04 p. domingos moreira
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Foi em contexto cultural que conheci e mantive contacto com o P. e Domingos Azevedo Moreira, que, agora, Deus chamou a Si para lhe dar o prémio da eterna glória, como firmemente creio. Partiu, mas deixou-nos os belos exemplos de humildade, disponibilidade, dedicação ao trabalho, honestidade intelectual e amizade sacerdotal, de que ao longo da vida foi verdadeiro testemunho. P. e José Marques Prof. Catedrático da Fac. Do Porto (ap.)- 2TRANSCRIPT
O meu testemunho
No passado dia 12 de Janeiro, desloquei-me à igreja paroquial de
Romariz, Vila da Feira, a fim de participar na celebração exequial pelo colega e
amigo, P.e
Domingos Azevedo Moreira, que iria a sepultar em Santa Maria de
Pigeiros, que paroquiou durante quase cinquenta anos, prestando-lhe, assim, uma
última homenagem, no termo de uma amizade de cerca de quarenta anos.
Conhecemo-nos, no início da década de 1970, na Biblioteca Pública
Municipal do Porto, que ambos frequentávamos: ele, já experimentado nas lides
da investigação e com diversos estudos publicados, e eu, como aluno da
Faculdade de Letras, preocupado com a preparação dos programas académicos
anuais, de que teria de prestar provas.
A minha admiração por este sacerdote portuense, que aproveitava o
tempo que as actividades pastorais lhe deixavam disponível a investigar nesta
importante Biblioteca, foi aumentando à medida que passei a ver os seus estudos
referidos, entre outros ilustres investigadores, pelo Prof. Paulo Merêa, da
Universidade de Coimbra, mesmo que nem sempre estivessem de acordo. Pouco
depois, em 1973, o P.e Domingos Moreira brindava quantos se interessavam pela
história da Diocese do Porto com o I volume da obra Freguesias da Diocese do
Porto. Elementos onomásticos alti-medievais, cuja II parte apareceria, em 1988,
também no Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto.
Entretanto, em 1979, a convite do saudoso P.e
Frei António do Rosário,
participámos no Congresso Internacional Mariológico-Mariano, realizado em
Saragoça, tendo o P.e
Domingos Moreira deliciado os numerosos participantes,
presentes na secção portuguesa, com uma interessante comunicação sobre O
Culto da Senhora do Pilar, em Portugal, no século XVI, publicado no volume
VII das Actas do Congresso, em Roma, em 1988.
Não pretendemos nem vem a propósito apresentar aqui o elenco das suas
publicações e das numerosas actividades científicas em que participou, impondo-
se, no entanto, observar que, apesar da actividade pastoral, que não descurava, o
ritmo dos seus estudos e publicações em diversas obras e em revistas da
especialidade, particularmente nos domínios da onomástica e da toponímia, que
suportava nos vastos e profundos conhecimentos de filologia e linguística,
continuou, durante toda a sua vida, a que foi acrescentando o gosto pelo livro
antigo e pelas edições fac-similadas de preciosas obras iluminadas medievais.
Estas breves notas poderão ajudar a compreender como este estimado e
saudoso colega e amigo – cujo corpo estava prostrado diante do altar, por sua
expressa vontade, humildemente amortalhado com a batina preta, preparada para
o efeito, em tempo oportuno -, desde os primórdios da sua longa vida sacerdotal,
encontrou no estudo e na investigação uma variante e extensão da acção pastoral
e uma nova forma de servir a Igreja, aspectos que o próprio Concílio Vaticano II
valorizou.
Não admira, por isso, que a consciência da importância do
enriquecimento cultural de quantos estiveram confiados à sua solicitude pastoral
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o tenha levado a criar as condições necessárias para poderem continuar a usufruir
dos preciosos instrumentos e recursos disponíveis na sua biblioteca, que, de
algum modo, devolveu ao povo, que tão dedicadamente serviu.
Essa mesma preocupação acompanhava-o nos últimos tempos da vida,
quando já gravemente doente, ainda alimentava o sonho de tornar acessível a
todos a Vida de Cristo, mediante a tradução da célebre Vita Christi, de Ludolfo
de Saxónia.
Deus dispensou-o desse trabalho, mas o exemplo do seu projecto
sobrevive.
Foi em contexto cultural que conheci e mantive contacto com o P.e
Domingos Azevedo Moreira, que, agora, Deus chamou a Si para lhe dar o prémio
da eterna glória, como firmemente creio. Partiu, mas deixou-nos os belos
exemplos de humildade, disponibilidade, dedicação ao trabalho, honestidade
intelectual e amizade sacerdotal, de que ao longo da vida foi verdadeiro
testemunho.
Por tudo isto, apreciei a presença do Sr. Bispo Auxiliar do Porto, que, em
representação de Sua Ex.ª Rev.ma
o Senhor D. Manuel Clemente, presidiu à
solene concelebração exequial, bem como o elevado número de sacerdotes
presentes e a vivência com que o Coro e a multidão apinhada na igreja paroquial
de Romariz participavam nos cânticos litúrgicos, aspectos que interpretei como
expressão de amizade, gratidão, estima e saudade para com este sacerdote – daí
natural e nesta igreja baptizado –, que, durante meio século serviu o povo desta
região.
Quando no fim da celebração, entre as indicações do itinerário a seguir
pelo cortejo fúnebre, foi referida a Rua P.e Domingos Azevedo Moreira, senti a
alegria de verificar que as autoridades autárquicas lhe tinham reconhecido, em
vida, o mérito da sua acção pastoral e cívica, perpetuando-lhe a memória na
toponímia local.
Esta deslocação a Romariz foi uma autêntica romagem de saudade, na
despedida de um sacerdote amigo, bem marcada pelo exemplo da sua vida e, até
ao fim, entusiasmado com o projecto de difundir a vida e a doutrina de Jesus
Cristo.
Conforta-nos a esperança de que está junto de Deus e de que a lição da
sua vida frutifique.
P.e
José Marques
Prof. Catedrático da Fac. Do Porto (ap.)-