11 - filipenses_hendriksen (1)

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5/22/2018 11-Filipenses_Hendriksen(1)-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/11-filipenseshendriksen-1 1/264 EXPOSIÇÃO DE  F ILIPENSES

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    EXPOSIO

    DEFILIPENSES

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    SUMRIO

    LISTADEABREVIATURAS................................................................................ 349

    INTRODUOEPSTOLAAOSFILIPENSESI. Razes Por que se Deve Estudar Filipenses .................................. 353II. A Cidade de Filipos ........................................................................ 354

    III. A Igreja de Filipos .......................................................................... 359IV. O Propsito de Paulo ao Escrever Filipenses ............................... 371V. Lugar e Ocasio da Redao .......................................................... 376

    VI. Autoria e Unidade ........................................................................... 387VII. Contedo Geral ............................................................................... 395

    COMENTRIODAEPSTOLAAOSFILIPENSES

    Captulo 1.1-11 ........................................................................................ 402Captulo 1.12-30 .................................................................................... 431

    Captulo 2.1-18 ...................................................................................... 464Captulo 2.19-30 ...................................................................................... 505

    Captulo 3 ............................................................................................ 522

    Captulo 4.1-9 ......................................................................................... 573

    Captulo 4.10-23 ..................................................................................... 590

    BIBLIOGRAFIASELECIONADA...............................................................................605

    BIBLIOGRAFIAGERAL...................................................................................... 605

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    LISTADEABREVIATURAS

    As letras que correspondem a abreviaturas de livros so seguidaspor um ponto. As que correspondem a publicaes peridicas omitem

    o ponto e esto em itlico. Assim possvel ao leitor, primeira olha-da, perceber se se refere a um livro ou a uma publicao peridica.

    A.Abreviaturas de livros

    A.S.R.V. American Standard Revised VersionA.V. Authorized Version (King James)

    Gram. N.T. A.T. Robertson, Grammar of the Greek New Testa-

    ment in the Light of Historical ResearchH.B.A. Hurbult,Bible Atlas (edio mais recente)

    I.S.B.E. International Standard Bible EnciclopediaL.N.T. (Th) Thayers Greek-English Lexicon of the New Tes-

    tament

    L.N.T. (A. G.) W.F. Arndt e F. W. Gingrich,AGreek-English Le-xicon of the New Testament and Other Early

    Christian LiteratureM.M. The Vocabulary of the Greek-New Testament Ilus-

    trated from de Papyri and other Non-LiterarySources, por James Hope Moulton e GeorgeMilligan (edio de Grand Rapids, 1952)

    N.N. Novum Testamentum Graece,editado por D. Eber-hard Nestle e D. Erwin Nestle, revisado por KurtAland (edio mais recente).

    C.N.T. William Hendriksen, Comentrio do Novo Testa-mento

    R.S.V. Revised Standard Version

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    350 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    Th. W.N.T. Theologisches Worterbuch zum Neuen Testament(editado por G. Kittel)

    W.D.B. Westminster Dictionary of the BibleW.H.A.B. Westminster Historical Atlas to the Bible

    B.Abreviaturas de publicaes peridicas

    AThR Anglican Theological Review

    Bib Sac Bibliotheca Sacra

    Coll Mech Colletanea MechliniensiaExT Expositor Times

    JBL Journal of Biblical Literature

    JThS Journal of Theological Studies

    NTSt New Testament Studies

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    351INTRODUO

    INTRODUO

    EPSTOLA

    AOSFILIPENSES

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    I. Razes Por que se Deve Estudar FilipensesAbusca da tranqilidade est sempre ativa e com que impulso!Para se conseguir a paz de esprito, s os norte-americanos consomemtoneladas de tranqilizantes. No s recorrem s drogas, mas tambmbuscam alvio nos livros. Estes tm-se transformado em best-sellersda noite para o dia, alcanando, numa s tiragem, centenas de milha-res de exemplares. Os que os lem so induzidos ao processo de lava-gem cerebral, e comeam o dia dizendo a si mesmos:

    Que manh maravilhosa esta! Que pessoa (ou esposo) excep-cional eu tenho! Que filhos encantadores! Que lanche saudvel e deli-cioso me aguarda! Que patro simptico eu tenho em meu trabalho!

    Tais pacificadores, porm, podem fazer mais mal que bem. Elessuscitam as seguintes objees:

    Primeiro, sempre que a suavizao da mente deixa de ser compat-

    vel com a realidade, a paz de esprito que da resulta deixar de ter umefeito duradouro.

    Segundo, de todos, o mais obstinado opecado. Nenhuma quanti-dade de estmulos ou pensamentos positivos capaz de remov-lo.

    Terceiro, a nica paz que merece tal nome a paz com Deus, e estano pode ser manipulada.

    Quarto, os que confiam em tranqilizantes, sejam livros ou com-

    primidos, podem estar partindo da falsa pressuposio de que o desas-sossego espiritual ou o conflito interior um mal em si mesmo. Mas,com certeza, muito melhor encarar a realidade de frente do que ten-tar escapar-se dela. A fuga nos leva apatia espiritual. Confrontar osprprios fatos o nico caminho que nos leva paz com Deus, queexcede todo o entendimento.

    Ora, se algum deseja saber como se pode obter esta paz ou tran-qilizante real,tanto de corao como de mente, deve ento busc-la

    naquela epstola que contm precisamente a expresso que foi citadaacima (Fp 4.7). Esta pequena gema de quatro brilhantes captulos pro-jeta a figura de um homem que descobriu a verdadeira paz. Ele desco-briu o tesouro mais precioso de toda a vida. Ele o homem mais feliz

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    354 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    do mundo. Ouvimo-lo dizer, nesta epstola: Regozijem-se sempreno Senhor. Outra vez lhes digo: Regozijem-se.

    Digo isso no por causa da pobreza, porque aprendi a viver con-tente em toda e qualquer situao. Tanto sei estar humilhado, comotambm ser honrado; de tudo e em todas as circunstncias j tenhoexperincia, tanto de fartura, como de fome; assim de abundncia, comode escassez; tudo posso naquele que me fortalece. Recebi tudo, e tenhoem abundncia; estou suprido ... (4.11-13,18).

    E este homem que aprendera o maior segredo da vida era um pri-

    sioneiro em Roma, olhando de frente sua possvel morte por execuo!Portanto, as razes porque se deve estudar a epstola aos Filipen-

    ses sos as seguintes:

    1. Ela nos revela osegredo da verdadeira felicidade. E como talfelicidade pode ser alcanada est claramente expresso nesta carta.

    2. Ela nos revela ohomem que descobriu o segredo. Filipenses amais pessoal de todas as epstolas de Paulo. Esta caracterstica se en-trev tambm em 2 Corntios, em 1 Tessalonicenses e em Filemom.Contudo, em nenhuma delas vemos a personalidade real de Paulo, abrin-do seu corao para aqueles a quem ele ama profundamente.

    3. Ela nos revela oCristo que ensinou o segredo. aqui (em Fili-penses) que conhecemos a Cristo como nosso Padro e Ajudador, nagrandeza de seu amor condescendente (Fp 2.5-11; 4.13).

    II. A Cidade de FiliposSem um devido conhecimento da histria e geografia de Filipos

    impossvel extrair de Filipenses um estudo suficientemente proveitoso.

    Filipe II, pai de Alexandre o Grande, foi um homem de energiaincansvel, de determinao e de talento organizador. Quando subiuao trono, em 359 a.C., a Macednia, sobre a qual comeou a reinar,tinha a extenso aproximadamente do estado de Vermont ou de Mary-land. Consulte um mapa do norte da Grcia. (Era uma pequena parte

    daquela vasta regio que originalmente chamava-se Trcia.) Ao orien-te, nem chegava a atingir o rio Strimon. Ao sul, fora de seus limites,ficava a tripartida Pennsula Calcdica. Ao ocidente, mal atingia o quehoje a Albnia. E, ao norte, se estendia aproximadamente uns ses-

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    355INTRODUO

    senta e cinco quilmetros para o que hoje a Iugoslvia.1Filipe deter-minou estabelecer o exrcito modernizado. Ele o muniu de lanas

    mais longas, cavalarias de choque, melhor organizao, etc. Com es-ses novos instrumentos, ele deu incio ao seu domnio.

    Exrcitos e expedies so, contudo, dispendiosos. Ento Filipese anexou regio aurfera2na circunvizinhana de um lugar que, de-vido a suas numerosas fontes, era denominada Crenides, que significaPequenas Fontes. Ele engrandeceu essa cidade, chamando-a Fili-pos, em sua prpria honra. Ele explorou as minas de ouro com talavidez, que as fez produzir mais de mil talentos de ouro por ano, em-pregando parte da renda para manter seu exrcito e parte para engran-decer seu reino por meio de suborno. Dizem ser dele a seguinte frase:Nenhuma fortaleza, a cujos muros um jumento carregado de ouropode ser conduzido, inexpugnvel. E assim esse ouro de Crenidesse espalhou pela Grcia, precedendo as falanges como uma guardaavanada, e abrindo mais portes que os aretes e as catapultas (Heu-zey). E a expanso territorial iniciada por Filipe foi continuada, numa

    escala sempre crescente, por seu filho, Alexandre.Conseqncias inestimveis emanaram dessa conquista. Tem-se ditocom muito acerto que, se Filipe e Alexandre no tivessem ido ao Orien-te, Paulo e o evangelho por ele proclamado no teriam entrado no Oci-dente. Pois foram esses conquistadores que criaram um mundo de falahelenstica, tornando possvel a difuso do evangelho em muitas regies.

    A cidade fundada por Filipe ficava a uns quinze quilmetros nointerior do Golfo de Nepolis (hoje Kolpos Kavallas), a noroeste da

    Ilha de Tarso, no Mar Egeu. Paulo considerou essa cidade como fican-do ao norte, posto que Tarso, o lugar de seu nascimento, ficava situadano paralelo 37 N. (como Springfield, Missouri), e Jerusalm, onderecebeu sua formao, no paralelo 32 N. (como Montgomery, Alaba-ma), enquanto Filipos estava localizada no paralelo 41N. (como acidade de Nova York). Para chegar a Filipos, vindo do mar, algumteria que entrar num porto que, semelhana de muitos outros lugares,recebia o nome de Nepolis (cf. Npoles), isto , cidade nova.

    1. Ver o mapa na p. 313 de H.G. Wells, The Outline of History, Garden City, Nova York, edioestrela, 1930; conferir este com o mapa Lands of the Bible Today em The National Geogra-

    phic Magazine, dezembro de 1956.2. Conferir Strabo VII, 34.

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    356 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    Provavelmente porque esse foi o local onde Paulo desembarcou, tra-zendo o evangelho de Cristo, e conseqentemente chamado Cristpo-

    lis. Ela ainda subsiste com o nome de Kavalla, e hoje o centro indus-trial de tabaco da Grcia.3

    Partindo de Kavalla, uma pessoa pode cruzar a Cordilheira de Pan-gacus atravs de uma estreita depresso. Uma velha estrada romana, aVia Egnacia, liga o porto com as runas de Filipos. Da crista da colina,que fica entre ambos (o porto e as runas), tem-se uma vista maravilho-sa. Olhandopara trs,v-se o Mar Egeu com suas ilhas: Tarso a sudes-te, e Samotrcia muito mais distante, a leste. Pode-se igualmente dis-tinguir ao sul o cume do Monte Atos. Olhando para frente,v-se aplanura de Drama, margeada por montanhas e regada pelo Gangites.Essa planura pode parecer encantadora, mas tambm um pntanohorrvel. O contraste depende da poca em que acontea de algumcontempl-la. Sobre uma colina que domina essa planura est fundadaa cidade de Filipos. Uma vista area revela as runas de suas igrejas eos restos do frum romano.4

    Dois sculos depois da fundao de Filipos, Roma conquistou aMacednia, dividindo-a em quatro distritos polticos. Ao famoso gene-ral, Emilius Paulus, pertence a glria da vitria decisiva em Pidna (juntoao Monte Olimpos) nas costas ocidentais do Golfo de Salnica (168a.C.).5Por esse tempo, contudo, tendo-se as minas de ouro praticamen-te se exaurido, a cidade de Filipos reduziu-se a um pequeno povoado(Strabo VII.4). No ano 146 a.C., A Macednia tornou-se uma das seisprovncias governadas por Roma.

    O subseqente engrandecimento da cidade resultou do importanteacontecimento que se deu em 42 a.C. Refere-se quela batalha histri-ca que se deu em Filipos entre Brutus e Cassius, como defensores da

    3. Ver o artigo Jerusalem to Rome in the Path of St. Paul, em The National GeographicMagazine, dezembro de 1956, p. 747; tambm a fotografia na p. 179 de Everyday Life in Anci-ent Times, 1953; National Geographic Society, Washington, D.C.; e as vistas areas em conexocom o texto de Atos 16 e Filipenses 1 aparecem nas pp. 18 e 611 de The Good News, The NewTestament wilh over 500 Ilustrations and Maps, publicado pela The American Bible Society.

    4. Conferir W.J. Canybeare e J.S. Haeson, The Life and Epistles of St. Paul, reimpr. em 1949,Grand Rapids, pp. 219-226; Herdoto vi 46, 47; vi 113; Strabo VII 34, 35; 41-43; W. Keller, The

    Bible as History, Nova York, 1957, p. 384; E.G. Kraeling, Rand McNally Bible Atlas, NovaYork, 1956, pp. 438-440; e G. Ernest Wright, Biblical Archeology, London 1957, pp. 255-257.

    5. Aemilius Paulus de Plutarco inolvidvel; especialmente a maneira como ele contrasta ogeneral romano com o rei macednio, Perceu.

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    357INTRODUO

    repblica romana, de um lado, e Antnio e Otaviano, como vingadoresda morte de Csar, do outro. Depois de dois combates, Antnio e Otavi-

    ano foram vitoriosos, enquanto que Brutus e Cassius foram mortos.6Logo depois, Filipos foi convertida em colnia romana e denomi-

    nada Colnia Julia Filipensis. Antnio estabeleceu a alguns de seusveteranos licenciados. Segue-se (31 a.C.) a batalha naval de Actium,um antigo promontrio grego em Epiro, no Mar Jnio (ver C.N.T. so-bre Tt 3.12). Foi a que Otaviano venceu a Antnio, o qual se tornouloucamente enamorado de uma mulher que foi tambm sua runa, isto, Clepatra, a romntica rainha egpcia que anteriormente fora aman-te de Jlio Csar. Percebendo a desdita de sua causa, ambos, Antnio eClepatra, se suicidaram.7

    Otaviano torna-se, pois, o nico cabea do Imprio Romano. Seunovo nome passou a ser Caesar Augustus: em 29 a.C., ele foi declara-doImperador;em 27 a.C.,Augustus.Quando despojou os partidriosde Antnio de suas posses na Itlia, a eles foi dado o privilgio dejuntar-se aos primitivos de fala latina estabelecidos em Filipos. O nome

    desta cidade tornou-se agoraCOLONIA JULIA AUGUSTA VICTRIX PHILIPPENSIUM

    Filipos, pois, era uma colnia romana. Como tal, ela era uma Romaem miniatura, uma reproduo, em pequena escala, da cidade imperi-al. Seus habitantes eram predominantemente romanos, ainda que osnativos vivessem misturados, e pouco a pouco se foram mesclando.Era natural que os cidados romanos se orgulhassem grandemente em

    ser romanos. No obstante, eles desfrutavam de todos os direitos decidados romanos por toda parte, tais como a iseno de aoites, depriso, exceto em casos extremos, e o direito de apelar para o impera-dor. Seus nomes permaneciam nos ris das tribos romanas. Sua lnguaera o latim. Gostavam de vestir-se moda romana. As moedas de Fili-pos eram cunhadas com inscries latinas. Cada veterano recebia do

    6. Conferir Plutarco,BrutusXXXVI-LIII e (do mesmo autor) CsarLV-LXIX (Julio CsardeShakespeare est baseado em Plutarco); tambm F.B. Marsh, a History of the Roman WorldFrom 146 a 30a.C. Londres, segunda edio, 1953, pp. 281-284.

    7. Conferir Plutarco, Antony, ver especialmente XXV-LXXXVII; Shakespeare, Antony andClepatra (baseado em Plutarco); Dryden, All for Love (recomposio de Shakespare); G.B.Show, Csar and Clepatra(que trata dos primeiros anos de Clepatra); f. B. Marsch, op. cit.pp. 295-311.

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    358 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    imperador uma poro de terra em doao. Alm do mais, conferiu-sea toda a comunidade o Jus Italicum, de maneira que os habitantes

    desta cidade desfrutavam no s dos privilgios econmicos, tais comoiseno de tributo e o direito de adquirir, conservar e transferir propri-edades, mas tambm das vantagens polticas, como a independncia dereceber interferncia do governador provincial, bem como o direito eresponsabilidade de regulamentar seus prprios assuntos cvicos.

    O controle do governo da cidade em poder de oficiais que gosta-vam de chamar-se praetores duumviri, isto , os dois comandantescivis,traduo livre do grego strathgoi,. E como em Roma, esses co-

    mandantes civis ou magistrados tinham seus litores porta-insgnias,isto ,policiais ou oficiais de justia (rabdou/coi).

    Ao criar aqui e ali tais colnias, Roma sabia muito bem o quefazia. As vantagens eram mtuas: no s fazia com que os colonizado-res recebessem muitos privilgios, como j foi demonstrado acima,mas tambmRoma se aproveitava desse sistema para que dessa formasuas fronteiras fossem bem protegidas contra os inimigos, e ao mesmotempo seus veteranos fossem recompensados.

    Agora estamos em melhor condio de entender: (a) o que Lucasnos conta em Atos 16, com referncia ao estabelecimento da igreja emFilipos; e (b) a epstola de Paulo aos Filipenses. Com referncia aoprimeiro, ver a prxima seo:A Igreja em Filipos. Quanto ao ltimo,notar o seguinte:

    (1) Paulo, ao escrever da priso em Roma, faz meno do progres-so do evangelho entre os membros da guarda pretoriana (1.13). Ele se

    refere a essa guarda porque sabia que seus leitores, muitos dos quaissem dvida pertencentes s famlias de veteranos, sentiriam um vivointeresse nesse detalhe. Em nenhuma outra epstola apostlica se fazmeno dessa guarda.

    (2) Ele lhes escreveu: Vivam, acima de tudo, por modo digno doevangelho de Cristo ... (1.27).8 luz dos fatos j enumerados, pro-vvel que a cidadania terrena (romana), da qual os filipenses se orgu-lhavam, seja a idia subjacente da cidadania celestial a que o apstolo

    se refere. Seja como for, as realidades espirituais sempre transcendemos smbolos terrenos. Assim, ainda que muitos cidados de Filipos

    8. Conferir W. F. Conybeare e J.S. Howson, op. cit. pp. 223-226; Raymond R. Brewer, The Mea-ning of POLITEUESTHE in Philippians 1.27,JBLLXXIII, Parte II (junho de 1954), pp. 76-83.

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    359INTRODUO

    provavelmente se sentissem perfeitamente tranqilos em sua cidade,de maneira tal que no trocariam Filipos nem mesmo por Roma, com

    o fim de estabelecer a sua residncia, os crentes, ao contrrio, jamaisse sentiam em casa aqui na terra. Eles sabem muito bem que seu lar, aptria qual pertencem como cidados, est no cu, e que so passa-geiros e peregrinos aqui embaixo (Fp 3.20).

    (3) Ele fala dos dolorosos sofrimentos que os leitores tm que su-portar e o amargo conflito em que se acham envolvidos (1.27-30). Fili-pos, sendo essencialmente romana, tinha seu culto imperial. fcil

    concluir que a comunidade no-crist especialmente osAugustalesque deificavam o imperador exercesse forte presso sobre os crentespara obrig-los a tomarem parte na adorao prestada ao imperador. Aresistncia a essa presso resultava em represlia e perseguio. Indu-bitavelmente, isso faziaparte de seu sofrimento. E isso no era tudo.Ver o comentrio sobre a passagem acima.

    (4) Numa colnia romana, mais que em qualquer outro lugar, haviatendncia de bajular Nero com ttulos e honras divinos. Por essa razo

    que nesta epstola (aos Filipenses) se proclamam a glria de Cristo esua plena divindade (2.5-10), a fim de que seus leitores permaneces-sem inquebrantavelmente leais a ele,como seu nico Deus e Salvador.

    (5) As saudaes dos membros da casa de Csar (4.22) so mencio-nadas somente nesta carta. Ver sobre 4.22.

    III. A Igreja em Filipos

    No curso de sua segunda viagem missionria (50/51 a 53/54 d.C.),Paulo, acompanhado de Silas e Timteo, chegou a Trades, situada aosul, que considerado o local da antiga Tria. Ainda que Trades sejahoje uma runa deserta, nos dias do apstolo era um dos principaisportos da sia. Aqui a viso do homem da Macednia atraiu os mis-sionrios Europa. Aqui tambm Lucas se juntou a eles (At 16.9,10).O navio no qual navegaram teria atravessado o Egeu pelo Helesponto,em sua rota para a ilha de Samotrcia, onde Demtrio erigira a mundi-

    almente famosa esttua da deusa Vitria. No dia seguinte, o grupo al-canou Nepolis, porto de Filipos. Aqui encerrou-se a viagem a barco.Essa viagem foi rpida, com a durao de apenas dois dias. Certamen-te, os ventos lhes foram favorveis, em contraste com sua viagem de

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    360 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    volta Nepolis a Trades para o trmino da terceira viagem missi-onria, o que levou cinco dias (At 20.6). De Nepolis a Filipos, os

    missionrios prosseguiram a p. Em obedincia s diretrizes do Espri-to, Paulo desenvolveu a maior parte de seu trabalho em centros impor-tantes, tais como Antioquia da Pisdia, Filipos, Corinto, feso e Roma.Tem-se assegurado que ele seguiu essa linha de conduta movido pelafirme convico de que a mensagem do evangelho alcanaria maiordifuso partindo dos centros estratgicos,9 como de fato se deu. Dequalquer forma, Filipos era um centro muito importante. Eis a palavrade Lucas: ... e dali a Filipos, cidade da Macednia, primeira do distri-to, e colnia (At 16.12). Alm da importncia poltica,Filipos eramuito significativa geogrfica e comercialmente. De Filipos Via Eg-nacia, o trfego se movia em direo a Roma, e vice-versa, via Dyrra-chium, Brundisium e a Via Apia.

    Esta cidade de Filipos era to diferente de qualquer outra que osviajantes tinham visitado at ento, que se viram obrigados a passar aalguns dias a fim de se orientar. Ento chegou o primeiro dia de repou-

    so semanal na Europa. sada da cidade pelo lado oeste havia umagrande arcada estendida sobre a Via Egnacia, que a uns quilmetrosmais adiante cruzava o rpido e estreito Rio Gangites, que desgua noStruma. Em algum lugar, s margens do Gangites, os homens encon-tram um lugar de orao. No original, a expresso usada s vezesocorre como sinnimo de sinagoga. Aqui, entretanto, parece no tersido o caso: nenhum homemestava presente; no havia um culto for-mal e nem leitura da lei e dos profetas. Provavelmente houvesse pou-

    cos judeus em Filipos. Seria possvel que tambm essa colnia romanase mostrara hostil, imitando o esprito da metrpole? O Imperador Clu-dio (41-54 d.C.), embora a princpio se mostrasse amigo dos judeus,posteriormente ordenou sua expulso de Roma (50 d.C., ou um poucomais tarde). Seja como for, Paulo e seus companheiros falaram s mu-lheres que se reuniam nesse lugar de orao para suas devoes religi-osas de carter judaico.

    Nessa pequena assemblia havia uma mulher chamada Ldia. Era

    natural de Tiatira (hoje Akhisar, Turquia), a caminho que leva de Pr-gamo a Sardes (Ap 2.12,18; 3.1), na provncia de Lida, na regio co-

    9. J. Mund rejeita essa idia em seu Paul and the Salvation of Mankind, Richmond,Va.1959.

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    361INTRODUO

    nhecida hoje como sia Menor Ocidental. Ainda que de origem pag,ela se familiarizara em sua cidade natal? com a religio dos judeus,

    abraando-a como sua (religio), convertendo-se em proslita. Seu modode adorar a Deus era certamente muito superior a qualquer culto pagocom sua tola idolatria e grosseira imoralidade. Mesmo assim, isso noconseguiu dar-lhe completa satisfao, a paz que sua alma anelava.

    Ela era mulher de negcios, e provavelmente fosse viva e dessecontinuidade aos negcios de seu finado marido. Podemos imagin-lacomo sendo importadora, pois seu negcio era venda de prpura. Issono deve causar estranheza, pois seu lugar de origem (Tiatira) ficavalocalizado bem no corao da regio industrial do tecido de prpura.Tais produtos eram carssimos, porquanto o corante da prpura eraderivado de um molusco encontrado nas guas de Tiatira, e da gargan-ta de cada molusco se produzia uma nica gota de corante! (Obtinha-seuma qualidade inferior do corante atravs do simples esmagamento domolusco.) Ora, visto que Filipos era uma colnia romana, naturalmen-te que era um excelente mercado para roupas de prpura, pois os roma-

    nos adoravamcores reais! Com a prpura, eles adornavam togas etnicas. Usavam-na tambm em cobertores e tapetes. Os filipenses eramardorosos imitadores dos costumes romanos. Para Ldia poder comer-cializar produto to dispendioso ela tinha que ser mulher de posses. Orelato de Atos apia essa concluso, pois se deduz que ela possua umaespaosa manso em Filipos, talvez uma tpica casa romana, da melhorclasse,10dessas que contm ampla sala para a acomodao de vriosconvidados.

    Como se tem observado com freqncia, Ldia chegou da sia comseus tesouros, para em seguida descobrir na Europa os tesouros espiri-tuais. Embora provavelmente ela tivesse que andar uma considerveldistncia para chegar ao local de orao, margem do rio, fora dacidade; e embora provavelmente ela no esperasse que a planejada reu-nio tivesse alguma significncia relevante, ela foi l! E ali ela encon-trou os missionrios, que falaram com grande convico, provandoque as profecias do Antigo Testamento, com as quais ela se familiari-

    zara, tiveram seu cumprimento em Jesus Cristo. O pregador principal10. Conferir C.N.T. sobre Joo 18.16. Ver T.G. Tucker,Life in the Roman World of Nero and St.

    Paul, Nova York, 1922, cap. 9; e tambm Everyday Life in Ancient Times, pp. 322, 323, para seter uma idia do plano geral de uma casa romana dos ricos.

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    362 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    era Paulo. Se Ldia se converteu naquele primeiro encontro, ou se foimais tarde, o texto no esclarece tal coisa, e nem de grande relevn-

    cia. O fato mais importante que, por meio da pregao de Paulo, estamulher, cujo corao o Senhor abriu, foi conduzida aceitao de Cristo.O mesmo fez sua casa, em seguida. E ento foram batizados ela etodos os membros da famlia.

    Imediatamente, Ldia deu prova do genuno carter da grande mu-dana operada em sua vida. Sua ardente generosidade nos lembra Ma-ria de Betnia (ver C.N.T. sobre Jo 12.1-8). Com raro tato, ela estende

    aos missionrios um convite ao qual no puderam recusar, pois faz-lolhe teria sido uma ofensa. Eis suas palavras: Se vocs julgam que soufiel ao Senhor, entrem em minha casa, e a permaneam. Seu desejo,expresso com tanta urgncia, prevaleceu (At 16.15).

    luz de Atos 16.40, de forma alguma se depreende que Ldia foi anica convertida em Filipos. Ao contrrio, tanto homens como mulhe-res foram arrancados do reino das trevas e recebidos no reino da luz.Todavia, quando as coisas estavam indo bem, algo aconteceu que, no

    momento, deve ter sido uma desagradvel interrupo. Certo dia, quandoos missionrios estavam se dirigindo ao local de orao, se defronta-ram com uma jovem possuda de um esprito de adivinhao. Era umaescrava, e dava grandes lucros a seus senhores por meio da adivinha-o. Seu estado era deveras muito deprimente. Havia nela um espri-to, umpython (traduo literal de At 16.16).

    Na mitologia grega, a palavrapython tem referncia, principalmente,a uma serpente ou drago que habitava na regio de Pytho, ao sop deParnaso, em Focis, ao norte do Golfo de Corinto. Acreditava-se queesse drago costumava guardar o orculo de Delfos, com seu santuriooracular. Ele foi, contudo, assassinado pelo deus Apolo, segundo es-creve Ovdio de forma muito interessante.11

    11. Por conseguinte, quando a terra, coberta de lodo, pelo dilvio recente, foi aquecida pelosraios clidos e geniais do sol, produziu inumerveis espcies de vida. Em parte restaurou asformas antigas e em parte criou novos monstros.

    Ela, sem dvida, no desejava faz-lo, porm o produziu, python enorme, a voc, serpente atagora desconhecida. Voc era um terror para a nova povoao; to grande era o espao de terraque ocupava.

    Esse deus do arco resplandecente destruiu a este monstro com armas que nunca antes foramusadas exceto contra corvos e cabras selvagens, esvaziando completamente sua aljava, atraves-sando-o com dardos incontveis at que seu sangue peonhento brotou das negras feridas.

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    363INTRODUO

    Por meio de transio natural, esta palavra python comeou aaplicar-se adivinhao ou adivinhos em geral, de modo que um es-

    prito, um python passou a indicar um esprito de adivinhao.O ensasta e bigrafo grego, Plutarco (c. de 46-120 d.C.), nos conta

    que em seus dias os ventrloquos eram chamadospythons. Mas, mes-mo sendo possvel que a jovem escrava referida em Atos 16.16 fosseuma ventrloqua, no se pode provar tal hiptese. O sentido aqui pare-ce ser simplesmente que ela tinha um esprito de adivinhao.12Elaestava possessa de demnio, considerada pelas pessoas supersticiosas

    dessa regio como capaz de predizer os fatos futuros. E o povo tinha omaior prazer em pagar por suas predies.

    Um dia, quando entrava ou se dirigia cidade, ela encontrou osmissionrios que se dirigiam, por sua vez, ao local de orao,fora dosportes da cidade. A princpio, ela seguiu seu caminho; mas, quandocruzou com eles, ela deu meia volta e os seguiu, gritando: Esses ho-mens so servos do Deus Altssimo e lhes proclamam um caminho (ouo caminho) de salvao.13

    compreensvel que Paulo no tenha aceito a idia de ser anunci-ado por uma jovem possessa de demnio (Lc 8.28,29), como se hou-vesse alguma conexo entre o reino da luz e o reino das trevas, entre osservos do Deus Altssimo e ... Belzebu! Finalmente, depois de a jovemproceder dessa maneira por vrios dias, o apstolo, aborrecido dianteda desagradvel popularidade de que era alvo, de repente se voltou edisse ao esprito: Eu lhe ordeno em nome de Jesus Cristo: saia dela.E na mesma hora a deixou.

    agora, porm, que comeariam as tribulaes reais. Os donos dajovem escrava, homens que ganhavam muito dinheiro por sua instru-mentalidade, se irritaram e prenderam Paulo e Silas (como sendo os

    E para que a forma de seus feitos no casse no olvido com o passar do tempo, ele (Apolo)instituiu jogos sagrados cujas competies concentravam grandes multides. Estes jogos foramchamados ptios, nome que se deriva da serpente que ele venceu (MetamorfoseI, 434-447. Vertambm T. Bulfinch, The Age of Fable, Nova York, edio de 1942, pp. 21, 159, 297).

    12. Conferir M.M. p. 559.13. Com isso, ela insinuava que havia vrios caminhos de salvao, e que o que Paulo e seus

    companheiros anunciavam era um dentre esses muitos? Note que no original falta o artigo defi-nido, e que, portanto, pode ser traduzir como um caminho no lugar de o caminho. No entanto,contra isso reala-se o fato de que, no grego, nem sempre necessrio o artigo para definir umapalavra.

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    mais importantes dos quatro?), arrastaram-nos para a gora, a praapblica do frum. Levados ante os magistrados, os dois portadores de

    boas-novas foram denunciados comojudeus desordeiros. Quo astutafoi a acusao, e quo inconsistente! Os acusadores estavam orgulho-sos de ser romanos e no judeus! Ignoravam, porm, que jamais seassemelharam tanto aos mpios judeus como agora! Note a semelhana:

    A acusao dos lderescontra Jesus:

    Encontramos este homem per-vertendo nossa nao, vedandopagar tributos a Csar e afirman-do ser ele o Cristo, Rei (Lc 23.2).Isso era mentira e uma remata-da hipocrisia. O motivo real desua agitao est expresso emMateus 27.18: ... por inveja o

    haviam entregado.

    A acusao desses romanoscontra os mensageiros de Jesus,

    Paulo e Silas:

    Estes homens, sendo judeus, per-turbam nossa cidade, propagan-do costumes que no podemosreceber nem praticar porque so-mos romanos (At 16.20,21).Isso tambm era mentira e umarematada hipocrisia. O motivoreal para sua agitao est ex-

    presso em Atos 16.19: Vendoseus senhores que se lhes desfi-zera a esperana do lucro ...

    A acusao era de carter infamatrio, pois os colonizadores ro-manos eram zelosos de seus direitos e costumes como os prprios ro-manos. Alm do mais (como j dissemos previamente), o imperadorCludio no havia recentemente expulso todos os judeus de Roma? E

    agora aqui esto estes dois judeus vadios trazendo confuso Romaem miniatura! Os magistrados, excitados pela multido furiosa e voci-ferante, ordenaram que os dois homens fossem aoitados com varas.Tal castigo era extremamente doloroso. Alm disso, entre os romanosno se havia fixado o nmero de aoites, no havia nenhuma regralimitando-os a quarenta menos um. E como se isso no bastasse,quando os litores j haviam lhes infligido muito aoites, Paulo e Silasforam lanados na priso, sendo exigido do carcereiro que os guardas-

    se em segurana. Esse carcereiro, tendo recebido a ordem, jogou-osnum profundo calabouo, numa masmorra mida e fria, onde seus psforam presos em troncos. Seus pulsos foram tambm algemados em fer-ros, presos com correntes que, por sua vez, eram chumbadas nas pare-

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    365INTRODUO

    des como se fazia a todos os prisioneiros. Quo horrvel era sua situa-o! Todavia, foi providencial que assim acontecesse, pois a libertao

    de to profunda agonia, de cadeias to aparentemente inquebrveis, se-ria conhecida como um ato plenamente de Deus e no do homem!

    Como sucede com freqncia, o extremo do homem a oportuni-dade de Deus. meia-noite, Paulo e Silas estavam orando e cantandolouvores a Deus. Porventura, seriam alguns dos seguintes hinos dentreos salmos: 2, 16,20,23,27,42,43,46,69,71, 130? Para cantar naquelascondies, certamente que se requeria uma medida especial da graa

    de Deus. De repente houve um grande terremoto, de tal proporo queas bases da priso foram sacudidas. Naquele abalo, todas as portas dapriso se abriram, os ferrolhos presos nos muros cambaleantes se sol-taram e todas as fechaduras estouraram. Naturalmente, o carcereiro,que dormia na casa contgua priso, despertou e correu para o ptioda mesma. Sendo noite, ele no podia distinguir muito bem. Todavia,na semi-escurido ele percebeu que as portas da priso estavam aber-tas! Encheu-se de terror, e num instante compreendeu que tudo aquilo

    significava uma nica coisa: que os prisioneiros haviam escapado. Deuma coisa ele estava certo agora: uma morte vergonhosa o aguardava(cf. At 12.19). Antes de sofrer tal oprbrio, ele tiraria sua prpria vida.No foi isso mesmo o que Cassius e Brutus fizeram nesse mesmo lu-gar? Antnio e Clepatra tambm no cometeram suicdio? No foiSneca aquele que sempre defendeu o suicdio como um direito e umprivilgio? Ainda que, possivelmente, o carcereiro no tivesse familia-ridade com a opinio dos filsofos, pelo menos certo que, sendo pa-

    go, ele no poderia ter pela vida um conceito to elevado como otinha um judeu (com exceo do rei Saul, Aitofel, Zinri e Judas Iscari-otes), mui especialmente um cristo. Assim, pois, desesperado, sacoudepressa sua espada e teria se matado, no fosse Paulo que, tendo emtempo chegado entrada principal, de onde viu o que estava para acon-tecer, gritou em alta voz: No faa nenhum mal a si mesmo, porquetodos estamos aqui. O carcereiro, atnito, pediu que algum trouxes-se luz. Tremendo de medo, o homem caiu aos ps de Paulo e Silas,

    trouxe-os para fora, para o ptio da priso, e perguntou-lhes: Senho-res, que devo fazer para ser salvo?. O que ele quis dizer? Simples-mente isso: Como posso escapar deste meu tremendo apuro e conser-var meu emprego?. luz de toda aquela situao, e tambm da res-

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    posta que recebeu, difcil acreditar que isso era tudo o que ele queriasaber. As seguintes consideraes devem ser levadas em conta:

    a. A jovem possessa de demnio dissera ao povo: Estes homensso servos do Deus Altssimo e lhes proclamam um caminho (ou ocaminho) de salvao. bem provvel que o carcereiro ouvisse taldeclarao.

    b. E nem tambm improvvel que o homem por algum tempoestivera preocupado com a condio de sua alma.

    c. Ele deve ter notado que a conduta de Paulo e Silas, sob os terr-

    veis aoites que receberam e em seguida o calabouo, era totalmentediferente de tudo quanto j havia visto e/ou ouvido.d. de todo provvel que ele sabia que, atravs das palavras de

    Paulo, a jovem escrava experimentara uma excepcional mudana. No-tcias, principalmente dessa natureza, voam depressa. Seria o caso deele haver notado a conexo entre esses homens e a ocorrncia do terre-moto? Convencera-se, pois, de que a jovem escrava no estava inteira-mente equivocada, e que de fato havia uma estreita relao entre essesdois homens e a divindade, e que eles estariam numa posio adequadapara responder mais profunda pergunta de sua alma?

    Todas essas consideraes me levaram a concluir que a explicaoque o homem que se assenta na igreja geralmente atribui pergunta docarcereiro provavelmente seja a nica correta. E sobre esta base, a res-posta que recebeu era plenamente adequada: Creia no Senhor JesusCristo, e ser salvo, voc e sua casa. Naturalmente, este conselho

    carecia de comentrio. Ento Paulo e Silas, havendo entrado na casado carcereiro, falaram-lhe a palavra do Senhor, bem como a todos osque ali estavam presentes. Assim, todos os que ouviram a mensagem aaceitaram. E sua f revelou seu carter genuno em atos amorosos.Levando os missionrios para o ptio da casa, onde quem sabe haviauma cisterna ou tanque com gua, ou talvez uma fonte, ali o carcereirolavou-lhes carinhosamente as feridas. Imediatamente foi ele batizadoe todos os de sua casa. Uma vez em casa, preparou a mesa para os

    missionrios, em meio a um geral regozijo.Ao raiar do dia, os pretores enviaram oficiais de justia, dizendo

    ao carcereiro: Pe aqueles homens em liberdade. O que teria aconte-cido aos pretores para que mudassem de opinio? Estaria correto o

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    367INTRODUO

    Codex Bezae ao sugerir que as autoridades chegaram concluso:Paulo e Silas so de fato o que afirmam ser? Ou as investigaes teri-

    am convencido aos pretores de que os estrangeiros tinham sido falsa-mente acusados? Seja qual for a razo para a sbita mudana, um fatofica definitivamente patenteado, a saber, que, informados pelo carce-reiro de que ele recebera ordens oficiais para solt-los, os prisioneiros,que j haviam voltado para o crcere, recusaram obedecer ordem:Agora, pois, saiam e vo em paz. Em vez de deixar a priso, Paulodisse: Sem ter havido processo formal contra ns nos aoitaram publi-camente e nos recolheram ao crcere, sendo ns cidados romanos; que-rem agora, s ocultas, lanar-nos fora? No ser assim; pelo contrrio,venham eles, e pessoalmente nos ponham em liberdade (At 16.37).

    Praticava-se uma galopante injustia, e a lei romana fora violadamais de uma vez: cidados romanos foram aoitados, publicamenteaviltados e em seguida aprisionados; tudo isso sem um julgamento for-mal! Portanto, a justia fora ultrajada por aqueles que deveriam serseus defensores. A honra dos missionrios, os direitos de cada cristo

    em Filipos, a causa do evangelho e ainda a boa reputao da jurispru-dncia romana exigiam que os homens que foram vergonhosamentetratados (cf. 1Ts 2.2) fossem oficialmente defendidos. Portanto, Pau-lo agiu sabiamente quando insistiu numa libertao honrosa, tanto parasi quanto para seu companheiro. De fato, isso era o mnimo que sepoderia exigir.

    Quando os oficiais de justia informaram a seus superiores a realsituao referente aos prisioneiros, particularmente que eram roma-

    nos, os pretores ficaram alarmados. Entenderam que no apenas suaposio, mas sua prpria vida corria perigo por causa dos crimes quehaviam cometido. Portanto, prontamente atenderam exigncia dePaulo. Deve ter havido um verdadeiro espetculo: Os pretores, vesti-dos de prpura, descem ao crcere e, em seguida, desfiam o rosrio:apresentam suas humildes desculpas e, polidamente, conduzem Pauloe Silas liberdade! Enquanto os trazem para fora, rogam-lhes que dei-xem a cidade. Os colonizadores de Filipos jamais deveriam descobrir

    que aqueles estrangeiros que haviam chegado cidade, e foram toprofundamente humilhados, eram cidados romanos. Sem dvida al-guma que esses colonizadores no teriam complacncia dos pretores.Assim, quanto antes os estrangeiros deixassem a cidade, tanto melhor.

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    E os dois, por sua vez, foram bastante condescendentes e atende-ram ao insistente apelo dos pretores. A obra em Filipos tivera um co-

    meo consideravelmente promissor. Ldia e o carcereiro no eram, porcerto, os nicos convertidos. Isso se depreende do fato de que, quandoos missionrios saram da priso e entraram novamente na mansohospitaleira de Ldia, ali encontraram um grupo de irmos. A estacongregao reunida, a primeira igreja na Europa, eles dirigiram pala-vras de conforto. Em seguida, Paulo e Silas partiram para Tessalnica.Timteo os acompanha ou os segue um pouco mais tarde. Por enquan-to, Lucas permanece em Filipos.

    Lanando um olhar retrospectivo para os fatos que regem o estabe-lecimento da igreja em Filipos, vemos que entre aqueles que indubita-velmente continuaram, por algum tempo, a exercer saudvel influn-cia sobre ela havia especialmente dois que se assemelham em sua de-voo altrustica causa de Cristo e em sua magnanimidade, a saber,Ldia e Lucas. Os crentes eram sempre mais que bem-vindos ao lar deLdia. E, quanto a Lucas, ele revela em seu evangelho no s o amor de

    Deus em Cristo, mas tambm sua prpria personalidade. Conseqente-mente, quando o lemos, no nos surpreende ver quanta misericrdia dispensada ao prdigo penitente, quantos doentes so curados, quan-tos desfalecidos so reanimados e quantas mulheres (principalmentevivas) e crianas so honradas. Portanto, se a estes dois (Ldia e Lu-cas) deva acrescentar-se um terceiro, o carcereiro convertido certa-mente merece tal considerao (em vista de At 16.33,34).

    Ora, a igreja de Filipos parece ter derivado seu carter de seus

    principais membros. Conseqentemente, no ficamos surpresos ao sa-ber que, quando Paulo, em sua segunda viagem missionria, procla-mou o evangelho no prximo lugar depois de Filipos, a saber, Tessal-nica, ele foi consolado mais de uma vez pelas ofertas da igreja de Ldiae Lucas (Fp 4.16). O mesmo aconteceu pouco depois, tornando poss-vel a obra em Atenas e Corinto (Fp 4.15; ver tambm 2Co 11.9). Asegunda visita de Paulo a Filipos e adjacncias ocorreu durante suaterceira viagem missionria, em sua ida. Escrevendo aos corntios, ele

    louva a ardente generosidade das igrejas da Macednia (entre elas,certamente, Filipos), em contribuir para o socorro dos santos em Jeru-salm (2Co 8.1-5). A terceira visita a Filipos se deu ainda no transcur-so da terceira viagem missionria, s que agora quando de volta

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    ptria. Paulo planejara efetuar uma viagem martima diretamente deCorinto a Sria, mas descobriu um compl contra ele, o que o levou a

    mudar de planos. Ento ele inverteu seu curso, retornando a Jerusalmpelo caminho da Macednia. Contudo, nesse tempo, seu contato com aigreja de Filipos parece ter sido bem rpido. Todavia, um aconteci-mento de certa importncia est claramente implcito: em Filipos Lu-cas se juntou a ele (At 20.5 notar o pronome nos). (Alguns acres-centam que Paulo passou uma Pscoa em Filipos, mas isso no estnecessariamente implcito em At 20.6.)

    O mais importante de tudo isso o intuito de tornar compreensvela epstola aos Filipenses no contato seguinte, embora no fosse umavisita pessoal de Paulo igreja. Esse contato, to caracterstico da igrejade Filipos, ocorreu durante a primeira priso de Paulo em Roma. Ver aprxima seo: O Propsito de Paulo em Escrever Filipenses.

    Durante essa priso, Paulo escreveu que esperava enviar Timteopara visitar a igreja, e acrescenta: Estou persuadido no Senhor de quetambm eu mesmo brevemente irei (Fp 2.19,24). Com toda probabi-

    lidade, ele viajou de Roma a Filipos via Creta e sia Menor. bemprovvel que Filipos fosse seu quartel-general quando escreveu as eps-tolas por ns conhecidas como Timteo e Tito (ver C.N.T. sobre AsEpstolas Pastorais, pp. 39-42). At onde sabemos, esta foi a ltimavisita de Paulo igreja de Filipos.

    Precisamente meio sculo depois, Policarpo escreveu sua Cartaaos Filipenses.14A ocasio foi a seguinte: Incio, em seu caminho parao martrio em Roma, passou por Filipos. Os filipenses escreveram a

    Policarpo acerca de Incio, expressando o desejo de que Policarpo fi-zesse uma coleo de suas cartas. Talvez pedissem tambm conselhosacerca de questes disciplinares. Policarpo responde, louvando-os porterem seguido o padro do verdadeiro amor, mostrando simpatia poraqueles que ora se achavam presos em cadeias. Diz-lhes que se regozi-java diante das slidas razes de sua f; formosas em tempos passados,esto ainda florescendo e produzindo frutos para Cristo. Destaca a

    14. bem provvel que fossem duas cartas. A teoria de que foi uma s no explica plenamentea frase final do captulo 13, o que implica que, quando foi escrita, Incio vivia ainda (ou pelomenos que Policarpo ignorava sua morte), enquanto que, nos captulos 1 a 12 (especialmente o9), Incio considerado morto. Por isso h quem opine que os manuscritos foram fundidos numas carta de Policarpo aos filipenses correspondendo primeira os captulos 13 e 14 do textotradicional. Ver P.N. Harrison, Palycarps Two Letters to the Philipians, Londres, 1936.

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    incomparvel sabedoria do glorioso e bem-aventurado Paulo que este-ve entre eles, e lembra-lhes o fato de Paulo os haver enaltecido por

    todas as igrejas. No obstante, exorta-os contra a avareza. Nesse senti-do, ele declara sentir profundo pesar por Valens e sua esposa (chama-dos por Lightfoot o Ananias e a Safira da comunidade filipense), elhes aconselha acerca do tratamento que deveriam dar aos ofensores.Este escrito de Policarpo ao mesmo tempo uma carta com envio dedocumentos, pois no mesmo pacote Policarpo inclui as cartas de In-cio solicitadas pelos filipenses.

    De um modo geral, pois, tudo indica que por duas geraes aps amorte de Paulo a igreja de Filipos ainda permanecia firme. A informa-o que logrou chegar-nos em referncia ao estado da igreja nos scu-los imediatamente posteriores escassa demais para se estabelecer umabase segura para uma generalizao. Ali se nos oferece um quadro nomuito animador acerca do quinto sculo, a saber, uma inscrio emmrmore que fora fixada porta da cidade, na Via Egnacia (para Ne-polis). Essa inscrio nos fala da correspondncia completamente es-

    pria em que o rei Abgar V alegava ter tido com Jesus. Para os filipen-ses daquela poca, a inscrio era considerada como um amuleto con-tra os inimigos e catstrofes. Todavia, aquele amuleto no foi de muitavalia. Durante a Idade Mdia, a cidade foi reiteradamente atacada pe-las foras hostis e desolada pelos terremotos e incndios. Finalmente,os ltimos habitantes abandonaram aquele pantanoso lugar.

    H, todavia, uns poucos registros de bispos de Filipos cujos nomesesto apensos s decises de vrios conclios (reunidos nos anos 344,

    431, 451). Sabemos tambm que no ano 1212 Filipos devia ser aindauma cidade de certa importncia, pois naquele ano o Papa InocncioIII fez dela uma diocese. Seu ltimo bispo morreu no ano 1721. Contu-do, parece que a diocese sobreviveu prpria cidade.

    Muitos sustentam que um recinto abobadado, construdo pelos ro-manos, foi a priso de onde Paulo e Silas cantaram seus hinos e onde ocarcereiro se converteu. Esta teoria recebe certo apoio pelo fato deque, num dia, quando presumivelmente a memria dessas coisas ainda

    no havia se apagado, o recinto foi coberto com uma capela. Nas adja-cncias de Filipos foram achadas evidncias de diferentes religiespags tais como altares e relevos cinzelados. Um dos altares foradedicado aos deuses egpcios sis e Serpis.

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    371INTRODUO

    De 1914 a 1938, uma expedio arqueolgica francesa fez escava-es nessa regio. Ela encontrou o que restou de ruas e praas pavi-

    mentadas, o frum, templos, edifcios pblicos e arcadas sustentadaspor pilares. Contudo, muitas das descobertas dizem respeito histriaps-apostlica da cidade. Exceto por umas poucas inscries porexemplo, um monumento que um presbtero erigiu em honra de seuspais e esposa e as runas bizantinas, especialmente o colossal pilar dabaslica de Derekler, permaneceram poucas evidncias do Cristianis-mo que uma vez floresceu ali de tal maneira que Paulo chamou a estaigreja minha alegria e coroa. Mas a Carta do apstolo aos Filipenses

    recompensa tal perda.15

    IV. O Propsito de Paulo ao Escrever FilipensesCerto dia, durante o tempo em que Paulo se achava preso, este

    recebeu algum que lhe era muito caro. Seu nome era Epafrodito. Eraum grande lder na igreja de Filipos. Ele fora enviado a Paulo comodelegado daquela igreja. Trazia consigo uma generosa oferta dos fili-

    penses. Se ele viajou por terra, teve que percorrer uma distncia com-parvel que existe entre Nova York e Chicago. De qualquer forma,fosse por mar ou por terra, teve de fazer um percurso de pouco mais de1280 km, do leste ao oeste do paralelo 41 N. (para Filipos e NovaYork) ao paralelo 42 N. (para Roma e Chicago). Todavia, devido radical diferena nos meios de transporte, antigos versusmodernos, omensageiro de Filipos gastou muito mais do que ns gastaramos hoje,numa viagem de igual distncia. Provavelmente, ele viajou cerca de

    um ms. Contudo, de Filipos a Roma16ele teria gasto mais tempo ain-da no fossem as excelentes estradas romanas, fruto de extraordinriaengenharia rodoviria. Eram normalmente de 4,3m de largura, de sli-da construo (grandes blocos de pedra dura cuidadosamente encaixa-dos sobre uma bem preparada base de concreto), bem mantidas, relati-vamente seguras, seguindo em linha reta, a despeito dos obstculos, e

    15. Para fontes arqueolgicas, ver a bibliografia geral no final deste livro; ver tambm o artigoPhilippi em I.S.B.E. (observar, em especial, Literatura no final do mesmo); tambm o artigoArcheology, Christian (e a bibliografia no final desse artigo) em The New Schaff-Herzog En-cyclopedia, Vol. I da edio The Twentieth Century.

    16. Para comprov-lo, ver J.B. Lightfoot, Saint Pauls Epistle to the Philippians, reimpr. GrandRapids, Michigan, 1953, p. 38, nota.

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    com estacas quilomtricas.17 De Filipos a Dyrrachium, o trajeto erafeito pela Via Egnacia; dali cruzava-se o Adritico at Brundizium

    (esse cruzamento era feito em cerca de um dia), para finalmente conti-nuar para Roma pela Via Apia. No entanto, possvel que Epafroditofizesse sua viagem por mar, seja pelo Golfo de Corinto ou rodeando opromontrio de Malea. Fazendo assim, sob circunstncias favorveis,algum pouparia bom tempo.

    Agora possvel sumariar a tela de fundo da epstola como segue:(1) Entre a chegada de Epafrodito em Roma e a composio de

    Filipenses teria havido um intervalo de pelo menos dois meses, prova-velmente mais. (Ver a prxima seo: A Ocasio e Lugar da Redao).A oferta que Epafrodito trouxe foi profundamente apreciada por Pau-lo. Foi sem dvida uma significativa recordao,e, em certo sentido, oprprio mensageiro que a levou foi tambm considerado uma oferta daigreja que ele representava, pois, com toda probabilidade, a intenodeles era que Epafrodito ficasse para servir e ajudar constantemente oapstolo. Era necessrio, pois, que expressasse por escrito sua grati-

    do e reconhecimento.(2) Epafrodito certamente trouxe tambm informao sobre as con-

    dies prevalecentes na comunidade crist que ele deixara no faziamuito tempo. Alm disso, inteiramente plausvel que, nas semanassubseqentes, outras informaes fossem chegando. Deve-se conce-ber que, devido localizao estratgica de Filipos, na Via Egnacia, etambm por causa dos laos de sangue e polticos entre os habitantesdas duas cidades, as viagens entre Filipos e Roma eram intensas e cons-

    tantes. De qualquer forma, plenamente evidente que, apesar de havertranscorrido vrias semanas desde que Epafrodito chegara a Roma, oapstolo estava a par de tudo o que acontecia na igreja de Filipos (Fp1.5; 1.27-29). Ele ouvira que, no obstante os filipenses, sem dvida,adornassem sua confisso com uma vida que honrava a Deus, estavamprontos a sofrer por causa de Cristo; estavam dispostos a fazer mais doque podiam para socorrer as necessidades de outros; estavam, de fato,dando um poderoso testemunho digno de ser imitado nem por isso

    17. Ver as fotos e descrio em W.H.A.B. p. 77; Everyday Life in Ancient Times, pp. 304, 305;G.E. Wright,Biblical Arqueology, Filadlfia, 1957, p. 265; T.G. Tucher,Life in the Roman Worldof Nero and St. Paul, Nova York, 1922, pp. 16-29; e L.H. Grolenberg,Atlas of the Bible, NovaYork (Thomas Nelson and Sons), 1956, p. 134.

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    373INTRODUO

    sua igreja estava totalmente livre de desentendimentos pessoais (p.ex.Sntique e Evdia no pensavam concordemente no Senhor Fp 4.2)

    e de todos os perigos que ofereciam aqueles ces, aqueles mausobreiros, a saber, os da circunciso (os mestres judaizantes). VerFilipenses 3.1-3. Havia, alm disso, aqueles cujo deus o ventre, ecuja glria est em sua infmia, visto que s se preocupam com ascoisas terrenas (Fp 3.19).

    (3) Podemos ainda presumir que Epafrodito (e talvez tambm ou-tros) dissera a Paulo que a igreja de Filipos estava profundamente pre-ocupada com o apstolo e queriam saber sobre sua presente condio.Paulo cria que seria logo posto em liberdade? Qual era sua prpriareao espiritual ante as prises que havia ainda que sofrer? Perguntastais como estas requeriam uma detalhada resposta do apstolo. VerFilipenses 1.12-26; 4.18,19.

    (4) Finalmente, Epafrodito, que estivera exposto a um consider-vel perigo, que havia sofrido e se recuperado de grave enfermidade eque ficou profundamente preocupado com o efeito que tudo isso cau-

    saria igreja que o havia enviado, estava ansioso por regressar a Fili-pos. O apstolo, quando soube, no apenas aprovou seu desejo, mas ofez voltar (Fp 2.25). Mas certo que aqueles por quem ele fora delega-do (a igreja de Filipos, principalmente seus oficiais) jamais pretende-ram que ele (Epafrodito) voltasse to depressa a Filipos. Que espciede recepo ele receberia em seu regresso? Seria de reprovao ou deamistosidade?

    Em vista dessa tela de fundo e encadeada a ela ponto por ponto

    , ento se pode declarar opropsito da carta de Paulo. A ocasio imedi-ata para expedi-la foi sem dvida o regresso de Epafrodito a Filipos.Com toda probabilidade, foi ele quem levou a carta do apstolo e aentregou igreja.18Opropsito de Paulo,pois, foi o seguinte:

    (1) Dar por escritoexpresso sua gratido.

    Provavelmente, quando o apstolo recebeu aquela oferta, pronta-mente reconheceu, o quanto possvel, a sua gratido, seja pelos lbios

    daqueles que, presumivelmente, acompanharam Epafrodito em sua vi-agem a Roma e que imediatamente regressaram, ou por meio de ou-

    18. Para uma viso diferente ver uma das duas sugestes oferecidas por S.Greydanus,Bizonde-re Canoniek, Kampen, 1949, Vol. II, p. 159.

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    374 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    tros que em poucos dias ou semanas depois viajaram de Roma paraFilipos. Tendo agora transcorrido algum tempo, porm, o apstolo de-

    seja expressar tambm sua apreciao por escrito. ( possvel que acarta de Paulo tenha demorado devido enfermidade de Epafrodito.)Que a Epstola aos Filipenses , sem dvida, o primeiro reconheci-mento escrito,parece estar implcito em Filipenses 4.10,18. No ape-nas agradece sua oferta, como tambm d graas a Deus pelos filipen-ses! Ver Filipenses 4.10-20; em seguida, 1.3-11.

    (2) Prover a orientao espiritual de que a congregao necessitava.

    Que os filipenses continuem a exercer sua cidadania de modo dig-no do evangelho de Cristo (Fp 1.27-30). Que permaneam unidos dealma, tendo o mesmo sentimento (Fp 2.2). Que a atitude de Cristo, quese humilhou e se tornou obediente at morte, e morte de cruz, sejatambm seu modo de vida (Fp 2.1-11). Que sejam luzeiros, preservan-do a palavra da vida no meio de uma gerao pervertida e corrupta (Fp2.14-16). Que se acautelem dosjudaizantes (Fp 3.1-3). Que no pen-sem j haver alcanado a perfeita espiritualidade. Ao contrrio dis-

    so, imitando a Paulo, prossigam rumo ao alvo (Fp 3.4-16). Se suaptria est no cu, ento que se acautelem dos sensuais,inimigos dacruz, cujo deus o ventre (Fp 3.17-21). Em concluso: que lutem comcoragem (Fp 1.27,28), humildade (2.3), unanimidade (2.2; 4.2,3), al-trusmo (2.4), obedincia (2.12), perfeio (3.12-16), santidade (3.17,20), firmeza (4.1), alegria e esperana no Senhor (4.1-7). Aoalcanarem esse ideal, que fixem bem sua ateno em tudo o que verdadeiro, respeitvel, justo, puro, etc. Ento o Deus da paz ser

    com eles (Fp 4.8,9).(3) Saturar as mentes e coraes dos filipenses com o esprito de

    alegria.

    Os filipenses solicitaram informaes sobre Paulo? De fato ele disse:Quero, ainda, irmos, cientific-los de que as coisas que me aconte-ceram tm antes contribudo para o progresso do evangelho (Fp 1.12-17). Uma vez que Cristo, de algum modo, est sendo pregado ... tam-

    bm com isso me regozijarei,sim, sempre me regozijarei. Porque es-tou certo de que isso ... me redundar em libertao ... tambm agoraser Cristo engrandecido em meu corpo, quer pela vida, quer pela mor-te. Quanto ao mais, irmos meus, alegrem-se no Senhor.Alegrem-se

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    375INTRODUO

    sempre no Senhor. Do incio ao fim, a carta est saturada do esplen-dor da alegria. Podemos entender Bengel, quando disse: Summa epis-

    tolae: gaudeo, gaudete (A essncia da epstola : eu me alegro; ale-grem-se tambm.), mesmo que no fssemos to veementes na decla-rao. As palavras alegriae regozijose repetem no menos que dezes-seis vezes nesta epstola:Filipenses 1.4; 1.18 (duas vezes); 1.25; 2.2;2.17 (duas vezes); 2.18 (duas vezes); 2.28,29; 3.1; 4.1,4 (duas vezes);e 4.10. No obstante, dificilmente seria correto afirmar que alegria asntese ou otema da carta.

    A alegria que Paulo menciona repetidas vezes aquela alegria in-dizvel e gloriosa. a grande alegria que, longe de depender de cir-cunstncias externas, emana do corao desse prisioneiro que vivia diae noite encarando um soldado, com poucos amigos para confort-lo emuitos inimigos prontos a agravar-lhe as aflies em suas cadeias, epossivelmente encarando a morte (Fp 2.20,21; 1.15-17). O apstoloescreve esta carta a fim de que, ao fazer seus leitores participantesdessa alegria, ele mesmo tenha sua alegria consumada. A causa de Pau-lo est em processo ante a corte imperial. O julgamento j se procedera(Fp 1.7) e o veredicto final no teria mais delonga. Ele seria posto emliberdade? Do fundo de seu corao ele acredita que isso precisa-mente o que vai acontecer, se bem que no excluiu a possibilidade desuceder o contrrio. Mas, venha o que vier, ele est preparado. VerFilipenses 1.22-26. To logo tome ele conhecimento do veredicto, en-to enviar Timteo a Filipos com as notcias. E acrescenta: Estoupersuadido no Senhor de que tambm eu mesmo brevemente irei (Fp2.19-24).

    (4) Convencer os filipenses do Esprito que opera a bondade nocorao para que dem a Epafrodito as mais cordiais boas-vindas.

    Que pessoa maravilhosa, esse Epafrodito! O apstolo o chama meuirmo e colaborador e colega de guerra, bem como seu mensageiro eministro em minhas necessidades. No curso de seus labores por Cris-to, o Rei, ele havia sofrido muito. De fato, havia arriscado sua vida eexperimentado dias de enfermidades to graves que esteve mesmo s

    portas da morte. Deus, porm, demonstrara para com esse heri suaterna misericrdia, e ele ficou bom. Quando Epafrodito foi informadode que os membros de sua igreja local se preocupavam ao ouvir acercade sua enfermidade, naturalmente ficou de esprito excitado, e assim

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    ele e Paulo procuraram acalmar a igreja. O apstolo decidiu que Epa-frodito voltasse para Filipos, e na carta explica a razo de sua deciso,

    dizendo: Por isso, tanto mais me apresso em mand-lo para que, ven-do-o novamente, se alegrem, e eu tenha menos tristeza. Recebam-no,pois, no Senhor, com toda alegria, e honrem sempre a homens comoesse (Fp 2.28,29). E, assim, o apstolo lhe preparou uma cordial aco-lhida provavelmente em seu inesperado e prematuro regresso.

    V. Lugar e Ocasio da Redao

    Filipenses faz parte de um grupo de quatro cartas Colossenses,Filemom, Efsios e Filipenses , as quais, comumente, so designadascomo as Epstolas da Priso. Aqui, pela primeira vez, Paulo escrevecomo prisioneiro (Cl 4.3,18; Fm 10,13,22,23; Ef 3.1; 4.1; 6.20; Fp1.7,13; 2.17).19Ao ler essas cartas, o leitor notar quo profundamenteo escritor foi afetado por sua priso. No obstante, ele no perde aesperana. No ele o prisioneiro de Cristo Jesus? A grandeza de Je-sus Cristo descrita em Colossenses, Efsios e Filipenses. Tudo indica

    que foi Tquico o portador das cartas aos Colossenses e a Filemom.Onsimo, o escravo fugitivo, o acompanha e deve retornar a seu se-nhor em Colossos; no como um escravo, antes como um irmo. VerColossenses 4.7-9; Filemom 10-12,16. No seria de todo impossvelque Tquico estivesse levando tambm uma carta igreja de feso (Ef6.21,22), localizada nas vizinhanas de Colossos. evidente, pois,que Colossenses, Filemom e Efsios pertencem ao mesmo grupo. Comtoda probabilidade, elas foram entregues a seus respectivos destinat-

    rios pela mesma pessoa Tquico. E ainda que Filipenses parea tersido levada a seu destino por outra pessoa, a saber, Epafrodito (Fp2.25-29; 4.18), e portanto, de certa forma, fica fora do grupo das trs,contudo as quatro tm isto em comum, como j se notou: que elas soas Epstolas da Priso, as quais so reconhecidas pelos intrpretes comotendo sido escritas durante a mesma priso.

    Agora, porm, surge uma pergunta: Onde ficava essa priso? Se-

    19. verdade que, posteriormente, tambm 2 Timteo foi escrita em sua priso, contudo essaepstola pertence a uma categoria totalmente diferente. Como em Timteo e Tito, ela foi escrita aum dos representantes oficiais dos apstolos, representantes que poderamos considerar, aindaque s at certo ponto, como sendo pastores. Portanto, essas trs formam um grupo parte. VerC.N.T. sobre as Epstolas Pastorais.

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    gundo o livro de Atos, Paulo esteve preso em Filipos (At 16.23-40),em Jerusalm (At 21.3323.30), em Cesaria (At 23.3526.32) e em

    Roma (At 28.16-31). Entretanto, Filipos e Jerusalm podem ser des-cartadas de uma vez por todas, visto que o apstolo no teve, nessasprises, tempo para escrever (seno, no que diz respeito a Filipenses,a priso em Filipos fica tambm descartada: algum no escreveria deFilipos aos prprios filipenses!). Restam Cesaria e Roma, s quais(devido ao que Paulo escreve em 1Co 15.32; 2Co 1.8-11; 6.5 e 11.23)alguns acrescentam feso.

    Como resultado, temos agora quatro teorias relativas ao lugar deonde essas cartas poderiam ter sido escritas: (a) a posio tradicional,segundo a qual elas foram escritas de Roma; (b) a posio de que elasforam compostas em Cesaria; (c) a teoria que apia feso como lugarde sua origem; (d) a hiptese mista, segundo a qual a distino feita de um modo ou de outro; por exemplo, Colossenses, Filemom eEfsios foram escritas de Cesaria; Filipenses, porm, foi escrita deRoma (ou, outros, de feso); as trs foram escritas de feso, e Filipen-ses, de Roma.20

    20. Para os vrios pontos de vista, consultar J. Schmid,Zeid und Ort der Paulinischen Gefan-genschaftsbriefe, 1931. Para a posio de que todas foram escritas em Roma, ver J. B. Lightfoot,St. Pauls Epistle to the Philippians, reimpr. Grand Rapids, Michigan, 1953, p. 30; R.C.H.Lenski,Interpretation of Galatians, Ephesians, Philippians, Columbus, Ohio, pp. 325-329, 699,700; M.R. Vincent, The Epistles to the Philippians and to Philemon (em I.C.C.) Nova York,1906, pp. xxii-xxv e 160-162; S. Greydanus, Bizondere Canoniek, Kampen 1946, vol. II, pp.127-140. A influncia das teorias cesareanas e efsias est diminuindo gradualmente; e, nasobras escritas recentemente, a posio romana tradicional, que sempre a que foi expressa ousustentada pelos exegetas mais recentes, comea a ser apoiada mais fortemente do que nunca.Quanto a Filipenses, a teoria romana jamais foi eclipsada. Em The Interpreters Bibles, E.F.Scott favorece Roma para Filipenses, e F.W. Beare tambm favorece Roma para Colossenses;porm, John Knox tende a defender feso para Filemom, F.W. Grosheide sustenta a posioromana tradicional (Openbaring Gods in Het Nieuwe Testament, Kampen, 1953, pp. 204-208).

    A teoria que aponta Cesaria foi proposta por H.K.G. Paulus, Philologisch-Kristischer Kom-mentar ber das Neue Testament (Lbeck, 1800-1804). Ela tem tido muitos defensores desdeseus dias. (Ver especialmente E. Lohmeyer,Die Briefe an die Philipper, an die Kolosser und naPhilemon, Gtinga, 1930; Kommentarde Meyer.) Entre outros que favorecem esta posio estoJ. Macpherson, F. Spitta e O. Holtzmann.

    A teoria que aponta feso foi exposta por H. Lisco (Vincula Sanctorum, Berlin, 1900). Noobstante, trs anos antes, quando A. Deissmam prelecionava no Seminrio Teolgico em Her-born, ele j a apresentara, aplicando-a a Colossenses, Filemom e Efsios (ver Light from the

    Ancient East, traduzido do alemo por L.R.M. Strachan, Nova York, 1927, pp. 237, 238, no qualapia esta teoria para as quatro epstolas do cativeiro). Talvez a melhor defesa da teoria que apontafeso se encontre em C.S. Duncan, St. Paulus Ephesian Ministry, Nova York, 1930; conferir D.Rowlingson Pauls Ephesian Imprisionment, An Evolution of the evidence, AThR, XXXII (1950),pp. 1-7. Entre outros, os seguintes favorecem esta teoria: Bowen, Appel e Michaelis.

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    Em harmonia com a maioria dos intrpretes, antigos e modernos,aceitamos o ponto de vista de que as quatro so Epstolas da Priso

    Romana. verdade que a distncia entre Roma e Filipos era maiorque, por exemplo, quela entre feso e Filipos. Mas, desde que haviauma rodovia excelente e bem transitada entre Roma e Filipos, a ques-to de maior ou menor distncia se torna de pouca importncia comoargumento contra o ponto de vista de que o apstolo estava em Romaquando escreveu as quatro Epstolas da Priso. De fato, o argumento to fraco que pode ser de vez descartado.

    Apresentamos alguns pontos em refutao hiptese que favoreceCesaria e feso, a fim de reforar o ponto de vista que favorece Roma.Em vez de enumer-los de uma forma descuidada, tentamos fazer umarranjo que os agrupasse numa ordem lgica e defcil memorizao. possvel perceber que os primeiros trs pontos dizem respeito situ-ao geral acerca da priso de Paulo: ele estava sob vigilncia; issosabemos atravs do livro de Atos, onde lemos que ele de fato estava emRoma; ele sofria umprolongado cativeiro; e estava numa cidade ondehavia uma multido de pregadores. O quarto ponto diz respeito ao con-tedo das Epstolas da Priso. O quinto e sexto pontos fazem parte doveredicto que Paulo aguardava: ele, mais ou menos, esperava que fos-sefavorvel; sabia que o mesmo seria decisivo. Os pontos sete, oito enove fixam nossa ateno sobre uma igreja fiel, poucos amigos fiis eo nico eternamente fiel Cristo!

    At aqui, Filipenses tem sido o ponto de partida para boa parte denossa argumentao, ainda que, at onde seja possvel, as outras trs

    Epstolas da Priso tambm forneceram material para chegarmos a umaconcluso. No obstante, no extramos os pontos dez e onze de Fili-penses, mas de Colossenses,Filemom eEfsios. O ponto doze umresumo da tradio no tocante s quatro cartas. Consideremos, pois,estes doze pontos.

    (1) De toda a guarda pretoriana eos da casa de Csar.Tem-se insistido que preciso traduzir a expresso de toda a guarda

    pretoriana (Fp 1.13) por em todo o pretrio, e ainda que um pre-

    trio seja simplesmente a sede governamental ou uma residncia pro-vincial de governo (ver C.N.T. sobre Jo 18.28), bem possvel que eleestivesse localizado em Cesaria (cf. At 23.35), ou mesmo em feso;porm no em Roma.

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    Todavia, no presente caso, a frase imediatamente seguida de etodos os demais, e por isso indicapessoas, e no um edifcio. Segun-

    do a interpretao mais natural, a guarda imperial era uma unidade denove mil soldados, a qual foi constituda por Augusto.21E exatamen-te em Roma que o apstolo estaria sendo constantemente guardado porum soldado dessa guarda; e, uma vez que esse posto era rotativo, essenotvel preso foi, pouco a pouco, se tornando popular de toda a guar-da pretoriana e de todos os demais.

    E pertence mesma categoria a expresso: Todos os santos ossadam, especialmente os da casa de Csar (Fp 4.22). Aqui, outravez, a interpretao mais natural seria entender a expresso como umareferncia ao grande nmero de escravos e libertos que serviam nopalcio do imperador de Roma. Eram criados, cozinheiros, jardineiros,carregadores, porteiros, etc. Ver tambm Filipenses 4.22.

    (2) Fatos comprovados contra inferncias duvidosas. Um cativei-ro prolongado como um novo modo de vida.

    A fim de provar a teoria acerca da redao em feso, citam-se qua-

    tro passagens, as quais falam da correspondncia de Paulo com os co-rntios: 1 Corntios 15.32: Se, como homem, lutei em feso com fe-ras ...; 2 Corntios 1.8-11: porque no queremos, irmos, que igno-rem a natureza da tribulao que nos sobreveio na sia ...; 2 Cornti-os 6.5: ... nas prises ...; 2 Corntios 11.23: ... muito mais em pri-ses .... O argumento o seguinte: J que essas passagens antecedema priso tanto em Cesaria quanto em Roma, elas provam que Paulodeveria estar preso durante sua permanncia em feso, no perodo de

    sua terceira viagem missionria.Entretanto, quando cuidadosamente examinadas luz de seu con-

    texto, essas passagens no compelem o estudante a aceitar tal conclu-so. Quanto a 1 Corntios 15.32, dificilmente poderia ser tomada lite-ralmente. No fcil crer que Paulo, o cidado romano, teria sido lite-ralmente lanado s feras em feso. Quanto a 2 Corntios 1.8-11, atribulao na sia no foi necessariamente uma priso. Como o con-texto claramente o indica, foi uma tribulao que o acompanhou, in-clusive at sua chegada a Macednia. As outras duas passagens fazem,porm no necessariamente, referncia a uma priso em feso. Mes-

    21. Ver J.B. Lightfoot, op. cit.pp. 99-104; M.M. pp. 532, 533.

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    mo quando fosse esse o caso, muito duvidoso que tivesse a mesmanatureza implcita nas Epstolas da Priso. Essas cartas sugerem um

    perodo longo de priso, como uma nova forma de vida,e no comouma experincia passageira. O ministrio de Paulo em feso, de me-nos de trs anos, ministrio esse saturado das atividades do reino (verAt 19. 8,10), no deixa margem para uma priso to longa. Alm dis-so, em seu relato detalhado das atividades de Paulo em feso, Lucasno nos diz uma nica palavra sobre tal possibilidade.

    Por outro lado, luz do livro de Atos (28; cf. 23.11) ficamos sa-bendo que Paulo foi prisioneiro em Roma. possvel que, quandoescreveu Filipenses, j tivesse sido transferido de sua prpria casa(At 28.30) para o alojamento dos soldados, ou que, de alguma outraforma, foi posto sob estrita vigilncia (custodia militaris em vez decustodia libera). Tal coisa, porm, difcil de provar. Uma coisa, con-tudo, evidente: em geral,as condies da priso de Paulo, comodescritas em Atos, foram as mesmas que aquelas implcitas nas Epsto-las da Priso. Por exemplo, soldados vigiavam Paulo (cf. At 28.16 com

    Fp 1.13,14); ele desfrutava de liberdade para receber visitantes (cf. 20.30com Fp 4.18); e tinha oportunidade de testemunhar de sua f (cf. 28.31com Fp 1.12-18; Cl 4.2-4; Ef 6.18-20). Quanto a esse ltimo ponto,parece que as oportunidades do apstolo para alcanar pessoas com oevangelho, em Cesaria,foram muito limitadas (ver At 23.35 e 24.27).

    Portanto, a teoria de que Paulo escreveu essas quatro epstolas en-quanto era prisioneiro em Roma descansa sobre os fatos estabelecidoscom referncia ao seu cativeiro romano, enquanto que as outras teorias

    repousam sobre a base de inferncias duvidosas.(3)A multido de pregadores

    Filipenses 1.14-18 nos fala que na cidade de sua priso havia mui-tos arautos do evangelho. Alguns eram motivados por inveja e rivali-dade, e outros por amor. Esta multido de pregadores se adapta me-lhor grande cidade de Roma do que a uma cidade menor, como Ce-saria (cf. tambm Cl 4.2-4; Ef 6.18-20).

    (4)Argumentos baseados no contedoTem-se insistido em que o contedo de Filipenses se aproxima do

    contedo das epstolas anteriores (principalmente Romanos e Glatas;ver tambm 1 e 2Co; p.ex. 2Co 11), e que por essa razo no pode

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    381INTRODUO

    pertencer ao perodo de 61 a 63 d.C., quando Paulo era prisioneiro emRoma, mas deve ser anterior, remontando a feso, e em geral tercei-

    ra viagem missionria (53/54 a 57/58 d.C.). Faz-se referncia, por exem-plo, denncia mordaz do que o apstolo desdenhosamente denominade circunciso e a afirmao imediata e enftica da doutrina da justifi-cao unicamente pela f (Fp 3.2-16). Isso ento comparado comexpresses semelhantes, saturadas de emoo, sobre a mesma tese emRomanos (2.5-29; 9.30-33; 10.3); e Glatas (3.1-14; 4.12-20; 5.1-12;6.12-16).

    Mas, mesmo que se admita que o tema aqui em Filipenses 3.2-16seja o mesmo que em Glatas (o que procede, exceto que Paulo repro-va os glatas, porm exorta os filipenses), tal semelhana de formaalguma provaria que foram escritas no mesmo lugar. O Apstolo escre-veu segundo a situao concreta que cada caso o exigia! E jamais oabandonou o zelo com que expunha o tema da salvao, no por obrasda lei, mas pela graa, mediante a f. Percebemos matizes desse fatomesmo nas Epstolas Pastorais (ver 1Tm 1.12-17 e Tt 3.4-7). Alm

    disso, se uma mudana de tema indica uma mudana do paradeiro doautor, ento, consideradas em termos gerais, as Epstolas da Priso (toamplamente cristolgicas) e as Epstolas Anteriores (amplamente so-teriolgicas) devem vir de lugares diferentes!

    Alguns, favorecendo a teoria da redao em Cesaria, conectam adenncia acerca da circunciso (Fp 3.2-16) com a hostilidade que osjudeus demonstraram para com Paulo durante sua priso em Cesaria(At 24.1; 25.7). Filipenses, porm, claramente dirigida no contra os

    judeus que odiavam a Cristo, mas contra osjudaizantes,judeus con-vertidos (cristos nominais) que ainda se aferravam ao ritual mosai-co. Ver comentrio sobre Filipenses 3.2-16.

    exatamente o contedo das Epstolas da Priso o ponto que ex-clui feso e Cesaria como lugar de sua origem. Pois, se foram escri-tas em feso durante o curso da terceira viagem missionria, quandoPaulo estava envolvido emprover ajuda para as necessidades dos san-tos em Jerusalm, seria natural que fizessem referncia a esse respeito.

    Alm do mais, se porventura Paulo estivesse em feso, Epafrodito,seu amigo e servidor, poderia ter feito uma rpida visita a Filipos. Todaessa discusso sobre enviar (de volta) a Epafrodito (Fp 2.25-30) noteria sido necessria.

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    382 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    E se essas epstolas foram escritas de Cesaria, seria bem provvelque ele tivesse registrado uma palavra amvel acerca de Filipe, o evan-

    gelista, que viveu l, e h bem pouco tempo recebera o apstolo togenerosamente em sua casa (At 21.8). Em nenhuma das Epstolas daPriso se diz algo sobre esse homem e sobre suas quatro notveis fi-lhas. A verdade que toda a situao notoriamente outra: Paulo estagora em Roma, no em feso nem em Cesaria.

    (5) Expectativa de um veredicto favorvel

    H passagens nessas Epstolas da Priso que nos revelam como

    Paulo esperava, at certo ponto tranqilamente, ser absolvido (Fp 1.15;2.24). Com base em sua libertao, ele planeja ir a Colossos e solicitaque lhe tenham pronto um quarto (Fm 22). Ora, seu plano tinha emvista uma viagem Espanha (Rm 15.38). Em meio a esse seu desejosurge a pergunta: Se verdade que ele escreveu de Roma, com planosdirecionados para o distante ocidente (Espanha), teria solicitado quese mantivesse pronto um quarto num lugar que de modo algum ficavano caminho de Roma Espanha, mas em direo oposta?

    A resposta que o plano de visitar a Espanha fora anunciado quan-do o apstolo era ainda um homem livre, escrevendo de Corinto aosromanos, no transcurso de sua terceira viagem missionria. Foi nessetempo que intentou ir a Roma, e depois a Espanha. De l, provavel-mente, ele planejava visitar, de volta, as igrejas da sia Menor, Mace-dnia e outras. Bem outra, porm, era a vontade de Deus.

    Quanto a ir a Roma, ele foi, porm s aps sua terceira viagem

    missionria, e como prisioneiro! Suas prises, em Cesaria e em Roma,duraram provavelmente cerca de cinco anos entre uma e outra (cf. At24.27; 25.1; 27; 28.30). plenamente natural que, quando por fim es-pera ser libertado, anuncie uma modificao em seu plano: antes irver os rostos queridos, para as bandas orientais, e depois visitar asterras estrangeiras, para as bandas ocidentais. bem provvel que oapstolo tenha levado a bom termo seu novo plano.

    Alm do mais, a prpria expectativa de veredicto favorvel se coa-

    duna muito melhor com a idia de estar em Roma do que, por exemplo,em Cesaria. Para Paulo ser solto, estando em Cesaria, teria dependidoou do suborno de Flix (At 24.2) ou do consentimento de Festo, a saber,ser julgado pelos judeus em Jerusalm (At 25.9). Paulo, porm, no fez

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    383INTRODUO

    caso de nenhuma das sugestes acima. Quando a segunda foi apresenta-da, imediatamente apelou para Csar em Roma (At 25.10). Por outro

    lado, os captulos finais de Atos apontam para uma libertao da prisoromana. Ver C.N.T. sobre as Epstolas Pastorais, Introduo.

    (6) O carter decisivo do veredicto.

    Ainda que Paulo j esperasse ser solto, no exclua, em sua mente,a possibilidade de, depois de tudo, ser sentenciado a morte. De umacoisa ele tinha certeza: o veredicto, qualquer que fosse ele, seria deci-sivo:fosse para a vida ou para a morte, no haveria possibilidades de

    apelao ulterior (Fp 1.20-23; 2.17,23). Portanto, ele devia estar emRoma ao escrever essas cartas, porquanto em feso ou em Cesaria,como cidado romano, ele no teria condio de apelar para Csar. Emais: em nenhuma dessas duas cidades o veredicto seria decisivo.

    (7) Uma igreja fiel h muito estabelecida.

    Em Filipenses 4.15, Paulo lembra agradecido o que os filipensestinham feito por ele nos primeiros dias (lit. no incio) do evange-lho. E tinham permanecido sempre leais. Isso soa como se aqueles

    primeiros dias estivessem distantes. Mas, quando o apstolo esteveem feso, em sua terceira viagem missionria, a igreja em Filipos,estabelecida durante a segunda viagem missionria, tinha apenas unspoucos anos de existncia. Soluo: Filipenses foi escrita de Roma,como o foram as demais Epstolas da Priso.

    (8)Poucos amigos leais; Timteo, uma notvel exceo.

    Timteo com freqncia apontado em prol da causa da teoria

    efsia. O argumento como segue: Sabemos que Timteo esteve como apstolo em feso, mas no h fonte que nos informe que ele estevecom Paulo em Roma, embora isso seja possvel. Tambm sabemos,sem sombra de dvida, que Paulo enviou Timteo de feso (1Co4.17;16.10) a Macednia, regio na qual Filipos se localizava(At.19.22). E isso se harmoniza perfeitamente com a inteno de Pau-lo expressa em Filipenses 2.19-23. Portanto, Paulo deveria estar emfeso quando escreveu Filipenses. Ver, por exemplo, I. H. Michael:

    The Epistle of Paul to the Philippians (em The Moffatt New TestamentCommentary), NovaYork, 1929, pp. xvi e xvii.Este argumento nos d a impresso de completa superficialidade.

    No h nada que prove que 1 Corntios 4.17 (cf. 16.10) e Filipenses

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    384 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    2.19-23 se refiram mesma misso. De fato, o contexto depe forte-mente contra tal identificao. Pois em Filipenses 2.21 o apstolo de-

    clara que, exceto Timteo, todos os que esto com ele buscam seusprprios interesses, no os de Jesus Cristo. Mas, seguramente, essaexpresso, mesmo interpretada num sentido modificado (ver sobre 2.21),no teria sido apropriada se na realidade Filipenses tivesse sido escritade feso, onde o apstolo tinha tantos amigos cordiais (cf. At. 20.36-38), entre os quais Priscila e quila, seus cooperadores em Jesus Cris-to, que estavam sempre prontos a sacrificar suas prprias vidas por ele(Rm 16.3,4; cf. At 18.18,19,26).

    Uma expresso como esta (Fp 2.21) coaduna-se com as ltimasinstncias da primeira priso romana. No coaduna com nenhum outrolugar ou ocasio, muito menos com feso e com a terceira viagemmissionria.

    Alm do mais, quanto a Timteo ter ou no estado com Paulo emRoma, sabemos do livro de Atos que ambos, Timteo e Aristarco, acom-panharam Paulo a Jerusalm, onde ele foi preso (At 20.4-6); e tambm

    Aristarco foi com o apstolo a bordo do mesmo navio, quando partiude Cesaria com destino a Roma (At 27.2 a idia de Lightfoot, de queAristarco desembarcou em Myra, prejudicada pela ausncia de evi-dncia). Deve-se, pois, considerar como sendo bem provvel que osempre leal Timteo, se realmente no estava com Paulo naquele na-vio, seguiu seu mestre mais tarde. Qualquer outra atitude teria sido in-digna de Timteo. Ver C.N.T. sobre as Epstolas Pastorais, Introduo.

    (9)Deus o Cristo fiel, no o imperador romano.

    Como j foi indicado na Seo II (A Cidade de Filipos), Paulo, ocidado romano, e os habitantes da colnia romana de Filipos, tinhammuito em comum. Em Roma, o culto ao imperador alcanara seu cl-max. Naturalmente que isso ocorria em qualquer lugar do imprio, masparticularmente nas colnias romanas, assim como Filipos. Se Pauloest escrevendo de uma priso em Roma,torna-se ainda mais fcil deentender o alcance de suas palavras, quando escritor e leitores estoenvolvidos no mesmo conflito (Fp 1.30; notar especialmente o con-

    texto: Fp 1.27), do que estando ele a escrever de qualquer outro lugar.Se ele est escrevendo de Roma, ento se torna evidente a razo pelaqual ele pe tanta nfase no fato de ser ele fiel a Cristo, e que este Deus (Cl 1.15; 2.9; Fp 2.6).

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    385INTRODUO

    (10)A fuga de OnsimoO propsito de uma das Epstolas da Priso foi assegurar a Onsi-

    mo, o escravo fugitivo, uma acolhedora recepo em seu regresso paraseu senhor, Filemom (cf. Cl 4.9). O escravo encontrou a maneira dechegar cidade da priso de Paulo, tendo entrado em contato com oapstolo, atravs de cuja instrumentalidade ele se converteu. Conse-qentemente, h quem sustente que mais lgico imaginar que Onsi-mo tenha fugido de Colossos para feso, que dista, uma da outra, cercade cento e sessenta quilmetros, ou para Cesaria, cerca de oitocentosquilmetros, do que para Roma, cerca de mil e seiscentos quilmetros,em uma viagem atual.

    Ora, esse raciocnio pode ser correto em qualquer poca quando setrata de certa espcie de fugitivos, mas em se tratando de outros mui-to falho.

    Logicamente, eles amam a distncia, e muito se alegram com isso.Tambm sentem o maior prazer em esconder-se por trs das cortinasdo anonimato que as multides das grandes cidades lhes proporcio-

    nam. Roma foi conhecida como o paraso dos fugitivos.(11) O regresso de OnsimoNesta mesma conexo, alguns dizem que, se as trs epstolas

    Colossenses, Filemom e Efsios tivessem sido escritas de Roma, On-simo, que regressava para seu senhor na companhia de Tquico, teriachegado a feso antes que a Colossos, e que, portanto, teria sido reco-mendado tanto igreja de feso como de Colossos.

    Argumentam que a omisso de seu nome na Epstola aos Efsios(cf. Cl 4.9) indica que Tquico, viajando a partir da priso de Paulo emCesaria,j havia deixado Onsimo em Colossos, em casa de File-mom. Ento, sozinho, ele viajou para feso.

    Este argumento, porm, tambm sem fundamento. Admitir que oapstolo tenha recomendado o escravo fugitivo igreja de feso, paraque esta o recebesse de braos abertos antes mesmo que seu prpriosenhor, em Colossos, tivesse a chance de deliberar a respeito, seria

    faltar com o devido respeito e ignorar uma etiqueta comezinha.(12)A voz da tradioDe acordo com a tradio da igreja primitiva, foi de Roma que

    Paulo escreveu as quatro Epstolas da Priso. No foi seno at os

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    386 COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    anos 1800 que surgiu a teoria que defende Cesaria, e 1900 que surgiua teoria que defende feso como lugar da redao. A ausncia de uma

    razo plausvel, que nos constranja a abandonar a posio tradicional, o bastante para sermos sbios em continuar sustentando-a.

    Como j foi dito, Colossenses, Filemom e Efsios foram expedi-das na mesma ocasio, e levadas a seus respectivos destinatrios pelomesmo mensageiro, a saber, Tquico. Portanto, a nica pergunta pen-dente esta: essas trs cartas vm antes ou depois de Filipenses? Al-guns defendem esta ltima posio,22porm sobre bases que no con-seguiram convencer a maioria dos comentaristas. Lightfoot, argumen-tando em favor da prioridade de Filipenses, afirma que nesta carta te-mos o ltimo suspiro da controvrsia judaizante que to proeminen-temente se destaca nas epstolas anteriores, principalmente em Roma-nos (cf. Fp 3.3 com Rm 2.28; Fp 3.9 com Rm 9.30-33; 10.3), enquantoque em Colossenses e Efsios comearam a aparecer os primeiros ves-tgios do gnosticismo, tema que continua nas Epstolas Pastorais. Masque teriam transcorrido cerca de quatro anos entre a composio de

    Romanos e Filipenses, enquanto que, de outro lado, o intervalo entreFilipenses e as outras Epstolas da Priso no foi alm de um ano (tal-vez menos; cf. Fm 22 com Fp 2.23,24). difcil de se conceber quenesse breve espao de tempo teria lugar uma mudana to grande, sejano carter da heresia que ameaava a igreja, seja na forma de pensarque (segundo imaginam alguns) se desenvolveu na mente do apstolo.Qualquer que seja a diferena em nfase entre Filipenses, de um lado,Colossenses, Filemom e Efsios, do outro, principalmente devido a

    diferena quanto s situaes e necessidades dos respectivos leitores.Embora seja difcil responder pergunta sobre qual foi a primeira oultima carta a ser escrita, todavia, se alguma escolha tiver de ser feita,concordamos com a maioria dos intrpretes que coloca Filipenses comosendo a ltima. Entre as diversas razes que se tm apresentado em defe-sa desta posio, as seguintes so, talvez, as mais convincentes:

    (1) Lucas e Aristarco, que acompanhavam Paulo em sua arriscadaviagem a Roma (At 27.2), e ainda estavam com ele quando escreveu

    Colossenses (4.10,14) e Filemom (v. 23), no esto mais com ele quandoescreve Filipenses.

    22. J.B.Lightfoot, op. cit. pp. 30-46. Assim tambm Bleek Sanday, Hort e Beet.

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    387INTRODUO

    (2) Entre a chegada de Paulo a Roma e o despacho da Epstola aosFilipenses passou muito tempo. Ver Filipenses 2.25-30; 4.10,18. A dis-

    tncia entre Filipos e Roma foi enfrentada, provavelmente, no menosde quatro vezes:

    a. Algum viaja de Roma a Filipos com as notcias da chegada e dapriso de Paulo em Roma.

    b. Os filipenses levantam uma oferta para Paulo e lha enviam pelasmos de Epafrodito.

    c. Epafrodito fica gravemente doente, e algum leva essa informa-o aos filipenses.

    d. Algum vem de Filipos a Roma e informa a Epafrodito (que naocasio est plenamente restabelecido) sobre a profunda preocupaodos filipenses por sua sade e segurana.23

    (1) A reao da guarda pretoriana e das duas categorias de arautosdo evangelho ante a presena e pregao de Paulo (Fp 1.12-18) indicaque, quando Filipenses foi escrita, o apstolo estava em Roma por al-gum tempo.

    (2) O apstolo est esperando um veredicto a qualquer mo