2 o texto de mateus 21,33-46, sua delimitação e estrutura

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2 O Texto de Mateus 21,33-46, sua delimitação e estrutura Como texto base para o presente estudo tomaremos Mateus 21,43, no contexto da parábola dos vinhateiros homicidas 21,33-46. A escolha do texto foi determinada por dois motivos centrais: Em primeiro lugar, porque nessa possível cláusula redacional encontra-se abordada a questão forense: ela é essencial para alcançar o significado da parábola dos vinhateiros homicidas (21,33-46), principalmente como parábola jurídica. É precisamente no verso 43 que Mateus indica a culpa de Israel (seus dirigentes) e sua imediata e inevitável condenação, com a perda da basilei,a, para logo em seguida transferi-la para um novo e;qnoj que produza seus frutos. Essa dinâmica é bem articulada em uma provável perspectiva de procedimento jurídico. Em segundo lugar, motivou-nos o estudo deste texto a possível compreensão de que esta temática possa apontar para a concepção do sentido jurídico no Evangelho de Mateus, a partir de uma análise dos elementos constitutivos da sentença de 21,43. A análise da construção de texto nos ajudará mostrar que Mateus 21,33-46 pode ser visto como unidade literária autônoma, com uma estrutura bem organizada. Veremos a relação temática nos vinhateiros como também na sequência do texto que antecede e no que se segue; assim como investigaremos a macro estrutura do Evangelho de Mateus, por conseguinte indicaremos características jurídicas na estrutura dos vinhateiros homicidas.

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2 O Texto de Mateus 21,33-46, sua delimitao e estrutura

Como texto base para o presente estudo tomaremos Mateus 21,43, no

contexto da parbola dos vinhateiros homicidas 21,33-46. A escolha do texto foi

determinada por dois motivos centrais:

Em primeiro lugar, porque nessa possvel clusula redacional encontra-se

abordada a questo forense: ela essencial para alcanar o significado da parbola

dos vinhateiros homicidas (21,33-46), principalmente como parbola jurdica.

precisamente no verso 43 que Mateus indica a culpa de Israel (seus dirigentes) e

sua imediata e inevitvel condenao, com a perda da basilei,a, para logo em

seguida transferi-la para um novo e;qnoj que produza seus frutos. Essa dinmica

bem articulada em uma provvel perspectiva de procedimento jurdico.

Em segundo lugar, motivou-nos o estudo deste texto a possvel

compreenso de que esta temtica possa apontar para a concepo do sentido

jurdico no Evangelho de Mateus, a partir de uma anlise dos elementos

constitutivos da sentena de 21,43.

A anlise da construo de texto nos ajudar mostrar que Mateus 21,33-46

pode ser visto como unidade literria autnoma, com uma estrutura bem

organizada. Veremos a relao temtica nos vinhateiros como tambm na

sequncia do texto que antecede e no que se segue; assim como investigaremos a

macro estrutura do Evangelho de Mateus, por conseguinte indicaremos

caractersticas jurdicas na estrutura dos vinhateiros homicidas.

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2.1. Texto de Mateus 21,33-461

:Allhn parabolh.n avkou,sate

a;nqrwpoj h=n oivkodespo,thj o[stij

evfu,teusen avmpelw/na

kai. fragmo.n auvtw/| perie,qhken

kai. w;ruxen evn auvtw/| lhno.n

kai. wv|kodo,mhsen pu,rgon

kai. evxe,deto auvto.n gewrgoi/j

kai. avpedh,mhsen

33 Escutai outra parbola.

Havia, um homem, dono de casa, que

plantou uma vinha,

e uma cerca colocou em volta,

e cavou nela um lagar

e construiu uma torre

e arrendou-a a lavradores,

e se ausentou em viajem.

o[te de. h;ggisen

o` kairo.j tw/n karpw/n(

avpe,steilen tou.j dou,louj auvtou/

pro.j tou.j gewrgou.j

labei/n tou.j karpou.j auvtou/

34 Quando, porm,

se aproximou o tempo dos frutos,

enviou os seus servos

aos lavradores

para receber os seus frutos.

kai. labo,ntej oi gewrgoi. tou.j

dou,louj auvtou/ o]n me.n e;deiran( o]n

de. avpe,kteinan( o]n de. evliqobo,lhsan

35 E tomando os servos, os lavradores

espancaram a um, mataram a outro, a

outro apedrejaram.

pa,lin avpe,steilen a;llouj dou,louj

plei,onaj tw/n prw,twn(

kai. evpoi,hsan auvtoi/j w`sau,twj

36 De novo enviou outros servos,

em maior nmero que os primeiros,

e fizeram-lhes o mesmo.

u[steron de. avpe,steilen pro.j auvtou.j

to.n ui`o.n auvtou/ le,gwn\

evntraph,sontai to.n uio,n mou

37 Depois, porm, enviou-lhes

seu filho, dizendo:

Tero respeito pelo meu filho.

oi de. gewrgoi. ivdo,ntej to.n uio.n

ei=pon evn eautoi/j\

ou-to,j evstin o klhrono,moj\

deu/te avpoktei,nwmen auvto.n

kai. scw/men th.n klhronomi,an

auvtou/(

38 Porm, os lavradores, vendo o filho,

disseram entre eles:

Este o herdeiro:

vinde, matemo-lo

e tomemos posse da sua herana.

kai. labo,ntej auvto.n

evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj

kai. avpe,kteinan

39 E tendo tomado-o

o lanaram fora da vinha,

e o mataram.

o[tan ou=n e;lqh|

o` ku,rioj tou/ avmpelw/noj(

ti, poih,sei toi/j gewrgoi/j evkei,noij

40 Quando, portanto, vier

o senhor da vinha,

que far queles lavradores?

1NESTL-ALAND, novum Testamentum Graece, 27 edio, 1998.

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le,gousin auvtw/|\ kakou.j kakw/j

avpole,sei auvtou.j

kai. to.n avmpelw/na evkdw,setai

a;lloij gewrgoi/j(

oi[tinej avpodw,sousin auvtw/|

tou.j karpou.j evn toi/j kairoi/j

auvtw/n

41 Dizem-lhe: Sendo maus, de modo mau

os destruir,

e a vinha arrendar

a outros lavradores,

tais que pagaro a ele

os frutos no tempo devido

a ele.

Le,gei auvtoi/j o` VIhsou/j\

ouvde,pote avne,gnwte evn tai/j

grafai/j\ li,qon o]n avpedoki,masan

oi oivkodomou/ntej(

ou-toj evgenh,qh eivj kefalh.n gwni,aj\

para. kuri,ou evge,neto au[th

kai. e;stin qaumasth. evn ovfqalmoi/j

h`mw/

42 Jesus lhes diz:

Nunca lestes nas Escrituras:

A pedra que rejeitaram

os edificadores

esta se tornou por cabea do ngulo;

pelo Senhor foi feito isto

e maravilhoso aos nossos olhos?

dia. tou/to le,gw umi/n

o[ti avrqh,setai avfV umw/n

h` basilei,a tou/ qeou/

kai. doqh,setai e;qnei

poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j

43 Por isso vos digo

que ser tirado de vs

o Reino de Deus

e ser dado a um povo que

produza seus frutos.

kai. o` pesw.n evpi. to.n li,qon tou/ton

sunqlasqh,setai\

evfV o]n dV a'n pe,sh| likmh,sei auvto,n

44 [E o que caiu sobre essa pedra

ficar espedaado;

sobre quem ela cair, o esmagar].

Kai. avkou,santej

oi avrcierei/j

kai. oi` Farisai/oi

ta.j parabola.j auvtou/

e;gnwsan o[ti peri. auvtw/n le,gei\

45 E tendo ouvido

os principais sacerdotes

e os fariseus

as suas parbolas

conheceram que fala a respeito deles.

kai. zhtou/ntej auvto.n krath/sai

evfobh,qhsan tou.j o;clouj(

evpei. eivj profh,thn auvto.n ei=con

46 E buscando-o agarrar,

temeram as multides,

visto que por profeta o tinham.

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2.2. Notas sobre a traduo de Mateus 21,33-46

A transmisso do texto de Mateus 21,33-46 no oferece problemas

significativos quanto ao seu aparato crtico. As principais variantes apresentadas

so as seguintes:

No v. 36, o advrbio palin construdo com diversas partculas,

resultando em vrias leituras alternativas: kai palin (e de novo); palin oun (de

novo / portanto) e palin de (de novo / porm). Essas variantes promovem apenas

uma mudana estilstica, sem provocar qualquer alterao de sentido ou de

contedo. No obstante, prefervel manter o advrbio palin sem a presena de

partculas, j que antecede ao verbo de movimento avposte,llw denotando um

sentido de retorno a um estado anterior pelo insucesso da ao, portanto h

necessidade de se introduzir uma vez mais, novamente, de novo na sequncia

lgica da narrativa.

No v. 38, o verbo scw/men sofre alterao no final da frase: e tenhamos a

sua herana. Esta alterao a seguinte: katascwmen, do verbo katecw (reter,

conter, deter, etc) ficaria: e retenhamos a sua herana. Esta forma parece apenas

criar uma forte dramatizao na ao desesperadora dos vinhateiros. Mostra que a

inteno deles somente a herana. A conservao do verbo scw/men atende

melhor ao sentido do texto. O que pode ser observado a partir das reflexes que

se encontram em um plano moral estabelecido desde a inteno do oivkodespo,thj

(v.36) como ltima alternativa, enviar o seu filho. Entretanto, a proposta que os

vinhateiros confabulam no v. 38 invivel, isso porque o proprietrio est vivo,

impossibilitando assim a reteno da herana. De qualquer modo, o verbo scw/men

no resolveria a incoerncia observada, mas suavizaria a articulao do texto, e

apontaria tanto para uma questo moral quanto tambm para uma questo de

carter jurdico, j que o seu filho era, alm da sua ltima alternativa, o seu

herdeiro legtimo. Ou seja, o seu representante legal.

O v.39: kai. labo,ntej auvto.n evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj kai. avpe,kteinan

o lanaram fora da vinha, e o mataram. A variante assinalada2 trata da inverso

de palavras. A ordem das palavras encontra-se invertida para auvto.n avpe,kteinan

kai. evxe,balon e;xw tou/ avmpelw/noj, o mataram e lanaram fora da vinha

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possvel conferir outras leituras alternativas sempre na tentativa de harmonizar

com o texto correlato do Evangelho de Marcos 12,8 (kai. labo,ntej avpe,kteinan

auvto.n kai. evxe,balon auvto.n e;xw tou/ avmpelw/noj). Desta maneira, assimilado

sequncia de Marcos, o filho morto e ento lanado fora da vinha (Marcos 12,8).

Entretanto, para Mateus (21,39) e Lucas (20,15), refletindo o fato que Jesus fora

crucificado fora da cidade (Joo 19,17.20; Hb 13,12s) alteram naturalmente a

ordem de Marcos. A expulso do filho acontece antes do assassinato

premeditado3. Os sinticos concordam na motivao do assassinato do filho. A

nica alterao expressiva nos pormenores da morte est, portanto, na

intensificao da alegoria. Sendo assim, prefervel manter o verso 39, na ordem

presente, pois atende a inteno do redator mateano, j que Marcos mostra que os

vinhateiros ao assassinarem o filho lanam o corpo insepulto fora da vinha, mas

Mateus e Lucas, independentemente de Marcos, apresentam a alegoria bem

prximo do que seria a realidade, onde o filho foi lanado para fora da vinha e

ento foi morto, assim como Jesus foi crucificado fora da cidade de Jerusalm4.

v.44: kai. o pesw.n evpi. to.n li,qon tou/ton sunqlasqh,setai\ evfV o]n dV a'n

pe,sh| likmh,sei auvto,n

O versculo 44 omitido em algumas testemunhas5. Parece tratar de uma

antiga interpolao, levando-se em considerao o paralelo de Lucas 20,18.

Praticamente no h nenhuma conexo com o verso 43. Tambm a imagem do v.

42 no facilita muito. A citao de Salmo 118,22-23 era uma necessidade

pertinente ao processo de alegorizao. Porm, um lugar que corresponda de

maneira mais adequada sua incluso seria aps o verso 42, ainda que a ligao

com o verso 43 seja bastante fraca e a idia do verso 42 tampouco equivalente.

Possivelmente sua supresso possa ser elucidada, considerando que, o olho do

copista passou de auvth/j (v.43) para auvto,n6. O v. 44 sugere um destino terrvel

para os dirigentes judeus, logo aps a sentena punitiva pela sua esterilidade, ou

2De acordo com o aparato crtico da The Greek New Testament, 4 edio

3METZGER, B.M., A textual commentary on the Greek New Testament, New York, United Bible

societies, 1975. 4DRURY, J., The Sower, lhe Vineyard, and the Place of Allegory in the Interpretation of Mark's

Parables, in JTS, 24, 1973, p. 372. 5O v. 44 omitido nas seguintes testemunhas: D 33; sy

s;Irenacus

lat; Origen; Eusebius

syr.

6Apesar de considerar o versculo um acrscimo ao texto, devido sua antiguidade e importncia

na tradio textual, a comisso (GNT) resolveu ret-lo no texto, dentro de colchetes duplos. Sendo

assim, os editores apresentaram, precedido pela sigla {C}, o que mostra que sua originalidade est

sujeita a um aprecivel grau de dvida.

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seja, sua incapacidade de produzir frutos (v. 43). Analisando o v. 44 sob esse

aspecto torna a sequncia mais vivel.

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2.3. Delimitao de Mateus 21,33-46

A percope da parbola dos vinhateiros em Mateus 21,33-46 pode ser

delimitada sem maiores dificuldades. Os elementos presentes no incio, no

desenvolvimento e no final da narrativa so relativamente simples e a estrutura

textual quanto a sua segmentao so bem precisas. Porm, mostra-se uma

condio sine qua non na interpretao, j que o prprio texto de Mateus 21,33-46

deixa vislumbrar algumas fases no seu processo redacional, comparando com a

sua fonte principal.

A construo narrativa da percope precedente dos dois filhos (21,28-32)

faz parte com a controvrsia sobre a autoridade de Jesus (v. 23-27), que no

apresenta um final com caractersticas estilsticas e nem um dito conclusivo de

Jesus, alm do mais, a parbola (28-32) no proporciona, como era de se esperar,

uma exposio narrativa. Pelo contrrio, a parbola iniciada com uma pergunta

no v. 28 (Ti, de. u`mi/n dokei/) que resulta de uma srie de questionamentos

articulados desde o v. 23, quando os interlocutores de Jesus perguntam pela sua

evxousi,a, com o seu momento conclusivo no verso 32, colocando temporariamente

um fim a controvrsia. Encontramos na concluso (v. 32) uma breve aplicao,

bem concatenada com a disputa anterior de Jesus com os sumos sacerdotes e

ancios (23-27), quando a sua autoridade questionada7.

O verso 33 introduz a unidade textual com :Allhn parabolh.n avkou,sate O

uso do verbo avkou,w na forma imperativa do aoristo ativo supe a presena de

pessoas (2 pessoa do plural). Jesus conta uma nova histria aos seus

interlocutores do v. 23. Portanto, a narrativa da parbola dos vinhateiros

homicidas destaca-se da precedente parbola dos dois filhos (Mateus 21,28-32)

pelo incio de uma nova narrativa (a;lloj). A percope aparece em forma de

parbola (:Allhn parabolh.n), onde os v. 33-39 apresentam elementos

parablicos. Dentro dessa perspectiva apresentada a parbola da vinha com um

breve anncio (33a) A parbola em si comea no 33b segue at 39.

7GOURGUES, M., As parbolas de Jesus em Marcos e Mateus, p. 132. Gourgues delimita a

percope 21,28-32, observando a introduo do verso 28, por uma pergunta de Jesus (que vos

parece?) e sua concluso no verso 32. Para Ulrich Luz essa unidade literria inicia-se no v. 23 e

se prolonga at o v. 32. LUZ, U., El Evangelio segn San Mateo, p.274.

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A introduo (33) situa a histria, demonstrando uma estreita relao de

Deus com os homens; o que bem prprio de Mateus, j que ele apresenta em sua

teologia a tendncia de proporcionar essa relao Deus / homem8, atravs da

analogia do senhor / servo: Mateus 10,25: o` dou/loj w`j o` ku,rioj auvtou/; 13,27: oi

dou/loi tou/ oivkodespo,tou; e tambm em 20,1.11. Mateus mostra que este homem

um oivkodespo,thj proprietrio; essa adequao estabelece teologicamente

tambm a relao entre o senhor da vinha e os vinhateiros. Assim, a sua audincia

perceber a responsabilidade que lhe devida de tornar ao proprietrio (Deus) os

frutos da sua vinha. A dinmica do relato se estende at o seu ponto decisivo (37-

39).

A expectativa criada na narrativa parablica (37-39) agora de forma

proposital direcionada aos interlocutores de Jesus (40-41). O caso apresentado na

dramatizao anterior, entre o senhor da vinha e os vinhateiros, requer da

audincia mateana uma imediata tomada de deciso e isso se d atravs do

julgamento do episdio apresentado da seguinte maneira:

Com uma nova indicao temporal, o verso 40a insere: Quando,

portanto, vier o senhor da vinha. empregado um recurso estilstico em forma

jurdica9, com a pergunta em 40b. Desta forma, os ouvintes prontamente

interagem na dramatizao emitindo um juzo. Na etapa conclusiva da narrativa

(42-46), a dinmica do relato indica o ponto mais surpreendente de toda

dramatizao (43): a principal reclamao a necessidade de dar frutos e, por

conseguinte a inesperada transferncia da basilei,a tou/ qeou/ para um novo e;qnoj.

A parbola tem sua concluso com o v. 46. O captulo 22, a partir do

versculo 1, apresenta um novo enfoque, explicitado pelo uso do advrbio pa,lin e

que se estende ao verso 14, que d a forma conclusiva para essa unidade textual.

O verso 1 de carter introdutrio com uma formulao bem precisa. Desta

maneira, conecta essa nova unidade textual (parbola do banquete nupcial) com o

verso anterior (46). A parbola do banquete nupcial tem a sua narrativa a partir

do v.2 que se prolonga at o v. 13b; seguida por um comentrio (13c-14).

A anlise da construo de texto mostra que Mateus 21,33-46 pode ser visto

como unidade literria intercalada com mais duas parbolas: dos dois filhos

8Cf., LON-DUFOUR, S. J. X., tudes Dvangile, p. 338. Lon-Dufour mostra que esta relao

Deus / homem supera simbolicamente a exigncia de fidelidade aliana. 9Esse recurso tambm usado na parbola anterior (21,31)

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(21,28-32) e a parbola do banquete nupcial (22,1-14). O texto est bem

construdo e sua unidade literria pode ser com nitidez assinalada, embora com

diferentes momentos, destacando a sentena jurdica no v. 43: como a parbola

(33-39), que dentro da perspectiva de uma parbola, o escritor de Mateus

apresenta os vinhateiros homicidas. Em seguida se destaca o julgamento (40-41),

que se d aps a exposio da parbola e formulada uma pergunta no verso 40:

Quando, portanto, vier o senhor da vinha, que far queles lavradores?. Cabe

aos interlocutores de Jesus julgarem o caso apresentado; e faro isso respondendo

imediatamente (41b): kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j. Na ltima etapa desse

processo surgem a acusao e a interpretao (42-46), a principal reclamao a

necessidade de produzir (poie,w) frutos (43), logo ocorre a transferncia para um

novo e;qnoj. Os interlocutores interpretam a parbola. Entendem que a histria

relatada mostra o prprio conflito deles com Jesus.

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2.4. Aspectos estruturais no Evangelho de Mateus

A estrutura literria do Evangelho de Mateus tem estado no centro de

controvrsias e constantes debates. No existe atualmente qualquer consenso

sobre a estrutura deste Evangelho, que se tornou objeto de intenso interesse e

investigao aprofundada entre os estudiosos. De acordo com R. Gundry10

a

estrutura do Evangelho de Mateus no pode ser explicado a partir de uma nica

formulao. Mas, uma srie de dispositivos que daro forma estrutural ao

Evangelho. As hipteses so inmeras, desde incluses, quiasmos11

, repeties12

,

trades, padres numricos, frmulas repetitivas13

, at fluxo narrativo que se

desenvolve do incio ao fim do Evangelho, como a proposta de M. Thompson14

e

R. A. Edwards15

.

F. Matera16

e J. D. Kingsbury17

tm sugerido hipteses semelhantes a partir

dessa perspectiva estrutural para a compreenso da trama de Mateus, dando nfase

aos elementos do fluxo narrativo, como causalidade e conflito. F. Matera, em seu

artigo The Plot of Matthew's Gospel, analisa a estrutura de Mateus considerando

que os eventos esto relacionados entre si em termos de causa e efeito e atravs

do discernimento dessas relaes causais que a lgica da narrativa aclarada. A

nfase voltada para a causalidade mostra que o significado dos eventos s pode

ser determinado em funo dos seus resultados. Assim, Matera diferentemente de

Edwards, no analisa a trama do Evangelho de Mateus pela leitura narrativa a

partir do seu incio, mas, sim, pelo final. Para ele, trata-se de um padro de causa

e efeito que se desenvolve ao longo da narrativa provocando sempre uma reao

para a narrativa seguinte. Desta forma, o final do Evangelho de Mateus revela este

efeito final.

10

GUNDRY, R., Matthew: A Commentary on His Literary and Theological Art. Grand Rapids:

Eerdmans, 1982, pp. 10-11. 11

LUZ, U., Matthew 1-7. pp. 31-41. Para U. Luz a estrutura enfatizada por repeties de

palavras, por incluses e por formulao de quiasmo. 12

ANDERSON, C., Double and triple Stories, the Implied reader and Redundancy in matthew, in

Semeia 31 (1985), pp. 71-89. 13

BURNETT, F. W., Prolegomenon to reading Matthews Eschatological Discourse: redundancy

and the Education of the Reader in Matthew, in semeia 31 (1985), pp. 91-109. 14

THOMPSON, M., The Structure of Matthew: A Survey of Recent Trends, p. 238. 15

EDWARDS, R. A., Matthews Story of Jesus. Philadelphia: Fortress, 1985, p. 9. 16

MATERA, F., The Plot of Matthew's Gospel, in CBQ 49 (1987) 233-253. 17

KINGSBURY, J. D., Matthew as Story. Philadelphia: Fortress, 1988.

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A narrativa termina com um desenvolvimento (misso para os gentios) que

pareceu necessrio em uma fase anterior (10,6; 15,24). O enredo (lgica

narrativa) do Evangelho explicaria essa evoluo. Matera acredita que,

apresentando o movimento do Evangelho de Israel para as naes tratar-se-ia de

uma consequncia da rejeio de Israel do Jesus Messias18

.

A parbola dos vinhateiros homicidas (21,33-46) teria uma funo

importante dentro dessa anlise, j que trataria da rejeio de Israel e o assassinato

de Jesus. Tanto em 21,41, com a rejeio e em 21,43 com a consequente

passagem do Reino para os que produzissem frutos (comunidade mateana) so a

causa da grande comisso em Mateus 28,16-20. Ela prpria uma causa que vai

ter efeitos diversos na histria (cf. 10,16-25; 24,9-14). O ponto inteiro da grande

comisso colocado no final da narrativa de Mateus (28,16-20).

Assim, a estrutura apresentada com seis grandes blocos de narrativa: a

vinda do Messias (1,1-4,11), o ministrio do Messias de Israel (4,12-11,1), a crise

no ministrio do Messias (11,2-16,12), a viagem do Messias para Jerusalm

(16,13-20,34), a morte e ressurreio do Messias (21,1-28,15), e por fim a grande

comisso (28,16-20).

No entanto, nenhum desses dispositivos literrios19

tem predominncia na

estrutura do Evangelho. A proposta do fluxo narrativo que se desenvolve do incio

ao fim do Evangelho interessante sob o aspecto temtico, contudo, enquanto

proposta de estrutura no suficientemente capaz de atender a complexidade

estrutural do Evangelho de Mateus.

18

MATERA, F., The Plot of Matthew's Gospel, p. 243. No aspecto de Jesus, o Messias, Deus

cumpre suas promessas a Israel. Mas Israel se recusa a aceitar Jesus como o Messias. Por

conseguinte, o Evangelho passa para as naes. 19

BAUER, D., The Structure of Matthews Gospel: A Study in Literary Design. Sheffield: Almond,

1988. Bauer emprega dispositivos literrios para indicar as unidades maiores na relao estrutural.

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2.4.1. A estrutura do Evangelho de Mateus em cinco discursos

A complexidade do tema e a falta de acordo sobre a metodologia aplicada

possibilitam assim inmeras solues. A mais conhecida e mais influente hiptese

sobre a estrutura de Mateus surgiu no incio do sculo passado por B.W. Bacon20

.

A sua proposta conhecida como teoria do Pentateuco. Ele fez uma relao entre

o Evangelho e a Torah mosaica. Assim como o Pentateuco composto por cinco

livros21

, contendo material narrativo e discursivo, de igual modo Bacon fez uma

aproximao com o Evangelho de Mateus22

. Ele notou uma alternncia por cinco

vezes entre as narrativas (N) e os discursos (D), mediada por uma frmula

estereotipada em 7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,1, entre os quntuplos discursos,

provocando uma importante cesura no texto. Esta frmula tem uma funo de

concluso do discurso.

Assim, os discursos no so desconexos e nem rompem o tecido narrativo,

mas, interligam-se aos relatos provocando o movimento da ao. Cada discurso

(representado pela sigla D) precedido por uma seo introdutria na narrativa

(representada pela sigla N). No total, este padro (N + D) ocorre cinco vezes, em

que o primeiro comea em 3,1 e o ltimo tem o seu desfecho em 25,46. Alm do

mais, cada discurso estabelece sua prpria unidade literria e ao mesmo tempo

evidencia sua linha temtica. O que se percebe, principalmente quanto aos

aspectos do Reino dos Cus, com uma forte progresso perpassando-os

sistematicamente.

Os cinco discursos so emoldurados por um prembulo (Mt 1-2) e um

eplogo (Mt 26-28). Assim a estrutura do Evangelho est essencialmente arranjada

20

B.W. BACON, The Five Books of Matthew Against the Jews, in The Expositor VII, 85 (1918),

pp. 56-66. 21

Era prtica comum na literatura judaica a tendncia em arranjar materiais escritursticos

agrupados em nmero de cinco: como o caso do Pentateuco; os cinco livros de Salmos; cinco

divises nos Megillot, como tambm no Pirk Abot. 22

ENSLIN, M., The Five Books of Matthew: Bacon on the Gospel of Matthew, in The Harvard

Theological Review, p. 68; Para Morton S. Enslin o redator mateano estava preocupado no s

com o cinco grandes discursos, mas com as narrativas que levaram a eles e do modo como

forneceram suas configuraes histricas, precisamente maneira dos sucessivos cdigos do

Pentateuco.

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em cinco grandes blocos, tendo os acontecimentos histricos, atravs das

narrativas, concatenados em torno dessas grandes sees23

Prlogo 1,1-2,23

Narrativa

3,1-4,25

Primeiro discurso 5,1-7,27 Sermo da Montanha24

Frmula

7,28-29

Quando Jesus acabou de

proferir estas palavras...

Narrativa

8,1-10,1

Segundo discurso 10,5-42 Misso instruo25

Frmula

11,1

Ora, tendo acabado Jesus de

dar estas instrues a seus

doze discpulos...

Narrativa 11,2-12,50

Terceiro discurso 13,1-52 Parbolas Reino dos Cus26

Frmula

13,53

Tendo Jesus proferido estas

parbolas...

23

Essa estrutura usada pela Bblia de Jerusalm: Cada livro tem, assim, uma parte narrativa e um

discurso: 1 parte: relatos da infncia - Mt 1-2; 2 parte (primeiro livro): Justia do Reino de Deus

3-7. Narra o incio da misso de Jesus na Galilia, a chegada do Reino. Consta do Sermo da

Montanha e das condies para participar do Reino. 3 parte (segundo livro): Uma justia que

liberta os pobres 8-10 - Narra sobre chamado de Jesus, os primeiros vocacionados do Reino e o

discurso missionrio de Jesus. 4 parte (terceiro livro): Uma justia que provoca conflitos 11,1-

13,52 - Apresenta os segredos e os conflitos do Reino, a aceitao e a rejeio. Narra as

maravilhosas parbolas de Jesus. 5 parte (quarto livro): O novo povo de Deus 13,53-18,35 -

Trata da organizao do Reino: o novo Povo de Deus. Fala da preparao dos discpulos e trs o

discurso sobre a Igreja: comunidade dos seguidores que vivem a proposta do Reino. 6 parte

(quinto livro): A vinda definitiva do Reino 19-25 - Narra a consumao do Reino, Jesus em

Jerusalm e o confronto com os judeus. 7 parte: relatos da paixo-ressurreio 26-28.

MAZZAROLO, I., Evangelho de So Mateus. p. 7. Mazzarolo tambm prope essa estrutura com

dois conjuntos temticos, os cincos discursos e as cinco seces narrativas:

1. Os cincos grandes discursos: a) O sermo da Montanha 5-7; b) as instrues aos missionrios 10; c) O discurso das parbolas 13; d) Instrues sobre a moral social 18; e)

O discurso escatolgico juzo final 24-25.

2. As cinco seces narrativas: a) o anncio da proximidade do Reino 3-4; b) Os dez milagres de manifestao do Messias 8-9; c) A doutrina do reinado de Deus e o

julgamento das tradies 11-12; d) ensinamentos diversos sobre o modo de conduta e as

opes morais 13,53-17,27; e) releitura dos ensinamentos dos antepassados sobre ritos e

prticas religiosas com a dimenso da justia e da misericrdia 19-23, preparando o

discurso final de 24-25. 24

Trata da proclamao de Jesus acerca do Reino dos Cus com todas suas prerrogativas. 25

A extenso indicativa do Reino dos Cus numa perspectiva missionria. 26

O discurso em linguagem parablica, tratando exclusivamente da natureza do Reino dos Cus.

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Narrativa 13,54-

17,27

Quarto discurso 18,1-35 Prticas comunitrias27

Frmula

19,1

...concluindo Jesus estas

palavras...

Narrativa 19,2-22,46

Quinto discurso 23,1-25,46 Discurso escatolgico28

Frmula

26,1

Tendo Jesus acabado todos

estes ensinamentos...

Eplogo 26,3-28,20

Diversas crticas proposta da estrutura de B. W. Bacon tem surgido, j

que essa hiptese no consegue solucionar por completo toda complexidade

estrutural do Evangelho de Mateus. Um exemplo da limitao dessa proposta o

prlogo que se restringe somente a genealogia, e principalmente o eplogo (26-28)

que incontestavelmente o ponto culminante do drama da histria mateana sobre

Jesus. Contudo, Bacon classifica-os como prlogo e eplogo, deixando-os de fora

dos cinco livros (discursos) ou das narrativas, que compem a sua estrutura do

Evangelho. Alm disso, soma-se o fato de que a colocao inicial para cada

frmula no fim dos discursos, no corresponde exatamente o lugar que se

esperaria29

.

As diferenas rigorosas observadas entre N e D apresentam-se

mecanicamente elaboradas para justificar a hiptese. Para tanto, basta uma anlise

superficial nos textos de Mt 1-2 e 26-28, j que se tratam conforme a proposta de

Bacon, de um prlogo e um eplogo respectivamente, para se verificar a

plasticidade de tal formulao. J que esvazia de forma ntida a importncia de

ambas narrativas. Alis, esse gnero narrativo explcito na sua importncia para

Mateus. Assim, indiscutvel que tais textos seguem na mesma perspectiva que as

demais narrativas (N). Em ltima anlise, considerando a diferena entre N e D,

no resta dvida que os textos em 1-2 e 26-28, podem e devem ser categorizados

27

Trata da comunidade mateana que assume o Reino dos Cus, se define como discurso

eclesiolgico. 28

Os elementos escatolgicos evidenciam esse discurso. um convite para o Reino dos Cus. 29

KEEGAN, T.J., Introductory Formulae for Matthean Discourses, in CBQ 44 (1982), pp. 415-

430.

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sob o gnero narrativo (N). A hiptese de Bacon deixa a desejar por fazer essa

distino, j que a alternncia entre N e D, no caracterstica dos textos de 3,1

at 25,46 apenas, mas isso se evidencia na constituio de todo livro30

.

A simples observao da coerncia interna da narrativa e do discurso que

compem cada livro-discurso no to clara e efetiva como supe Bacon. A

frmula estereotipada, que um elemento importante da hiptese estrutural de

Bacon, na realidade ela conclui uma coleo de ditos e no um discurso, incluindo

tambm a narrativa31

. Alm do mais, essa diviso de cada livro somado ao

discurso distribudo em narrativa, tendo a frmula como elemento essencial,

mostra que a frmula estereotipada no necessariamente conclusiva para a seo

anterior, porm muito pelo contrrio, ela introduz a seo seguinte, ou seja, no

uma frmula final, mas uma frmula que provoca a mudana, concatenando a

articulao redacional do Evangelho.

No entanto, a proposta de Bacon muito importante em muitos aspectos,

como os cinco discursos, mesmo que se tenham dificuldades quanto delimitao

exata; a frmula estereotipada, que no caso no seria conclusiva, mas sim de

transio.

2.4.1.1. A parbola dos vinhateiros na estrutura dos cinco discursos

A parbola dos vinhateiros homicidas (21,33-46) faz parte da narrativa

proposta por Bacon (19,2 - 22,46), entre o quarto e o quinto discurso. A frmula

encontrada em 19,1 ...concluindo Jesus estas palavras... introduz essa ltima

etapa. O relato em si tem seu incio no discurso eclesial do captulo 18. Trata-se

da ruptura com o judasmo (18,1-22,46). A partir de 19,1 o cenrio se desloca para

Jerusalm e o fim da histria de Jesus narrada por Mateus tem aqui o seu incio.

Nesse deslocamento, se percebe a tmida presena dos adversrios e at

mesmo da multido contrapondo-se aos relatos anteriores. Desta forma, os

30

Recentemente D. O. Via novamente chamou a ateno para duas das estruturas mais bvias

presentes em Mateus: a conhecida frmula de cinco vezes (7,28; 11,1; 13,53; 19,1 e 26,1), e a

repetio da frase em 4,17. 31

DAVIES, W. D., The Setting of the Sermon on the Mount. Cambridge: Cambrideg University,

1964, pp. 14-25.

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captulos 1932

e 2033

manifestam a instruo devotada para os discpulos quanto

ao Reino de Deus. O que muda consideravelmente depois da entrada em

Jerusalm, com a expulso dos vendilhes do Templo (21,1-22).

Os relatos que antecedem o quinto discurso so significativos (21,1-22,46),

pois tratam de uma srie de confrontos com as autoridades judaicas. O

posicionamento da parbola dos vinhateiros nessa etapa da narrativa estratgico.

Ela faz parte de uma seo homognea articulada por mais duas parbolas: a que

antecede a parbola do dois filhos (21,28-32) e a que segue o banquete nupcial

(22,1-14). Essa seo retrata o ministrio de Jesus em Jerusalm, apontado por

Mateus por um intenso conflito com as principais autoridades judaicas34

. a

ltima etapa narrativa de Mateus, que revela, a partir desse momento, uma

mudana importante para o desfecho da misso de Jesus. Mateus usa a parbola

dos vinhateiros como parte essencial nessa etapa da narrativa. Quanto estrutura

ela se encontra praticamente centrada na ltima etapa narrativa. Isso mostra a

importncia da clusula 21,43 sob o aspecto estrutural, quanto a sua posio, mas,

principalmente para o sentido jurdico em relao macroestrutura de Mateus. O

que muito relevante para o objeto dessa pesquisa. Portanto, essa seo antecede

o prximo e ltimo discurso, que o discurso escatolgico (23,1-25,46).

A estrutura proposta por Bacon mostra uma alternncia significativa entre

a narrativa e o discurso. Surpreende o fato que cada narrativa introduz um tema

que ser desenvolvido cabalmente no discurso seguinte, ou seja, cada discurso

apresenta um plano temtico e uma unidade literria bem delimitada. Mateus

insere aps os quatro primeiros, a observao: (E) aconteceu que ao terminar

Jesus estas palavras... basta conferir em 7,28; 11,1; 13,53 e 19,1. J aps o

quinto discurso ele fecha de forma conclusiva relacionando esse aos demais

discursos: Quando Jesus terminou todas estas palavras... (26,1).

Essas frases propem uma forma conclusiva aos discursos, contudo elas

indicam, tambm, uma funo de transio para o material narrativo que as

sucedem. Alm do mais, os discursos apresentam inmeros elementos do Reino

32

Mateus 19,3-12 e 19,16,22 tratam da Lei. O que muito importante para Mateus, tanto a

compreenso quanto a aplicao. Ele desenvolve esses elementos para diferenciar a sua

comunidade da dos judeus; pelo cumprimento da lei. 33

O Reino de Deus apresentado na parbola dos trabalhadores na vinha (20,1-16) com o objetivo

de indicar a posio e o lugar no Reino. A percope seguinte d continuidade ao tema sobre

posio e hierarquia (20,17-28).

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dos cus com um claro desenvolvimento temtico entre eles35

; no caso da

parbola dos vinhateiros homicidas (21,33-46), esse Reino deixa de ser

definitivamente exclusividade do judasmo, assim a parbola tematiza, em forma

jurdica (v.43) a esterilidade pela deficincia na produo dos frutos esperados.

2.4.2. A estrutura do Evangelho de Mateus em forma de quiasmo

A partir de C. Lohr36

, H. B. Green37

e o artigo de H. J. B. Combrink38

The

Macrostructure of the Gospel of Matthew surge uma proposta, que tem como

enfoque principal as formas de quiasmo.

Na mesma linha de Bacon, se percebem a funcionalidade elaborada por

Mateus no desenvolvimento da sua obra. No entanto, argumenta-se a favor de

uma ordenao concntrica com o discurso parablico (13,1-52) como o centro de

todo o livro.

O contedo e a definio dos captulos 23 e 24-25 so significativamente

diferentes. Sugerem ento, no cinco, mas seis discursos39

. O. Lamar Cope fez

uma comparao do incio dos seis discursos (5,1; 10,1; 13,1; 18,1; 23,1 e 24,1), e

observou um paralelismo entre 5,1-2 e 13,1-3a em que ambos, Jesus est sentado

34

ROBINSON, J. A. T., The Parable of the Wicked Husbandmen: A Test of Synoptic

Relationships, p. 444. 35

SMITH, C.R., Literary Evidence of a Fivefold Structure in the Gospel of Matthew, in NTS 43

(1997), pp. 540-551. 36

LOHR, C., Oral Techniques in the Gospel of Matthew, in CBQ 23 (1961), pp. 403-435. 37

GREEN, H.B., The Structure of St Matthews Gospel, in Studia Evangelica IV (ed. F. L. Cross,

Berlin: Akademie, 1968, pp. 47-59. 38

COMBRINK, H.J.B., The Macrostructure of the Gospel of Matthew, in Neot 16 (1982), pp. 1-90. 39

O. Lamar Cope tambm percebe seis e no cinco discursos na composio da estrutura de

Mateus, COPE, O. L., Matthew: um A Scribe Trained for the Kingdom of Heaven (CBQMS 5;

Washington: Catholic Biblical Association, 1976), p. 15. BARR, D., The Drama of Matthews

Gospel, in TD 24 (1976), p.351. David Barr observou no incio dos discursos (5,1; 10,1; 13,1;

18,1; 23,1 e 24,1) a alternncia entre o;clouj (multides) com a frase: auvtou/ prosh/lqan auvtw/| oi` maqhtai. auvtou/ (aproximaram-se os seus discpulos). Barr notou o uso distinto de prose,rcomai (5,1; 18,1; 24,1), muitas vezes referindo-se a ela como uma frmula estereotipada, quando

utilizado em conjunto com oi` maqhtai. (5,1; 23,1 e 24,1) ou com lale,w (24,1) ou com ambos. THOMPSON, W.G., Reflections on the Composition of Mt 8:1-9:34 in CBQ 33, n.18 (1971), p.

371. Para Thompson Mateus s usa esse padro estilstico prose,rcomai para descrever uma multido no incio de um novo episdio.

BORNKAMM, G., End Expectation and Church in Matthew, Tradition and interpretation in

Matthew (Philadelphia: Westminsier, 1963), p. 21. Para Borkamm a frase estereotipada

prose,rcomai e oi` maqhtai aparece no incio de cinco ocorrncias (5,1, 13,10, 36; 18,1 e 24,1).

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em um lugar com a multido. Em 5,1-2, como tambm em 23,1, tanto as

multides e os discpulos esto reunidos, enquanto em 10,1; 18,1, e 24,1 apenas os

discpulos so abordados pelo Mestre.

A alternncia entre a narrativa (N) e o discurso (D), conforme enfatizado

por Bacon pode ser estabelecido para gerar um esquema de quiasmo, que perpassa

todo o Evangelho.

Frmulas repetidas na narrativa mateana tambm so analisadas como

possibilidade de se resolver questionamentos estruturais do Evangelho.

Assim, a estrutura proposta por C. H. Lohr ficaria da seguinte forma40

:

1-4 Nascimento-preparao (N)41

5-7 Sermo da Montanha (D)

8-9 Autoridade-misso salvadora (N)

10 Discurso missionrio (D)

11-12 Rejeio-reino escondido

(N)

13Parbolas do Reino

(D)

14-17 Reconhecimento-dscipulos

(N)

18 Discurso da comunidade (D)

19-22 Oposio (N)

23-5 Discurso escatolgico (D)

26-8 Paixo-morte-ressurreio (N)

As diferentes tcnicas de repetio talvez seja uma das caractersticas mais

marcantes da narrativa mateana. O padro repetitivo de cinco discursos de Jesus

alternando com sees narrativas estabelece uma padro simtrico para todo o

Evangelho. No entanto, apesar de vrios biblistas analisarem um padro

inteiramente simtrico ou concntrico na estrutura de Mateus, no h uma

concordncia quanto ao ponto central desse padro simtrico. Para H. B Green42

40

LOHR, C., Oral Techniques in the Gospel of Matthew, pp. 427-430. 41

N: narrativa; D: discurso 42

GREEN, H. B., The Structure of St Matthew's Gospel, in F. L. Cross (ed.), Studia Evangelica, IV

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78

o elemento aglutinador dessa simetria na estrutura de todo o Evangelho

justamente o captulo 11, seria o ponto central do padro simtrico. P. F. Ellis43

,

no percebe assim, ele entende que o elemento aglutinador da estrutura

concntrica o captulo 13, com os seus discursos e outras sees narrativas orga-

nizados de forma simtrica em torno dele.

J. D. Kingsbury44

na sua anlise da estrutura do Evangelho percebe a

presena da frase: Da por diante, passou Jesus a pregar e a dizer... (VApo. to,te

h;rxato...) tanto em 4,17 como em 16,21. Ele considera a frmula (VApo. to,te

h;rxato...) crucial para as grandes linhas do Evangelho45, de forma temtica, bem

como destaca alguns importantes pontos de viragem na histria, indicando novas

fases importantes no ministrio de Jesus46

. Essa frase repetida em 4,17 e 16,21

para ele a chave para desvendar o plano estrutural de Mateus47

. Em 4,17, o

narrador declara VApo. to,te h;rxato..., e em 16,21 ele repete, a parte inicial do

verso, porm acrescenta: ... comeou Jesus Cristo a mostrar a seus discpulos

que lhe era necessrio seguir para Jerusalm e sofrer ..., ser morto e ressuscitado

no terceiro dia.

Kingsbury reconhece a importncia desses versos para a estrutura do

Evangelho de Mateus, na medida em que contm uma frmula peculiar de

Mateus 48

. bem verdade que os versos tm de fato um significado inequvoco a

partir de uma perspectiva literria, j que eles servem como indicadores para o

fluxo narrativo. Alm do mais eles indicam para o leitor as importantes e

decisivas articulaes no desenvolvimento da trama narrativa do Evangelho.

Kingsbury prope uma estrutura com uma diviso tripartida 49

:

1. 1,1-4,16 Identifica a pessoa de Jesus como Messias

2. 4,17-16,20 Identifica a personalidade e a proclamao do Messias

Parte I. pp. 47-59. 43

ELLIS, P. F., Matthew: His Mind and His Message (Collegeville: Liturgical, 1974), p. 12. 44

KINGSBURY, J. D., Matthew as Story. Philadelphia: Fortress, 1986, pp. 38-41. 45

Id., Matthew: Structure, Christology, Kingdom. p. 8. 46

A proposta de Kingsbury com base nas duas frases (4,17 e 16,21) como marcao para o

desenvolvimento redacional na histria mateana, uma tentativa para explicar toda a

complexidade da estrutura do Evangelho. 47

KINGSBURY, J. D., Matthew as Story, p. 3. Embora Kingsbury exponha sua hiptese a partir

das questes como sequncias temporais e de causalidade, sua descrio da trama de Mateus

deriva em grande parte de outro aspecto da crtica literria, o conflito de anlise: O elemento de

conflito central para o enredo do Evangelho de Mateus. 48

KINGSBURY, J. D., Matthew as Story, p. 40. 49

Id., Matthew: Structure, Christology, Kingdom. p. 9.

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79

3. 16,21-28,20 Identifica o sofrimento, morte e ressurreio do

Messias

Desta forma, 4,17 e 16,21 so como pontos elementares que provocam

uma diviso em trs sees na redao mateana. A primeira aparece nas trs

passagens: 4,23-25; 9,35 e 11,1. J 16,21 sinaliza as duas outras predies da

paixo de Jesus em 17,22-23 e 20,17-19. Essa interpretao do Evangelho de

carter cristolgico. Ele reconhece que, dado o desenvolvimento do conflito ao

longo da narrativa, surgem diversas cadeias de correlao de eventos, como uma

apresentao de trs linhas da histria: a histria de Jesus, a histria religiosa

dos lderes de Israel e a histria dos discpulos.

a linha da histria de Jesus que mais influencia a estrutura e a forma da

narrativa como um todo50

. Para provar a unidade interna nas duas sees 4,17-

16,20 e 16,21-28,20 demonstrada a presena de trs resumos principais: 17,22-

23; 20,17-19 e 26,251

. No entanto o resumo da terceira predio em 26,2 breve

quando se compara com o resumo da primeira em 11,1.

A hiptese de J. D. Kingsbury comprovar a estrutura quistica de Mateus

a partir das duas frases idnticas em 4,17 e 16,21, acrescentando as formas quase

idnticas em dois pares: na tentao em 4,10/16,23 e na voz vinda dos cus em

3,17/17,5b.

A estrutura quistica ficaria do seguinte modo:

(A) Elias identificado: o precursor do Messias (3,4)

(B) Insere a voz: ...eis uma voz dos cus... (3,17)

(C) Faz-se uma aluso literria para Moiss e Elias: E, depois

de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome (4,2)

(D) H uma rejeio da tentao (4,10a) e em 4,17 segue-

se a narrativa onde inserido o movimento com a frmula

de incio: VApo. to,te h;rxato.... Essa ordem ser

revertida aps 16,21

(D) H uma rejeio da tentao (16,23)

(C) Moiss e Elias aparecem (17,3)

(B) Insere a voz: ...uma voz que dizia... (17,5)

(A) Elias identificado (17,10-13)

50

KINGSBURY, J. D., Matthew as Story, pp. 115-129. 51

Ibid., pp. 23-24.

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80

A seo narrativa de Mateus 3-4, antecedendo o primeiro grande discurso

(5-7), introduz o mistrio de Jesus e, em contra partida, conclusivo para as

narrativas do prlogo. Kingsbury faz um paralelo com os elementos dessa seo

com os episdios que se deram em torno da confisso de Pedro em Cesrea

(16,13-17,27).

De maneira precisa, apresenta a frmula compartilhada pelas duas sees.

bem verdade, que nas duas vezes, a frmula (VApo. to,te h;rxato...) insere um

importante ensinamento de Jesus. Primeiro, ocorre depois das tentaes,

...passou Jesus a pregar e a dizer... est prximo o reino dos cus (4,17) e, aps

a confisso de Pedro a segunda tentao (16,21).

Contudo, nas duas sees, h tambm uma importante revelao, primeiro

no batismo, a voz celeste testemunha a filiao de Jesus; segundo em Cesrea, so

os discpulos que, pela boca de Pedro, o confessam como o Messias, Filho de

Deus. interessante perceber que nos dois casos da tentao, primeiro por

Satans e depois por Pedro, a resposta apresentada exatamente a mesma (u[page(

satana/).

A estrutura quistica de Kingsbury tem como finalidade fundamentar o

messianismo de Jesus a partir desses elementos. Fica claro tambm, que este

padro caracterstico de Mateus. No h correlatos em Marcos nem em Lucas52

.

Ao contrrio de Mateus 17,10-13, onde o precursor do Messias

identificado como Joo Batista, Marcos no o identifica como tal. Por sua vez,

Lucas no tem paralelos com Mateus em 3,4/17,10-13 e 4,10/16,23.

Contudo, a proposta de Kingsbury de uma estrutura na forma de quiasmos

para todo o Evangelho de Mateus precisaria de uma demonstrao mais eficiente.

52

Na anlise de B. R. Doyle se percebe uma estrutura bsica com um princpio organizado a partir

de uma perspectiva eclesistica. Caracterstica essa peculiar somente a Mateus em detrimento de

Marcos e Lucas. Na formulao dessa perspectiva o que acontece aos discpulos acontece tambm,

na mesma proporo, aos membros da comunidade mateana. D. OConnor e J. Jimenez

apresentam uma hiptese idntica, a partir de um princpio organizado que perpassa todo

Evangelho, no entanto analisam os textos que denotam as metforas na relao pai-filho, conforme

a metfora encontrada em 1,1-12,50, que so desenvolvidas em 13,1-27,66 e transcendem em

28,1-20. DOYLE, B. R., Matthews Intention as Discerned by His Structure, in RB 95 (1988), pp.

34-54. OCONNOR, D. e JIMENEZ, J., The Images of Jesus: Exploring the Metaphor in

Matthews Gospel. Minneapolis: Winston, 1977, p. 13. (1) Pai e Filho: institui a metfora (1,1-

12,50); (2) Pai e Filho: explorando a metfora (13,1 27,66) e (3) o Pai e o Filho: transcendem a

metfora (28,1-20)

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81

A parbola dos vinhateiros homicidas (21,33-46), nessa estrutura, faz

parte da segunda seo de Mateus 16,21-28,20, onde Kingsbury identifica o

sofrimento, morte e ressurreio do Messias. A partir de outros indicadores

textuais (por exemplo, as trs previses da paixo de Cristo), o padro concntrico

pode ser modificado para incluir o captulo 18 (quarto discurso) em uma seo

16,21-20,34. O significado da frmula repetidas em 4,17 e 16,21 tambm leva a

aceitar uma seo principal, que tem a sua unidade a partir de 4,18. A composio

simtrica de Mateus pode ser diagramada da seguinte forma:

A Narrativa (1,1-4,17) O nascimento e a preparao de Jesus

B Primeiro discurso (4,18-7,29) Ensino com autoridade

C Narrativa (8,1-9,35) Ao com autoridade - dez milagres

D Segundo discurso (9,36-11,1) A misso dos doze com autoridade

E Narrativa (11,2-12,50) O convite de Jesus rejeitado por esta

gerao

F Terceiro discurso (13,1-53) As parbolas do reino

E Narrativa (13,54-16,20) Atos de compaixo para os judeus e

gentios

D Quarto discurso dentro de narrativa (16,21-20,34) A paixo

iminente

C Narrativa (21,1-22,46) A autoridade de Jesus questionada em

Jerusalm

B Quinto discurso (23,1-25,46) Sentena para Israel e a vinda do

reino

A Narrativa (26,1-28,20) Paixo, morte e ressurreio de Jesus.

Relatos contidos em B (4,18-7,29) e C (8,1-9,35) podem ser precisamente

coligados pela presena repetida de 4,23 em 9,35: Percorria Jesus... pregando o

Evangelho do reino e curando toda sorte de doenas e enfermidades entre o

povo. J os relatos contidos na seo C(21,1-22,46) e B (23,1-25,46 ) mostram

os confrontos de Jesus em Jerusalm antes de sua paixo e morte, onde as

temticas evidenciadas so a questo da autoridade, tendo como resposta as trs

parbolas em 21,28-22,14, em que 21,43 extremamente decisivo sob o aspecto

de juzo, aliadas ao conjunto seguinte de julgamento. A seo 21,1-22,46

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formada por uma srie de oito dilogos, comeando com os adversrios de Jesus,

questionando a sua (21,23-27) e terminando com Jesus questionando seus

oponentes (22,41-46)53

.

Mateus 21,43 introduz essa srie de juzos para mostrar programaticamente

certo universalismo manifestado pela composio da comunidade mateana. Trata-

se do novo e;qnoj. Um novo povo de Deus acessvel a todas as naes que

produzir os seus frutos (21,43).

proclamado solenemente em 28,16-20. A basilei,a tou/ qeou/ passa a ser

prerrogativa desse novo e;qnoj. Todo o Evangelho manifesta acentuadamente esse

importante tema. Desde 1,1 Mateus faz uma ligao direta entre Jesus e Abrao,

sendo que no episdio dos reis magos (2,1-12) evidencia a presena pag com sua

forte incluso. Nesse mesmo ritmo, a seo C (8,1-9,35), mas precisamente em

8,10-12 no fica de fora j que coloca no mesmo patamar a sorte dos filhos do

reino com os estrangeiros. A seo D (9,36-11,1) da misso empreendida alcana

de forma indiscriminada os gentios em 10,18. A evidncia final extrapola os

limites palestinenses, j que a ordem de anncio do Evangelho para todo o

mundo, isso est bem caracterstico em 24,14 (...pa/sin toi/j e;qnesin...) na seo

B (23,1-25,46), onde a sentena para Israel e a vinda do reino tematizam de

maneira uniforme. O mesmo se verifica na parte conclusiva do Evangelho na

seo C (26,1-28,20) que trata respectivamente da paixo, morte e ressurreio

de Jesus, que em seguida sinaliza a ordem imperativa (poreuqe,ntej) em 28,19 (...

pa,nta ta. e;qnh...).

A estrutura proposta destaca a seo F (13,1-53) como o centro agregador

de todo tecido narrativo do Evangelho. Assim, as parbolas do Reino tornam-se o

ponto central. A seo F intercala E (11,2-12,50) e E(13,54-16,20), formando a

maior seo (E F E). Nesta seo h um embate polmico de Jesus contra

...uma gerao m e adltera.... Na realidade essa rejeio se repete ao longo da

seo (12,39.41.45); que seguido imediatamente pelas parbolas (F).

No material narrativo de E (13,54-16,20), que trata dos atos de compaixo

tanto para os judeus como para os gentios , ento, confessado Jesus como

Messias e Filho de Deus. O conflito perpassa esses textos de forma acirrada em

53

Os dilogos na seo 21,1-22,46: 21,23-26; 28-32; 33-46; 22,1-14; 15-22; 23-33; 34-40; 41-46.

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14,1-12; 15,1-20 e 16,1-4. A consequncia natural se verifica pela oposio aliada

incredulidade que toma uma postura mais rspida.

O padro simtrico, alm disso, enfatiza a correspondncia entre o prlogo e

o eplogo do Evangelho, respectivamente em A (1,1-4,17) e A (26,1-28,20) entre

os vrios discursos (B B; D D), no ficando de fora as vrias sees

narrativas (C C; E E), compondo assim a diagramao simtrica de todo o

Evangelho de Mateus.

2.4.3. Avaliao da relevncia das investigaes para a perspectiva jurdica de 21,43 na estrutura do Evangelho de Mateus

Nosso objetivo foi traar a diversidade e a falta de consenso no debate

atual, a fim de posicionarmos a parbola dos vinhateiros homicidas numa

estrutura mais coerente. Das opes apresentadas, os cinco discursos so

caractersticas importantes na estrutura do Evangelho de Mateus, contudo por si

s no consegue ser um modelo estrutural que se enquadre perfeitamente.

Contudo, diante das propostas, o modelo estrutural dos cincos discursos o de

maior relevncia para a avaliao da nossa hiptese principal. Pelas seguintes

razes:

Em primeiro lugar, a estrutura dos cinco discursos possui uma conexo

bem encadeada na temtica mateana. Alm dos discursos no serem desconexos,

tambm se mostram estruturalmente homogneos, pois no rompe em nenhum

momento o tecido narrativo. Muito pelo contrrio, interligam-se perfeitamente aos

relatos. Cada discurso constitui sua prpria unidade literria e ao mesmo tempo

comprova sua linha temtica. Esto arrumados em cinco grandes blocos,

intercalados pelas narrativas.

Em segundo lugar significativo para essa pesquisa a apresentao de

uma estrutura coerente e bem definida. Isso se d pelo simples fato da relevncia

do aspecto jurdico na estrutura, que ser apontado a seguir. Mateus aplica nos

discursos, um horizonte temtico, articulando efetivamente o desenvolvimento de

sua teologia.

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Por ltimo, para uma anlise da perspectiva jurdica na literatura mateana,

a partir da anlise dos elementos constitutivos da sentena de Mateus 21,43,

identificarei tal sentena como uma possvel chave de leitura tanto para a estrutura

como para a teologia mateana.

A nossa anlise conclusiva para a estrutura de Mateus aponta para a

disposio de textos de juzos que acreditamos que eles desempenham um papel

muito importante para a estrutura do Evangelho de Mateus, so eles: 7,15-23. 24-

27; 10,40-42; 13,47-50; 18,23-35; 23,37-39 e 25,31-46.

O que mais significativo que todos esses textos finalizam os cinco

discursos propostos por B.W. Bacon, com a alternncia por cinco vezes entre as

narrativas e os discursos, mediados por uma frmula estereotipada em 7,28; 11,1;

13,53; 19,1; 26,1, entre os quntuplos discursos, provocando uma importante

cesura no texto. De tal modo, que os nossos textos de categorias jurdicas sob o

tema de julgamento tornam-se indicadores importantes para a anlise estrutural de

Mateus, aliados a proposta de Bacon, completando-se com claros anncios de

juzo para a comunidade mateana.

Assim, no final do primeiro discurso em 5,1-7,27 (sermo da montanha)

temos um duplo texto de julgamento: 7,15-23. 24-27, seguido de uma frmula

estereotipada conclusiva do discurso 7,28. importante observa que alguns dos

elementos constitutivos da sentena jurdica em 21,43 tambm esto presentes

aqui.

O final do segundo discurso 10,5-42 (misso e instruo) apresenta, de igual

modo, um texto de juzo e recompensa (10,40-42), tambm seguido pela frmula

estereotipada em 11,1. bem verdade, que o tema de juzo e de recompensa

reiterado em outras percopes dentro dos discursos e tambm em outros lugares do

Evangelho.

O terceiro discurso em 13,1-52 que trata das parbolas do Reino dos Cus

tem no seu desfecho tambm uma forma de julgamento (13,47-50). A frmula

conclusiva aparece em 13,53.

J no quarto discurso que trata das prticas comunitrias em 18,1-35, o tema

de juzo est presente na parbola do credor incompassivo (18,23-35). 19,1 a

frmula conclusiva do discurso, mas tambm tem a funo de transicionar do

discurso para a narrativa.

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O mesmo acontece no ltimo discurso de Mateus (23,1-25,46) que trata do

tema escatolgico, apresentando um duplo texto de julgamento em 23,37-39 e

25,31-46 (essa particularidade de um duplo texto de categoria jurdica

apresentada tanto no primeiro como no ltimo discurso). A frmula estereotipada

com a concluso e a funo de transio para a narrativa aparece logo em seguida

em 26,1.

Essas caractersticas peculiares apontam para a aplicao da mensagem de

julgamento encadeando a problemtica da Lei e da justia. Assim sendo, a fora

da basilei,a futura, de acordo com 21,43, resulta da associao desses e de outros

elementos.

Contudo, podemos assinalar que todas essas observaes estruturais na

proposta de Bacon, contribuem significativamente para uma anlise da

perspectiva jurdica na literatura mateana, tornando-se possvel a partir da anlise

da estrutura e dos elementos constitutivos de Mt 21,43.

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2.5. Aspectos estruturais no contexto prximo da parbola dos vinhateiros (21,33-46)

A seo que retrata uma srie de controvrsias54

com um cenrio de conflito

que o ltimo grande ajuste de contas de Jesus com a principal liderana de

Israel, tem a parbola dos vinhateiros arranjada com mais duas parbolas: a

parbola do dois filhos (21,28-32) e o banquete nupcial (22,1-14).

A partir de Mt 19,1, concluindo Jesus estas palavras, deixou a Galilia e

foi para o territrio da Judia, alm do Jordo. Essa mudana geogrfica

definitiva, trata-se de uma nova e derradeira etapa na misso de Jesus: a

caminhada para Jerusalm. Jesus se retira da Galilia definitivamente e chega

enfim regio da Judia55

, tendo Jeric como o ltimo lugar de passagem, antes

da chegada em Jerusalm56

. O destino da viagem atingido em 21,1-1757

. A

presena dos verbos evggi,zw em 21,1; eivselqo,ntoj em 21,10; eivse,rcomai em 21,12

e evxe,rcomai em 21,17 mostram o movimento continuo elaborado por Mateus na

etapa inicial da misso de Jesus em Jerusalm, preparando o cenrio para os

confrontos decisivos58

. 21,18-22 demonstra um juzo sobre o templo e seus lde-

res, denotando uma cena estranha mas importante quanto ao aspecto da acusao

jurdica percebida mais claramente em 21,4359

.

A grande seo 21-2560

tem uma forma estilizada por Mateus com o claro

objetivo de manifestar a inevitvel tenso que Jesus sofreu no embate acirrado

54

Essas controvrsias se comparam com 12,1-16,20. 55

Os locais topogrficos em 21,1-17 expressados especificamente pelo Monte das Oliveiras,

Templo e Betnia surgem de forma indita na narrativa at esse momento, contudo mostram a

introduo de um novo cenrio que ser explorado nas passagens subseqentes. 56

MAZZAROLO, I., Evangelho de So Mateus. p. 280. 57

Nos nove primeiros versos Jesus se encontra no Monte das Oliveiras, nos arredores de Jerusalm;

j em 21,10 mostra a entrada na cidade; em 21,12, ele entra no templo e em 21,17 ele sai da cidade

em direo Betnia. 58

A estreita ligao com a seo anterior visvel pela transio natural da narrativa, mas tambm

pela clara indicao na formulao de Jesus como Filho de David, tanto em 20,30-31 (ui`o.j Daui,d), bem como em 21,9 (wsanna. tw/| ui`w/| Daui,d\). 59

Esta srie de controvrsia entre Jesus e seus adversrios, se introduz com a breve passagem da

maldio da figueira na primeira hora da manh, quando Jesus e seus discpulos sobem novamente

para o Templo (21,18-22). A ao, provavelmente prefigura a queda de Jerusalm e a inevitvel

destruio do Templo em 70 d.C., alm de mostrar a improdutividade de Israel. 60

A estrutura do contexto prximo da parbola dos vinhateiros homicidas, a partir da chegada de

Jesus Jerusalm e tambm na seqncia de suas atividades na cidade nos textos subseqentes,

como pano de fundo para as grandes controvrsias (21,18-25,46), ficaria do seguinte modo:

A 21,18-22 A figueira seca

B 21,23-23,39 Controvrsias com os adversrios na rea do Templo

C 24,1-2 Descritiva da futura destruio do Templo

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com as autoridades judaicas61

. Mateus 21,43 indica perfeitamente o carter

jurdico que essa tenso promoveria a partir desse ponto crtico e do efeito

inevitvel da deciso promulgada, tanto de forma negativa para os sacerdotes e

fariseus (21,45), que perderiam a prerrogativa da basilei,a, como de forma

positiva para o novo e;qnoj, ou seja, a comunidade mateana agora detentora da

basilei,a tou/ qeou/. Essas controvrsias se agrupam de maneira formal, junto as

disputas em 21,15-1762

.23-27 e tambm em 22,15-46. Somam-se as duas

parbolas polmicas em 21,28-32 e 22,1-14 tendo a parbola dos vinhateiros

homicidas ressoando-as de forma temtica (21,33-46) com um carter

efetivamente jurdico (21,43) que se desemboca no captulo 23 que trata da

invectivas e ameaas de juzo.

O discurso no Templo (21,23-27) provoca de forma imediata uma espcie

de interrogatrio jurdico oficial, (21,23): Com que autoridade fazes estas

coisas?... (evn poi,a| evxousi,a| tau/ta poiei/j). A atitude de Jesus em relao ao

questionamento de sua autoridade (evxousi,a) faz com que ele transforme

precisamente o interrogatrio em controvrsia de estilo rabnico, em que o

questionado responde questionando os seus interlocutores.

Esse ncleo oferece ainda indicaes sobre como a morte de Jesus est

sendo articulada j a partir do tema da disputa entre Jesus e os lderes de

Jerusalm. A questo da fonte da autoridade de Jesus em ltima anlise uma

questo de sua identidade (21,25). Mateus 21,28-22,14 faz uma conexo com as

desgraas anunciadas em Mateus 23. Sob ataque, os lderes de Jerusalm no se

limitam a tomar conselho para destruir Jesus. Contudo, a inteno ativamente

prend-lo (21,46), criando armadilha (22,15) e traando com sucesso a realizao

de sua priso (26,4.47) e morte (27,2.20.41).

justamente nessa conjuno de conflito, articulado precisamente com a

parbola dos vinhateiros, que Mateus contesta de modo latente a importante

D 24,3-25,46 O ltimo grande discurso

61Jerusalm torna-se palco das speras controvrsias tendo no discurso antifarisaico (Mt 23) a

transio para o discurso escatolgico (Mt 24-25). 62

A chegada de Jesus na rea do Templo provoca uma srie de medidas controversas envolvendo-o

em um breve debate com oi` avrcierei/j kai. oi` grammatei/j, j que eles consideraram as aes oriundas da sua chegada, como qerapeu,w (21,14) e a aclamao messinica dos pai/doi: w`sanna. tw/| ui`w/| Daui,d, uma verdadeira e absurda profanao do Templo. Assim ntido que essa passagem funcionalmente uma introduo para a deciso cabal de Mt 21,43.

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pergunta sobre a autoridade de Jesus em 21,23. A partir desse confronto que

Mateus adapta a parbola dos vinhateiros no seu contexto prximo:

A concluso da parbola dos dois filhos (21,28-32) est concatenada

pergunta de Jesus sobre o batismo de Joo (21,25) e a parbola do banquete

nupcial (22,1-14). A redao de Mateus mostra, atravs dessa nova srie de trs

parbolas dois importantes temas: a culpa dos principais lderes de Israel e a

vocao dos gentios63.

A estrutura da parbola dos dois filhos (21,28-32) que bastante idntica a

dos vinhateiros menciona tambm uma vinha, alm das caractersticas jurdicas

implcitas64

. A pergunta de Jesus para os seus ouvintes em 21,30 agora de igual

modo trabalhado em 21,40. Alis, o que sinaliza perfeitamente um processo legal

sendo estabelecido, com os mesmos artifcios literrios que demanda um processo

jurdico, conforme em 2 Sm 12,1-14 como em Is 5,1-7. A resposta dos oponentes

se d de forma imediata em 21,31 como em 21,41 introduzida por le,gousin. A

concluso introduzida por Le,gei auvtoi/j o VIhsou/j em 21,31-32 como em

21,42-44. Em ambos os casos a sentena promulgada de forma categrica.

Toda essa seo refere-se aos principais dirigentes judeus e caracterizado

pela promulgao da sua inevitvel condenao. A parbola dos dois filhos

determina seu principal foco no no a Joo Batista (21,28-32).

A parbola dos vinhateiros trata da fatalidade dos profetas em Israel e

tambm do destino final do Filho, Jesus (21,33-41). J em 22,2-14 observado o

envio dos missionrios cristos a Israel, e estende o cenrio da misso pag. No

obstante, na sua introduo em 22,1 o advrbio pa,lin indica efetivamente a

interrupo de uma sequncia natural iniciada em 21,33a (:Allhn parabolh.n),

indicando que ambas as parbolas so interdependentes.

De maneira mais especfica, podemos fazer a seguinte relao. A parbola

dos dois filhos indica a indiferena dos destinatrios no caminho da basilei,an tou/

qeou/ (21,31). Enquanto nos vinhateiros, numa leitura mais atenta, d a entender

que os destinatrios perdem o privilgio do reino, cf. 21,43: ser tirado de vs o

63

DILLON, R.J., Towards a Tradition-History of the Parables of the True Israel (Matthew 21,33-

22,14), pp. 5-6. De acordo com Dillon, Mateus 21,33 22,14 um complexo nico que

provavelmente trata-se de uma reconstruo da histria do uso destas parbolas na instruo e

reflexo da Igreja mateana e que era originalmente usado em textos separados, mas chegaram a ser

associados para o uso da comunidade para a assimilao do livro de Mateus 64

Cf., WEREN W. J. C. The Use of Isaiah 5,1-7 in the Parable of the Tenants (Mark 12,1-12; Mat-

thew 21,33-46), p. 12.

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Reino de Deus... (avrqh,setai avfV u`mw/n h` basilei,a tou/ qeou/) e sero destrudos

em 21,41: sendo maus, de modo mau os destruir (kakou.j kakw/j avpole,sei

auvtou.j). A parbola do banquete nupcial mostra de maneira surpreendente a

inevitvel destruio da cidade de Jerusalm (22,7). Por conseguinte, essa seo

apresenta, comeando com a primeira parbola, uma tmida insinuao aos

dirigentes de Israel (21,31s). J a parbola dos vinhateiros declara nitidamente o

futuro de um e;qnoj em 21,43: ser dado a um povo que produza seus frutos

(doqh,setai e;qnei poiou/nti tou.j karpou.j auvth/j); enquanto a terceira parbola

descreve em aoristo o extraordinrio lamento aos pagos (22,8-10).

Os vocbulos dessa seo so compartilhados pelo redator da seguinte ma-

neira65

:

a) Nas trs parbolas encontramos (a;nqrwpoj [21,28.33; 22,2]).

b) Somente na parbola dos dois filhos e nos vinhateiros (avmpelw,n

[21,28.33], wsau,twj [21,30.36], u[steron [21,29.32.37], le,gei auvtoi/j o

VIhsou/j como introduo ao trmino da locuo [21,31.42], basilei,a tou/

qeou/ [21,31.43]).

c) Na parbola dos dois filhos e no banquete nupcial (ouv qe,lw [21,29;

22,3] metame,lomai - avmele,w [21,29.32; 22,5]).

d) Na parbola dos vinhateiros e no banquete nupcial (avpe,steilen tou.j

dou,louj auvtou/ [21,34; 22,3], pa,lin avpe,steilen a;llouj dou,louj [21,36;

22,4], avpoktei,nw [21,35.39; 22,6], ui`o,j [21,37s; 22,2], avpo,llumi [21,41;

22,7], parabolh, [21,45; 22,1]).

Portanto, as trs parbolas, que tratam da culpa66

dos antagonistas de Jesus

(21,28-32), a repreenso a eles destinada (21,33-43) e o cumprimento dessa

penalidade (22,1-4), constituem a primeira parte do grande ajuste de contas de

65

DAVIES, W.D. e ALLISON, D. C. Matthew 19-28, p. 188. apresentada uma extensa relao

de vocbulos que so comuns a essas trs parbolas. 66

SCHNELLE, U., Introduo Exegese do Novo Testamento, p. 143. possvel perceber o

posicionamento teolgico e histrico de Mateus ao tratar da culpabilidade de Israel, no contexto

dessas parbolas. U. Schnelle descreve essa intencionalidade do redator mateano: As trs

percopes tornam visvel a posio teolgica e histrica de Mateus a desobedincia de Israel, que

no passado se explicitou pela perseguio e morte dos profetas, atingiu o pice no assassinato do

filho. Em decorrncia, Deus castigou o povo, outrora eleito, e deu o bem de salvao da basilei,a tou/ qeou/ a outro e;qnoj, que produzir frutos de acordo com a vontade de Deus. Essa substituio na histria da salvao de Israel pela Igreja j se concretizou h muito para Mateus. Ele a descreve

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Jesus com os adversrios no Templo67

, que acontece no segundo dia de sua

estadia em Jerusalm, enfatizado pelo debate sobre a sua autoridade (21,23-27).

Esses debates iniciam-se com a entrada no Templo em 21,23 E entrando ele no

Templo... (Kai. evlqo,ntoj auvtou/ eivj to. iero.n) e se estende at 24,1 com sua sada

do Templo (Kai. evxelqw.n ... avpo. tou/ ierou/). Esta parte emoldurada

respectivamente por 21,18-2268

e 24,1-2. Assim, as trs parbolas foram

estabelecidas programaticamente por Mateus para atender o seu objetivo69

.

2.5.1. A estrutura da parbola dos vinhateiros (21,33-46)

a) Exposio da parbola (33-39)

Dentro da perspectiva de uma parbola, Mateus apresenta os vinhateiros

homicidas, proporcionando um rpido anncio na sua introduo em 33a70

:

na retrospectiva sob o ngulo de uma Igreja judeu-crist que h muito tempo se abriu para a

misso aos gentios (Mt 28,16-20). 67

Cf., OVERMAN, J. A., Igreja e comunidade em crise, o Evangelho segundo Mateus, 1999, p.

319. De acordo com Overman, do ponto de vista de Mateus, o Templo, a corrupo e a

subseqente destruio dele so um problema e um incidente que aconteceram a todos os judeus e

judasmos, no passado recente e no contexto de Mateus. 68

Em 21,18-22, Jesus se encontra no caminho de Betnia para Jerusalm, especificamente em

direo ao Templo. No caminho ocorre a impressionante destruio da figueira na presena dos

seus discpulos. A figueira uma imagem do Templo. Em 24,1-2 trata do anncio da destruio do

Templo, tal discurso ocorre na presena dos seus discpulos. 69

Cf., SALDARINI, A. J., A Comunidade judaico-crist de Mateus, pp. 114-115. Saldarini resume

os captulos 21-22, juntamente com o 23, da seguinte maneira:Em suma [...] so o clmax do

ataque de Mateus aos lderes da comunidade judaica. Ele os ataca porque so os lderes

estabelecidos da comunidade que se ops a ele, a seu grupo e interpretao que eles davam do

judasmo. Os ataques tambm servem para suas tentativas de deslegitimar os lderes e, assim,

afastar o povo de Israel dos guias cegos e lev-los a Jesus e ao grupo mateano. Para atingir seus

objetivos, Mateus apresenta Jesus como lder popular messinico ao qual as autoridades do

Templo se opem. Jesus os derrota em uma srie de cinco controvrsias, demonstrando dessa

forma sua autoridade didtica. A primeira controvrsia diz respeito autoridade de Jesus e de Joo

Batista. A origem divina de sua autoridade como Filho de Deus e a censurvel rejeio dessa

autoridade so comunicadas mais extensamente por intermdio das trs parbolas dos captulos

21-22. Os chefes dos sacerdotes e os fariseus entendem que essas parbolas referem-se a eles

(21,45-46) 70

Cf., DAVIES, W.D. e ALLISON, D. C. Matthew 19-28, pp. 174-175. A estrutura de 21,33-44

similar as estruturas de discursos nas sinagogas, onde o orador faz uso de um texto da escritura

bblica com ilustrao atravs de uma parbola, enfatizando suas palavras com uma interpretao

da passagem bblica. Assim, o v. 33a a introduo com meno ao texto de Isaas 5,1-2; para em

seguida com 33b - 41 fazer a exposio por meio de uma parbola, unida ao texto inicial pela

palavra-chave vinha - avmpelw/noj (vv. 39.40.41) e apedrejaram - liqobole,w (v.35; cf. Isa 5, 2, lq;s'). A concluso iniciada em 42-44 reportando aos textos veterotestamentrios de Sl 118,22 e Dn

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Escutai outra parbola ..., (:Allhn parabolh.n avkou,sate), atrelando-a desse

modo a percope anterior (28-32). A partir do 33b a narrativa se estende

ininterruptamente at a citao veterotestamentria no v.44. Em 33b o relato

apresenta como o proprietrio (oivkodespo,thj) envia os seus servos para receber a

sua parte dos frutos (tw/n karpw/n) e como so tratados de forma terrvel pelos

vinhateiros (v. 34s).

De maneira abreviada, encontramos o relato paralelo da segunda misso

dos servos (v. 36). Por sua vez, narra-se em pormenor a misso do filho (v. 37-

39): podemos observar que neste episdio aparece destacado, no apenas por um

indcio temporal (u[steron), mas, tambm introduzida por le,gwn e por ei=pon evn

e`autoi/j.

As frases temporais introdutrias:

34a: Quando, porm, se aproximou o tempo dos frutos, (o[te de. h;ggisen

o` kairo.j tw/n karpw/n)

40a Quando, portanto, vier o senhor da vinha, (o[tan ou=n e;lqh| o` ku,rioj

tou/ avmpelw/noj)

Esto articuladas de tal modo que podem ser encadeadas em duais partes:

Primeiro indicado o arco narrativo que comea no verso 34 e encerra

naturalmente no verso 39.

Segundo (na etapa seguinte: julgamento) surge o importante e decisivo

dilogo final, dando a sequncia ao arco, agora na articulao do v. 40 at 41.

Deste modo, Mateus apresenta nesse arco narrativo uma srie de trs aes e

trs respostas (w. 34-39)71

numa articulao dramtica entre o proprietrio lit.

homem dono de casa (oivkodespo,thj) e os lavradores-vinhateiros (gewrgoi) da

histria. nessa perspectiva que o enredo se desenvolve com o objetivo de

conduzir os leitores - ouvintes a um juzo iminente (v. 41) aps a pergunta do

verso 40.

2,34-5;44-5 que se uni ao texto inicial pela palavra-chave rejeitaram - oivkodomein (v. 42, cf. Dn 2,44, ~wq) e a pedra - li,qoj (w. 42.44; cf. v. 35).

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A1 oivkodespo,thj envia os servos - avpe,steilen tou.j dou,louj (34)

B1 oi gewrgoi. feriram um, mataram outro, e apedrejaram outro (35)

A2 oivkodespo,thj envia mais servos - avpe,steilen a;llouj dou,louj (36a)

B2 oi gewrgoi fizeram-lhes o mesmo (36b)

A3 oivkodespo,thj envia o filho - avpe,steilen pro.j auvtou.j to.n uio.n (37)

B3 oi gewrgoi. o matam - avpe,kteinan (38-9)

b) O julgamento (40-41)

Aps a exposio da parbola, o dilogo final fecha o arco na articulao do

v. 40 at 41. A frase temporal introduz a segunda parte do texto que relata o

processo judicial: 40a Quando, portanto, vier o senhor da vinha, Jesus faz a

pergunta contundente em 40b: que far queles lavradores?, (ti, poih,sei toi/j

gewrgoi/j evkei,noij). Est formulada de tal modo que os ouvintes se sentem

identificados com o proprietrio que retorna (v. 40).

Cabe aos interlocutores de Jesus julgarem o caso apresentado; e faro isso

respondendo imediatamente em 41: Sendo maus, de modo mau os destruir, e a

vinha arrendar a outros lavradores, tais que pagaro a ele os frutos no tempo

devido.

c) Acusao e interpretao (42-46)

Como na parbola anterior (v. 31ab), o narrador confirma e interpreta

estilisticamente este juzo, e o faz com uma frase bblica preparatria em 42:

Nunca lestes nas Escrituras, (ouvde,pote avne,gnwte evn tai/j grafai/j\).

A sentena

Em 43 a sentena promulgada: Por isso vos digo, dia. tou/to le,gw

u`mi/n72. A clasula introduzida com o le,gw u`mi/n. A principal reclamao a

71

Cf., DAVIES, W.D. e ALLISON, D. C. Matthew 19-28, pp. 174-175. 72

Cf., A. OGAWA, Paraboles de l'Isral vritable? Reconsidration critique de Mt. XXI 28 - XXII

14, p. 138. Quanto ao v. 43 a estrutura observada por A. Ogawa: Mt a introduit le v. 43 par dia. tou/to le,gw umi/n. Il est vident que c'est pour lui la conclusion de la parabole. Mt prend

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necessidade de produzir (poie,w) frutos, consequentemente a transferncia para um

novo e;qnoj. Os interlocutores interpretam com perfeio a parbola. Entendem

que a histria relatada mostra o prprio conflito deles com Jesus.

Na etapa conclusiva da narrativa (44-46), traz uma observao interposta

(v. 45s), o narrador passa para a parbola seguinte.

Concluso

A estrutura da parbola dos vinhateiros mostra uma relao bem

organizada com uma segmentao elaborada, manifestando assim tanto o seu

contedo como seu significado. Ela est inserida na seo que retrata uma srie de

controvrsias e est arranjada com mais duas parbolas: a parbola do dois filhos

(21,28-32) e o banquete nupcial (22,1-14).

A relao temtica encontrada nos vinhateiros tambm observada tanto

na sequncia como no texto que antecede na realidade faz parte de uma seo

coerentemente estabelecida e organizada, compondo estruturalmente trs

parbolas correlacionadas. A nossa proposta foi demonstrar que a estrutura

tripartida dos vinhateiros segue um desenvolvimento redacional bem articulado na

exposio da parbola, no julgamento e na acusao e interpretao. Portanto,

estamos diante de um texto bem arranjado na sua estrutura. Assim, podemos

posicionar a parbola dos vinhateiros homicidas numa estrutura mais coerente,

como tambm considerar sua relao no contexto maior da macro estrutura do

Evangelho de Mateus, apresentada no modelo dos cinco discursos, que o de

maior relevncia para a avaliao da nossa hiptese principal.

probablement ensemble les deux versets 43 et 44 comme conclusion. Le 41 parle autant du

chtiment que du transfert de la vigne. Non seulement il reproduit le texte marcien Mc xii 9, mais

il le souligne: kakou.j kakw/j avpole,sei auvtou.j. Il pense vraisemblablement la catastrophe de Jrusalem. Malgr cela, si le v. 43 ne reprend que le deuxime thme du v. 41 (le transfert de la

vigne), Mt devait avoir l'intention de dvelopper le premier thme au v. 44. () Dans cette

structure, le v. 42 est mis entre parenthses, et Mt ne rapporte le v. 43 qu'au v. 41. Il ne 1'a laiss

que parce qu'il a presle v. 42 comme partie intgrante de la parabole. Ainsi, la conclusion de Mt

(les vv. 43-44) n'ajoute rien de nouveau: passant de l'image figure au monde rel, Mt a

simplement explicit ce que la parabole indiquait. Cette structure met en doute l'opinion trs

courante selon la quelle Mt dessine ici 1'histoire du salut selon le schma des Juifs 1'Eglise.

Certes, l' e;qnoj du v. 43 n'indique nulle autre que 1'Eglise, mais Mt prcise davantage: 1' e;qnoj, produira ses fruits.

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