0 ao direito sumarios desenvolvidos 2008-2009
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
INTRODUÇÃO AO DIREITO
Sumários desenvolvidos
Introdução
A possibilidade de, como juristas, interpelarmos directamente o direito. A
pergunta dirigida ao quid jus orientada por uma intenção normativa — distinta da
exigência de distanciação metanormativa imposta por uma abordagem analítico--epistemológica, por uma determinação sociológica ou por uma reconstrução semiótica
(todas elas a postularem o direito como objecto investigável ) ... mas também
inconfundível com a preocupação reflexiva radical da interrogação filosófica [esta
última a remeter-nos ao originarium do sentido «civilizacional» do direito, nas suas
condições, funções e fundamento material].
Algumas especificações indispensáveis.1. O contraponto com os problemas de quid juris (questões suscitadas na
perspectiva do direito e que o postulam como «perspectiva investigante» ou como
intenção).
2. A recusa de uma abordagem que distinga os problemas de direito e o
problema do direito confiando-os a «territórios» estanques (para admitir que só os
primeiros importam hoje ao jurista). A nossa circunstância a exigir uma interpenetração
cada vez mais exigente dos referidos «territórios» ou das questões a que estesrespondem.
3. A intenção normativa (capaz de orientar uma perspectiva interna) e o seu
problema-desafio no nosso contexto prático-cultural:
(a) a procura de uma perspectiva interna distinta daquela que o discurso jurídico
do século XIX nos ensinou a reconhecer (remissão para um dos temas capitais do nosso
curso…e que o justifica enquanto tal!);
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(b) a procura de uma perspectiva interna num contexto de multiplicação
(fragmentação) das perspectivas de compreensão do direito (a superação do paradigma
do normativismo legalista e a impossibilidade de reconstruir um paradigma alternativo);
(c) a procura de uma perspectiva interna num contexto de reconhecimento e de
valorização dos «códigos» linguísticos e extralinguísticos que distinguem os grupos ou
pequenas comunidades (de advogados, de juízes, de «académicos»)…
4. A antecipação (meramente alusiva) de uma resposta: uma experiência da
autonomia do direito que vê neste direito uma prática-procura (comprometida com um
exercício de demarcação humano/ /inumano) … mas então também um sentido-
exigência e uma experiência continuada de realização (apoiados num discurso
culturalmente autónomo). Ora uma prática- procura que encontra a sua «claridade
matinal» (plenamente assumida) na experiência da civitas romana (e na praxis de
responsa que a ilumina). Uma prática-procura comprometida com uma «civilização»
(greco-romana, judaico-cristã e europeia)? [Uma acentuação esta última que nos
autoriza a compreender que o nosso problema seja também o do «sentido
civilizacional» do direito].
Elementos de estudo:
— A. CASTANHEIRA NEVES, « Relatório...», in Curso de
Introdução ao Estudo do Direito — Textos compilados (Textos
de introdução ao estudo do direito), cit. (na Bibliografia
principal ), pp. 7-17 (pontos 2., 3. e 4.), 32-34 (pontos 7. e 8.),
58—65 (pontos 12 e 13)
— Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito,
2º edição, Coimbra 2006, pp. 11-29.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Primeira ParteO direito como dimensão da nossa
prática: o problema do seu «sentido
civilizacional»
Capítulo IO sentido geral do «projecto humano» do direito
1. A experiência imediata da controvérsia concreta traduzida numa
abordagem perfunctória do seu contexto-correlato comunicacional: a reconstrução
analítica da ordem jurídica.
1.1. A controvérsia como problema prático mergulhado no mundo (o
originarium da comunicação-compreensão).
Os elementos da controvérsia juridicamente relevante:
α) a situação histórico-concreta partilhada;
β) o contexto-ordem (e a dogmática integrante que o estabiliza num sistema dereferências) [um horizonte integrante de fundamentos e de critérios estabilizados num
sistema]
γ) os sujeitos na sua autonomia-diferença [diversas posições sobre a mesma
situação histórico-concreta (a assumir no mesmo horizonte de fundamentos e critérios)];
δ) a exigência de «tratamento» (ou de assimilação) desta diferença [a
impossibilidade de ficar por uma resposta que se limite a confrontar ou a esclarecer
afirmações possíveis da subjectividade-autonomia].
A controvérsia como litígio (versus diferendo) e a experiência de tratamento que
a (o) assimila. A convocação de um terceiro imparcial : a «tercialidade» que se exprime
num autêntico sujeito-julgador (que não é parte!) e aquela que corresponde à
pressuposição de um sistema de fundamentos e de critérios jurídicos (e que nos liberta
assim de um decisionismo arbitrário).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
1.2. A pressuposição da ordem e a analítica que lhe corresponde.
1.2.1. Uma tectónica determinada por três grandes linhas estruturais (a assumir
uma significativa herança de especificações das intenções à normatividade, se não
mesmo das dimensões da justiça): α) ordo partium ad partes; β) ordo partium ad
totum; γ) ordo totius ad partes.
Uma consideração atenta dos equilíbrios manifestados nesta estrutura (e nas suas
três linhas):
— a constância dos desempenhos relacionais e da intersubjectividade
que lhes corresponde (a conexão direitos / deveres) ;
— as diversas «qualidades» dos sujeitos ( privados e públicos,
privados e socii);
— algumas especificações do equilíbrio paritário (primeira linha) e
da intenção à justiça (comutativa e correctiva) que nele se manifesta;
a) A «troca» nas «transacções particulares voluntárias» (na «troca de
bens feita de livre vontade»), iluminada pelas categorias da «perda» e
do «ganho» e associada a uma dinâmica de participação — uma
dinâmica sustentada numa exigência de igualdade das prestações e
das expectativas que lhe correspondem... mas nem por isso menos
compossível com o «lucro» (e nestes sentido também a admitir o
risco do «prejuízo»). O exemplo paradigmático do contrato privado.
b) As «transacções particulares involuntárias» e a pretensão-
exigência de repor o equilíbrio (de integração) perturbado [«De tal
sorte que o justo nas transacções involuntárias [seja] o que está no
meio termo entre um certo lucro e um certo prejuízo: é ter antes e
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
depois uma parte igual»]. O exemplo da responsabilidade civil : o
objectivo de tornar o lesado indemne (sem dano, na situação em que
estaria se não tivesse ocorrido o dano).
A lição da Ética a Nicómaco de ARISTÓTELES (Livro V, IV, 1131-1132)
— as distintas «máscaras» do sujeito comunitário (da comunidade
de valores ou de «bens jurídicos» à societas-providência) [uma breve alusão
(remissiva) a duas imagens da societas politicamente organizada em Estado:
(a) aquela em que o «estatuto» universal da cidadania é dominado pela
garantia da compossibilidade dos arbítrios (Estado demo-liberal) e... (b)
aquela em que o mesmo estatuto é dominado pela efectividade da expansão-generalização dos benefícios (Estado social ou Estado Providência)].
— os compromissos práticos implicados (que autonomia? que
responsabilidade?) [remissão];
— o esboço plausível de uma representação da justiça ou das
intenções que a determinam ( justiça comutativa e correctiva / justiça geral e
protectiva / justiça distributiva).
Excurso (a desenvolver nas «aulas práticas»): o contraponto direito público /direito privado e os critérios tradicionais da distinção.
Elementos de estudo:
— A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O problema dodireito)/O sentido do direito...»,in Curso de Introdução ao Estudo do
Direito — Textos compilados, 1-13.
— Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito,cit., 31-58.
Excurso:
— MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil , 4ºed.,Coimbra Editora 2005, pp. 35-46.
Leitura recomendada:
5
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e aodiscurso legitimador, Coimbra 1983 (sucessivamente reeditado),63-77 (capítulo III).
Proposta de trabalho
Considere com atenção as seguintes proposições normativas, procurando fazer
corresponder às linhas de estrutura da ordem jurídica as exigências e os tipos de
problemas nelas considerados≈ :
(a) «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou
propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou
a confiança que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação,
organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de
prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias»
(b) « Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos
que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve
a sua utilização.»
(c) «Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família,
no seu domicílio ou na sua correspondência..»
(d) «É nulo o testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e
claramente a sua vontade, mas apenas por sinais ou monossílabos, em resposta a
perguntas que lhe fossem feitas. »
(e) «Beneficiam de uma redução do Imposto sobre o Rendimento (IRS ou IRC)
todas as a pessoas singulares ou colectivas que apoiem, através da concessão de
donativos, entidades públicas ou privadas que exerçam acções relevantes para o
desenvolvimento da cultura portuguesa.»
(f) «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (..)
fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»
Na sua resposta não deixe de caracterizar as intenções que sustentam cada uma das
linhas em causa.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(g) «Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo,
por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou,
determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa,
prejuízo patrimonial, é punido com pena de prisão até 3 anos»
(h) «O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e
será único e progressivo...»
(i) «Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos.»
1.2.2. Uma tradução funcional : (a) a função primária ou prescritiva (o direito
como princípio de acção e critério de sanção).
1.2.2.1. A especificidade (-objectividade) mundanal-social dos problemas jurídicos. O mundo como o «meio em que decorre a existência humana» (a natureza
assimilada e transformada numa intenção vital / os artefactos e as obras produzidos
numa intenção instrumental / os sentidos e os referentes culturais criados e
reproduzidos numa intenção comunicativa e na interacção que lhe corresponde). A
mediação positiva e negativa dos outros.
1.2.2.2. O confronto moralidade (ética) / direito (mas também, e no limite, o problema do confronto entre as relações jurídicas e as relações intimamente pessoais, de
amizade e de amor) experimentado na «estrutura» imediata de determinação dos seus
problemas.
1.2.2.2.1. A intersubjectividade ou bilateralidade atributiva dos problemas
jurídicos como nota distintiva capital (uma nota que podemos convocar mesmo quando
se trate de assumir uma compreensão da moralidade determinada por uma exigência de
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universalidade formal-racional ou de qualquer modo traduzida em critérios-regras
abstractamente formulados).
(a) A conexão exterioridade /ponto de vista externo.
A proposta de KANT:A moralidade a garantir a liberdade interna do sujeito e a impor umamotivação pelo dever (uma «adesão íntima e profunda da consciência aos motivos do agir»). A
juridicidade a garantir a liberdade externa e a exigir apenas uma conformidade exterior da
acção ao critério-norma..
«A legislação que faz de uma acção um dever e simultaneamente desse dever um móbil é ética.
Mas a que não inclui o último na lei e que, consequentemente, admite um móbil diferente da
ideia do próprio dever é jurídica (…) A mera concordância ou discordância de uma acção com
a lei, sem ter em conta os seus móbiles, chama-se legalidade– Legalität (conformidade com alei), mas aquela em que a ideia de dever decorrente da lei é ao mesmo tempo móbil da acção
chama- -se moralidade- Moralität (eticidade) da mesma. Os deveres decorrentes da
legislação jurídica só podem ser deveres externos...» (KANT, Metafísica dos costumes, 1797,
Introdução, III «De uma divisão da metafísica dos costumes»)
(b) A conexão intersubjectividade (bilateralidade atributiva) /exigibilidade/
executabilidade [A intersubjectividade em DEL VECCHIO e COSSIO: ver com muita
atenção C. NEVES, «O direito (O problema do direito)/O sentido do direito...»,cit., pp.20 e 21, nota 18].
«O que nos permite começar a ver aqui a nota decisivamente diferenciadora do direito
perante a moral — esta poderá ser apenas ad alterum e de sentido puramente imperativo (i.é, com a
exclusiva categoria do dever), mas o direito não poderá deixar de se manifestar numa
“bilateralidade atributiva” (i. é, com as correlativas categorias de direito e de dever ou obrigação).
Pelo que se poderá dizer que o princípio da moral está nos deveres — no ponto de vista do outro ou
no rosto do outro que me interpela (LEVINAS) — e o princípio do direito está simultaneamente nosdireitos (no ponto de vista do eu) e nos deveres (no ponto de vista do outro e dos outros) pela
mediação do comum da vida social.» (CASTANHEIRA NEVES, O problema actual do direito.
Um curso de Filosofia do Direito, Coimbra-Lisboa 1994)
«A bilateralidade atributiva distingue sempre o Direito, porque a relação jurídica não toca apenas a um
sujeito isoladamente, nem ao outro, mesmo quando se trate do Estado, mas sim ao nexo de polaridade e
de implicação dos dois sujeitos. Existe conduta jurídica porque existe medida de comportamento que nãose reduz nem se resolve na posição de um sujeito ou na do outro, mas implica concomitante e
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complementarmente a ambos. (…) Se dizemos que uma conduta jurídica não se caracteriza, nem se
qualifica somente pela perspectiva ou pelo ângulo deste ou daquele sujeito, mas pela implicação de
ambos, compreenderemos a possibilidade daquilo que chamamos exigibilidade. Tratando-se de uma
conduta que pertence a duas ou mais pessoas, quando uma falha (voluntariamente ou não),à outra éfacultado exigir. Da atributividade decorre a exigibilidade...» (Miguel REALE, Filosofia do direito, 9ª
edição, São Paulo, 1982, pp.687-688),
O exemplo de PETRAZISKY reconstituído por Miguel REALE: «Petrasisky imagina que
um grande senhor, ao sair de seu palácio para tomar um coche, se encontre com um velho
postado à sua porta, à procura de auxílio. Poucos rublos bastariam, para atender à sua aflição, mas
o nobre prossegue indiferente e imperturbável o seu caminho. Toma o coche e, ao chegar ao seu
destino, recusa-se a pagar o preço do serviço prestado.» O confronto entre imperatividade pura eimperatividade atributiva: «A moral determina que se faça mas ao destinatário do comando cabe
fazer ou não; ao passo que o direito se caracteriza porque ordena e ao mesmo tempo assegura a
outrem o poder de exigir que se cumpra...» ( Ibidem, p.691)
1.2.2.2.2. A comparabilidade ou tercialidade exigida pelas controvérsias
jurídicas (uma nota distintiva que se torna particularmente importante quando
confrontamos o universo do direito com o das experiências pessoais de amor ou deamizade... mas também, hoje muito especialmente, quando invocamos compreensões da
ética ou da justiça ligadas à experiência de uma singularidade irrepetível).
A infungibilidade do sujeito eticamente (e também pessoalmente) relevante —
mergulhado num horizonte «simbólico-cultural» e não obstante preservado como
absoluto, na integridade irrepetível das suas dimensões — e a «fungibilidade»-
correlatividade do sujeito jurídico — criado pela mediação constitutiva do mundo e
assim determinado pela posição relacional que os modos situacionalmentecomunicativos desse mundo (ao assegurarem uma trama de direitos e de obrigações) lhe
impõem [A autonomização do direito como prática comunitariamente prudencial (na
experiência dos jurisconsultos romanos) reconstituída a partir do «isolamento» dos seus
sujeitos e destes como máscaras de direitos e deveres intersubjectivamente
sustentados].
O confronto exemplar entre uma ética da incomparabilidade e da
singularidade e a exigência de comparação inscrita na estrutura da controvérsia juridicamente relevante (os exemplos decisivos das parábolas do filho pródigo e
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dos trabalhadores da vinha). A mediação-interrupção do terceiro ou do tertium
comparationis (quer enquanto sujeito imparcial , quer sobretudo enquanto sistema
de fundamentos e critérios): a mediação que nos obriga a comparar e que converte
os únicos e incomparáveis em sujeitos relacionais de direitos e de deveres [Aquelamediação-tertiallité interrompe o face-à-face e condena-nos a submeter os rostos
nus às “formas plásticas” da “representação” e da “objectividade”: muito
simplesmente porque nos obriga a “comparar” os únicos e incomparáveis e a
escolher entre eles. Uma escolha que perturba originaria e irremediavelmente o
“continuum” ético-prático de um “duelo de rostos” e que nos obriga assim a
frequentar os lugares que a assunção de uma responsabilidade puramente ética
deve evitar] .
1.2.2.3. A institucionalização normativa dos meios capazes de garantir a «eficácia»
social que o nexo intersubjectividade/ exigibilidade/ executabilidade impõe (e
determina): o problema da sanção. A bilateralidade atributiva dos problemas jurídicos
cria (performativamente) realidades novas. As sanções positivas (promocionais) e
negativas (repressivas): as primeiras a «potenciar as efectivas possibilidades de
realização da intersubjectividade social», as segundas como «restrições e proibições que
acrescentam à negatividade do ilícito a sua própria negatividade real» (a sanção a
autonomizar-se da estatuição da norma-critério).
Excurso I: a estrutura lógica da norma
A articulação hipotético-condicional se...→então [hipótese ou previsão →
estatuição ou injunção: se ocorrerem determinados acontecimentos na realidade —
delimitados na sua relevância problemática e comprovados na sua referencialidade —...→ então a resposta-solução do direito será esta...]
O problema da coacção (um esboço introdutório do problema das relações
direito/poder). A exigência de considerar a coacção apenas como um meio-instrumento
entre outros meios-instrumentos de efectivação prática da normatividade jurídica. A
impossibilidade de partir da experiência (limitada) deste meio para identificar o
universo do direito. A exigência de recusar uma caracterização do projecto prático-
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-cultural do jurídico que mobilize as notas da coercitividade (coacção actual, efectiva)
ou mesmo da coercibilidade (coacção virtual ou possível)
Excurso II: uma consideração exemplar de alguns tipos de sanções.
a) Sentido das sanções reconstitutivas e compensatórias.
b) Modalidades de ineficácia..
c) Penas e medidas de segurança
d) Sanções preventivas
e) A especificidade dos ónus
Elementos de estudo:
— A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O problema dodireito)/O sentido do direito...»,in Curso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 14-35. — Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito,cit., 60-76
Excurso II
— A. SANTOS JUSTO, Introdução ao estudo do direito, 3ªed., Coimbra Editora 2006, pp. 158-163.
1.2.2. Uma tradução funcional : (b) a função secundária ou organizatória .
A exigência de construção-estabilização da ordem traduzida num plano explícito
de auto-observação — já também (digámo-lo com TEUBNER!) de autodescrição e
autoconstituição reflexiva. A constituição-estabilização de situações institucionais
específicas (a exigência de um cosmos prático-cultural).
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1.2.2.1. O momento da procura de unidade (a «modalidade» sistemática).A
possibilidade de estabelecer critérios secundários ou de segundo grau que procurem
assegurar essa procura (ou torná-la menos complexa). Alguns problemas possíveis.
(a) A concorrência sincrónica de critérios primários — também, como veremos
à frente, o confronto entre as soluções-respostas prescritas ou consagradas por estes
critérios (legais, jurisdicionais ou dogmáticos) e as exigências ou compromissos
assumidos pelos princípios fundamentos. O problema das antinomias. Alusão a alguns
critérios-regras que se preocupam em solucionar este problema, quando estão em causa
normas legais situadas em patamares hierarquicamente diferentes (lex superior derogat
legi inferiori)… ou normas situadas no mesmo patamar, mas relacionáveis em termos
de regime geral /regime especial (lex specialis derogat legi generali).
A acentuação de que muitos destes problemas de convergência-conflito só
podem ser tratados em concreto na perspectiva do caso. De tal modo que a procura de
unidade passa então a ser reflexivamente traduzível apenas num plano metodológico —
desencadeando eventualmente (ainda que não necessariamente!) um problema de
construção-objectivação de possíveis regras-cânones, explícitas ou implícitas , ditas
regras e /ou esquemas de juízo (por exemplo, o «cânone» de que deve ser dada
prevalência às intenções dos princípios-fundamentos).
(b) A concorrência no espaço (a plurilocalização dos elementos do problema-
-controvérsia a conexionar diversas ordens nacionais). As normas de Direito
Internacional Privado como critérios secundários.
(c) A convergência-concorrência diacrónica dos critérios (e muito especialmente
das normas legais). O problema da « “aplicação” das leis no tempo» (remissão)
Elementos de estudo:A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O problema do direito)/O sentido dodireito...»,in Curso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 36-39.Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito, cit., 77-83
1.2.2.2. O momento de assunção da dinâmica histórica (dito de desenvolvimento
constitutivo). O contraponto entre estabilização dogmática e mutação. A novidade
irredutível dos casos, a exigir respostas que não estão pré-determinadas.
Exemplos de critérios secundários associáveis a este momento:
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(a)as prescrições que se propõem enfrentar (num plano-perspectiva
político-constitucional) o problema das fontes do direito [v. artos. 1º a 4º
do Código Civil] ;
(b) os critérios ou cânones da doutrina que tematizam este mesmo
problema (nesta ou noutras perspectivas);
(c) as normas legais que enfrentam o problema do começo e da cessação
da vigência das leis [alusão às categorias da vacatio legis («o tempo que
decorre entre os momentos da publicação e da entrada em vigor da
norma legal»), da caducidade e da revogação (expressa ou tácita, global
ou específica, total ou parcial) associáveis ao problema da vigência
formal da lei (ver artºs 5º e 7º do Código Civil)].
Uma primeira alusão aos problemas das normas caducas e obsoletas
(enquanto normas formalmente vigentes), a exigirem já uma mediação reflexiva
metodologicamente assumida (que também aqui poderemos especificar em cânones
ou regras de juízo).
1.2.2.3. O momento da realização orgânica: os critérios que criam formalmente
orgãos e que lhes atribuem poderes e competências (definindo o círculo de problemas
relevantes que estes podem enfrentar), na mesma medida em que hierarquizam as suas
relações. Exemplos extraídos da parte III da Constituição («Organização do poder
político»).
1.2.2.4. O momento da determinação-realização procedimental que, sendo
indissociável do anterior, corresponde não obstante a uma autonomização de regras de
processo — aquelas que o jogo ou modus operandi das tomadas de decisão juridicamente relevantes (a começar decerto por aquelas que tais orgãos assumem)
deverá constitutivamente respeitar.
O momento institucional-processual como condição adjectiva do juízo decisório
(a institucionalizar um percurso-iter de tomada de decisão e o modus que este deverá
assumir): um confronto com as condições normativas substantivas — asseguradas pelos
fundamentos e critérios materiais do ordenamento jurídico (enquanto prosseguem
nuclearmente uma função primária) — e com a especificidade dos cânones e esquemasde juízo (justificados pelo problema e pelo discurso metodológicos).
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Partindo do exemplo de uma controvérsia entre as partes A e B — na qual
A se diz proprietário de um prédio rústico encravado e como tal titular de um
direito potestativo (do direito de exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio de B)… e B se recusa a reconhecer esta faculdade… —,
admita que, para responder juridicamente a esta controvérsia, o juiz-terceiro se
confronta com os seguintes critérios:
(a) «Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via
pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou
dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem
sobre os prédios rústicos vizinhos» (Código Civil, art. 1550, nº 1)
(b) «Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo
concluso [i.e, enviado, com termo de conclusão] ao juiz, que proferirá sentença
dentro de 30 dias» (Código do Processo Civil, art. 658º)
(b)’ «A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio,
fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar» (Código do Processo
Civil, art. 659 nº1)
(c) «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a
partir dos textos o pensamento legislativo… » (Código Civil, art. 9 nº1)
Prescindindo de uma apreciação destes critérios — veremos que o último
enfrenta um problema que não compete afinal ao legislador (porque é antes da
competência da reflexão metodológica e do pensamento jurídico que criticamente
a assume)! —, procure mostrar porque é que se pode dizer que o critério (a)
corresponde a uma função primária e os outros três a uma função secundária, mas
também porque é que os critérios (b) e (b)’ identificam regras de procedimento e
o critério (c) uma regra de juízo ou de julgamento (entenda-se, um cânone
metódico).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Excurso-Leitura (HART e TEUBNER e as regras
secundárias)¥
Leia com atenção este excerto deThe Concept of Law
(1961) de Herbert HART(1907-1992), uma obra capital do pensamento jurídico do século XX. Procure depois
reflectir sobre a caracterização das funções secundária da ordem jurídica com que
este texto nos confronta (corresponderão as notas invocadas a todos os momentos
que autonomizámos? que outras dimensões lhe parecem relevantes? e que dizer da
distinção nele proposta entre regras primárias e secundárias?).
«Se quisermos fazer justiça à complexidade de um sistema jurídico, é preciso distinguir dois tipos de
regras diferentes, embora relacionados. Por força das regras do primeiro tipo, que bem pode ser
considerado primário ou básico, é exigido aos seres humanos (quer estes queiram quer não!) que realizem
ou se abstenham de realizar certas acções. As regras do outro tipo são por assim dizer parasitas ou
secundárias em relação às primeiras: porque asseguram que os seres humanos possam criar, extinguir ou
modificar as regras anteriores, ou determinar de diferentes modos a sua incidência ou fiscalizar a sua
aplicação. As regras do primeiro tipo impõem deveres (regras de comportamento), as regras do segundo
tipo atribuem poderes, públicos ou privados (regras de reconhecimento, de transformação e de decisão-
julgamento). As regras do primeiro tipo dizem respeito a acções que envolvem movimento ou processos
de mudança físicos; as regras do segundo tipo tornam possíveis actos que conduzem não só a um
movimento ou a processos de mudança físicos mas também à alteração de deveres ou obrigações. (…) O
direito pode ser caracterizado (…) como uma união de regras primárias e secundárias…» (HART, The
Concept of Law, capítulo V)
Para poder fazer um comentário mais conseguido a este texto, importará de resto
saber um pouco mais sobre as regras secundárias autonomizadas por HART.
Tratando-se assim de distinguir três planos ou degraus analíticos: o primeiro
ocupado pela (importantíssima) regra de reconhecimento (uma regra «raramente
formulada de forma expressa na vida quotidiana de um sistema jurídico»!) e os
outros (respectivamente) pelas regras de mudança-transformação e de decisão-
julgamento.
¥ Só mais tarde estaremos em condições de perceber que a caracterização das normas secundárias proposta por HART e por TEUBNER se nos impõe indissociável das compreensões do direito que osautores em causa explicitamente assumem (se não mesmo como «sinais» claríssimos dessas concepções)!
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(a) A regra de reconhecimento (rule of recognition) [e as regras que a especificam]:
uma regra (última!) que, uma vez aceite, combate a incerteza que pode resultar da
convocação das regras primárias (ditas de comportamento)…(a)’ enquanto indica-identifica autoritariamente — por referência a uma certa
característica geral possuída por tais regras primárias (por exemplo, o «facto» de
terem sido prescritas por um determinado orgão legislativo ou construídas por uma
certa experiência consuetudinária ou judicial) — quais são os critérios de
comportamento-acção que devem ser (validamente) reconhecidos como jurídicos e
como tal dotados de autoridade- potestas…
(a)’’… mas também enquanto hierarquiza e unifica estes critérios (ordenandoas respectivas características gerais, se porventura for indicada mais do que uma)
[definindo um critério de superioridade que beneficie uma delas].
•«Ao conferir uma marca dotada de autoridade, a regra de reconhecimento
introduz, embora de forma embrionária, a ideia de sistema jurídico; porque as
regras [primárias] não são agora apenas um conjunto discreto e desconexo, mas
estão, de modo simples, unificadas…» (HART, The Concept of Law, capítulo V, 3.)
•• «Onde quer que uma tal regra de reconhecimento seja aceite, tanto oscidadãos particulares como as autoridades dispõem de critérios dotados de
autoridade para identificar as regras primárias de obrigação…» (Ibidem, cap.VI, 1.)
••• «Dizer que uma determinada regra é válida é reconhecê-la como tendo
passado todos os testes facultados pela regra de reconhecimento…» (Ibidem,
cap.VI, 1.)
(b) As regras de alteração ou transformação (rules of change) [(Ibidem, capítulo V,
3.)]: regras que combatem o estatismo do regime de regras primárias, conferindo
poder a um «indivíduo» ou a um «corpo de indivíduos» para introduzir novas regras
primárias («dirigidas à vida do grupo») e eliminar as regras antigas.
b)’ «É à luz de tais rules of change que as ideias de acto legislativo e de
revogação devem ser compreendidas...» [Sem esquecer que as regras secundárias
em causa poderão então «especificar quais são as pessoas que devem legislar»,
mas também e muito significativamente «definir» («em termos mais ou menosrígidos») o processo ou modus operandi que a construção das leis há-de «seguir»].
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
b)’’ É no entanto também à luz de tais regras que podemos entender o
exercício da autonomia privada: «vendo nos actos de celebração de um contrato ou
de transferência de propriedade» um exercício por indivíduos de «poderes
legislativos limitados» (the exercise of limited legislative powers by individuals) .
(c) As regras de decisão-julgamento (rules of adjudication) [(Ibidem, capítulo V,
3.)]: regras que combatem a ineficácia das regras primárias (ou da sua «pressão
social difusa»), dando poder «aos indivíduos» (a certos indivíduos) para julgar ,
entenda- -se , para responder autoritariamente (através de uma decisão-
julgamento) ao problema de saber se uma regra primária foi ou não violada numa
circunstância concreta específica.Estas regras identificam os «indivíduos» que «devem julgar», na mesma
medida em que determinam o «processo a seguir». Abrem-nos assim as portas para
um universo de conceitos ou categorias indispensáveis («os conceitos de juiz ou
tribunal, jurisdição e sentença»).
As vantagens sociais das regras secundárias: certeza e confiabilidade
(reliability), flexibilidade (na capacidade de mudança), eficácia (efficiency). Sem
elas os sistemas de regras primárias seriam incertos, estáticos (inflexíveis) e
ineficazes. Procure perceber porquê, fazendo corresponder a cada uma destas
vantagens sociais as diferentes regras secundárias analisadas por HART.
Há uma tradução portuguesa disponível de The Concept of Law:
O conceito de direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
1ª ed., 1986 (da 1ª ed. inglesa de 1961),...., 5ª ed., 2007 (esta última da 2ª ed. inglesa de 1994)
Segundo TEUBNER, são as regras secundárias que nos permitem passar de uma fase de um
direito socialmente difuso (na qual o direito se distingue dificilmente das outras
comunicações sociais que assumem uma pretensão normativa) para a fase do direito
parcialmente autónomo. O papel que estas desempenham é assim o de uma indispensável
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
autodescrição ~ do sistema (capaz de distinguir as componentes do sistema jurídico das
componentes da interacção social corrente). Vale a pena dar-lhe a palavra:
«As “normas secundárias” analisadas por H. L. A. Hart constituem o exemplo mais célebre
da autodescrição do direito. Estas descrevem a operação pela qual o sistema jurídicoobserva na perspectiva de uma comunicação plausível as suas próprias componentes e as
transforma em artefactos semânticos. Hart só se autoriza a falar de direito a partir do
momento em que as normas secundárias de identificação e de procedimento organizam-
distribuem e regulam as normas primárias de comportamento. Segundo Hart, “se (...)
considerarmos a estrutura que resultou da combinação-articulação de regras primárias de
obrigação e de regras secundárias de reconhecimento, de transformação e de decisão-
julgamento, é evidente que teremos (...) o coração do sistema jurídico”…» (Recht alsautopoietisches System, 1989, cap. III)
Há uma tradução portuguesa de Recht als autopoietisches System, Frankfurt, Suhrkamp, 1989:
O Direito como sistema autopoiético, , Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989
Elementos de estudo:A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O
problema do direito)/O sentido do direito...»,inCurso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 39--43.
Fernando José BRONZE, Lições de Introdução aodireito, cit., 84-92
Leituras recomendadas: o citado capítulo V de O conceito de direito de HART(«ODireito como união de regras primarias e secundárias»). Para uma reconstituição da
proposta de HART ver ainda Mário REIS MARQUES, Introdução ao Direito, vol. I,Coimbra, Almedina, 2007, 2ª ed., pp. 455-459 (2.)
Propostas de trabalho
I
1. Reconstituindo por palavras suas o exemplo de PETRAZISKY evocado supra, procure
mostrar a importância da intersubjectividade (enquanto bilateralidade atributiva) na
compreensão do problema–controvérsia que distingue o direito.
~ Só quando as normas secundárias (autonomizadsa pelo discurso jurídico universitário) sãousadas operacionalmente no funcionamento das decisões das práticas legislativa e jurisdicional é que
TEUBNER nos fala de autoconstituição. A passagem da autodescrição à autoconstituição dá-se quando asreferidas práticas passam a servir-se daquelas autodescrições (e das normas secundárias que elasdistinguem).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
2. Releia a parábola dos trabalhadores da vinha (São Mateus 20:1-16) e construa um
texto desenvolvido em que procure mostrar a importância da tercialidade na
compreensão do problema–controvérsia que distingue o direito [A justiça que os
trabalhadores invocam («Os últimos só trabalharam uma hora... e deste-lhes tanto como a
nós, que suportamos o peso do dia e do calor... ») não é seguramente aquela que o
proprietário assume («Porventura vês com maus olhos que eu seja bom? »].
3. Faça um comentário desenvolvido ao texto seguinte:
«A ordem jurídica distingue-se das outras ordens sociais não tanto porque mobilize
sanções quanto porque é caucionada pela coercibilidade...»
II
1. Considere de novo as proposições normativas (a), (b), (d), (e), (f) e (g) propostas
supra, na pág. 6, procurando agora reconhecer a estrutura lógica das normas que estas
objectivam e a especificidade (se quisermos, o tipo) da sanção que lhes corresponde.
2. Considere depois estas outras proposições:
(a) «Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da familia.»
(b) «Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, as relações entre estes são
reguladas pela lei da sua residência habitual comum.»
(c) «Compete ao Governador civil, como representante do Governo na área do distrito,
velar pelo cumprimento das leis e regulamentos por parte dos orgãos autárquicos.»(d) «Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, o juiz proferirá sentença dentro
de 30 dias, devendo discriminar os factos que considera provados e fundamentar a
decisão final.»
(e) «Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for
revogada por outra lei.»
(f) «Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar,
defender e valorizar o património cultural.»
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(g) «A lei hierarquicamente superior deve ter prevalência sobre aquela que se integra
num escalão inferior.»
(h) «A lei só dispõe para o futuro...»
(i) «As leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais são publicados no
jornal oficial, Diário da República...»
(j) «O juiz presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em
qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo,
sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-
-lo...»
(k) «É direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos
seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa...»
(l) «O Conselho de Estado é o orgão político de consulta do Presidente da República,
competindo-lhe assim pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República
e a demissão do Governo.
(m) «O método correcto da interpretação da lei é aquele que corresponde a uma
investigação histórica dos comandos e dos interesses...»
(n) «Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são
directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas...»
(o) «A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do
falecimento deste...»
(p) «Os tribunais são os orgãos de soberania com competência para administrar a justiça
em nome do povo»
(q) «O tribunal pode, quando o considerar necessário à boa decisão da causa, deslocar-
se ao local onde tiver ocorrido qualquer facto cuja prova se mostre essencial e
convocar para o efeito os participantes processuais cuja presença entender
conveniente...»(r) «Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos
análogos...»
(s) «As testemunhas depõem na audiência final, presencialmente ou através de
teleconferência, devendo o juiz procurar identificá-las e perguntar-lhes se são
parentes, amigos ou inimigos de qualquer das partes, se estão para com elas
nalguma relação de dependência e se têm interesse, directo ou indirecto, na causa.»
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Distinga as proposições que lhe parecem corresponder ao desempenho de uma
função primária e de uma função secundária.
• Na sua justificação comece por mostrar em que linha da tectónica da ordem
jurídica se integram as proposições primárias que reconheceu.
•• Concentre-se depois nas proposições ditas secundárias e procure descobrir
qual é o momento (de unidade sistemática, de desenvolvimento constitutivo, de
realização orgânica e de determinação procedimental) a que cada uma delas
principalmente corresponde.
••• Complementarmente, sempre que lhe pareça adequado, procure socorrer-se
da analítica da função secundária proposta por HART.
2. Dificuldades e perguntas… ou uma grande questão condutora : porque é
que (ou até que ponto é que) a analítica até agora ensaiada (e que poderíamos
prosseguir!ℵ) se mostra insuficiente (nos planos objectivo e normativo) se quisermos
compreender o projecto-procura que prático-culturalmente distingue o direito?
2.1. Será indispensável ver no direito um projecto com um determinado sentido
(ou uma experiência cultural com uma identidade e continuidade reconhecíveis)? Não
se nos exporá tal direito hoje como um mero regulador socialmente contingente,
disponível para assumir (e projectar normativamente, em termos sancionatoriamente
eficazes) quaisquer intenções e finalidades (aquelas nomeadamente que uma prática
Para explorar desde logo as características e os efeitos-resultados: ver, numa leituracomplementar, CASTANHEIRA NEVES, «O direito (O problema do direito)/O sentido do direito...»,inCurso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., pp. 43-52.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
económica, uma ética ou uma política dominantes estiverem em condições de lhe
impor)?
Que necessidade será a sua… senão a da institucionalização de uma ordem
social — e (ou) de uma ordem que possa responder ao problema da «indeterminação»
ou «inespecialização» da espécie homem░ ? Não será esta necessidade (e apenas esta!)
aquela que o aforismo «ubi societas, ibi jus» está hoje em condições de acentuar? Se
assim for, não teremos afinal que reconhecer que faz pouco sentido falar d’ o direito
enquanto tal e que devemos antes reconhecer (diacronica e sincronicamente) muitos e
inconfundíveis direitos, direitos que não terão em comum senão uma experiência (mais
ou menos lograda) de partilha do mundo e de ordenação da(s) intersubjectividade(s) (o
direito da civitas romana, o direito medieval, o direito moderno… mas também o
direito islâmico e judaico▣… o direito das favelas e dos «novos movimentos sociais»…
o direito da União Europeia e do comércio internacional)?
Será no entanto que podemos (que devemos) hoje repetir acriticamente este
aforismo? Constituirão todas estas institucionalizações normativas (e em todas as suas
dimensões regulativas) autêntico direito? Admitirá a nossa circunstância presente (e o
contexto cultural que lhe corresponde) que nos resignemos a descobrir na máscara
direito apenas um nome (capaz de identificar toda e qualquer experiência de
institucionalização mundano-social)?
Reparemos que os exemplos de HART e TEUBNER — a que o nosso excurso-
-leitura deu atenção ( supra, pp.14-16) — não foram seleccionados por acaso. É que
estes exemplos ajudam-nos (como que num contraponto negativo) a reformular a nossa
pergunta principal. Trata-se de querer saber se, para identificar uma ordem de direito,
nos basta afinal descobrir uma coordenação institucionalmente lograda de regras
primárias e secundárias, capaz de satisfazer exigências de certeza, flexibilidade e
eficácia (HART)…
░ Para perceber bem o que significa esta inespecialização ou inacabamento (mas também aabertura ao mundo) da espécie homem (em confronto com as espécies animais plenamente adaptadas), ler com toda a atenção Fernando BRONZE, Lições de Introdução ao direito, cit., pp. 116-119 (incluindo asnotas 2-6).
▣ A propósito destas experiências cultural-civilizacionalmente distintas da nossa (que não se nosoferecem afinal como autênticas civilizações de direito), ver também Fernando BRONZE, Lições de Introdução ao direito, cit., pp. 153-157 (incluindo as notas 21-31).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
…ou então de garantir a autodescrição que leva sério esta coordenação
autoconstitutivamente projectada na prática ╝ (e acompanhada formalmente por uma
pretensão de juridicidade╞ ) [TEUBNER].
2.2. Uma convocação exemplar de distintas experiências de institucionalização
de ordens (ditas) eficazes:
— uma convocação que nos confronta com experiências-limite associáveis
à organização macroscópica (experiências que constituíram sempre um
desafio para o discurso jurídico e filosófico-jurídico!)[ver infra, p. 22,
(e)]…
— uma convocação que sobretudo nos permite — numa fronteira marcada
pela interpenetração do jurídico e do social, do formal e do informal, do
público e do privado, do deliberado e do espontâneo, do central e do
periférico, do macroscópico e do microscópico, do dominante e do
subversivo — invocar as lições do «novo» pluralismo dos nossos dias
para surpreender uma «face oculta» (ou uma «face» menos visível) da
normatividade socialmente vigente (looking at the dark side of the
majestic rule of law!● ) …
Reproduzamos a nossa pergunta, dirigindo-a sucessivamente:
(a) às ordens da mafia e do gang ;
(b) aos «códigos» e «situações institucionais das sociedades secretas… e das
organizações clandestinas;
(c) à «nova» lex mercatoria (ou pelo menos à «ordem» das relações comerciais
internacionais);
Brevíssima alusão ao sentido e possibilidades da arbitragem ligada aos «interesses docomércio internacional» [e muito especialmente à faculdade das partes escolherem osàrbitros-«julgadores» e o «direito» (a ordem jurídica) «aplicável ao mérito da causa»].
╝ Ver supra, p. 16, nota ~ .╞ Pretensão de juridicidade que TEUBNER (assimilando LUHMANN) associa à determinação
de um código com duas valências (Recht/Unrecht), melhor dizendo, um código que prevê-projecta umavalência positiva (lícito, legal, «justo»…→→ juridicamente positivo) e uma valência negativa (ilícito,ilegal, «injusto»...→→ juridicamente negativo, «contra o direito»). Especificação que não nos deveráagora ocupar. Bastando-nos ter presente que este código, assim enunciado, tem um carácter formal-
procedimental (livredeexigências ou determinações materiais).● A expressão é precisamente de TEUBNER: «The Two Faces of Janus: Rethinking LegalPluralism», in TUOR I / /BANKOWSKI / UUSITALO (ed.), Law and Power , Liverpool 1997, 119 e ss.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(d) ao «cosmos regulativo» das organizações terroristas;
(e) às experiências (macroscópicas) de uma ordem estadual totalitária
(ideologicamente sustentada… mas também científico-tecnologicamente justificada);
• O exemplo do «sistema totalitário denão direito
»(totalitäres Unrechtssystem)
construído pelo Estado Nacional-Socialista entre 1933 e 1945, dominado pelo «dogmaideológico» de uma «política de raça» (mitológico-narrativamente justificada) e por umarevisão drástica dos modos de constituição da «juridicidade» (uma revisão que transformaos «factores»-experiências da «raça», da «nacionalidade»- sangue, da «vontade do chefe-- Führer » e do «programa do partido» em «fontes de direito vinculantes») [O juiz e a
prioridade da «ordem concreta»: a exigência de submeter interpretativamente toda a«legislação» (aquela que é prescrita pelo novo Estado e aquela que sobrevive dasexperiências anteriores) à mundividência nacional-socialista, tal qual ela se exprime no«programa do partido» e nas «afirmações»- Äußerungen do Führer ] [A nova versão
proposta para o § 1º do BGB (o Código Civil Alemão): «Sujeito da comunidade jurídica éaquele, e só aquele, que é compatriota; compatriota é o que tem (o que é) sangue
alemão» (Rechtsgenosse ist nur, wer Volksgenosse ist: Volksgenosse ist, wer deutschen Blutes ist)].
•• Os exemplos das narrativas de ficção: a ordem de necessidade do «Big Brother» de1984 ▀ ... e a ordem de ciência (ainda que não de sociedade aberta!) determinada pelaengenharia social do Brave New World [sem esquecer a ordem dos «bombeiros» ou dos«queimadores de livros» denunciada em Fahrenheit 451... e a ordem dos habitáculos--casulos (e da humanidade virtualmente programada) evocada em Matrix].
(f) aos sistemas estatutários de contrôle e de disciplina (correctiva e punitiva)
que — através de regras explícitas ou de práticas exemplares — operam nas (e que sãoem parte autonomamente construídos pelas) instituições, organizações ou grupos (a
«justiça privada» das associações e das empresas);
(g) às experiências de regulação colectivamente negociada (às ordens das
convenções colectivas e dos acordos ou pactos normativos);
(g) às situações institucionais (com um carácter negocial) do direito dos
privados (criadas dispositivamente pela dinâmica de autodeterminação e de participação
dos sujeitos jurídicos privados);
(h) à ordem-rede da (desterritorializada) economia da informação (as a
transformation of the legal system in internet economy)…
Sem esquecer por fim que o referido novo pluralismo (com uma intenção
sociológica descritivo-explicativa ou compreensiva e/ou assumindo um programa
crítico de emancipação☼) nos obriga ainda a dirigir a mesma pergunta a outras ordens
▀ Ler BRONZE, cit., pp.140-141.☼ Precisamente aquele que nos permite falar de um direito achado na rua, de um direito
alternativo, de um direito insurgente (um direito que importará invocar para denunciar os compromissos político-ideológicos e as vinculações económicas do direito dominante ou da sua consagração estadual).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
normativas — temporal e territorialmente concorrentes (ou pelo menos coexistentes)
com a ordem jurídica estadual — … nas quais a experiência instituinte (e condutora) é
menos a da pura associação- societas de interesses do que a de uma identidade
comunitária (relativamente restrita) e a das comunicações que a distinguem. Tratando-se
de dirigir a mesma pergunta… a que ordens?
(i) À ordem prático-normativa das favelas («A favela é um espaço territorial,
cuja relativa autonomia decorre, entre outros factores, da ilegalidade colectiva da
habitação à luz do direito oficial brasileiro»);
Ler Boaventura de SOUSA SANTOS, «Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada», inSOUTO / FALCÃO (org.), Sociologia e Direito. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, pp. 107-117, disponível em.http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura1d.html.
(j) às práticas e critérios de interrelação narrativamente autonomizados (e
espontaneamente reinventados) pelas «minorias» rácicas, étnicas, sexuais, religiosas ou
culturais na sua interacção com a(s) repectiva(s) maioria(s) (o problema do
multiculturalismo);
(k) às práticas consuetudinárias das pequenas comunidades (o exemplo das
comunidades indígenas da América do Sul… mas também de Rio de Honor ∩);
(l) à normatividade construída pelos «novos movimentos sociais» e pelas suasidentidades colectivas difusas… mas também e muito especialmente pelo processo de
intervenção militante que explicitamente assumem (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, Mães da Praça de Maio, movimentos ecologistas e feministas,
movimentos de libertação das minorias sexuais, movimentos pós-coloniais)…
A possibilidade de descobrirmos em todas estas ordens articulações socialmente
logradas de critérios primários e secundários...
2.3. O diagnóstico de insuficiência objectiva e a procura de um critério de
demarcação ou dos sinais que o manifestam. A resposta oferecida pelo critério da
estadualidade e a desadequação desta resposta [ver com muita atenção
CASTANHEIRA NEVES, «O direito (O problema do direito)/O sentido do direito...»,in
Curso de Introdução ao Estudo do Direito, cit, pp. 58 (b))-71 e Fernando José
BRONZE, Lições de Introdução ao direito, cit., pp. 157-169].
Ver BRONZE, cit., p.159.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
2.4. A oportunidade-exigência de reconhecermos ainda uma insuficiência
normativa... que é também a de recusarmos a solução (alternativa àquela que o critério
da estadualidade nos oferece) de um nominalismo ou de um pluralismo acríticos (a
solução que atribuiria o «nome» direito a todas as situações institucionais de partilha do
mundo... que pudéssemos dizer socialmente eficazes!)
A acentuação do carácter prático-cultural do direito (e o desafio de reconhecer as
duas vozes-interlocutores inconfundíveis que alimentam o compromisso-promessa do
Estado-de-direito∪… ) a abrir-nos a possibilidade-exigência de identificar um projecto
autónomo e a sua pre-ocupação condutora [Para uma acentuação do «desafio» do
Estado-de-direito (enquanto exige que a juridicidade-validade «que nele se manifesta»
seja «autónoma do poder político») ver F. BRONZE, Lições de Introdução ao direito,
cit., pp. 166-168 ea s notas 63-71].
Uma preocupação condutora que (enquanto modo específico de criação e
recriação de sentidos comunitários) se precipita numa certa prática-procura — num
exercício, permanentemente renovado, de experimentação de um específico homo
humanus… e no processo de demarcação humano / inumano que lhe corresponde (mas
então também na pressuposição-experimentação-realização de uma validade)? Importa
reconhecê-lo. E reconhecê-lo... compreendendo que tal preocupação condutora emergiu
de um processo historicamente situado de autonomização- Isolierung …
— aquele (precisamente aquele!) que a civitas romana pôde assumir... enquanto
inventou o «nome» humanitas (e com ele o primeiro dos humanismos conhecidos!), mas
também enquanto permitiu que este humanismo (nas suas exigências de sentido e no seu
percurso de realização) se inscrevesse na nossa herança civilizacional (e assim mesmo
passasse a interpelar-nos!) como contexto e correlato de uma praxis de respostas a
controvérsias ou casos-problemas («no princípio era o caso!») [a praxis de responsa
dos jurisconsultos, sustentada numa auctoritas (numa legitimidade prático-cultural e na
adesão comunitária que esta suscita)... e não numa autoridade- potestas (na mobilização
efectiva de um poder e das vontades ou decisões que o tornam actuante)...]. Uma
Sem uma voz autónoma do direito a institucionalização estadual tem o caminho aberto para seconverter na ordem de necessidade de um poder — e então e assim (para o dizermos com R ADBRUCH)
num autêntico Estado de não-direito ou Estado-contra-o-direito ( Und so hat die Gleichstellung von Recht und vermeintlichem oder angeblichem Volksnutzen einen Rechtsstaat in einen Unrechtsstaatverwandelt ).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
preocupação condutora que esta experiência acendeu como uma das piras fundadoras da
nossa identidade civilizacional… cujos sinais-rastos — permanentemente sulcados e
convertidos (mas nem por isso menos indeléveis) — nos expõem assim (ainda hoje) a
uma experiência privilegiada de continuidade.
A insuficiência normativa de uma analítica que reduzisse o direito aos traços
identificadores de uma ordem objectivada.
•A exigência de compreender que o projecto autónomo do direito (na sua referência
normativa a valores) se constrói assumindo o modo-de-ser de uma vigência — uma
vigência que invoca uma validade comunitária (e a adesão prático-cultural que esta
exige)... na mesma medida em que exige um discurso de fundamentação (uma vigência
que enquanto tal é irredutível a uma pura eficácia ou ao núcleo gerador de uma
autoridade- potestas)…
••A exigência de compreender que esse projecto de demarcação humano / inumano se
cumpre na prática histórica como um continuum constituendo (com uma dimensão de
realização-experimentação que é indissociável da própria validade e dos sentidos
comunitários que a distinguem) [como se a novidade dos problemas-casos, inscrita emcontextos de realização sempre distintos, nos impusesse uma reinvenção permanente de
tal validade e do projecto que a assume… sem no entanto pôr em causa a continuidade
do projecto (e a possibilidade de a reconhecermos)]…
••• A exigência de reconhecer que, se este projecto identifica uma dimensão
inconfundível da nossa prática — aquela em que nos expomos como sujeitos
comparáveis de direitos e de deveres (inscritos numa teia de bilateralidades atributivas)
—, é decerto porque nos oferece uma oportunidade de criação-realização de sentidoscomunitários específicos (constitutivos da experiência de um certo homo humanus de
autonomia e de responsabilidade) — sentidos que só poderemos compreender se (e na
medida) em que reconhecermos uma (não menos específica) intenção à validade e a
experiência de integração que esta assegura e que é diferente das (embora não
indiferente às) outras experiências de integração (que constituem outras dimensões da
nossa prática) [Como se tratasse afinal de descobrir-construir um commune diferente
daqueles communia que outros eixos de articulação-composição da identidade colectiva
nos proporcionam (um commune diferente daqueles communia que os sistemas político
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
e económico mas também as experiências éticas e religiosas, estéticas e filosóficas nos
oferecem)... ]
Direito e intenção à validade. A resposta de RADBRUCH à pergunta que formulámos supra (dirigidaexplicitamente à ordem de necessidade de um Estado totalitário) [ supra, pp. 21-22 (e)]:« Direito é [significa o mesmo que] vontade e desejo de Justiça. Justiça, porém, significa: julgar semconsideração de pessoas; medir todos pelo mesmo metro [comparar mobilizando o mesmocritério-padrão, se quisermos, o mesmo tertium comparationis ( an gleichem Maßealles messen )]Quando se aprova o assassínio de adversários políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao
mesmo tempo que acto idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se praticado contracorrelegionários ( gegen die eigenen Gesinnungsgenossen), isso é a negação do direito e da justiça.Quando as leis conscientemente desmentem essa vontade e desejo de justiça, como quando por exemplo concedem ou negam arbitrariamente os direitos do Homem a certos homens ( Wenn Gesetzeden Willen der Gerechtigkeit bewußt verleugnen, zum Beispiel Menschenrechte Menschen nachWillkür gewähren und versagen) , então carecerão tais leis de qualquer validade, o povo não lhes
deverá obediência, e os juristas deverão também ter a coragem de lhes recusar o carácter de jurídicas( dann müssen auch die Juristen den Mut finden, ihnen den Rechtscharakter abzusprechen )...»[Gustav RADBRUCH, "Cinco Minutos de Filosofia do Direito" (Setembro de 1945), Terceiro minuto]
Ora é precisamente a experiência de continuidade desta específica procura do
homo humanus — e esta convocada (interrogada) nuclearmente como uma experiência
de realização autónoma (com diversas dimensões e diversos palcos) — que o próximo
capítulo irá explorar... enquanto se propõe reflectir sobre o sentido específico do
direito... Com um esforço de concentração inevitável, que nos obrigará a privilegiar os palcos mais recentes (e os ciclos que lhes correspondem).
Elementos de estudo (pp. 20-27)A. CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O
problema do direito)/O sentido do direito...»,inCurso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 52--89 (todo o ponto 2.).Ver também todas as pp. das Lições deF. BRONZE indicadas expressamenteneste sumário desenvolvido (e nas suasnotas).
Capítulo II
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
A experiência do sentido específico do direitoreconstituída num diálogo crítico com o
positivismo normativista do século XIX ou osdesafios e possibilidades de uma representação
pós-positivista
1. O grande arco pré-moderno.1.1. Um direito que se descobre e autonomiza sucessivamente...
α)...como sentido e como especulação filosófica [O holismo metafísico-ético- político grego a assumir e a integrar-assimilar o jurídico como direito natural teoreticamente determinável...];
β)...como prática jurisprudencial [A experiência romana a impor a autonomiacomunitária do jurídico enquanto tarefa de assimilação judicativa(respondere/cavere/agere) de controvérsias-casos («No princípio era o caso») e adescobrir nesta assimilação uma explicitação correctiva (prudencial) de umaordem materialmente pressuposta: o jurista-jurisconsulto como intérpreteautêntico da comunidade sustentado numa auctoritas e na articulação de virtudesmorais e intelectuais que esta determina.];
γ)...como domínio cultural universitariamente reconstituído e comunicado [Atrindade sapientia /prudentia /scientia. A Scientia Juris como interpretatio. Areconstrução prática (hermenêutico-dialéctica) dos textos de autoridade (doCorpus iuris civilis mas também do Corpus iuris Canonici): o métodoescolástico.].
1.2. Um contexto prático comunitariamente indisponível .
α) A polis grega [O Ser como ordem pressuposta, definitiva e perfeita; ohomem como zoon politikon; a referência ontológico-metafísica ao ser cósmico, aidentidade ser/valor .].
β) A civitas romana [ A ordem materialmente pressuposta, descoberta (comoum «cosmos de instituições hipostasiadas») na experiência ontológica do caso ena tipologia substancializada que a traduz: o direito natural como a ipsa res justa(o justo natural concreto, autêntico jus lido na «natureza das coisas» pela
prudentia dos jurisprudentes «segundo a situação e o curso das coisas humano-
sociais, nas suas condições e situações particulares»).].γ) A respublica christiana medieval [A ordem da criação: a «transcendência»com um «nome pessoal». A ontologia teológico-metafísica.].
1.3. A unidade reflexiva da filosofia prática (iuris naturalis scientia): a intençãofilosófica e a intenção prática; a relação integrada direito natural/direito positivo.
« O “direito natural” foi sempre pensado na scientia que a ele se dirigia (...), numadupla intenção. Numa intenção filosófica, de compreensão essencial e absoluta dodireito pela explicitação dos seus constitutivos fundamentos ontológicos (fosse umaontologia metafísica nos gregos, fosse uma ontologia já de sentido teológico-metafísico,
já mais cingida à “natura rerum”, na Idade Média cristã (...)), que logo se projectavanuma intenção normativa ― intenção normativa esta que, tendo naquela outra primeira
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o seu fundamento regulativo, se traduzia na determinação de uma normatividade válida por si mesma, porque referida àquele fundamento ontológico e filosófico-especulativamente explicitado. Normatividade que procurava objectivar-se [em
princípios e critérios] (...) e que constituiria tanto o cânone regulativo como o critério davalidade de qualquer ordem histórica de convivência prática. Ou seja, o direito era
nestes termos imputado a uma filosofia que definia anteriormente a nomos da prática, eque ia compreendida no seu sentido e função como uma normativa “filosofia prática”.Com duas notas mais a ter em conta. Por um lado, essa filosofia, se era prática na suaintenção de validade e na sua projecção normativa, era manifestamente teorética nosentido da sua fundamentação – pois a fundamentação seria atingida(...) em termos (...)ontológico-normativos(...), pelo conhecimento do ser (com uma teleologia essencial) ou
pelo conhecimento de uma certa “natureza”. Aliás, não era isso senão directa expressãodo pensamento clássico, enquanto procurava ele, para o que quer que fosse, o sentido eo fundamento no ser e compreendia a inteligibilidade sempre como verdade – comocorrespondência a uma pressuposta auto-subsistência material. Para o jusnaturalismoclássico em sentido estrito ou pré-moderno o “direito natural” (“dikaion physikon”, “iusnaturalis” ou “lex naturalis”) era verdadeiramente, não um direito a concorrer comoutro ou outros direitos, mas “o direito absoluto”, já que, se o direito positivo (“dikaionnomikon” ou “thesei dikaion”, “lex temporalis”, “lex humane”, “ius positivum”) eradecerto reconhecido, e na sua contingência histórico-social e política, não deixavatambém de ser pensado como elemento de um sistema normativo hierárquico eintegrado, que teria no “direito natural” o seu fundamento normativamente constitutivoe também regulativo e perante o qual lhe cabia tão-só a função de uma histórico-social,e portanto variável, determinação e concretização» (CASTANHEIRA NEVES, O
problema actual do direito. Um curso de Filosofia do Direito, Coimbra-Lisboa 1994)
1.2. A especificidade jurisprudencial e a autonomia material do direito: o direito como
juris-prudência que assume (ora mais judicativamente ora mais hermenêutico-
dialecticamente) a prática comunitária : a unidade intencional direito/pensamento
jurídico. O direito como tarefa prática de resolução de controvérsias. A pluralidade dos
modos de constituição do direito.
Elementos de estudo (pp. 27-28):Fernando José BRONZE, Lições de Introdução aodireito, cit., 308-315
Leitura especialmente recomendada:A. CASTANHEIRA NEVES, «O problema dauniversalidade do direito – ou o direito hoje, nadiferença e no encontro humano-dialogante dasculturas», Digesta, vol. 3º, Coimbra, CoimbraEditora, 2008, pp. 111-114 (pontos 1.-3.)
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Outras leituras:A. CASTANHEIRA NEVES, «A imagem dohomem no universo prático», Digesta, vol. 1º,Coimbra, Coimbra Editora, 1995, volume 1º, 319-323 (II 1.).
2. Os factores determinantes do legalismo e do normativismo positivistas reconstituídos
no contexto prático-cultural do pensamento moderno-iluminista.
2.1. O factor antropológico:
A narrativa de uma criação ex nihilo: o homem desvinculado anterior a qualquer vínculo social... mas também livre de qualquer tradição
(a) Da comunidade — dada enquanto dimensão
integrante da ordem natural indisponível (na qual o homem se
inscreve-integra como homo institutionalis) — à sociedade
(enquanto artefacto construído prático-culturalmente pelo
homem).
(b)O auto-projecto regulativo (a ideia) do homem desvinculado,
onerado com a invenção-construção da societas ― o homem do
estado de natureza, «composto» pelas dimensões irredutíveis dos
interesses, da liberdade-voluntas e da razão-ratio
(axiomaticamente autofundamentante).
Os «papéis» distintos que estas dimensões desempenham (ou os diversos
equilíbrios de institucionalização que histórico-culturalmente propiciam):
α) o homem dos interesses emancipados (das necessidades subjectivas) como
núcleo de reinvenção-construção da societas: a lição de HOBBES (de pensar a societas-
artefacto e o Estado- Leviathan a partir do dado do homem dos interesses egoistas e do
«[The] project of founding a form of social order in which individuals could emancipatethemselves from the contingency and particularity of tradition by appealing to genuinely universal,
tradition-independent norms was and is not only, and not principally, a project of philosophers. It was andis the project of modern liberal, individualist society…» (MACI NTYRE, Whose Justice? Which Rationality?, London, Duckworth, 1988, p. 335)
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
seu ius omnium in omnia, se não já da «guerra de todos contra todos»), uma lição que só
o utilitarismo de BENTHAM (com outros pressupostos e em nome de um outro projecto)
virá a prosseguir... e que, prolongada pelo pragmatismo norte-americano do século XIX
(PEIRCE, JAMES, HOLMES), encontrará no funcionalismo pragmático (e pragmático-
económico) do nosso tempo a sua expressão mais acabada.
●«And therefore if any two men desire the same thing, which nevertheless they cannot bothenjoy, they become enemies; and in the way to their end (which is principally their ownconservation, and sometimes their delectation only) endeavour to destroy or subdue oneanother.(…) To this war of every man against every man, this also is consequent; that nothingcan be unjust. The notions of right and wrong, justice and injustice, have there no place. Wherethere is no common power, there is no law; where no law, no injustice…» [Thomas H OBBES,
Leviathan (1651) part I, Of Man, Chapter XIII («Of the natural condition of mankind as concerningtheir felicity and misery»)]
●●«It is true that certain living creatures, as bees and ants, live sociably one with another (which are therefore by Aristotle numbered amongst political creatures), and yet have no other direction than their particular judgements and appetites; nor speech, whereby one of them cansignify to another what he thinks expedient for the common benefit: and therefore some manmay perhaps desire to know why mankind cannot do the same. To which I answer, (…) theagreement of these creatures is natural (…), that of men is by covenant only, which is artificial:and therefore it is no wonder if there be somewhat else required, besides covenant, to make their agreement constant and lasting; which is a common power to keep them in awe and to directtheir actions to the common benefit. The only way to erect such a common power (…) is toconfer all their power and strength upon one man, or upon one assembly of men, that mayreduce all their wills, by plurality of voices, unto one will. (…) This is more than consent, or
concord; it is a real unity of them all in one and the same person, made by covenant of everyman with every man, in such manner as if every man should say to every man: I authorise andgive up my right of governing myself to this man, or to this assembly of men, on this condition;that thou give up, thy right to him, and authorise all his actions in like manner. This done, themultitude so united in one person is called a Commonwealth; in Latin, Civitas. This is thegeneration of that great Leviathan, or rather, to speak more reverently, of that mortal god towhich we owe, under the immortal God, our peace and defence. » [Thomas H OBBES, Leviathan(1651) part II, Of Commonwealth, Chapter XVII («Of the causes, generation, and definition of aCommonwealth»)]
Para ler estes ou outros capítulos do Leviathan, ver http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/hobbes/leviathan-
contents.html.
β) A autonomia da voluntas e (ou) da ratio (e da concertação que estas
autorizam) hipertrofiada num individualismo e secularizada na imanência [ver
CASTANHEIRA NEVES, «O pensamento moderno-iluminista como factor
determinante do positivismo jurídico (A origem moderno-iluminista do legalismo)», pp.
3-5 αα)].
γ) A secularização e o secularismo [ibidem, pp. 5-7 ββ)].
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
A Razão já não como «serva da Revelação» mas como «fonte autárquica do conhecimento do justo»: a validade do direito que a razão conhece impor-se-ia nos mesmos termos «ainda que pudéssemos admitir – o que não pode conceber-se sem um grave pecado! – que Deus não existeou que não se ocupa dos assuntos humanos» [Hugo GRÓCIO, De Jure Belli ac Pacis (1625),Prolegomena, 11.].
2.2. A emancipação dos interesses (e do sistema económico) e a condição social em
que esta se traduz [CASTANHEIRA NEVES, «O pensamento moderno-iluminista...», cit.,
13-16 β)].
A emergência do capitalismo A «descentralização das perspectivas de
compreensão do mundo» que autonomiza o sistema económico e o seu discurso
instrumental-estratégico (HABERMAS), discurso este sustentado numa intenção deeficiência (se não explicitamente numa demarcação custo /benefício e na operatória de
maximização que esta exige)┿.
2.3. Uma nova concepção da razão: a identidade teorético-epistémica do logos (um
empobrecimento das modalidades da razão!) e a conversão da techné — que deixa de
estar associada à poiesis (a virtude intelectual da criação) para se converter numa
operatória da episteme-ciência. O sujeito racional e o mundo dos factos empíricos e
discretos (que a subjectividade intencional deste sujeito irá submeter a uma
reconstrução racional, capaz de reconhecer uma ordem de causalidade e as
regularidades que a manifestam).
A especificidade de uma concertação discursiva determinada por três planos:
— a pressuposição axiomática;
— a construção hipotético-explicativa (o método indutivo vinculado à
comprovação empírica); — a desimplicação lógico-formal (a consistência lógico-dedutiva).
A «ideia» moderna de ciência (os modelos polarizadores da analítica
matemática e da experimentação física). O declínio da racionalidade prático-prudencial
e dos domínios que a convocavam-especificavam (tópica, retórica, dialéctica).
[CASTANHEIRA NEVES, «O pensamento moderno-iluminista...», cit., 7-8 β)]
┿ Ver ainda BRONZE, cit, pp. 240 ( nota 13), 242-243, 328-330.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
2.4. O jusracionalismo a descobrir a juridicidade como uma normatividade
sistematicamente explicitante de um auto-projecto humano [ibidem, 8-10]
«O direito natural moderno foi pensado – em consonância com o racionalismotambém moderno e a sua razão axiomático-demonstrativa ou sistemático-dedutiva,que em LEIBNIZ foi elevada filosoficamente à ideia de “sistema” – igualmente emsistemas de uma normatividade abstractamente deduzida de axiomas teológicos e ético-racionais (F. SUAREZ) OU a partir de certos postulados antropológico-racionais (assim emGRÓCIO, PUFENDORF, THOMASIUS, WOLF, etc.), convertendo-se desse modo num
jusracionalismo que definia um sistema construído e concluso de normas, como umdireito ideal e um sistema normativo-crítico contraposto ao direito real ou histórico-social e político, o direito positivo. Daí a dualização do universo jurídico consequenteao jusnaturalismo moderno-iluminista – não haveria já um único sistema integrado por vários níveis de normatividade e numa sucessiva especificação, desde a “natural” ou
essencial normatividade fundamentante à positiva normatividade determinada econcretizadora, mas dois direitos com sentido, constitutividade e realidades diferentes, o“direito natural” e o “direito positivo”. E foi este o ponto decisivo para a evolução quenos importa considerar. É que este “direito natural” moderno ou os seus sistemasnormativos jusracionalistas haviam perdido, como já o denunciava o seu própriodualismo, a vinculação ao ser enquanto tal – não se inseriam com o direito positivo numsistema integrante que globalmente radicaria no ser –, pois não eram verdadeiramentemais do que sistemas racionalmente construídos, embora invocando como base axiomase postulados que se pretendiam “naturais” na sua evidência ética. E daí,
paradoxalmente, que esse direito natural moderno não fosse afinal verdadeiramentedireito. É que também para o direito, ou particularmente para o direito como entidade
prática, a “essência” não comprova nem garante a “existência”: o direito não o é (não édireito) sem um particular modo de “existência”, sem um específico modo-de-ser. Paraque o direito possa reconhecer-se como tal não basta a sua intencionalidade normativa,há que revelar-se determinante dimensão da praxis – desde logo em termos devinculante validade para a acção ou a inter-acção. Que tanto é dizer que o direito não
pode ser tão-só intencionalmente prático, terá de ser efectivamente prático. Não temosdireito apenas porque pensamos a essência jurídica ou porque construímos um sistemade normatividade jurídica – teremos assim tão-só pensado a juridicidade ou quandomuito construído uma possibilidade jurídica e nada mais. Para que tenhamos direitoimporta ainda que a normativa juridicidade, além da sua característica intencionalidadeou de uma específica possibilidade, se possa reconhecer histórico--socialmentevinculante e, portanto, dimensão determinante da prática social – só a determinação evinculação práticas transformam a juridicidade em direito. Nesse sentido é, pois, exactodizer-se que “a positividade é uma característica irrenunciável do direito” (H.WELZEL)...»(CASTANHEIRA NEVES, O problema actual do direito. Um curso de Filosofia do
Direito, Coimbra-Lisboa 1994)
2.4.1. Uma classificação possível:
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
α) A excepcionalidade do jusracionalismo «existencial» ou «empírico» de
Thomas HOBBES (1588-1679)...
O ius omnium in omnia (direito de todos sobre todas as coisas) e as laws of
nature do status naturalis (concentradas na regra pacta sunt servanda). Asuperação do bellum omnium contra omnes conduzida pela societas-
-máquina do Leviathan. A definição avant la lettre de um sentido
pragmático-instrumental, se não mesmo já estratégico, de lei (que só o nosso
tempo vai estar em condições de assumir)...
β) O jusracionalismo comum, alimentado por uma construção racional
nuclearmente apriorística («inteiramente sincronizado com as exigências políticas e jurídicas do seu tempo»):
β)’... o ciclo do direito racionalmente natural ― no qual o direito
natural («aquele que a razão conhece») determina autênticas exigências de
conteúdo ao direito positivo ou voluntário («aquele que a vontade cria») [«o
direito não é sem a sua expressão na vontade mas o seu conteúdo é
racionalmente constituído»];
Hugo GRÓCIO (1583-1645)Samuel PUFENDORF (1632-1694)
Christian THOMASIUS (1655-1728)
Christian WOLF (1679-1754)
β)’’... o ciclo do direito racional ou do direito formalmente racional ― no
qual a razão intervém apenas formalmente, impondo exigências estruturais à
composição da vontade legislativa e ao texto em que esta se exprime.
Jean-Jacques R OUSSEAU (1712-1778)Emmanuel K ANT (1724-1804)
2.4.2. O ponto de partida : a «natureza do homem» experimentada e assumida na
sua inteligibilidade (na sua «evidência») ético-empírica: a possibilidade de «descobrir»-
-isolar nesta ― e no status naturalis ou status primaevus que lhe corresponde (sendo
este status a representação hipotética do «estado ou da situação do homem individual
desvinculado, anterior à sua convivência social e política») ― um traço decisivo, que seconstitui-constrói e reconstrói racionalmente.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Assim nos contemporâneos GRÓCIO e HOBBES: com a representação do
appetitus societatis do primeiro a contrapor-se ao modelo antropológico do homo homini
lupus justificado pelo segundo. Assim em John LOCKE (1632-1704) e PUFENDORF (por
sua vez também entre si rigorosamente contemporâneos!): de tal modo que o modelo
antropológico de um homem já naturalmente social assumido pelo primeiro ― com a
especificidade de um status naturalis já sustentado numa ordem de direitos subjectivos
naturais (reason teaches all mankind who will consult it, that, being all equal and
independent, no one ought to harm another in his life, health, liberty or possessions) ―
se contraponha agora à representação da debilidade, vulnerabilidade ou desamparo
(imbecillitas) assumida pelo segundo ― sendo certo não obstante que esta debilidade
aparece já ligada à possibilidade-faculdade da sociabilidade (socialitas)…
«To understand political power right, and derive it from its original, we mustconsider, what state all men are naturally in, and that is, a state of perfectfreedom to order their actions, and dispose of their possessions andpersons, as they think fit, within the bounds of the law of nature, withoutasking leave, or depending upon the will of any other man. A state also of equality, wherein all the power and jurisdiction is reciprocal, no one havingmore than another (…). But though this be a state of liberty, yet it is not astate of licence: though man in that state have an uncontroulable liberty todispose of his person or possessions, yet he has not liberty to destroyhimself, or so much as any creature in his possession, but where somenobler use than its bare preservation calls for it. The state of nature has alaw of nature to govern it, which obliges every one: and reason, which isthat law, teaches all mankind, who will but consult it, that being all equaland independent, no one ought to harm another in his life, health, liberty, orpossessions: …» [LOCKE, Second Treatise of Civil Government (1680-1690),cap. II («Of the State of Nature»)]
Para ler mais , ver http://www.constitution.org/jl/2ndtr02.htm e http://www.saywhatistruth.com/locke.htm
«The state of men is either natural or adventitious. The natural state can beconsidered under three heads, so far as mere reason lights the way; either in relationto God the Creator, or in relation to individual men, as regards themselves, or as
regards other men. (…) In the second way we can consider the natural state of man, if we imagine what his condition would be, if one were left entirely to himself, withoutany added support from other men, assuming indeed that condition of human naturewhich is found at present. Certainly it would seem to have been more wretched thanthat of any wild beast, if we take into account with what weakness man goes forth intothis world, to perish at once, but for the help of others; and how rude a life each wouldlead, if he had nothing more than what he owed to his own strength and ingenuity. Onthe contrary, it is altogether due to the aid of other men, that out of such feeble-nesswe have been able to grow up, that we now enjoy untold comforts, and that weimprove mind and body for our own advantage and that of others. And in this sensethe natural state is opposed to a life improved by the industry of men…» [PUFENDORF,De officio hominis et civis juxta legem naturalem libri duo (1682), cit.na trad. Inglesa
On The Duty of Man and Citizen, Livro II, capítulo I («On the Natural State of Man»)]
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Para ler mais , ver http://www.constitution.org/puf/puf-dut_201.htm
Assim também de THOMASIUS («a apetência de felicidade») a R OUSSEAU («a
bondade como que associal do bom selvagem»)... mas já não em K ANT! K ANT recusa a
possibilidade de encontrar os princípios da filosofia prática numa «antropologia»
empírica e fenoménica (num qualquer conhecimento da natureza do homem) e propõe-se
compreender estes princípios na sua autonomia noménica, transcendental e ideal-
regulativa («como autênticas leis a priori que o Homem atingiria enquanto ser racional»):
ao ponto de reconhecer que o abandono do estado natural deve ser entendido já como um
dever ético («um postulado racional prático que se deduz do próprio conceito de direito»).
KANT
Estado de natureza: um status de «liberdade externa desprovida de leis» onde encontramosum modo de determinação do «meu e do teu exterior » com um carácter puramente provisório — umdireito privado baseado na «posse física», ou mais rigorosamente, um «modo de ter» que goza da«presunção jurídica» de se «poder converter em jurídico» [A posse física só se converterá plenamenteem modo de ter jurídico mediante a «união com a vontade de todos numa legislação pública»: noestado de natureza a sua juridicidade é potencial e cumpre-se como uma antecipação-expectativa do
status civilis («tem comparativamente o valor de uma posse jurídica enquanto se aguarda por um talestado»)] (§ 9 da Doutrina do Direito, Primeira Parte da Metafísica dos costumes)
Pacto social ►►Constituição civil ▬ Passagem para o status civilis ou «estado jurídico»
«O estado jurídico é aquela relação dos homens entre si que engloba tanto as condições sob as
quais exclusivamente pode cada um participar do seu direito quanto o princípio formal do mesmodireito, considerado de acordo com a ideia de uma vontade legisladora universal...» ( Ibidem, § 41)
«Do direito privado no estado de natureza surge então o postulado do direito público: deves,numa relação de coexistência inevitável com todos os outros, sair do estado de natureza para entrar num estado jurídico...(...) A razão para isso pode explicar-se analiticamente a partir do conceito dedireito na relação externa, por contraposição à violência. Os homens (...) cometem uma injustiça emúltimo grau ao querer estar e permanecer num estado que não é jurídico, num estado, entenda-se, emque ninguém está seguro do seu contra a violência» » ( Ibidem, § 42)
«O conjunto de leis que precisam de ser universalmente promulgadas para produzir um estado jurídico é o direito público. Este é portanto um sistema de leis para um povo, quer dizer, para umconjunto de homens, ou para um conjunto de povos que, achando-se entre si numa relação deinfluência recíproca, necessitam do estado jurídico sob uma vontade que os unifique, ou seja de umaconstituição (constitutio), para se tornarem participantes daquilo que é de Direito...» ( Ibidem, § 43)
Ler estes e outros parágrafos de Die Metaphysik der Sitten (1797-1798)na tradução portuguesa de José LAMEGO,
A metafísica dos costumes, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004
2.4.3. O sistema de consistência axiomático-dedutiva... que não obstante a
concepção maximalista de direito natural que assume (exigindo como que um
continuum de consistência lógico-proposicional entre o direito racional e o direito
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voluntário) acaba por se esgotar num direito puramente pensado (apenas «essência
racional» ou «projecto normativo»...«mas não, só por isso direito») e por impor uma
cisão efectiva entre um direito ideal e um direito real [ler atentamente supra o texto da
pág. 32]: cisão sobretudo visível porque o direito real desafiado por estes projectos
filosófico-políticos prolongava-continuava (não obstante algumas correcções
progressivas, determinadas sobretudo pela codificação do despotismo iluminado mas
também pela assimilação do cânone da interpretação do direito positivo segundo a
recta razão) a prática (e o sentido da prática) do ius commune.
« A verdade do direito positivo, como a do direito natural, pode demonstrar-se com precisão e clareza e isto na medida em que há uma relação entre todas as obrigações etodos os direitos e de tal modo que é possível deduzir um do outro mediante uma cadeiaininterrupta de raciocínios: as verdades que assim se relacionam entre si constituem um
sistema.» (WOLF)
2.4.4. A concepção normativista: o direito como um sistema autónomo de
normas com uma realidade e um modo de existência racional-abstractos (o direito existe
nas suas proposições normativas e existe independentemente da sua realização concreta,
que nada há-de poder acrescentar-lhe no plano da normatividade-juridicidade). A
possibilidade-exigência de cumprir positivamente este direito numa legislação
sistemática, num código. A exigência constitutiva e transformadora dos códigos jusracionalistas (que não se limitam a declarar-especificar ou a «ordenar» ou a
«melhorar»-reformar um direito já vigente mas que constituem um direito novo e que
com este e com a mediação deste determinam uma «planificação global da sociedade»).
Os códigos do despotismo iluminado (o Código prussiano e o Código civil austríaco) e
os códigos napoleónicos pós-revolucionários (o modelo inexcedível do Code Civil ).
2.5. A subjectividade auto-constitutuinte da modernidade a assumir o problema
teleológico-político da invenção da societas.
2.5.1. A dimensão da autonomia-liberdade como «dimensão e categoria prática
originária» (the state of perfect freedom within the bounds of the law of nature) a
projectar-se numa representação dos direitos subjectivos («a conversão do direito em
direitos») [ «Direitos que se diziam “naturais” para assegurar um sentido individualista
pré-social que os preservasse da disponibilidade pelo poder político...» (CASTANHEIRA
NEVES)]. A excepção de HOBBES…
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2.5.2. A recuperação do contratualismo já não como o pactum histórico
homologador da convivência político-comunitária mas como «acordo racional de
vontades»: a criação-constituição de um novo poder que resultasse da liberdade e fosse
por ela legitimado.
A sucessão de dois pactos: o pactum unionis que constitui o cosmos social ou a
associação e o pactum subjectionis que constitui o poder político ou Estado. A
construção exemplar de GRÓCIO e mais uma vez a excepção de HOBBES…[«que
dissolve desde logo o contrato social no pacto de submissão, pelo qual a sociedade
abandona imediatamente os seus direitos naturais a favor do soberano, de tal modo que,
como resultado, só restam um estado de natureza desprovido de direito e um direito
positivo absoluto...» (WIEACKER ) ].
O status civilis (social, político ou jurídico) como status adventitius («que vem
depois», que «não é natural», que é «acidental») [PUFENDORF].
A concentração exemplar do problema em R OUSSEAU: «Encontrar uma forma
de associação que defenda e proteja (...) a pessoa e os bens de cada associado e pela
qual cada um, ao unir-se (e enquanto se une) a todos os outros não obedeça no entanto
senão a si próprio e permaneça tão livre como antes. Tal é o problema fundamental
para o qual o contrato social representa a solução...» [ Du Contrat social ou principes du
droit politique (1762), Livre premier, Chapitre VI («Du pacte social»)]
«L’homme est né libre et partout il est dans les fers. Tel secroit le maître des autres, qui ne laisse pas d’être plusesclave qu’eux…» [ Ibidem, Livre premier, Chapitre I ]
2.5.3. O novo poder ? Que novo poder? Não certamente o do Leviathan de
HOBBES (Estado absolutamente soberano a quem todos os súbditos entregam o seu
direito à autodeterminação). Mas então que poder? Numa primeira fase (ligada á
experiência do direito racionalmente natural e a THOMASIUS e a WOLF em particular)
decerto o poder do despotismo esclarecido. Depois (e muito especialmente!), numa
concertação exemplar dos contributos de LOCKE e de R OUSSEAU ou das ideologias
liberal e democrática que traduzem (e de certo modo empobrecem) estes contributos —
e então e assim exigindo uma ruptura revolucionária! —, o poder do Estado demo-
liberal . Uma atenção particular a esta especificação ideológica e às exigências de
liberdade e de igualdade [ver BRONZE, ob.cit., pp. 335-341]
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2.6. A condição jurídica [ver C. NEVES, «O pensamento moderno iluminista...», cit.,
pp.19-22 δ)]: uma nova concepção da lei como expressão de um poder legislativo (de
uma voluntas legítima) que só se constitui na sua juridicidade quando o seu texto
assimila a estrutura racional de uma norma. Uma racionalidade que resulta:
— da articulação hipotético-condicional se...→então;
— da universalidade racional das suas formulações [generalidade
/abstracção/ formalidade em sentido estrito];
►«Actos de todo o povo para (e sobre) todo o povo...» ( generalidade) «...que
tratam de uma matéria comum...» (abstracção)... [R OUSSEAU].
«Mais quand tout le peuple statue sur tout le peuple il ne considèreque lui-même, et s'il se forme alors un rapport, c'est de l'objet entiersous un point de vue à l'objet entier sous un autre point de vue, sansaucune division du tout. Alors la matière sur laquelle on statue estgénérale comme la volonté qui statue. C'est cet acte que j'appelle uneloi. Quand je dis que l'objet des lois est toujours général j'entends quela loi considère les sujets en corps et les actions comme abstraites,
jamais un homme comme individu ni une action particulière. Ainsi la loipeut bien statuer qu'il y aura des privilèges, mais elle n'en peut donnernommément à personne; la loi peut faire plusieurs classes de citoyens,assigner même les qualités qui donneront droit à ces classes, mais ellene peut nommer tels et tels pour y être admis; elle peut établir un
gouvernement royal et une succession héréditaire, mais elle ne peutélire un roi ni nommer une famille royale; en un mot toute fonction quise rapporte à un objet individuel n'appartient point à la puissancelégislative…» (Du Contrat social , cit., Livro II, cap. VI)
Ler todo este capítulo no Material de apoio (ROUSSEAU)
►... mas também actos da vontade legisladora geral que enquadram a acção sem lhe
imporem previamente um conteúdo (antes confiando este à livre autodeterminação dos
interesses e dos fins de cada sujeito) {A exigência de abstrair do arbítrio, do «fim que
cada um se pode propor no que quer», para se considerar «apenas a forma na relação
dos arbítrios» e a forma que confere a estes a sua «liberdade racional»: «Age de tal
modo que a máxima da tua vontade possa sempre ser considerada como um princípio de
legislação universal» (princípio da moralidade) / «Age exteriormente de tal sorte que o
livre uso do teu arbítrio possa concordar com a liberdade do outro segundo uma lei geral
de liberdade» (princípio do direito) [K ANT]}.
«O conceito de Direito (...) diz respeito , em primeiro lugar, à relação
externa (...) . [Em] segundo lugar (...) à relação do arbítrio pura e
simplesmente com o arbítrio do outro. Em terceiro lugar, nesta relação
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recíproca dos arbítrios não se atende, de todo em todo, à matéria do
arbítrio, quer dizer, ao fim que cada qual se propõe com o objecto que quer;
por exemplo, não se pergunta se alguém pode ou não retirar benefícios da
mercadoria que me compra para o seu próprio negócio, mas pergunta-se
apenas pela forma na relação entre os arbítrios de ambas as partes, na
medida em que tais arbítrios são considerados simplesmente como livres, e
se, com isso, a acção de cada um se pode conciliar com a liberdade do outro
segundo uma lei universal...» (Metafísica dos costumes, cit., Introdução à
doutrina do direito, § C.)
— do fundamento imanente que o sistema das normas (na sua unidade
horizontal por coerência) lhe proporciona (remissão).
Dois contrapontos paralelos :
α ) A volonté génerale em ROUSSEAU — inconfundível com as vontades
empíricas, reais (determinadas por um interesse privado) [volonté particuliére, volonté
de tous, (volonté de la majorité)] e então e assim a impor-se como uma «racionalização
da volonté de tous» (a lei como a «a mais sublime das instituições»... e o carácter
«extraordinário» do autêntico legislador).
β ) A liberdade em KANT — inconfundível com o arbítrio e a contingência
material deste («O direito como o conjunto das condições por meio das quais o arbítrio
de cada um pode concordar com o de outro segundo uma lei geral da liberdade»).
Breve alusão ao sentido do êxito histórico imediato destes pensamentos e ao
modo como a recepção liberal destes os empobrece. A impossibilidade individualístico-
-liberal de fazer justiça ao personalismo ético de KANT: aquele que se traduz narepresentação de um Reino dos Fins [«Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto
na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e
nunca simplesmente como meio...» (Fundamentação da metafísica dos costumes)]
2.7. Duas condições epistemológicas — já no limite do contexto iluminista (a primeira
de resto em contraposição directa com este!)... e não obstante decisivas para a a
consumação deste no positivismo jurídico do século XIX...
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2.7.1. O historicismo a posteriori da Escola Histórica: a pressuposição (ainda
que não imposição) do direito-dado e a distinção entre o elemento político (o elemento
material que vincula o direito à «vida geral» da «comunidade»- povo) e o elemento
técnico (que determina uma autêntica ciência do direito) [ver CASTANHEIRA NEVES, «O
pensamento moderno-iluminista como factor determinante do positivismo jurídico...», cit., pp.
10-13 δδ); ver também BRONZE, ob. cit ., pp.342-348].
2.7.2. O cientismo positivista, a hipertrofiar os discursos e os tipos de
racionalidade que considerámos acima ( supra, 2.3.) [ver BRONZE, ob cit ., pp. 348- 351].A
conversão do direito num objecto do pensamento jurídico (ou deste enquanto ciência do
direito) [remissão].
Elementos de estudo (pp. 29-40)A. CASTANHEIRA NEVES, «O pensamentomoderno-iluminista como factor determinante do
positivismo jurídico (A origem moderno-iluministado legalismo)», 23 pp., in Curso de Introdução ao
Estudo do Direito, cit. (a mesma colectânea que até agoratemos mobilizado).Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao
direito, cit., 315-351.Outras leituras (para além daquelas já indicadas nosumário)CABRAL DE MONCADA, Filosofia do direito edo Estado, vol I (Parte histórica), §§ 24 (R OUSSEAU)e 25 (K ANT).A. CASTANHEIRA NEVES, O instituto dos
Assentos e a função jurídica dos SupremosTribunais, Coimbra 1983, pp. 525 e ss., 539-562,562 e ss.
J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direitoe ao discurso legitimador,cit., pp. 79-82, 91-93.
3. O positivismo legalista reconhecido nas suas coordenadas caracterizadoras.
3.1. Coordenada político-institucional: o Estado-de-Direito de legalidade e os princípios
da separação-divisão dos poderes , da legalidade e da independência judicial .
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A especificidade de um Estado de representação parlamentar — de cidadãos
que se assumem como «vozes do dever» e participantes na vontade geral e que assim
(«obedecendo a si mesmos») se afirmam simultaneamente como soberanos e súbditos,
vontades livres e limitadas — no qual a função legislativa se reconhece e
institucionaliza como único poder «supremo e soberano» ou como «monopólio
normativo deste poder» (the supreme power in every commonwealth).
3.1.1. A separação-divisão dos poderes...:
— autonomizada primeiro (por MONTESQUIEU... mas também e ainda
parcialmente por LOCKE!) no seu sentido «pragmaticamente» negativo (estritamente
político)...
...enquanto resultado e correlato de uma «prudência política» justificada por argumentos de responsabilização e de eficácia (ou pelo modo como estesconvergem na construção de um pouvoir moderé «socialmente equilibrado»)...
A faculdade de «impedir»-empêcher que cada um dos poderes da societas-Estado exerce sobre o outro
• Um «sistema de pesos e contrapesos» (no qual o «poder trave o poder»): aexperiência exemplar da democracia inglesa, construída paulatinamente (sem rupturas esem uma planificação racional prévia).
•• A exigência de confiar a um só (ao monarca) o poder executivo e a de permitir que as diferenças de nascimento (de «estado») dos «nobres» e do «povo»(consagradas por diferentes ordens normativas e jurisdições) se projectem na partilha do
poder legislativo (entregues a dois corpos e às respectivas assembleias)...••• O poder judicial como um poder invisível e nulo: «os juízes da nação»
(enquanto «seres inanimados») «não são senão a boca que pronuncia as palavras da lei»
«La liberté politique ne se trouve que dans les gouvernements
modérés. Mais elle n'est pas toujours dans les États modérés; elle n'yest que lorsqu'on n'abuse pas du pouvoir; mais c'est une expérienceéternelle que tout homme qui a du pouvoir est porté à en abuser ; il va jusqu'à cequ'il trouve des limites. Qui le dirait! La vertu même a besoin delimites Pour qu'on ne puisse abuser du pouvoir, il faut que, par ladisposition des choses, le pouvoir arrête le pouvoir. (...)Lorsque, dans la mêmepersonne ou dans le même corps de magistrature, la puissance législativeest réunie à la puissance exécutrice, il n'y a point de liberté; parce qu'onpeut craindre que le même monarque ou le même sénat ne fasse deslois tyranniques pour les exécuter tyranniquement. Il n'y a point encore de
liberté si la puissance de juger n'est pas séparée de la puissance législative et del'exécutrice. Si elle était jointe à la puissance législative, le pouvoir surla vie et la liberté des citoyens serait arbitraire: car le juge serait
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législateur. Si elle était jointe à la puissance exécutrice, le jugepourrait avoir la force d'un oppresseur. Tout serait perdu, si le mêmehomme, ou le même corps des principaux, ou des nobles, ou dupeuple, exerçaient ces trois pouvoirs: celui de faire des lois, celui d'exécuter lesrésolutions publiques, et celui de juger les crimes ou les différends des particuliers.
(...)Ainsi, la puissance législative sera confiée, et au corps des nobles, et aucorps qui sera choisi pour représenter le peuple, qui auront chacun leursassemblées et leurs délibérations à part, et des vues et des intérêtsséparés.(...) La puissance exécutrice doit être entre les mains d'un monarque, parceque cette partie du gouvernement, qui a presque toujours besoind'une action momentanée, est mieux administrée par un que parplusieurs; au lieu que ce qui dépend de la puissance législative estsouvent mieux ordonné par plusieurs que par un seul. Que s'il n'yavait point de monarque, et que la puissance exécutrice fût confiée àun certain nombre de personnes tirées du corps législatif, il n'y aurait
plus de liberté, parce que les deux puissances seraient unies; lesmêmes personnes ayant quelquefois, et pouvant toujours avoir part àl'une et à l'autre. (...) Des trois puissances dont nous avons parlé, celle de juger esten quelque façon nulle. (...) La puissance de juger ne doit pas être donnéeà un sénat permanent, mais exercée par des personnes tirées ducorps du peuple dans certains temps de l'année(...). De cette façon, lapuissance de juger (...)devient, pour ainsi dire, invisible et nulle. Onn'a point continuellement des juges devant les yeux; et l'on craint lamagistrature, et non pas les magistrats. (...) Les juges de la nation ne sont(...) que la bouche qui prononce les paroles de la loi; des êtres inanimés qui n'enpeuvent modérer ni la force ni la rigueur(...).»
(MONTESQUIEU, De L’esprit des lois, excertos do Livro XI, capítulos IV e VI)Para ler mais, ver
http://classiques.uqac.ca/classiques/montesquieu/de_esprit_des_lois/partie_2/de_esprit_des_lois_2.html.Ver ainda a síntese proposta em http://maltez.info/biografia/Obras/montesquieu%20espritl%20des.pdf
— ... antes de (com R OUSSEAU e K ANT) se converter num «corolário
institucional» (livre de qualquer consideração pragmática) da concepção moderno-
-iluminista da lei e do «Estado ideal» e «autónomo» («segundo os puros princípios do
Direito») que esta concepção promete (enquanto «situação a que a razão nos obriga a
aspirar por via de umimperativo categórico
»).«Um Estado (...) é a união de um conjunto de pessoas sob leis jurídicas. Na
medida em que estas, como leis a priori, são necessárias, ou seja, resultam por si dosconceitos do direito externo em geral (...), a sua forma é a forma de um Estado em geral,i.e., do Estado ideal, tal como ele deve ser segundo os puros princípios do Direito, ideiaessa que serve de norma (...) a toda associação efectiva dirigida a constituir um corpo
político (...).Qualquer Estado contém em si três poderes, quer dizer, a vontade geralunificada que se ramifica em três pessoas (trias politica): o poder soberano (soberania)na pessoa do legislador, o poder executivo na pessoa do governante (em observância àlei) e o poder judicial (que atribui a cada um o que é seu, de acordo com a lei) na pessoado juiz ( potestas legislatoria, rectoria et iudiciaria), à semelhança das três proposiçõesde um silogismo prático: a premissa maior, que contém a lei daquela vontade, a
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premissa menor, que contém o preceito de proceder em conformidade com a lei, isto é,o princípio de subsunção à lei, e a conclusão, que contém a decisão judicial (a sentença),sobre o que é de Direito em cada caso.
(...) Existem, assim, três diferentes poderes (...) graças aos quais o Estado tem asua autonomia, quer dizer, se estrutura e conserva segundo leis de liberdade. — Na sua
união reside a salvação do Estado (...); salvação essa pela qual não devemos entender nem o bem estar dos cidadãos nem a sua felicidade, pois que esta pode ocorrer noestado de natureza (como afirma R OUSSEAU) ou mesmo sob um governo despótico,
porventura de modo muito mais cómodo e apetecível; mas sim a situação da máximaconcordância entre a Constituição e os princípios do Direito, situação a que a razão nosobriga a aspirar por via de um imperativo categórico...»
(KANT, §§ 45 e 49 da Doutrina do Direito, Primeira Parte daMetafísica dos costumes, cit.)
«Pois a lei assim entendida distingue-se logicamente tanto da execução concreta como da aplicação particular, e
o poder legislativo, que só poderá prescrever normas gerais e abstractas, postula, já por isso, institucionalmente,diferentes poderes-funções de execução e de aplicação da sua legislação: um poder executivo chamado àiniciativa de governo e de administração, segundo um princípio de legalidade ou no quadro da lei, e um poder
judicial com a função exclusiva da aplicação da mesma lei aos casos particulares da sua previsão abstracta (...).Excluída qualquer forma de determinação do direito para além da lei (...), seria impensável que à função
jurisdicional se atribuísse ou ela assumisse qualquer modalidade normativamente legislativa. Quer dizer, asfunções legislativa e jurisdicional, deixando de ter perante o direito e a ordem jurídica objectivos análogos — como haviam tido nos sistemas políticos pré-modernos —passam a ser intencional e institucionalmentecontrárias (uma delimita e exclui do seu campo funcional a outra), embora não contraditórias (a sua distinção éfuncionalmente complementar) e numa marcada relação de função exclusivamente soberana e criadora (a
função legislativa) para função subordinada e estritamente aplicadora (a função judicial)...» (CASTANHEIRA
NEVES, O instituto dos «Assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra 1983, págs. 580-584)
3.1.2. O princípio da legalidade: as exigências da supremacia ou prevalência da lei
(Vorrang des Gesetzes) e da reserva da lei (Vorbehalt des Gesetzes) — a primeira a
projectá-la como «acto da vontade estadual que prevalece ou tem preferência sobre
todos os outros actos do Estado» e a segunda a levá-la a sério como imperativo-norma
constitutivo da juridicidade (aqui e agora capaz de confundir a delimitação dos
«âmbitos de matérias» que lhe estão reservados com a determinação do território do
direito) — enquanto traduções institucionais convergentes...: —…de uma concepão representativa da legitimidade…(se não de uma
concepção que transforma esta em soberania, em «poder autónomo
contratualmente instituinte e constituinte»)...
«A submissão da administração à lei é uma condição necessária dalegitimidade da sua actuação (...) . Os órgãos executivos não sãodirectamente representativos, não participam qua tale na formação--manifestação da volonté générale. Para assegurar a legitimidade das
suas decisões, é necessário que se ajustem aos critérios geraisestabelecidos nas normas...» (ESTÉVEZ ARAUJO, J.A.)
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
A articulação entre as promessas de uma constituição limitada e limitadora (limited and limiting Constitution) — construída pelo dispositivo da separação dos poderes — e agarantia da liberdade individual (contra o arbítrio da autoridade) — consumada numa
juridicização do poder: uma articulação que se determina exigindo que os representantesque detêm a autoridade legislativa não façam senão critérios gerais e abstractos
(LOCKE).A liberdade racional dos cidadãos (membros da societas civilis,entenda-se, do Estado) de «não obedecer a nenhuma outra lei senãoàquela a que (através do exercício do poder legislativo) deram o seuconsentimento»:«O poder legislativo só pode caber à vontade unida do povo. Uma vez que dele devedecorrer todo o direito, não pode ele causar com a sua lei injustiça absolutamente aninguém. (...) Daí que só a vontade concordante e unida de todos, na medida em quedecide cada um o mesmo sobre todos e todos decidem o mesmo sobre cada um, por conseguinte, só a vontade geral colectiva do povo pode ser legisladora...» (KANT, §
46 da Doutrina do Direito, Primeira Parte da Metafísica doscostumes, cit.)):
Ainda o confronto com MONTESQUIEU (e com o modelo da Constituiçãoinglesa:«Daí que a chamada Constituição estadual moderada, como Constituição do Direito interno doEstado, seja um absurdo e que, em vez de fazer parte do Direito, seja um princípio de prudência...»(KANT, Anotação geral, ponto A.,inscrita a seguir ao § 49 da Doutrina doDireito, Primeira Parte da Metafísica dos costumes, cit.)
—… e do «duplo postulado do legalismo»…
«A lei é todo o direito... e toda e qualquer lei é direito... Não há direito fora da lei; não há não-direito no interior da lei. Ou o que é o mesmo: não há normas vigentes que não sejam legais enão há normas legais que não sejam vigentes... Eis o duplo postulado do legalismo...»(LOMBARDI VALLAURI)
—… mas também e muito especialmente da concertação exemplar
das opções normativista e legalista [«Não há leis que não sejam normas
nem normas jurídicas que não sejam leis…» / «O direito é um sistema de
normas gerais e abstractas prescrito pela vontade legisladora enquanto
“vontade geral colectiva do povo”…»]
Reparemos que as compreensões legalista e normativista do direito não têm necessariamente quecoincidir:
(a) assumir uma compreensão legalista significa ver na lei o modo exclusivo (ou pelo menosdominante e determinante) da constituição e objectivação do jurídico (jurídico assim mesmoimputado a uma voluntas prescritiva político-constitucionalmente institucionalizada);
(b) assumir uma concepção normativista significa pensar o jurídico como um sistema denormas racionalmente auto-subsistentes — e exigir que todo o discurso juridicamente relevanteenvolva como sua dimensão irrenunciável a possibilidade de universalização associada à ratio danorma-regra (enquanto proposição de dever-ser geral e abstracta).
Se pusermos o problema no nosso contexto actual… podemos dizer com efeito…
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
▬… que é possível ser-se-legalista sem se ser normativista [reconduzir a constituição dodireito à voluntas do poder ou dos poderes legislativos… admitindo que as leis assim prescritas nãose exprimam todas através de normas-regras ou de programas condicionais («se→…então»)… oureconhecendo que, mesmo quando se exprimem através de normas gerais e abstractas, tais
prescrições devem ser tratadas racionalmente como estratégias ou programas finais),▬… na mesma medida em que é possível sustentar uma opção normativista sem defender
no plano (dito) das fontes uma opção legalista, antes e em contrapartida reconhecendo diversosmodos de constituição do direito (legislativos, jurisdicionais, consuetudinários e até doutrinais)…[por exemplo, dar todo o relevo às decisões judiciais enquanto precedentes ou pré-juízos paradecisões futuras… exigindo simultaneamente (para que estas possam ser pensadas eexperimentadas-realizadas juridicamente) que se reconstrua a norma geral e abstracta que taisdecisões introduzem ou especificam (a norma geral e abstracta implícita na solução concreta eindividual que estas decisões exprimem); ou então… aceitar que a doutrina é hoje uma «fonte dedireito», exigindo simultaneamente que os seus critérios possam ser pensados e reconstituídosintegralmente como programas condicionais… (se não como condições da exploração-interpretação
racional de tais programas)…].Importando então concluir que o que aconteceu no contexto prático-cultural do Iluminismo — esustentou todo o processo de institucionalização do Estado demo-liberal, para encontrar a suaexpressão culminante (não sem dificuldades embora◙!) no Método Jurídico do século XIX —, foi
precisamente uma conjugação-concertação (reciprocamente constitutiva) de legalismo e denormativismo (a de um legalismo que é incondicionalmente normativista… e a d e u mnormativismo exclusivamente alimentado por um legalismo).
3.1.3. A independência judicial assegurada na e pela estrita obediência à lei. As normas
legais como «critérios normativos» racionalmente universais e não como «imposições
ou intenções concretas de decisão».
Uma reinvenção (muito mais luminosa) da imagem do juiz (e do poder judicial).
[Ainda aqui um confronto com MONTESQUIEU !]. Ser apenas a «boca que pronuncia
as palavras da lei» (ser independente e neutro) passa a significar antes de mais libertar-
-se da «sujeição a poderes ou forças politico-socialmente contingentes» (àqueles
poderes e forças que actuam nos comandos-imperativos singulares, com destinatários
individualizados e reacções-respostas construídas para situações concretas)... para
garantir que as prescrições da vontade geral se cumpram em cada caso (perante cada
problema-controvérsia) sem quaisquer restrições na sua universalidade racional . Sendo
precisamente a pressuposição desta normatividade universal (assumida na sua
completude e deixada intocada na sua auto-subsistência ideal) que garante a
◙ Dificuldades resultantes de um processo de construção muito complexo (no qual a «teoria » dasfontes do historicismo constitui decerto um elemento tão relevante quanto perturbador!)… processo aoqual aludiremos infra, na última parte do nosso curso
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NORMATIVILEGALISM Positivismo jurídico do
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
racionalidade plena (a inevitabilidade racional) da resposta que o julgador há-de dar
«sobre o que é de Direito em cada caso» (a resposta que «atribui a cada um o que é seu»
de acordo com a lei e pronunciando sem restrições as suas palavras). Só pressupondo
esta normatividade (plenamente dominada na sua unidade, como um autêntico sistema
de normas) estará tal resposta em condições de se libertar da contingência e do arbítrio.
O paradigma da aplicação:
(a) o direito-lei pré-determinado (reconstruído racionalmente e
interpretado em abstracto) sem qualquer interferência do mundo dos
casos concretos (ou da perspectiva que estes autorizam) [a exigência
do julgador abstrair do problema que o pré-ocupa para poder
interpretar a norma em abstracto, garantindo a esta a sua plena
inteligibilidade racional e a juridicidade que resulta da sua
universalidade (infra, na última parte deste curso, compreenderemos
de que interpretação se trata e quais são os cânones que a
explicitam)];
(b) a exigência de reconduzir o mundo dos casos-acontecimentos a um
acervo de factos empíricos desarticulados (factos discretos), factos
que o juiz-sujeito irá «organizar» à luz da perspectiva de relevância e
das exigências de articulação que a hipótese da norma lhe oferece (o
contraponto normas /factos);
(c) o esquema lógico-dedutivo do silogismo subsuntivo a garantir a
relação entre o geral e o particular sem implicações normativas.
PREMISSA MAIOR
A proposição normativa reconhecida na sua estrutura (hoje diríamosno seu programa condicional ): à hipótese H («se...») corresponde aconsequência (-solução) jurídica C («então...»)
PREMISSAMENOR
A subsunção propriamente dita(cujo núcleo é ainda e por sua vezconstituído por um silogismológico): o problema P (determinado ecomprovado na sua factualidadeempírica) é uma espécie (é umexemplar) do género H — entenda-se, é assimilado pelas possibilidadesde «representação» ou de «previsão»
da norma em causa (ou pela tra-dução sistemático-categorialmente
48
• H está caracterizado demodo pleno pelas notas(-qualidades) x , y e z .•• P apresenta as notas (-qualidades) x , y e z .••• Logo P é um caso singular e concreto inscrito na hipótesegeral e abstracta H
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
plausível, e não obstante única,destas possibilidades).
CONCLUSÃO
Para o problema concreto P vigora (impõe-se-nos) a solução tipificada C(ou uma desimplicação lógica desta)
A institucionalização deste modelo de separação dos poderes (iluminado pelo horizonte
de um «Estado ideal» e «autónomo», construído «segundo os puros princípios do
Direito») cumpre-se porém introduzindo dinâmicas perversas (que a evolução posterior
virá a confirmar e a submeter a um diagnóstico implacável de fracasso): decerto porque
a promessa de juridicização integral dos poderes do status civilis se cumpre (se
consuma) afinal esvaziando materialmente o jurídico… e entregando-o à pura
contingência da vontade política (cada vez menos claramente sustentada pela luz davolonté générale).
«Reparemos no entanto que houve aqui uma evolução... que superou-transformou osentido originário destas exigências.(...) A ideia liberal do Estado-de-direito,(...) queassumia uma função privilegiada de garantia dos cidadãos (...), vinculada a umaexperiência de certeza do direito (...), converte-se pouco a pouco, por excesso deconfiança, na ideia do direito do Estado. A doutrina da divisão dos poderes, interpretadano sentido de libertar o juiz de toda e qualquer função normativa — para conferir esta
integralmente ao órgão da vontade geral e (...) assim garantir racionalmente aindependência do aplicador do direito perante os homens e as políticas —, acaba por seesgotar na prescrição de um discurso lógico-dedutivo (...) e por impor aos juízes e aos
juristas em geral uma formação que os entrega a um legalismo passivo e formalístico...»(LOMBARDI VALLAURI)
3.2. Coordenada estritamente jurídica: as duas dimensões imprescindíveis da lei.
α) A lei enquanto imperativo ou formale legis — comando, prescrição ou
estatuição normativa, que tem a «sua fonte na vontade do povo» e no poder soberanoque a representa, e que como tal se impõe (e nos vincula).
β) A lei enquanto norma racionalmente universal — geral, abstracta e formal
[com o sentido que já explorámos supra, 2.6., pp.37-39] mas também permanente ou
estável (se não já imutável), entenda-se, «subtraída à contingência e mutabilidade do
individual histórico-concreto, à relatividade histórico-concreta».
A importância da normatividade constitucional e da organização da legalidade
sub specie codicis (a pretensão de unidade e de completude).
49
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3.3. Coordenada axiológico-jurídica: a racionalidade da lei a «consubstanciar» as
exigências normativas da juridicidade («a justiça racional da universalidade-igualdade e
da segurança»).
α) A generalidade a fundar-se na liberdade (que inventa a societas) mas também
a excluir o arbítrio e os «privilégios» e a consumar (na sua auto-subsistência) uma
exigência de igualdade.
β) A abstracção a assimilar o comum racionalmente parificador (outra das
dimensões da igualdade) mas também a «atingir o futuro e a assegurar a permanência».
γ) A formalidade a definir o « status ou o quadro normativo» das possibilidades
de actuação-autodeterminação dos sujeitos («as estruturas genérico-abstractas ou
objectivo-formais dos direitos e liberdades, fossem os direitos e liberdades
fundamentais, fossem os direitos e liberdades comuns, e igualmente as obrigações e
responsabilidades») sem impor fins, antes permitindo a cada um a prossecução dos seus
fins ( subjectivamente emancipados) e a realização lograda dos seus arbítrios: a lei a
afirmar a pureza jurídica da sua intencionalidade enquanto norma (a «assegurar
negativamente a garantia dos direitos, protegendo os direitos de cada um contra os
ataques dos outros») e então e assim a desempenhar uma função político-socialmente
estatutária de garantia (a garantir a ordem das «liberdades» de um «modo igual e
objectivo, permanente e seguro»).
δ) A permanência enquanto condição da segurança. Os dois sentidos da
segurança — através do direito e do direito — e a acentuação privilegiada que o
liberalismo individualista (na mesma medida também em que hipertrofia o pólo dos
direitos subjectivos e a liberdade dos fins) acaba por conferir à primeira. A conexão
aproblemática entre a previsibilidade (obtida «através de uma regulamentação genérica
e tendencialmente formal») e a segurança através do direito. [Ler com muita atenção
CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic.,Coimbra, 1971-1972, pp. 68-72♦].
3.4. Coordenada funcional: a especificidade dum pensamento jurídico formalista.
A cisão intencional entre um direito-objecto pressuposto (positum) — cuja
criação ou constituição se imputa a um poder estadual (ou pelo menos a um elemento
político) — e o pensamento jurídico (intencionalmente teorético e só como tal
juridicamente autónomo) que se lhe dirige.Ver elementos de estudo indicados na pág. 49.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
A ruptura que este entendimento, aberto pelo objectivismo historicista,
representa [Antes desta ruptura todos os degraus do pensamento jurídico (sem esquecer
aquele assumidamente especulativo da filosofia prática, dita iuris naturalis scientia)
eram orientados por intenções prático-normativas… intenções como tal circular e
indissociavelmente partilhadas pelo projecto-procura do direito].
« Se para o positivismo jurídico o direito era só o direito positivo, isto é, odireito posto (im posto) pelas prescrições do órgão ou órgãos político-socialmente legitimados para tanto, isto significava que o direito eraentendido como criação autónoma do legislador político, segundo a suateleologia político-social, e variável em função das circunstâncias histórico-sociais condicionantes dessa mesma teleologia. Uma vez porém desse modocriado e posto, o direito passaria a ser objecto de um pensamento que se
pretendia puramente jurídico e assumido assim pelo “jurista enquanto tal”
(WINDSCHEID), pois que o seu objectivo metodológico seria exclusivamentecognitivo (a analítico-interpretativa reprodução e conceitualização dessedireito positivo, não de qualquer modo a reconstituição ou coprodução dasua normatividade) e a sua intenção noética estritamente formal — se olegislador cria o direito positivo, o jurista com o seu pensamentoexclusivamente jurídico conhece-o na sua estrutura lógico-formal e aplica-otambém lógico-formalmente ou lógico-dedutivamente, constituindo nestestermos o que se viria a designar o estrito Método Jurídico...»(CASTANHEIRA NEVES,«A redução política do pensamento metodológico-
jurídico...», Coimbra 1993).
O confronto entre a contingência prático-material e político-ideológica que
sustenta o processo de criação do direito (e as decisões em que este culmina) e a pureza
formalmente jurídica do processo cognitivo e da ciência do direito que o torna possível.
A procura de uma perspectiva puramente jurídica desenvolvida ao longo do século XIX
enquanto procura de cientificidade (a construção de uma ciência jurídica de normas,
sustentada num cognitivismo-objectivismo normativista e na exigência de determinar
um direito-dogma, imputado à auto-inteligibilidade racional de um sistema de institutos
e de conceitos).
O equilíbrio construção conceitual /sistematização /interpretação e as cisões
interpretação/integração, interpretação/aplicação; a aplicação como momento prático-
-técnico (exterior ao Método) [remissão para a última parte do nosso curso].
A pretensão de dominar teoreticamente a prática enquanto condição de
racionalidade. A «neutralidade científica» a levar implícita uma intenção axiológico-
jurídica de «universalidade racional» (a neutralidade da ciência jurídica a «concorrer
para o êxito e consumação da última intenção axiológica daquele direito-lei que se
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
recebia como mero objecto de conhecimento») [Ler com muita atenção CASTANHEIRA
NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic., Coimbra, 1971-
-1972, pp. 12-13⊇]
3.5. Coordenada epistemológico-metodológica (remissão): a (contingente) assimilaçãoexegética dos sentidos e a sua tradução em (invariantes) estruturas conceitual-
sistemáticas (mediatizadas pela determinação de um direito-dogma).
Elementos de estudo (pp. 40-49)Fernando José BRONZE, Lições de Introdução aodireito, cit., 353-376.A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Intro-dução ao estudo do direito (extractos), polic.,Coimbra, 1971-1972⊇ , pp. 3-17.
[ponto 3.2. do nosso sumário] ID., «O pensamentomoderno-iluminista como factor determinante do
positivismo jurídico (A origem moderno-iluministado legalismo)», in Curso de Introdução ao Estudodo Direito, cit., pp. 19-22 [δ].[ponto 3.3. δ)] ID., Curso de Introdução ao estudodo direito (extractos) ⊇ , polic., Coimbra, 1971-1972,
pp. 67-77.
4. Uma primeira abordagem do universo pós-positivista concentrada numa
experimentação antropológica e no modo como esta corresponde a uma compreensão
(hoje plausível) do sentido específico do direito (ou mais rigorosamente, à pré-
-determinação fundamentante de uma tal compreensão, considerada no seu momento
regulativo).
4.1. O processo de superação do positivismo legalista. O diagnóstico de uma crise (já
anunciada nas três últimas décadas do século XIX) e este diagnóstico concentrado-
-simplificado em seis sintomas (ou núcleos de sintomas) exemplaresℵ.
. Colectânea de extractos (189 págs) disponível na Sala de leitura G-4-2.
A identificação destes sinais (na medida em que nos remete para temas que virão a ser
desenvolvidos em Introdução ao direito II ) mereceu nas aulas teóricas uma alusão relativamente breve.Aqueles que foram considerados com mais autonomia e desenvolvimento (e que exigem neste momentoum especial cuidado!) são os que correspondem aos nºs 4.1.2. e 4.1.5. (infra, pp. 51-53, 55-58).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
4.1.1. A crítica metodológica a mostrar-nos numa perspectiva analítica que o juízo
jurisdicional concreto (que soluciona controvérsias práticas) é irredutível ao
esquema silogístico-subsuntivo exigido pelo paradigma da aplicação... e então e
assim a pedir uma verdadeira revisão metodológica (alternativa)... alimentada por
uma outra racionalidade.
A problematização da cisão interpretação (em abstracto) / aplicação (em
concreto) conduzida pela autonomização progressiva de uma interpretação
normativo-teleológica (remissão).
O reconhecimento dos «verdadeiros problemas», que o Método Jurídico do
século XIX pressupõe resolvidos e oferecidos nas premissas (e que como tal se
abstém de tematizar): a construção do caso (e a determinação da sua relevância
jurídica); a procura do critério normativo (a selecção da «norma aplicável»); o
confronto da relevância do caso com a relevância da norma.
A importância (a força) da decisão e da sua (irredutível!) componente
volitiva mas também das ponderações práticas, dos juízos de valor e das
considerações teleológicas que nela interferem (que a condicionam e constrangem,
mas que também a constituem, exigindo assim que a juridicidade deixe de se
identificar com a legalidade racionalmente reconstruída em abstracto).
O isolamento progressivo de um Método idealmente pré-determinado (e
como tal prescrito) e as resistências da realidade: não nos podemos esquecer com
efeito que o êxito da ciência do direito dogmática assumida pelo positivismo
normativista (muito especialmente por aquele positivismo normativista que, como
veremos, levou a sério a assimilação-superação da herança da Escola Histórica!)
dependia afinal da autonomização-consagração (irreversível) de um «direito»
puramente pensado — um direito que se pretendia direito-dogma e que era então eassim entendido como uma versão- Fassung , integrantemente racional, do direito
positivo interrogado por esta ciência!
4.1.2. A exigência de superar o normativismo como um pensamento jurídico
formalista e de abrir as portas a um discurso finalista (teleológico).
Uma superação em duas frentes complementares:
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
— no plano do direito [para que este deixe de ser o estatuto-ordem, universalmente
racional, da compossibilidade relacional entre os arbítrios (ao qual só a forma na
relação entre os arbítrios importava)];
— no plano do pensamento jurídico [para que este deixe de ser uma ciência jurídicade normas-textos (preocupada apenas com a estrutura categorial que sustenta a
relação horizontal dos significantes e significados das normas)].
Uma alusão à conhecida classificação de K ANTOROWICZ [em Die Epochen
der Rechtswissenshaft (1914)]:
— o pensamento jurídico formalista a partir de uma estrutura dogmática
auto-subsistente (norma-texto, sistema de conceitos) e a «procurar um
sentido para a fórmula dada» (e então e assim a fechar o direito numsistema formalmente autónomo)...
«O formalismo parte de uma norma jurídica enunciada, que é quase sempreum texto legislativo» e pergunta-se “como devo interpretar este texto parame ajustar à vontade que o formulou?”; partindo dessa vontade constrói, por
procedimentos aparentemente lógicos, um sistema cerrado de conceitos e de princípios gerais dos quais deverão resultar em termos necessários a decisãode qualquer questão jurídica real ou imaginada»
— ... o pensamento jurídico finalista a partir de um «sentido» (da
realidade material dos fins, exigências e compromissos práticos, que podem ser também valores comunitários) e a «procurar uma fórmula»
para a solução (-«sentido material») que encontra (ou experimenta)... e
então e assim a assumir a conexão direito/realidade social (nas suas
dimensões política, económica, ética, científica, cultural, axiológica...).
«O finalismo parte do”sentido” e não do livro, parte da realidade, dos fins edas necessidades da vida social, espiritual e moral e pergunta como devomanejar e modelar o direito para dar satisfação aos fins da “vida”; e
ajustando-se a esses fins, resolve as inumeráveis dúvidas do direito formal e preenche as suas incontáveis lacunas...»
Uma alusão à diversidade de caminhos que este teleologismo pode percorrer,
com dois pólos de atracção claríssimos:
(a) o primeiro a atender exclusivamente a fins... e a exigir novos palcos para
a institucionalização da societas (e das relações desta com o Estado e
com o direito) — palcos diferentes daqueles que o Estado demo-liberal
consagrou [Veremos em breve quais!]
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(b) O segundo a atender a fins e a valores... e a exigir uma compreensão do
direito em que se volte a falar de validade comunitária (de um regresso
da communitas, diferente embora daquela que o arco pré-moderno
consagrara!)... mas então também a exigir que se leve a sério o
contraponto sociedade / comunidade.
NECESSIDADES SUBJECTIVAS ► INTERESSES(RELAÇÃO COM OS «OBJECTOS»-RECURSOSFUNCIONALMENTE APTOS A SATISFAZÊ-LAS)►ESCASSEZ DOS OBJECTOS (O OUTRO SUJEITOCOMO MEIO E COMO OBSTÁCULO) ►FINS-OBJECTIVOS (ANTECIPAÇÕES PROGRAMADAS DEORDENS DE PREFERÊNCIAS) ►EQUIVALÊNCIA DOSFINS► EXIGÊNCIA DE DECISÕES QUE
HIERARQUIZEM OS FINS ►RACIONALIDADEINSTRUMENTAL-ESTRATÉGICA (MEIS-FINS /ALTERNATIVAS DE DECISÃO ORIENTADAS POREFEITOS) SOCIETAS
CONVICÇÕES-PROJECTOS ►COMPROMISSOS PRÁTICOS TRANS-INDIVIDUAIS ►O OUTRO COMO SUJEITO NUMMUNDO PRÁTICO DE COMUNICAÇÃO-INTERRELAÇÃO►VALORES► TAREFAS►RESPONSABILIDADES ►VÍNCULOS INTEGRANTES
►HIERARQUIZAÇÃO DOS FINS ►RACIONALIDADEPRÁTICA SUJEITO / SUJEITOCOMMUNITAS
«Se os valores referem uma transindividual vinculação ético-normativa que responsabiliza e queconvoca a prática para o desempenho irrenunciável de “tarefas” (...) em que se projecta essasua vinculação ou compromisso, os fins desvinculados pelo “mecanicismo” moderno dateleologia ontológica, são agora tão-só opções decididas pela subjectividade que programa osseus objectivos (...), decerto sempre condicionados por um certo contexto mas em último termo
justificados por interesses e em vista deles – comunga-se nos valores, diverge-se nos fins e nosinteresses...» [CASTANHEIRA NEVES, Teoria do direito (versão em fascículos), pp. 154-155 , (versão em A4), pp.85-86]
Ora estes caminhos vão-se separar (ao ponto de hoje serem protagonizados por verdadeiros interlocutores-oponentes)! Bastando-nos por agora perceber o
sentido da diferença entre fins e valores... mas também que a acentuação exclusiva
dos fins leva inevitavelmente a uma concepção instrumental do direito e a uma
renúncia à autonomia deste — a uma compreensão do direito como prática-
-instrumento, ao serviço de finalidades transjurídicas (políticas, económicas, mesmo
éticas).
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4.1.3 A exigência de superar o legalismo (de recuperar a distinção direito/lei)
compreendida em dois planos distintos (cujo desenvolvimento nos vai ocupar nos
próximos capítulos).
α) A experiência, assumida na realização concreta do direito, dos limites
normativos da lei, acompanhada pela recompreensão do direito jurisprudencial
(judicial e doutrinal)[O problema dos limites normativos da lei (e da perspectiva
microscópica que o reconhecimento destes limites exige) será tratado infra, no
capítulo das Fontes do direito].
β) A convocação-especificação dos elementos (critérios mas sobretudo
fundamentos) constitutivos de uma «normatividade jurídica diferente da lex».
«Um desses elementos ou, se quisermos, um primeiro pólo dessa diferente normatividadetranslegal é o actual reconhecimento dos “direitos fundamentais” acima e independentemente da leie numa incondicional prioridade jurídica perante esta. Trata-se da universal proclamação dessesdireitos igualmente como “direitos do homem” (na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de1948, e em todas as Declarações e Convenções da mesma índole, quer gerais, quer regionais que se lheseguiram), e do seu também universal reconhecimento, no pensamento jurídico em geral e em todasas constituições contemporâneas. Não é já a lei a dar validade jurídica a direitos, enquanto direitossubjectivos, são os direitos, afirmados como fundamentais, a imporem-se à lei e a condicionarem a suavalidade jurídica (cfr., desde logo, o art. 18.º da Constituição da República Portuguesa).
Um outro elemento, a impor-se como um outro pólo de uma diferente normatividade jurídica,têmo-lo no actual reconhecimento de princípios normativos a transcenderem também a lei, e a suaestrita legalidade, convocados como fundamentos normativo-jurídicos da juridicidade e que a própria
lei terá de respeitar e cumprir – e em grande parte obtidos como um resultado normativamenteconstitutivo e final de “jurisprudência” a que fizemos referência. (...)[Sendo certo] que esses direitos (os direitos do homem ou fundamentais) e esses princípios, se
não podem compreender-se hoje a exprimirem um qualquer “direito natural” – a pressuposição jáontológica (ontológico-metafísica), já antropológica do direito natural, na procura de um fundamentoabsoluto de normatividade jurídica, estaria culturalmente superada –, [não deixam de afirmar] umareferência normativo-juridicamente material em que se haveriam de ver os critérios actuais(histórico-culturalmente actuais) da justiça (não certamente em sentido apenas político) e assim, nãoobstante a superação do jusnaturalismo, [de desempenhar] uma função análoga à do clássico direitonatural: a função capital de afirmarem os fundamentos de validade e as possibilidades normativo-
juridicamente críticas relativamente à legalidade positiva.» (CASTANHEIRA NEVES, A criseactual da filosofia do Direito no contexto actual da crise da filosofia)
A atenção prioritária que a crítica ao legalismo normativista concedeu ao
problema dos limites objectivos da lei (o qual, na imanência do mesmo
normativismo e da sua representação sistémica, continua a impor-se-nos sob a
designação tradicional de problema das lacunas). Numa especificação problemática
célebre (na qual converge também uma consideração do que viremos a dizer os
limites normativo-intencionais da lei) KANTOROWICZ, um dos corifeus do
Movimento do Direito Livre, virá mesmo a concluir que o sistema ordinatum dasnormas legais tem «tantas lacunas como palavras...» [Ler com muita atenção
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic.,
Coimbra, 1971-1972, pp. 26-30]
4.1.4. As novas exigências do princípio da igualdade reconstituídas a partir de uma
«referência-limite aos pressupostos sociais e às situações reais da concreta e efectiva
realização do direito». A crítica à pressuposição aproblemática da igualdade do
cidadão perante a lei — determinada pela perspectiva da norma-ratio e pela auto-
inteligibilidade (se não auto-suficiência) da característica textual da generalidade...
mas também pela necessidade de considerar tal igualdade e o seu sentido abstraindo
da solução materialmente contingente consagrada pela voluntas legislativa [«Autre
motif d’orgueil, que d’être citoyen! Cela consiste pour les pauvres à soutenir et à
conserver les riches dans leur puissance et leur oisiveté. Ils y doivent travailler
devant la majestueuse égalité des lois, qui interdit au riche comme au pauvre de
coucher sous les ponts, de mendier dans les rues et de voler du pain…» (Anatole
FRANCE)]. O sentido de uma igualdade perante o direito que é também a
possibilidade de distinguir as perspectivas político-ideológica e axiológico-jurídica
da igualdade material — a primeira a transformar a igualdade no compromisso de
um Estado social (que intervém «nos processos económicos e sociais para eliminar
as situações de carência ou de dependência de certos grupos ou sectores da
sociedade») , a última a realizar-se (se não exclusivamente, também) no «processo
judicial» enquanto «correcção microscópica» (mas não menos fundamentada) das
injustiças (a conciliar a intenção de unidade do sistema com a novidade irredutível
dos problemas concretos)… e então e assim a conceber a igualdade como uma
intenção fundantemente normativa que a própria lei (se a quisermos ver como um
autêntico critério jurídico) «é chamada a cumprir» (uma intenção que se nos impõe
logo que nos confrontamos com a experiência da controvérsia prática ereconhecemos a igualdade dos sujeitos- partes na manifestação relevante de posições
distintas).
Para que o «direito que no processo e através do processo se manifesta e cumpre [nãoseja] deste modo apenas o resultado de uma redução lógica do geral das normas
pressupostas ao particular do objecto a julgar e sim aquele direito específico do casoconcreto que se constituirá, com apoio nas normas e outros critérios jurídicos, atravésdo diálogo normativamente participante de todas as entidades que concorrem no litígioa decidir — o tribunal e as próprias partes do caso decidendo» (CASTANHEIRA
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
NEVES, O instituto dos «Assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais,Coimbra 1983, págs 125-126).
4.1.5. As transformações político-institucionais reconhecidas em dois núcleos temáticos
possíveis.
4.1.5.1. A reinvenção do princípio da separação dos poderes: brevíssima alusão.
A «separação como constitucionalização, ordenação e organização do poder
do Estado tendente a decisões funcionalmente eficazes e materialmente justas» e
assim a conferir ao princípio um sentido positivo (o de um «esquema relacional de
competências, tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais da
soberania») : de tal modo que se possa normativamente justificar uma «“compar-
timentação de funções” não coincidente com uma rígida separação orgânica»
[pense-se por exemplo na atribuição de funções legislativas ao poder executivo
(ConstRP, art. 198º)](G.CANOTILHO).
Sendo certo... — e é este o ponto que nos importa acentuar!— que esta
reinvenção não pode (ou não deve!) comprometer a diferença (ainda que uma nova e
radicalmente distinta compreensão da diferença!) que separa a função de progra-
mação legislativa (de uma política) da função de realização judicial (do direito).
Ao ponto de podermos falar da «tarefa construtiva» de um autêntico Estado-
de-Direito-de-Jurisdição, quando não mesmo de um Estado-de-Justiça? Ao ponto
pelo menos de, com CASTANHEIRA NEVES, podermos...
...«[exigir que] a índole política (comprometidamente política) da função legislativa
(...) [possa] ter o seu contra-pólo na índole jurídica (autonomamente jurídica) da
função jurisdicional...»
«O compromisso político que corresponde hoje à lei, a fazer dela um instrumento jurídico-políticode governo, não pode deixar de implicar para a sua normatividade a parcialidade e mesmo a
partidarização que são próprias do compromisso político numa sociedade dividida e plural. (...) Se aevolução do sentido da lei é forçosa, ela própria convoca, e com o mesmo carácter forçoso, umcontrapeso, um poder chamado a garantir o respeito pelos valores fundamentais da ordem jurídica edo direito. (...)As funções legislativa e jurisdicional, no actual sistema político-jurídico, não sócontinuam a não ser análogas, como voltam a ser contrárias: e se igualmente não são contraditórias,
pois uma não nega a validade e a autonomia específica da outra, o certo é também que deixaram deser simplesmente complementares nos termos em que o eram no sistema moderno-iluminista (a
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complementaridade da criação genérica e da aplicação particular de um direito-norma geral ), paraserem antes concorrentes, como duas dimensões, intencional e institucionalmente contrapostas, deuma dialéctica entre um poder de programação politicamente constituinte e um contra-poder que
postula a validade do direito e é convocado unicamente à sua realização...» (CASTANHEIRA NEVES, O instituto dos «Assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra 1983,
págs. 604 a 611)
Que contra- pólo? Como veremos nos próximos capítulos...
—... não só aquele que se afirma como um contrôle explícito da
constitucionalidade das leis...
— ...mas também aquele que, para além do primeiro, se propõe reconstituir estas
leis na perspectiva da sua ratio juris (como autênticos critérios jurídicos capazes de
assimilar a relevância de controvérsias concretas... mas então também como critériosque objectivam fundamentos prático-comunitários especificamente jurídicos).
4.1.5.2. O ciclo do Estado providência (Welfare State)
4.1.5.2.1. Uma nova imagem do homem (homo socialis) convertida em projecto da
societas e do Estado.
O projecto-promessa de institucionalização de uma justiça distributiva e da
igualdade mas também da «libertação da carência» que a especificam.
O processo de socialização. A hipertrofia de uma racionalidade finalística
(estratégico-táctica). A felicidade «medida pela qualidade da vida e do bem-estar»
(pela maximização dos benefícios e redução dos custos).
4.1.5.2.2. A intervenção estadual determinada por uma planificação selectiva dos
fins — que não o é menos a de uma previsão cientificamente informada dos efeitos
e das diversas alternativas que lhes correspondem (o legislador estratega) — e por
uma concepção holística da realidade social (que descobre a sociedade como uma
espécie de sujeito individual macroscópico, a seleccionar as necessidades-fins e a
mobilizar os meios e as alternativas de decisão eficientes).
4.1.5.2.3. A superação do conceito iluminista (jurídico) de lei-norma (uma nova lei
que «deixa de querer ser o mero estatuto formal das liberdades»... e que renuncia à
generalidade e à abstracção... mas também à permanência): o exemplo das leis-
-plano e das leis-medida.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
A lei-plano enquanto mobilização explícita de uma intenção transformadora: que
especifica um «programa final» (e assume o vector finalidade como sua dimensão
constitutiva) na mesma medida em que, levando a sério os limites de estabilização
táctico-estrategicamente desejáveis, se mostra capaz de escolher alternativas (ou de asinscrever numa ordem de preferências) para assim mesmo estruturar–condicionar os
comportamentos dos seus destinatários.
A lei-medida ou lei-providência (Massnahmegesetz) como uma
opção justificada rationis necessitatis pela agonia do Estado demo-
-liberal e pelas «transformações sociais, políticas e culturais» que, no
final da 1º Guerra Mundial, desmascararam essa agonia. A distinção lei-
-norma/lei-medida (C.SCHMITT, E. FORSTHOFF).
►► A lei-medida como um comando-imperativo que nasce de uma
situação real (concreta, contingente, irrepetível) de necessidade... e que
permanece vinculado a essa situação... De tal modo que o critério gerado
se nos apresente... ↓
— ... como um enunciado particular [e particular tantona titularidade quanto na determinação dos
destinatários]: não pretendendo constituir um «acto de
todo o povo para todo o povo» mas uma prescrição
autoritária (primeiro de um legislador extraordinário
em estado de necessidade e depois do legislador
ordinário) que como tal se imputa a um determinado
contexto de oportunidade estratégico-social e àdecisão que lhe corresponde... para se dirigir a um
grupo de cidadãos (ou a um só cidadão)... ↓
— ... mas também (e/ou também) como uma
resposta directa a uma «situação concreta»
(«anómalo caso particular ou situação
conjuntural perturbadora de uma acção
planificada») , que se considera e pressupõe
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normativamente qua tale (como a «lei de um
único caso»)... ↓
— ... mas ainda como uma solução que «joga
em pleno o jogo da mutabilidade e da
relatividade histórica», descobrindo-se
como uma opção temporária ou pro-
visória (als Zeitgesetz)....
►►Sendo certo que estas Massnahmegesetze hão-de ter como limites vinculantes
tanto o princípio da separação dos poderes (ainda que na sua dimensão positiva e
como princípio normativo autónomo)[que declare inconstitucional a «utilização
reiterada de “leis concretas” (G.CANOTILHO)] quanto o princípio da igualdade
[«...na medida em que este princípio lhes recusa a validade para quaisquer medidas
ou diferenciações que não sejam, no sentido desse princípio ou pelo equilíbrio social
que ele postula, materialmente justificadas...» (CASTANHEIRA NEVES)]
4.1.5.2.4. A crise do Estado providência — que é desde logo a da sua eficiência mas
que não é menos a da sua matriz ideológica (pelo modo como esta pretendeu traduzir as
exigências de igualdade e solidariedade) — e as diversas propostas de «solução», a abrir
outras tantas portas à recompreensão da legalidade — da «fuga para a frente» das
autênticas engenharias sociais (que se pretendem ideologicamente neutras), às opções
neo-liberais, passando pelas possibilidades da reprocessualização sistémica.
4.1.6. As transformações culturais simplificadas em dois núcleos decisivos: brevíssima
alusão÷ .
4.1.6.1. Uma nova concepção da ciência: ciência que — nos seus processos de
«construção», «selecção» e «eliminação» dos objectos, dos «enunciados» e dos
«expedientes de formulação» mas então também dos «conceitos» (que
«interpretam» os dados) e das «teorias» (que os «explicam») ... sem esquecer as
Pontos meramente aludidos (cuja leitura se recomenda, mas que não constituem enquanto talnúcleos temáticos obrigatórios).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
operatórias da comprovação empírica e os sentidos desta — se descobre a si própria
como prática, histórico-contextualmente vinculada às opções metódicas de uma
comunidade de investigadores, com as suas rupturas e mudanças de paradigma... e
então como um possível «jogo de linguagem», se não mesmo como uma «simples
tradição entre outras tradições»...
A multiplicação das epistemologias (e das gnoseologias) críticas (que
superam internamente o positivismo cientista e os vários neo-positivismos).
As lições de POPPER, ALBERT, K UHN, QUINE, LAKATOS ...mas também de
WITTGENSTEIN, RORTY, PUTNAM, CANGUILHEM e FEYERABEND
«Precisamos de uma redescrição do liberalismo, segundo a qual este seja a esperança de a cultura noseu todo poder ser “poetizada” e não, como era esperança do Iluminismo, de poder ser “racionalizada” ou tornada científica. Isto é, precisamos de substituir a esperança de que todossubstituam “a paixão” ou a fantasia pela “razão” pela esperança de que as oportunidades de realizaçãode fantasias idiossincráticas possam ser niveladas ou equiparadas...» (R ORTY)
... que traduz muito especialmente (e em várias frentes) a superação do
monismo cientista da razão moderna... abrindo-nos a possibilidade de recuperar e de
levar a sério um pluralismo de racionalidades.
A reabilitação da poiesis (aisthesis)[virtude intelectual da criação (de um objecto
exterior ao sujeito)] e da praxis (-phronesis, prudentia) [virtude intelectual da acção e da
decisão num mundo humano e num contexto comunicacional intersubjectivamente situado
e problematicamente concreto] enquanto universos racionalmente específicos.
A racionalidade prática a realizar-se numa acção comunicativa e no horizonte
dogmático de uma comunidade de comunicação sob o modus de um pensamento que é
constitutivamente problemático (integralmente perspectivado pela situação ou problema
concreto) e como tal sustentado num esquema sujeito/sujeito — com uma estrutura
dialógico-argumentativa e uma índole dialéctica (dinamizada pela diferença).
4.1.6.2. Uma nova concepção do homem, com quatro vértices ou núcleos
centrífugos (e muitas outras ideias-imagens intermédias).
α) O homo socialis da racionalidade estratégica, que a reacção à crise do Estado
Providência (ou uma das frentes de reacção possíveis, dominada pela absolutização
do mercado perfeito) vai converter em unidimensional homo economicus.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
β) O homo ludens da «estética da existência» e das guerras (e jogos) das linguagens,
fragmentado em diferenças e diferendos... a entregar-se à impotência de um
relativismo consumado e irresistível... (a encontrar na singularidade irrepetível do
juízo estético o «vestígio de inteligibilidade» que caracteriza a sua condição
presente...).
γ) O homo humanus da compaixão e responsabilidade infinitas (mas também da
hospitalidade incondicional) assumido pela ética da alteridade (e pela celebração da
singularidade que esta assume).
δ) O sujeito prático-hermenêutico existencialmente concreto, que é capaz de se dar
conta da sua finitude (da sua condição de elemento-parte num todo que o transcende
e integra) para assim mesmo — numa pressuposição autoconstitutiva da validade e
desta como criação cultural — se comprometer com a transfinitude das valores
comunitários (e com estes como projectos de ser constituídos e realizados na
praxis)...
Leituras recomendadas [ponto 4.1.] (pp. 50-60)
CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic.,
Coimbra, 1971-1972, pp. 24[β]-30.
F. BRONZE, ob. cit., pp. 393 (último parágrafo)-398↵, 433-438ℵ.
Outra leitura:A. CASTANHEIRA NEVES, «A imagem dohomem no universo prático», Digesta, vol. 1º,Coimbra, Coimbra Editora, 1995, volume 1º, 331-335 (III 1.).
4.2. Os processos de superação do homo juridicus e do formalismo ateleológico
concentrados no exemplo do direito privado: numa recompreensão (em diversas frentes)
do princípio da autonomia da vontade mas muito especialmente no problema do
exercício dos direitos subjectivos (e dos seus limites).
4.2.1. O princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada enquanto condição
normativa de possibilidade do direito privado: e certamente porque o compromisso-
exigência que este princípio traduz — o (a) de uma autodeterminação e o (a) de uma
vinculação auto-responsabilizante que conferem ao sujeito privado a possibilidade de
Pontos 4.1.4. e 4.1.5.2. do nosso sumário. Ponto 4.1.4. do nosso sumário.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
constituição e de composição-especificação das relações em que participa — é
indissociável da compreensão-experimentação de um tal domínio do direito (ao ponto,
como veremos, de poder falar aqui de um princípio transpositivo de direito privado).
A compreensão individualista deste compromisso-exigência concentrada numa
«subjectividade constitutivamente distanciada» (Pietro BARCELLONA), entenda-se,
numa inteligibilidade do sujeito como categoria universal, indiferente às determinações
que o individualizam e diferenciam, às práticas (e aos poderes) com que se compromete,
às situações-acontecimentos que constroem a(s) sua(s) identidade(s), aos fins (e aos
interesses) cuja prossecução assume... e aos efeitos sociais que as suas acções-decisões
desencadeiam.
O paradoxo de um individualismo assumido em abstracto, no qual o homem concreto dos
interesses aparece submetido à máscara universalizante do indivíduo-cidadão participante na
vontade geral (l’homme placé sous la généralité des lois): o paradoxo, se quisermos, de uma
“particularidade”-”generalidade” (la particularité d’un individu du genre humain) [LEVINAS]
Mas então sustentada numa inteligibilidade do sujeito que descobre na
autonomia-liberdade (e na esfera-mónada que a realiza) a «categoria prático-jurídica
originária» e que, subalternizando a responsabilidade, exclui do «poder de livre
exercício dos direitos ou do livre gozo dos seus bens pelos particulares» uma autêntica
(e fundante) «referência comunitária».
A PROCURA DE UM EQUILÍBRIO SUUM / COMMUNE
QUE SE CUMPRE PARADOXALMENTE
HIPERTROFIANDO O PÓLO DO SUUM (OU A
ORDEM QUE O ASSUME NA SUA UNIVERSALIDADE
RACIONAL).
A superação dessa compreensão individualista... e as suas diversas frentes (elas
próprias em tensão manifesta umas com as outras):
(a) a superação determinada pelas exigências específicas de um projecto-programa
de institucionalização da societas — pelo novo palco do Estado Providência e
pela especificação finalístico-estratégica do interesse comum que este exige;
(b) a superação facticamente experimentada pela crescente fragmentação da
sociedade em grupos (profissionais, partidários, de pressão, de interesses) comexpectativas e objectivos conflituantes e distintas interpretações do interesse
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
comum (quando não dominados pelos interesses do grupo e neste sentido
incapazes de compreender tal interesse público partilhado);
A conversão dos direitos individuais em posições de interesses convergentes,quando não explicitamente em processos de reivindicação (político-socialmente
legitimados).A insensibilidade ao interesse comum a favorecer um novo individualismo: já
não o do cidadão da vontade legislativa universal e da universalidade racional mas o dohomem dos interesses «rasteiramente egoísta e pragmático» (CASTANHEIRA NEVES)
(c) a superação comprometida com o regresso da comunidade e o horizonte de
validade que esta exige — uma superação paulatina... muitas vezes prosseguida
sob a máscara de uma correcção parcelar (especial, se não mesmo excepcional).
Uma concentração privilegiada no universo exemplar dos contratos e na evolução
que este tem vindo a assimilar. O princípio da liberdade contratual como especificação
normativa∇ — esta a merecer uma objectivação positiva no critério do artº 405 do
Código Civil — do princípio da autonomia privada. A possibilidade de — sem escapar
à ambiguidade denunciada supra, 4.1.2. (e então e assim sem escapar aos riscos de uma
instrumentalização- funcionalização da autonomia em causa) — se falar de uma
«efectiva materialização do princípio»...
Uma materialização que nos permite levar a sério a exigência de reconstituir o domínio de relevância assumido pelo contrato, descobrindo neste um«núcleo de conformação bilateral-interactivo», que só a pressuposiçãorealizadora de um commune de sentidos práticos nos permitirá entender — commune de resto que se imporá como condição de possibilidade efundamento determinante da própria autonomia da vontade, superando a«relação de tensão» (muitas vezes reconhecida e diagnosticada) que umacompreensão do princípio da autonomia como «autodeterminação de cadaum segundo a sua vontade» poderia impor a um princípio da liberdadecontratual justificado pela «bipolaridade dos interesses»...
Tenhamos presente que a possibilidade de realização de negócios jurídicos — enquanto actosde vontade juridicamente relevantes, com resultados-efeitos jurídicos (constitutivos, modificativos ouextintivos de relações jurídicas) desencadeados por declarações de vontade e a coincidir nuclearmentecom o «teor declarado» da intenção (que tais declarações realizam) — é, na perspectiva das exigênciasem que o princípio da autonomia privada se traduz, o domínio de experimentação privilegiado. Ora oscontratos são precisamente negócios jurídicos bilaterais, constituídos por duas ou mais declarações devontade com direcções opostas mas convergentes, que tendem à produção de um resultado jurídicocomum, ainda que com um significado distinto para cada uma das partes (sempre compostos por uma proposta-oferta e por uma aceitação, ainda que possam gerar obrigações principalmente, se nãoexclusivamente, para uma das partes) [Quando o negócio jurídico é constituído por uma declaração devontade ou por várias declarações de vontade «paralelas», que assumem «a mesma orientação», diz-seunilateral ; quando o contrato gera obrigações para ambas as partes diz-se sinalagmático ou bilateral (segera obrigações para uma das partes apenas diz-se contrato unilateral ).]. Experimente esta
classificação elementar confrontando os critérios dos artigos 185º-186º, 458º,940º,1154º, 1157º e 1170º nº1, 1569º, 1577º, 1698º e 1701º nº 1, 2062º, 2179º doCódigo Civil (ou as noções que estes critérios integram ou em que se esgotam).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
«Não se trata de autodeterminação isolada, mas já funcionalmente, de um uso comum da autonomia (...).A subjectividade é aqui sempre intersubjectividade, a autonomia conjuga-se necessariamente no plural...»(SOUSA R IBEIRO ,O problema do contrato..., Coimbra 1999, pp.51 e ss.(3.))
«Importa compreender a relação contratual como um esquema prático de sentido...(...) que articula e vincula acçõesnormativamente ordenadas... (...) sem que as estruturas internas destas acções (...) ou o seu desempenho funcional (...)se possam compreender inteiramente através da disciplina normativa exigida pelo consenso das partes...»(G.TEUBNER )
A intenção de realizar uma juridicidade social e comunitariamente (ainda que
por vezes apenas colectivamente) fundada. Alguns exemplos possíveis (entre muitos
outros...).
α) As restrições às chamadas liberdade de contratar ψ e liberdade de modelação
do conteúdo do contrato ∏ ... enquanto exigências de controlar institucionalmente as
condições reais do acordo.
Procure «experimentar» esta distinção liberdade decontratar / /liberdade de modelação do conteúdo do contrato ecompreender o sentido social e (ou) comunitário (mais ou menosexplícito, ainda que com gradações diversas) das restrições emcausa considerando os exemplos dos critérios que integram osartigos 280º nº2, 282º nº1, 577º e 579º nº 1, 877º no 1, 928º,946ºnº1, 953º, 1025º, 1142º e 1146º nº1, 1245º, 2028º do CódigoCivil
▼▼
►►Não deixe de se dar conta da importância crescente dos chamadoscontratos normativos, aqueles que constroem em termos gerais e abstractosuma autêntica «disciplina imperativa comum» (parificadora), à qual se vão
A liberdade de celebração ou conclusão dos contratos traduz-se na exigência seguinte: «A ninguém podem ser impostos contratos contra a sua vontade ou aplicadas sanções por força de uma recusa decontratar nem a ninguém pode ser imposta a abstenção de contratar...» (a formulação é de Carlos A.MOTA PINTO, cuja Teoria Geral do Direito Civil , I Parte, Capítulo II, § 3º, se recomenda como leituracomplementar)[ver 4ª ed. (por António PINTO MONTEIRO e Paulo MOTA PINTO), Coimbra, CoimbraEditora, 2005, pp. 102-116].Procure descobrir nos critérios que integram o artº 405º (nº 1 e 2) as diversas especificações da liberdadecontratual como «liberdade de fixação do conteúdo do contrato»... : a) a possibilidade de «realizar contratos com as características dos contratos previstos e regulados na lei, bastando nessa hipótese, paradesencadear a produção dos respectivos efeitos, indicar o respectivo “nomen juris” (venda,arrendamento), sem necessidade de convencionar a regulamentação correspondente» (contratos típicosou nominados); b) a possibilidade de «celebrar contratos típicos aos quais se acrescentam as claúsulas
que lhes aprouver , eventualmente conjugando-se dois contratos diferentes» (contratos mistos); c) a possi- bilidade de «concluir contratos diferentes dos contratos expressamente disciplinados na lei» (contratosatípicos ou inominados) [ Ibidem, pp. 109-110].
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
submeter todas as futuras relações contratuais (ditas individuais) que secelebrem no âmbito correspondente...
São contratos normativos (integrados na subespécie dos contratoscolectivos) as convenções colectivas de trabalho (vinculantes para todos ostrabalhadores que nelas «se enquadrem», independentemente de estes teremou não participado na construção do acordo)...
Alusão ao problema da «concorrência» possível entre normaslegais (de direito do trabalho), claúsulas das convençõescolectivas e claúsulas dos contratos individuais de trabalho. Osentido do princípio do favor laboratoris (do tratamento maisfavorável do trabalhador) a permitir-nos compreender que odireito do trabalho assume uma exigência de compensação-correcção da «assimetria típica da relação laboral».
O critério do art. 4º nº1 do novo Código do Trabalho (Agosto de 2003)≠ a frustrar parcialmente as intenções deste princípio (a possibilidade de a negociação colectiva poder consagrar uma alteração in pejus, quer dizer uma alteração que desfavoreça otrabalhador). «Em suma, também neste campo — no campo da concorrência earticulação das fontes juslaborais — estamos perante um Direito do Trabalho maisflexível (palavra mágica dos nossos tempos, por mais imprecisa que seja a respectivanoção no plano jurídico), em que a contratação colectiva já não é concebida como uminstrumento vocacionado para melhorar as condições de trabalho relativamente à lei,mas antes como um puro mecanismo de adequação da lei às circunstâncias e àsconveniências da organização produtiva...» (ver LEAL AMADO, «Tratamento maisfavorável e art. 4º, nº 1, do Código do Trabalho português: o fim de um princípio?»,
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9997). ▼▼
►►... Considere ainda o núcleo problemático (relacionado principalmente com o processo
de «fornecimento massificado de bens e serviços») onde convergem os chamados contratos
de adesão ou por adesão (contratos em que «uma das partes formula prévia e unilateralmente
as cláusulas negociais» e a outra parte «aceita essas condições», «mediante a adesão a um
modelo a ou um impresso» ou as rejeita, não sendo possível modificar o ordenamento
negocial apresentado») e as cláusulas contratuais ou condições negociais gerais (enquanto pré-determinações normativas gerais e abstractas de conteúdos contratuais, assim mesmo
«uniformizadoras de uma multiplicidade de contratações futuras»)... ou este núcleo na
«1 - As normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte, ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar ocontrário.
2 - As normas deste Código não podem ser afastadas por regulamento de condições mínimas.
3 - As normas deste Código só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando esteestabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário...» (Código doTrabalho, artº 4º)
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
pluralidade das intenções que nele se cruzam (a exigir outros tantos processos de correcção
ou de contrôle).
Leitura recomendada: MOTA PINTO, ob. cit., pp. 113-116 (IV)
▼
Sem que, no contexto aberto pelo Estado Providência — num processo de
multiplicação dos riscos que o é também da sua progressiva socialização ou repartição-
assimilação social ( e então e assim no processo de uma assumida «substituição da
responsabilidade pela reparação») —, possamos esquecer o exemplo dos contratos de
seguro — nos quais, e à custa de uma remuneração ( prémio), se cumpre a transferência
do risco de um «evento futuro e incerto»... de uma pessoa (segurado) para outra
(seguradora). Contratos estes...
—... que são por vezes de celebração obrigatória...
—... e que quase sempre se nos impõem como contratos de adesão [cabendo ao
segurado (que beneficia do seguro), aceitar como que em bloco as «condições da
apólice» (unilateralmente propostas e determinadas pela seguradora, a maior parte das
vezes de resto num modelo ou formulário uniforme)].
β) A exigência de submeter a formação do contrato — nas fases negociatória e
decisória (incluindo esta última a proposta e a aceitação) — e a execução deste
(enquanto exercício dos direitos e cumprimento das obrigações que dele derivam) ao
princípio da boa fé... e o modo como esta exigência (de «agir de modo honesto»,
«diligente» e «leal», de «prestar todas as informações exigíveis», de atender às
circunstâncias, de corresponder às expectativas de confiança depositadas nessa
acção) se projecta numa recompreensão–enriquecimento da relação obrigacional
complexa (na consagração não tanto de uma teia de deveres secundários de
prestação quanto de deveres acessórios de conduta)... mas também numa
progressiva (mas nem sempre reconhecida...) convocação da prioridade metódica
do caso concreto.
Considere os exemplos dos artigos 239º e 762º nº2 e muitoespecialmente do art. 227º nº1 do Código Civil (este último aconsagrar legislativamente o critério dogmático daresponsabilidade pela culpa na formação dos contratos ou culpa in
contrahendo) [uma responsabilidade que se impõe tanto no caso deconclusão como de não conclusão do contrato em causa].
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
γ) A concordância prática entre por um lado as exigências dos princípios da
força vinculativa e da estabilidade do contrato, especificadas nos critérios da
pontualidade, irretractabilidade ou irrevogabilidade dos vínculos e na
intangibilidade do seu conteúdo (pacta sunt servanda) e por outro lado as
exigências do princípio da imprevisão (reconhecidas na claúsula rebus sic stantibus
e assimiladas pelas doutrinas da pressuposição e da base negocial mas também pela
correcção desta última iluminada pelo princípio da boa fé). Uma alusão às cláusulas
de hardship (incluídas em contratos internacionais ou de elevado valor).
Considere os exemplos dos artigos 406º nº1, 837º, 763º do Código
Civil em confronto com a solução proposta pelo critério do artº
437º do mesmo Código.
A possibilidade de «eventos imprevistos (ruína da moeda, alteraçãoda legislação, acontecimentos políticos)» converterem «as relaçõesde ambas as partes numa “grosseira não relação”, de tal modo queo contrato não satisfaça já o seu sentido como contrato de troca...Desta forma, deixando de ser inteiramente válido o dogma dacristalização da vontade no contrato, em termos de este só poder ser alterado por um novo pacto, e admitindo-se a sua resolução ou
modificação por força de um critério objectivo [ou transsubjectivo](a boa fé), perdeu o contrato o carácter de exclusiva lex privata das
partes, assumindo caracteres mais conformes com uma concepçãosocial do direito...» (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil ,II Parte, III, Título II, Subtítulo III, Capítulo VI considerando asolução exemplar de MANUEL DE A NDRADE e o modo como estacorresponde ao critério do 437º).
Leitura recomendada: MOTA PINTO, ob. cit., pp. 604-613
δ) A relevância jurídica de «auto-vinculações» sem a «pré-existência de umatransparente declaração de vontade» (expressa ou tácita) a impor-nos o universo das
relações jurídico-contratuais fácticas...
«Estamos aqui perante casos de uma relevância jurídico-materialque só restritivamente (i.e., de modo restrito ou limitado) realiza arelevância jurídico-contratual, mas no entanto em termossuficientemente (nuclearmente) análogos para justificar como seucritério jurídico as normas contratuais...» (A. CASTANHEIRA
NEVES)
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
ε) Por fim, numa determinação fundamentante que ilumina todos os exemplos
anteriores, a superação objectivista do (subjectivista) dogma da vontade — um
dogma centralizado na vontade real do declarante (esta embora sob a máscara do
abstracto homo juridicus) ...
Uma superação aberta pela consagração objectivista do princípio da declaração
— e muito especialmente pelo critério dogmático da impressão do destinatário («a
declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na
posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria»)...
Mas uma superação sobretudo que culmina num núcleo privilegiado de
concordância prática (que em rigor supera a própria compreensão objectivista). Que
concordância prática? Aquela que convoca as exigências da confiança (objectiva-
mente recíproca) e da participação ( positivamente autónoma, enquanto
«concorrência constitutiva autodeterminada com os outros») ou esta concordância
traduzida num princípio de auto-responsabilidade.
Elementos de estudo [ponto 4.2.1. ] (pp. 61-67 do nosso sumário)
A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao Estudodo Direito, Coimbra 1971-72 (extractos), 19[2)]-24, 52(«Mas onde
a autonomia...»)-64 .
Fernando José BRONZE, ob. cit., 404-425
Ter ainda em atenção as pp. de MOTA PINTOexpressamente recomendadas no texto
4.2.2. O problema do abuso do direito.
4.2.2.1. O contraponto direito objectivo / direito subjectivo: sentido comum da
distinção.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(a) O direito enquanto ordem social , enquanto sistema de fundamentos e critérios,
enquanto dimensão da nossa prática, enquanto domínio prático-cultural (que
pode ser «estudado» e reflexivamente «reconstituído»).
(b) O direito enquanto poder ou faculdade exercidos por um sujeito…
4.2.2.2. O problema do abuso do direito (direito em sentido subjectivo!) denunciado
pela jurisprudência judicial francesa: o do exercício de um direito subjectivo que,
respeitando embora a estrutura formalmente definidora desse direito (a
compossibilidade-forma na relação entre os arbítrios), se nos impõe juridicamente (e
não apenas ética ou socialmente) como um desempenho abusivo — que importa
«sancionar» enquanto tal (ferindo de invalidade o acto concreto correspondente ou
impondo ao sujeito-agente um dever de «indemnização pelos danos abusivamente
causados»). Uma experiência problemática que começa por ser exemplarmente
dominada pelo exercício do direito de propriedade («le Code civil de 1804 fait du
droit de propriété un droit absolu, et a priori comme tel insusceptible d’être exercé
dans des conditions abusives»).
4.2.2.3. A autonomização de um critério dogmático que, reflectindo a experiência
constituinte de uma tal casuística, possa assimilar a especificidade deste problema
(superando a antinomia aparente entre direito subjectivo e exercício abusivo)... e
tornar explícita a normatividade das soluções ensaiadas. O ponto de partida: a
théorie (dite) de l’abus des droits de Louis JOSSERAND (já em De l’abus des
droits de 1905).
« On conçoit que la fin puisse justifier les moyens, du moins lorsque ceux-ci sontlégitimes en eux-mêmes ; mais il serait intolérable que des moyens, mêmeintrinsèquement irréprochables, pussent justifier toute fin, fût-elle odieuse etinconcevable. C'est précisément contre une telle éventualité que se dresse la thèse del'abus des droits qui a pour ambition et pour raison d'être d'assurer le triomphe del'esprit des droits, et, par là, de faire régner la justice, non point seulement, ce qui estrelativement aisé, dans les textes des lois et dans des formules abstraites, mais, cequi est un idéal plus substantiel, dans leur application même et jusque dans la réalitévivante» (JOSSERAND).
4.2.2.4. A objectivação normativo-legal de um critério possível: o artº 334º do
Código Civil.
4.2.2.5. A reinvenção do princípio da autonomia da vontade — e da concepção dos
direitos subjectivos — que a experimentação deste problema e o processo de
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
especificação-objectivação (mas também e indissociavelmente de realização
jurisdicional) do(s) seu(s) critério(s) (casuísticos, dogmáticos e normativo-legais)
nos permite surpreender e assumir.
►►Uma compreensão privilegiada da dinâmica do sistema mas também da dialéctica problema/sistema que distingue e autonomiza o discurso jurídico(remissão).▼▼
O problema do abuso de direito a manifestar exemplarmente o novo «sentido normativo
e metodológico assumido pelo pensamento jurídico»:
(a) o reconhecimento de princípios e compromissos normativos materiais (de um
autêntico jus vigente);
(b) a exigência de uma «ponderação ou apreciação jurídica em concreto» (histórico--concretamente situada)
►►«Desde que se abandone a ideia de direitos subjectivos formal-conceitualmenteabsolutos e se veja nestes direitos uma função normativa, teleológico-materialmentefundada,(...) o abuso de direito não pode deixar de ser juridicamente assimilado.(...)Trata-se com efeito de compreender os direitos subjectivos (...) como uma intençãonormativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamenteo fundamento axiológico-normativo que a constitui. Um comportamento que tenha aaparência de licitude jurídica — por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal
ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde — e, noentanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, aintenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou deque o comportamento realizado se diz exercício, é o que juridicamente se deveráentender por exercício abusivo de um direito...» (A. CASTANHEIRA NEVES)
Elementos de estudo:
[ponto 4.2.2.1. ] A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra
1971-72 (extractos), pp. 155-158 [α)]
[ponto 4.2.2.2 –4.2.2.5.]: F. BRONZE, ob.cit., pp. 426(segundo parágrafo) –433.
4.2.3. O recurso, cada vez mais frequente, a conceitos indeterminados e a claúsulas
gerais. Um problema que a consideração atenta dos critérios dos artigos 227º
nº1[ supra,4.2.1. β)], 437º[ supra,4.2.1. γ)] e 334º [ supra,4.2.2.4.] do Código Civil —...
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
não tanto destes quanto dos «recursos» ou «instrumentos» de formulação a que eles
recorrem — já nos permitiu compreender... mas que agora importa autonomizar!
É certo que toda a linguagem mobilizada pelas normas sofre de indeterminações
significativas (especificamente linguísticas), que a analítica da linguagem nos ensina a
reconhecer.
Excurso (brevíssima alusão):
São estas indeterminações:
— as ambiguidades (equivocidades ou plurivocidades) que afectam a intensão ou
conteúdo intencional das expressões, entenda-se, as «qualidades» que estas
expressões ou os seus enunciados atribuem aos «objectos possíveis a que se
dirigem»...
Para compreender por exemplo as expressões «É ilegítimo», «Sãonulos...», «É juridicamente inexistente...» que integram as estatuiçõesrespectivamente dos artigos 334º, 1628º e 1939ºdo Código Civil eutenho que convocar contexto(s) de significação específico(s)... e comdiversos graus de dificuldade! [ A expressão mais indeterminada écertamente a primeira...]
— as vaguidades, que dizem respeito à extensão ou ao(s) objecto(s) referido(s)enquanto dúvidas relativamente a «fenómenos conhecidos»...
Eu só posso determinar a extensão das expressões « prédioencravado», «via pública», «excessivo incómodo ou dispêndio»(artigo 1550º do Código Civil) enquanto (e na medida em que) paraalém de invocar determinados contextos de significação (que me sãooferecidos pelas linguagens jurídicas ou pela linguagem comum)experimento um certo contexto de concretização-realização: quandoavalio a situação concreta do Sr. A... e concluo que neste plano ou emrelação a cada um destes elementos o referido critério assimila (ou
não assimila!) a relevância material da controvérsia que tenho queresolver... É que a norma em abstracto não é «unilateralmente pré-determinante do seu próprio campo de aplicação ou da sua concretaextensão...»
«Só na aplicação concreta da própria norma se descobrirá afinal se ocaso a decidir é um caso da própria norma ou não...» (HASSEMER)
— as porosidades ou vaguidades potenciais, que têm a ver com a extensão
também... mas agora enquanto dificuldades provocadas pela constante
mutação das «situações e dos contextos práticos» e também pela «possível
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
alteração ou novidade dos problemas» (indeterminação relativamente a
«fenómenos ainda não conhecidos»)1.
«Contra a porosidade não há remédio nenhum...» (KOCH) O que aquireconhecemos com efeito é o confronto entre a norma como critério
formalmente abstracto e a novidade imprevisível e indominável dassituações concretas... ▼
►►Recordemos a célebre decisão do Tribunal do Reich que, invocando o §211 do CódigoPenal alemão e o modo como este tipifica o crime de furto (aquele que «subtrai a outrem umacoisa móvel alheia com o intuito de ilicitamente se apropriar dela»), se «achou impedido dequalificar e punir como furto o desvio não autorizado de energia eléctrica através de umaderivação subreptícia da corrente a partir do cabo condutor...»▼▬▬▬ ▼▬▬▬▬▬▬▬▼
►►«Com HECK, podemos distinguir nos conceitos jurídicosindeterminados um núcleo e uma auréola conceituais. Sempre que temos
uma noção clara do conteúdo e da extensão de um conceito, estamos nodomínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas começam, começa aauréola do conceito.(...) É fora de toda a dúvida que os imóveis, osmóveis, os produtos alimentares, são coisas; mas outro tanto se não
poderá dizer (...) da energia eléctrica...» (ENGISCH)
A «diferença» que nos permite falar de conceitos indeterminados é assim, antes
de mais, uma diferença de grau: um «conceito indeterminado [melhor dizendo, mais
indeterminado] é aquele cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos»
(E NGISCH).
Se a fórmula ou enunciado em causa não permite obter uma resposta
determinativa que culmine (ou que admita traduzir-se) numa decantação categorial,
remetendo-nos antes para um fundamento normativo (extralegal , se bem que não
forçosamente extrajurídico) de apreciação — na mesma medida em que nos seus limites
renuncia deliberadamente a uma hipótese tipificadora (ou a um núcleo significante de
tipificação-circunscrição)... mas também em que exige do intérprete-realizador umavaloração explícita (sustentada no referido fundamento) — podemos falar de cláusulas
gerais.
Uma exploração desta diferença, que contrapõe à claúsula geral da boa fé o
conceito indeterminado as demais circunstâncias do caso. Ainda aqui... uma mera
diferença de grau (justificada pelo carácter mais ou menos explícito da valoração).
1 Para um desenvolvimento ver CASTANHEIRA NEVES, «O princípio da legalidade criminal...», Digesta, vol.1º, 435 e ss.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Experimente à luz desta diferenciação as seguintes expressões ou enunciados (todos doCódigo Civil):estado ou situação de «boa fé» (artigos 179º, 184ºnº2, 243º, 892º, 1648º),
princípio da «boa fé» (artigos 227º nº1, 239º, 334º, 437º nº1, 762º nº1),«bons costumes» e«ordem pública» (artigos 271º nº1, 280 nº2, 2230º), «exercício de um direito», «excedamanifestamente»,«fim social e económico do direito» (artº 334º) «diligência de um bom pai de
família» e «circunstâncias do caso» (artº 487 nº1), «grau de culpabilidade», «situaçãoeconómica do agente e demais circunstâncias do caso» (artº494º) «escassa importância» (artº802 nº 2). Cfr. também o critério que compõe o artigo 473º nº1 do Código Civil e ainda algunsenunciados mobilizados pelo Código Penal: «especial censurabilidade ou perversidade doagente» (artº132º nº1), «os bons costumes» (artº149º) «escarnecer ou ofender outrem de maneira
baixa, vil ou grosseira» (artº220o nº1), «interesse público legítimo» e «boa fé» (164º nº2).
A importância decisiva destes «recursos de formulação», enquanto
correspondem a uma exigência de materialização do discurso jurídico e a uma
acentuação decisiva da importância do caso concreto e da situação de realização [não
nos esqueçamos no entanto de que estas exigências não são univocamente assumidas,cumprindo-se antes à luz dos dois grandes caminhos que esboçámos supra, na pág. 52
destes sumários (invocando por um lado um paradigma pragmático-funcionalista de
decisão e por outro um paradigma jurisprudencialista de juízo)].
Elementos de estudo:
A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra 1971-72 (extractos),
pp. 22-25, 58-60
F. BRONZE, ob.cit., pp. 415-423.
Outras leituras:J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, cit.,capítulo IV, secção II, §3.).K. ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, trad. de BAPTISTAMACHADO, ed. da Fundação Gulbenkian, Lisboa, todo o cap.VI.
4.3. O reconhecimento axiológico da pessoa enquanto compreensão-experimentação da
validade jurídica (na sua auto-referencialidade e autotranscendentalidade prático-
-culturais).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Mais do que celebrar a vocação integradora (de sentido comunitário) que a
resposta direito assume — enquanto participa da praxis- poiesis de um integrante mundo
humano —, trata-se com efeito de reconhecer a especificidade do commune que esta
resposta constrói… e o modo ou forma de vida que este nos incita a prosseguir… e que
assim mesmo (e enquanto tal) deverá cruzar-se e inter -relacionar-se com outras
identidades colectivas e outros horizontes de integração (sociais ou comunitários)…
O direito como um «projecto»-procura prático-culturalmente «situado» (a
procura de um homo humanus de autonomia e responsabilidade e do equilíbrio
dialéctico que o constitui): um equilíbrio que os diferentes ciclos históricos e os
diversos contextos prático-culturais (na sua teia de factores condicionantes) irão
compreender e experimentar (mas também estabilizar-institucionalizar) em termos
muito diferentes.
A especificidade da normatividade jurídica compreendida no seu momento
regulativo e na pré-determinação fundamentante deste sentido (mas nem por isso menos
dominada por uma historicidade constitutiva) — a consciência jurídica geral
(CASTANHEIRA NEVES).
4.3.1. A consciência jurídica geral enquanto objectivação histórico-
-comunitária do (que se poderá dizer o) princípio normativo do direito (ou deste como a
exigência que ilumina a procura-invenção do homo humanus da autonomia e da
responsabilidade): a «síntese de todos os valores e fundamentos que nessa comunidade
dão sentido ao direito como direito» (CASTANHEIRA NEVES). As três objectivações
intencionais desta síntese axiológico-jurídica.
4.3.1.1. O primeiro nível. A codeterminação contextual de uma espécie de consensus
omnium... no qual a realidade histórico-social, através das suas intenções normativo-culturais («valores, princípios éticos, exigências morais, intenções ético-culturais,
concepções sociais sobre o válido e o inválido, etc., que informam o ethos de uma
determinada comunidade num certo tempo») se revela a informar a normatividade
jurídica e a ser (ainda que não unilateralmente) assimilada por esta.
«Trata-se do que se poderá considerar o consensus omnium ou a normativaconscience publique da comunidade de que se trate e em que será lícito ver
como que o costume ético-social da mesma comunidade, posto que porventura a diferenciar-se em função dos grupos sociais a que vai referido — desde os grupos económicos, profissionais, científico-técnicos, artísticos,
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
religiosos, etc., até à sociedade em geral — e lhes prescreve os seus padrõesde acção ou modelos de comportamento inter-relacional, já no seio do grupo,
já perante outros grupos ou a sociedade também em geral, e permite ajuizar dessas acções e desses comportamentos como válidos, correctos, exigíveis,razoáveis ou aceitáveis, etc — como a conduta social correcta dessa
categoria ou dos “tipos normais” desses grupos. Nestes termos se invocarão, p. ex., os “usos do tráfego” os “usos do comércio”, se faz referência aodiligens pater familias, à “concorrência leal”, à “informação permitida” (...),aos “bons costumes” (enquanto tipicidade social eticamenteaprovada)...»(CASTANHEIRA NEVES Metodologia jurídica. Problemas
fundamentais, Coimbra 1993, 280 e ss)
O exemplo do compromisso prático dos «bons costumes», «originariamente»
vinculado a um acervo de padrões pré-jurídicos (à experiência de uma «tipicidade social
eticamente aprovada») e não obstante continua e constitutivamente submetido a uma
assimilação-transformação jurídica — uma assimilação que lhe confere uma
inteligibilidade inconfundível e um sentido normativamente autónomo e que é por assim
dizer protagonizada pelas diversas comunidades de juristas (e pelas inter-relações que
estas assumem mas então também pelo mundo prático que se descobre como contexto-
correlato funcional destas inter-relações). Numa espécie de continuum sem soluções que
assimila e «confunde» (resta saber até que ponto... e com que possibilidades
transformadoras) as experiências distintas de uma pressuposição-condicionamento
material e de uma autotranscendência fundamentante.O confronto entre a experiência de uma sociedade «tendencialmente integrada e
estabilizada» (que apaga a «diferença entre o ideológico e o axiológico») [«When an
ideology is uncontested it is not even perceived to be an ideology but rather is treated as
common sense...» (POSNER )] e de uma sociedade «plural e conflituante» (na qual esta
diferenciação se torna simultaneamente vulnerável e indispensável ... sob pena de termos
que renunciar à autonomia intencional do jurídico). A experiência da ruptura
revolucionária: cairá o direito «na sua totalidade»?
Alguns exemplos de exigências e de compromissos práticos (traduzíveis em princípiosou especificações de princípios) que descobrimos comprometidos com este nível (nãoimediatamente jurídico) de assimilação do «costume ético-social» mas também com a
teia de poderes e de resistências que o seu ethos mobiliza ou está autorizado a mobilizar
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
(numa convocação possível de uma concepção ou mundividência ideológica dominante,quando não de uma intenção político-ideológica condutora):
● a assimilação normativa do sistema político ou das exigências que esteintroduz [considere os artigos 1º, 2º e 91º da Constituição da RepúblicaPortuguesa (e confronte-os com as suas redacções anteriores)];
●● a disciplina normativa do direito de propriedade (o problemada função social da propriedade e do seu sentido e limites) e(ou) a possibilidade de autonomização dos chamados «direitos edeveres económicos» [cfr.os artigos 58º-62º da Constituição];
●●● a representação da igualdade e das «diferenças» ou da exigência de as superar nouniverso específico do Direito da Família [cfr.o artigo 36º nºs 3 e 4 da Constituição].
►O Código Civil de 1966 («interpretando» o § 2º do art. 5º da Constituição de 1933 e a suaconvocação em relação à mulher das «diferenças» resultantes da «natureza» e do «bem da
família»∅... mas também a compreensão da instituição família consagrada nos artºs 12º e19º) preservava, com efeito, uma representação «tradicional» (implacavelmente discriminatória») do papel da mulher: poder-se-á mesmo dizer que assumia neste sentido uma exigência-- princípio de preponderância do marido (nas relações pessoais e patrimoniais entre os cônjugese com os filhos)... — disciplina normativa que (associada à representação de uma concepçãodominante ou à aparência desta) a ruptura revolucionária de 74 ou esta projectada naConstituição de 1976 puseram directamente em causa, determinando a revogação de parteimportante das normas legais de Direito da Família...
►►Procure dar-se conta da contingência e da vulnerabilidadehistórica desta exigência ou deste compromisso normativo dediferenciação dos papéis dos cônjuges e da concepção da família queele traduz. Parta de uma consideração de três normas do Código Civilna sua redacção «primitiva»:
• «O marido é o chefe da família, competindo-lhe nessa qualidade representá-la edecidir em todos os actos da vida conjugal comum (...).» (artº1674º)•• «A administração dos bens do casal, incluindo os próprios da mulher e os bens dotais,
pertence ao marido, como chefe da família.» (artº1678ºnº1)
••• «Compete especialmente ao pai, como chefe da família:...e)
autorizar (...) [o filho] a praticar os actos que, por determinação da lei, dependam do consentimento dos pais;... g)administrar os seus bens.»(artº1881ºnº1)
Leia estas normas à luz da especificação do princípio da igualdade objectivadanos artigos 13º nº2 e 36º nº 3 da Constituição. Não deixe também de as confrontar coma redacção em vigor (introduzida pelo DL nº 496/77) dos artigos 1671º, 1674º, 1678º,1878º,1885º do mesmo Código Civil.
Formulação que seria parcialmente alterada pela revisão de 1971.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
►►E que dizer do princípio da distinção (juridicamente relevante) entre filhos
legítimos e ilegítimos que as normas do Código Civil de 66 (na sua redacção inicial) nos
permitem reconstituir (como princípio simultaneamente positivo e contingente)? ↓↓↓↓
→→ Parta também aqui de uma consideração de duas normas do Código Civil, na suaredacção «primitiva»:•«Presume-se legítimo o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio damãe(...)»(artº 1801 nº1)••«A partilha entre filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partesquantos forem os herdeiros(...).Concorrendo à sucessão filhos legítimos ou legitimadose filhos ilegítimos, cada um destes últimos tem direito a uma quota igual a metade da decada um dos outros.» (artº2139º)
→→Leia depois estas normas à luz da especificação do princípio da igualdade objectivada no artigo 36º nº 4 da Cons-tituição. Não deixe de as confrontar com a redacção em vigor dos artos 1796º e 2139º do Código Civil.
4.3.1.2. O segundo nível. A determinação do sentido do direito pelos princípios
fundamentais e esta como a experiência histórica de uma aquisição «humana
autenticamente reveladora» que, em cada ciclo, se justifica e assume como «universal».
Alguns exemplos destes princípios. Uma consideração exemplar das exigências do
princípio da legalidade criminal e da sua representação como princípio fundamental e
transpositivo⊕
«... São exemplos destes os princípios do Estado-de-Direito e da legalidade em geral, os princípios da
independência judicial, da defesa, do contraditório, da não retroactividade da lei penal e da culpa, os
princípios da responsabilidade pelos danos, de pacta sunt servanda, da fides (a vinculação à palavra dada, o
dever de honradez e o dever de lealdade, da boa fé), da censura do “abuso de direito”. Acrescem as
exigências normativas próprias de certas instituições, como o casamento e a família (com o seu valor
específico e os deveres, nesse sentido fundados, que vinculam os respectivos membros), a própria nação
(com os valores da “ordem pública”, os deveres de fidelidade), etc. Muitos destes valores e princípiosobtiveram consagração nas declarações dos direitos do homem, nos «direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos», nos princípios materiais das várias constituições nacionais. Mas seria um erro
pensar que esses mesmos valores e princípios jurídicos fundamentais,
que ao direito indefectivelmente importam, se reduzem aos dessa
forma reconhecidos ou que só mediante esse reconhecimento poderão
ser juridicamente relevantes. Até porque a última expressão da
Logo no início da Introdução ao direito II voltaremos aos princípios e ao sentido de umaclassificação destes segundo a posição que ocupam na «consciência jurídica geral» (bastando-nos agorauma alusão brevíssima).
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
juridicidade não pode, desde logo, identificar-se com a legalidade
constitucional...» (CASTANHEIRA NEVES, Metodologia jurídica. Problemas
fundamentais, Coimbra 1993, 282)
Partindo dos exemplos que a leitura deste texto lhe propõe (e sem
deixar de ter em atenção a reserva enunciada supra, no último excerto
citado), considere atentamente as objectivações normativas propostas
nos artigos 12º, 13º, 18º nº2 (ⁿ), 19º nº2(ⁿ), 20º( 28ײ), nº2(ⁿ), 29º nºs
1, 3 e 4, 32º nºs 2(‡), 5 e 7(▫), 37º nº1, 119º(), 266º, 268º nº3, e 272º
nº2(ⁿ) da Constituição. Sem deixar de ter presentes os exemplos
desenvolvidos supra,4.2. a propósito do princípio da autonomia privada
e dos referentes comunitários com que hoje o assumimos.
(ⁿ)Pode falar-se aqui de um princípio de
proibição do excesso ou de justa medida (se
quisermos, de uma especificação normativa de um
princípio de proporcionalidade).
Elementos de estudo [pontos 4.3.1.1. e 4.3.1.2.]
A. CASTANHEIRA NEVES, «A revolução e o direito» , Digesta, vol. 1º, Coimbra, Coimbra Editora,
1995, pp. 208-212 [a)- b)]; F. BRONZE, ob.cit., pp. 475-489.
4.3.1.3. O terceiro nível. O «princípio normativo» do direito enquanto normatividade
radicalmente fundamentante. A pessoa e a sua dialéctica.
A assunção da pessoa como aquisição axiológica
cujo reconhecimento é verdadeiramente
especificante do direito como direito
A distinção fundamental entre o sujeito-originarium como entidade antropo-lógica e a pessoa como aquisição axiológica. O salto decisivo do reconhecimento
recíproco ou a assunção de uma ordem (de integração comunitária ) que reconheça a
cada homem a dignidade de sujeito ético. O exemplo-limite do escravo, tratado como
sujeito e muitas vezes celebrado como autor... e não obstante recusado como «fonte de
pretensões, ou titular de direitos e de deveres» («Não há direito para os escravos, tal
como não o há para seres inteiramente disponíveis perante uma qualquer
heteronomia...»).
80
Princípios…
do...(ײ) acesso ao
direito...
(‡)…in dubio pro reo…
(▫)... do juiz natural...
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
CASTANHEIRA NEVES, excerto de Apontamentos complementaresde Teoria do Direito (1988/89)«
Assim, será imprescindível distinguir o sujeito (o homem-sujeito) da pessoa (o homem- pessoa). O primeiro é uma entidade antropológica, o segundo uma aquisição axiológica. O homemé sujeito enquanto é um originarium, a possibilidade da novidade no mundo que exclui anecessidade (tanto na determinação da acção como da sua realização). Que o mesmo é dizer:
postula um initium, um início que essencial e continuamente se retome na existência. Cada homemcomo sujeito é novo (um homem diferente) e novador (uma fonte de novidade). Afirmou-o tambémS. AGOSTINHO – initium ergo est esset creatus est homo, ante que nullus fuit – e comenta HANNAH ARENDT: “este começo é coisa diferente do começo do mundo; não é o aparecer de qualquer coisa,mas de alguém, que é ele mesmo um novador”. Podia dizer-se de outra forma: o homem-sujeito é ohomem-autor , i. é, aquele que pode falar e agir em nome próprio, assumindo-se como um eu, já
perante si próprio na ipseidade, já perante os outros na identidade. O que implica decerto o problema da liberdade e a possibilidade da sua negação – mas desse ponto capital não podemostratar.
O “homem soberano não semelhante senão a si próprio” de NIETZSCHE está aqui. Mas ohomem-sujeito ou o homem-autor com o seu eu não está só – está com os outros (Mitsein), ele é umser-com-outros. Isto é desde logo condição da correlatividade das próprias ipseidade e identidade.Mas a nível mais profundo ainda, a nível constitutivo: a coexistência comunicativa com os outros étanto condição de existência (pense-se na Lebenswelt e na linguagem), como condição empírica(pense-se na situação de carência e a necessidade da sua superação pela complementaridade e a
participação dos outros), como ainda condição ontológica (pense-se no nível cultural e daexistência, a nível de ser, que a herança e integração histórico-comunitárias oferecem). Tudo
converge, pois, na simultaneidade e na dialéctica constitutiva do eu e do nós, ou das dimensõesconstitutivamente irredutíveis da existência autónoma e da existência comunitária do homem. Pontoda maior importância, mas sobre o qual nos teremos de bastar com estas sumárias alusões.
Pois bem, com tudo isto não abandonámos o plano estritamente antropológico e ainda nãotemos perante nós a pessoa. Pois ser livre ou autónomo na originalidade e na autoria não exclui,quer a não assunção da intencionalidade e do compromisso éticos, quer o domínio e a objectivantefruição que os outros possam exercer sobre esse eu-autor. De outro modo, o ser “eu” em termosantropológicos e essencialmente livres na afirmação da minha originalidade e autoria não exclui a
possibilidade da minha real condição de escravo. Mesmo quando os escravos sejam tratados benevolamente e como homens (como sujeitos), nem por isso deixam de ser escravos – susceptíveisde apropriação e alienação, objectos jurídicos, recusados como “entes de pretensões, ou titulares de
direitos e de deveres e obrigações”, para o dizermos com R AWLS. Numa palavra, verdadeiramentecoisas e não fins em si (“algo que não pode ser usado como simples meio”) em que K ANT viu aessência diferenciadora da pessoa, naquele seu absoluto a que, por isso mesmo, se imputadignidade (não instrumentalidade ou preço). Só que “dignidade” é uma categoria axiológica, nãoontológica, e apenas emerge e se afirma pelo “respeito” (para o dizermos com K ANT) ou peloreconhecimento (para o dizermos com HEGEL) – daí a verdade da palavra justamente de HEGEL, “ Der Mensch ist Anerkennen”. Insistamos, agora com CALOGERO: a “lei moral” não se funda na “teoria doconhecimento”, mas na “teoria da nossa prática”, o bem e o dever “há-de ser qualquer coisa mais doque verdadeiro, haverá de ser querido”. E di-lo também expressamente ARTHUR K AUFMANN: “ascriaturas humanas só se personalizam quando elas se reconhecem reciprocamente como pessoas”.Por isso será errada a concepção substancialista de pessoa em BOÉCIO ( persona est rationalis
naturae individua substantia), o ser do logos ou que tem logos, e não muito diferentemente tantoem S. TOMÁS como em SUÁREZ, e não menos a tentativa de uma sua dedução pragmático-
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
-transcendental em referência à comunicação (APEL) ou ao discurso (ADELA CORTINA) – acomunicação só o será autenticamente entre pessoas, é certo, mas são estas que instituem acomunicação, e não a comunicação que fundamenta constitutivamente as pessoas. Problemáticavasta que só assim não fica, decerto, decidida – mas por agora temos de ficar por aqui.
Importando apenas, e a mais, inferir desse reconhecimento, enquanto confere ele ao homem
dignidade e, portanto, um estatuto ético, que o homem assim não só ascende, enquanto pessoa, àaxiologia e se faz participante e sujeito do “reino dos fins”, do mundo dos valores, como temsentido e fundamento já o comprometer-se (ético) perante os outros –o “prometer” de que nos fala
NIETZSCHE –, já a interpelação (ética) dos outros perante ele.Havendo todavia de ter presente que o reconhecimento eticamente instituinte da pessoa não
se verificaria sem a base de possibilidade que a qualidade de sujeito lhe oferece – como que ocorpus da espiritualidade dessa instituição e em que temos, digamo-lo com HÖFFE, “moral maisantropologia” – assim como, do mesmo modo, as relações de compromisso e de interpretaçãotambém éticas encontram a sua possibilidade, e mesmo a sua exigência, na referência comunitáriado homem. Por um lado, a pessoa manifesta-se em relação, a relação que a reconheceu como tal,
por outro lado, o seu mundo é a comunidade, a comunidade em que assim se realiza...»
4.3.1.3.1. O pólo do suum (eu pessoal, proprium) assimilado num princípio
suprapositivo de igualdade. A garantia normativa de uma reserva de possibilidades de
autodeterminação (tão irrecusável quanto irredutível às exigências comunitárias). «A
igualdade entre os sujeitos-pessoas e no todo comunitário (fundada no valor absoluto da
pessoa e nas suas indisponibilidade e infungibilidade éticas).»
α) Implicação axiológico-normativa negativa (um modo negativo que se cumpre-
-constitui determinando-realizando limites ou proibições dirigidas aos outros e à
comunidade como um todo): o respeito incondicional da dignidade da pessoa
traduzido numa exigência normativa de autonomia, aqui e agora reconhecida em
termos negativos, se não passivos («a dignidade como um valor, indisponível para
o poder e para a prepotência dos outros»). ↓↓
NEMINEM LAEDERE
COEXISTÊNCIA
β) Implicação axiológico-normativa positiva:
PACTA SUNT SERVANDA
CONVIVÊNCIA
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
β)’ O espaço de reserva jurídica da pessoa: os direitos subjectivos e os
«direitos do homem» ou os direitos fundamentais.
A relação entre os direitos fundamentais e os princípios: cfr. o texto proposto
supra, pág. 53. Estamos agora em condições de concluir...:↓↓
«Entre os direitos e os princípios... —... [nem temos que descobrir uma] básica antinomia, com os direitos (como“direitos individuais”) a manifestarem uma social ou comunitariamente “forçadesagregadora” ou “desintegradora” e os princípios a afirmarem “a tendência àintegração, à justiça” (assim G. ZAGREBELSKI)...
—… [nem estamos vinculados a sustentar] uma sua última e normativa identidade — [o que significaria por ex. assumir a lição de] DWORKIN e da sua conhecidarights thesis para considerar que os arguments of principle (em contraste com osarguments of policy) são chamados a justificar as decisões sempre pela invocaçãode direitos e pela invocação destes como fundamentos...
[O que temos que reconhecer ...e que levar a sério é antes] uma dialécticaconvergência dinamizada pela normativa axiologia da pessoa com a suaresponsabilidade comunitária, em que os direitos e os princípios são facesaxiológico-normativamente diferenciadas, mas correlativas, de uma última unidade(unidade dialéctica) só compreensível segundo a perspectiva do homem-pessoa(uma unidade de resto que essa perspectiva implica)...» (CASTANHEIRA NEVES,
A crise actual da Filosofia do Direito)
β)’’ As possibilidades de realização da pessoa enquanto mobilização
dinâmica da sua «reserva» de direitos subjectivos e de direitos fundamentais
e esta traduzida em dois compromissos práticos suprapositivos: o princípio
da autonomia na sua dimensão ou na sua face positiva ou activa e o
princípio da participação — de tal modo que a autodeterminação do
proprium garantida normativamente pelo primeiro se projecte-desenvolva na
concorrência constitutiva justificada pelo segundo e neste já como uma
articulação plausível de exigências comunitárias (ou da dialéctica com o
suum que estas impõem ).Que concorrência constitutiva? A que descobrimos
nos contratos [ supra, 4.2.1.ε)], nas formas de associação, na representação
legislativa, nos modos institucionalmente informais de cooperação. Pacta
sunt servanda.
4.3.1.3.2. O pólo do commune assimilado num princípio suprapositivo de
responsabilidade.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
Ter presente o modo como o individualismo moderno se confrontava com a
responsabilidade, a qual nos aparecia apenas como correlato do
exercício das liberdades... e nunca como uma categoria prática
originária [ver supra,4.2.1.].
A comunidade como condição vital, como condição existencial e como condição«ontológica»...
... como condiçãovital... ––––––––––––––––––––– «A realidade na qual seafirmam:
— as carências e as re-lações interindividuaisdos interesses...
—...e a mediação po- sitiva dos outros [asrespostas da comple-mentaridade (divisão dotrabalho e dos sexos,especialização) e da co-laboração (associação)]
—...mas ainda os meiostécnico-materiais e cul-turais de que carecemos
para vencer a nossanecessidade e usufruir o
padrão de civilizaçãoque cada momentohistórico postula...»A comunidadecomo condiçãoempírica... eentão aindasobretudo comosocietas
Nota: todos os princípios (que veremos suprapositivos) imputados ao pólo docommune serão estudados no próximo capítulo, o primeiro de Introdução II — pelo quenos basta aqui e agora esta alusão brevíssima.
α) Implicação axiológico-normativa negativa : um modo negativo que se cumpre-
constitui impondo limites... às exigências comunitárias ou às proibições que estas
introduzem. Que limites? Os de um verdadeiro discretum normativo — que possa
interromper o continuum (se não já a hipertrofia) da responsabilidade.
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... como condição existencial...
«O mundo circunstante e quotidiano davida em que estamos mergulhados e que
pressupomos... e que é simultaneamentecorrelato funcional da nossa actuação ecomunicação e o seu meio-ambiente...»A experiência pré-reflexiva de umpatrimónio de possibilidadescomuns...Um apriori daconvivência...
...enquantocomunica-ção →→apalavra e alinguagem
...enquantosignificação↓↓↓a pressuposiçãodos valores,sentidos efundamentos
... como condição«ontoló- gica» oude realização pessoal«Só me realizo plena-mente (só constituo-manifesto as minhas
possibilidades de ser)
quando contribuo paraum (e sobretudo quando participo num) trans- pessoal — capaz deultrapassar a negativi-dade do eu individual ede assim mesmo sub-sistir para além do merocorrelato formal das re-lações interindividuais,como que emergindomaterialmente da comu-nicação intersubjectiva.
O intercâmbio com os outros a concorrer para nossomodo de existência comunitária
«Serei tanto mais rico (de riqueza humana)quanto mais ricos o forem no mesmo
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
α)’O princípio do mínimo (quoad substantiam) ou o(s) limite(s) dos limites
no plano material. A justificação dos impedimentos («aqueles e apenas
aqueles que se reconheçam e justifiquem como condições comunitariamente
indispensáveis para a realização pessoal de cada um»).
α)’’ O princípio de formalização (quoad modum) ou o(s) limite(s) dos
limites no plano da institucionalização formal. A exigência da determinar um
esquema objectivo capaz de pré-demarcar os (ou de controlar a realização
dos) limites materialmente intencionados.
β) Implicação axiológico-normativa positiva: as três modalidades da
responsabilidade jurídica (corresponsabilidade lato sensu).
β)’ A responsabilidade perante as condições gerais da existência comunitária:
— a responsabilidade de preservação traduzida no princípio da
corresponsabilidade (stricto sensu);↓↓
HONESTE VIVERE
[Alusão ao problema da tutela- protecção dos bens jurídico-criminais]
— a responsabilidade de contribuição traduzida no princípio da
solidariedade.↓↓
SUUM QUIQUE TRIBUERE→→ O problema dos deveres jurídicos de solidariedade (o exemplo
paradigmático dos deveres fiscais e as exigências específicas dochamado princípio do Estado social ) [Cfr.o nº1 do artigo 103º daConstituição].
β)’’ A responsabilidade por reciprocidade: comutativa em geral e contratual em
particular. A exigência de auto-responsabilidade a impor uma «normatividade
mais extensa e profunda» do que aquela que vemos traduzida no princípio pacta
sunt servanda. →→EXECUTIO IUSTI
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
β)’’’ A responsabilidade pelo equilíbrio da integração (pelo dano, pelo
prejuízo, por situações de acção antinómica). ↓↓
HOMINIS AD HOMINEM
PROPORTIO
4.3.2. A identidade (autonomia, mas também continuidade) do projecto do direito
compreendida a partir das exigências da dialéctica suum /commune (e do homem de
liberdade-autonomia e de responsabilidade que esta constrói). Uma procura situada, a
retomar-reinventar em cada circunstância histórica e em cada horizonte cultural (sob o
fogo-cruzamento de distintos factores).
Elementos de estudo [pontos 4.3.1.3.-4.3.2.]
CASTANHEIRA NEVES, «A revolução e o direito» , cit., 215-217; ID., Curso de introdução....
(extractos), cit.,185-189[α α)].; F. BRONZE, ob.cit., pp. 489-502, 534-540
Propostas de trabalho (temas sumariados nas pp 20-83)
I
Comente desenvolvidamente cada um dos textos seguintes:
(a) «Só a característica objectiva da estadualidade nos permite distinguir a ordem
jurídica das outras ordens sociais...»
(b) «Se estiver perante uma ordem social que articule logradamente (com suficiente
diferenciação institucional e comprovada eficácia) regras primárias esecundárias, estarei certamente a reconhecer-experimentar uma ordem de direito
(e então e assim a levar a sério as exigências do novo pluralismo jurídico)...»
(c) «O que aconteceu no contexto prático-cultural do Iluminismo — e sustentou
todo o processo de institucionalização do Estado demo-liberal — foi
precisamente uma conjugação-concertação (reciprocamente constitutiva) de
legalismo e de normativismo (a de um legalismo que é incondicionalmente
normativista… e a de um normativismo exclusivamente alimentado por umlegalismo)...»
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
II
Considere atentamente as seguintes questões:
1. «Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja (...) a pessoa e os
bens de cada associado e pela qual cada um, ao unir-se (e enquanto se une) a
todos os outros não obedeça no entanto senão a si próprio e permaneça tão livre
como antes. Tal é o problema fundamental para o qual o contrato social
representa a solução...» Partindo do problema-desafio assim enunciado por
ROUSSEAU procure mostrar em que termos se pode dizer que «o homem
moderno superou uma certa representação-experiência da comunidade para
assumir a exigência teleológico-política da invenção da societas». Não deixe de
mostrar que a recuperação do contratualismo nos aparece com um sentidoclaramente distinto daquele que era possível no contexto pré-moderno.
2. Identifique as características da lei a que os seguintes textos principalmente se
referem, mostrando também em que termos estas se projectam nas exigências
normativas da juridicidade assumidas pelo legalismo normativista do século
XIX: (a) «Quando todo o povo estatui sobre todo o povo, não considera senão a
si próprio...»; ((b) «Na relação recíproca dos arbítrios não se atende, de todo em
todo, à matéria do arbítrio...»; (c) «Ao tratar de uma matéria comum, a lei nãoconsidera nunca as situações concretas...».
3. Distinga claramente as duas concepções do princípio da separação dos poderes
propostas nestes dois textos: (a) «Para que não se possa abusar do poder, é
preciso que (..) o poder detenha (arrête) o poder...»; (b) «Na união dos três
diferentes poderes (...) reside a salvação do Estado (...). [Esta corresponde à]
situação da máxima concordância entre a Constituição e os princípios do direito,
situação a que a razão nos obriga a aspirar por via do imperativo categórico...».4. «É precisamente a pressuposição desta normatividade universal (assumida na
sua completude e deixada intocada na sua auto-subsistência ideal) que garante a
racionalidade plena (a inevitabilidade racional) da resposta que o julgador há-de
dar “sobre o que é de Direito em cada caso” (a resposta que “atribui a cada um o
que é seu” de acordo com a lei e pronunciando sem restrições as suas
palavras)...» Identifique o problema a que o texto se refere, mostrando em que
sentido é que um certo paradigma da aplicação
(que deverá reconstituir)expressamente lhe corresponde.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
5. «A utilização reiterada de leis concretas viola os princípios da igualdade e da
separação de poderes...» A que leis concretas se refere este texto? Que outras
características devemos ter em atenção para reconhecer estas leis (e que contexto
político-constitucional as tornou possíveis)? Está de acordo com a afirmação do
Autor?
6. Partindo das exigências do princípio da autonomia privada (e da sua
especificação num princípio de liberdade contratual), procure mostrar a que
dimensões (mas também a que compreensão) destas exigências se referem os
critérios seguintes: (a) «É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando
alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza,
dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste,
para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou
injustificados. » (b) «As partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo
dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir
nestes as claúsulas que lhes aprouver...» Na sua resposta socorra-se das
especificações que a dialéctica autonomia / responsabilidade (através dos
princípios associados aos pólos do suum e do commune) o ajudam a determinar.
7. «Nos contratos de adesão não há restrições à liberdade de contratar. O
consumidor do serviço, se não está de acordo com as condições constantes do
modelo elaborado pelo fornecedor, é livre de rejeitar o contrato...» Que
comentário lhe merece esta afirmação?
8. Invocando a dialéctica autonomia / responsabilidade (e os princípios que lhe
pareçam pertinentes associáveis aos pólos do suum e do commune), procure
compreender os problemas que os critérios seguintes tipificam: (a) «É ilegítimo
o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites
impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económicodesse direito... »; (b) «Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão
de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à
resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde
que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os
princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato...»
9. «O uso deliberado de formulações legislativas indeterminadas compromete
significativamente as possibilidades de uma aplicação racionalmente autónoma
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INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos
da lei...» Está de acordo com esta afirmação? A que formulações indeterminadas
lhe parece este texto aludir?
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