zomia, lá onde o estado não está _ mateusbernardino

12
15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomialaondeoestadonaoesta/ 1/12 MateusBernardino Instituições, Infraestruturas e Regulamentação Feeds: Posts Comentários Zomia, lá onde o Estado não está abril 25, 2014 por mateusbernardino O que é e onde fica a Zomia (http://wiki.mises.org/wiki/Zomia) ? Seria a Zomia outro exemplo território onde as sociedades presentes conseguiram fazer perdurar uma organização social que obteve sucesso em rejeitar o Estado? Este texto de Nicolas Delalande apresentou muito bem a obra do pensador anarquista James Scott, intitulada ‘Zomia, ou l’art de ne pas être gouverné’. Além de procurar fugir da rotina e dos temas habituais, o objetivo é fornecer em português uma descrição bem elaborada de um trabalho relativamente recente envolvendo antropologia política e sociologia. (https://mateusbernardino.files.wordpress.com/2014/04/zomia‑5.jpg) Durante dois milênios, as montanhas da Zomia foram, segundo James Scott, uma zona‑ refúgio para as populações do sudeste da Ásia. Grande centro de resistência ao Estado, elas seriam o espelho de nossa civilização devastadora e confiante nela mesma. Uma história anarquista que fascina e intriga. Análise da obra: James C. Scott, Zomia, ou l’art de ne pas être gouverné, Paris, Seuil, trad. Nicolas Guilhot, Frédéric Joly, Olivier Ruchet, 2013 [2009], 27 €. [The art of Not Being Governed. An Anarchist History of Upland Southeast Asia, Yale University Press, 2009].

Upload: rogerio-miranda

Post on 14-Jul-2016

218 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

MateusBernardino

TRANSCRIPT

Page 1: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 1/12

MateusBernardino

Instituições, Infraestruturas e Regulamentação

Feeds:  Posts  Comentários

Zomia, lá onde o Estado não está

abril 25, 2014 por mateusbernardino

O que é e onde fica a Zomia (http://wiki.mises.org/wiki/Zomia)? Seria a Zomia outro exemplo territórioonde as sociedades presentes conseguiram fazer perdurar uma organização social que obteve sucesso emrejeitar o Estado? Este texto de Nicolas Delalande apresentou muito bem a obra do pensador anarquistaJames Scott, intitulada ‘Zomia, ou l’art de ne pas être gouverné’. Além de procurar fugir da rotina e dostemas  habituais,  o  objetivo  é  fornecer  em  português  uma  descrição  bem  elaborada  de  um  trabalhorelativamente recente envolvendo antropologia política e sociologia. 

(https://mateusbernardino.files.wordpress.com/2014/04/zomia‑5.jpg)

Durante  dois  milênios,  as  montanhas  da  Zomia  foram,  segundo  James  Scott,  uma  zona‑refúgio para as populações do sudeste da Ásia. Grande centro de resistência ao Estado, elasseriam  o  espelho  de  nossa  civilização  devastadora  e  confiante  nela mesma.  Uma  históriaanarquista que fascina e intriga.

Análise da obra: James C. Scott, Zomia, ou l’art de ne pas être gouverné, Paris, Seuil, trad. NicolasGuilhot,  Frédéric  Joly,  Olivier  Ruchet,  2013  [2009],  27  €.  [The  art  of  Not  Being  Governed.  AnAnarchist History of Upland Southeast Asia, Yale University Press, 2009].

“O  que  nos mostram  os  Selvagens,  é  o  esforço  permanente  de  impedir  os  chefes  de  serem

Page 2: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 2/12

“O  que  nos mostram  os  Selvagens,  é  o  esforço  permanente  de  impedir  os  chefes  de  seremchefes, é a recusa de unificação, é o trabalho de conjuração do Um, do Estado. A história dospovos que têm uma história é, dizemos, a história da luta de classes. A história dos povos semhistória, diremos com tanta veracidade ou menos, é a história de sua luta contra o Estado.”

Pierre  Clastres,  La  Société  contre  l’État.  Recherches  d’anthropologie  politique,  Paris,  Éditions  deMinuit, 1974, p. 186 (1). (traduzi a citação para o português)

{1}  Desde  seus  primeiros  trabalhos  nos  anos  1970  sobre  a  economia  moral  dos  camponesesbirmanos e vietnamitas, o politólogo e antropólogo James C. Scott, nascido em 1936 e professorem  Yale,  consagrou‑se  à  análise  das  formas  de  resistências  às  quais  os  fracos,  os  povoscolonizados  e  os  ‘deixados  por  sua  conta’  tiveram  recurso  para  contestar  a  dominação  doEstado.  Anarquista  assumido  (2),  tão  à  vontade  para  pensar  sobre  as  transformações  dassociedades  agrárias  do  Sudeste  da  Ásia  quanto  para  criar  galinhas  em  sua  fazenda  noConnecticut (3), Scott se esforçou pra, ao longo de uma obra singular e brilhante, encontrar aautonomia e dignidade dos dominados em sua luta contra as ambições predadoras do Estado,seja este pré‑colonial, colonial, ou pós‑colonial (4).

{2}  Com  seu  novo  livro,  publicado  em  inglês  em  2009  e  recentemente  traduzido  em  francêspelas  editora Seuil,  Scott  prolonga um  certo  número de  temas  centrais  a  sua  obra  (a  fuga,  adissimulação e o “não‑dito” como formas privilegiadas de resistência à dominação), em umazona espacial inédita. Suas obras precedentes se baseavam ou sobre investigações detalhadas elocalizadas (Weapons of the Weak, publicado em 1985 e não traduzido em francês, resultara deuma estadia de dois anos que Scott realizou com sua família em um vilarejo malaio no final dosanos  1970),  ou  sobre  extensos  estudos  comparativos  nos  quais  o  autor  transpunha  oscontinentes  e  os  séculos  para  ilustrar  suas  teses  (como  em  La  domination  ou  les  arts  de  larésistance, o primeiro de seus  livros  traduzido para o  francês em 2007, ou Seeing Like A State,publicado em 1998). Em Zomia, ou a arte de não ser governado, Scott escolheu se concentrar sobreum  espaço  transnacional,  ao  mesmo  tempo  flácido  e  circunscrito,  que  ele  estuda  por  umperíodo de quase dois milênios. Inútil, precisemos logo de entrada, procurar localizar a Zomiasobre um mapa ou planisfério. O termo, de invenção recente, significa “gente das montanhas”em  diversas  línguas  tibeto‑birmanas  (5).  Um  historiador  holandês,  Willem  van  Schendel,propôs  em  2002 utilizar  o  termo para designar  as  terras  altas  da Ásia  do  sudeste,  um vastoespaço  de  quase  2,5  milhões  de  quilômetros  quadrados,  cuja  população  atinge  quase  100milhões de indivíduos, a cavalo, sobre ao menos seis Estados da região: da Birmânia à China,passando pela Tailândia, o Laos, o Camboja e o Vietnam. Verdadeiro mosaico de populações,estas terras altas têm ao menos um ponto em comum, segundo James Scott, ser habitadas porgrupos que não  cessaram, ao  longo da história, de  se  refugiar aí para escapar das presas doEstado.

{3} Mais do que uma realidade geográfica, a Zomia é uma construção política, por excelência olugar do refúgio à dominação. Se inspirando de Fernand Braudel e de seu célebre estudo sobreLa Méditerranée et le monde méditerranéen au temps de Philippe II(1949), Scott convida a ultrapassara  linha  e  existência  das  fronteiras  estatais  para melhor  captar  a  coerência  de  um  espaço  atéentão desconhecido ou, ao menos, pensado de maneira fragmentada na relação de suas partescom os diversos Estados‑nações da região. Longe de ser um conservatório dos arcaísmos, forada  historia  da  civilização,  a  Zomia  é  fundamentalmente  uma  “consequência  do  Estado”,  oproduto de estratégias conscientes das populações procurando resistir à opressão dos reinos edos poderes coloniais. As tribos que a compõem (Hmong, Miao, Wa, Tai, Karènes, Akha, etc.),

múltiplas  e  fluídas,  são  atores  de  uma  história  bimilenar  da  recusa  ao  Estado  e  suas

Page 3: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 3/12

múltiplas  e  fluídas,  são  atores  de  uma  história  bimilenar  da  recusa  ao  Estado  e  suasmanifestações, que se  trate do  imposto, da conscrição, dos  recenseamentos ou do cadastro, etodas as tecnologias que procedem do desconforto próprio ao Estado consistindo em procurarrender  as  sociedades  legíveis,  mensuráveis  e  governáveis  –  tese  que  Scott  desenvolviaextensivamente em Seeing Like A State. O analista político aproxima assim, através deste livro,os dois fios inseparáveis de sua reflexão: o apetite predador do Estado, sua dominação e suasexações;  e  as  múltiplas  vias  pelas  quais  os  “fracos”  contestam  sua  autoridade,  a  partir  deestratégias de dissimulação, de fuga ou de evitamento – vontade ou ato de procurar evitar, aoinvés de uma oposição direta e frontal.

(https://mateusbernardino.files.wordpress.com/2014/04/zomia‑2.jpg)

Uma terra de refugiados

{4} Para Scott, todos os Estados que sucederam‑se na região por mais de dois mil anos, desde asprimeiras dinastias  chinesas até as dinastias dos Ming e dos Qing, os Birmanos e os Tais, oscolonos  britânicos,  franceses  e  neerlandeses,  e  os  Estados‑nação  derivando  do  processo  dedescolonização,  tiveram  por  obsessão  fixar  as  populações  nas  planícies  para  submetê‑las  aotrabalho. Esta necessidade decorreria do desequilíbrio, bem antigo na Ásia do sudeste, entre aabundância das  terras e a escassez da mão de obra. Os Estados destas  regiões  foram sempremuito ricos em capital fundiário e em coerção, pobres em trabalho manual. A rizicultura, queexige uma mão de obra abundante e um povoamento denso, tem a vantagem de concentrar aspopulações  facilitando  assim  o  levantamento  de  impostos  e  o  recrutamento militar.  Para  seapropriar  da  força  de  trabalho  dos  camponeses,  os  Estados  tiveram  recurso  à  violência,  àsrazias  ou  incursões,  ao  escravismo,  ver,  nos  casos  dos  Estados  Tai  e  Birmano,  à  operaçõessistemáticas de tatuagem dos contribuintes.

{5}  Mas  suas  ambições  de  contrôle  foram  impelidas  pelo  que  Scott,  sensível  à  influênciatopográfica nos processos de construção do Estado, chamou “fricções de terreno”. Nesta zonade  alternância  entre  planícies  e montanhas,  a  questão  das  distâncias  quilométricas  não  temmais importância do que a questão temporal: quanto tempo seria necessário para aliar tal ou taloutro condado ou região? O Estado se define menos pelo contrôle de um território claramentedelimitado, do que por uma zona ou campo de força, uma zona de influência tendo contornos

fluídos  e  móveis,  limitados  tanto  pela  concorrência  entre  Estados  vizinhos  quanto  pelos

Page 4: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 4/12

fluídos  e  móveis,  limitados  tanto  pela  concorrência  entre  Estados  vizinhos  quanto  pelosacidentes do relevo. Confiar em uma estimação de curta distância entre dois pontos é um errose quisermos apreciar a capacidade de projeção da força estatal: uma zona de colinas situada aalguns quilômetros de um centro de poder pode gozar de uma autonomia bem maior do queuma vasta planície distante de muitos quilômetros religada ao centro por um rio. Em outrostermos, o poder do Estado não se propaga de maneira linear e contínua; ele encontra acidentesde relevo, contorna as cadeias de montanha, ele se precipita em vales, permanece nas planícies.Apenas uma representação em três dimensões poderia tornar visível a disposição das formasde organização social no sudeste da Ásia: entre 0 e 300 metros, o mundo do Estado‑rizicultor,do imposto, da soberania e do sedentarismo; acima dos 300 metros, e muitas vezes acima dos4000 metros, este das tribos, da etnicidade, da autonomia e do nomadismo (6).

{6} A Zomia  flutua, por assim dizer, acima das planícies, ao abrigo das barreiras e postos decontrôle das fronteiras e das identidades nacionais. É então uma zona‑refúgio, um lugar onde opoder do Estado não se exerce, ou muito pouco. Não se trata, no entanto, de zonas sem relaçãocom  o  Estado.  Tudo  ou  quase  tudo  aí  é  determinado  pela  presença  vizinha  destes  poderescentralizadores.  Os  habitantes  da  Zomia  têm  relações  de  comércio  com  os  Estados  dasplanícies,  lhes  fornecendo,  notadamente,  preciosas matérias  primas  originárias  das  florestas.As  populações  não  cessaram  de  circular  das  planícies  em  direção  às  montanhas,  einversamente, na medida em que as  condições políticas permitiram. Mas o mais  importante,para Scott, é que as sociedades das colinas são como a imagem inversa das sociedades estatais.Para melhor  compreender  o  Estado,  ele  convida  a  uma  viagem  em  seu  inverso,  lá  onde  aspopulações procuraram dele se premunir.

(https://mateusbernardino.files.wordpress.com/2014/04/zomia2.jpg)

Elogio ao Nomadismo

{7}  As  tribos  da  Zomia,  incrivelmente  heterogêneas,  multiplicaram  as  estratégias  paracontornar e escapar do Estado e seu poder. Tudo o que, de maneira clássica, é colocado comoforma  de  barbárie,  uma  incapacidade  de  assimilar‑se  à  civilização  –  definida  como  osedentarismo, a escritura, a distinção entre Estado e sociedade, a adoção de identidades fixas,etc. – decorre para Scott de escolhas conscientes e deliberadas dos povos das colinas para evitar

Page 5: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 5/12

sedentarismo, a escritura, a distinção entre Estado e sociedade, a adoção de identidades fixas,etc. – decorre para Scott de escolhas conscientes e deliberadas dos povos das colinas para evitaro  Estado,  na  falta  de  poder  desafiá‑lo  ou  derrubá‑lo.  A  Zomia,  precisa  o  autor,  não  é  semdúvida única na história.  Ele  esboça  inúmeras  vezes paralelos  entre  ela  e  outras populações‘flutuantes’,  tais  quais  os  Cossacos,  Berberes,  os  Ciganos,  os  escravos marrons  ou  índios  daamérica,  que  se  refugiaram nas  florestas para  escapar da  submissão  ao  trabalho  forçado nasreducciones católicas.

{8} A primeira destas estratégias repousa na adoção de um modo de vista itinerante. Para Scott,a cultura das zonas queimadas e a colheita não têm nada de arcaicas, mas procedem de umavontade  de  opor  a  mobilidade  a  todos  os  esforços  que  o  Estado  desloca  para  cercear  aspropriedades, as privatizar e as consignar nos registros do cadastro. O que poderia prelevar ofisco se a agricultura não é concentrada? Da mesma forma, a escolha de certas variedades deplantas ou  tubérculos,  como a batata doce ou a mandioca,  se  explicaria por  suas qualidadesintrínsecas  (crescimento  rápido,  fraca  intensidade  do  trabalho,  enterro  e  dispersão  dasrecoltas), bem adaptadas à itinerância. Não é então surpreendente, aos olhos do autor, que esta“agricultura fugitiva” seja criticada ao título de seus efeitos negativos sobre o meio ambienteou  erosão  dos  solos:  isto  é  uma  reflexão  dos  administradores  das  planícies,  que  procuramdescreditar as práticas e as populações sobre as quais eles não têm nenhum domínio.

{9}  Mais  fundamentalmente,  Scott  considera  que  a  ausência  de  escritura,  tradicionalmenteassociada a uma incapacidade de entrar na história, é na verdade um fato e escolha voluntáriadas  tribos,  que  privilegiam  a  cultura  oral  por  oposição  às  logicas  escriturais  do  Estado.  Elelembra  que  as  populações  das  montanhas  não  se  distinguem  fundamentalmente,  nisto,  damaioria  dos  habitantes  das  planícies, massivamente  iletrados  até  o  século  XX. Nas  diversastribos, por exemplo os Akha ou os Wa, as lendas contam como a escritura, conhecida em outrostempos,  foi  perdida  ou  roubada na  ocasião de uma  fuga,  desintegração  ou desagregação dogrupo. Sem escritura, os homens das montanhas são  também homens sem história, o que ospreservaria  de  alguns  dos  males  associados  à  identidade  e  a  residência  fixa.  As  históriascontadas entre eles e as genealogias que eles improvisam permitem que eles entretenham, emcontrapartida,  uma  relação  leve  e  flexível  com  a  cultura,  assim  como  ajustar  sem pena  seusrecitos a novas circunstâncias e alianças políticas.

{10}  Esta  série  de  reviravoltas  interpretativas  conduz  finalmente  Scott  a  pleitear  por  um“construtivismo radical” em matéria de análise das  identidades étnicas. As tribos não devemmais ser pensadas como entidades primitivas, anteriores ao Estado e à civilização, mas comoconstruções estratégicas, formas de representação que os povos das montanhas fizeram evoluirna medida em que evoluíram suas relações com os Estados das terras baixas. O autor inspira‑seaqui,  diretamente,  do  antropólogo  Pierre  Clastres,  de  quem  ele  retoma  as  teses  sobre  acapacidade das sociedades indígenas da américa de se organizar de tal maneira que nenhumaforma  de  poder  político  possa  se  emancipar  ou  se  exteriorizar  a  partir  delas.  Sem  chefesdesignados, as tribos se protegeriam da tentação que poderiam ter alguns de seus membros decolocar‑se  enquanto  intermediários  de  negociação  com  Estados  predadores.  Assim  seexplicaria,  segundo  Scott,  o  mosaico  étnico  da  Zomia.  Se  dividindo  e  se  dispersandoinfinitamente, as  tribos  teriam deliberadamente produzido esta espécie de “caos etnográfico”destinado  a  contrariar  as  veleidades  classificatórias  dos  administradores  das  planícies:  “Acriação de tribos e  identidades étnicas representam um meio típico a partir do qual os povossem Estado fazem escutar suas reivindicações quando entretém interações com os Estados” (p.347).  Por  outro  lado,  é  pelo  acolho  favorável  e  reservado  às  aspirações  milenaristas  e  aos

profetas de todo gênero que os povos das colinas teriam expressado sua coesão, notadamente

Page 6: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 6/12

profetas de todo gênero que os povos das colinas teriam expressado sua coesão, notadamenteao longo de revoltas dirigidas contra os Estados vizinhos, como na China durante os anos de1850‑1860 (revoltas dos Taiping e dos Miao).

Todos ‘Zomianos’?

{11} A  celebração  das  virtudes  de  adaptação  e  de malícia  dos  povos  das montanhas,  a  qualJames Scott nos convida, não constituem portanto mais do que uma apoteose fúnebre. Desde asprimeiras  páginas  de  seu  livro,  o  autor  adverte  que  a  Zomia  não  existe mais,  ao menos  naforma  política  que  ele  descreve  em  seu  livro.  Desde  a  metade  do  século  XX,  estas  zonasmontanhosas  foram  incorporadas  aos  Estados‑nação,  os  quais  se  apoiam  doravante  detecnologias de anulação da distância suficientemente poderosas para se liberar das “fricções doterreno”.  A  lógica  de  predação  se  estendeu  a  estas  regiões  que  por  longa  data  haviam  sepreservado,  reduzindo  os  ‘zomianos’  à  escala  de  meros  zumbis  (7),  minorias  ofertadas  aosturistas maravilhados por tantas cores bonitas e dialetos pitorescos. A Zomia enfim descobriu acivilização,  dirão  alguns;  ela  sobretudo  fez  a  difícil  aprendizagem  da  subalternização  aoEstado, conclui o antropólogo, com um certo brio de amargura.

{12} A Zomia está morta, mas ela chegou a existir verdadeiramente? A questão poderia parecerabsurda  uma  vez  terminada  a  leitura  das  mais  das  quinhentas  tão  densas  e  apaixonantespáginas do livro. A astúcia do livro de Scott, além de sua ode à inventividade contestadora dospovos das montanhas,  reside no  reconhecimento  intelectual  e político que ele  confere a umaregião deixada de lado pelos radares da história. Poderíamos imaginar, em um futuro não muidistante,  que  os  estudos  zomianos  encontrem  lugar  nos  departamentos  de  história,antropologia ou sociologia, como uma nova unidade de análise transnacional. Permanece queo termo Zomia ele próprio foi forjado há pouco mais de uma dezena de anos, e que ele não fazunanimidade  entre  os  especialistas  da  região.  A  palavra  nunca  foi,  ao  que  parece,  utilizadapelas  populações  locais,  o  que  torna  pouco  provável  que  elas  tenham  consciência  decompartilhar elas próprias uma experiência comum de resistência ao Estado (8). Os sábios nãoestão em acordo sobre a extensão desta zona, por definição móvel. Scott se concentra sobre aparte oriental da Zomia, enquanto que van Schendel estende a aplicação muito mais ao norte eao oeste, até os confins do Uzbequistão e do Afeganistão. Antropólogos sensíveis as realidadesdescritas por Scott, tal qual o canadense Jean Michaud, preferem falar de “Massivo da Ásia doSudeste”, se resguardando um vocábulo topográfico mais neutro sobre o plano político (9).

(https://mateusbernardino.files.wordpress.com/2014/04/zomia‑4.jpg)

{13} Mas a  linha de divisão entre a Zomia e as planícies, entre as  tribos e os Estados, entre o

Page 7: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 7/12

{13} Mas a  linha de divisão entre a Zomia e as planícies, entre as  tribos e os Estados, entre omundo encantado da diversidade e o pesadelo da homogeneidade, não seria ela muito simplese bela para ser verdadeira? Scott não teria cedido às vertigens do pensamento esquemático, porvontade  de  demonstrar  custe  o  que  custar  a  capacidade  de  agir  e  a  autonomia  política  dospovos  das  colinas?  A  exprobração,  sem  dúvida  embasada,  arrisca  de  errar  seu  alvo,  pois  oobjetivo de Scott é outro: para agitar as certezas e quebrar a hegemonia do Estado‑nação, nadamelhor que um pensamento claro e forte, ao invés de buscar ser sempre justo ou meio obscuro,ele se defende assim desde o início de seu livro. Monumento de erudição, o livro Zomia colocao  leitor  crítico  face  a  um  tremendo  dilema,  sobretudo  quando  este  leitor  não  tem  nada  deespecialista  da  região:  seja  sublinhar  o  caráter  binário  e  sistemático  de  argumentação,  sejaesmiuçar  os  detalhes,  cerceando  os  erros  que  tal  síntese  comporta  inevitavelmente  (10).Tentemos,  em  despeito  disto  tudo,  avançar  dois  pontos  de  discussão,  sobre  os  quais  oraciocínio de Scott fascina ao mesmo tempo que intriga.

{14} Uma primeira  interrogação nasce da propensão de Scott a  tudo interpretar sob o ângulopolítico. Da cultura da batata doce até o analfabetismo (1), das estruturas de parentesco até arejeição  da  escritura,  das migrações  até  a  colheita,  em  sua  análise  tudo  procede  de  escolhasconscientes  e  voluntárias  das  populações,  cuja  principal  motivação,  se  não  seria  a  única,consiste em esquivar do Estado. Tudo é político, então, o risco de minimizar o que obedeceria,ao  menos  parcialmente  ou  de  maneira  complementar,  a  outras  lógicas  ou  explicações,  deordem climática, geológica ou simplesmente sociológica. Na pluma do autor, a Zomia acessa oestágio  de  ator  coletivo,  dotado  de  razão  e  vontade,  capaz  de  modular  as  formas  de  suaorganização para driblar a lógica predadora do Estado. Ela parece dispor ao mesmo tempo decoerência e sabedoria dignas de um ser livre e racional, ao mesmo tempo em que goza de umaplasticidade e adaptabilidade de um organismo vivo, como quando o autor retoma a metáforada “medusa”, viscosa e insaciável, para descrever a evolução das tribos. O peso das heranças edas  instituições  exerce  bem  poucos  constrangimentos  e  limitações  sobre  os  atores  queconstroem  e  reconstroem  sem  cessar  seus  modos  de  organização  para  preservar  suaautonomia.  Uma  ressalva  tirada  da  própria  obra  de  Pierre  Castres,  da  qual  Scott  se  inspiratanto,  convida  à  precaução  quanto  ao  risco  que  pode  haver,  a  força  de  tanto  procurá‑la  ouenxergá‑la em todo lugar, de terminar por dissolver a política (11):

“Tudo  cai  então  dentro  do  campo  da  política,  todos  os  subgrupos  e  unidades  (grupos  deparentesco,  classes  etárias,  unidades de produção,  etc.)  que  constituem uma  sociedade  estãoinvestidos, a todas propostas e formas de propostas, de um significado político, o qual terminapor  recobrir  todo  espaço  do  social  e  perder  em  consequência  sua  especificidade.  Pois,  se  apolítica está em tudo, ela não está em lugar algum.” (Castres 1974, p. 18, traduzi do francês)

{15}  Tudo  é política,  e  tudo  é  reativo:  cada  transformação das  tribos  é  concebida  como umareação à ação do Estado, com a qual elas entretém uma relação simbiótica. É o segundo pontode  discussão  que  chamou  a  atenção  dos  leitores  da  obra.  Evidentemente,  James  Scott  tem  oimenso  mérito  de  rejeitar  toda  análise  que  olharia  as  tribos  como  sociedades  isoladas  efechadas sobre elas mesmas. Portanto, a força de tudo imputar ou atribuir ao Estado, o autorminimiza  o  papel  das  dinâmicas  internas  aos  grupos  que  ele  estuda.  O  historiador  VictorLiberman  lembra  assim  que  o  conflito  e  a  violência  não  eram  ausentes  na  vida  dascomunidades,  que  não  eram  também  tão  igualitárias  quanto  Scott  parece  frequentementeindicar (12).  Inversamente,  sua visão de Estado parece bastante monolítica e pouco histórica,mesmo se ele sublinha, por exemplo, a consequência dos deslocamentos de populações sobre aorganização do Estado e seu funcionamento móvel. No entanto, há mais de dois mil anos, as

manifestações de  soberania  estatal  se mantiveram praticamente  as mesmas,  orientadas  a um

Page 8: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 8/12

manifestações de  soberania  estatal  se mantiveram praticamente  as mesmas,  orientadas  a umobjetivo  de  identificação,  de  ‘sedentarização’  e  apropriação  das  populações.  As  lógicas  depensamento  e  ação  do  Estado  evoluem  pouco  (salvo  depois  de  1945),  em  despeito  dasmudanças  técnicas  e  intelectuais.  A  soberania  tal  qual  colocada  por  Scott  parece  assimimutável, e todavia nociva. Os Estados não aprenderam com seus erros durante este tempo? Asqualidades de  leveza e adaptabilidade seriam elas o apanágio dos povos das montanhas, oupodemos imaginar que os Estados tenham adotado novas formas de governança, mais difusase  contornadas,  para  superar  a  resistência  das  populações  e  não  se  colocar  a  seu  serviço?  Aresposta, mesmo que seja negativa, convida em todo caso a uma reflexão mais fecunda sobre asmutações recentes da soberania e as vias de sua déterritorialisation (13).

{16} Qualquer  que  seja  o  futuro  da Zomia,  a  questão  das  zonas  liminares  e  intersticiais  nãoperderam nada de sua atualidade, a obra de Scott contribui a sublinhar toda sua importância,em termos tanto políticos quanto científicos. Em despeito da multiplicação dos Estados‑nação,zonas  similares  continuam  existindo  e  tem  um  papel  de  primeira  importância  dentro  doprocesso  de  mundialização,  as  vezes  para  o  melhor,  frequentemente  para  o  pior.  Quesondemos, por exemplo, as grandes zonas de conflito (zonas tribais pashtuns, Sahel), as águashostis onde vigora a pirataria (estreito de Malaca, costa somaliana), ou ainda, os ditos paraísosfiscais,  refúgios que acolhem as grandes  fortunas do planeta  e  redes de  criminosos. Duranteséculos,  os  “fracos”  tão  bem  estudados  por  Scott  resistiram  através  das  virtudes  donomadismo, da fluidez e do jogo com suas identidades. Não seriam estas as armas modernasque  utilizariam  os mais  poderosos  para  escapar  aos  constrangimentos  dos  soberanos  ou  àsexigências  da  solidariedade?  Os  Estados,  decididamente,  teriam  também muito  a  ensinar  àZomia…

(https://mateusbernardino.files.wordpress.com/2014/04/zomia‑7.jpg)

Considerações do Tradutor

Quanto ao artigo de Delalande, faça‑se aqui, abaixo, a apresentação de alguns sentimentos.

A primeira vista, não havia gostado muito deste texto. Não pela forma ou estilo de Delalande, que eu decerta  forma  aprecio,  mas  em  qualquer  medida  pelo  conteúdo.  Embora  Delalande  aborde,  apresente  ecritique satisfatoriamente bem a obra de James Scott, e esta seja de fato a tarefa proposta pelo seu artigo,eu não me senti suficientemente convencido pela proposta original do livro. Posso dizer, mesmo, que nãoconcordo com muitas das considerações que o autor do livro teria proposto ali. Aliás, confesso que, alémdisso, de saída, não gostei da idéia de mais uma vez assimilar supostas experiências concretas e históricasde  ‘anti‑estatismo’ à sociedades ultrapassadas ou subdesenvolvidas, zonas  isoladas,  em remotos  tempospassados  –  ou  contemporâneos,  funcionando  sob  quadros  institucionais  contestáveis  ou  relativamenteindesejados etc. Não apreciei igualmente a idéia de assimilar esta suposta experiência ‘anti‑estatista’ emterritórios onde, de fato, existiam Estados estabelecidos, mesmo que precariamente. Em seguida, não tive

Page 9: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 9/12

indesejados etc. Não apreciei igualmente a idéia de assimilar esta suposta experiência ‘anti‑estatista’ emterritórios onde, de fato, existiam Estados estabelecidos, mesmo que precariamente. Em seguida, não tiveainda a oportunidade de ler o livro ao qual se faz menção no texto. Não gostaria de propor indiretamentea leitura de algo que ainda não li, e por mais que a idoneidade e a honestidade do autor não possa fazerobjeto de questionamento,  repassar  as  considerações de Nicolas Delalande  (autor  cujo qual  já pude  leralgumas  coisas)  sobre  a  obra  que  ainda não  li me pareceria precipitado. E  isto  ocorre,  de  fato,  quandotraduzo um texto fazendo referência, apologia ou crítica de uma obra que não li.

O texto me parece demasiadamente politico, ou politizado: tenho certo preconceito e tendência a repudiaro  que  possa me parecer  como  algo  demasiadamente  ‘esquerdista’  ou  ‘direitista’. No  entanto,  o  que memotivou a traduzir este trabalho foi que o artigo me fez pensar algumas coisas. A primeira é que seria,talvez, interessante disponibilizar em português as considerações ali feitas, por mais que não partilhassedas idéias ali difundidas. Isto poderia incrementar, para os leitores lusófonos, a riqueza de conhecimento eo  leque  de  sociedades  utilizadas  como  referência  quando  se  busca  analisar  experiências  –  ou  proto‑experiências – do tipo  ‘anti‑estado’ ou anarquistas, que teriam existido ao  longo do tempo em diversosespaços. O presente texto servindo, então, de apresentação inicial para muitos leitores sobre o que ocorriana região abordada pelo autor. Outra coisa que me veio a mente é que, talvez, o texto ajudasse a contestaresta idéia, recorrente, de que uma zona de ‘não‑estado’ deveria forçosamente ser facilmente identificávelou delimitável sobre um mapa. Algo como: bom, seguindo as demarcações dos Estados existentes, temosaquela zona ali onde não existe estado. 

Dito isto, gostaria de dizer que eu mesmo, particularmente, não tenho fixação com estado, tenho portantocom a curiosidade. E isto me motivou a traduzir o texto. Do ponto de vista sociológico e antropológico, osrelatos nele contidos podem ainda ter boa utilidade, o mesmo vale para um cientista político, historiador,ou ainda, um economista com interesse nos assuntos subsequentes ao tema. Sei que este texto foge umpouco do propósito deste sítio, mas enquanto relato histórico e estudo sociológico, talvez ele mereça umaoportunidade de ser armazenado e compartilhado. Enfim, disponibilizo aqui pra quem tiver interesse.

Ps.: Mais  um  caso  histórico  de  experiência  ‘anti‑estado’,  além  da  Islândia,  faroeste  etc.? Mais  do  quenunca fica proposta: fujam pras colinas!!!

Notas

(1) A segunda parte desta citação serve de epigrafo para o livro que foi aqui analisado.

(2) Seu último livro, que acabou de sair nos Estados Unidos (Princeton University Press, 2012),se intitula Two Cheers for Anarchism, que ser traduzido como algo como Viva o Anarquismo (estafoi a tradução, feita por Delalande, que decorre da interpretação da expressão em francês).

(3) Ver aqui o porta retrato cativante que lhe foi consagrado pelo New York Times em Dezembrode  2012:http://www.nytimes.com/2012/12/05/books/james‑c‑scott‑farmer‑and‑scholar‑of‑anarchism.html?_r=0  (http://www.nytimes.com/2012/12/05/books/james‑c‑scott‑farmer‑and‑scholar‑of‑anarchism.html?_r=0)

(4) O leitor encontrará ao final desta análise uma lista de suas principais obras.

(5) Sublinhemos que o título escolhido pela editora francesa insiste sobre o aspecto espacial dareflexão  de  Scott,  enquanto  que  o  título  da  edição  inglesa  não  menciona  explicitamente  aZomia.

(6) A título justo, e para não induzir o leitor ao erro sobre o papel da altitude, Scott ressalva que

Page 10: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 10/12

(6) A título justo, e para não induzir o leitor ao erro sobre o papel da altitude, Scott ressalva queeste esquema não tem nada de universal. Nos Andes, por exemplo, a relação entre altitude epoder  do  Estado  é  inversa:  os  Estados  se  deslocam  sobre  os  altos  planaltos  e  montanhas,enquanto que as húmidas terras baixas escapam a seu contrôle.

(7) Bernard Formoso, “Zomian or Zombies? What future exists for the peoples of the SoutheastAsian Massif?” Journal of Global History, vol. 5 (2), p. 313‑332, 2010.

(8)  Tom  Brass,  “Scott’s  Zomia,  or  a  populist  post‑modern  history  of  nowhere”,  Journal  ofContemporary Asia, vol. 42 (1), p. 123‑133, 2012.

(9) Jean Michaud, “Editorial. Zomia and beyond”, Journal of Global History, vol. 5 (2), p. 187‑214.

(10)  Alguns  erros  ou  omissões,  identificadas  por  especialistas  da  região,  são  todaviaproblemáticos do ponto de vista da argumentação geral do autor. Victor Lieberman,  em seuartigo citado mais acima, evoca diversas vezes, que existe, de fato, poucos relatos, testemunhospermitindo  a  documentação  da  existência  de migrações  de  fuga  diante  do  Estado,  algo  queScott vê portanto como fato generalizado. Da mesma forma, os números que ele oferece sobreas  taxas  de  alfabetização  das  sociedades  das  planícies  no  período de  1800  seria  nitidamentesubestimados, o que contradiria o argumento segundo o qual a situação dos povos das colinase  das  planícies  não  teria  em  nada  sido  diferente,  a  esta  época,  do  ponto  de  vista  doconhecimento da escritura.

(1) O trecho ignora uma passagem importante. Na verdade a frase completa procuraria dizer:“Da cultura da batata doce até o “allettrisme” (termo que o autor substitui a este de “illettrisme”para  sublinhar  a  dimensão  voluntária),  (…)”  O  termo  utilizado  em  francês  faz  alusão  àdiferença entre “allettrisme” – um neologismo – e o termo “illettrisme” que em português querdizer analfabetismo.

(11) Pierre Castres, La Société contre l’Etat. Recherches d’anthropologie politique, Paris, Editions deMinuit, 1974.

(12) Victor Lieberman, “A zone of refuge in Southeast Asia? Reconceptualising interior spaces”,Journal of Global History, vol. 5 (2), p. 333‑346, 2010.

(13) No sitio Vie des Idées, ver por exemplo a análise de obra feita por Stephen Sawyer sobre olivro de  John Agnew, Globalization and Sovereignty, New York, Rowman and Littlefield,  2009,publicada no dia 24 de Fevereiro de 2010.

Para ir além

– Um porta retrato de James Scott, antropólogo e fazendeiro, publicado em Dezembro de 2012no  New  York  Times:http://www.nytimes.com/2012/12/05/books/james‑c‑scott‑farmer‑and‑scholar‑of‑anarchism.html?_r=0  (http://www.nytimes.com/2012/12/05/books/james‑c‑scott‑farmer‑and‑scholar‑of‑anarchism.html?_r=0)

– “ La montagne et  la  liberté”́,  antigo artigo de  James C. Sco氀현  sobre a Zomia, publicado emfrancês  em  Critique  international  (n°  11,  p.  85‑104,  2001):http://www.cairn.info/resume.php?ID_ARTICLE=CRII_011_0085  (http://www.cairn.info/resume.php?ID_ARTICLE=CRII_011_0085)

–  Vídeo  de  uma  conferência  pronunciada  em  2009,  por  James  C.  Scott  na  Cornell

Page 11: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 11/12

–  Vídeo  de  uma  conferência  pronunciada  em  2009,  por  James  C.  Scott  na  CornellUniversitysobre  seu  livro:The  Art  of  Not  Being  Governed:http://www.cornell.edu/video/?videoID=625 (http://www.cornell.edu/video/?videoID=625)

– “Dans le dos du pouvoir”, uma entrevista da revista Vacarme, com James C. Scott, realizadaem 2008 por Gilles Chantraine e Olivier Ruchet, sobre o tema de seu livro sobre La Dominationou  les  arts  de  la  résistance:  http://www.vacarme.org/article1491.html(http://www.vacarme.org/article1491.html)

– O número especial doJournal of Global Historyconsagrado a uma reflexão sobre o conceito eespaço  da  Zomia  (acesso  reservado):http://journals.cambridge.org/action/displayIssue?decade=2010&jid=JGH&volumeId=5&issueId=02%20&iid=7807274(http://journals.cambridge.org/action/displayIssue?decade=2010&jid=JGH&volumeId=5&issueId=02%20&iid=7807274)

– Ao comentário sobre o livro de James C. Scott, disponível em linha, feito por Nicholas Tapp(Australian  NationalUniversity):http://aseasuk.org.uk/v2/aseasuknews/%252Fbookreviews/47/Scott(http://aseasuk.org.uk/v2/aseasuknews/%252Fbookreviews/47/Scott)

– Ao debate, em inglês, em torno do  livro de Scott, com os comentários da obra e críticas deMichael  Dove,  Hjorleifur  Jonsson  e  Michel  Aung‑Thwin:http://www.academia.edu/511756/States_lie_and_stories_are_tools_Following_up_on_Zomia(http://www.academia.edu/511756/States_lie_and_stories_are_tools_Following_up_on_Zomia)

–  Uma  leitura  bastante  crítica  de  Tom  Brass  sobre  o  livro  de  Scott,  que  assimila  a  posturaanarquista  do  autor  de  “fazer  o  jogo  do  neoliberalismo  conservador”,  “Scott’s  ‘Zomia’,  or  apopulist post‑modern history of nowhere”,  Journal  of Contemporary Asia, vol.  42, n° 1,  février2012,  p.  123‑133  (accèsréservé)́:http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00472336.2012.634646(http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00472336.2012.634646)

Principais obras de James C. Scott

– The Moral Economy of  the Peasant. Rebellion and Subsistence  in Southeast Asia, Yale UniversityPress, 1976.

– Weapons of the Weak. Everyday Forms of Peasant Resistance, Yale University Press, 1985.

– Domination and the Arts of Resistance. Hidden Transcripts, Yale University Press, 1990 (trad. fr.:La  Domination  ou  les  arts  de  la  résistance.  Fragments  du  discours  subalterne,  Paris,  EditionsAmsterdam, trad. Olivier Ruchet, 2009).

–  Seeing  like  a  State.  How  Certain  Schemes  to  Improve  the  Human  Condition  Have  Failed,  YaleUniversity Press, 1998

– The Art of Not Being Governed. An Anarchist History of Upland Southeast Asia, Yale UniversityPress, 2009  (trad.  fr.: Zomia, ou  l’art de ne pas être gouverné, Paris, Seuil,  trad. Nicolas Guilhot,Frédéric Joly, Olivier Ruchet, 2013).

– Two Cheers for Anarchism. Six Easy Pieces on Autonomy, Dignity, and Meaningful Work and Play,

Page 12: Zomia, Lá Onde o Estado Não Está _ MateusBernardino

15/03/2016 Zomia, lá onde o Estado não está | MateusBernardino

https://mateusbernardino.wordpress.com/2014/04/25/zomia­la­onde­o­estado­nao­esta/ 12/12

– Two Cheers for Anarchism. Six Easy Pieces on Autonomy, Dignity, and Meaningful Work and Play,Princeton University Press, 2012.

Publicado em Instituições | Deixe um comentário

Comments RSS

Crie um website ou blog gratuito no WordPress.com.

O tema MistyLook.

 

Modernização eTerritório

a partir de

Comprar

Sobre estes anúncios (https://wordpress.com/about­these­ads/)