yazlle_literatura infantil_ana maria machado

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SENISE CAMARGO LIMA YAZLLE Vozes de criana: o discurso de auto-afirmao na literatura infantil de Ana Maria Machado UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA UNESP CAMPUS DE ASSIS SENISE CAMARGO LIMA YAZLLE Vozes de criana: o discurso de auto-afirmao na literatura infantil de Ana Maria Machado TeseapresentadaFaculdade de Cincias e Letras de Assis UNESPUniversidade EstadualPaulistaJliode MesquitaFilho,Campusde Assis,paraobtenodo ttulodeDoutoremLetras (readeConhecimentos: Literatura e Vida Social) Orientador: Prof. Dr. Benedito Antunes ASSIS 2008 Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca da F.C.L. Assis UNESP

Yazlle, Senise Camargo Lima Y35v Vozes de criana: o discurso de auto-afirmao nalitera-tura infantil de Ana Maria Machado / Senise Camargo Lima Yazlle.Assis, 2009 Tese de Doutorado Faculdade de Cincias e LetrasdeAssis Universidade Estadual Paulista. 1. Literatura infanto-juvenil. 2. Infncia. 3. Subjetividade. 4. Auto-afirmao.I. Ttulo.

CDD 028.5 Eu dedico este trabalho memria demeusirmosHeltoneVanise,porque lembrar tambm uma forma de esquecer.Esvaleapenaguardaranossa infnciacomosefosseonossonico presente. AGREDECIMENTOS Agradeoatodasaspessoasque,diretaou indiretamente, me ajudaram neste trabalho:AosProfessores:JooLus,Odil, especialmente a Ben, meu orientador, Adriana, pelas leituras, ensinamentos,... AoDr.zioSpera,quemeconcedeu, gentilmente, um afastamento, KniaeIns,pelacompreensoeajuda constantes, AosfuncionriosdaPs-Graduaoeda Biblioteca, Aos meus alunos,Aosmeusfilhos,pelotempoquenopude estar ao lado deles, Aos meus pais,Ao meu marido, Maria do Rosrio, pela referncia constante em minha memria, Aosmeusprofessores,especialmente,David Jos Luz, in memorian, Atodos,enfim,queestiveramaomeulado durante esse tempo, Meu eterno agradecimento e carinho.

(...) acredito que a vida serve apenas para recordar nossa prpria infncia.Umberto Eco Yazlle, Senise Camargo Lima. Vozes de criana: o discurso deauto-afirmaonaliteraturainfantildeAnaMaria Machado RESUMO Comoobjetivogeraldecontribuirparaahistria, teoriaecrticadaliteraturainfantilbrasileira, proponho-me,nestatese,arealizarumestudoda representaodacrianaenquantopersonagemda literatura infantil de Ana Maria Machado. De um ponto de vista terico, adota-se a concepo lingstica dialgica de Bakhtin, afinada com a proposta esttica da literatura infantil,comoaquelaquetambmpodeserlidapela criana. Do ponto de vista da infncia, adota-se a viso sociolgicadecartermarxistadeWalterBenjamin,bem como de seus discpulos no Brasil, que concebem a criana comoumserhistrico,culturalesocial,capazde quebrar com o adultocentrismo, na medida em que cria e transformaseuprpriodiscurso.Deacordocomessas concepes tericas, conclui-seque a personagem-criana representadaemtodaaliteraturainfantildeAnaMaria Machadoaquelaqueseauto-afirmapelasua subjetividade,ouseja,pelamaneiradeexplorarseu mundoexterioremconsonnciacomseumundointerior, baseadanareflexosobresimesmaesobreseumundo circundante. 1. Literatura infanto-juvenil. 2. Infncia. 3. Subjetividade. 4. Auto-afirmao. ABSTRACT Withthegeneralpurposeofcontributingforthe Brazilianjuvenileliteratureshistory,theoryand criticism, I intend in this thesis to make a study of the childsrepresentationasacharacterofAnaMaria Machadojuvenileliterature.Fromatheoristpointof view, it is adopted the dialogical linguistic conception ofBakhtin,accordingtotheestheticalpurposeof juvenileliteratureasthatonewhichcanbereadby children.Fromthechildhoodpointofview,itis adopted the Marxist sociological view of Walter Benjamin as well as his disciples in Brazil who understand a child as a historical, cultural and social being able of break with the adultcentism when creates an transforms his or her own speech. According to the theorist conceptions, it isconcludedthatthechildren-characterrepresentedin allthejuvenileliteratureofAnaMariaMachadoare thoseoneswhoaffirmthemselvesbytheirsubjectivity, in other words, by the manner of explore their external worldinconsonancewiththeirinternalworldbasedon thereflectionaboutthemselvesandtheirsurrounding world. 1.JuvenileLiterature.2.Childhood.3.Subjectivity. 4. Self-affirmation SUMRIO INTRODUO ............................................11 1.LITERATURAINFANTILCOMOGNEROLITERRIO:ARTEDA PALAVRA............................................24 1.1AquestodoLeitordaLiteratura Infantil.....................................37 1.1.1ALiteraturaInfantilBrasileiraesuas fontes tericas............................46 1.1.2 Sobre a Literatura Infantil de Ana Maria Machado....................................58 1.1.2.1Aabordagemdotextodeliteratura infantil...................................81 2. AS DUAS FACES DA INFNCIA ..........................86 2.1 A face Moderna da Infncia e sua repercusso noBrasildessapocaprocuradodiscurso da criana ..................................86 2.1.1AinfncianoBrasildosculoXVIao sculo XIX: um retrato de sua fragilidade..90 2.1.1.2 A criana no Brasil um pouco de sua histria..................................95 2.2 A face Contempornea da infncia o discurso da criana..................................101 2.2.1Aexploraoeapropriaodo espao....................................101 2.2.2Aexploraodobrinquedoedolivro infantil como expresso da criana .......106 2.2.3 Infncia e atualidade ...............112 2.3 A viso da criana na literatura o encontro das duas infncias..........................125 3.AINFNCIA,ALEITURA,ALITERATURAEALITERATURA INFANTIL NA TICA DE ANA MARIA MACHADO ............142 3.1LiteraturaInfantilcomoumdireitoda criana...................................p.142 3.1.1Infncia,crianaeleitor:umencontro possvel e necessrio...................p.151 4.ANLISEDOSELEMENTOSDANARRATIVA-Umestudodas personagensinfantisAbuscadeidentidadeea subjetividade como auto-afirmao..................165 4.1Bemdoseutamanho(1979)umaquestode perspectiva.................................168 4.1.1 Personagem-criana ou criana-personagem? Um estudo da personagem........................171 4.1.2 Espao......................................191 4.1.3 Tempo.......................................195 4.1.4 Foco Narrativo..............................200 4.2Dooutroladotemsegredos(1980):seusvrios cantos e apenas um caminho ...................210 4.2.1 Enredo......................................210 4.2.2 Foco Narrativo..............................212 4.2.3 Tempo/Espao................................221 4.2.4 Personagens.................................228 4.3Omeninoqueespiavaparadentro(1984),ouo discurso de introspeco......................234 4.3.1 Enredo......................................234 4.3.2 Foco Narrativo..............................238 4.3.3 Personagem..................................247 4.3.4 Espao/Tempo................................254 4.4O menino Pedro e o seu boi voador fantasia pela fantasia .....................................259 4.4.1 Enredo......................................259 4.4.2 Foco Narrativo..............................261 4.4.3 Espao/Tempo................................266 4.4.4 Personagem..................................269 4.5De olho nas penas (1981): Miguel e sua viagem s avessas.......................................271 4.5.1 Enredo......................................271 4.5.2 Foco Narrativo..............................276 4.5.3 Personagem..................................280 4.5.4 Espao/Tempo................................285 4.6BisaBia,BisaBel(1981):vriasvozes,ums discurso......................................292 4.6.1 Enredo......................................292 4.6.2 Foco Narrativo..............................295 4.6.3 Tempo/Espao................................301 4.6.4 Personagem..................................306 4.7RauldaFerrugemazul(1979):abuscada palavra.......................................313 4.7.1Enredo.....................................313 4.7.2 Foco Narrativo..............................315 4.7.3 Personagem..................................317 4.7.4 Tempo/Espao................................319 4.8Palavras, Palavrinhas, Palavres (1982): em busca do discurso infantil..........................322 4.8.1 Enredo......................................322 4.8.2 Personagem..................................325 4.8.3 Espao/Tempo................................329 4.8.4 Foco Narrativo..............................333 4.9BeijosMgicos(1996):odilogoentreadultoe criana.......................................338 4.9.1 Enredo......................................338 4.9.2 Foco Narrativo..............................341 4.9.3Personagem.................................343 4.9.4Tempo/Espao...............................347 4.10Odiscursodeauto-afirmaoda criana.....................................348 CONSIDERAES FINAIS .................................353 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................363 BIBLIOGRAFIA..........................................370 1. BIBLIOGRAFIA DE ANA MARIA MACHADO................370 1.1Literatura infanto-juvenil..................370 1.2Literatura para adultos...................378 1.3Tese e Estudos..............................379 1.4Tradues a Adaptaes......................380 2. BIBLIOGRAFIA SOBRE ANA MARIA MACHADO.............381 3. BIBLIOGRAFIA DE APOIO TERICO....................384 4. OBRAS DE REFERNCIA..............................392 INTRODUO TendoemvistaaDissertaodeMestrado, concludaemmarode1998,sobottuloBemdoseu tamanho:afirmaodeumgneroliterrio,prope-se, nestatese,umacontinuidadedoestudodaobradeAna Maria Machado, no mbito da temtica infantil.Trata-sedeanalisarapersonagemcriana delineadaemsuaobra,tendocomopontodepartida Helena, a personagem de Bem do seu tamanho (1979), e toda a anlise realizada, juntamente com um conjunto de outras narrativas da autora.A hiptese levantada e expressa na anlise de Bemdoseutamanho(1979),medianteanoode Configuraotextual(Magnani,1997)edeCrtica Integradora (Candido, 1995), foi de que a histria trata deumarepresentaometafricadaliteraturainfantil brasileira,queteveseuincionocampo,comseu expoentemximo,MonteiroLobato,parachegarcidade, com temas mais polmicos e realistas. Essa representao metafricaestcentradanafiguradeHelena,a protagonistadolivroquedesejasaber/descobrirseu tamanhoefazumpercursoquepodeseraproximadoda prpria literatura infantil.Aps uma anlise, pensando e refletindo sobre esse livro, observei Helena como uma personagem infantil, umacrianaquetomaainiciativadedescobrirseu tamanho e o encontra em seu prprio interior. E isso se verifica em outras narrativas de Ana Maria Machado, isto , crianas com o mesmo perfil, no que concerne busca de respostas s suas dvidas e cogitaes, considerando-sequepertencemaummundoadultoeque,porsuavez, que se apresenta inadequado a elas. Essainadequaoconstitui-secomooseu primeiroconflito,tornando,porisso,necessriaasua adaptao a esse meio, no intuito de super-lo, o que se constituisuaauto-afirmao,queseddaseguinte maneira: 1.Nasuabuscadeidentidadepropriamente dita, em que a personagem criana procura conhecer a si mesma,sobdiferentesngulos:seutamanho(fsicox psquico), sua origem racial (Bino, em Do outro lado tem segredos),suaperdadeidentidade(Miguel,emDeolho naspenas),suaorigemhistrica(Isabel,emBisaBia, Bisa Bel). Essas narrativas sero analisadas num primeiro momento,porsetratar,especficaediretamente,da buscadeidentidadedacriana,quedeseja, veementemente,saberquemelamesma.Existemoutras histriasque tambmapresentamumaligaocomabusca de identidade, porm de maneira no to direta como essas citadasacima,mascentradasemoutrostiposde conflitos.SopersonagenscomoRaul(Rauldaferrugem azul),quetambmbuscasuaauto-afirmaocoma descobertadesuaraivareprimidaeacabacompreendendo que a ajuda que buscava dependia mais dele mesmo do que deoutraspessoas;ocasotambmdeFernanda(Beijos Mgicos), cuja paixo pelo pai transforma-se em um grande conflito. 2.Pelaexploraoeconhecimentodomundo circundante,comoumaformadeafirmao,geralmente baseadanoquestionamentodeconceitoscristalizadosno mundodosadultos,quetransmitem,deforma contraditria,certosconceitos,comoaidiadeNatal paraAndr(ONataldeManuel),quepassadoparaa criana com diferentes significados. Da mesma forma, como a questo do medo (em Alguns medos e seus segredos), com a explorao dos variados tipos de medo existentes entre adultosecrianas.Valeressaltar,ainda,o questionamentosobreautoritarismoadulto(emPragade Unicrnio e em Palavras, Palavrinhas Palavres).3.Pelaintrospecoenecessidadeda fantasia,algodeintrnseco nacriana,que semistura comanecessidadedeexploraodomundoexterior,ou seja,umaformadeaumentarseurepertrio/conhecimento demundo,comoaspersonagensPedro,(OmeninoPedroe seuboivoador)eLucas,(Omeninoqueespiavapara dentro). Destaforma,osconflitosinfantisso divididos em: 1Perdadeidentidade/buscade identidade 2Explorao do mundo adulto 3Adaptao em um mundo adulto 4Solido por ser filho(a) nico(a) 5Raiva 6Medo 7Complexo de dipo 8Autoritarismo adulto Cada tema est ligado ao outro, sendo difcil analis-losisoladamente.Noentanto,aidiano classificaresseslivroscombasenosseustemas dominantes, mas sim, elaborar um ponto de partida para as anlises.A criana representada na literatura infantil deAnaMariacoaduna-secomoprojetolobatianode conceber a criana leitora como inteligente e inventiva, almdeumaatituderadicalmentecrticadarealidade brasileira ( Bastos, 1995, p. 73) e tambm com o resgate daprpriainfnciadaAutora,mediadapeloavque participavadesuainfncia,pormeiodasbrincadeiras com brinquedos feitos com a mo1. Trata-se de dar voz personagem infantil como a protagonista da histria, que questiona os adultos sobre a realidade circundante, como Emlia fazia nas histrias de Lobato.Proponho, ento, para este trabalho, analisar aspersonagens-crianadaliteraturainfantildeAna LlMA S C L A ll l A u M L l C L u L Maria Machado, com o firme propsito de verificar como a criana representada e em que medida isso cria um ponto detensonoslivros,oumesmoalgumamarcalingstica ligada sua construo, sua profundidade psicolgica e maneira com que a criana no se desvincula da infncia. Soaspectos,portanto,relacionadossuaauto-afirmao,ouseja,processodeauto-conhecimentoe conquista de seu prprio espao, que se d com todas as personagens-criana nas primeiras histrias de Ana Maria Machado.Suaauto-afirmaoestligadasua conquista e direito de ser criana e, com isso, viver a plenitude de sua infncia, que consiste em algo inerente ao seu ser, ou seja, algo que faz parte de ser como e, que, por isso, no pode ser desvinculado dela. Assim,faz-senecessrio,numprimeiro momentodotrabalho,estudosobreainfncia,afimde melhorconceituarecontextualizaressacriana,sua histria e sua cultura, devendo esse estudo ser precedido de observaes sobre a literatura infantil enquanto arte. Emrelaosanlisesdasnarrativas,o estudo, partir da idia central da anlise de Bem do seu tamanho(1979),realizadanaDissertaodeMestrado, para abordar os outros livros que tambm versam sobre o tema centrado na busca de identidade infantil (a prpria criana procurando sua verdadeira identidade), embora de perspectivasdiferentes:Dooutroladotemsegredos (1980), O menino que espiava para dentro (1984), De olho naspenas(1981),BisaBia,BisaBel(1981),Omenino Pedroeoseuboivoador(1978),RauldaFerrugemAzul (1981), Palavras, Palavrinhas, Palavres (1986) e Beijos Mgicos (1996).O critrio de escolha dos livros incide sobre dois caminhos:1.Apenasnarrativasemqueacriana protagonistadahistria,apresentando,portanto,um perfilbemdelineadodaspersonagens,baseadoem situaesconflituosasquevmestabelecermomentosde luta a partir da identificao desse conflito. Sua busca deauto-afirmaod-sepeloenfrentamentodoconflito pormeiodareflexo/introspeco/ao,pelapalavra, paraassim,chegaraocrescimentointerior,quea (re)descoberta de si mesma. 2.Narrativassituadasentreasdcadasde 1970e1990,perodoconsideradobastanteprofcuoda autora,segundoBastos(1995),quandodesenvolvetema relacionadosaosgrandesconflitosinfantis,jcitados anteriormente.Essesconflitosexistememoutroslivros da autora, da mesma forma que h em sua obra outros tipos de explorao e descoberta do mundo infantil. No entanto, dealgumamaneira,asnarrativasselecionadassomais representativas,pelosmotivosjalegados(personagens fortes e conflitos bem delineados) e tambm, obviamente, pelotrabalhodelinguagemnelasexistente;oumesmo porque foram escritos em um contexto histrico e cultural emquealiteraturainfantil,inseridaemumacorrente maisrenovadora,necessitavadeseauto-afirmarcomo gneroliterrio,demaneiraacortarasamarrascoma Pedagogia e o didatismo (Lajolo, 1991). Esses conflitos proporcionam a auto-afirmao dacrianapormeiodoenfrentamento,que contextualizado em situaes propcias, traduzidas por um trabalhodelinguageme,portanto,comumapreocupao esttica.Tambm,porconsideraracrianacomoumser inteligente,emocional,histrico,cultural,porquese auto-afirmaenquantopersonagemcapazdepensare refletirsobresimesma,comdireitodeviverasua infncia.Em narrativas como O menino Pedro e o seu boi voador (1978) e O menino que espiava para dentro (1984) noexisteumconflitopropriamentedito,apenasa necessidadenaturaldeacrianaviverseumundode fantasia. Neste caso, no existe algo que incomode muito acrianaequeelatenhaderesolver,inexoravelmente, massimumavontade,umapaixoporconheceromundo, explor-lo,enfim,dealgumamaneira,buscarseulugar nele, o que no deixa de ser uma outra forma de se auto-afirmar.Tendoemvistaessabuscaeafirmaode identidade prpria, vai-se analisar como a Autora recria a infncia em suas histrias, explorando o mundo infantil pormeiodaspalavras,quetraduzemosbrinquedose brincadeiras,asfantasias,aintrospecoouamaneira de se voltar para dentro de si mesma. Com isso, faz com que a personagem criana revitalize suas necessidades de fantasia, de expresso e fixao de seu prprio espao e tempo. Emestreitarelaocomessesobjetivos, optei por uma abordagem metodolgica baseada na proposta de crtica integradora, de Candido (1995) e na anlise daconfiguraotextual,deMagnani(1997),tomandoo textocomopontodepartidaedechegadadaanlisee interpretaoeconsiderando-oemseusdiferentes aspectos constitutivos, referentes s seguintes perguntas que podem ser feitas a ele: por qu, para qu, quem, para quem, quando, onde, o qu, e como foi escrito.Ateseestorganizadadamaneiraexpostaa seguir.Apsaintroduo,noprimeirocaptulo LiteraturaInfantilartedapalavra,analisoo pensamentodealgunsautoresqueenfocamabuscade emancipao literria do gnero via construo esttica, emcontrastecomoutros,queanalisamaliteratura infantilapartirdesualigaocomaescola,umavez que esse gnero nasce da relao com essa instituio, alm de evidenciar as relaes desse gnero com o leitor.Afimdecompreendermelhoracriana representadaemAnaMariaMachado,nocaptulodois, trato da infncia em dois momentos distintos. O primeiro, com a concepo Moderna, de Aris e sua anlise histrica lineardainfncia.Osegundo,comaContempornea, baseadanaperspectivadeWalterBenjamin.Este,por adotarumpontodevistamarxista-dialtico,focalizaa infnciademaneiramaissocial,e,portanto,mais concreta e prxima da criana representada nas histrias.Baseio-meemoutrasautoras,quecomungama mesmaidiadeBenjamin,demodoqueainfnciaea criana como seu prolongamento so focalizadas de maneira mais concreta, e, como conseqncia, mais prxima. Ainda, neste captulo, tratei um pouco da histria da infncia, do ponto de vista social, no Brasil, com base nos vrios autores reunidos por FREITAS (1997) e tambm por Mary Del Priori (1999). O terceiro captulo, A infncia, a leitura, aliteraturaealiteraturainfantilnaticadeAna MariaMachado,trazasconsideraestericassobre essesconceitos,osquaisnosservemdeembasamento tericoparaevidenciarqueessasconcepesvoao encontro dos autores anteriores, como tambm para mostrar queestopresentesnashistriasanalisadasnoquarto captulo. Para a anlise das narrativas, parto, como j disse,deBemdoseutamanho(1979)e,considerandoa idiadeauto-afirmaoebuscainfantil,passopara outras,comsemelhanteidia,emboradeperspectivas diferentes:Dooutroladotemsegredos,Omeninoque espiava para dentro, O menino Pedro e o seu boi voador, De olho nas penas, Bisa Bia, Bisa Bel, Raul da ferrugem azul, Palavras, Palavrinhas, Palavres e Beijos Mgicos. Ocritriodeorganizaoedisposiode anlisedessasnarrativasnoocronolgico,maso temtico,demodoqueaordemdoslivrosseiniciacom Bem do seu tamanho, que tematiza a busca de tamanho, da mesma maneira que em Do outro lado tem segredos, apenas mudandoaperspectiva.EmOMeninoqueespiavapara dentroexisteaquestodaintrospeco,quelembraO meninoPedroeoseuboivoador,noqueconcerne fantasia infantil. De olho nas penas e Bisa Bia, Bisa Bel sonarrativasdistintascujaspersonagensbuscamse auto-afirmarpelaprocuradeidentidadeepelodiscurso femininodeauto-afirmao,respectivamente.Astrs ltimasnarrativasRauldaferrugemazul,Palavras, Palavrinhas,palavreseBeijosMgicosprivilegiamos conflitosinfantisadvindosdomedoedaimposio adulta. OtpicofinalOdiscursodeauto-afirmaodacriana-pretende-seumasnteseda anlisedetodasasnarrativas,tendoemvistaa construododiscursodacrianacomoumdiscursode auto-afirmaopelasubjetividade.Aconstruodesse discursodesfazaassimetriacongnitaeo adultocentrismo,aomesmotempoemqueestabelecea crianacomoinseparveldainfncianaliteratura infantil de Ana Maria Machado. 1.LITERATURAINFANTILCOMOGNEROLITERRIO:ARTEDA PALAVRA. PensarnarepresentaodacrianaemAna Maria Machado , ao mesmo tempo, conceber, j de incio, a concepo de uma literatura que esteja sua altura, de modoapens-la,represent-la.Eomelhormodode representar a criana deix-la falar nas histrias. Oatodedarvozpersonagem-crianapassa por uma questo de valores e que, portanto, envolve opo terica compatvel com a idia de conceb-la como um ser que,apesardamenoridadefsica,possuiuma personalidade,umcarter,umamaneiradepensarseu mundoeatuarnele,compatvelcomsuarealidade contextual. PensandonessacrianarepresentadaemAna MariaMachado,optoporumconceitodeliteratura infantilcomoartedapalavraepelapalavra,quese inicia no nvel do discurso, como o modo de narrar (como) a histria (o qu), ou seja, a maneira com que se dispe otodoorganizadodanarrativa,tendoemvistaa elaborao dos seus elementos: aonveldodiscursoquesedetectamos processos de composio que individualizam o modo narrativo:elaboraodotempo,modalidadesde representaodosdiferentessegmentosde informao diegtica, caracterizao da instncia responsvel pela narrao, configurao do espao e do retrato das personagens, constituem os mais destacadosaspectosdamanifestaododiscurso, manifestaoessaindissociveldosespecficos contedos diegticos que mediatamente a inspiram. aindanonveldodiscursoqueseativamos registros,noquadrodofuncionamento microestruturaldoscdigosestilsticos.(Reis, 1988, p. 29) (...)Suporte expressivo da histria e domnio em que se consumaasuarepresentao,odiscursoresulta diretamentedolabordonarrador,traduz-senum enunciadoearticulaemsintagmadiversas categoriasesubcategoriasespecficas.(Reis, 1988, p. 225) esselabordonarradorquecapazde traduzirumacrianaemtodasuaplenitude,comsuas particularidades,aomesmotempoemqueessamesma crianaseconfiguracomooleitorimplcitodessa literatura.Smesmoumaltonveldeelaborao lingstica capazdeexpress-lanaliteraturadeAna Maria,umavezqueestsuaaltura,ounodizerde Lubbock(1921),temaeformasecoincidem,nose distinguindo um do outro: O livro bem feito o livro em que tema e forma coincidem, no se distinguindo um do outro o livro em que toda a matria usada na forma; em que a forma expressa toda a matria. (p. 33) Faz-senecessrio,ento,umestudoda linguagem, j que esta a matria principal pela qual a literatura se constri, ou seja, por um trabalho especial comapalavra.NaconcepodeCandido(1967),a literaturaseconfiguracomoumaartequetranspeo real para o ilusrio, combinando elementos da realidade objetiva e elementos da configurao artstica: A arte, e, portanto, a literatura, uma transposio do real para o ilusrio por meio de umaestilizaoformal,quepropeumtipo arbitrrio de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos.Nelasecombinamumelementode vinculaorealidadenaturalousocial,eum elementodemanipulaotcnica,indispensvel suaconfigurao,eimplicandoumaatitudede gratuidade.Gratuidadetantodocriador,no momentodeconcebereexecutar,quantodo receptor,nomomentodesentireapreciar. (Candido, 1967, p. 64) Comoartedapalavra,aliteraturatemo poder de dar voz criana, tendo em vista a personagem quedelineadanotexto,demodoaexprimirsuas vontades e necessidades, bem como aquilo que a angustia.Avalorizaodainfnciaimplcitanaobra de Ana Maria Machado remete a uma outra idia do direito a essa literatura, concebida por Candido (1995), como um bem incompressvel, ou seja, um direito que no se pode sonegar s crianas. Mesmo porque sua personalidade, como detodoserhumano,construdaentreorealea fantasia(Candido,1972),ealiteraturaumadas modalidades artsticas mais ricas e capazes de propiciar os momentos de fantasia. Aaodaliteratura,nosentidode humanizao, processa-se pela atuao simultnea de trs aspectos, ou de suas trs faces: construo, expresso e conhecimento,sendoqueoprimeiro,senoomais importante,crucial,namedidaemqueeleque decide a sua esteticidade ou no: Em geral pensamos que a literatura atua sobre ns devidoaoterceiroaspecto,isto,porque transmite uma espcie de conhecimento, que resulta emaprendizado,comoseelafosseumtipode instruo. Mas no assim. O efeito das produes literrias devido atuao simultnea dos trs aspectos,emboracostumemospensarmenosno primeiro,quecorrespondemaneirapelaquala mensagemconstruda;masestamaneirao aspecto,senomaisimportante,comcerteza crucial, porque o que decide se uma comunicao literria ou no. (CANDIDO, 1995, p. 244-5) Essastrsfacesdaartesoressaltadas tambm por Bosi (1986), numa reflexo curta e concisa. construo,movimentoderetiraroserdonoser. produo,Technparaosgregos;conhecimento,ato cognitivo por meio da representao/mmesis; expresso o corpo animado , est intimamente ligado a um nexo existente entre uma fonte de energia e um signo que a veicula.Umaforaqueseexprimeeumaformaquea exprime (BOSI, p. 50). Aatuaodaliteraturanoserhumanosed pelapercepodaconstruoliterriamediantea articulaodaspalavrasnumtodocoerente,oqual permitequeesseleitororganize-seasimesmopara depois organizar o mundo, devido s formas pertinentes (CANDIDO, 1995, p. 245-51). Ocontatocomessasformaspertinentes possibilita o processo de humanizao, desencadeado pela percepodabeleza,oafinamentodasemoes, necessrios, portanto, formao humana: oprocessoqueconfirmanohomemaquelestraos quereputamosessenciais,comooexerccioda reflexo, a aquisio do saber, a boa disposio paraoprximo,oafinamentodasemoes,a capacidadedepenetrarnosproblemasdavida,o sensodebeleza,apercepodacomplexidadedo mundo e dos seres, o cultivo do humor. (CANDIDO, 1995, p. 249) Ahumanizaovialiteraturasseconfirma medianteaquestodagratuidade,medianteaqual Candidodistingueoslivrosdehistriasinfantisou aqueles em que predomina um trabalho esttico, dos livros que possuem o firme e nico propsito de ensinar e que, portanto,nopossuemoelementodegratuidade necessrio arte: livros gratuitos, feitos para encantar. Estes so, realmente livros literrios: a prova que sendo de criana so tambm de adultos. Acho que este otestedefinitivosobreovalordostextos infantis, porque, na verdade, o subsolo da arte ums.Ashistriasqueapelamparaanossa imaginao agem sobre ns como as que encantam as crianas de tal forma que se nem todo bom livro de adultoserveparamenino,todobomlivrode crianaserveparaumadulto.Ogrande,obom conto infantil , portanto, o que vale igualmente paraadultos.(CANDIDO,Apud.LAJOLO,1986,p. 329-33) Aliteraturainfantil,portanto,almdese constituircomoumdiscursovoltadoparacriana,uma artedapalavra,umaconstruoemqueapoesiase misturacomaprosa,umamescladegnerosemquese configuramtempo,espao,voz,impulsionadospela personageminfantil.Estaestinseridaemseuambiente caracterizadopelainfnciavivida,comoumaassociao diretacomarealidadeprxima,aserverificadana anlise dos livros propostos. Tratando-sedediscursoliterrio, possvel observar a natureza social da linguagem inserida noromance,quepodeservistocomoumconjuntoe caracterizadocomoumfenmenopluriestilstico, plurilnge e plurivocal. Essas caractersticas variam em tornodosmuitosdiscursospresentesnosautores,nos narradores, nos gneros intercalados e nos discursos das personagens. Essateoria,conhecidacomoodialogismo deBakhtin(Bakhtin,1992),nasceuemoposioteoria deSaussure,consideradoporesseautorcomoum objetivismo abstrato por conceber a lngua desvinculada de sua natureza social e considerada um sistema de signos arbitrriosconvencionais,concentrando-seapenasna lgicainternadessesistema,independentedas significaes ideolgicas que a ele se ligam.A lngua (langue, de natureza social) e a fala(parole,denaturezaindividual)soelementos constitutivosdalinguagem,compreendidacomoa totalidadedetodasasmanifestaes(fsicas, fisiolgicasepsquicas)queentramemjogona comunicaolingstica.Aenunciaoprodutoda interao entredois indivduossocialmente organizados, uma vez que sua estrutura determinada pela situao e meio sociais: Narealidade,oatodefala,ou,mais exatamente, seu produto, a enunciao, no pode de formaalgumaserconsideradocomoindividualno sentido estrito do termo;no pode ser explicado a partir das condies psicofisiolgicas do sujeito falante.Aenunciaodenaturezasocial. (BAKHTIN, 1992, p. 109) ParaSaussure,alngua(social) desvinculada da fala (individual) e, por esta razo, d o tom abstrato, ficando circunscrita a um produto acabado e fora do fluxo da comunicao verbal. Emoposioaesseracionalismo,Bakhtin prope uma teoria capaz de ver a palavra como o produto dainteraodolocutoredoouvinte(1992,p.113)e no como uma forma fixa.Nousoprtico,alnguainseparveldo seucontedoideolgicoe,porisso,paraaconscincia dos seus usurios no um sistema de formas normativas. Aenunciaodenaturezasocial,poissedpela interaoverbalentredoisindivduosinseridosna sociedade,deformaqueapalavraproferidaaum interlocutorvariarsetratardepessoadomesmogrupo social ou no: aenunciaooprodutodainteraodedois indivduossocialmenteorganizadose,mesmoque nohajauminterlocutorreal,estepodeser substitudopelorepresentantemdiodogrupo social ao qual pertence o locutor. (BAKHTIN, 1992, p. 112) Nessaperspectiva,afunocentralda linguagemnoaexpresso,masacomunicao,poisa essnciadalnguaconstitudapelainteraoverbal, por meio da enunciao: averdadeirasubstnciadalnguaconstituda pelofenmenosocialdainteraoverbal, realizadapormeiodaenunciaooudas enunciaes. A interao verbal constitui, assim, a realidade fundamental da lngua. (1992, p. 123) Arespeitodoplurilingismonoromance, Bakhtinoconcebecomoaintroduododiscursode outrem na linguagem de outrem, que serve para retratar a expressodasintenesdoautor(Bakhtin,1988,p. 127),aomesmotempoemqueampliaohorizonte lingstico e literrio. PensarnaliteraturainfantildeAnaMaria Machadoconsideraresseaspectodialgico, principalmenteporqueaautoradialogacomoutros autores,como Lobato,Carrol,oscontosdefada,enfim, osclssicosinfantis,estabelecendo,algumasvezes, pardias em textos como O menino que espiava para dentro, a ser analisado no captulo quatro. Por essa razo, faz-senecessriodiscorrersobreesseconceitodepardia, inseridonodialogismo,afimdeembasarmelhoressas idias. BARROS(1999)distinguenodialogismode Bakhtinoprincpioconstitutivodalinguagemea condio do sentido do discurso (p. 2), o que significa considerardoisaspectos:ainteraoverbal,quesed entreenunciadoreenunciatriodotexto,eoda intertextualidade no interior do discurso.O dialogismo s pode ser considerado a partir do deslocamento do conceito de sujeito, que passa a ser substitudo pordiferentes vozes sociais, estabelecendo-se, assim, como um sujeito histrico e ideolgico: Concebe-seodialogismocomooespao interacional entre o eu e o tu ou entre o eu e o outro,notexto.Explicam-seasfreqentes referncias que faz Bakhtin ao papel do outro na constituiodosentidoousuainsistnciaem afirmar que nenhuma palavra nossa, mas traz em si a perspectiva da outra voz. (BARROS, 1999, p. 3) Nesse sentido, faz-se necessrio considerar a intertextualidadecomoodilogoentreostextosdeuma cultura,construdonointeriordecadaumdeles.um pontodeintersecoecruzamentodevozessociais distintas:umtecidoconstitudopolifonicamentepor fiosdialgicosdevozesquepolemizamentresi,se completam ou respondem umas s outras. (p. 4) Nessesentido,odiscursodialgicoum discursopotico,namedidaemqueinstalaemseu interiorodilogointertextual,acomplexidadeeas contradies dos conflitos sociais por meio de uma srie de mecanismos, independentemente de ser prosa ou poesia.Nodiscursodaautoraestudada,possvel estabelecer a polifonia em suas narrativas, j que estas apresentamosaspectosdialgicoseaindademonstram caractersticasmaisdistintasemsuaelaborao estrutural,quandofundemprosaepoesiaemalgumas narrativas, como De olho nas penas, O menino que espiava para dentro e O menino Pedro e o seu boi voador, a serem analisados no captulo quatro. Fvero(1999)discuteessesmesmosconceitos dialgicos,envolvendodialogismoecarnavalizao,e apresentaapardiacomoumdilogointertextualemO menino que espiava para dentro. Sendo considerada como um cantoparalelo,apardiaseestabeleceno textocomo uma espcie de contracanto (p. 49), uma escrita que ao mesmo tempo em que transforma o texto primitivo, tambm o nega: Napardia,alinguagemtorna-sedupla, sendo impossvel a fuso de vozes que ocorre nos outros dois discursos: uma escrita transgressora queengoleetransformaotextoprimitivo: articula-sesobreele,reestrutura-o,mas,ao mesmo tempo, o nega. (FVERO, 1999, p. 53) Pensar na pardia como o discurso sobre outro discurso,que,paradoxalmente,aomesmotempoemque dialoga com o discurso primitivo, tambm o nega, remete, dealgumaforma,aoromancemoderno,aosmoldesde Rosenfeld (1973). Em sua anlise da literatura juntamente com a pintura,notaquenosculoXXamimesesedesrealiza, isto , abandona a perspectiva, o ponto de vista. O termo desrealizao se refere ao fato de que a pintura deixou desermimtica,negando-seareproduziroucopiara realidade emprica, tanto quanto o romance. Neste, o ser humano se fragmenta, h uma desmontagem da pessoa humana edoretratoindividual,umaquebradalinearidade,a fimdecompor,construirumanarrativaquecontemple todas as mudanas ocorridas. Dessaforma,essaidiadedesconstruoe multiplicidadedevozesestopresentesnoromance moderno, na medida que aparecem nessas histrias como as vriasvozesdentrodeummesmodiscurso.Comoexemplo, tem-seafusodasvozesdonarradorcomapersonagem, presente no discurso indireto livre, a ser discutido no captulo quatro, nas anlises das histrias. 1.1 A questo do leitor da literatura infantil Todotextoescrito,independentementedesua natureza,existeparaserlido.Essasituaose evidenciaquandosetratadeliteraturainfantil, sintagmaquetrazexplicitamenteafiguradoleitor, projetadonoadjetivo.Estequalificaosubstantivo,de formaaatribuir-lheosignificadodegneroliterrio destinado criana.Noentanto,segundoAnaMariaMachado,o adjetivo no restringe o substantivo, pelo contrrio, o amplia: Literatura Infantil no aquela que se destina exclusivamente a ser lida pelas crianas, massimaquelaquepodeserlidatambmpelas crianas (MACHADO, 1981, p. 1). Candido(2000),deumpontodevistamais sociolgicoqueesttico,concebeoescritorcomo indivduo que desempenha seu papel social e sua obra no um produto fixo, unvoco frente a qualquer pblico, mas o resultado da tenso entre as veleidades profundas e a consonnciaaomeio,caracterizandoumdilogomaisou menos vivo entre criador e pblico (p. 74). Isso significa que o escritor depende de seu pblico,namedidaemqueesteserevelanasua conscincia: Quandosedizqueescrever imprescindvelaoverdadeiroescritor,queristo dizerqueelepsiquicamenteorganizadodetal modoqueareaodooutro,necessriaparaa auto-conscincia,porelemotivadaatravsda criao.Escreverpropiciaramanifestao alheia,emqueanossaimagemserevelaans mesmos. (p. 76) NocompassodeCandido,AnaMariaMachado aponta o escritor como algum que escreve para ser lido, ainda que seja para si mesmo, para o prazer de preencher o papel em branco:Emgeral,agenteescreveparaagente mesmo. Escreve pela prpria linguagem, pela pgina embranco,paradizeralgumacoisa.Noimporta muitoaidadedequemvailer.(MACHADOapud. Bastos, 1995, p. 49) Destinadoaoadultooucriana,umtexto literrioreveladordotrabalhodoescritorcoma linguagem,oquelheconfereautonomiaeesteticidade, quandosetornaportadordeumapropostaartstica;ou pragmatismo e utilitarismo, quando seu compromisso com a pedagogia. A relevncia, segundo Ana Maria Machado, no ser aceito pelo adulto ou pela criana, mas o prprio atodeaescritaconstituir-secomoumtrabalhode construo esttica, o que significa criar um momento de beleza atravs da palavra e usar essa escrita literria de modo transparente: Literariamente,alinguagempodeter vriossentidos,paraqueoleitorinventeseus prprios significados. Mas gosto de us-la sempre demodotransparente.Noparaocultarevelar, mas para revelar. (MACHADO, apud BASTOS, 1995, p. 50) No se trata de negar a criana no texto, mas deconvid-laanelepenetrar,comoleitorcapazde apreciar o momento de beleza atravs da palavra e, uma vezqueessacrianasefaaleitora,impossvel ignor-la, devendo-se tom-la como um leitor implcito. Paratanto,otextodeliteraturainfantilprecisade cuidadosespeciais.Trata-se,segundoMachadoda necessidade de um ludismo maior do que para o adulto: Escrevoporquegosto.Commeustextos, quero botar para fora algo que no consigo deixar dentro.Eescrevoparacrianaporquetenhouma certaafinidadedelinguagem.Masnotenho intenodidtica,noquerotransmitirnenhuma mensagem,nosoutelegrafista.Acreditoquea funodaobraliterriacriarummomentode beleza atravs da palavra. Escrever para crianas talvez seja mais aberto, mais ldico,mais perto da conotao e da poesia, mais polissmico. E com umcertocompromissocomaesperana,queno existequandoseescreveparaadultos.Mas basicamentenocreiomuitoqueascoisasse dividamentreadultosecrianas.(Machadoapud. Bastos, 1995, p. 49) Eu, o que me interessa em literatura trabalhar a belezadapalavraeabelezacomapalavra,n? Criandonovasidias,novospersonagens,as situaes...Eu acho que s escrevo porque eu gosto da linguagem e da beleza. (LIMA, 1998.) Essadiferenacentradanoludismo,mais pertodaconotaoedapoesia,sfazdotextoalgo maisricoeldico,ampliando,assim,aperspectivado leitor. por isso que o adjetivo infantil amplia, em vez de restringir.Isso poder ser observado nos vrios textos a seremanalisadosnocaptulo4,comasbrincadeirasde linguagem,asfigurasdelinguagem,ojogode perspectivas,ocontrastedeidias,avalorizaoda infncia e da criana, bem como de seu discurso. Enfim, procurar-se-evidenciartodaaconstruoliterria capazdecriaromomentodebelezaeproporcionaro encontro entre o leitor e o protagonista, de descobrirem juntos,jqueoconhecimentodaspersonagens semelhante a do leitor implcito. Tratando-sedesseleitor-mirim,evidente queasualeituraserdiferentedadoadulto.A identificao desse leitor com a histria se d por uma espcie de projeo da criana na personagem com que ela seidentifica,proporcionandoaoleitor,almdessa semelhana,umasensaoagradveldeliberdadee pacificidade: Acatarseconstituiaexperincia comunicativabsicadaarte,explicitandosua funosocial,aoinauguraroulegitimarnormas, aomesmotempoquecorrespondeaoidealdaarte autnoma, pois liberta o expectador dos interesses prticosedoscompromissoscotidianos, oferecendo-lhe uma viso mais ampla dos eventos e estimulando-oajulg-los.(ZILBERMAN,1989,p. 57) Identificando-se com o protagonista, o leitor est, ao mesmo tempo, participando da histria e atuando sobreela,umavezqueainterpreta.Suaparticipao, ento,ocorrenocomoseelefosseumaentidade autnoma,mascomoleitorimplcitoe,portanto,um aspectoconstitutivodaconfiguraotextual.Ao participar da composio do texto no momento em que esse escrito, o leitor situa-se como mediador, na medida em que o autor s adquire plena conscincia da obra pela sua reao.Isto indica, segundo Zilberman (1989), que o pblico condio para o autor conhecer-se a si mesmo, seja quando aceita o que o texto prope, admitindo suas orientaes, ou quando atribui sentidos ao texto a partir desuasexperincias,deordemhistrica,sociale biogrfica. De acordo com a perspectiva de Iser (1996), aobraoserconstrudodotextonaconscinciado leitor (p. 51). Esse leitor entendido como implcito porquenoestconcretizado,massubentendidona configuraodotexto.Nosetrata,portanto,deuma existncia real, mas transcendental: Aconcepodoleitorimplcito descreve,portanto,umprocessodetransferncia pelo qual as estruturas do texto se traduzem nas experinciasdoleitoratravsdosatosde imaginao.Comoessaestruturavaleparaa leitura de todos os textos ficcionais, ela assume um carter transcendental. (Idem,Ibidem, p. 78) Aprofundandoessaquestodoleitor, possvelinseri-lanaexperinciaesttica,cuja essncia,paraJauss(1979),encontra-senumprocesso interativo,baseadonaoscilaoentresujeitoe objeto: Aexperinciaesttica,portanto, consiste no prazer originado da oscilao entre o eueoobjeto,oscilaopelaqualosujeitose distancia interessadamente do objeto, aproximando-sedesi.Distancia-sedesi,desua cotidianeidade,paraestarnooutro,masno habita o outro como na experincia mstica, pois o v a partir de si. (p. 19) Nesse sentido, os textos de Ana Maria Machado permitemaoleitorprojetar-senahistrianarrada, colocando-senolugardapersonagem,vivendoumanova experinciaeenriquecendo-seinteriormente.Ouainda, distanciar-sedamesmahistriaparavoltarsua realidade,podendoestabelecercomparaes,enxergaras opes,enfim,umenriquecimentoquealiteraturapode conceder como uma forma de felicidade.Essafacilidadedesecolocarnolugardo outroricamenteproporcionadaaoleitor,pormeiodas vrias narrativas de Ana Maria Machado, que possibilitam essaaproximaonospelaexperinciaemsida personagem, mas tambm pelo jogo lingstico. Trata-se,segundoIser(1996),deuma interao que s pode se realizar com a participao do leitor enquanto ser que completa o sentido no texto:Emobrasliterrias,porm,sucedeuma interao na qual o leitor recebe o sentido do texto ao constru-lo. (p. 51) A interao texto/leitor parte das estruturas do texto, as quais so, ao mesmo tempo, de carter verbal eafetivo.Esteduplocarterdizrespeitoaoefeito causadonoleitor,quandoemcontatocomestruturas verbais: ascondieselementaresdetalinteraose fundamnasestruturasdotexto.Estassode natureza do texto, elas preenchem suafuno no notexto,massimmedidaqueafetamoleitor. Quasetodaestruturadiscernvelemtextos ficcionaismostraesseaspectoduplo:ela estruturaverbaleestruturaafetivaaomesmo tempo. O aspecto verbal dirige a reao e impede suaarbitrariedade;oaspectoafetivoo cumprimentodoquepreestruturadoverbalmente pelo texto. (Idem, Ibidem, p. 51) Esse espao aberto diz respeito aos vazios do texto, como uma espcie de convite participao do leitor,nosnaidentificaocomaspersonagens, projetando-senelas,comotambmnainterpretaodo texto, j que: ovazionotextoficcionalinduzeguiaa atividadedoleitor.Comosuspensoda conectabilidadeentresegmentosdeperspectiva, ele marca a necessidade de uma equivalncia, assim transformandoossegmentosemprojees recprocas, que, de sua parte, organizam o ponto devistadoleitorcomoumaestruturadecampo. (ISER, 1979, apud LIMA, p. 130) Este[opreenchimento]serealiza mediante a projeo do leitor. A comunicao entre otextoeoleitorfracassarquandotais projeesseimpuseremindependentesdotexto, fomentadosqueseropelaprpriafantasiaou pelasexpectativasestereotipadasdoleitor.Ao invs, a comunicao de xito depender de o texto forar o leitor mudana de suas representaes projetivas habituais. (LIMA, 1979, p. 23). Tendo em vista essas consideraes possvel verificarasuperaodaassimetriaadulto/criananas narrativasdeAnaMariaMachado,demodotala privilegiarumtrabalhoestticoe,porisso,valorizar seu leitor criana. Essa valorizao se d pela liberdade e autonomia que a personagem adquire, agindo e refletindo sobre o mundo e sobre si mesma. A capacidade da autora em criar essas formas pertinentesdelinguagemfazdessetextoumdiscurso privilegiado,adequadoaoleitorinfantil,isto,um textodotamanhodoleitor.Essacapacidadepermite tambmcompreenderoesforodaliteraturainfantilem atingir sua maioridade literria. 1.1.1ALiteraturaInfantilBrasileiraesuasfontes tericas. Comoartedapalavra,aliteraturatemo poder de dar voz criana, tendo em vista a personagem quedelineadanotexto,demodoaexprimirsuas vontades e necessidades, bem como aquilo que a angustia. Esses fatores contribuem para a sua maioridade literria, construda no decorrer de sua histria, um tanto recente, como se ver a seguir. Os estudos sobre literatura infantil, no caso brasileiro,sorelativamenterecentes.Emboradesdeo finaldosculoXIXpossamserencontradastematizaes esparsassobreognero(Magnani,1996),sobretudoa partirdasdcadasde1940e1950queelepassaaser objeto de reflexo mais sistemtica, respectivamente com os escritos de M. B. Loureno Filho. Em Como aperfeioar aliteraturainfantil(1943),LourenoFilhoabordaa literaturainfantildeumpontodevistapsicolgico, procurandosoluesrelativasaocarterformativodo gnero: Sua funo capital a de sugerir o belo, dentro dos recursos da mentalidade da criana. Fazendo-o, sugereobem;concorreparaaformaodogosto artstico;cooperanoequilbrioemocionalda criana;d-lheshorasdesadioentretenimentoe deliberaoespiritual;fazamaroidioma nacional; desperta o gosto literrio, estimulando a criao; e, mais generalizadamente, sem dvida, pelo hbito que inculca da boa leitura, prepara o consumidordasbelasletrasnohomemfuturo. (LOURENO FILHO, 1943, p. 160) Tendo em vista a valorizao e construo do texto,Arroyo(1968)marcaasorigensdaliteratura infantilpormeiodeumhistricodaspreliminaresdo gnero na Europa, a fim de caracterizar as suas fontes e noexatamenteumaanlisecrtica.Paraisso,deuma perspectivahistrico-evolucionista,destaca,noBrasil, oqueconsideraduasfasesdaliteraturainfantilno Brasil: a escolar, por meio de tradues portuguesas; e a literria propriamente dita, com tradues, adaptaes e aproveitamento do material brasileiro.Emrelaoaosprincipaisaspectos caracterizadores do gnero, Arroyo aponta a construo do texto,tendoemvistaautilizaodalinguagem, vocabulrio e enredo. Aponta tambm as necessidades tanto deafirmaodognero,comodaassimilaoda conscincianacional,pormeiodetextosmais brasileiros, com seus prprios valores culturais: teormaisbrasileiro,maisdaterra,como aproveitamento dos seus prprios valores culturais edacontribuiodascorrentesimigratriasque ajudam a construir a nao. (ARROYO, 1968, p. 229) Centradanaprpriacriana,deuma perspectiva mais literria e autntica, Ceclia Meireles (1979)2 define a literatura infantil pelo gosto infantil, A ou seja, uma literatura a posteriori: Existe uma literatura infantil? Como caracteriz-la?Evidentemente,tudoumaliteraturas.A dificuldade est em delimitar o que se considera como especialmente do mbito infantil. So as crianas, na verdade, que o delimitam, com asuapreferncia.Costuma-seclassificarcomo LiteraturaInfantiloqueparaelasseescreve. Seriamaisacertado,talvez,assimclassificaro que elas lem com utilidade e prazer. No haveria, pois, umaliteraturaInfantil apriori, masa posteriori. (MEIRELES, 1979, p. 19) Nessaconcepo,jsepodenotara necessidadededefiniodaidentidadedaliteratura infantil, tendo como critrio o gosto da criana, no que concerneaoseuprazereutilidadenaleitura.Essa afirmaoevidenciaaparticipaoativadacrianana identidadedessaliteraturaquetrazexplcitooleitor noprprionomeeimplcitaavalorizaodacriana enquanto ser capaz de escolha. Nessalinhaderaciocnio,ReginaZilberman (1985), imbuda em um discurso estabelecido pela ruptura comanormatividade,analisaaliteraturainfantil brasileirajuntamentecomaescola,destacandosuas diferenas e semelhanas. Estas se do pelo fato de que tanto uma quanto a outra podem formar o espao para que a criana reflita sobre sua condio pessoal. Zilberman(1985)evidenciaanecessidadede parmetros artsticos para a escolha de textos na escola, reiterandosuafunoformativa,capazdeformaro leitor crtico. Inseridos nesses parmetros artsticos estooqueZilbermanchamoudepropsitoverista, mostrando a vida tal como ela , de modo a marcar uma rupturacomoestabelecidoeaomesmotempo,proclamar sua esteticidade, por meio do exerccio com a palavra. Paraisso,aautoradestacaaconcepo adultocntrica,isto,queprovmdoadultoquea impecriana,criandoumdiscursodedominaoe domesticao: Emborasejaconsumidaporcrianas,areflexo sobre o produto oferecido a elas provm do adulto, queaanalisa,emprimeirolugar,deacordocom seus interesses (...) embora o produtor do livro infantil seja o prprio adulto, o objeto produzido visto,analisadoeclassificadoemanalogiaa seu consumidor, o leitor mirim. (ZILBERMAN, p. 35) Nessa concepo adulta, a criana receptor passivo,que,deacordocomaideologiadosvalores evidenciadosnolivro,nosdiminuioleitor,como tambmessamenoridadetransferidaliteratura,que, por essa razo, passa a ser considerada um gnero menor. Emcontraposioaessaidianormativa,a autora destaca a fase lobatiana como altamente criativa, muito embora apresente seu aspecto pedaggico por meio de suastemticasquasesemprevinculadasaoensino.A autoraevidenciaotrabalhoartsticodeLobatoporsua ruptura com a literatura europia, na medida em que ele introduzemseuslivrosatradiofolclrica.Aps Lobato,algunsescritorespertencentesaumacorrente renovadoradaliteraturainfantilconseguemmelhorara qualidade de seus textos, uma vez que esses realizam uma rupturacomanormatividade,aomesmotempoemque desfazem a relao adultocntrica e autoritria.Inseridonessalinhamaisrenovadorada literatura infantil brasileira, Perrotti (1986) aborda a eternatensoentreoqueeledenominadiscurso utilitrio(pedagogizante)ediscursoesttico (autnomo),sendoesteltimoumparmetrodecisivo avaliaodetextosliterriosdestinadosscrianas. Almdessesdoisdiscursos,jmencionados,oautor distingueumoutrodenominadodiscursoinstrumental, que faz parte do discurso esttico e que, embora dono de umafunoformativa,noabdicadeseucarter artstico.Tendocomoparmetroagerao70easua valorizaodaesteticidade,Perrotti(1986)elegeO canecodeprata(1971),deJooCarlosMarinho,comoo exemplodediscursoestticoeacrisedodiscurso utilitrio,pormeiodeumdiscursodeslocado,que visaparticipaodoleitoreaodilogocomele.O autorconcluipelanecessidadedeconstruodessa literaturabaseadanoparmetroestticocomoumpadro literriodecisivo,semimposiesdenenhumaespcie, semverdadesprontas,semreceitas,podendoserteis noseuuniverso,masnoutilitriasnasuaconstruo (PERROTI, 1986, p. 153) Afimdeexplicitarmaisarespeitodessa renovaodaliteraturainfantil,Perrottidestaca algumascaractersticasbsicasdessageraode escritorespreocupadoscomumaliteraturamais comprometida com a arte, em detrimento da pedagogia. Essa renovao verificada por Perrotti pela valorizao: da criatividadedacriana,dosaberinfantil,da mulhercomoserativo,doespritoindagador, crtico,doquestionamentodasrelaesdepoder existentes entre adultos e crianas. Visando investigar as relaes entre leitura, literaturaeescola,dopontodevistadaformaodo gosto,Magnani(1989)partiudanoodefenmeno literrio,segundoFranceVernier,integradoaoseu contextoe/oufuncionamento,ouseja,ascondiesde emergnciadostextos,suaproduo,edio,difuso, instituiesescolareseuniversitria.Pararealizar essainvestigao,aautorainiciaseutextocoma anlise do percurso histrico do ensino da leitura e da literatura no pas. Essa anlise lhe permitiu perceber a condio de acientificidade e mistrio com que a escola encaraa leiturae aliteratura,buscandoadapt-lasde acordocomumfeitoretrico(heranajesutica)da diluioehomogeneizaodogosto,contribuindoparao surgimentodaliteraturainfanto-juveniltrivial.Esta condiodeacientificidaderelacionadasfases diludas da Educao brasileira, que ensinava por meio de imitaoe,conseqentemente,desviavaosalunosda interrogao e do questionamento.Aescola,pormeiodessaprticano interacionistadelinguagem,votextocomoalgo acabado, transformando a leitura em fetiche e o indivduo emconsumidor.Tem-se,destaforma,ahomogeneizaodo gosto por uma literatura trivial, desprovida de qualquer carteresttico,poisaleiturasoltadeseu contextohistricoesocial.Essaleituramedocre oferecidaaosalunoslimita-seaolivrodidticoe paradidtico,osquaisapresentamfragmentosdetextos quenopossuemavisodetotalidadee,quando apresentam, so textos escolarizados, isto , destitudos de valor esttico. Mesmo assim, estes textos so tomados como leitura pela escolha do professor, no mediante uma anlisecrtica,masporumaquestodepraticidade aliada falta de tempo e formao. Aautoraafirmaainflunciaaristotlica, segundoaacepodetileagradvelnaliteratura infanto-juvenil,eplatnica,ligadafuno,aomesmo tempo em que manteve uma ligao histrica com a escola e comapedagogia,propiciandooaparecimentodeum conservadorismo e trivializao do gnero em decorrncia desuautilizaoparaoensino.Dessaforma,a literaturainfantilfazcorreroriscodeoobjetode imitao(mimese)serumfalsomundodacrianaedo jovem, j que vista da tica adulta, desconsiderando a complexidade do mundo e da vida. Esta trivializao do gnero, segundo Magnani (1989) no se d apenas com as condies de circulao e utilizao,mascomacomplexaredede relaes(modo de produo ficcional e os modos de percepo previstos) constitutivos do texto. Aautoraafirmaanecessidadedeleitura, anliseeproblematizaodostextoslidosnaescola,a fimdecompreenderasrelaesentreconservaoe rupturasociaisepartirdassoluesliterriaspara problemas deslocados, mas possveis de serem conhecidos (MAGNANI,1989,p.88).Afimdeseescaparda trivializaodaescola,Magnaniressaltaatarefade reconstruo dos conceitos dos livros bons ou ruins, por meio de uma prxis compartilhada e transformadora. Dessa forma, o leitor pode aprender a gostar, na medida que percebe no texto o trabalho particular da linguagem, envolvendoascondiesdeemergnciae utilizao/recepodostextosliterrios.Oprofessor necessitaterumainterfernciacrticanasuaprxis compartilhada,rompendocomoestabelecido,propondo buscas e delineando avanos (p.92). Nessaperspectiva,ReginaZilbermaneLgia Cadermatori Magalhes (1987) analisam as relaes entre o livroeacriana,seubeneficirio,averiguandoa perspectiva do primeiro, que pode ser autoritria, quando impecertasnormas(pedagogizante),ouemancipatria, quandoestimulaoleitorposturacrtica.Paraisso, adotam o ponto de vista da teoria literria e traam um estudoacercadarecepo,aqualteveseuinciono formalismorussoeestruturalismotcheco,paraconcluir com a importncia e fundamental participao do leitor na elaborao do texto. nessa perspectiva que esse gnero nopodeserpensadoindependentementedoreceptor (criana) e da atuao na vida social, uma vez que esta uma das formas que garantem seu compromisso com a arte, pormeiodeumtextorenovador/emancipatrio,oucoma pedagogia,pormeiodafalsificaodarealidade,em conformidade com a ideologia dominante. Dessamaneira,acrianaestpresentena elaboraodessaliteraturaenquantoleitorprevisto, como uma categoria literria e enquanto personagem capaz de construir seu prprio discurso.Baseando-seemArroyo,MarisaLajoloe ReginaZilberman(1991)apresentamumhistricoda literatura infantil brasileira, com a anlise de algumas de suas fases e certas tendncias, tendo como contraponto a literatura adulta, ao mesmo tempo em que enfatizam os momentosderupturaassimcomoanaturezadaliteratura infantil. Asfasesdaliteraturainfantilabordadas porLajoloeZilbermanavanamatadcadade1980, atingindooqueasautoraschamamderenovao literria,observvelnadcadade1970, concomitantemente industrializao da cultura, por meio damultiplicaoemsriedolivroedanfasenos aspectos grficos do texto como elemento autnomo. Nessa correnterenovadora,asautorasenfatizamoverismo dognero,queseobservanaproposiodetermosde carter social, poltico e moral, que propem uma ruptura comomundofantsticotradicionalmentepresentenos livros do gnero. Essarupturaestimulaaproduodetextos autoconscientes, ou capazes de assumir com radicalidade extremasuanaturezadeprodutoverbal,culturale ideolgico(LAJOLO;ZILBERMAN,p.161),aomesmotempo emquedelineiaumaconcepodeliteraturainfantil voltadaparaabuscadeesteticidadeedesvencilhadado pedagogismo e da fantasia. Aburguesiaseafirmacomoclassesociale tem na famlia e na escola sustentculos para legitimarem o seu poder, trabalhando em prol de seus valores, ainda que esses sejam de natureza simblica. Nessa perspectiva, acrianapassaadesempenharumnovopapelsocial, estimulando a fabricao do brinquedo e do livro. Todososautores,dealgumamaneira, evidenciaramanecessidadedeconstruodeuma literaturainfantilpormeiodarevitalizaoda linguagem (renovao), que, por sua vez, passa a repensar aprpriacrianaalirepresentada,sejanamaneiracom quedesfazodiscursoadultocntricopelopropsito verista,oumesmopeloaproveitamentodomaterial genuinamentebrasileiro(folclore),ouaindapelo respeito ao gosto infantil. Oquerealmenteimportadestacara preocupaocomaemancipaodacriananessestextos, umamaneiradedarvozaelapelasopestemticase conteudsticas,visandoanalisarasnarrativasdeAna MariaMachado,ressaltadasnosestudossobreela, elencados a seguir. 1.1.2 Sobre a Literatura infantil de Ana Maria Machado Existemmuitosestudossobrealiteratura infantil de Ana Maria Machado cujas abordagens coincidem comalgunsdoslivrosqueanalisonestatese.Nos porquesolivrosemqueacriana-personagemest presente de maneira mais autntica, mas tambm porque so narrativas afinadas pelo diapaso da construo esttica e que, por isso, ressaltam seu carter inovador, ao mesmo tempoemquecontribuemparaaformaodognero literrio. Dentreosestudosmaisrelevantesdestaco oito autores, os quais abordam aspectos comuns em vrios livrosdaescritora,comnfaseemsuaconstruo esttica,pordiferentesprismas,como:Rosell(s.d), Resende(1988),Quintana(1989),Pereira(1991),Cruz (1991),Lajolo(1995)ePeixoto(1997)e,porltimo, PereiraeAntunes(2004).Nesteltimo,destacam-se diferentesabordagens,porsetratardevriosautores, emdiferenteslugaresdopas,reunidosemumaedio, sobaorganizaodeMariaTeresaGonalvesPereirae BeneditoAntunes.Porsetratardeumlivronico,com vriosautores,coloco-oporltimo,afimdemantere no desvirtuar a sua organicidade. OestudodeRosell3(s.d)destacadois aspectos caractersticos da obra de Ana Maria Machado: a fantasia crtica e o realismo maravilhoso. O primeiro aspectodistingue-sepelapresenadefadas,reise encantamentos,pormeiodosquaissotematizados problemascontemporneosdoindivduoedasociedade.O segundo distingue-se pelo fato de que a histria tomada da realidade e, num determinado momento, as personagens e oambientesodeslocadosparaafronteirado maravilhoso, permitindo a anlise do conflito por meios C L uLLLLL uLL L 8ML L LL LL L 8 S nada convencionais: [A fantasia crtica] Contos e pequenas novelas que se situam em um ambiente convencional, de reis e castelos,unicrniosedrages,fadase encantamentos,ondecomonafabulaos problemascontemporneosdoindividuoea sociedadesubmetem-seanlise.Aironia,o humor,oabsurdo,oenfoquenoconvencionaldo heri,acrticadaautoridade,assimcomoos recursos expressivos modernos e de alto registro, fazemdestesetorumdosmaiscaractersticos, ricoseoriginaisdanovaliteraturainfantil brasileira. ... [Realismo maravilhoso]: Contos extensos e novelas onde o ambiente e os personagens esto tirados da realidade,queemdeterminadomomentocruzama fronteira do maravilhoso, o que permite analisar o conflito por meios nada convencionais que agudizam alucidez,pormtambmdesfrute,emgeneral constitueminteressantesmetforassobreel individuo. (ROSELL, s. d. p. 47-8) Resende (1988) prope uma reviso crtica da produo de literatura infantil embasada num conceito de amadurecimentoliterrio,detectadopormeioda explorao criativa da linguagem, de acordo com a funo esttica,cujopropugnadormaisdestacadofoiMonteiro Lobato.Deacordocomessaconcepodeliteratura infantilquevisaestticaenoaopedagogismo,a autora discute a produo de Ana Maria Machado, mediante anlise dos livros Bento-que-Bento--o-frade (1977), Bem do seu tamanho (1979) e O menino que espiava para dentro (1983). Deacordocomessapesquisadora,otrabalho estticorealizadoporAnaMariaMachadosetraduznum compromissocomafantasia,identificadoporuma linguagempoticaresponsvelpelaformaodogosto infantil,umavezqueoleitorremetidoararidades imaginriasdegrandevalidadeeencanto.Esseefeito conseguidomedianteapassagemdoprimeiroplanodo imaginrio(fantasiamaissuperficial)paraosegundo plano (fantasia profunda, nvel de subjetividade), onde se situam maior fora potica e relevncia simblica, ou olimitedoinconscientedoescritor,ondesubjaza criana. Para Resende, a personagem Helena, de Bem do seu tamanho (1979), realiza essa passagem do primeiro para o segundoplano,pormeiodesuapercepodomundo circundante, passando do questionamento de seu verdadeiro tamanho procura de respostas, por meio do deslocamento espacial. Resende(1988)ressalta,ainda,acapacidade deaobradeAnaMariaMachadoafirmar-secomognero literrio,umavezqueaescritoramergulhouno imaginrio,deformaagarantirapermannciadaarte, gerada pela funo esttica (p. 105), garantindo tambm a fruio por parte do adulto, alm da criana e do jovem. A proposta de investigao de Quintana (1989) concentra-senaconfirmaodaidentidadeliterriada literaturainfantilbrasileiradeAnaMariaMachadoem Histriameioaocontrrio(1987),Dooutroladotem segredos(1985),Deolhonaspenas(1984)eOcantoda praa(1986).Nesseslivrostematiza-seabuscade identidadepessoaloucoletiva,pormeiodo "amadurecimentodatemticaedatcnicanarrativa",da "livreinvenodalinguagem","livreexpressodo discurso","novidadetemtica",do"apurotcnico"(p. 68-9) bem como no uso do nonsense. A autora conclui que a identidade da literatura infantil brasileira se constri pelaespecificidadedetrabalhodecadaautorcomo acrscimo de novos elementos: A identidade literria de Ana Maria Machado d-se com a polemizao do discurso tradicional e com a instaurao do nonsense "enquanto conotao do que fogeaosensocomum"e"exacerbaododiscurso ldico",oqualspossvelapsseter conseguidouma"identidadeliterriabrasileira" (p. 158). Cruz(1991)analisaorisonaobradeAna Maria Machado com o objetivo de discernir as suas fontes, funesedimenses.Suafontemedieval,suafunode libertar-sepelapalavraesuasdimensesenvolvema esteticidade,demodoapermitiraclarividnciadesua palavra, na busca de um mundo mais justo. AnoodocmicoemAnaMariaMachadotem razesmedievais(risorecreadorerecriador),esuas histriassofundamentadastantonorisodecarter universalistaesubversivoquantonorisocarnavalesco, deusofestivo.Ocmicoaparececomointermediriona linguagemldicadeAnaMariaMachado,comomeiode problematizaromundocircundante,rompercom autoritarismos,enfim,comomeiodesebuscarem transparncias, como um meio de libertao.Cruzaindaressaltaopapeldesserisona obradeAnaMariaMachadocomoummeioparaatrairo leitor e conduzi-lo a ler nas entrelinhas, chamando para reflexo.Ocmicoseestabelecepormeiodetrs processos:ainterfernciadeidias,ouatribuiode duassignificaesindependentesesuperpostasnamesma frase(p.46);trocadilhosoujogodepalavras;eas inverseseatransposio,estaconsistindoemse transporemidiasdeseuambientenaturalparaoutro, exprimindo-as em estilo e tonalidades diferentes (p. 52). Consideraessemelhantespodemser observadasnatesededoutoradodePereira(1990) intituladaRecursoslingstico-expressivosdaobra infanto-juvenil de Ana Maria Machado. Com base em anlise fnica, semntica e sinttica, Pereira defende o ponto de vistadequealiteraturainfanto-juvenildeAnaMaria Machado baseada no "coloquial elaborado", que, por sua vez, apresenta razes lobatianas. A partir da anlise de "algumasmarcasperceptveisfacilmentedocoloquialem Ana Maria Machado" (p. 136), que se encontram diludas no discurso,"tendocomoresultadoumalinguagemcoloquial despojada,verstil,massemprerica,expressivaebem elaborada na sua transparncia" (p. 13), Pereira observa queesseestilospdeserconstrudomedianteuma concepodinmicadelngua,baseadaemseuaspecto ldico,trazendoparaoleitoraimpressodeum permanente "papo", numcontardecasos,histrias,comosmais variadostemas.Nosenotamnoseuestiloos limitesdemarcatriosentreocoloquialeo erudito (culto) j que a autora transita em ambos os nveis de maneira fluida, natural e espontnea, tanto em relao ao personagem quanto ao narrador. (Pereira, 1990, p. 136) NumdoscaptulosdolivroAnaeRuth:25 anos de Literatura (1995), Lajolo identifica a literatura deAnaMariaMachadocomumaperspectivamoderna,por meiodetextos"inovadores",queprivilegiama intelignciaeacriatividadeinfantil.nessengulo inovadorquealiteraturadessaescritora,assimcomoa de Ruth Rocha, converge para a proposta lobatiana: Sovriasasperspectivaspelasquaisa trajetria de Ana e Ruth coincide com a que, mais decinqentaanosantes,Lobatopercorreuao selar,natradiobrasileira,amodernidadedo gneroinfantil.Algumasdessasperspectivasque merecemdestaquesoamodernizaodotexto,a coloquializaodalinguagem,oarejamentodas mensagens,aconcepodacrianaleitoracomo inteligente,inventiva,almdeumaatitude radicalmentecrticadarealidade brasileira.(LAJOLO, 1995, P. 73) Almdeacompanharemprofissionale cuidadosamente os aspectos envolvidos na produo de seus livros,ambasaceitamdesafioscomoaorganizao profissional de editoras, colees e livrarias. Deumaperspectivahistrica,Peixoto(1997) analisaalgunslivrosdeAnaMariaMachado,partindoda concepodeficocomonarrativaquetenhapor finalidadecomunicarfatosinventadoscomointuitode fingimentoedepuroprazer(p.148),demodoa interpretararealidade.Busca,assim,asseguraro carterhistricodaliteratura,umavezque elasempre se relaciona com um determinado tempo e lugar. ParaPeixoto,AnaMariaMachadouma escritoracapazdecriarhistriascujo"euindividual" noseconstriseparadamentedo"eusocial".Nesse sentido,destacaoslivrosBento-que-Bento--o-frade (1977),Bemdoseutamanho(1980),Dooutroladotem segredos (1980), De olho nas penas (1981), Bisa Bia, Bisa Bel (1982) e Praga de unicrnio (1983), por consider-los narrativas dialogizadas, na medida em que criam espaos e lacunasqueoleitorpodepreenchercomosdadosda prpria experincia, e discutem temas e questes, mas no fornecemnormas,critriosfechados,receitasde comportamento.Nesseslivrosencontra-seumdilogo particular com cada leitor, a partir da especificidade de sua experincia social (p. 159). Quantoaosestudosquerecaememapenasum livrodaescritora,tm-seosdeCosta(1989),Silva (1994)eCarvalho(1985).Tomandocomoobjetoolivro Bisa Bia Bisa Bel (1980), Costa (1989) destaca as "marcas indelveisedeterminantesparasuaconcretizao particular",marcasessasreferentesestruturaformal dotexto,construdonuma"estruturadeencaixe"e desenvolvido na "insistncia de um espao interior". Silva (1994) analisa o mesmo livro, porm de umaperspectivasimblica,oquelhepermiteabordara narrativanasuaestruturatantointerna(buscade identidadeadolescentemedianteretomadadopassado familiar e da personagem-av Beatriz), quanto externa (os recursosnarrativosestruturadospelatcnicade espelhamento,caixas,construes"emabismos", holografias, a fim de partilhar a tridimensionalidade) e concluirarespeitoda"narrativaemprofundidade" contida no livro. TantoCosta(1989)quantoSilva(1994), emboradeperspectivasdiferentes,apresentamsuas consideraesconcordandosobreaimportnciadesse livro,quepodeserconsideradocomoumdosmarcosda literaturainfantilbrasileira.Aomesmotempo,esses pesquisadores contribuem para os estudos sobre o gnero, destacandoopapelfemininopormeiodaprotagonista Isabel. Carvalho(1985)tomacomoobjetodeestudo outrolivrodeAnaMariaMachado:Histriameioao contrrio(1980),discutindosuarecepoebuscando evidenciarafunodaliteraturanaformaoda personalidadeinfantil.Seuobjetivofoiverificara recepo, por parte de alunos de nove e doze anos, em uma escola estadual de Londrina (PR), da mensagem da histria e a ruptura com a estrutura narrativa do conto de fadas tradicional proposta pela escritora. Paraisso,Carvalho(1985)exploraa concepoideolgicadocontodefadastradicional,com forteapelofantasiaecriticadopelacorrenteneo-realista, que v a fantasia como "perigosa e intil" (p. 68),criando,ento,umacriana"tontaebem intencionada". O equilbrio entre essas duas tendncias apresentadoporCarvalho(1985)comouma"posio intermediria", ou seja, sem a quebra total da iluso e, ao mesmo tempo, permitindo o questionamento por parte do leitor.nessacorrentequesituaHistriabemao contrrio, na qual observa o uso de elementos estruturais do conto de fadas tradicional, com novas histrias. Oresultadodesuapesquisarevelaqueos estudantesfizeramumaleituraingnuadahistria,no percebendo a inverso do conto de fadas tradicional, nem amensagemideolgica.Emcontraposioaessetipode leitura,Carvalho(1985)propeumaleituracrtica,a qualdependedametodologiautilizadapeloprofessorna abordagem do texto. Aosmoldesdessaspesquisasanteriores, apresenta-sealtimapublicaoencontradaemlivro, sobre a obra de Ana Maria Machado, datada de 2004. Traz as mesmas caractersticas presentes nos diversos estudos j mencionados, porm, de outras perspectivas, ou quando dealgumasperspectivasparecidas,trazemtemticas diferentes. Trata-sedeestudosparciais,abrangendoum aspectoemalgunslivrosdeAnaMariaMachado;estudos verticais, com aspectos comuns a toda a obra da escritora eaindaestudospanormicosougerais,bemcomo estruturais,ligadosteoriadaliteraturainfantil brasileira.Algunsdessesestudostrazemainovaode compararlivrostantodaliteraturainfanto-juvenil, quantodano-infantil,colocando-ostodosemummesmo planoesttico.Essefatonosigualaessasduas literaturas,umavezqueosubsolodaarteums (Candido,1986),comotambmevidenciaseucarter esttico. Noprimeirogrupodeestudos,tem-seVieira (2004), com uma abordagem sobre a metaficco histrica (p. 49) em livros como: De olho nas Penas, Os mistrios domaroceanoeOmarnuncatransborda,narrativasque abordam a realidade histrica por ngulos diversos (p. 51), um procedimento da ps-modernidade, que: consistenadescentralizaodosujeitona narrativa,ouseja,naapresentaodevozes variadas, que representam os ex-cntricos, cujos discursossempreseconservarammargemnas narrativastradicionais,equesofundamentais paraaapreensodasquestesconcernentesaos fatoseaosacontecimentosdopassado.(Idem, Ibidem) Sobumpontodevistahistrico,essa abordagemconvidaoleitoraparticipardodiscurso narrativo, porque dialoga com o seu presente, uma vez que este pode estabelecer relaes histricas do passado, com seucontextohistricopresente,como,porexemplo,o dilogodeCristiana,personagemdeMistriosdomar Oceano,sobreodesbravadorCristvoColombo, apresentandoaoleitorumavisocrtica,namedidaem quetrazparaopresenteoquestionamentodesse desbravador que no apresentado no discurso oficial.Em Carvalho (2004) e Martha (2004), tem-se o pontodevistadaformaohumana.Aprimeira pesquisadora realiza um estudo da emancipao do sujeito infantil, a partir da discursividade em delrio (p. 67) de Bisa Bia, Bisa Bel. Essa abordagem demonstra a maneira como o leitor se emancipa quando em contato com as vrias vozesconstitudasnodiscurso,entreopassado(bisav Beatriz),opresentedeIsabeleofuturo(netaBeta). Essatranadegenteproporcionadapelaoralidade,o tomconfessionalededesabafo,causaaempatiano leitor,fazendo-oviverasmesmasexperinciasquea protagonista Isabel: Aodeixarodiscursodapersonagemjuvenilse desenvolver pelo fluxo do pensamento de Isabel a autora permitiu que a criana se emancipasse e se erigisse como sujeito. (p. 84) EmrelaoaodiscursodeMartha(2004),a questo da formao se repete, porm, do ponto de vista daconstituiodaimagemdojovem.Marthachamaa ateno,diferentementedosoutrosestudos,sobrea imagemdojovemdelineadanoslivrosdeAnaMaria Machado,emIssoningummetira,Amigocomigo,Uma vontade louca e Tudo ao mesmo tempo agora. Segundo ela, prximodoromancedoformaooubildungsroman(p. 107), a narrativa constri a imagem do jovem como sendo reveladora de uma identidade prpria e completa: noumapreparaoparaamaturidade,mas enfocadacomoumaetapaamaisnoprocessode vida,plenadesignificadoevalor,portanto. (...)Aspersonagenssoconstrudascomoainda noadultosoucomoj-no-mais-crianas,so portadoresdeumaidentidadeprpriaecompleta. (p. 119) Ainda,nessesestudosparciais,tem-se Benevides(2004),comumaprofundamentonolivroBemdo seu tamanho, sob a perspectiva da intertextualidade, ou o dilogo estabelecido com Monteiro Lobato e Lewis Carrol, em relao construo da personagem Helena, em Bem do seutamanho,emconsonnciacomEmlia(Lobato)e Alice(s) a personagem de Alice no pas das maravilhas e adeAliceeUlisses,evidenciando,assim,seucarter intertextual e dialgico. Naprimeiracomparao,oudilogo estabelecidocomLobato,aquestodotamanhoque aproxima as duas personagens Emlia na casa das chaves e Helena querendo descobrir seu verdadeiro tamanho: como forma de indicar a autonomia do indivduo; como relao tica,queprevanoodeperspectivaecomoalgo absoluto, no sentido fsico do termo, de corpos que podem ser medidos a partir de qualquer escala (p. 94). Emrelaovisopanormicaestabelecida por Silva (2004), a autora faz um vol doiseau sobre a narrativadeAnaMariaMachado,tecendoconsideraes gerais,semoaprofundamentodeumtemacomum,em consonnciacomocontextodefimdesculo.Sua perspectivapanormicapermiteumvodesonhose penas,quetrazconsideraescomo:liberdade,leveza, mobilidadeevisocomdistanciamentoemtemascomo exlio,ausnciadopai,separaodecasais, autoritarismodeumgovernantetirano.Osrecursos estilsticosutilizadospelaautoravariamentrea intertextualidade,metalinguagem,ludismo,levezado pensamentoinfantil,recursoaoeco,aliterao, rima,ou onomatopia[como] prticaquecaracterizao seu estilo narrativo (p. 129). Quantoaosestudosverticais,tem-sea concepodePereira(2004),marcadapeloprisma lingsticodocoloquialelaborado,jmencionada anteriormente, com a abordagem direta de sua tese, datada de 1990, e tambm um estudo dos adjetivos, realizado por Gregrio (2004).Pereira (1990), j mencionada anteriormente, retoma o que denominou de coloquial elaborado, enquanto elementoslingsticosestruturaisevidentesna construodashistriasdaautora,instituindo-secomo umtextodequalidade,namedidaemqueosreiteracom seuusoconstantedotrocadilho,dononsense,almda pardia.Otrabalhocomalinguagematuanosplanos fnico, morfossinttico e lxico-semntico: Nombitodalinguagem,aescritoraatuanos planos fnico, morfossinttico e lxico-semntico, lanando mo dos recursos possveis que a lngua colocaaseudispor,trabalhandoapalavracomo artesexperiente,enriquecendoodiscursoe oxigenando o cdigo utilizado. Nada mais oportuno, ento, para se travar contato com a lngua do que umtextoplenodepossibilidadesemquese verificaodomniodeestruturasdoprprio idioma, deflagrando a expressividade que encanta, pelasutileza,leitoresdetodasasidades,sem perderdevistaasimplicidade,aclarezaea objetividade, fatores indispensveis compreenso imediata,semquaisquerfirulaslingsticas. (PEREIRA, 2004, p. 141) Essaconcepooportunatambmna configuraodesuaspersonagens,asquaisfazemuso constante do dilogo como uma mediao capaz de buscar a soluoparaseusconflitosinternos.Apertinnciada teoriadialgicavaiaoencontrodoestudodePereira (2004),quecaracterizaessediscursocomocoloquial elaborado,ouseja,oresultadodeumdiscursobaseado naoralidade,falacoloquialque,aomesmotempo, elaborada: H o quechamaramos decoloquialelaboradona linguagem de Ana Maria Machado, entendendo-se com isso o tom do registro coloquial, do cotidiano, da conversa entre amigos, sustentado, entretanto, por slidoconhecimentolingstico,partindode situaesquepermitamamanipulaodeusose processosparaproduziremossentidosdedoses balanceadas e combinadas harmonicamente. (PEREIRA, 2004, p. 142) Ainda nessa perspectiva lingstica, Gregrio (2004)destacaoutraquestocentradanoestudodo adjetivo(p.156),emTropicalSoldaLiberdade, Canteiros de Saturno, Aos quatro ventos e A audcia dessa mulher. Gregrio (2004) objetiva estudar esse processo de adjetivaocentradoemseisfiguras:antonomsia, adjetivao atravs de expresses coloquiais; o adjetivo comopropulsordojogometalingstico,oenlace inusitado;oadjetivoadverbial;aimpropriedade adjetiva. AnaMarialanamodosadjetivos,locues adjetivas,vocbulosouexpressesquefuncionam como adjetivos, materializados, muitas vezes, por estrangeirismos,grias,termospopularese eruditos,bemcomopormeiodemetforas, comparaesetc.Engendracomarteas possibilidadesdedistribu-losnaestruturada frase, a fim de obter melhor ritmo, tornando-os o centroemocional,garantindonosleveza expresso,mastambmirradiaosemntica. Articulahabilmenteosplanosfnico,lxicoe sinttico,capturandoaatenodoleitor.Tece umacomplexarededesentidos,instigando-oa desmanch-la, a transpor significados para tec-la novamente. Da juno desses trs planos surgem a plenitude significativa e a beleza esttica de sua criao literria. (p. 157) Aindanessaposturavertical,tem-sea anlisedeTurchi(2004),quedestacaa indissociabilidadeentreaquestoticaeaelaborao estticanaobradeAnaMariaMachadoeasua possibilidadedemovimentaroimaginrioinfantilpor meio da aproximao da memria do escritor adulto com o universoinfantil.Emrelaotica,Turchiaconcebe comoumestadomentalouintelectualimaginativo(p. 12).Comisso,estabelececomopilaresdapoticade Ana Maria Machado: o poder das palavras e a necessidade de olhar para dentro,dobrar-seemreflexosobreaexistncia histricadoserhumano,ahistriadentroda histria. (p. 56) Emrelaoaosestudosterico-estruturais, tem-seaabordagemdeLajolo,numdilogocomAntonio Candido, em sua concepo da literatura enquanto sistema literrio, como algo radicalmente coletivo e social no exercciodaescritaliterria,umaliteraturaenquanto sistema complexo (p. 13). umaliteraturasexisteseexisteumsistema literrio que a constitua, viabilizando o encontro sistemtico, voluntrio, prolongado e reconhecendo entre autor-obra-pblico. (p. 14) Amaturidadedaliteraturainfantil brasileira,enquantosistema,comea,segundoLajolo (2004),nadcadade1970,comareformulaodocone Lobato e pela manuteno do dilogo com esse escritor, de maneiraaestabeleceraspermannciasamodernidade do Brasil de 1970, a irreverncia, a solidariedade com o mundo infantil, a inteligncia irnica do dilogo com os leitores, o esforo para desliterarizar sua literatura e as rupturas, com a consolidao do perfil feminino, o respeitopelapluralidadecultural,apaisagemdos diferentesBrasis,osconflitosdasexualidade,ojogo comamusicalidadedalnguaportuguesa,enfim,temase procedimentos pouco presentes na obra lobatiana (p. 17). Revela,portanto,seucarterintertextualea consolidaodosmaisimportantestraosqueamoderna literatura infantil e juvenil brasileira assume. As relaes entre escritor, obra e pblico (a famosa trade de Candido) encontra, em Ana Maria Machado, asalteraesprpriasdamodernidade,comoomercado livreiro, em vez do mecenato, as mulheres escritoras que assumem a autoria de seus livros sem que necessitem fazer usodepseudnimosmasculinos,avariedadedaformados livros,osurgimentodeoutrosgneros,mudanana constituio do pblico leitor com a alfabetizao, etc. LajolofinalizaafirmandoqueaobradeAnaMaria Machado: cumpreumadasmaisaltasfunesdaartedetodosos tempos: recolocar a polaridade entre o eu, o tu ou o voc, transformando-os,semnticaeideologicamente,emum ns.(p. 20) Essesestudossoreveladoresdacriao literriadeAnaMariaMachado,ressaltandoseuvalor esttico, por diferentes ngulos, de maneira a transitar nosnveishistricos,lingsticosetemtico-estruturais,incluindoaspectostericoseliterrios, bemcomorelaescompersonagens,emcondiesde intertextualidade,quetambmevidenciamseucarter inovador e esttico. Todosessesestudos,emboradediferentes perspectivas,sounnimesemafirmaraqualidade literria de Ana Maria Machado. Esta compreendida pelo trabalhoestticoconstrudonoslivrosanalisados,os quaisressaltamdiferentesaspectoslingstico-expressivos e temticos, ao mesmo tempo em que contribuem para a afirmao do gnero literrio. Emrelaocriana-personagempropriamente dita,todosessesestudosamencionamenquantoelemento da narrativa, capaz de persuadir o leitor e atuar em sua formao humana, tendo em vista os vazios (Iser, 1996), do texto, em que o leitor tem de preencher, mas nenhum a tomacomoobjetodeestudo.Evidenciamoaspecto esttico, que perpassa toda a obra de Ana Maria Machado, o qual est em comunicao com a criana, j que ela o agente, o canal em torno da qual as aes acontecem. Nessesentido,essesestudoscolaborampara compreenderaimagemdacriananaliteraturadeAna Maria Machado, na medida em que evidenciam a pertinncia dessesfatorestemtico-estruturaisresponsveispela construodotextoliterrio,que,porsuavez,so reveladoresedelineadoresdacrianaqueestinserida enquanto personagem. na anlise desses elementos que se percebe a construo dessa criana-personagem, que s possvel mediante essas escolhas lingsticas. Isso explica o fato dequesmesmoumalinguagemtoelaborada, esteticamentearquitetada,capazdecaptar, (re)significaracrianaemtodososseusaspectos constitutivos: emocional, cognitivos, social, histrico e cultural. Essetrabalhodelinguagem,desempenhadopor umaespciedearquitetadaspalavras,compreendeuma crianaquepersonagemeque,porsuavez,buscasua afirmao por diferentes meios, como se ver no captulo quatro,naanlisedasnarrativas.Paraisso,oprximo itemversarsobreaabordagemdotextoinfantil,como uma metodologia de anlise. 1.1.2.1 A abordagem do texto de literatura infantil Convergindo para a idia de arte como objeto autnomo,asconcepesapresentadasanteriormente demandamautilizaodemtodoeprocedimentosque permitamtomarotextodeliteraturainfantilemsua especificidade. Dadas essas necessidades, os pressupostos metodolgicosqueconsideromaisadequadosderivamdas concepes de crtica integradora (CANDIDO, 1998) e de Configurao textual (MAGNANI, 1997). Candidoconstruiuaidiadecrtica integradoramedianteanecessidadedecompreendere mostrardequemaneiramateriaisnoliterriosforam articuladosdeformaatornarem-seelementosestticos regidos por suas prprias leis: mostrar(noapenasanunciarteoricamente,comohbito) dequemaneiraanarrativaseconstituidemateriaisno literrios,manipuladosafimdesetornaremaspectosde umaorganizaoestticaregidapelassuasprpriasleis, no as da natureza, sociedade ou do ser. (CANDIDO, 1998, p. 9) Paraissonecessriofazerumadescrio crtica,ouseja,explorarinicialmenteacamadamais aparentedotexto,concentrando-se,naanlisedos elementos da narrativa: Fiz o que se pode chamar de descries crticas, concentrando a ateno nos enunciados e mostrando oseuencadeamento.Estemododeprocederse baseia na camada mais aparente da obra, ou seja, naquiloqueelatemdeimediatamenteapreensvel peloleitorepodeserapresentadopelocrtico semrecursoaoselementosgerminaisocultos. (CANDIDO, 1998, p. 13) Almdadescriocrticadosenunciadose seuencadeamento,Candidopropeaanlisedosdemais elementospresentesnotextoliterrio,paradepois interpret-los.Trata-se,portanto,dedescrever, analisareinterpretaroselementosconstitutivosda configuraodedeterminadotextoliterrio,capazesde conferir-lhe singularidade, e, como tal, resultante do processo por cujo intermdio a realidade do mundo e do ser setorna,nanarrativaficcional,componentedeuma estruturaliterria,permitindoqueestasejaestudadaem si mesma, como algo autnomo. (CANDIDO, 1998, p. 9) Acrticaintegradorafacultaummergulho notextoemtodaasuaprofundidade,reconhecendosua tessitura formada pela camada mais aparente, indo at a camada mais profunda, onde materiais no literrios, em decorrncia da construo esttica, tomam outra forma, aopontodeseconstituremosaspectosdeuma organizao esttica. Emboranotratandoexclusivamentedotexto literrio,asreflexesdeMagnani(1997)seaproximam, emtermosdeoperacionalizao,dessecaminhocrtico proposto por Candido. Por configurao textual, Magnani buscaabrangerosdiversosaspectosconstitutivosdo sentidodeumtexto,osquaispodemserapreendidos mediante anlise das: opestemtico-conteudsticas(oqu?)eestruturais formais(como?),projetadasporumdeterminadoautor (quem?),queseapresentacomosujeitodeumdiscurso produzido de um determinado ponto de vista e lugar social (de onde?) e momento histrico (quando?), movido por certas necessidades (por qu?) e propsitos (para qu?) e visando adeterminadoefeitoemdeterminadotipodeleitor(para quem?);ecirculao,utilizaoerepercussologradas peloprojetodoautor,aolongodatrajetriadaobra. (MAGNANI, 1997, p. 61) Devidoaessasopesdecarter metodolgico,osprocedimentosparaaanliseda configuraotextualemAnaMariaMachadoseguiroos seguintes passos : anlise de Bem do seu tamanho (1980), Do outro lado tem segredos (1980), O menino que espiava paradentro(1983),OmeninoPedroeoseuboivoador (1978),Deolhonaspenas(1981),BisaBiaBisaBel (1981),RauldaFerrugemAzul(1979),Palavras, Palavrinhas, Palavres (1982) e Beijos Mgicos (1996). Visandocrticaintegradora,taispassos procurarobuscarnotextorespostassquestes relativassuaconfigurao textual,asaber:porqu, para qu, onde, quando, quem, para quem, o qu e como foi escrito.lcito,ainda,observarqueoselementos constitutivosdaconfiguraotextualnopodemser vistosseparadamente,jqueotextoumtodo articulado. No entanto, numa anlise literria, e at por umaquestodidtica,faz-senecessriodescrevercada aspecto,deformaaanalisarsuaconfigurao,ouseja, proceder crtica integradora. Aanlisedoselementosdanarrativabusca darcontadacamadamaisaparente,possibilitandoa construodeumabasedescritivaparaacrtica integradora, que permite compreender como os enunciados e seus encadeamentos encontram-se inter-relacionados com osdemaisaspectosdaconfiguraotextual,afimde constituir o sentido do texto, em especial com o aspecto relativoaoleitorimplcito,quesepodeconsiderarum dos elementos definidores da especificidade dos textos de literatura infantil. Aapresentaodaanlisefoi,ento, organizadadaseguintemaneira.Numprimeiromomento, apresentoaspectosrelativosaopontodevistaelugar social(onde)emomentohistrico(quando)emqueAna MariaMachadoescreve,assimcomoosdadosrelativos suaobra(quem),snecessidadesepossibilidadesdesse momento e lugar social, bem como o papel do leitor (para quem?) nos captulo 1, 2 e 3. Emseguida,nocaptuloquatro,abordoos elementosdanarrativapresentesnacamadamais aparentedotexto,(oquecomo),easpossveis necessidadesepossibilidades(porqueparaqu) observveisnotexto(cap.3).Porfim,buscorealizar uma sntese interpretativa com base na hiptese inicial e mediante a relao entre todos os aspectos analisados ao longo desta tese. 2. AS DUAS FACES DA INFNCIA 2.1 A face Moderna da Infncia ou a procura do discurso da criana. Tendoemvistaquemeuobjetivomaior consiste em analisar a personagem infantil na literatura de Ana Maria Machado, pretendo, neste captulo, realizar umacaracterizaodahistriadainfncia,afimde podercompreendermelhoracrianaexistentenoslivros dessa autora.Minhatesecentra-senaidiadequea personagem-crianarepresentadanaobradeAnaMaria Machado configura-se pela procura de sua auto-afirmao, ou seja, a sua adaptao em um mundo adulto, por meio da subjetividade,passandopelalutadoreconhecimentoe conquistadeseuespao(infncia)pormeiodo enfrentamentodoconflito.Nosepodedeixarde mencionararelaodessacrianarepresentadacoma prpriaautora,comainfnciaqueelateve,coma influnciadeseuav(LIMA,1998,p.148).Aomesmo tempo, tentar perceber um dilogo da autora com Monteiro Lobato,quefoioprimeiroautorinfantilaconcebera criana como um ser inteligente e autnomo, contrastando com todos os outros autores brasileiros de sua poca, bem como os outros clssicos infantis dos quais a autora foi leitora voraz: tal dilogo assenta-se sobre a maneira com queessedesbravadorconcebeuacrianaemtodasua literatura,especialmentenafiguradeEmlia,bemcomo suas relaes com outras personagens. Paraisso,elegialgunsautoresquepossuem uma concepo capaz de abarcar essa infncia representada na literatura de Ana Maria Machado, passvel de expressar acrianaemsimesma,ouseja,damaneiracomoela construda,suaatuaoenquantopersonagemquepermite essa idia de ao, na narrativa, de uma fora geradora, que desencadeia todo o enredo da histria.Trata-se, num primeiro momento, de conceber a infnciaporumaperspectivamoderna,comoinciodessa fase, ou perodo de desenvolvimento, que se inicia com o nascimentoeseestendeatapuberdade,segundoo dicionrio de Psicologia Geral, de Calderelli (1972). Num segundomomento,ainfnciaserfocadaemumaviso contempornea, ampla e vertical de criana, ou seja, uma construohistrica,culturalesocial,que,comotal, vem sofrendo alteraes no decorrer do tempo. Deumaperspectivahistrica-linear,o conceitodeinfnciacomeaaserestudadoporAris (1981),quenegaaexistnciadessesentimentoda infncia durante a Idade Mdia. A evoluo dessa fase foi acompanhada pela histria da arte dos sculos XV e XVI, porm,ossinaisdeseudesenvolvimentoaumentaramnos sculosXVIeXVII,comoaparecimentoderetratosde crianas sozinhas, e da ampliao do jargo da infncia, naIdadeModerna.ArisdestacaosculoXVII,marcado pelo infanticdio tolerado, que s foi extinto no sc. XVIII,comoumafaseconhecidapelaviolnciacontraa criana e a no conscincia de sua importncia. Distingue doissentimentosdeinfncia:apaparicao(primeira idade,centradonaingenuidade,gentilezaegraa, sentimento superficial da criana em seus primeiros anos devida)eaexasperao(sculoXVII),centradona disciplina e na racionalidade de costumes (p. 104-5). Elegeosmoralistaseeducadoresdosculo XVII(pedagogos,organizadoresdecolgios,jesutas, oratorianosejansenistas)comoosresponsveispela instituiodaconcepomodernadainfncia,ligada educao, rigidez e disciplina, com o desenvolvimento da burguesia.Oautorpretendeinterpretarolugarquea crianaassumiunasduassociedades:atradicionalea industrial.Naprimeira,ainfnciaerareduzidaaoseu perodomaisfrgil,misturadacomosadultos, partilhandodeseutrabalhoedeseusjogos, transformando-selogoemjovem.Dessaforma,acriana eraafastadadesuafamlia,aqualnolhetransmitia valores, pois seu intuito era a conservao dos bens e a prtica de um ofcio, despojado de funo afetiva. Onovolugarassumidopelacrianana sociedadeindustrialnopodedeixardepassarpela escola(colgio),queacrianapassouafreqentar,se separandodosadultos.Estafase,tambmchamadade enclausuramentodascrianasouescolarizao,foi interpretadapeloautorcomoumadasfacesdogrande movimentodemoralizaodoshomenspromovidopelos reformadores catlicos ou protestantes ligados igreja, que no teria acontecido se no fosse com a cumplicidade sentimental da famlia. 2.1.1 A infncia no Brasil do sculo XVI ao sculo XX: um retrato da sua fragilidade. Emconsonnciacomessasmesmasfontes, Zilberman(1985,p.13)concebeainfnciaenquanto faixaetriadiferenciada,cominteressesprpriose necessitandodeumaformaoespecficaapartirda metadedaIdadeModerna,devidoaumanovaconcepo burguesadefamlia,centradanoncleounicelular, preocupadaemmantersuaprivacidade.Antesda constituiodessemodelofamiliar,ainfnciaera afastada de qualquer lao amoroso, de modo que no havia umaconsideraoespecialcomessafaixaetria.Coma mudanadevalores,houvemaioruniofamiliar,mas igualmente um controle do desenvolvimento intelectual da criana e a manipulao de suas emoes (p.13). Desse controle resultou a unio da literatura infantilcomaescola,umavezqueasociedade brasileira, no fim do sculo XIX e incio do sculo XX, necessitavacapacitar-seafimdeassimilara transformaosocialpromovidapelaurbanizaoe industrializao. Desse modo, a escola usou a literatura infantilparadifundiressesvaloresideolgicos burguesessobremoralecivismo,comintenese objetivospuramentepedaggicos,configurando-