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70 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (1): 70-77, jan.-mar. 2007 Princípios da inaloterapia na asma aguda infantil Principles of the aerosol-therapy in the children acute asthma ARTIGO DE REVISÃO ELONI TEREZINHA ROTTA – Farmacêu- tica do Serviço de Farmácia do Hospital São Lucas da PUCRS e mestranda da Pós-Gradua- ção em Ciências Médicas da FFFCMPA. SÉRGIO LUIS AMANTÉA – Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Che- fe do Serviço de Emergência Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA) – Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS, Brasil. PEDRO EDUARDO FROEHLICH – Pro- fessor Associado da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil. Endereço para correspondência: Prof. Sérgio L. Amantéa Avenida Iguaçu, 463/503 – Petrópolis 90470-430 – Porto Alegre, RS, Brasil Recebido: 3/4/2007 – Aprovado: 11/4/2007 I NTRODUÇÃO A via inalatória tem sido utilizada como forma de administração terapêu- tica direcionada a moléstias pulmona- res há milênios. De fato, dois mil anos a.C. eram utilizados fumos de atropi- na, provenientes da combustão de raí- zes de datura, para o tratamento de tos- se e poeira (1, 2, 3). No tempo de Hipócrates (400 a.C.), já existiam referências sobre inalações de vapores quentes. Posteriormente, a inalação de vapores e fumos para fins terapêuticos generalizou-se, utilizan- do-se vários dispositivos, como chalei- ras e cachimbos (1). A via inalatória, utilizada desde os primórdios da história da medicina, tornou-se popular no final do século XIX. Naquela época, adicionavam-se medicamentos em água fervente para que os pacientes pudessem inalar seu vapor (1). Na literatura especializada do século XX, os primeiros relatos da moderna era da aerossolterapia em asma datam da década de 50, quando foram apresentados os inaladores pres- surizados de dose medida (IPD), que representaram inegável avanço no tra- tamento das doenças respiratórias. Na RESUMO Objetivo: revisar a literatura acerca dos aspectos que envolvem a terapia inalatória da asma aguda infantil, com ênfase nos sistemas geradores de aerossóis, destacando algumas propriedades farmacológicas das drogas β2 agonistas. Fontes de dados: Informações publicadas em revistas nacionais e internacionais se- lecionadas nas bases de dados PubMed/Medline e Cochrane Collaboration. Foram sele- cionados ensaios clínicos randomizados, meta-análises e revisões sistemáticas publicadas no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2006. Foram consideradas as palavras- chaves: status asthmaticus, albuterol, metered dose inhalers, nebulizers. Síntese dos dados: a terapia inalatória é utilizada desde os primórdios da história da medicina. Consensos internacionais têm chamado atenção para algumas controvérsias terapêuticas, entre elas aquelas relacionadas às características ideais de um dispositivo gerador de aerossol e a resposta clínica no manejo da crise. Nas últimas três décadas, foram desenvolvidos três tipos básicos de inaladores: nebulizadores (a jato ou ultra-sôni- cos), inaladores de pó seco e inaladores pressurizados dosimetrados (com ou sem espaça- dor). Tanto os nebulizadores, quanto os inaladores pressurizados dosimetrados, são efeti- vos para alívio dos sintomas agudos da asma. Porém, sob o ponto de vista operacional, os inaladores dosimetrados acoplados a espaçador possuem vantagens, principalmente quanto à praticidade, higiene e economia. A literatura tem preconizado o seu uso para tratamento nos quadros agudos de asma na maioria das situações clínicas. Conclusão: os resultados da terapêutica da asma estão relacionados a uma série de aspectos, tais como: as propriedades farmacológicas das drogas administradas, das pro- priedades físicas envolvidas na geração dos aerossóis e nos aspectos clínicos individuais de cada paciente. UNITERMOS: Albuterol, Nebulizador, Inalador Pressurizado Dosimetrado, Estado As- mático. ABSTRACT Objective – to review literature about aspects that involve inhaling therapy on infan- tile acute asthma, emphasizing generators systems of sprays and their pharmacological properties in β2 agonists drugs. Sources of Data: Information from papers in data base Pub Med – Medline and Cochrane collaboration. Clinical essays were selected at randomized, with meta-analysis and systemati- cal reviews published in the period from January 1997 to December 2006. The search strategy included key words like- status asthmatics, albuferol, metered dose inhalers, nebulizer. Data Synthesis: inhaling therapy has been used since the beginning of Medicine his- tory. Literature has called attention to some therapeutic controversies related to differen- ces in clinical response considering the differences in spray generators devices. In the last three decades, there were development three basic types of inhalers, nebulizers, dry inhalers and metered dose inhalers (with or without spacers). All of them are effective for asthma acute symptoms relief, but as to an operational view point the metered dose inha- lers, which are attached to a spacer, have more advantages, mainly as to practicality, hygiene and economy. Studies have found that their usage for treatments in acute cases of asthma in a great number of clinical situations. Conclusion: Therapeutic effectiveness on infantile acute asthma is related to a series of factors, such as pharmacological properties of drugs and physical properties related to spray generator and individual clinical characteristics of each patient. KEY WORDS: Albuterol, Nebulizers, Metered Dose Inhalers, Status Asthmaticus. 17-89-Princípios da inaloterapia na asma.p65 12/6/2007, 08:29 70

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PRINCÍPIOS DA INALOTERAPIA NA ASMA AGUDA INFANTIL ... Rotta et al. ARTIGO DE REVISÃO

70 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (1): 70-77, jan.-mar. 2007

Princípios da inaloterapiana asma aguda infantil

Principles of the aerosol-therapyin the children acute asthma

ARTIGO DE REVISÃO

ELONI TEREZINHA ROTTA – Farmacêu-tica do Serviço de Farmácia do Hospital SãoLucas da PUCRS e mestranda da Pós-Gradua-ção em Ciências Médicas da FFFCMPA.SÉRGIO LUIS AMANTÉA – ProfessorAdjunto do Departamento de Pediatria daFundação Faculdade Federal de CiênciasMédicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e Che-fe do Serviço de Emergência Pediátrica doHospital da Criança Santo Antônio (HCSA)– Complexo Hospitalar Santa Casa, PortoAlegre, RS, Brasil.PEDRO EDUARDO FROEHLICH – Pro-fessor Associado da Faculdade de Farmáciada Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil.

� Endereço para correspondência:Prof. Sérgio L. AmantéaAvenida Iguaçu, 463/503 – Petrópolis90470-430 – Porto Alegre, RS, Brasil

Recebido: 3/4/2007 – Aprovado: 11/4/2007

I NTRODUÇÃO A via inalatória tem sido utilizada

como forma de administração terapêu-tica direcionada a moléstias pulmona-res há milênios. De fato, dois mil anosa.C. eram utilizados fumos de atropi-na, provenientes da combustão de raí-zes de datura, para o tratamento de tos-se e poeira (1, 2, 3).

No tempo de Hipócrates (400 a.C.),já existiam referências sobre inalaçõesde vapores quentes. Posteriormente, ainalação de vapores e fumos para finsterapêuticos generalizou-se, utilizan-do-se vários dispositivos, como chalei-ras e cachimbos (1).

A via inalatória, utilizada desde osprimórdios da história da medicina,tornou-se popular no final do séculoXIX. Naquela época, adicionavam-semedicamentos em água fervente paraque os pacientes pudessem inalar seuvapor (1). Na literatura especializadado século XX, os primeiros relatos damoderna era da aerossolterapia emasma datam da década de 50, quandoforam apresentados os inaladores pres-surizados de dose medida (IPD), querepresentaram inegável avanço no tra-tamento das doenças respiratórias. Na

RESUMO

Objetivo: revisar a literatura acerca dos aspectos que envolvem a terapia inalatória daasma aguda infantil, com ênfase nos sistemas geradores de aerossóis, destacando algumaspropriedades farmacológicas das drogas β2 agonistas.

Fontes de dados: Informações publicadas em revistas nacionais e internacionais se-lecionadas nas bases de dados PubMed/Medline e Cochrane Collaboration. Foram sele-cionados ensaios clínicos randomizados, meta-análises e revisões sistemáticas publicadasno período de janeiro de 1997 a dezembro de 2006. Foram consideradas as palavras-chaves: status asthmaticus, albuterol, metered dose inhalers, nebulizers.

Síntese dos dados: a terapia inalatória é utilizada desde os primórdios da história damedicina. Consensos internacionais têm chamado atenção para algumas controvérsiasterapêuticas, entre elas aquelas relacionadas às características ideais de um dispositivogerador de aerossol e a resposta clínica no manejo da crise. Nas últimas três décadas,foram desenvolvidos três tipos básicos de inaladores: nebulizadores (a jato ou ultra-sôni-cos), inaladores de pó seco e inaladores pressurizados dosimetrados (com ou sem espaça-dor). Tanto os nebulizadores, quanto os inaladores pressurizados dosimetrados, são efeti-vos para alívio dos sintomas agudos da asma. Porém, sob o ponto de vista operacional, osinaladores dosimetrados acoplados a espaçador possuem vantagens, principalmente quantoà praticidade, higiene e economia. A literatura tem preconizado o seu uso para tratamentonos quadros agudos de asma na maioria das situações clínicas.

Conclusão: os resultados da terapêutica da asma estão relacionados a uma série deaspectos, tais como: as propriedades farmacológicas das drogas administradas, das pro-priedades físicas envolvidas na geração dos aerossóis e nos aspectos clínicos individuaisde cada paciente.

UNITERMOS: Albuterol, Nebulizador, Inalador Pressurizado Dosimetrado, Estado As-mático.

ABSTRACT

Objective – to review literature about aspects that involve inhaling therapy on infan-tile acute asthma, emphasizing generators systems of sprays and their pharmacologicalproperties in β2 agonists drugs.

Sources of Data: Information from papers in data base Pub Med – Medline and Cochranecollaboration. Clinical essays were selected at randomized, with meta-analysis and systemati-cal reviews published in the period from January 1997 to December 2006. The search strategyincluded key words like- status asthmatics, albuferol, metered dose inhalers, nebulizer.

Data Synthesis: inhaling therapy has been used since the beginning of Medicine his-tory. Literature has called attention to some therapeutic controversies related to differen-ces in clinical response considering the differences in spray generators devices. In thelast three decades, there were development three basic types of inhalers, nebulizers, dryinhalers and metered dose inhalers (with or without spacers). All of them are effective forasthma acute symptoms relief, but as to an operational view point the metered dose inha-lers, which are attached to a spacer, have more advantages, mainly as to practicality,hygiene and economy. Studies have found that their usage for treatments in acute cases ofasthma in a great number of clinical situations.

Conclusion: Therapeutic effectiveness on infantile acute asthma is related to a seriesof factors, such as pharmacological properties of drugs and physical properties relatedto spray generator and individual clinical characteristics of each patient.

KEY WORDS: Albuterol, Nebulizers, Metered Dose Inhalers, Status Asthmaticus.

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PRINCÍPIOS DA INALOTERAPIA NA ASMA AGUDA INFANTIL ... Rotta et al. ARTIGO DE REVISÃO

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atualidade, sabe-se que as prescriçõesde IPD em todo o mundo excedem 500milhões de unidades por ano, e seu usovem aumentando a cada década. Umcrescimento sem precedentes em no-vas tecnologias e aplicações clínicas deterapia com aerossol é a previsão parao novo milênio (1, 4, 5, 6).

De acordo com os consensos na-cionais e internacionais para trata-mento da asma, a via inalatória é apreferencialmente escolhida em ca-sos de patologia brônquica, por per-mitir a possibilidade de aplicaçãodireta das medicações nas vias aéreasinferiores através da utilização de uminalador (7, 8, 9, 10, 11). Embora oprocesso de utilização da rota inala-tória possa ser considerado maiscomplexo do que a via oral, este agre-ga uma característica muito impor-tante: a droga será depositada no ór-gão especificamente envolvido peladoença (7, 12). No entanto, é impor-tante reforçar que a disponibilidadeda droga para o trato respiratório édependente de inúmeros fatores, quepodem comprometer a sua superio-ridade perante os efeitos clínicos de-monstrados (13).

O resultado da terapêutica está re-lacionado com uma série de aspectos,como as propriedades farmacológicasdas drogas administradas, proprieda-des físicas envolvidas na geração deaerossóis e aspectos clínicos indivi-duais do paciente em questão (4, 14).

A aerossolterapia consiste naadministração de micropartículas soba forma de nebulização para a árvo-re brônquica e/ou alvéolos. Consti-tui-se na forma preferencial de admi-nistração de medicamentos no trata-mento de doenças respiratórias agu-das e crônicas e pode ser mais rápidae eficaz que as outras formas deadministração de fármacos, evitandoos efeitos sistêmicos secundários in-desejados e apresentando um tempode resposta mais rápido que as ou-tras vias de administração (2, 15, 16).

Está indicada nas seguintes patolo-gias: fibrose cística, hipertensão pul-monar, bronquiectasias, bronquiolites,DPOC, tratamento da bronquite crôni-ca, asma e outros (16).

Mesmo considerando situaçõesideais, menos de 20% do aerossol pro-duzido ficará depositado no pulmão.

Portanto, a estabilidade dos aerossóisé transitória e tende a se depositar porgravidade (sedimentação) ou por impac-tação a outras estruturas próximas.

O tamanho das partículas determi-na a velocidade de sedimentação, amovimentação das partículas no aeros-sol (a sua energia cinética) e a influên-cia na impactação (2).

A deposição final das partículasinaladas é dependente da combina-ção de vários mecanismos (4, 18, 19,20, 21, 22, 23):� Deposição por inércia ou impacto

(orofaringe e vias aéreas centrais):Caracteriza o mecanismo primáriode deposição de partículas de gran-des dimensões (maiores que 5 µm),resultantes de um fluxo turbulentoe que ficam retidas nas vias aéreassuperiores. Partículas maiores que10 µm tendem a se depositar naboca e nariz e as partículas entre 5µm e 10 µm tendem a se depositarna via aérea proximal, antes de atin-girem os bronquíolos (diâmetro in-ferior a 2 mm).

� Deposição gravitacional ou sedi-mentação (pequenas vias aéreas ealvéolos): Resulta de um fluxo mis-to, turbulento e laminar, os quais sãoresponsáveis por uma deposição porsedimentação de partículas entre 1µm e 5 µm de diâmetro na parte mé-dia da árvore brônquica. É o me-canismo preferencial de deposiçãopara se obter maior eficácia clínica.

� Deposição por agitação brownianaou difusão: É o mecanismo primáriode deposição para partículas meno-res que 3 µm de diâmetro. Nesse ta-manho, a deposição parece ser mui-to influenciada pelo fluxo inspirató-rio e pelo volume corrente. As partí-culas menores que 1 µm permane-cem suspensas no ar, com baixa de-posição, sendo facilmente exteriori-zadas pelo fluxo expiratório.Além do diâmetro particular, a téc-

nica inalatória e algumas característi-cas da via aérea podem influenciar adeposição pulmonar do aerossol,como: fluxo inspiratório, freqüência

P ROPRIEDADES FÍSICASENVOLVIDAS NAGERAÇÃO DE AEROSSÓIS

Aerossol é um estado da matériaintermediário entre o estado líquidoe o gasoso; a sua composição, por-tanto, é de partículas não tão disper-sas quanto as do gás, nem tão con-centradas quanto as dos líquidos. Aspartículas que compõem o aerossoldevem ser de dimensões muito pe-quenas, de grandeza de poucos mí-crons (um mícron = um milésimo demilímetro), para evitar que possamse recompor, reassumindo o estadolíquido (17).

Além disso, para se otimizar osefeitos da aerossolterapia é necessárioque a sua aplicação respeite a técnicainalatória específica de cada aerossol,e tenha em conta os fatores de deposi-ção das partículas (12).

Para que a deposição se faça no ní-vel dos bronquíolos terminais dos ca-nais alveolares, é necessária a inala-ção de partículas com um diâmetro in-ferior a 5 mícrons, uma vez que as fos-sas nasais e a nasofaringe constituemuma barreira às partículas de diâmetrosuperior (2).

O tamanho da partícula gerada édependente de dois fatores básicos: osistema utilizado para geração da par-tícula e as características da substân-cia a ser veiculada. A maioria dos sis-temas geradores de aerossóis produzpartículas com tamanho e formas va-riáveis. O diâmetro médio da massaaerodinâmica é que determina a prin-cipal característica das partículas ge-radas a ser considerada no processo dedeposição pulmonar.

A oferta de aerossol para o pulmãoé dependente do diâmetro médio damassa aerodinâmica, da técnica inala-tória utilizada e das características davia aérea do paciente como a idade, otipo de patologia, o grau de agudiza-ção. Quanto maior é a distorção da ár-vore brônquica e/ou o estreitamentodas vias aéreas, como, por exemplo,nas crianças e em situações de obstru-ção brônquica, menor é a deposição emnível distal (4, 18, 19, 20, 21).

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Nebulizadores

Os nebulizadores são compressoresde jato de oxigênio ou energia ultra-sônica. São os dispositivos mais anti-gos para a administração de aerossóis,sendo ainda muito utilizados. Liberama droga em aerossol de partículas lí-quidas, gradualmente, durante váriosminutos. Possuem vantagens como:utilização por todas as faixas etárias,não requerem coordenação do pacien-te, possibilitam a administração de al-tas doses de medicamento e não libe-ram clorofluorcarbono (CFC). O tipoultra-sônico resulta em pequeno volu-me residual (Figura 1). Porém, algunsinconvenientes têm sido apontados naliteratura, dependendo do tipo e formasde funcionamento, tais como: custo doequipamento e, quando houver utiliza-ção de oxigênio de rede ou em reser-vatórios, custo e disponibilidade daenergia elétrica, dificuldade de trans-porte, necessidade de doses mais ele-vadas de medicamentos em relaçãoaos aerossóis dosimetrados, possi-

bilidade de contaminação do sistema,variabilidade da deposição pulmonarda droga e impossibilidade de utiliza-ção de medicamentos termossensíveisem nebulizadores ultra-sônicos (corti-costeróides, antibióticos, dornase-alfa)(11, 19, 24, 25, 26).

Inaladores de pó seco

Os inaladores a pó seco utilizampartículas sólidas que são liberadasinstantaneamente. São gerados pelapassagem de ar através de uma alíquo-ta de pó. Esses modelos são de fácilutilização, pois não necessitam de es-paçadores. São próprios para seremutilizados em crianças maiores de cin-co anos. Todos os inaladores de pó secosão atuados pela respiração, eliminan-do a necessidade de sincronizar a ina-lação com o disparo. Alguns aparelhosde pó seco liberam doses individuaisde cápsulas de gelatina perfuradas;outros de blister de um disco, conten-do várias doses isoladas. Sua dificul-

respiratória, padrão respiratório, cali-bre da via aérea, padrão inalatório,umidade, diferentes características dossistemas geradores de aerossóis e ca-racterística das drogas (2):

– Fluxo inspiratório: fluxos maiselevados tendem a depositar mais asdrogas nas vias aéreas superiores porimpactação. Os dispositivos na formade pó seco necessitam maior fluxo ins-piratório para garantir a distribuição edeposição da droga. A inspiração lentae uniforme tende a linearizar o fluxodas partículas e aumentar a proporçãodepositada nas vias aéreas inferiores.

– Freqüência respiratória: a taquip-néia diminui o tempo de deposição daspartículas no pulmão.

– Padrão inspiratório: volumes cor-rentes mais elevados parecem influen-ciar favoravelmente a deposição doaerossol.

– Calibre da via aérea e o grau deobstrução: as crianças apresentam des-vantagem anatômica quando compara-das a adultos para a administração dedrogas por via inalatória.

– Padrão inalatório: partículasmaiores de 10 µ são, na maioria, reti-das com o padrão de respiração nasal.A inalação através da boca deve serrecomendada.

– Umidade: pode alterar o diâme-tro das partículas, dependendo do po-der higroscópico da molécula.

D ISPOSITIVOSGERADORESDE AEROSSÓIS

Em medicina, os aerossóis são ge-rados por dispositivos, como os inala-dores pressurizados, inaladores de póe nebulizadores.

Nas últimas três a quatro décadas,foram desenvolvidos três tipos bási-cos de inaladores baseados na frag-mentação de líquidos, soluções oususpensões ou na dispersão de póseco (aerossóis): nebulizadores a jatoou ultra-sônicos, inaladores pressu-rizados dosimetrados com propelen-te (IDP), utilizados com ou sem es-paçador, e inaladores de pó com di-ferentes dispositivos. Figura 1 – a) Nebulizador ultra-sônico. b) Nebulizador a jato.

A

B

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dade para uso em pediatria está rela-cionada à necessidade de fluxos inspi-ratórios mais elevados para que a dro-ga seja disponibilizada adequadamen-te para a via aérea. Em função das pro-priedades higroscópicas do pó e daexposição a taxas de umidade relativasuperior a 50%, poderá diminuir a li-beração do pó e gerar partículas maio-res, que não serão inaladas (11, 14, 19,21, 27) (Figura 2).

Inaladores pressurizadosdosimetrados

Os inaladores pressurizados sãoadministrados em jatos e conhecidoscomo aerossóis pressurizados comdoses medidas (APD). As partículassão micronizadas (cristais) que ficamsuspensas em um meio líquido quepossui uma mistura de dois ou maispropelentes e liberadas instantanea-mente. A liberação do propelente car-reia as partículas da droga, transfor-mando-se em aerossol ao entrar emcontato com a atmosfera. Antes de1990, os APD tinham como prope-lente o clorofluorcarbono, que causadano à camada de ozônio. Há 15anos, começaram a ser utilizados osIPDs com hidrofluoralcano comopropelente. Os IPDs têm as seguin-tes vantagens em relação aos nebuli-zadores: são dispositivos portáteis,têm maior fração de deposição pul-monar quando corretamente utiliza-dos e, portanto, necessitam de dosesmenores, com redução de efeitos ad-versos. A utilização de espaçadores

em acoplamento elimina a necessi-dade de coordenação respiratória efacilita a utilização nos pequenospacientes, incrementa a deposiçãopulmonar e reduz a deposição da dro-ga em orofaringe e a sua ingestão,reduzindo a sua biodisponibilidade eseus efeitos adversos sistêmicos. Oprincipal inconveniente do uso e in-dicação de IPD é a fobia de “bombi-nhas” por parte dos familiares; o cus-to desses dispositivos comerciais e ocusto dos medicamentos impossibi-litam, muitas vezes, a sua utilizaçãonas classes menos favorecidas (19,27, 28, 29, 30).

O dispositivo inalatório ideal deveser: portátil, de fácil utilização, ade-quado à idade, deve administrar dosesreprodutíveis e acuradas de partículasrespiráveis (tamanhos entre 1 e 5 mili-micras), com múltiplas doses, resisten-te à contaminação bacteriana, durável,de baixo custo e com boa estabilidadeda droga em seu conteúdo (17).

Tais características fazem dos inala-dores pressurizados o sistema geradorde aerossol mais freqüentemente utili-zado na população pediátrica, indepen-dentemente da faixa etária em questão.É o único sistema recomendado parauso em todas as faixas etárias.

A terapia inalatória utiliza funda-mentalmente o espaçador para aadministração dos fármacos na popu-lação pediátrica, em especial crian-ças abaixo de cinco anos de idade. Oespaçador permite o uso da medica-ção por inalador dosimetrado, semexigir do paciente a correta coorde-nação dos movimentos no momento

do acionamento do jato, e é compos-to por máscara ou bucal e válvula(Figura 4).

Os espaçadores são acessórios deformas, tamanhos e materiais variá-veis, interpostos entre a boca do pa-ciente e o dispositivo pressurizadogerador do aerossol. Só podem serusados com os inaladores pressuriza-dos. Enquanto o aerossol percorre oespaçador, várias alterações vão sen-do produzidas: as partículas maiorese mais pesadas depositam-se por gra-vidade, o tamanho das partículas re-duz-se por evaporação do propelen-te, a velocidade e a agitação das par-tículas diminuem e o fluxo turbulen-to transforma-se em fluxo linear ouquase linear. Essas alterações fazemcom que o aerossol, ao chegar aopaciente, tenha uma maior proporçãode partículas respiráveis e fluxo li-nearizado (17).

O espaçador funciona como um fil-tro que retém partículas grandes e li-bera partículas respiráveis, seletiva-mente, para o paciente. Com o espaça-dor, 21% das partículas geradas peloaparelho são inaladas para as vias aé-reas inferiores, enquanto aproximada-mente 16% são depositadas nas viasaéreas superiores e cerca de 56% fi-cam retidas no espaçador. Essas partí-culas seriam depositadas na boca e nafaringe se a inalação fosse feita semespaçador (2, 13).

O espaçador diminui, em termosabsolutos e relativos, a quantidade dadroga que ficaria nas vias aéreas supe-riores e seria deglutida. O espaçadordiminui, portanto, a dose total tomadapelo paciente e a biodisponibilidadesistêmica oral e, dessa forma, otimizaa terapia inalatória, reduzindo os efei-tos sistêmicos (2, 47).

Figura 2 – Inaladoresde pó seco.

Figura 3 – Inaladorpressurizado dosi-metrado.

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Algumas características individuaisdo dispositivo podem influenciar nadeposição pulmonar da medicação:volume, adaptador, válvula, carga ele-trostática, tipo de espaçador (caseiro× manufaturado) (17).

O volume costuma variar de 145ml a 750 ml nas mais variadas for-mas. O ajuste do volume ideal é de-terminado pelo volume corrente dopaciente, que estabelecerá a quanti-dade de droga a ser disponibilizada.Espaçadores com volume de 150 mlsão úteis para lactentes com baixosfluxos/volumes correntes (abaixo de50 ml). De uma maneira geral, pode-se estabelecer que volumes de 300 mlsejam considerados ideais para amaioria dos outros pacientes, compequenos ajustes individuais (32,33).

A quantidade e a droga disponí-veis para inalação podem ser dimi-nuídas de maneira significativa de-vido à carga eletrostática de algunsespaçadores fabricados com plástico.Essa carga pode ser amenizada coma higienização do sistema por deter-gente catiônico antes da utilizaçãoregular (19, 24, 30, 32, 34, 35).

O material também está atreladoao aumento da carga eletrostática.Dispositivos de aço inoxidável oualumínio apresentam menores pro-blemas relacionados a essa caracte-rística se comparados aos sistemas deplástico (32, 35, 36).

Os espaçadores caseiros consti-tuem-se numa opção econômica e efe-tiva, principalmente para pacientes ca-pazes de utilizar o bocal corretamen-te. São manufaturados a partir de gar-rafas plásticas e volumes de 500 a 750mL (32, 37, 38).

Os adaptadores podem ser demáscara ou bocal. A máscara deve serindicada para pacientes menores detrês anos de idade, enquanto o usode bocais deve ser estimulado a par-tir dessa idade, visando a diminuir adeposição nasal (39).

As válvulas garantem o fluxo dadroga. Devem ser de baixa resistência,possibilitando a abertura mesmo combaixas pressões inspiratórias. A remo-ção do dispositivo do sistema em lac-tentes que não conseguem atingir apressão inspiratória de abertura podeaumentar a quantidade de droga dis-ponível para inalação, que não é fatodesejado (27, 28, 40, 41).

Em contrapartida, se permanecer odispositivo e este não for aberto pelaforça inspiratória, acarretará na nãopassagem do medicamento pelo espa-çador e, conseqüentemente, na nãodeposição da droga nos pulmões.

E SCOLHA DODISPOSITIVO IDEAL

Além das características acima des-critas, outros fatores podem contribuirpara a escolha do dispositivo inalató-rio a ser utilizado na criança portadorade asma aguda.

Os inaladores de pó seco devem serutilizados com cautela, visto que, alémdas questões relacionadas à técnica, anecessidade de um fluxo inspiratóriomínimo de 0,5 a 1 litro por segundopode nem sempre ser obtida em pacien-tes pediátricos em crise.

A maioria das recomendações in-ternacionais preconiza que a faixa etá-ria seja o primeiro fator a ser conside-rado na escolha do dispositivo ideal(10) (Quadro 1).

C ONTROVÉRSIASDA INALOTERAPIANA ASMA AGUDA:NEBULIZAÇÃOX INALADORPRESSURIZADODOSIMETRADOCOM ESPAÇADOR

Embora os β2-agonistas tenham seupapel estabelecido no tratamento daasma aguda infantil, ainda existem con-trovérsias acerca das característicasideais de um dispositivo gerador deaerossol (42).

Durante muitos anos, os nebuliza-dores (Neb) têm sido o método de elei-ção para a administração de broncodi-latadores. No entanto, desde a intro-dução dos inaladores pressurizadosdosimetrados (IPD), há mais de 20anos, inúmeros estudos e revisões sis-temáticas têm demonstrado uma simi-lar deposição pulmonar comparando osdois sistemas: Neb vs. IPD (29).

A principal vantagem dos Nebs éque eles não requerem coordenaçãoentre a respiração e o aerossol libera-do; no entanto, este sistema possui inú-meras desvantagens frente aos IPDs,que incluem seu custo mais elevado, anecessidade de equipamento ligado auma fonte de energia e uma deposiçãopulmonar ineficiente (praticamente90% da droga administrada é perdidana atmosfera) (29, 43).

Quando utilizamos um inaladorpressurizado dosimetrado, este é maiseconômico, mais higiênico, é portátile faz uso de um menor tempo de admi-nistração dos medicamentos, quandocomparado ao nebulizador (29, 44).

Ao acoplarmos um espaçador a umIPD, aumentamos significativamente o

Figura 4 – Espaça-dor de máscara.

Quadro 1 – Dispositivos para inalação indicados por faixa etária

Dispositivo gerador de Alternativa de dispositivoFaixa etária aerossol recomendado gerador de aerossol

< 4 anos IPD* acoplado a espaçador Nebulizador com máscarae máscara facial facial

4 a 6 anos IPD acoplado a espaçador Nebulizador com bocal> 6 anos Inalador pó seco ou IPD Nebulizador com bocal

acoplado a espaçador

Quadro 1

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depósito de medicamento na via aéreainferior, com uma diminuição em cer-ca de 10 vezes do seu depósito orofa-ríngeo (44). Essa modificação na de-posição do medicamento na via aérearesulta na possibilidade de poder di-minuir com o espaçador acoplado aoIPD (IPD-E) a dose do β2-agonista,quando compararmos doses equivalen-tes com os Nebs (45, 46).

Os espaçadores funcionam comouma interface que diminui a velocida-de e retém partículas geradas, seletiva-mente, para o paciente. Com espaça-dor, cerca de 21% das partículas gera-das pelo aparelho são inaladas para asvias aéreas inferiores, enquanto queaproximadamente 16% são depositadasnas vias aéreas superiores e cerca de56% ficam retidas no espaçador (fica-riam retidas na boca e orofaringe se ainalação fosse sem espaçador). O es-paçador diminui, portanto, a dose totaltomada pelo paciente e a biodisponibi-lidade sistêmica oral, dessa forma, por-tanto, otimiza a terapia inalatória (47).

Revisões sistemáticas da literaturaapontam perspectivas favoráveis aouso dos inaladores dosimetrados. Ami-rav e Newhouse, em extensa revisãoda literatura pediátrica, selecionaramdez estudos que compararam tratamen-tos administrados com os dois sistemasem pacientes pediátricos portadores decrises agudas de asma. Tais protoco-los incluíram 301 pacientes que rece-beram tratamento com inaladores pres-surizados dosimetrados acoplados aespaçador e 274 pacientes que foramtratados com nebulização. Desses es-tudos, oito não apresentaram diferen-ças significativas entre os dois méto-dos, enquanto em dois foi observadasuperioridade com o uso do inaladordosimetrado. Nenhum estudo apresen-tou resultados favoráveis à geração deaerossóis por nebulização. As conclu-sões vieram a favorecer o uso dos IPD-E, em razão de sua conveniência, rapi-dez de administração, preferência dopaciente e menor custo (31, 42).

Recentemente, Cates e colaborado-res avaliaram os efeitos dos inalado-res pressurizados dosimetrados comespaçador comparados aos nebulizado-res em pacientes com asma, incluindo

o grupo de estudos da via aérea daCochrane Library, que compreendia 27estudos até o ano de 2003, sem encon-trar diferenças na taxa de hospitaliza-ção e nas provas de função pulmonar.Diferenças significativas foram obser-vadas na freqüência cardíaca (maisbaixa) dos pacientes que utilizaramIPD-E e numa menor taxa de perma-nência hospitalar no mesmo grupo depacientes (48).

Em resumo, ao considerar seu be-nefício clínico, menor custo, forma deadministração mais rápida, menor ne-cessidade de pessoal especializado en-volvido na assistência, facilidade deadministração, efeito clínico similar(talvez até superior), a literatura temrecomendado a utilização dos inala-dores dosimetrados acoplados a es-paçadores em relação aos nebuliza-dores para a maioria dos casos deasma aguda na população infantil,ficando ainda algumas questões aserem respondidas em futuros traba-lhos de investigação (13). Dentro des-te quesito, é importante reforçar quea maioria dos estudos engloba, paraefeito de comparação, pacientes por-tadores de quadros agudos de leve amoderada intensidade, ficando osquadros obstrutivos graves excluídose com um juízo fundamentado maisdifícil de ser estabelecido.

P ROPRIEDADESFARMACOLÓGICASDAS DROGASβββββ2-AGONISTAS INALADAS

O tratamento por via inalatóriautiliza a tendência que têm as partí-culas aerossolizadas para deposição.A preocupação de quem usa a via ina-latória é garantir a deposição das par-tículas da droga nos locais onde suaação é desejada: no caso da asma, nosbrônquios. Grande parte das falhas dotratamento inalatório na asma deve-se à deposição inadequada da droga,muitas vezes não suspeitada pelomédico que acompanha o paciente(5). A aerossolterapia, ao ser indica-da como preferencial para o trata-mento da asma, mesmo consideran-

do a ação direta da droga sobre o sis-tema respiratório, não pode deixar deconsiderar a superfície alveolar e otrato gastrintestinal como acesso àcirculação sistêmica. A faixa etária,o sistema gerador de aerossol utili-zado e a técnica inalatória emprega-da são determinantes para essa dis-tribuição, podendo variar significa-tivamente com pequenas modifica-ções.

O objetivo da aerossolterapia é aação terapêutica nas vias aéreas in-feriores e apenas 2 a 15% do aeros-sol gerado deposita-se nesse local. Oefeito tópico aí exercido terá inten-sidade proporcional à concentraçãoda droga nos tecidos da parede brôn-quica. Algumas drogas podem sofrerbiotransformação no parênquimapulmonar.

A porção depositada nas vias aéreassuperiores pode ser de até 80% do ae-rossol gerado, que será deglutida e ab-sorvida na mucosa intestinal. A partir daí,seu metabolismo será idêntico ao queacontece quando administrada por viaoral. Algumas drogas são inativadas aoserem metabolizadas pelo fígado.

Sendo assim, as drogas inaladaspodem apresentar efeitos sistêmicospor serem absorvidas nestes dois sis-temas (respiratório e gastrintestinal)e a biodisponibilidade sistêmica dasdrogas inaladas refere-se à fração queatinge a circulação sangüínea após ainalação, correspondendo às biodis-ponibilidades sistêmicas pulmonar eoral.

Sendo assim, o nível plasmático dasdrogas provenientes do aparelho res-piratório e do aparelho digestivo e osseus efeitos sistêmicos representam obalanço entre as quantidades absorvi-das e a velocidade de metabolização ede excreção.

As drogas β2-agonistas terbutali-na, salbutamol e fenoterol apresen-tam potência broncodilatadora e efei-tos clínicos semelhantes e foram in-troduzidas no mercado nos meadosdos anos setenta. Porém, os estudosfarmacocinéticos e farmacodinâmi-cos foram realizados mais tarde.Embora esses fármacos sejam mis-turas racêmicas, somente um dos es-

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tereoisômeros presentes é ativo.Quanto ao salbutamol, o isômero (R)salbutamol é o ativo (49).

As drogas β2-agonistas têm seumecanismo de ação relacionado a umaativação de receptores específicos, quelevarão ao aumento nas concentraçõesintracelulares de AMP cíclico, os quaisativarão canais de potássio (maxi-Kchannel) por fosforilação. A aberturadesses canais de potássio resultará emhiperpolarização celular e em inibiçãodo influxo de cálcio, com resultantebroncodilatação (13).

Os receptores β1 e β2-adrenérgicossão receptores de membrana. As dro-gas β2-agonistas, ao atuarem sobre es-ses receptores, principalmente nos re-ceptores β2-existentes nas vias aéreas,provocam imediato relaxamento damusculatura brônquica. Como esse re-laxamento é independente do mecanis-mo patológico da obstrução brônqui-ca, as drogas β2-agonistas podem serempregadas na melhora dos sintomasda asma (13).

O mais importante efeito adversodas drogas β2-agonistas é o tremor dosmúsculos esqueléticos, mais visível naregião das mãos. Esse efeito é imedia-to, através dos receptores β2. O aumen-to da freqüência cardíaca é induzidopelo efeito ionotrópico positivo, me-diado pelos receptores β1 e pelo au-mento do débito cardíaco. Em adição,ocorre um estímulo do sistema cardía-co através de um mecanismo reflexo-gênico causado por uma vasodilatação

periférica, conforme demonstrado noQuadro 2.

O salbutamol, terbutalino e fenote-rol são metabolizados por reação deconjugação, e o seu principal metabó-lito é o sulfato conjugado. Os estereo-isômeros (R) e (S) salbutamol têm ati-vidades diferentes nessa reação de con-jugação. Nesse aspecto, o salbutamolé metabolizado pela sulfotransferaseSULT1A3, e esta enzima tem demons-trado significante variabilidade feno-típica interpacientes (90%). Isso podeexplicar o porquê de muitos pacientesserem resistentes a altas doses de sal-butamol inalado e outros apresentaremconcentrações plasmáticas 2,5 vezesmaiores do que os controles (49, 50).

Estudos farmacológicos das dro-gas β2-agonistas têm colaborado noentendimento dos efeitos clínicos eadversos após a administração, oti-mizando a terapêutica e produzindodados relevantes para o desenvolvi-mento de novas drogas para o trata-mento da asma.

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Quadro 2 – Principais efeitos adversos das drogas β2- agonistas

Órgão Receptor Efeito adverso

Coração β1 Aumento na freqüência cardíaca (efeitoinotrópico positivo) e aumento nacontratilidade cardíaca e na velocidadede condução.

β2 Aumento na freqüência cardíaca devidoao aumento na resistência periférica.

Arteríola α1 e β2 Constrição, dilatação.Pulmão β2 Relaxamento do músculo liso bronquial

e da musculatura traqueal.Útero β2 Relaxamento.Músculo Esquelético β2 Aumenta a contratilidade (tremor) e perda

de potássio.Fígado β2 Glicogenólise e gliconeogênese.

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