolve vrios nveis humanos como sensrio-motor, o emocional, o cognitivo e o intuitivo. Atravs da atividade com arte o sujeito
transforma a realidade e a si mesmo, promovendo o desabrochar da percepo, da
organizao e ordenao de seu pensamento, possibilitando a compreenso do
momento circunstancial, bem como da dimenso de si mesmo.
Essa abertura e desenvolvimento da percepo pessoal so conquistados a partir das
simbolizaes ocorridas com o cliente, quando observa correspondncias de acontecimentos
passados aos presentes, ou quando encontra solues para suas aflies internas.
Diferentemente da psicoterapia, onde o paciente expressa-se verbalmente (e em alguns casos
tambm corporalmente), nos encontros de arteterapia d-se maior importncia aos meios no
verbais de expresso. Isso no exclui a utilizao dos meios verbais como Andrade (2000, p.
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77) vem esclarecer: a arte terapia no oposta verbalizao, que naturalmente a usa
combinada com a produo espontnea de arte.
O dilogo acontece diretamente com os materiais, por exemplo, ao delimitar o
movimento da gua quando pintando com aquarela, ao cortar papis para construo de um
mosaico, ao montar um tronco para a confeco de um boneco e etc. O indivduo encontra
outro caminho de dizer ou transmitir sua mensagem, de forma mais concreta e visvel, pois,
quando uma pessoa se expressa plasticamente, a imagem criada traz elementos de seu
universo pessoal. Observando, ento, o produto da criao, a pessoa auxiliada a ver e a dizer
coisas de si prpria, observando-se mais (SANTOS, 1999, p. 119).
Neste fazer arte, encontramos a criatividade como um outro aspecto fundamental que
acompanha a Musicoterapia e a Arteterapia. O criativo pode ser colaborador em diversas
aplicaes de tarefas, ou seja, em contexto educacional como auxlio para a aprendizagem,
em contexto teraputico para desenvolvimento pessoal, entre outros, como pensa
Allessandrini (1999, p. 23-24):
Nosso objetivo promover a livre experincia de um trabalho criador,
independentemente do contexto onde ele se desenvolve. Consideramos que o criativo
altamente desencadeador de processos refinados de operaes mentais. Portanto,
relevante buscar procedimentos e metodologias que caracterizem uma prtica
teraputica e educacional em que a criatividade esteja presente em cada momento do
processo.
Isso traz um resultado muito evidente, pois a pessoa que tem oportunidade de criar,
apresenta uma melhor flexibilidade, fator necessrio na aprendizagem de contedos e nas
solues perante as dificuldades da vida (SANTOS, 1999, p. 129). Alm de tornar-se
espontnea, original, e conhecer melhor suas possibilidades. J Chiesa (2004) lembra que a
criatividade o combustvel de um atelier teraputico, pois nele que se proporciona a
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expresso, a comunicao e a construo, atravs desse caminhar criativamente, ou seja,
dando forma s sensaes, sentimentos ou imagens inconscientes e reprimidas. Partindo desse
pensamento Andrade (2000, p. 33) comenta:
O ato de criar e o produto da criao tornam-se o porta-voz da tentativa de resoluo
o choque entre o que se apresenta ao indivduo advindo da realidade objetiva e a
maneira deste compreende-la.
A obra de arte a concretizao simblica da vida psquica, uma forma encontrada
pelo homem de atinar com as sensaes conflituosas. O criar e o produto da criao
podem se tornar o porta-voz desse ensaio de resoluo de conflitos. Na interao
com o meio ambiente, o homem o transforma e se transforma.
Dessa maneira, se o indivduo capaz de perceber o conhecido de forma inovadora e
configurar essa percepo, ele se renova e assim, o criativo passa a ser uma necessidade
existencial de descobrir nossas prprias potencialidades (CHIESA, 2004, p. 44), podendo ser
possibilitadas pela Musicoterapia ou pela Arteterapia.
Entretanto, ainda enfatizando que apenas a musicoterapia tem objetivos teraputicos,
Barcellos (1999) comenta que as atividades artsticas em geral possuem o poder de expressar
e revelar aspectos da psique humana e, portanto as atividades com msica podem tambm vir
a resultar em efeitos teraputicos, mas, somente a musicoterapia possui esse objetivo.
Exemplificando esse raciocnio, organizou o seguinte quadro:
Utiliza msica? Pode vir a ter efeitos teraputicos?
Tem objetivos
teraputicos?
Atividades musicais + + _
Educao Musical + + _
Aprendizagem de um
instrumento musical + + _
Musicoterapia + + +
Legenda: + = SIM -- = NO Quadro 2 Apresentao da musicoterapia como nica rea de atuao em msica com objetivos teraputicos Fonte BARCELLOS (1999, p. 44)
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Porm, acrescentando e apresentando a Arteterapia como uma nova possibilidade de
ter-se msica com objetivos teraputicos, foi elaborada essa outra concepo:
Utiliza msica como
recurso?
Pode vir a ter efeitos
teraputicos?
Tem objetivos
teraputicos?
S N S N S N
Apresentaes e
Execuo de peas
Educao Musical
Ensino Aprendizagem de um instrumento
musical
Musicoterapia
Arteterapia
Legenda: S sim N no Quadro 3 Apresentao de diferentes atividades com utilizao da msica, acrescentando a Arteterapia como uma nova rea de atuao com fins teraputicos.
Verificamos que ambas Musicoterapia e Arteterapia tm seus objetivos focados num
processo teraputico, utilizando-se cada uma em seu contexto seja setting musicoterpico
ou atelier teraputico suas tcnicas e procedimentos para tal fim, e oferecendo a seus
clientes uma outra possibilidade de desenvolvimento pessoal e autodescoberta pela msica.
Seja atravs de sesses onde variados instrumentos so os porta-vozes de contedos internos
ou onde os encontros tenham atividades de artes integradas; seja tendo e no, relaes
passivas com o meio sonoro; seja solicitando e no, uma forma de testificao, ambas so
interligadas pela transdisciplinaridade e versatilidade de aplicao, pela criatividade e
possibilidade de expandir a conscincia racional dos participantes, e no se vinculam ao
esttico da msica, pois esto livres para utilizar elementos musicais isolados, que no
estruturalmente necessitem resultar numa pea musical completa.
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Alm disso, so parceiras na conquista de um reconhecimento pblico, da utilizao
da arte como recurso promovedor de um bem estar e uma qualidade de vida, que apenas uma
transformao pessoal possibilita.
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Uma casa na noite, entre matas e rvores
brilha uma janela suavemente,
e ali, no mbito do invisvel,
soprava um tocador de flauta.
Era uma cano to conhecida,
To gentilmente se espalhava pela noite,
Como se qualquer pas fosse a ptria,
Como se cada caminho se houvesse
realizado.
O secreto sentido do universo
Por seu sopro se revelava
E se ofereceu agradvel ao corao
E para sempre se tornou presente.
Msica de Flautas, Hermann Hesse
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4 MSICA NA ARTETERAPIA
O trabalho em arteterapia oferece grande nfase s artes plsticas como instrumento do
processo transformador, mas tambm a msica pode ser um recurso muito utilizado nos
encontros: desde elemento formador de ambiente para convite s propostas - at como
material de explorao e expresso sonora. Portanto, a idia trazer a msica para um
patamar mais presente, pois verifico atualmente sua utilizao mais prxima a um plano de
fundo das propostas plsticas. O interessante aliar msica e artes, e co-relacionar propostas,
observando as expresses resultantes de uma na outra, ou seja, reconhecer o movimento
sonoro nas produes, bem como os sons nos movimentos do corpo, etc.
Desse modo, vamos designar para o termo msica no somente peas com formas e
instrumentaes conhecidas, mas tambm todo tipo de manifestao sonora que no seja
puramente como entendemos msica. o que sugere a musicoterapeuta Barcellos (1999, p.
25): Quando falamos em msica, em musicoterapia, estamos evidentemente nos referindo
no s msica estruturada, mas, qualquer manifestao que se apresente atravs de um dos
elementos que a constituem, utilizados de forma isolada ou no. Assim, entonaes
diferenciadas nas pronncias de palavras e frases, sons da natureza, explorao de timbres,
fazem parte desse contexto.
Para melhor compreender o processo em atelier teraputico, interessante apresentar a
metodologia que Allessandrini (1996) criou e chamou de Oficinas Criativas, cujo
atendimento pode ser individual ou grupal, o qual diz ser constitudo por etapas que
possibilitem ao cliente expressar de maneira criativa sua imagem interna, por meio de
recursos e experincias artsticas, descobrindo, elaborando e organizando seus conhecimentos.
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Portanto, [...] o sujeito que experiencia a Oficina Criativa pode re-significar sua
aprendizagem, j que para a autora, aprender exprime o grande segredo da vida: transformar
toda ao passvel de introjeo e reflexo, bem como toda oportunidade de crescimento e
desenvolvimento, em ao construtiva (ALLESSANDRINI, 1996, p. 15). E isso pode
abranger tanto o campo educacional quanto o teraputico, pois o conhecimento e significao
pessoal no podem ser separados, e so inerentes formao do indivduo.
As cinco etapas7 que compem o trabalho de Oficinas Criativas so: 1) Sensibilizao;
2) Expresso Livre; 3) Elaborao; 4) Transposio de Linguagem; 5) Avaliao. Para esta
ltima, quando se d o fechamento do encontro, neste texto denominei finalizao dos
encontros, pois admite uma sntese da sesso vivida pelos participantes.
4.1 INTEGRANDO SONS NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA
Para cada uma dessas fases sero relacionados sons e msicas que possam vir a
participar de um encontro de arteterapia, assim, importante esclarecer que essas mudanas
(de passagem de uma etapa para outra) so sutis e algumas vezes em seu desenrolar, podem
ser suprimidas ou mais evidenciadas uma das partes, pois, como lembra Andrade (2000, p.
112-113): [...] os processos intrapsquicos no progridem de maneira linear. H momentos de
progresso e organizao e outros de recolhimento e imerso [...]. Alm disso, deve-se levar
em conta o perfil do grupo, e como ele conduzido pelo arteterapeuta.
Colaborando na fundamentao terica das propostas, trago o Continuum das Terapias
Expressivas (ETC), estudo desenvolvido por Kagin8 e Lusebrink (1990) que um modelo
7 Sero detalhadamente comentadas nos itens seguintes deste captulo.
8 Tambm idealizadora do The Expressive Therapies Continuum (ETC).
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conceitual de expresso e interao com diferentes materiais e tambm em variados nveis,
formulado para ser utilizado em psicoterapias artsticas e expressivas. Consiste em quatro
nveis organizados numa seqncia do desenvolvimento da formao da imagem e no
processamento da informao, que so: Nvel Sensrio-Motor (S/M), Nvel
Perceptual/Afetivo (P/A), Nvel Cognitivo-Simblico (C/S) e o Nvel Criativo (CR). Este
ltimo considerado como a sntese dos outros trs e responsvel pela integrao,
transformao e expresso da experincia em novas formas (CHIESA, 2004, p. 45).
A prxis arteteraputica se faz presente atravs de relatos de atividades realizadas com
dois grupos de idosas de duas instituies de terceira idade da cidade de Natal RN. Esse
trabalho9 foi idealizado e desenvolvido em parceria com a amiga e colega de turma Ana Maria
Pereira do Nascimento. Para identificar cada grupo, aqui denomino grupo A e grupo B, sendo
tambm as participantes identificadas com as letras iniciais de seu primeiro nome. Como as
propostas envolvem msica, todas as peas utilizadas nos encontros com os grupos foram
citadas, comentadas sua forma de aplicao e organizadas no apndice A desta monografia.
Os exemplos musicais em partituras foram registrados por mim, a partir das atividades. Dessa
forma, recortes de encontros mais significativos, apresentao de alguns trabalhos, fotos,
depoimentos10
de participantes, alm das minhas consideraes, constam a seguir.
4.1.1 Sensibilizao
Nos encontros de arteterapia natural iniciarmos com alguma atividade que
chamamos de sensibilizao, geralmente composta de expresses corporais envolvendo
9Veja um dos projetos apndice B.
10 Todos os trabalhos, fotos e depoimentos foram devidamente autorizados pelas participantes para constarem
nesta monografia.
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msica ou elementos musicais. A esse respeito narram Allessandrini e Nascimento (1999, p.
35):
[...] Sempre iniciamos com um trabalho corporal que prepara nossa mente e psique
para a experincia criadora. A msica ajuda a compor a experincia. No
relaxamento, escolhemos melodias suaves e delicadas, que expandem o universo
interior distensionando o corpo e a mente.
Nesta etapa o indivduo estabelece uma ligao consigo, numa percepo de si e
tambm do ambiente que o cerca, simultaneamente, alm de preparar-se e assim, permitir-se a
um maior envolvimento s propostas seguintes. Aqui ele convidado a tocar o si mesmo
o seu mundo INTRA, que aproxima o valor do ser relao dele consigo, mas que muitas
vezes no tem oportunidade de expressar colocando-se disponvel para o emergir de sua
imagem interna (grifo da autora) (ALLESSANDRINI, 1996, p. 41).
preciso esclarecer tambm que no necessariamente deva ser realizada toda
sensibilizao com expresso corporal aliada a msica, mas um recurso para facilitar o
processo de interiorizao espontnea e, mesmo tendo essa combinao de corpo, movimento
e msica, temos infindveis maneiras de realizao. A sensibilizao pode ser compostas de
exerccios ldicos, em atividades corporais, em observao dirigida ou sugerida, em
construes no imaginrio etc. As atividades desenvolvidas nesse momento visam a
vinculao do sujeito com a situao (ALLESSANDRINI, 1996, p. 42).
Fagali (apud ALLESSANDRINI, 1996) comenta que quatro aspectos importantes do
ponto de vista metodolgico e psicolgico no devem ser esquecidos:
1o.) possibilitar a integrao das sensaes, no se direcionando a um canal especfico apenas,
pois enfatiza que o contato com o mundo d-se a partir de inter relaes sensoriais,
emocionais e intelectuais; 2o.) Levar a observao de estmulos dinmicos que se
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apresentam em movimento, mas lembra que isto no implica necessariamente na
movimentao externa do estmulo, pois o participante pode observar um estmulo esttico de
forma ativa ou passiva; 3o.) Oferecer situaes que desenvolvam todas as formas de
comunicao, seja introvertida ou extrovertida, pois segundo Fagali, devemos respeitar as
caractersticas de cada um, alm de possibilitar viver as duas formas de expresso; 4o.)
referindo-se natureza do estmulo escolhido, diz que podem ser elementos presentes no
prprio meio, ou mesmo alguma imagem ou contedo que surgem dos participantes.
Para contemplar esses itens, em atelier teraputico foram desenvolvidas variadas
atividades, quando utilizamos gravaes musicais e, tambm msica ao vivo tocada por mim,
na flauta doce. Ao iniciar o encontro, por algumas vezes, chamei-lhes a ateno dando as
orientaes cantando (Exemplo musical 1) e, assim, rapidamente elas se organizavam e
permaneciam atentas.
Exemplo musical 1 Frase cantada Fonte composio Cristinane Otutumi
Nesta proposta convidei as senhoras a se movimentarem de acordo com o andamento11
das msicas tocadas, deixando claro que poderiam acompanha-las cantando quando
quisessem. Todas as melodias faziam parte do repertrio de canes folclricas brasileiras
Cai cai balo, Marcha soldado, Cano de ninar, etc., tornando-se mais evidente quando o
andamento era modificado. O objetivo trazer a percepo das nuances do som (andamentos)
e express-las com o corpo. Caminharam, pularam, fizeram gestos suaves, grandes, pequenos,
11
Andamento velocidade a que uma pea de msica executada (KENNEDY, 1994, p. 32).
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cantarolaram e, a voz de IN, EV, NI se destacaram do grupo. Foi uma das primeiras propostas
realizadas com som ao vivo.
Outra maneira foi utilizar gravaes para essas sensibilizaes. Trabalhei com gneros
conhecidos como choros, valsas, em sua maioria msica instrumental. Algumas vezes
ouvimos canes com letras, que foram verificadas com cuidado antes de coloc-las para o
grupo. Percebi que a letra aliada a instrumentao, e a todos outros elementos musicais, induz
fortemente lembranas que, naturalmente, se escolhidas pelo arteterapeuta, devem fazer
parte dos objetivos traados para o atendimento. Alm das lembranas que a questo mais
presente no caso dos idosos, a msica tambm capaz de evocar sentimentos e sensaes
desde melancolia, alegria, inquietude, calmaria e, etc. Portanto, importante organizar a
discografia a ser utilizada, de acordo com o perfil traado e os objetivos com o grupo.
Dessa forma, dirigimos uma sensibilizao onde aplicamos a msica Sou eu12, um
samba cantado por Djavan e Moacir Santos. Essa escolha foi para dar continuidade a uma
proposta de recorte e colagem do encontro anterior, em que o tema era: o que representa voc.
O objetivo alm de trazer a percepo sonora e expresso corporal, atravs da letra unida a
instrumentao e clulas rtmicas do samba, possibilitou ainda que as pessoas entrassem em
contato com seus aspectos positivos de maneira alegre. Assim, a msica, com presena de
instrumentos como piano, baixo, percusso e voz cantada, trouxe energia e foco atividade.
Mesmo sem conhecer a msica as participantes cantarolaram o refro e danaram livremente
ou em duplas (Fotografia 1). A letra diz: Se um claro lils te banhar de luz, no te acanhes
no, sou eu!! Se uma estranha paz te vestir de azul, no te espantes no, sou eu!!....
12
Composio de Moacir Santos e Nei Lopes, presente no lbum Ouro Negro Veja apndice A.
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Fotografia 1 Sou eu Fonte Proposta de sensibilizao corporal Grupo B
O nvel sensrio motor neste momento ativado, pois nele que os componentes
motor (que permite a liberao da energia e a expresso atravs de movimento) e sensrio
(sensao ttil e a de contato direto com o material) esto oportunizando uma abertura quanto
a inibio e ao controle, pois permite que o indivduo se distancie de seus preconceitos,
julgamentos e crticas limitantes do seu lado racional (CHIESA, 2004, p. 46).
Msicas que sugerem gestos foram tambm abordadas em nossos encontros.
Inicialmente, conto sobre o contexto da cano e, logo depois, canto sua melodia principal
lentamente, para o significado da letra tornar-se claro; para cada frase, convido-as para criar o
seu movimento. O refro, geralmente de fcil assimilao, repetido algumas vezes e aos
poucos o grupo vai assimilando toda a cano. Quando h gestos, a memorizao da letra
rpida e dinmica, pois fica divertido aprender. Em um dos nossos encontros com grupo A,
(Fotografia 2) montamos (com o grupo) uma coreografia para a msica Canto do povo de um
lugar, de Caetano Veloso. O objetivo permitir que as participantes possam criar e se
expressar, mesmo estando em grupo, alm de associar letra, msica e movimento de maneira
concreta com o corpo.
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Fotografia 2 Canto do povo Fonte Atividade de msica e coreografia Grupo A
Outro tipo de estmulo para esse momento de sensibilizao comentar sobre os sons
do seu cotidiano. Observar o contexto sonoro em que cada um convive muito rico, tanto
para o grupo, como para o arteterapeuta, pois, geralmente estamos mais vinculados a notar e a
lembrar de objetos, de pessoas, de coisas, ligadas ao nosso campo visual e, acabamos por
esquecer que tambm a paisagem sonora13
traz um pouco da histria dos participantes.
Perguntas como que som est presente em seu acordar? Quais fazem parte de sua manh?
H algum som que caracterize algum? Quais sons voc mais aprecia? Qual mais
marcante?, so alguns exemplos de como iniciar e conduzir essa proposta que, aos poucos,
resultam em comentrios de fatos vividos no dia-dia dos clientes. O objetivo buscar na
memria essa imagem sonora e, com isso, proporcionar aos participantes conhecer e perceber
melhor seu universo dos sons, conforme o depoimento a seguir:
Pedi que sentassem confortavelmente nas cadeiras e fechassem os olhos. Respiramos.
Percebam o som do ambiente, das coisas nesse ambiente. Silncio. Do seu cotidiano...
IN o som do papagaio da vizinha l de casa!! BRI o som do meu cachorro! EV da minha geladeira!
Utilizamos tambm, materiais que posteriormente pertenceriam a expresso livre,
como foi o caso das ls, das bonecas, entre outras. interessante trabalhar movimento,