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A esfera pública do ódio no Brasil

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Livor-reportagem sobre o integralismo e o racismo.

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Page 1: YAMAMOTO, JR., Milton. A esfera pública do ódio no Brasil - Do integralismo aos carecas do subúrbio

A esfera pública do ódio no Brasil

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A esfera pública do ódio no Brasildo Integralismo aos Carecas do Subúrbio

Milton Yamamoto Jr.

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Milton Yamamoto Jr., 2005

Projeto Gráfico e DiagramaçãoMilton Yamamoto Junior

CapaDaniel Chuery

RevisãoIzabel Alves Costa

©

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Sumário

Agradecimentos.............................................................................. 7

Prefácio.......................................................................................... 11

Introdução..................................................................................... 13

INTEGRALISMO:

O nascimento da esfera pública do ódio..................................... 17

Antecedentes históricos........................................................ 19

A Ação Integralista Brasileira.............................................. 24

A AIB como partido político............................................... 29

CARECAS DO SUBÚRBIO:

O ressurgimento da esfera pública do ódio................................ 47

Os garotos “podres”............................................................ 50

A dissidência “careca”......................................................... 52

Cooptação dos partidos políticos........................................ 61

O ENCONTRO DE GERAÇÕES:

Integralistas e Carecas do Subúrbio............................................ 64

A negação de ambos.............................................................. 67

Personagens da esfera............................................................ 71

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A ESFERA PÚBLICA DO ÓDIO:

Um mal a ser combatido............................................................... 75

Conceitos dessa esfera........................................................... 76

Crise social............................................................................ 81

A esfera pública do ódio através da “rede”............................ 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................... 89

Anexos............................................................................................ 94

Bibliografia.................................................................................... 113

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Agradecimentos

Chegou a hora de agradecer! Foram tantas as pessoas quepermearam este trabalho que peço desculpas antecipadas se deixaralguém de fora... Gostaria de agradecer primeiro a Deus por meiluminar e inspirar a escrever estas linhas que seguem. Agradeçotambém a meus pais pela educação e oportunidades que me deram.À minha namorada Jack pelo seu amor, compreensão e incentivonos momentos mais difíceis.

Aos grandes amigos do peito Nando, Lincoln e Fábio porcompreender minha decisão de realizar este último trabalhosozinho, depois de quatro anos juntos. Ao meu cunhado Danielpela belíssima capa. Ao “genial” orientador Prof. Dr. Juarez Xavier,pois sem ele nada disso teria sido realizado. A todos os meusentrevistados pela disponibilidade de ceder seus depoimentos...

E, claro, agradeço à Ivani pelas ótimas conversas e os momentosde descontração em seu café. São eles que também fazem estetrabalho.

Milton Yamamoto Jr.

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O que você fizer será insignificante, mas é muitoimportante que você o faça.

Mahatma Gandhi

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Prefácio

Da genealogia do mal

No século a que chegamos, a condição humana é marcada pelabanalização do mal. Na fixação em encontrar um paraíso artificial,elimina-se o outro para fugir do inferno presumido. Sob os pés,porém, o chão só faz abrir ainda mais. A crueldade sobrepõe-se àsolidariedade. E nessa cultura da violência, segmentos criam parasi sistemas morais que justifiquem ou legitimam seus atos imorais.

Em A esfera pública do ódio no Brasil: do Integralismo aosCarecas do Subúrbio, Milton Yamamoto Jr. concebe uma espéciede genealogia do mal à brasileira. A prospecção das origens domovimento e suas ramificações nazi-fascistas nos situamhistoricamente – inclusive, com lastro para lances fundamentaisda vida cultural do país. Quer no plano das autoridades, quer noplano da sociedade dita civilizada, a arquitetura da intolerânciacausa espanto com seu poder de disseminação num regimedemocrático que, sabemos, tampouco o é a contento.

O autor-aprendiz lança mão da grande reportagem para gestarseu trabalho. Foram nove meses de testemunho em reuniões doMovimento Integralista Brasileiro. Essa apuração é apresentadamais especificamente no formato de um diário, “janelas” queentrecruzam a narrativa na conjunção pesquisador-jornalista, ouvice-versa.

Eis a singularidade do livro. O texto flui como se na pena deum escritor. Yamamoto Jr. concilia síntese informativa com a verveliterária, entrelinhas que por vezes suscitam o enredo de umromance. Ele intervém de maneira criativa na realidade que retrata,não raro com bom humor, sem jamais descaracterizá-la, edulcorá-la ou julgá-la. Antes, joga os dados. São impagáveis, assim, e nãomenos reveladoras e chocantes, as passagens em que descreve

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alguns diálogos colhidos, na sua maioria, em meio às regrascerimoniais dessas reuniões.

O interlocutor envolve fontes e personagens de tal forma queestes derrubam as “máscaras” em deslizes verbais, atos falhosfreudianos habilmente captados. Uma estampa anti-semita no peitodo sujeito, por exemplo, contrasta com a hipocrisia do seu discursopacificador.

Ressalve-se, para tanto, que o autor jamais abdicou decomunicar sua condição de estudante de Jornalismo. Ospressupostos éticos são evidenciados na ida a campo, na posturapara com suas fontes e no esmero quanto à abordagem de assuntodelicado, espinhoso e brutal, que envolve crenças, ideologias,recalques e que tais.

As capacidades de observar, escutar, auscultar e exercer o crivocrítico estão devidamente atendidas na obra que segue.Acompanhamos o relato como coadjuvantes. Minúcia que põe oleitor no antes, no durante e no depois dos fatos ou entrevistasnarradas. Os graus de ansiedades, conquistas e frustrações sãoigualmente compartilhados.

Com sua mochila “abastecida” de bloco de anotações, gravador,fita e caneta, Yamamoto Jr. aventurou-se por território árido,desafiador e instigante. Sua opção revela muito do perfilprofissional que molda para si, aquele que sabe do poder desedução e sedição das flores do mal.

Valmir Santosjornalista

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Introdução

Cabelo estilo “moicano”, roupa preta e camiseta da banda punk“Cólera”. Quando Flávio Augusto do Nascimento Cordeiro, de16 anos, se arrumava para uma partida de boliche com seus amigosno shopping de Mogi das Cruzes, jamais imaginaria que essestrajes fossem motivo para despertar o ódio de alguém. Não era enunca tinha sido punk. Apenas simpatizava com o estilo. Não seinteressava por política. Nunca protestou contra o governo. Eraum adolescente normal como todos os outros. Gostava de jogarfutebol e sair com os amigos. Sua paixão era a guitarra. Até o diaem que a intolerância e o ódio cruzaram o seu caminho com avelocidade de um trem que passa sobre os trilhos.

Dia 7 de dezembro de 2003. Um domingo cinzento. O climafrio e chuvoso anunciava uma noite triste. Flávio e seu amigoCleiton da Silva Leite, 20 anos, encontraram-se em frente à casade Flávio. Leite estava com sua noiva, Adriana Barbosa dos Reis,de 19 anos, e Flávio, com a amiga Michele Iria da Silva, de 18anos. Os quatro deixaram a Vila Paulista, onde moravam, rumoao ponto de ônibus mais próximo. Esperaram por alguns minutos.A demora os fez mudar de idéia. Decidiram ir de trem.Caminharam, então, até a estação da Companhia Paulista de TrensMetropolitanos (CPTM) de Brás Cubas, em Mogi das Cruzes. Àsvinte e uma hora e dez minutos entraram no trem que os levariapara uma viagem que marcaria suas vidas para sempre.

Sentaram juntos no banco do último vagão. Felizes, nãoperceberam que o perigo estava mais próximo do que elesimaginavam. Na mesma composição encontravam-se JulianoAparecido de Freitas, o “Dumbão”, Vinícius Parizzato, o “Capeta”e Danilo Gimenez Ramos. Calças jeans com suspensórios,jaquetas, coturnos e cabeças raspadas. Pertenciam à gangueCarecas do Subúrbio. Os três rapazes vinham de uma reunião dos

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Carecas do Subúrbio, na Zona Leste de São Paulo. Segundo o ex-careca E. M., - o encontro seria para justamente para unir a carecada.Ficou combinado para que todos dessem um tempo na violência. Aí osmoleques saem de lá e acontece isso. O “isso” a que se refere Eduardocustou a vida de Cleiton e o braço direito de Flávio.

Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!! As portas se fecham. Ao avistar os doissupostos punks, Dumbão, Capeta e Danilo fizeram aquilo que acartilha de sua gangue ensina. De posse de diversas armas brancascomo uma machadinha, soco inglês, faca e um nuntchaco (doisbastões de madeira presos por uma corrente), os carecasameaçaram os dois garotos com a mais sinistra expressão dairracionalidade: - Ou pula ou morre! Flávio e Cleiton aindaconseguiram correr para outro vagão. – A gente correu até quandonão dava mais, diz Flávio. Não tinham mais escolha. Pularam pelajanela...............................................................

O trem já estava em movimento. Na queda, Flávio teve o seubraço decepado pela roda do trem. Cleiton sofreu traumatismocraniano com perda de massa encefálica e ficou na Unidade deTerapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas de Mogi dasCruzes. Faleceu dias depois.

O que era pra ser uma noite de diversão entre amigos tornou-seuma tragédia. Flávio e Cleiton eram amigos desde a infância.Tinham acabado de montar uma banda de rock. Aos 16 e 20 anos,respectivamente, tinham uma vida pela frente. Sonhos, projetos,esperança... – Guitarra não dá mais, agora vou tocar gaita!, sentenciaFlávio com um semblante de superação.

Este é apenas um dos muitos casos de violência que acontececontra alvos pré-determinados no país. Homossexuais, judeus,negros, punks, comunistas, imigrantes e nordestinos são osprincipais inimigos desses grupos e pessoas que adotam essecomportamento preconceituoso e racista como verdade parajustificar os seus atos de brutalidade. Ou seria bestialidade? OsCarecas do Subúrbio são apenas mais um na já extensa lista defacções contemporâneas que se encaixam nesse perfil. Whitepowers,Carecas do ABC, Carecas do Brasil, Skinheads...

O fato de um garoto estar com a jaqueta de uma banda de que“eles” não gostem é motivo para tal atrocidade. O fato de algumaspessoas terem orientação sexual diferente da “deles” é justificativa

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para assassinar alguém. O simples uso de um kipá é uma afrontatão grande a ponto de se esfaquear uma pessoa. Esses grupos nãotêm nenhum pudor quanto a esse tipo de atitude violenta. Matam,esfaqueiam, ameaçam e discriminam por não aceitarem adiversidade.

Mas de onde vem todo esse ódio que cega os membros dessesgrupos? Quais são os pilares que sustentam esse comportamentoviolento? Como se organizam? Que tipo de pessoa adere a essesgrupos? Qual seria a estratégia de ação que adotam? Onde agem?São perguntas difíceis de serem respondidas com exata precisão ecom diferentes possibilidades de respostas. Trabalhos acadêmicose intelectuais não faltam para encontrar as respostas que atendama demanda dessas perguntas. Este livro não tem essa pretensão.Até porque seria incapaz de fazê-lo, uma vez que seriamnecessários anos de pesquisas para atingir esse objetivo. Então, oque almejamos com este trabalho?

Buscamos, através de instrumentos jornalísticos, demonstrar aexistência de uma esfera pública no país que propicia a esses gruposcontemporâneos adotarem o ódio e a intolerância como modusvivendi. Pretendemos evidenciar que, o longo dos anos, um sistemade idéias permitiu que grupos e pessoas bebessem de fontes racistase preconceituosas, e que existe em nossa sociedade um pensamentoque não tolera a diferença, criando mecanismos de exclusão. Esseespaço público, que tem como finalidade a negação do outro,encontra paralelo na história política-social do país.

Desde a chegada das naus portuguesas na “Terra de Santa Cruz”a intolerância foi se desenvolvendo por essa esfera. Dos índiosque aqui estavam até esses garotos vestidos de punks, a violênciaindiscriminada se faz presente no país. Se pensarmos em termosmundiais, retroceder-se-ia aos primórdios da raça humana paracorroborar essa tese. Não poderíamos abranger tamanho espaçode tempo e conceito.

Delimitamos, então, a partir da criação de um movimentoorganizado sem paralelo na história do país. A criação da doutrinaintegralista ou Integralismo tornou-se, no ponto de vista de nossotrabalho, um marco importante para a verificação dessa esfera.Um movimento com raízes fascistas em suas entranhas, que semprecausou muita polêmica quando da sua análise. Ao verificar, nosdiversos meios de comunicação, uma possível ligação da doutrina

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e, até mesmo, de alguns de seus membros integralistas com essesgrupos contemporâneos, como os Carecas do Subúrbio, chegamosà conclusão de que esse seria o ponto inicial do trabalho.

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Integralismo:O nascimento da esfera pública do ódio

Terça-feira, 4 de outubro de 2005.

19 horas e 30 minutos. Começa a palestra do professor RenatoDotta na Casa de Plínio Salgado para um público de oito pessoas.Entre elas, algumas que viveram a época de ouro do movimentointegralista na década de 30, como os irmãos José Baptista deCarvalho, 85 anos, ex-dirigente da juventude integralista e afilhadode casamento de Plínio Salgado, e Pedro de Carvalho, com 82,atual presidente do movimento. A Casa vazia nem de longelembrava aquelas grandes reuniões do século passado. Dotta, quenão é militante integralista, mas um estudioso da doutrina, iniciasua intervenção citando um trecho do livro Integralismo – OFascismo brasileiro na década de 30 do historiador Hélgio Trindade.Nesse fragmento, o autor faz um relato da reunião dos integralistasem protesto contra o fim da milícia pelo governo Vargas em 1935.Essa reunião, que ficaria conhecida como a Noite dos TamboresSilenciosos, aconteceu de 1935 a 1937 sempre aos 7 de outubro.Inicia-se a leitura...

A Noite dos Tambores Silenciosos é um ritual comemorativo aolançamento do Manifesto de Outubro e, ao mesmo tempo, uma formasimbólica dos integralistas manifestarem seu desacordo pelaextinção da Milícia pelo governo. É uma longa cerimônia que seinicia às 21 horas e deve durar até a meia-noite, sendo celebradasimultaneamente em todas as sedes integralistas do País, sob apresidência do “Integralista mais pobre, mais humilde, querepresentará o Chefe Nacional”. Após a execução do hino, é feita a“chamada dos mártires do Integralismo e dos mortos do Núcleo,respondendo todos: Presente!”. Em seguida são lidos alguns

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Casa de PlínioSalgado

Local de reuniões doMovimento Integra-lista Brasileiro (MIB).Situado à avenidaCasper Líbero, nº 36,no centro de SãoPaulo. O nome é umahomenagem ao ChefePlínio Salgado. Foifundada pelo ex-dirigente integralista,professor José Baptis-ta de Carvalho. Reúneobras dos principaisideólogos do movi-mento. Além de fotos,jornais, textos e outrosdocumentos referen-tes à doutrina integra-

lista.

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capítulos do Manifesto de Outubro para os assistentes. Finalmenteum discurso alusivo à data é pronunciado por um militante, devendoterminar à meia-noite, quando a cerimônia atingirá o clímax. Nestemomento, a autoridade local pronuncia as frases seguintes: “É meia-noite. Em todas as cidades da imensa Pátria, nos navios em altomar, nos lares, nos quartéis, nas fazendas e estâncias, nas choupanasdo sertão, nos hospitais e nos cárceres, os Integralistas do Brasilvão se concentrar três minutos em profundo silêncio. É a Noite dosTambores Silenciosos! Atenção!”. Durante estes três minutos demeditação, o rufar surdo de um tambor lembra a proibição da milíciae os integralistas lêem, em silêncio, uma oração que lhes foidistribuída. “A mística do ato é deveras impressionante”, observaum ex-chefe provincial do Rio Grande do Sul, “atingindo aoparadoxismo”, após a caixa surda rufar durante três minutos opresidente da sessão explica: “É a voz da Pátria, que ninguém podeabafar. É o culto dos nossos mortos. É o culto de Deus, da Pátria eda Família, da Grandeza Nacional, o anseio pela ressurreição daRaça e pela alvorada de um povo. Esta voz é um pranto e umapelo!...”. Em seguida, com o objetivo de provocar um sentimentode solidariedade entre os membros do movimento, o presidente dasessão declara que a mesma cerimônia acaba de ser celebrada emtodas as cidades do país e que o Chefe Nacional está discursandona Capital Federal: “a sua voz exprime o Pensamento e o Sentimentode um milhão de camisas-verdes vigilantes” nos três mil núcleosintegralistas “cujos corações batem, como um milhão de tamboresque nenhuma força poderá fazer calar”. A cerimônia termina coma declamação da poesia de Jaime de Castro, “A Noite dos TamboresSilenciosos” pelo melhor declamador do núcleo...1

Setenta anos depois dessa nostálgica Noite dos TamboresSilenciosos estavam, Dotta e os poucos militantes integralistas,revivendo aquele momento em pleno século XXI. A palestra seestenderia noite adentro, discutindo o Manifesto de Outubro de32, aquele que daria início à história do Integralismo no país.

DIÁRIO

Noite dos tambores silenciosos

Nessa mesma noite que acontecia a palestrapresenciei uma verdadeira demonstração de

1 TRINDADE, Hélgio. Integralismo – O fascismo brasileiro na década de 30. 2 ed. SãoPaulo: DIFEL, 1974, p. 202 e 203.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Manifesto deOutubro de 32

Manifesto contendoas propostas dadoutrina integralistapara a nação. No dia07 de Outubro de1932, Plínio Salgadodivulgava o texto comas diretrizes que servi-riam de base para aAção Integralista Bra-sileira (AIB). O mani-festo tem 10 tópicos:Concepção do univer-so e do homem; Comoentendemos a naçãobrasileira; O princípioda autoridade; O nos-so nacionalismo; Nós,os partidos e osgovernos; O quepensamos das conspi-rações e da politica-gem de grupos efacções; A questãosocial como a consi-dera a ação integralis-ta brasileira; A famíliae a nação; O municí-pio centro das famíli-as, célula da nação; Oestado integralista.(Anexo 1)

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saudosismo. Ocorreu quando o professor Dottalia em voz alta para todos da sala o relatosobre a noite dos tambores silenciosos. Umavoz firme interrompeu a leitura...

- Aqui está alguém que presenciou isto!

Era o presidente integralista Pedro deCarvalho. Sentado ao lado do orador, apoiando-se na única mesa da sala e sob o olhar fixo dePlínio Salgado, que emoldurava a parede atrásdo atual “chefe”, lançou:

- Ééééé... Eu tive a honra de participar deuma dessas reuniões.

- Nossaaaaa!!! É Mesmo? – disse Dotta,surpreso.

- É! Eu estava lá.

Em seguida a esse diálogo, uma jovem vozsentencia com um ar de admiração...

- Um anauê para o senhor!!!

Antecedentes históricos

Na década de 20, o país passava por grandes transformações.A política do “café com leite” implantada nas primeiras décadasda República Velha ainda estava em vigor. Os principais estadosque dominavam o conjunto da Federação eram São Paulo e MinasGerais, e tinham suas oligarquias organizadas em dois partidos:O PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (PartidoRepublicano Mineiro), que exerciam enorme influência na políticanacional. Paralelamente à grande exportação de produtos agrícolas,o país começava a se industrializar. A crise de superprodução docafé contribuiu para que a indústria nacional se lançasse aoabastecimento do mercado interno. Com a aceleração da indústria,o trabalhador assalariado na agricultura foi buscar novasoportunidades na cidade. A urbanização não demorou a chegar. Ecom ela surgiu uma nova categoria de trabalhadores: oproletariado.

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Proletariado

O proletariado é aclasse trabalhadoraurbana, surgida naRevolução Industrial.O proletariado, nateoria marxista, é aclasse social quevende sua força detrabalho à classe capi-talista, detentora dosmeios de produção. Apalavra tem origemromana e referia-se àclasse social inferior.

Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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Devido às péssimas condições de trabalho que o proletariadose submetia, com muitos deveres e sem nenhum direito,começaram a aparecer os primeiros sindicatos e organizaçõesoperárias que lutaram para garantir esses direitos aos trabalhadores.Um dos primeiros movimentos operários que surgiu no país foi oanarquismo.

O Brasil passava por uma grande crise social. As grevestrabalhistas não demoraram a acontecer. A elite brasileira diziaque a revolta dos trabalhadores devia ser contida por meio deviolência policial. O Estado de sítio imperou. O governo dopresidente Artur Bernardes, de 1922 a 1926, foi quase todo elemarcado por esse tipo de situação política. Mesmo antes da possede Bernardes como presidente os levantes já tinham começado.

Tenentismo

Em julho de 1922, alguns tenentes do exército brasileirodecidiram impedir a posse do presidente eleito e exigir suarenúncia. A “revolta dos 18 do Forte de Copacabana” foi a primeirainsurreição do movimento tenentista. Depois dela, vieram maisduas. A Coluna Paulista ou Revolução de 24 eclodiu em julho de1924, exatos dois anos após a primeira. Com a mesma exigência,também fracassou. Porém, serviu de alicerce para aquela que viriaa ser a principal revolta do movimento tenentista: a Coluna Prestes.

Liderada pelo jovem comandante Luis Carlos Prestes,conhecido como o “Cavaleiro da Esperança”, o movimentopercorreu mais de vinte mil quilômetros pelos doze estados dopaís, procurando despertar na população a revolta contra asoligarquias. O sucesso da Coluna fez abalar o prestígio daRepública Velha.

Ainda em 1922, seria fundado o Partido Comunista do Brasil(PCB) por Astrojildo Pereira, entre outros. Com ideais libertáriospara o recente proletariado, como propostas de uma vida digna ejusta, o PCB foi bem visto pelos trabalhadores.

Semana de Arte Moderna

Toda aquela modificação pela qual a sociedade brasileirapassava foi criando um sentimento de inquietação também entreos intelectuais, que aclamaram a necessidade de romper oisolamento e contestar o status quo. Esse movimento da elite teve

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A esfera pública do ódio no Brasil

Anarquia

Anarquia vem do gre-go anarkos, que signi-fica ausência de po-der. No plano político,o anarquismo consi-dera o poder – o do-mínio de um homemsobre outro – umgrande mal. Defende aexistência de uma so-ciedade sem governo,que funcionaria pelacooperação e solidari-edade entre as pesso-as. Seus principais lí-deres foram os russosMikhail Aleksandro-vitch Bakunin (1814– 1876) e Pedro Kro-potkin (1842 - 1921),responsáveis pelas te-orias anarquistas.

Luís Carlos Prestes

Nasceu em PortoAlegre (RS) em 1898.Foi um dos principaislíderes do PartidoComunista Brasileiro(PCB). Em 1924liderou a insurreiçãodos tenentes que ficouconhecida por ColunaPrestes. Em novem-bro de 1931 foi morarna União Soviética ededicou-se ao estudoda teoria políticamarxista-leninista.Retornou ao país e,em 1935, chefiou aIntentona Comunistaque fracassou. Foipreso e exilado até1945, com a redemo-cratização do país.Casou-se com OlgaBenário e teve umafilha. Morreu no Riode Janeiro, em 1990,aos 92 anos de idade.

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como marco inicial a Semana de Arte Moderna, que aconteceuentre os dias 11 e 18 de fevereiro, no Teatro Municipal de SãoPaulo. Durante a Semana ocorreram apresentações de arte,arquitetura, literatura e música que seguiam a corrente modernista,o que representou uma verdadeira renovação da linguagem, nabusca de experimentação e na ruptura com o passado. O eventomarcou época ao apresentar novas idéias e conceitos artísticos.

Nesse período, o país sofria uma verdadeira invasão culturalestrangeira, especialmente da França. A maioria dos artistasbrasileiros falava francês e visitava Paris para realizar os seustrabalhos ou buscar inspiração na capital francesa. O movimentomodernista contestava esse comodismo de transplantar a arteestrangeira e não pensar uma arte “nacional”. O objetivo não eraadaptar a cultura estrangeira aos moldes do país, e sim utilizá-lapara abrir caminho a uma verdadeira e genuína tendência artísticabrasileira. Era a busca pela identidade nacional: uma crítica àdominação cultural e política do Brasil pelo estrangeiro.

Apesar de os artistas que participaram da Semana de ArteModerna, como Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Villa Lobos,Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Menotti Del Picchiaconcordarem que o país necessitava de uma revolução artística ecultural, havia algumas diferenças ideológicas e políticas no seiodo movimento. Duas correntes se faziam presentes. Uma, decaráter mais conservador e nacionalista, tinha Plínio Salgado comoadepto, intelectual que mais tarde idealizaria a doutrina doIntegralismo. A outra, mais crítica e revolucionária, era lideradapor Oswald de Andrade. Alguns anos depois, essas diferenças seexplicitariam. O “Manifesto Antropofágico” foi divulgado porOswald de Andrade, em 1928. No ano seguinte, o “ManifestoNhengaçu Verde-Amarelo” ou “Manifesto Anta”, da correnteconservadora, trazia os ensejos dos seus intelectuais para a culturanacional. Esses dois manifestos recrudesceriam a politização domovimento entre esquerda e direita, já prenunciando o futuro dapolítica no país.

A essa altura o mundo já conhecia um novo sistema político: oFascismo. Apesar de já se teinha pensado em algo semelhante naFrança em torno de 1880, e de cuja doutrina Giovanni Gentile foio principal criador intelectual da doutrina, o Fascismo surge comomovimento organizado na Itália, em 1919, liderado por BenitoMussolini. Apoiado no nacionalismo e no corporativismo,

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

Plínio Salgado

Jornalista e escritor.Nasceu em São Bentodo Sapucaí (SP) nodia 22 de janeiro de1895. Em 1932 fundoua Ação IntegralistaBrasileira (AIB). Foi oprincipal idealizador e“Chefe” do movimen-to integralista. Con-correu à presidênciada República em1937. Com o golpe doEstado Novo foi exila-do para Portugal em1938. Retornou em1945 e ajudou afundar o Partido deRepresentação Popu-lar (PRP). Em 1955 secandidatou novamen-te à presidência. Foieleito quatro vezesdeputado federal peloPRP. Faleceu em SãoPaulo aos 07 de de-zembro de 1975.

Benito Mussolini

Nasceu em Predappio,na Itália, aos 29 deAgosto de 1883.Mussolini foi membrodo Partido SocialistaItaliano. Em 1922organizou a famosaMarcha sobre Roma àfrente dos camisasnegras. Foi nomeadoPrimeiro Ministro egovernou a Itália compoderes ditadoriais,entre 1922 a 1943.Em 1936 firmou umpacto com Hitler, quemais tarde causaria aSegunda Guerra Mun-dial. Em 28 de abril de1945, foi fuzilado porguerrilheiros italia-nos, juntamente com asua companheira,Clara Petacci. Seuscorpos ficaram expos-tos numa praça públi-ca de Milão.

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Mussolini cria o movimento fasci italiani di combatimento, que maistarde viria a se tornar o Partido Nacional Fascista (Partito NazionaleFascista). Em outubro de 1922, os camisas negras invadem acapital italiana, numa ação que ficaria conhecida como a “Marchasobre Roma” e que colocaria os fascistas no governo. O duce,como era chamado Mussolini, chega ao poder em 1925. A partirdaí, cria-se um regime totalitário que influenciaria diversos outrospaíses, entre eles o Brasil, por intermédio de Plínio Salgado.

Em 1929 o crack da bolsa de Nova York gerou uma crisefinanceira sem precedentes na história. Não atingiu apenas osEstados Unidos da América, que tinham uma grande importânciana economia mundial, mas todos aqueles países que os tinhamcomo principal importador de seus produtos. Foi o caso do Brasil,que deixou de exportar milhões de sacas de café. Isso causou umverdadeiro desastre na cafeicultura nacional. Aliado a isso, aruptura do acordo do “café com leite”, isto é, o desentendimentoentre o PRP e o PRM, agitou o país no final da década de 20.

Naquela oportunidade, os dois partidos não entraram emconsenso para a indicação do sucessor de Washington Luís naseleições presidenciais de 1930. A oligarquia paulista apoiava ocandidato Julio Prestes, do PRP, e os políticos mineiros defendiamo nome de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, do PRM, para asucessão. Nesse contexto de indecisão, surge a Aliança Liberalque lança os nomes do então governador do Rio Grande do Sul,Getúlio Vargas, para presidente da República e do governadorpernambucano João Pessoa para vice. Por fim, Andrada passa aapoiar o candidato da Aliança Liberal. O embate se dá entre JúlioPrestes e Getúlio Vargas.

Apurados os resultados do pleito de 1º de março de 1930, ocandidato Júlio Prestes, do PRP, foi eleito presidente da Repúblicacom 57,7% dos votos. Os líderes da Aliança se recusavam a aceitaro resultado das urnas. Diziam que a vitória do candidato governistaJúlio Prestes não passava de uma fraude. Mas o fato é que asfraudes nessas eleições foram gerais, tanto de uma parte quantode outra.

Uma grande união entre jovens políticos, como o próprioGetúlio, Oswaldo Aranha e Flores da Cunha, tenentistas comoJuarez Távora e Miguel Costa, e alguns dissidentes da velhaoligarquia como Artur Bernardes, Venceslau Brás e Antonio CarlosRibeiro de Andrada decidem realizar o levante contra o governo

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A esfera pública do ódio no Brasil

Camisas negras

Os milicianos doPartido Nacional Fas-cista eram utilizadospara agredir os inimi-gos do fascismo e paradifundir a sua propa-ganda. Pelo fato deutilizarem uma cami-sa preta, foramchamados de camicienere ou camisa negra.O auge da milícia foiem 1922, quandoinvadiram a capital daItália, liderados porMussolini. Influen-ciaram os camisasverdes integralistas.

Getúlio DornelesVargas

Nasceu em São Borja(RS) no dia 19 deAbril de 1883. Chefiouo movimento golpistade 1930, através doqual assumiu o Gover-no Provisório (1930-34). Em novembro de1933, instalou-se aAssembléia NacionalConstituinte, respon-sável pela promulga-ção da nova Consti-tuição e pela eleiçãode Getúlio Vargascomo presidente daRepública, em julhode 1934.Em 10 de novembrode 1937, Vargas dá ogolpe do EstadoNovo. Foi deposto em29 de outubro de1945, por um movi-mento militar lideradopor generais quecompunham seu pró-prio ministério.Em 1950, elegeu-sepresidente da Repú-blica pelo PTB atravésdo voto. Em 24 deagosto de 1954,suicida-se com umtiro no coração.

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de Washington Luís, que já estava em seu final. As negociações eestratégias em torno da ação militar retardam o golpe. Mas, aos26 de julho, o assassinato de João Pessoa, candidato derrotado àvice-presidência na chapa da Aliança Liberal, acelera o processogolpista. Setores do Exército reticentes ao golpe passam a apoiara causa. Sob a liderança de Getúlio Vargas e chefia militar dotenente-coronel Góes Monteiro estoura a luta armada no RioGrande do Sul, espalhando-se por Minas Gerais e Nordeste – ostrês pilares do movimento.

Espalhando-se por todo o país, as tropas golpistas exigiram arenúncia do presidente Washington Luís, o que não aconteceu.Então, os militares do Rio de Janeiro, liderados pelos generaisAugusto Tasso Fragoso e Mena Barreto, depuseram o presidenteno dia 24 de outubro.

Aos 3 de novembro de 1930, os golpistas gaúchos amarramseus cavalos no Obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio deJaneiro. Simbolizava o término da República Velha e o começode um novo período da história política brasileira: a Era Vargas,aquela que serviria de pano de fundo e pela qual passaria toda ahistória do Integralismo no país. O governo provisório de GetúlioVargas começou tomando algumas medidas que controlassem opoder político do país. Nomeou os ministros de Estado de suaconfiança, fechou o Congresso Nacional, as AssembléiasLegislativas Estaduais e as Câmaras Municipais, extinguiu ospartidos políticos e suspendeu a Constituição de 1891. Era umgoverno com traços totalitários. A oposição começou a se organizar.

O PRP e o Partido Democrático (PD) formaram uma frenteúnica em oposição ao governo de Vargas. Exigiam a nomeação deum interventor civil e paulista para o Estado de São Paulo, alémde novas eleições e uma nova Constituição. Getúlio, então, nomeiaPedro de Toledo para ser o interventor paulista. Mesmo assim,não satisfez a oposição. Em maio de 1932 durante umamanifestação pública contra o governo, quatro estudantesmorreram em conflito com a polícia. Martins, Miragaia, Dráuzioe Camargo (MMDC) tornaram-se símbolos da luta paulista. Osânimos se acirraram ainda mais.

No dia 9 de julho de 1932 explode a RevoluçãoConstitucionalista. As tropas paulistas se armaram para a lutacontra o Exército Nacional. Os Estados de Minas Gerais e RioGrande do Sul traíram os paulistas e resolveram não apoiar a

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PartidoDemocrático (PD)

Fundado em fevereirode 1926, reunia ele-mentos descontentescom o longo domíniodo Partido Republica-no Paulista (PRP).Entre seus principaislíderes estavam Fran-cisco Morato, PauloNogueira Filho eMarrey Júnior. Naseleições presidenciaisde 1930, o PD apoioua formação da chapada Aliança Liberalencabeçada por Getú-lio Vargas. Em 1934foi criado o PartidoConstitucionalista e oPD decidiu incorpo-rar-se à nova agremi-ação. Foi extinto emfevereiro daquele ano.

RevoluçãoConstitucionalista

Um dos mais impor-tantes acontecimentosda história políticabrasileira ocorridos noGoverno Provisóriode Getúlio Vargas foia Revolução Constitu-cionalista de 1932desencadeada em SãoPaulo. Foram trêsmeses de combate,que colocaram frentea frente nos camposde batalha forçasrebeldes e forçaslegalistas. A revoltapaulista alertou ogoverno de que erachegado o momentode pôr um fim aocaráter revolucionáriodo regime. Foi o queocorreu em maio doano seguinte, quandose realizaram as elei-ções para a Assem-bléia Nacional Cons-tituinte, que iriapreparar a Constitui-ção de 1934.

Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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revolução. Ao contrário, combateram-na. Após três meses decombate, os paulistas foram vencidos pelas tropas federais.Derrotados nas armas, vitoriosos na política. Após a revolução,Getúlio Vargas assegurou que haveria eleições para a AssembléiaNacional Constituinte, que ficaria encarregada de elaborar a novaConstituição do país.

Dois meses depois, alguns dos soldados paulistas que lutaramna Revolução Constitucionalista iriam cerrar as fileiras da AçãoIntegralista Brasileira (AIB), fundada por Plínio Salgado.

A Ação Integralista Brasileira

DIÁRIO

A primeira visita

Meu primeiro contato com os membros domovimento integralista foi como umaexperiência em que o cientista não sabe no quevai dar. Uma grande dose de ansiedade,misturada com uma pequena porção de adrenalinae uma pitada de medo foram os componentesdesse novo e desconhecido experimento. Oencontro se deu na “Casa de Plínio Salgado”,uma saleta de um prédio antigo no centro deSão Paulo. A construção era macabra. A portatinha mais ou menos uns três metros de altura,feita de ferro maciço e muito difícil de abri-la. Na entrada, um balcão no lado esquerdo docorredor era uma espécie de escudo parasíndico, que escutava um pagode. Pergunteipara ele se algum integralista havia chegado.

- Boa tarde! O senhor sabe se chegou alguémpra reunião dos integralistas?

- Não sei, não!- Mas hoje tem reunião, né!- Ahhhh! Acho que não! O professor costuma

vir de terça-feira.- É que entrei em contato com o Cássio e ele

me disse que hoje haveria uma reunião às duashoras.

- É! Mais não chegou ninguém, não!

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Saí! Muito desinteressado em me ajudar, osíndico me convenceu que não tinha ninguém lá.Fui dar umas voltas. Era um belo sábado desol. O viaduto Santa Efigênia estava tomadopelos camelôs que vendiam tudo o que se possaimaginar. Meia hora depois, voltei ao númerotrinta e seis da rua Cásper Líbero. Novamenteperguntei ao síndico.

- Já chegou alguém?- Não!- Será que não vai haver reunião hoje?- Bom, o carro do professor está aí fora,

mas não vi ninguém.- Posso subir pra olhar?- Vai!

Entrei no antigo elevador e subi!Zuuuuuuuuuuummmmmmmmmm!!!! As portas seabriram. Quando saí do elevador, o corredor melevava ao encontro de uma sala que estava comas portas abertas. Tec, tec, tec, tec, tec,tec, tec!!!!!! O som da máquina de escreverajudava a criar o clima de antigüidade dolocal. A sala pertencia a um contador. Umsenhor gordo que datilografava sem parar.Perguntei a ele se havia chegado algumintegralista para a reunião. A resposta foi amesma que ouvi do síndico. Não! Decidiesperar! Sentei no chão, em frente à sala 302e esperei uns dez minutos. Pensei: - Acho quefui enganado. Não deve ter reunião coisanenhuma. Levantei e quando estava saindo, deide frente com dois homens, mais de um metro enoventa cada um, vestidos com o uniformeintegralista. Calças e gravatas pretas, abraçadeira com o sigma no braço esquerdo e afamigerada camisa-verde. Essa imagem mereportou à década de trinta do século passado.Deu-se o seguinte diálogo:

- Oi! Não tem ninguém na sala?- Não. Eu estou aqui faz uns dez minutos e

nada.- Você veio pra reunião?- É! Eu sou estudante de jornalismo e estou

realizando um trabalho sobre o Integralismo.Eu entrei em contato com o Cássio...

- Sou eu!

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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- Ah! É você? Prazer...- Daqui a pouco deve chegar alguém. Nós

(Cássio Guilherme e Marcelo Franchi) somos deCampinas. O professor Carvalho deve vir. Quehoras são?

- Quinze pras três!- Deve começar lá pelas três e meia. Volta

daqui a pouco.

E descemos os três... Mais meia hora deespera. Tempo suficiente para um Ice Tea delimão e uma esfiha de carne ao som de umabanda de rock que tocava em frente à GangMusic, famosa loja de instrumentos musicais napraça Santa Efigênia. Voltei! A Casa já estava

cheia..................

Aos 7 de outubro de 1932 a doutrina integralista fixava-se nopaís causando paixões em alguns e ódio em muitos outros. Parauns era uma proposta totalitária da direita, para outros umarevolução espiritual e cultural do homem. Alguns diziam que nãopassava de um movimento racista, xenófobo, totalitário,chauvinista e anti-semita. Outros afirmavam que isso era trabalhode anos de lavagem cerebral da mídia comunista. Para seus críticosera a expressão do “Fascismo tupiniquim”. Já seus adeptos a viamcomo o maior movimento de massa do país. Deixada as diferençase semelhanças de lado, o fato é que depois daquele 7 de outubrode 1932 o país não seria mais o mesmo.

Nessa data, Plínio Salgado divulgaria o texto que trazia aspropostas da doutrina integralista para a nação, conhecido comoManifesto de Outubro de 32. Esse manifesto marcou a fundaçãoda Ação Integralista Brasileira (AIB), que seria a veia política domovimento. Antes disso, em fevereiro do mesmo ano, Plíniofundou a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), associação queserviu de base para a criação da AIB, porém sem muita expressão.

Uma vez idealizada, a AIB precisava angariar simpatizantes.Nos anos de 1932 e 1933 os integralistas marcharam devagar,estruturando as suas bases e divulgando a doutrina. Em fevereirode 1934 aconteceu o primeiro Congresso Nacional dosintegralistas, em Vitória, no Espírito Santo. Naquela ocasião, PlínioSalgado foi eleito o Chefe nacional da Ação Integralista Brasileira,pelos membros do Conselho Nacional.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Chefe nacional

Plínio Salgado foieleito o Chefe Nacio-nal da doutrina inte-gralista em 1934.Seria o grande líder domovimento. Tinhapoderes e a adoraçãode todos os milici-anos. O Chefe nacio-nal integralista podeser comparado aosignificado que Führer(Hitler) tinha para osalemães e que o Duce(Mussolini) tinha paraos italianos. As desig-nações eram asmesmas.

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Passados dois anos desde a sua fundação, a AIB já possuía suaprópria milícia armada e uma considerável estrutura de imprensa,composta por diversos jornais de circulação local, duas revistas eum grande órgão de divulgação nacional, chamado “A Ofensiva”.Além desses instrumentos, o movimento integralista tambémutilizava a simbologia para divulgar a doutrina e despertar ointeresse das pessoas.

Símbolos

Seguindo o modelo nazi-fascista de propaganda, o Integralismoempregou o uso de símbolos, insígnias, uniformes e rituais comoforma de corporificar e estetizar o movimento. Já aí podemos fazercomparações com os regimes totalitários europeus. Quem não selembra dos “indefectíveis” camisas negras? Da “temível” suástica?Do “imponente” Heil Hitler!?... E se alguns afirmam que oIntegralismo foi uma versão nacional desses regimes, em tese asimbologia teria que seguir a mesma idéia. Foi o que aconteceu.

A estética dos uniformes foi uma maneira de criar impacto nasociedade brasileira da época, assim como o foi para o Fascismona Itália e para o Nazismo na Alemanha. Os camisas-verdesdesfilavam pelas ruas do país ao som de hinos patrióticos ebradando a todo pulmão a saudação Anauê! O símbolo máximodo movimento era o Sigma (∑), letra grega que corresponde ao“S” e que na matemática significa “soma”. Para os integralistas, o∑ expressava a união dos seus membros em torno do EstadoIntegral proposto pela doutrina. O símbolo encontrava-seestampado em camisas, braçadeiras e bandeiras integralistas.

O Integralismo também adotou um lema. “Deus, Pátria eFamília” simbolizava tudo aquilo que um integralista deviaacreditar. Um lema conservador que refletia o seu público alvo, aclasse média, e o pensamento de seu criador, Plínio Salgado, umcatólico fervoroso, que amava seu país e suas origens.

DIÁRIO

Parece que eles não seguem o lema!

Uma das minhas visitas à “Casa de PlínioSalgado” foi bastante agitada. Estávamosreunidos na pequena sala, onde seria discutida

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Anauê

Os integralistas usavama expressão “Anauê”como forma de cum-primento. A palavravem da língua tupi-guarani e significa“Você é meu amigo”.Seria usada comosaudação integralistaporque representaria,dada a sua origem, atotal brasilidade domovimento.

Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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a criação do estatuto do movimento. Havia umagrande mesa redonda no meio da sala e todosestavam sentados ao seu redor.

Vou fazer uma rápida consideração só pracontextualizar a situação. O movimentointegralista atual é bastante heterogêneo, comdiversas discordâncias entre os membros. Écomo se cada um quisesse ser o chefe e levar omovimento do seu jeito...

Pois bem! Dentre essas discordâncias, uma jáchegou ao âmbito pessoal. Esse embate se dáentre os membros Cássio Guilherme e MarceloSilveira. Um acusa o outro de não fazer nada,de não agir em prol do movimento, de assumircompromissos que não pode cumprir, e blá bláblá! blá blá blá! blá blá blá!!!!.... Começa areunião... Sem o Marcelo! Cássio, então,começa a desferir seus golpes verbais contra ocompanheiro que lá não estava.

- O Marcelo assume compromissos que não podecumprir! O Marcelo parece moleque! O Marcelo éisso! O Marcelo é aquilo! O Marcelo...

Pensei comigo:

- Aaaaaiiiiiii, se esse Marcelo chegar...Vai dar confusão!

E a reunião continua... Passam algunsminutos e de repente quem chega????Exatamente! Como em um filme holywoodiano, emque o mocinho chega pra salvar a mocinha, eisque me aparece o Marcelo Silveira! E sentoujustamente na cadeira que estava vazia, bem defrente para o seu oponente. As acusaçõesficaram em polvorosa. Um acusava daqui, ooutro rebatia dali... Quando, como num raio emdia de tempestade...Brumcataptaptizzptumtumtumpaaatummmmmm!!!!!

O Cássio partiu pra cima do Marcelo. Pulousobre a mesa e grudou no colarinho de seurival. Imagina aqueles senhores octogenáriostentando apartar a briga... No mínimo, foramuns cinco pro chão! Nisso eu já estava naporta com minhas coisas... Só pra dar umapitada de dramaticidade ao fato, o senhor

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Cássio Guilherme é agente da Polícia Federal eestava com uma mala. Logo pensei:

- Esse cara vai tirar uma arma daí dedentro...

No exato momento em que pensei nisso, elediz:

- Tudo bem! Soltem-me! Eu vou embora, eu vouembora.

E caminhou pra pegar a referida mala...

Bom, ainda estou aqui pra contar essas

estórias...

Quanto à denominação dada aos seus líderes, mais uma vezNazismo, Fascismo e Integralismo se assemelham. O fundadorda AIB, Plínio Salgado, era chamado de “Chefe” pelos seusseguidores, que o idolatravam. Assim como Hitler era o “Führer”e Mussolini o “Duce”. As grandes marchas e manifestações demassa eram muito parecidas. Todos vestidos com a mesmaindumentária, com os mesmos símbolos, o mesmo brado, osmesmos gestos... Isso causava impacto, do ponto de vista visual.Era uma forma de divulgar a doutrina e, ao mesmo tempo, mostrarsua força, união.

Pouco importa se eles eram visualmente diferentes. Se o“sigma” não era parecido com a “suástica” nem com o “fascio”.Se a sonoridade do “anauê” era diferente do “Heil, Hitler”. Ou sea cor dos “camisas pretas” era diferente dos “camisas-verdes”.Mas o fato é que a intenção era a mesma.

Fascismo tupiniquim?

Alguns questionam o fato de que apesar da simbologiaintegralista ser semelhante à fascista isso não é motivo para chamaro movimento, como um todo, de fascista. Para o presidente doMovimento Integralista Brasileiro, Pedro de Carvalho, confundiro Integralismo com o Fascismo é uma atitude dolosa que tem afunção de distorcer a idéia inicial do movimento. – Essa confusãoque se faz hoje entre Integralismo e Fascismo tem 90% responsabilidadedaqueles que querem mesmo deturpar a idéia. Já no que tange às

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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semelhanças entre os uniformes de integralistas e fascistas,Carvalho esclarece que o advento da camisa-verde e do sigma foiuma forma de rebater a influência dos fascistas e nazistas queentravam pelo sul do país, na década de 30. – A idéia de criar ouniforme foi justamente pra rebater isso, né! E é claro que issoaconteceu porque era inevitável acontecer a confusão.

É evidente, entretanto, que as semelhanças entre os doismovimentos não são só mero acaso, nem deturpação. Antes defundar a AIB, Plínio Salgado faz uma viagem pela Europa em1930, para avaliar o que acontecia de novo na literatura e na políticado “Velho Mundo”. Durante sua passagem pela Itália, Plínioconhece de perto o Fascismo de Mussolini. Impressiona-se pelagrandiosidade da doutrina do “fascio”. Plínio, então, se apropriade alguns princípios fascistas, quando da fundação da AIB.

Para um dos líderes do movimento anarco-punk de São Paulo,Josimas Ramos, 33, não há diferenças entre o Integralismo e regimeitaliano de Mussolini. - O Integralismo é um “revival” do Fascismo,adaptado ao Brasil. O historiador Boris Fausto é da mesma opinião.Em um artigo postado no sítio do Centro de Mídia Independente(CMI)2, Fausto se diz preocupado com as tentativas de justificaçãohistórica dos totalitarismos de direita e de esquerda. O historiadorrelembra que na época em que surgiu o Integralismo algumascorrentes autoritárias e totalitárias prefiguravam a “aurora dosnovos tempos”.

Abaixo, segue uma entrevista simulada3 por meio do diálogocom o texto de Boris Fausto divulgado no CMI (Anexo 2). Asrespostas colocadas na entrevista estão ipsis litteris, ou seja, estãoexatamente como o autor redigiu em seu artigo, apenas nosapropriamos de alguns trechos para compor as respostas para asnossas perguntas virtuais.

(Virtual) Boris Fausto, dentre as várias versões dessa auroraa que o senhor se refere, qual delas o Integralismo anunciava?Em poucas palavras, a aurora do Fascismo em versão brasileira,mas nem por isso menos fascista...

2 Página acessada em 25 de março de 2005, disponível em www.midiaindependente.org3 A entrevista tem como base de sustentação teórica os preceitos do New Journalism (Novo

Jornalismo), que permite a utilização desse recurso de entrevistas simuladas com textos, artigose livros de autores que, efetiva e pessoalmente, não entrevistamos. Utilizaremos esse recurso aolongo do livro e, sempre que o fizermos, a primeira pergunta virá com a palavra “virtual” nafrente para melhor identificar a sua utilização.

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Isso se deve às semelhanças entre a simbologia fascista eintegralista? Movimento moderno, distinto dos velhosconservadorismos, o Fascismo soube utilizar, antes dos nazistas,o simbolismo dos grandes rituais como processo eficaz deidentidade: as grandes cerimônias de iniciação e de comemoração,as bandeiras, as cores, os gestos, etc. Todos esses traços,ressalvadas as proporções, eram elementos essenciais doIntegralismo na sua versão brasileira, o que nos leva a identificá-lo como fascista.

E como o senhor vê aqueles que não aceitam a comparaçãoentre o Fascismo e o Integralismo? Digam o que disserem oschamados pós-modernos, há uma verdade histórica que se encontraassentada. Para ficar em uma única caracterização, o comunismoe o nazi-Fascismo, diferentes entre si, foram a grande árvore dedesgraças do século 20. O Integralismo representou um ramotropical dessa desgraça, que felizmente não chegou ao poder.Pretender revalorizá-lo parece-me uma tarefa inglória e, mais doque isso, perniciosa.

Apesar de ser mais fácil a sua verificação, não foi apenas asimbologia que aproximou o Fascismo do Integralismo. A questãoé que as duas doutrinas assemelhavam-se em outros aspectostambém. O combate ao comunismo e ao capitalismo, onacionalismo exacerbado, a organização corporativista, o anti-semitismo e o Estado centralizado em um único “chefe” eramalguns pontos em comum.

Afinal, o Fascismo se alastrou por diversos países, em todo omundo, durante a década de 30 do século XX. Era comum duranteesse período ver países como a Espanha, do generalíssimoFrancisco Franco (1892 – 1975), ou Portugal, de António deOliveira Salazar (1889 – 1970), adotarem medidas fascistas emseus governos. O próprio Getúlio Vargas seguiu o modelo fascistaao criar a Constituição de 1937, adaptando a Carta Del Lavoro deMussolini aos moldes brasileiros.

Portanto, o cenário político mundial se mostrava fértil para essetipo de pensamento. A crise vivida pelo capitalismo e pelasociedade ocidental no período após a Primeira Guerra Mundial(1914 – 1918) refletiu-se na procura por idéias, tanto da direita

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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quanto da esquerda, que solucionassem os problemas. O Fascismosurgia como uma saída.

A doutrina do “sigma”

Conhecida entre seus membros como a terceira via, a doutrinaintegralista propunha uma nova alternativa que se fixava entre ocapitalismo e o comunismo. O alicerce do pensamento de PlínioSalgado era o espiritualismo como arma para conter omaterialismo. Para ele, seria preciso primeiro uma revoluçãoespiritual do homem para depois mudar a situação política do país.

De nada valem regimes, reformas constitucionais, medidaslegais, planejamentos econômicos, financeiros, administrativos, senão pusermos, na base de tudo, as energias puras da Pátriarepresentadas pelo Homem Novo.4

A crítica ao capitalismo era sustentada pela questão doliberalismo econômico injusto e desigual que assolava aquelesque não faziam parte do poder. Já o comunismo era alvo da doutrinaintegralista porque defendia o materialismo dialético e o ateísmo,concepções antagônicas propostas pelo espiritualista e cristãoPlínio Salgado.

Essa aversão ao capitalismo liberalista deságua na questão doanti-semitismo, uma das propostas da doutrina. Contrários à visãodo acúmulo de capitais defendida pelos judeus, os integralistasassociaram o anti-semitismo racial que pairava no ar, no começodo século XX, à questão econômica. Gustavo Barroso foi oprincipal adepto desse anti-semitismo propagado pela doutrinaintegralista. Além do mote econômico, Barroso tinha uma duracrítica aos judeus no plano do nacionalismo. Para ele, o povo judeu,por ser apátrida, não seria digno de um movimento nacionalistacomo o Integralismo.

Esse anti-semitismo proposto, em especial, por GustavoBarroso é uma outra questão que divide as opiniões daqueles queanalisam o Integralismo. Para o integralista Cássio Guilherme,fundador do núcleo de Campinas, o anti-semitismo era simproposto por Plínio Salgado e Gustavo Barroso, porém com um

4 DOREA, Augusta Garcia Rocha (org). O pensamento revolucionário de Plínio Salgado.2. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1988, p. 434.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Gustavo DodtBarroso

Nasceu em Fortaleza,em 1888. Em 1933,aderiu à Ação Integra-lista Brasileira (AIB).No primeiro Congressoda organização, foidesignado comandan-te geral das milícias emembro de ConselhoSuperior da AIB.Anti-semita extrema-do, as idéias deGustavo Barroso seaproximavam mais donazismo alemão doque fascismo, diferen-ciando-se, sob esseaspecto, de PlínioSalgado. Esteve en-volvido no levanteintegralista de maiode 1938 e, por contadisso, foi preso.Morreu no Rio deJaneiro, em 1959.

Anti-Semitismo

É a hostilidade ideolo-gicamente motivadacontra judeus. Apalavra “semita”refere-se àqueles queprovém da família daslinguagens afro-asiáticas, que incluemo Hebreu, Aramaico,Árabe e Amhárico(idioma oficial daEtiópia). Mas o termoAnti-Semitismo foicunhado especifica-mente para se referirà hostilidade relativaa Judeus. Seu maioradepto foi AdolfHitler e a tese ariana,que exterminou milhõesde judeus durante aSegunda Guerra Mun-dial.

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caráter econômico apenas. – Podemos ver claramente que oquestionamento do “Chefe” disse respeito sempre ao apego materialistados judeus e sua ciranda financeira no mundo, e o abandono de causasespiritualistas muito mais importantes na visão do Chefe. Aliás, amesma posição de Jesus Cristo. Jamais, em momento algum, comocristão e como patriota, o Chefe Plínio Salgado incentivou aperseguição aos judeus ou a qualquer outro grupo étnico (Anexo 3).

Segundo Cássio, os questionamentos de Plínio Salgado eGustavo Barroso com relação à questão judaica eram doutrináriose não podem ser comparadas às atitudes anti-semitas de outrasideologias. – Considero sacrilégio chamar o grande e único “Chefe”Plínio Salgado e o “Chefe Eterno das Milícias” Gustavo Barroso deanti-semitas.

Já para o rabino Henry Sobel, presidente da CongregaçãoIsraelita Paulista (CIP), a justificativa de que o anti-semitismo dadoutrina integralista seria apenas pela questão econômica é umafarsa. – Não existem divisões na cabeça do anti-semita. Não existeódio religioso ou ódio econômico, existe um ódio só. Aquele que tempreconceito justifica o preconceito, enquanto o preconceito não temjustificação nenhuma. Não existe racionalização, se a gente odeia porum motivo a gente acaba odiando por outros motivos.

De acordo com o rabino, não há motivos para o ódio contra osjudeus por motivos econômicos, pois eles sempre se integraramna sociedade. Diz também haver um mito de que todos os judeussão ricos e poderosos, criando-se assim, generalizações. – Há judeuspobres, como você não pode imaginar, no Brasil e no mundo inteiro.Justamente por ser uma minoria que se destaca na sociedadeculturalmente, politicamente, etc., isso provoca a inveja, mas nuncajustifica ódio.

DIÁRIO

Manifestação anti-semita

O Movimento Integralista Brasileiro mantémum grupo de discussão através da Internet, noqual é debatido diversos assuntos referentes àdoutrina. Pois bem. Não sei qual o critério domoderador do grupo, mas certo dia foiadicionado à discussão o Professor SamuelCamêlo, presidente do Instituto Anne Frank,que defende posições judaicas.

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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Postando textos e documentos pró-judeus, oprofessor foi questionado por alguns membrosdo movimento integralista. O militanteidentificado por Edison Evaristo iniciou umdebate com o professor, acerca da polêmicaquestão da faixa de Gaza. Alguns dias depois,Camêlo envia uma mensagem ao grupo dizendo quesofreu manifestações anti-semitas e foi vetado

pelo administrador do grupo... (Anexo 4)

Um dos agravantes para esse anti-semitismo que GustavoBarroso propunha era o fato de que ele considerava os judeus umpovo sem pátria e, por esse motivo, não seria aceito em ummovimento nacionalista como o Integralismo.

DIÁRIO

Paradoxal

Na minha primeira visita à “Casa de PlínioSalgado” um fato me chamou muito a atenção.Havia algo em torno de umas trinta pessoas nareunião que elegeria a nova diretoria doMovimento Integralista Brasileiro. Dentre elashavia um único negro. Não haveria nada deestranho se não fosse por um detalhe. Esserapaz vestia uma camiseta branca com abandeira de Israel dentro de um círculo e umtraço na diagonal, como de uma placa deproibido estacionar que encontramos emdiversas ruas, com os seguintes dizeres:Abaixo ao Estado Sionista!

O pior é que ninguém se diz anti-semita...

Adeptos de um nacionalismo extremista, os integralistascultuam a bandeira, os hinos e as grandes figuras nacionais quemarcaram o movimento como forma de manter viva a chama quedesperta o sentimento de ser brasileiro. Esse aparente chauvinismo,por vezes, transformava-se em xenofobia, em que a defesa dosinteresses da Nação era colocada acima de qualquer outro tema.Tendo em conta que se privilegiam os nascidos no próprio país,desenvolveu-se, dessa forma, uma certa antipatia para com osimigrantes.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Xenofobia

Xenofobia quer dizeraversão a raças eculturas estrangeiras.Muitas vezes écaracterística de umnacionalismo excessi-vo. Os dois movimen-tos que analisamosaqui – Integralismo eCarecas do Subúrbio– muitas vezes semostram xenófobos,exatamente por esseseu chauvinismo.

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Esse nacionalismo encontra paralelo, mais uma vez, no regimefascista de Mussolini. Aliás, grande parte das propostas dasdoutrinas fascistas e integralistas encontram sustentação naencíclica delineada pelo Papa Leão XIII, em 1891, denominadaRerum Novarum.5 Essa encíclica era uma mensagem aos bispos, naqual debatiam-se as condições das classes trabalhadoras pós-Revolução Industrial.

O documento era uma crítica severa ao capitalismo queexplorava as massas de trabalhadores na indústria e também aoconceito socialista da luta de classes, proposto por Karl Marx (1818– 1883), que abominava a propriedade privada.

A Rerum Novarum via o nacionalismo como um instrumento depreservação da moral, dos costumes e da tradição. Defendia apropriedade privada e o advento de governos “fortes” com a missãode proteger o povo contra a exploração. Com isso, propunha umaestrutura social e econômica que mais tarde ficaria conhecida comocorporativismo, que influenciaria as doutrinas fascistas eintegralistas.

Segundo o dicionário Aurélio, corporativismo nada mais é doque uma doutrina ou prática de organização social baseada ementidades representativas de categorias profissionais.6 É umarepresentação sindical dos trabalhadores. Controlado por um único“Chefe”, o Estado Integralista adotaria o sistema corporativistacomo forma de controlar a massa de trabalhadores. O Fascismofoi o primeiro a propor o corporativismo como solução para osproblemas sociais e o conflito entre empresários e trabalhadores.Mesmo acabando com os sindicatos e as organizações operárias,o regime de Mussolini não conseguiu o seu objetivo de instaurara sua verdadeira revolução que era o corporativismo.

Esse princípio corporativista proposto pela Ação IntegralistaBrasileira (AIB) na década de 30 já não é mais viável, segundo oatual presidente do movimento. Para Pedro de Carvalho, o queera uma proposta interessante há 75 anos atrás, não é mais nosdias de hoje. – Aquele conceito de corporativismo, por exemplo,mudou-se completamente, né! Principalmente, considerando hoje o

5 O texto integral da carta encíclica Rerum Novarum está disponível no sítio oficial doVaticano, em http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html, acessado em 15 de outubro de 2005.

6 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XXI. 4. ed. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 2001, p. 188.

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RevoluçãoIndustrial

A Revolução Industrialaconteceu na Inglater-ra, na segunda metadedo século XVIII, eencerrou a transiçãoentre feudalismo ecapitalismo, a fase deacumulação primitivade capitais e depreponderância docapital mercantilsobre a produção. Eraa substituição dasferramentas pelasmáquinas, da energiahumana pela energiamotriz e do modo deprodução domésticopelo sistema fabril.Preponderam a produ-ção de bens de consu-mo, especialmentetêxteis, e a energia avapor.

Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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conceito de associação de classe no Brasil. As associações de classeno Brasil hoje são absolutamente exclusivistas, como se cada uma fosseinimiga de todas as outras. De acordo com Carvalho, esse conceitoexclusivista anula qualquer tentativa de retomada docorporativismo no país. – E esse conceito de exclusivismo é geral.Você vai desde uma egrégia associação de magistrados até o maishumilde sindicato de garis. O conceito é o mesmo, entendeu! Cada umpor si! Então, isso anula completamente qualquer idéia decorporativismo.

É certo que o “Chefe” Plínio Salgado é o ponto chave paraentender a doutrina integralista, afinal foi ele quem a idealizou. Eque Gustavo Barroso, “Chefe das Milícias” teve ampla influênciana questão do anti-semitismo e do nacionalismo integralista.Porém, um outro líder também tem grande importância para omovimento, em especial na construção do Estado Integral propostopela doutrina. Seu nome é Miguel Reale.

Reale, que era Secretário da Doutrina e Propaganda da AIB,foi um dos principais, senão o principal articulador da criação domodelo de Estado integralista. Estado esse que teria que ser fortee centralizado em um único “Chefe”.

Muitos questionam o fato de que o Estado Integral teria relaçãocom o Estado totalitário proposto por filósofos como ThomasHobbes (1588 - 1679), e que se assemelhava com os modelosfascistas de governo. Isto é claro, na teoria. Porquanto o EstadoIntegral não se realizou, não há como confirmar se suas propostas,uma vez aplicadas, seriam totalitárias ou não.

No sítio do movimento integralista há um texto, sem autoria,que discorre sobre as diferenças entre o Estado Totalitário e oEstado Integral, do ponto de vista do movimento. De acordo como documento (Anexo 5), os integralistas propõem um Estado fortee não totalitário. Vamos recorrer ao expediente da entrevistasimulada com o texto para esclarecer melhor essa questão.

(Virtual) O Estado Totalitário não é a mesma coisa que oEstado Integral? Não. O Estado Totalitário tem uma finalidadeem si próprio; absorve todas as expressões nacionais e sociais,econômicas, culturais e religiosas; subordina a “pessoa humana”e os grupos naturais ao seu império. O Estado Integral, ao contrário,não tem uma finalidade em si próprio; não absorve as expressões

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A esfera pública do ódio no Brasil

Miguel Reale

Nasceu na mesmacidade que PlínioSalgado, São Bentodo Sapucaí (SP), em1910. Sua adesão aoIntegralismo foi nomesmo ano dafundação da AIB, em1932. Foi nomeadopara o ConselhoSupremo da AIB, nocargo de Secretário deDoutrina e Propagan-da. Foi preso em1939, juntamente comseu ex-Chefe PlínioSalgado. Ficou encar-cerado até 1945,quando da derrubadade Getúlio do poder.Foi professor daFaculdade de Direitoda Universidade deSP, aonde chegou aser reitor por duasvezes. Atualmente,mora em São Paulo eé membro daAcademia Brasileirade Letras

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nacionais e sociais, econômicas, culturais religiosas; não subordinaa “pessoa humana” e os grupos naturais ao seu império; o que eleobjetiva é a harmonia entre todas essas expressões, aintangibilidade da “pessoa humana”.

Um Estado Forte não é um Estado Totalitário? Não. UmEstado forte é aquele cuja autoridade moral se fortalece pelorespeito que esse mesmo Estado vota à intangibilidade da “pessoahumana” e de todas as suas expressões grupais ou sociais. O EstadoTotalitário seria o Estado Arbitrário. O Estado Integral seria oEstado de Direito, o Estado Mediador, o Estado Ético, conformeum princípio espiritualista cristão.

O Estado Integral é um Estado Forte? É o único Estado Forte,justamente porque não é arbitrário, nem absorvente, nem anuladorde legítimas liberdades.

Como consegue o Estado Integral ser forte? Criando aconsciência das “diferenciações” dos grupos humanos e dasexpressões sociais que passam a gravitar harmoniosamente nosentido do bem comum, cada qual com sua própria natureza, suaprópria função, seus próprios objetivos. O Estado, por sua vez,penetra-se dessa consciência da sua natureza, da sua função e dosseus objetivos. Princípios imutáveis fixam os limites de ação decada pessoa e de cada grupo, assim como de cada expressãohumana (Cultura, Economia, Religião). O Estado fortalece-seguardando os seus próprios limites e defendendo e sustentando assuas prerrogativas.

DIÁRIO

Autoritarismo

Nesse mesmo grupo de discussão que omovimento integralista mantém na Internet, aoqual já me referi, aconteceu uma demonstraçãode autoritarismo, quiçá de totalitarismo, quecontraria tudo aquilo que a entrevista acimaprega.

Nesta ocasião, o embate se deu entre doismilitantes integralistas. Eduardo Ribeiro eAlisson Almeida divergiram ao tratar da

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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questão judaica. Após uma mensagem postada porAlisson intitulada “O que o chefe achava doanti-semitismo”, abriu-se um debate. Ambas aspartes tentaram dar a sua opinião e sejustificar sobre o assunto.

Chegou a ponto do senhor Ribeiro questionara opinião de Plínio Salgado sobre o anti-semitismo. Até que o senhor Cássio Guilherme,fundador do núcleo integralista de Campinas,vem a público com a seguinte mensagem:

“Caro Edu Ribeiro: Essa sua resposta aocompanheiro Alisson não deve ser consideradapelos verdadeiros integralistas. Jamais vi umIntegralista, em 15 anos de militância,questionar dessa forma a palavra de nossochefe integralista Plínio Salgado. OIntegralismo não é um balaio de gatos ondecada um pensa o que quer e faz o que quer.Aqui temos ordem, e a palavra do Chefe, alémde ser atemporal e muitíssimo atual, não deve

ser questionada dessa forma...”

Daí, a dificuldade em se analisar a questão do Estado Integralproposto pela doutrina. É evidente que o controle do Estado sedifere em grandes proporções, quando da análise de um simplesdebate exposto na Internet. Mas fica claro que o controle exercidopelo “Chefe” Plínio Salgado sobre os seus comandados eraincondicional. Assim como era irrestrito o poder de Hitler eMussolini em seus governos totalitários.

Portanto, a doutrina do “sigma” tinha alguns preceitos básicosquando da fundação da AIB em 1932. O combate feroz aocomunismo marxista e ao capitalismo liberalista era uma dasprincipais bandeiras do movimento e, até hoje, encarado comopremissa. O nacionalismo, não só é entendido como o culto àNação, mas também como uma forma de política xenófoba. Outrospreceitos seria a tentativa de organização corporativista dostrabalhadores, o anti-semitismo mascarado por questõeseconômicas e o controle do Estado centralizado em um único“Chefe” totalitário.

Enfim, todos esses conceitos e princípios deveriam estar como verdadeiro integralista. Ademais, vestia-se a camisa-verde, osigma no braço, bradando o “Anauê” e com “Deus, Pátria eFamília” na consciência....................

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A esfera pública do ódio no Brasil

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A AIB como partido político

Janeiro de 1936

Lembro-me bem daquela manhã de Janeiro. Encontrava-me naSecretaria de organização política do nosso movimento, situada naRua do Carmo. Conversando sobre o assunto, súbito me ocorreuuma idéia e uma decisão. Pedi uma máquina de escrever, comecei aredigir o “Manifesto-Programa”. A tarefa era fácil, pois no decorrerdos últimos anos, todos os pontos principais tinham sido discutidospelos juristas, economistas e outros intelectuais do Integralismo ejá se formara perfeita unidade de vistas entre todos. Na tarde daqueledia, estava pronto o documento que serviria de bandeira às nossasbatalhas eleitorais.7

Esse depoimento de Plínio Salgado demonstra como foi oprocesso da criação do Manifesto que viabilizou a transformaçãoda Ação Integralista Brasileira (AIB) em partido político. Desde oManifesto de Outubro de 32 a doutrina integralista se espalhoupelo país, criou adeptos e fez militantes. A Nação já conhecia oprojeto e a proposta do movimento para o país. Era preciso mais.

Em 1936, os políticos já começavam a se articular para a eleiçãopresidencial, marcada para janeiro de 1938. Não havia partidosnacionais na época, sendo os governadores de Estado os principaispersonagens do cenário político nacional. A AIB, ainda comodoutrina, era a única que tinha ramificações por todo o país. Sequisesse chegar ao poder, o Integralismo teria que participar daseleições, mas primeiro era preciso transformar-se em partidopolítico. Não seria difícil. Era forçoso consubstanciar em normaspráticas de administração e de política os princípios doutrinários do“Manifesto de Outubro”.8 O Manifesto-Programa da AIB serialançado em janeiro de 1936, como uma plataforma para o poder.Plínio Salgado sairia candidato à sucessão da presidência daRepública.

Não obstante, essa questão de ver o Integralismo como partidopolítico é questionável mesmo dentro do próprio movimento.

7 Texto extraído do sítio do Núcleo Integralista de Foz do Iguaçu, disponível emwww.anauefoz.hpg.ig.com.br, acessado em 21de outubro de 2005.

8 Idem

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Gustavo Barroso, um dos principais líderes integralistas na décadade 30, negava o Integralismo como partido político.

Integralismo não é um partido político, nem de modo algum deveser confundido com qualquer partido político. Os partidos políticosrepresentam interesses parciais de um grupo de eleitoresorganizados à sombra de um programa destinado à duração dosmandatos daqueles que elege.9

Apesar de concordar com Gustavo Barroso, Pedro de Carvalho,atual presidente do movimento integralista, diz que em umdeterminado momento a AIB teve essa atuação política. – Por forçade circunstância chega num determinado momento que ele tem queassumir uma posição política, né!... E foi o que aconteceu na época doGetúlio Vargas. Visto como partido político, doutrina oumovimento, o fato é que o Integralismo teve ampla adesão dasociedade brasileira na década de 30, no século passado. A AçãoIntegralista Brasileira chegou a ter 600 mil membros filiados. Paraalguns o movimento teve mais de um milhão e meio desimpatizantes.10 Porém, toda essa força não foi suficiente parachegar ao poder. Vargas impediu...

Antifascistas

Um pouco antes disso, em 1933, começaram a surgir no Brasilos primeiros grupos de luta antifascista. Nesse ano, foi criada aFrente Única Antifascista, composta por comunistas, socialistas eanarquistas. O objetivo era combater o crescimento e as ações daAção Integralista Brasileira. Até 1934 os embates entre esses doisgrupos foram intensos. Um exemplo disso foi o conflito ocorridona praça da Sé, no dia 7 de outubro de 1934, em São Paulo, quandoos antifascistas dissolveram uma grande manifestação integralistaque ocorria em comemoração ao aniversário de dois anos domovimento. Diversas brigas internas acabaram por dissolver aFrente Única Fascista ainda em 1934.

Em janeiro de 1935 surge aquela que seria a principalorganização antifascista no país. A Aliança Nacional Libertadora

9 BARROSO, Gustavo. O que o integralista deve saber. 5 ed. Rio de Janeiro: EditoraCivilização Brasileira, 1937, p. 7.

10 Anauê Campinas – Informativo mensal do núcleo integralista de Campinas. Ano I – Nº 1Julho 2005.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Aliança NacionalLibertadora (ANL)

Além de lutar contrao fascismo no país, aANL, fundada oficial-mente em março de1935, também tinha oobjetivo de combatero imperialismo. Oprograma básico daorganização, divulga-do em fevereiro, tinhacomo pontos principaisa suspensão do paga-mento da dívidaexterna do país, anacionalização dasempresas estrangei-ras, a reforma agráriae a proteção aospequenos e médiosproprietários, a garan-tia de amplas liberda-des democráticas e aconstituição de umgoverno popular,deixando em aberto,porém, a definiçãosobre as vias pelasquais se chegaria aesse governo.

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(ANL). Criado por iniciativa do Partido Comunista do Brasil (PCB)e outros setores da esquerda como líderes sindicais e tenentistas,o grupo conhecido como aliancistas se opunha ao Fascismo e aoimperialismo que se instalava no país. Em março do mesmo ano,a ANL foi lançada em cerimônia oficial. Luís Carlos Prestes foiaclamado presidente de honra da organização.

Com propostas revolucionárias e de caráter popular a ANL teveamplo apoio da população e chegou a milhares de sedes espalhadaspelo Brasil, ainda que o número exato de simpatizantes sejadesconhecido. Na verdade, a ANL era uma verdadeira filial doPCB.

Os conflitos com os integralistas eram freqüentes. No dia 5 dejulho de 1935, a ANL promoveu um comício público emcomemoração aos levantes tenentistas de 1922 e 1924. Na ocasião,foi lido um manifesto de Prestes propondo a derrubada de Vargase pronunciada a famosa frase “Todo o poder à ANL”.

Em 11 de julho, Vargas decreta o fechamento da sede da AliançaNacional Libertadora. Chegava ao fim a história dos gruposantifascistas no Brasil. Começavam os levantes comunistas.

A ameaça comunista

Com a extinção, a ANL cai na clandestinidade. Ganham forçainterna os comunistas e tenentistas dispostos a realizar o levantecontra o governo. Em 23 de novembro de 1935, estoura a primeirainsurreição dos militares no batalhão de Natal, no Rio Grande doNorte. Alguns dias depois, alcançam os batalhões de Pernambucoe da então capital Rio de Janeiro. Aos 27 de novembro os insurretosse rendem perante as tropas legalistas do governo. Depois desseepisódio, os aliancistas se desarticulam.

Esses levantes serviram de pretexto para o presidente GetúlioVargas intensificar a repressão contra os comunistas e diversossetores da esquerda como sindicalistas, operários e intelectuais.Várias prisões foram realizadas. Luís Carlos Prestes, principalorganizador da insurreição comunista, foi preso em março de 1936.

No mesmo mês, essa “ameaça comunista” faz Vargas decretaro estado de guerra, que consistia no cerceamento dos direitos edas liberdades individuais. Esse estado duraria até meados de 1937.As perseguições aos comunistas e políticos contrários ao governoaumentaram. Ao mesmo tempo, Vargas tentava arrumar um

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Estado de guerra

Situação em que umanação, com ou semdeclaração de guerra,inicia hostilidadescontra outra suspen-dendo todas asgarantias constitucio-nais consideradasdireta ou indiretamenteprejudiciais à segu-rança nacional. Emdezembro de 1935,uma emenda constitu-cional abriu a possibi-lidade de se equiparara “comoção intestinagrave”, com finalida-des subversivas dasinstituições políticas esociais, ao estado deguerra. Foi com essascaracterísticas que oestado de guerra foidecretado no Brasilnos anos de 1936 e1937.

Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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desculpa para suspender o processo democrático e não realizar aseleições presidenciais, previstas para janeiro de 1938. O PlanoCohen veio na hora H...

No dia 30 de setembro de 1937 acontece uma reunião da altacúpula militar no Rio de Janeiro. Nela, seria apresentado pelogeneral Góes Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército (EME),um suposto plano comunista de derrubada do governo Vargas. Aestratégia previa greves gerais, depredações e até a eliminaçãofísica daqueles que tentassem impedir a insurreição contra ogoverno. Ficaria conhecida por Plano Cohen.

Era o pretexto que Vargas precisava para dar o golpe. O PlanoCohen foi divulgado pela imprensa como um plano comunistadescoberto pelo serviço secreto do Exército. Imediatamente, cria-se uma forte campanha anticomunista. O presidente aproveita-sedesse clima favorável e faz com que o Congresso Nacionalestabeleça mais uma vez o estado de guerra. A prisão de seusadversários faz-se necessária.

Mas o que parecia ser a estratégia de um golpe comunista, naverdade era uma fraude. O documento apresentado pelo generalGóes Monteiro foi forjado pelo capitão Olímpio Mourão Filho,na época chefe do Serviço Secreto da Ação Integralista Brasileira(AIB). A tramóia só seria revelada oito anos mais tarde, em 1945.

No dia 10 de novembro de 1937, Vargas determina o fechamentodo Congresso Nacional, que é cercado pelos militares. O golpeestava dado. Na mesma noite, Vargas divulga a nova Constituiçãodo país pelo rádio. Constituição essa que ficaria conhecida comoPolaca, por ter como modelo a Constituição da Polônia, que viviaum regime fascista. Iniciava-se, assim, o governo ditatorial deGetúlio Dorneles Vargas. Seria um “novo” Estado. Ou melhor, oEstado Novo.

DIÁRIO

Democracia não consolidada...

Durante a entrevista com o presidente daCongregação Israelita Paulista Henry Sobel fiza seguinte pergunta:

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A esfera pública do ódio no Brasil

Olímpio MourãoFilho

Nasceu em Diamanti-na (MG), em 1900.Militar, participoudos levantes de 1924contra o presidenteArtur Bernardes e de1930 contra Washing-ton Luiz. Em 1932,ingressou na recém-fundada Ação Integra-lista Brasileira (AIB),responsabilizando-sepela organização damilícia integralista emmoldes semelhantesaos do Exército,conferindo à AIB umaestrutura paramilitar.Em julho de 1937,tornou-se membro daCâmara dos Quatro-centos, órgão consul-tivo da chefianacional da AçãoIntegralista. Ainda em1937, redigiu o PlanoCohen, documentofalsamente atribuídoaos comunistas, quese constituiu nopretexto principalutilizado por Vargaspara implantar aditadura do EstadoNovo. Em março de1964, deu início aomovimento de tropasque afastou JoãoGoulart da presidên-cia. Em setembrodaquele ano, foinomeado ministro doSupremo TribunalMilitar (STM), cargoque ocuparia até1969, quando seaposentou.

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- Quando o senhor diz que a democracia nãoestá consolidada... Em que aspecto?

- Hããã... em primeiro lugar... hããã... euacredito que... hããã... (silêncio)... boapergunta!! Eu vou responder depois...

- Tudo bem! Com questão agora ao...- Porque eu não quero entrar numa área que

vai desviar... correto, vai... pode falar!

Senti que ele não sabia a resposta! Anotei apergunta no meu bloquinho e continuei. Otelefone não parava de tocar.Triiiiiiimmmmm!!!! Triiiiiiimmmmm!!!!Triiiiiiimmmmm!!!! Uma hora era a secretária,outra alguém solicitando ajuda... Até que otelefone tocou pela terceira vez, isso emmenos de dez minutos. Uma surpresa! Pra mim,claro! Era o Celso Lafer, ex-ministro dosgovernos Collor e FHC. O rabino começou aconversar com ele. Até que num determinadomomento, um longo silêncio............... Orabino, então, pega um recorte de jornal queestava sob a sua mesa e me entrega. Era umareportagem especial da Profª. Maria LuizaTucci Carneiro (USP) para o jornal O Estado deS.Paulo, comentando o novo livro de CelsoLafer chamado A Internacionalização dosDireitos Humanos. Sobel me olha com aquelasretinas azuis, que os longos cabelos grisalhosquase escondia e diz:

- Leia esse livro! Ele vai te ajudarbastante...(e me entrega o recorte de jornal).

- Ah! Vou ler sim...- Aí você vai encontrar a resposta do por

quê que a democracia ainda não estáconsolidada!

Parece que, desde a época do Getúlio, estão

tentando achar a resposta...

O Estado Novo de Vargas

Decretada a nova Constituição, Vargas toma medidas ditatoriaispara conter a sanha dos comunistas e de seus adversários. A matrizideológica era a mesma dos regimes totalitários europeus, como o

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Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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Fascismo e o Nazismo, no sentido de que ambos os regimes sefundamentaram a partir de uma visão autoritária de governo e deorganização de sociedade.

Em todo o país vigorava o estado de emergência. A invasão dedomicílios e a prisão e extradição de líderes oposicionistas eramfreqüentes. A censura aos meios de comunicação deu-se por meiodo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). OCongresso Nacional continuava fechado. As eleições presidenciaiscanceladas.

Plínio Salgado tinha lançado sua candidatura à presidência daRepública pela AIB em 1937. Consciente da intenção de Vargasem continuar no poder, mesmo por meios antidemocráticos, Plínioretira a sua candidatura e passa a apoiar o movimento golpista.

A expectativa que Plínio Salgado cultivava era de que oIntegralismo se tornasse a base doutrinária do regime a serimplantado com o golpe e que o Ministério da Educação do novogoverno fosse entregue a ele.

Mas o que parecia ser a grande chance do movimentointegralista de chegar ao poder, não passou de ilusão. No dia 3 dedezembro de 1937, menos de um mês após o golpe do EstadoNovo, Getúlio Vargas trai os seus aliados e decreta o fechamentoda Ação Integralista Brasileira (AIB), assim como de todas asoutras organizações políticas.

Percebendo que suas esperanças de participar do novo regimeeram nulas, Gustavo Barroso e alguns dirigentes integralistascomeçam a articular uma insurreição contra o governo, emconjunto com alguns oficiais da Marinha e adversários políticosde Vargas.

Início dos levantes, fim da AIB

O primeiro levante integralista aconteceu no dia 11 de marçode 1938, quando seus militantes deflagraram uma pequenainsurreição na Marinha. Os integralistas tentaram também ocupara rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, mas não obtiveramsucesso.

O movimento integralista, que antes era aliado do governo,após essa tentativa de levante passou a fazer parte do quadro de

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A esfera pública do ódio no Brasil

Departamento deImprensa e

Propaganda (DIP)

O DIP foi criado pordecreto presidencialem dezembro de1939, com o objetivode difundir a ideolo-gia do Estado Novojunto às camadaspopulares. O DIPpossuía os setores dedivulgação, radiodifu-são, teatro, cinema,turismo e imprensa.Cabia-lhe centralizara propaganda internae externa, fazer censu-ra ao teatro, cinema efunções esportivas,organizar manifesta-ções cívicas, festaspatrióticas, exposi-ções e dirigir oprograma de radiodi-fusão oficial dogoverno. O DIP tam-bém tinha a função decuidar da boa imagemdo presidente GetúlioVargas. Assim, eramselecionados e divul-gados apenas osmelhores ângulos dopresidente. Esse tipode estratégia depropaganda tambémfoi utilizado por Hitlere Mussolini. É o quese chamou de culto àpersonalidade. O DIPfoi extinto em maio de1945.

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opositores de Vargas. Segue-se uma grande perseguição aosmilitantes da AIB. Plínio Salgado, até então, mantinha-se intacto.

Exato um mês após o primeiro levante, os integralistas voltama planejar um ataque na tentativa de tomada do poder pelas armas.Dessa vez, o alvo seria o Palácio da Guanabara, residência oficialdo presidente Getúlio Vargas. Na realidade, o movimentoconspiratório que culminou com o ataque ao Palácio Guanabaraera uma frente ampla que reunia várias forças contrárias a Getúlioe que, após o golpe do Estado Novo, pretendiam vê-lo fora dopoder.

Na madrugada do dia 11 de maio a milícia integralista invadeo Palácio em um caminhão com “fuzileiros” integralistas, vestidoscom a farda dos fuzileiros navais. O ataque começa. Getúlio e suaguarda conseguem conter o levante, do alto das janelas do Palácio,com suas armas pessoais. Alzira Vargas, filha do presidente,telefona para o Palácio do Catete e pede ajuda para o Chefe dePolícia Filinto Müller.

Quando o dia já raiava, o “putsch” integralista estavacontrolado. Os ataques previstos a outros pontos da cidade tambémfracassaram devido à total desorganização dos revoltosos. Ospoucos integralistas que sobraram no jardim do Palácio daGuanabara renderam-se. O tenente Severo Fournier, que comandouo ataque, conseguiu escapar e asilou-se na Embaixada da Itália.Na ocasião, Plínio Salgado não foi preso, pois alegava não terparticipado da insurreição. Nos dias seguintes à rebelião, Vargascassou os principais líderes integralistas. Em maio de 1939, PlínioSalgado foi preso e enviado para o exílio em Portugal. Só voltariaseis anos depois, com a redemocratização do país, em 1945. Nomesmo ano, fundaria o Partido de Representação Popular (PRP),a última tentativa de ressuscitar a doutrina integralista. Mas já erao fim.

O fracasso do levante de 11 de maio de 1938 simbolizou o fimda Ação Integralista Brasileira como movimento e partido político.Era o epílogo de uma polêmica e conturbada história. A maisexpressiva face do Fascismo no país não obtivera sucesso. Muitosa amaram e outros tantos a odiaram. Mesmo arregimentandomilhares de brasileiros em suas fileiras não conseguiu chegar aopoder para impor seu projeto para a Nação.

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Filinto StrubingMüller

Nasceu em Cuiabá(MT), em 1900. Parti-cipou das revoltastenentistas de 1922 e1924, mas não seintegrou à ColunaPrestes. Em abril de1933, alcançou oposto de chefe dePolícia do DistritoFederal. No final de1937, se encontraracom Heinrich Him-mler, chefe da políciapolítica nazista, aGestapo. Era simpáticoà aproximação entre oBrasil e as potênciasdo Eixo. Foi um dosfundadores do PartidoSocial Democrático(PSD), em 1945. Foieleito quatro vezesSenador. Morreu numacidente aéreo emParis, em 1973.

Partido deRepresentaçãoPopular (PRP)

O PRP foi fundadopor Plínio Salgado,em 26 de setembro de1945. Numa tentativade reestruturar aextinta Ação Integra-lista Brasileira (AIB),Plínio reuniu algunsintegralistas em suasfileiras. Porém, unindo-se com políticos comoAdhemar de Barros,fracassou. Foi extintopelo Regime Militar,por intermédio do AtoInstitucional NúmeroDois - o AI-2, de 27de outubro de 1965.

Integralismo: o nascimento da esfera pública do ódio

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Mas esse desfecho não significou sua morte. Os homensmorrem e as idéias ficam. Como dizia o próprio Plínio Salgado, oChefe não é uma pessoa, é uma idéia. As idéias nacionalistas,corporativistas, totalitárias e anti-semitas da doutrinapermaneceriam na mente e no coração daqueles que acreditavamnelas. Apesar de ficarem um longo tempo no ostracismo, essasidéias permeariam uma esfera que possibilitava a seus órfãossaudá-las a qualquer momento. No mínimo, ficariam enclausuradasnas linhas tênues das obras de seus líderes. Até o dia em que alguémas lessem. Um dia..............................

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Carecas do Subúrbio:O ressurgimento da esfera pública do ódio

O primeiro “careca do subúrbio” é o T., há dez anos atrás (maisou menos 1981), ele já era “careca”. Na época só tinha o T., queera punk mas andava careca, de cabeça raspada, e era só. Depoissurgem os “carecas do subúrbio”, um pessoal do fundão da ZonaLeste, e depois se juntam com os “carecas” do ABC. Os “carecas”eram fortes e eles eram tão fortes que para não “acabar” com obaile, eles eram chamados para “fazer a segurança” do baile...1

O tempo passou... Foram precisamente 43 anos desde o fim daAção Integralista Brasileira (AIB), simbolizada pelo fracasso daintentona contra o presidente Getúlio Vargas, até o surgimentodos Carecas do Subúrbio por intermédio dessa figura chamada “T”.O mundo havia mudado. O Brasil também.

Nas ruas, não se viam mais camisas-verdes, sigmas ou anauês.A bola da vez eram as cabeças raspadas, os coturnos e ossuspensórios. As grandes manifestações em massa deram lugaraos “rolês” em galera. Os hinos e marchas nacionais foram trocadospelo som Oi!... Isso não significava a mutação do Integralismoem outro grupo. Muito menos a sua continuidade.

O movimento “careca” surgiu no Brasil no começo da décadade 80, na Zona Leste de São Paulo. Porém, é preciso retrocederaos idos de 1966 para entender quais foram as suas influências eem que contexto deu-se a sua criação.

Os skinheads ingleses

26 de julho de 1966. Estádio de Wembley, na Inglaterra. Finalda Copa do Mundo de Futebol. A anfitriã Inglaterra bate a

1 COSTA, Márcia Regina da. Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um NomadismoModerno. São Paulo: Musa, 2000, p. 55.

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Oi!

Movimento formadoem 1980, na Inglater-ra, que tinha comoideal ser umarevitalização do punkagressivo, realista, dasruas, sem a comercia-lização e a suavizaçãoda new wave. O nomefoi dado pelo jornalis-ta inglês GarryBushell, por causa deuma música da bandapunk Cockney Rejects,chamada “Oi! Oi! Oi!”.No Brasil, a denomi-nação “Oi!” é relacio-nada aos skinheads esuas bandas, comoforma de diferencia-ção do som punk.

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Alemanha por 4X2 e sagra-se campeã mundial pela primeira vez.A torcida inglesa comemora o feito. O mundo conhecia os“hooligans”, jovens torcedores que usavam a virilidade paradestruir tudo o que viam pela frente, como forma de extravasarsuas emoções. Perseguidos pela polícia, raspavam a cabeça paradificultar a sua captura. Por esse motivo, seriam chamados deskinheads (cabeças peladas).

Os skinheads ingleses eram jovens vindos dos subúrbios.Adotavam uma postura “agressiva”, “puritana” e “machista”. Ovisual que os identificava era o mesmo dos operários. Calças comsuspensórios, coturnos, jaquetas e cabeça raspada. Procuravampassar uma imagem de jovens que adotavam um estilo “limpo”.

Naquela época, a Inglaterra passava por uma crise social eeconômica. Isso fez com que as indústrias se modernizassem,atingindo os setores mais frágeis do operariado. Com isso, osestrangeiros invadiam o país por serem mão-de-obra barata, o queacabou gerando uma aversão a essa “ameaça externa”. Essa aversãofez-se patente nos skinheads.

Abandonando o seu lugar pré-determinado, o Outro (o migrante,o diferente, o negro) é conotado como o intruso que ameaça dividiro lugar do mesmo hegemônico.2

Até esse momento, os skinheads não seguiam um ideal político.Essa lacuna seria preenchida pelo National Front, que começou adesenvolver uma propaganda nacionalista e, até mesmo, xenófoba.A retórica saía em defesa da “cultura”, da “raça” e da “Nação”britânica contra os imigrantes. Através de seu guru, Enoch Powell,que em abril de 1968 fez o famoso discurso denominado “Rios deSangue”, o partido despertou a violência dos skinheads queintensificaram as ações, principalmente nos jogos de futebol.

Como forma de descontração, utilizavam a música. O reggaejamaicano era o estilo preferido dos skinheads ingleses, apesar deparecer um pouco contraditório, uma vez que os africanos eramos principais imigrantes que invadiam o seu país. Mas o reggaepassaria por mudanças. Inspirado na cultura negra, o estilo musical

2 SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes,2000, p. 261.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Hooligans

O termo hooliganstem a sua origemligada ao nome deuma família irlandesaque viveu emLondres, no fim doséculo XIX, chamadaHoulihan. Devido àscaracterísticas deviolência e de não-sociabilidade de seusmembros, esse termopassou, gradativa-mente, a designar osjovens que se organi-zavam em gangues.No final da década de60, na Europa, essasgangues passaram afreqüentar os estádiosde futebol, causandobrigas e confusõescom torcedores rivais.Atualmente, o termohooligans é sinônimode torcedores “bri-guentos”.

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passou a não fazer concessões aos “brancos”, reservando ao seupovo a busca pela identidade cultural e racial.

Esse problema acabaria em novembro de 1975. Apoiados nesseclima de desemprego, insatisfação e caos do país, surgiam os “SexPistols”. A banda chocou a sociedade britânica com suas roupasrasgadas, correntes e palavrões. O uso da suástica nazista era osímbolo da agressividade. As letras eram simples e críticas. Maisdo que um gênero musical era um estilo de vida. Nascia o punk.

DIÁRIO

Calça jeans e camiseta preta

A entrevista estava marcada para as quatorzehoras no Centro Cultural Vergueiro. Um diaantes, combinamos o horário e o local doencontro.

- Onde a gente pode marcar a entrevista?Você conhece algum lugar onde dê paraconversarmos tranqüilamente?

- Pode ser no Centro Cultural Vergueiro?- Por mim, tudo bem!- Então, está marcado. Que horas?- Pode ser à tarde?- Às duas horas tá bom?- OK!- Eu vou estar de camiseta preta. Você vai

me reconhecer! E você, como vai estar vestido?- Hããã.... Ainda não sei. Mas qualquer coisa

eu te ligo quando chegar lá.

A entrevista seria com Josimas, membro domovimento anarco-punk de São Paulo. Por setratar de um punk imaginei como estariavestido. Cabelo moicano, roupas pretas,coturnos, corrente pra todo lado... Quandocheguei no local combinado havia um rapazvestido como no meu imaginário. Carregava umamochila e estava acompanhado por uma garota.Logo, pensei que seria ele. Fiquei observandoo rapaz por alguns minutos. Decidi ligar.

- Josimas? Oi! É o Milton.- Oi, Milton! Eu estou aqui no metrô Vila

Mariana. Já estou chegando!

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Sex Pistols

Banda criada peloempresário MalcomMaclaren, em 1975,na Inglaterra. Suaformação era: JohnnyRotten (John Lydon)(vocais), Steve Jones(guitarra), Paul Cook(bateria) e GlenMatlock que maistarde seria substituídopor Sid Vicious naposição de baixista.Os Sex Pistolstornaram-se porta-vozes do punk. Seuprimeiro álbumAnarch in the U.K.(Anarquia no ReinoUnido) é uma críticaà sociedade inglesa daépoca. A banda sedissolveu em 1978,mas até hoje é umsímbolo da música eestilo punk no mundotodo.

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- Ah! Tudo bem. Eu já estou aqui. Estou comuma camiseta verde.

- Tá bom! Daqui a pouco estou aí!

Mais alguns minutos e............ Milton?Uma voz me chamava. Virei e era o Josimas.Idade? Mais ou menos trinta anos. Roupas?Calça jeans e uma camiseta preta. Brincos? Sóum, na orelha esquerda. Correntes? Só a dochaveiro que carregava a chave do carro.Cabelos? Bem batidos e grisalhos. Penseicomigo: Cadê aquele cara exótico que esperavaencontrar?

Isso é que dá rotular as pessoas..........

Os garotos “podres”

Punk, em inglês, significa “podre”, “lixo”. E era assim que essenovo estilo seria visto pela sociedade. Os “Sex Pistols” eram osporta-vozes da crise econômica e social britânica e de uma novaatitude cultural, tudo isso feito com muita rebeldia.

Adeptos do anarquismo, os punks lutavam contra o imperialismoe a “sociedade de consumo”. Não era criação da mídia, nem daindústria da moda. Ao contrário. Pregavam um niilismo queespantava a todos. Porém, foi inevitável a sua cooptação pelosistema que tanto combateu. Alguns meses depois do advento dopunk, surge uma faceta comercial do movimento. Sob o rótulo denew wave (nova onda), atendia à demanda da famigerada indústriacultural.

A essa altura os skinheads já tinham incorporado o som punk,mesmo tendo posições contrárias, como o nacionalismo versusanarquismo, a moral contra a rebeldia e o conservadorismo emoposição ao niilismo. Apesar dessas diferenças, a música aindaunia os dois movimentos. No início da década de 80, o lema “Punknot dead” (O Punk não morreu) da banda escocesa “The Exploited”tenta integrar skinheads e punks num movimento chamado Oi!

A ligação de alguns skinheads com partidos da extrema-direitainglesa faz fracassar essa última tentativa de união. O racha erainevitável. Salvo as exceções, o movimento skinheads tomaria umapostura mais conservadora, com alguns de seus membros adotando

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Niilismo

Ou nihilismo, dolatim “o nada”, é umacorrente filosóficaque, a princípio,concebe a existênciahumana como despro-vida de qualquersentido, de que aconsciência de quetodos os fins e todosos valores que atéentão davam sentido àvida humana setornaram caducos. Foipopularizada naRússia do século XIX,como reação dealguns intelectuaisrussos, mormentesocialistas e anarquis-tas à lentidão dosczares em promoveras desejadas reformasdemocráticas.

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o Nazismo. A essência do movimento punk continuaria combatendoo sistema.

A chegada dos punks no Brasil

Ao contrário do que aconteceu na Inglaterra, o movimento punksurge no Brasil antes dos skinheads. Aliás, estes surgem como umadissidência daqueles. Em 1977, começam a surgir as primeirasinformações dos punks no país, através de revistas, jornais e discos.Por ser influenciada pelo braço comercial do movimento, a newwave, os jovens brasileiros que adotaram o estilo punk eram vistosapenas como modistas e não como um movimento sério. Se desdeo seu surgimento no país o movimento punk foi tratado como moda,não demorariam a colocá-lo na prateleira para comercialização.

A imprensa e a mídia brasileira, em geral, ainda tratava os punkscomo um produto cultural exportado para o consumo interno. Ospunks ingleses eram “contestadores”, os brasileiros “embalos”. Avenda da “estética punk” era um filão do mercado que prosperava.Roupas, discos, revistas especializadas, acessórios... Tudo que serelacionava com a nova onda punk era vendido.

Esse “comércio” durou um ano, até que em 1978 o movimentopunk brasileiro ganhou força e respeito, com a adesão de jovensprovenientes do subúrbio. A Zona Leste de São Paulo seria o redutodos punks “engajados”.

O mesmo niilismo, contestação, violência e contravenções quehavia nos punks ingleses começaram a chegar por aqui. E comisso, as mesmas desavenças de pensamento entre aqueles quequeriam um movimento de “raiz” e aqueles que faziam parte danew wave. Essa dicotomia criou duas frentes: Os punks da cidade,conhecidos por “punks da city”, que queriam organizar omovimento, e os punks da Zona Leste e do ABC paulista, queseriam os “punks dos subúrbios” e que agiam de acordo com omodelo inglês. De acordo com a antropóloga Márcia Regina daCosta, autora do livro Os Carecas do Subúrbio – Caminhos de umnomadismo moderno, foi mais ou menos em 1981 que começou aocorrer essa diferenciação.

As características do ABC e da Zona Leste eram as ganguescom um forte individualismo, um niilismo e violência. Já os

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punks da cidade, mais ou menos em sintonia com astransformações do punk no cenário internacional, através daatuação de suas bandas e da realização de shows, centram-sena idéia de construir um movimento baseando-se na idéia deanarquia (...).3

Começa a haver diferenciações entre os dois movimentos“regionais”. Os “punks da city”, que se reuniam no centro da cidadede São Paulo eram aqueles que começaram a pensar umaorganização do movimento, no sentido de fazer crescer a suavisibilidade. Surgiram os primeiros shows de bandas punksdivulgados pela mídia, os primeiros fanzines e os primeiroscontratos com gravadoras para a produção de discos. Era afortificação do movimento new wave. Para os “punks dos subúrbios”era a traição da “ideologia” punk. Estariam vendidos para o sistemaque, na teoria, teriam que combater.

Isso fez com que os “punks dos subúrbios” pensassem aorganização do movimento, justamente para combater essa visãoque a sociedade tinha dos punks “vendidos”. A união entre o pessoaldo ABC e da Zona Leste de São Paulo foi inevitável. O objetivoera deixar bem evidente a disparidade que havia entre os doistipos de punks. Iniciam-se, então, as brigas entre as duas gangues.O que antes era uma “coisa só”, agora tinha bem delineadas asdiferenças.

A dissidência “careca”

No início da década de 80, no bojo do movimento punk quevinha dos subúrbios do ABC e da Zona Leste de São Paulo, surgeum novo tipo de gangue. Insatisfeitos com os rumos que omovimento punk estava tomando, tanto por parte dos “punks dacity” quanto dos “punks dos subúrbios”, alguns membroscomeçaram a propagar um novo discurso. A organização não teriamais os moldes anarquistas dos punks, mas sim a preocupação dese pensar a construção de uma nova sociedade, com valores moraiscatólicos, nacionalistas e conservadores. Eram os Carecas doSubúrbio.

3 COSTA, Márcia Regina da. Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um NomadismoModerno. São Paulo: Musa, 2000, p. 67.

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Fanzine

É uma abreviação defanatic magazine ,mais propriamente daaglutinação da últimasílaba da palavramagazine com asílaba inicial defanatic. Fanzine será,portanto, uma revistaeditada por um fan(fã, em português).Trata-se de umapublicação despreten-siosa, eventualmentesofisticada no aspectográfico, dependendodo poder econômicodo respectivo editor. Asua origem encontra-se nos EstadosUnidos, em 1929. NaEuropa, remonta aosmovimentos decontra-cultura, nofinal da década de 60.É o principal meio dedivulgação do movi-mento punk no Brasile no mundo.

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Não aceitavam mais o comportamento punk de andar rasgado esujo; de beber e de usar drogas; de roubar; de criar o caos e abagunça. Um dos primeiros “carecas” a aparecer em São Paulofoi Joe 90, 43 anos, líder da banda punk Vírus 27. Afastado domovimento há cerca de dois anos, Joe 90 acreditava que algumasatitudes tomadas pelos punks não refletiam o pensamento dos“carecas”. – Tem vários motivos (para a dissidência). A principal eraporque o pessoal ficava ali na São Bento (estação de metrô em SãoPaulo) e havia muito roubo, a “pankaiada” saía pra roubar e corriapra São Bento, entendeu! Então o movimento punk ficou muitomarginalizado. Aí o pessoal mais consciente, e devido ao som “careca”ser diferente, a ideologia um pouco diferente, começou a dividir (...) Eaí tinha uns caras que começaram a ver revistas lá de fora e souberamde um movimento que era praticamente igual, só que as batidas dasmúsicas eram um pouquinho diferentes e as letras não falava tanto emanarquia, em desgraça. Falava uma coisa mais otimista, entendeu! Os“carecas” queriam um movimento sério, um movimento em queos jovens trabalhadores proletariados que “não eram alienados”pudessem se fazer ouvir.

Para muitos, mais do que uma simples agitação juvenil, osCarecas do Subúrbio significavam um estilo de vida. Passaram acultuar o corpo e usar a violência como forma de defesa. Odepoimento do careca A., de 25 anos, para a antropóloga MárciaRegina da Costa, demonstra como a violência fazia parte daconcepção dos “carecas”.

Eu gostei porque os “carecas do subúrbio”, os skinheads, erammais radicais em matéria de não beber, treinar, cultuar o corpo.Havia necessidade de se prevenir, defesa pessoal, porque a brigapersegue a gente (...).4

No começo dos Carecas do Subúrbio, os punks ainda tinhamuma boa relação com os dissidentes, mesmo discordando emalgumas questões. As amizades feitas antes das desavenças aindapermaneciam. A música era outro ponto de união entre eles, assimcomo a aliança para combater os “punks da city”. Mas esse acordonão duraria muito tempo.

4 Idem, p. 75.

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O movimento ainda carecia de unidade. As contradições eramvisíveis. A influência dos skinheads ingleses não foi tão importantepara a formação dos “carecas” brasileiros. As informaçõeschegavam através de cartas trocadas com alguns skinheadsestrangeiros ou pela imprensa, que realizava um trabalhosuperficial. Não podemos tomar os Carecas do Subúrbio com ummovimento coeso. As diferentes idiossincrasias de seus membrosrefletiam na sua condução como gangue. Apesar disso, um númerocada vez maior de punks descontentes arregimentavam as fileirasdos “carecas”.

O nacionalismo foi uma das principais premissas quando dosurgimento dos “carecas” no Brasil, restando aos skinheads inglesesuma influência bastante tímida. A própria negação da denominaçãooriginal (skinheads) demonstrava que os “carecas” queriam criarum movimento independente e nacional. As origens (operários,pobres e suburbanos), a estética (carecas, calças com suspensóriose coturnos) e o uso da violência foram as principais semelhançasentre os dois movimentos. Não obstante, o neonazismo de algunsskinheads ingleses ecoou por aqui também.

Embora essa influência não tenha agradado a muitos “carecas”,ela esteve presente. Através dos fanzines, revistas e jornaisestrangeiros que eram traduzidos pelos próprios “carecas”, osbrasileiros puderam acompanhar o que se passava na cenainternacional do movimento skinhead. Porém, não havia nenhumaorientação quanto a esse assunto. As opiniões individuaisprevaleciam, em detrimento da unidade. Alguns absorveram asidéias neonazistas, outros não.

Essas idiossincrasias contraditórias e divergentes quepermeavam os “carecas” brasileiros fizeram com que o movimentocindisse mais uma vez. Segundo Carlão, 41 anos, membro dafacção Carecas do Subúrbio

antigamente era tudo uma coisa só, “Os Carecas do Subúrbio”,mas houve uma divergência entre o pessoal (pra variar) e o “Trec”,pegou uma galera e fundou os “Carecas do ABC”, com o mesmovisual, mesmo ideal, mas uma gangue à parte.5

5 Trecho extraído de uma mensagem da comunidade Carecas do Subúrbio no sítio do Orkut,disponível em http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=1109755&tid=24037721&start=1acessado em 15 de outubro de 2005.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Neonazismo

O termo neonazismoresulta da composiçãoda palavra grega neos(novo, revivido) e dagrafia fonética dasduas primeiras sílabasde Nationalsozialist,partido que dominouo Estado alemão sobliderança de AdolfHitler a partir de1933. Tem comopressuposto a revitali-zação do nazismo e aproliferação do racis-mo na sociedademundial. Resistemainda (na Áustria, porexemplo) partidospolíticos extremistas,com ideologia reme-tente à doutrina arianade Hitler.

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Porém, os Carecas do Subúrbio não aglomeravam apenas opessoal do ABC e da Zona Leste de São Paulo como explica Joe90. – A gente falava que era “subúrbio”, mas acontece que tinha carade todo lugar de São Paulo. “Subúrbio”, porque o movimento começoulá, os primeiros eram de lá. Mas, o cara do outro lado, da Zona Oeste,podia falar que ele era “careca” do subúrbio, que pertencia à facçãodos “Carecas do Subúrbio”.

DIÁRIO

“Carecas heterogêneos”

O que fica aparente quando se retrata ahistória desses grupos de “carecas” no Brasil éque a heterogeneidade e a disparidade entre elessão vigentes. Essa cisão de Carecas do Subúrbioe Carecas do ABC não demonstra nem uma coesãonem uma desarmonia entre eles. A linha que osdivide é bastante estreita e difícil de seenxergar. O que prevalece são as idiossincrasiasindividuais. Não que o movimento não tenha um“regimento” ou “estatuto”. Não é isso. Apenasnão são coesos.

Um careca do “Subúrbio” pode andar com umcareca do “ABC” e vice-versa. Nos shows eles seencontram, curtem o mesmo som e “acertam ascontas”, segundo me disse o ex-careca EduardoMarins que, aliás, me revelou que sempre gostoudo Nazismo, mesmo sendo da facção dos Carecas doSubúrbio. – O exército da “SS” era lindo.

Portanto, não conseguiríamos aqui delinear asdiferenças e semelhanças “ideológicas” entre osdiversos grupos de “carecas” com precisão. Nem énossa intenção. A reportagem a seguir da RevistaIsto É, é uma tentativa de fazê-lo. Não concordocom a maneira que a reportagem diferencia asgangues. A questão não é tão simplista como elesa colocam. Mas, basicamente, é o que se encontra

nos livros e na mídia, em geral.

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Carecas do Subúrbio: o ressurgimento da esfera pública do ódio

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A reportagem da revista IstoÉ, do dia 7 de outubro de 1992,apresenta as diferenças entre as três principais gangues de “carecas”existentes no país. O quadro abaixo mostra os ideais, a organizaçãoe o visual dos três principais grupos, a saber: Carecas do Subúrbio,Carecas do ABC e White Power.

Além das já conhecidas gangues do “ABC” e do “Subúrbio”,no final da década de 80 surge uma terceira facção denominadaWhite Power (Poder Branco ou Força Branca). Ao contrário dasoutras duas, seus membros têm origem na classe média. Adeptosda ideologia nazista são os mais radicais. Assim como Hitler fazia,os White Power pregam a superioridade da raça branca, mesmoem um país mestiço como o Brasil.

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A esfera pública do ódio no Brasil

IDEAISIDEAIS IDEAIS

ORGANIZAÇÃO ORGANIZAÇÃO ORGANIZAÇÃO

VISUAL VISUAL VISUAL

Nacionalistas, criticam a presençade empresas estrangeiras no País.Discriminam homossexuais e dro-gados. Fazem apologia da violên-cia como retórica política. Cultuama bandeira nacional.

Integralistas, seguem a doutrinafascista de Plínio Salgado. Discri-minam judeus, homossexuais edrogados. Não ingerem bebidas al-coólicas. Defendem a violênciacomo meio de defesa.

Neonazistas, discriminam judeus,negros, nordestinos, homossexu-ais e drogados. Defendem a sepa-ração do Sul do País. Adotam asuástica como símbolo e a violên-cia como forma de coação.

São cerca de 100 em todo Brasil.Principais grupos estão na zona lestede São Paulo A facção carioca cha-ma-se Carecas do Rio de Janeiro.Não têm hierarquia e aceitam mu-lheres em suas fileiras. São filhosde operários e a maioria trabalha eestuda.

Também conhecidos como Skin-heads, reúnem mais de mil jovensque agem principalmente em SãoPaulo. Não obedecem nenhuma hie-rarquia. A maioria pertence a famíli-as de classe média. Mantém conta-tos com grupos direitistas estrangei-ros.

A maioria filhos de operários, oscerca de 50 integrantes concen-tram-se no ABC paulista, onde sereúnem nos finais de semana paradiscutir sua ideologia racista. Agemrespeitando a hierarquia militar.Não aceitam mulheres entre os sol-dados e generais.

A regra é cabelo curto. Vestemjeans, bota ou coturno. Usam bonée capuz. Praticam musculação e lu-tas marciais. Carregam corrente,soco-inglês e revólver.

Vestem jeans e coturno. Usamboinas para esconder o cabelobem curto, quase raspado. Nãoportam nenhum tipo de arma -lançam mão apenas da força físi-ca para lutar.

Costumam circular com armasescondidas bem embaixo das ja-quetas. Bonés e capuzes escon-dem o cabelo cortado bem curto.Lutam boxe e fazem musculação.

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A influência dos skinheads ingleses nos White Power foi visível,ao contrário do que ocorreu com os Carecas do Subúrbio. Por serformado de jovens com um poder aquisitivo maior, o acesso aosmateriais dos skinheads estrangeiros era mais facilitado e issorefletiu na formação dessa facção. Essa influência estrangeira, emespecial das idéias nazistas, foi o principal motivo para que osCarecas do Subúrbio se distanciassem dos White Powers.

Para o “careca” J.C., esses skinheads seriam “racistas” e“nazistas”, diferente dos Carecas do Subúrbio.

Eu sei que existem grupos mais racistas ainda, de classe média,que possuem fitas de vídeo com bandas que propõem a agressãoracial (...). Tem até uns que já entraram em contato com a K.K.Kamericana, com gente do movimento nazista de lá. Entre esses maisracistas, tem os “White Power” (Poder Branco). São mais ou menosuns vinte e cinco. Eles dizem que todos têm descendência européia,estão preocupados com a pureza da raça e acham a “mistura racial”algo ruim (...).6

Por serem adeptos do Nazismo - pregam a superioridade daraça ariana e o preconceito racial - os White Power encontraramum solo fértil no sul do país, onde a presença de imigrantes alemãese italianos favoráveis a esse ideal é visível. Não obstante, oprincipal mentor do revisionismo, tese corroborada por muitos“carecas”, é o gaúcho Siegfried Ellwanger, dono da EditoraRevisão.

Adotando o pseudônimo de S.E. Castan, ele passa a escrevere publicar livros que negam a existência do Holocausto e fazemapologia ao racismo e ao anti-semitismo. Apesar de os Carecas doSubúrbio se dizerem diferentes dos White Power, há alguns “carecas”que têm simpatia pelo Nazismo e aceitam a tese do revisionismo.Um exemplo disso é o depoimento do “careca” N.:

Fui eu que cheguei com um visual nazista. Entrei lá no meio ecoloquei minha idéia. Aí comecei a distribuir livro de nazista paraos caras verem. Era livro sobre a SS, Gestapo (...). E o pessoal foilendo e gostando. No início, os “carecas” não gostavam dosnazistas, pois eram militares. E os “carecas” não gostam dos

6 COSTA, Márcia Regina da. Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um NomadismoModerno. São Paulo: Musa, 2000, p. 166.

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Revisionismo

É a negação públicados crimes nazistas.Dá-se o nome derevisionismo porqueseus adeptos diziampretender “revisar” aHistória. Surgiuprimeiramente naFrança e, mais tarde,nos Estados Unidos,na Grã-Bretanha, naEspanha, na Bélgica,Canadá e, relativa-mente cedo, tambémna Alemanha. Seusadeptos negam aocorrência do exter-mínio de milhões dejudeus na SegundaGuerra Mundial, pormeio do uso de gástóxico ou gás asfixi-ante. As primeirasnegações que obtive-ram uma amplarepercussão na opini-ão pública são deautoria de PaulRassinier, um francês,ex-socialista e ex-prisioneiro do campode concentração deBuchenwaid. Rassinier é o autor doprimeiro livro negaci-onista, publicado em1964, recuperado nosanos 70 e difundido,desde então, como aparte central docânone do movimen-to.

S. E. Castan

Pseudônimo deSiegfried Ellwanger,principal mentor dosrevisionistas no Brasil.Proprietário da Edito-ra Revisão (RS) foicondenado por racis-mo em 1996, porincitar o anti-semitismoem seu livro HolocaustoJudeu ou Alemão –Nos bastidores damentira do século.

Carecas do Subúrbio: o ressurgimento da esfera pública do ódio

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militares. Eles escreviam na suástica “morte aos nazistas!” Masdepois eles gostaram. Pois a ideologia batia com a nossa (...), serfiel a um e a outro e só pensar em nós. O resto não existia. Semcoragem a gente podia ser massacrado em uma cidade.7

Outro “careca”, um jovem mulato chamado L., também falasobre a questão do Nazismo no movimento Carecas do Subúrbio, oque demonstra a contradição existente entre seus militantes.

Tem os skinheads que são nazistas, tem os que não são. Mesmoaqui no Brasil, tem “carecas” que são nazistas e os que não são. Sóque muitos falam que o Nazismo é racismo, mas não é! Todo mundoaprendeu na escola que o Nazismo é racismo, mas agora estásurgindo uma revolução. Surgiu um livro aí (“Holocausto Judeu ouAlemão – Nos bastidores da mentira do século”, de S.E. Castan).Estamos pesquisando o porquê de tudo sobre a II Guerra Mundiale o Hitler não era racista (...). Simplesmente foi uma manipulaçãoda imprensa.8

Para esclarecer melhor algumas das questões que perfazem aesfera dos “carecas”, como a violência e o racismo, vamos recorrerà entrevista que simulamos com a antropóloga Márcia Regina daCosta, autora do livro “Carecas do Subúrbio – Caminhos de umnomadismo moderno” e uma das especialistas no assunto.

(Virtual) Qual é a concepção que os “carecas” têm delespróprios? Uma das questões que o “careca” sempre procuroudeixar claro é a preocupação em manter a dignidade, a exigênciade respeito pelo fato de ele ser um trabalhador. Segundo sua visão,o “careca” trabalha e se diferencia do bandido, do marginal, quesão definidos como aqueles que não trabalham, roubam o pobre,vendem drogas para sobreviver, etc. É interessante observar que,para eles, apesar de assumirem a treta (briga, luta, ser e impor-seatravés da violência), a violência, isto não significa que seconsiderem bandidos e que adotem o não-trabalho como estratégiade sobrevivência.

7 Idem, p. 154.8 Ibidem, p. 146.

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Na sua opinião, qual o motivo para a violência praticadapelos “carecas”? O uso da violência é também uma forma de sedefender e de entrar para um grupo, por exemplo, para uma gangue(...). Além dessas concepções sobre a violência elaboradas pelos“carecas”, há ainda a idéia de que a possibilidade de transformaçãosocial passa por ela (...). Assim, para eles, é através dela que osistema pode ser derrubado(...). Contudo, tornar-se violento é umaquestão de sobrevivência e até de reconhecimento (os “outrospassam a te respeitar”). Entretanto, isso não é tudo. A própriagangue e o movimento violento possibilitam a abertura de umcanal, de um espaço, para a libertação de “uma outra face” (...).Assim, há uma espécie de fascinação pela violência, a violênciatriunfante, a violência que dá sensação de poder, de potência. Éatravés dela que o “careca”, que idealmente se concebe como oguerreiro, o herói que circula pelas noites da cidade, encontraimaginariamente sua realização.

E com relação ao racismo? Porque os “carecas” não sedizem racistas, pois muitos deles são negros. Apesar dessasdeclarações contra o racismo em relação aos negros, é um fatoque a sociedade brasileira é racista. Ora, vivendo os “carecas”dentro dessa sociedade, ele deve existir de alguma forma entreeles. Mas parece que assumi-lo explicitamente significa romperideologicamente com a unidade de um movimento que foiconstruído como sendo de jovens pobres do subúrbio,trabalhadores totalmente solidários, que estão dispostos a “viverum pelo outro”. Em sua origem, o movimento não se construiudiferenciando-se os brancos dos negros. É claro que as diferençasexistem e elas, apesar de com freqüência não serem claramenteassumidas, aparecem em alguns contextos e em algumasdeclarações.

Como a senhora vê o fato de os Carecas do Subúrbio tentaremjustificar as diferenças com relação às outras facções quesurgiram depois? As distinções feitas por alguns entrevistadosentre mais velhos e mais novos, ou entre “carecas” e skinheads,assim como os conteúdos que lhe servem de lastro, são bastanteproblemáticos. Em grande parte, através dessas distinções, vemos

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Carecas do Subúrbio: o ressurgimento da esfera pública do ódio

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a preocupação de representar os “outros” (os mais novos, osriquinhos, os skinheads etc.), como nazistas, racistas, comomembros de organização de extrema-direita. Foi apenas em certosmomentos que chegaram a admitir que também existem “carecas”pobres, que moram no subúrbio e possuem as mesmas idéias desses“outros” “carecas”. No decorrer de algumas entrevistas, notamosuma preocupação constante em afirmarem que o verdadeiromovimento era de uma determinada forma, que os “desvios” eramresponsabilidade dos outros, dos riquinhos, dos não moradoresdo subúrbio, dos skinheads.

A que a senhora atribui a tentativa de cooptação dos“carecas” pelos partidos políticos? Foi graças à imagem do“careca” como um jovem forte, potente, que não se droga, umguerreiro moralista disposto a defender sua nação de inimigos,que alguns partidos procuraram cooptá-los para seus quadros.Tentaram transformá-los, segundo um dirigente integralista, emtropa de choque contra as esquerdas. Essa intenção, entretanto,esbarrou, de um lado, na atuação de alguns “carecas” e, de outro,em dificuldades próprias à natureza de um movimento que, emgrande parte, se concebia contra o Estado e contra os partidos deum modo geral.

DIÁRIO

Na pista certa

Essa entrevista ajuda a esclarecer o obscuromundo dos “carecas”, seja ele do subúrbio, doABC ou de qualquer outro lugar. A tentativa éválida para podermos analisar melhor aconstrução dessa esfera pública do ódio nopaís, mais adiante. Até esse momento, játivemos alguns indícios de que ela existe eque permeou os dois movimentos que utilizamoscomo meio de verificação, a saber, oIntegralismo e os Carecas do Subúrbio. Resta-nos, agora, apresentarmos as “provas” quecorroborem a nossa tese inicial. Vamos fazê-

lo.

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Cooptação dos partidos políticos

Com o crescimento do movimento “careca” no país, começaum processo de aliciamento por parte dos partidos políticos. Nãoos grandes partidos, com legendas nacionais e espaço na mídia,mas aqueles pequenos partidos que vêem os “carecas” como umapossível massa de manobra. Por serem fortes e violentos, os“carecas” serviriam como uma espécie de exército desses partidos.Teriam a mesma função das “SA” nazista.

O principal partido que realizou esse trabalho junto aos“carecas” foi o Partido Nacional Socialista Brasileiro (PNSB),fundado em 1985, por Armando Zanine Junior, com o nome dePartido Nativista Brasileiro. Há também outros grupos organizadosque tentaram trazer os “carecas” para suas fileiras. A JuventudeNacional Socialista (JNS), a Frente Nacionalista Brasileira (FNB)e o Movimento Participativo Nacionalista Social (PARNASO)seriam alguns deles. Este último, aliás, seria fundado pelo dirigenteintegralista Anésio de Lara Campos Júnior.

O relato do punk P., que conviveu com os Carecas do Subúrbioquando da sua formação, relata como se dava a ligação dos partidospolíticos com os “carecas”:

Aqui no Brasil agora estão surgindo grupos de nacionalistasskinheads nazistas (...), além da cooptação de partidos, como, porexemplo, o Partido Nacional Socialista do Rio de Janeiro (...), quemanda carta para todos os grupos dizendo: “Vocês sãonacionalistas, nós também somos!” Este é o gancho para se cooptarpessoas (...): um jovem está desempregado, sem dinheiro, sem nada(...), tem família pra sustentar, filhos, eles oferecem emprego paravocê difundir o “Nacional Socialismo” ou o “Integralismo”. (...) Éinteressante que o pessoal dos “carecas” são contra os militares(...), mas a forma de luta é de “formar um exército para libertar oBrasil” (...), um exército popular de “carecas”. A idéia é essa e étambém do “Partido Nacional Socialista”. Tem muito “careca” queé vigilante, segurança e coisas assim. Eles querem “ganhar” essepessoal que já é treinado.9

9 Ibidem, p. 157.

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SA

Sturmabteilung ouSA, sinônimo emalemão de SeçãoTormenta, na práticareconhecida comoTropas de Assalto, foia milícia paramilitarnazista durante operíodo em que oNacional Socialismoexercia o poder naAlemanha. Seu líderera Ernst Röhm,capitão do exército.Os membros dasSturmabte i lungentambém eram conhe-cidos como “camisaspardas”, pela cor deseu uniforme. A SAconstituiu, em certomomento, o mais fortegrupo de pressãopolítica da Alemanhae esteio do poderpolítico de AdolfHitler. Mas as intrigasnascidas da condutahomossexual de Röhmacabaram por derrubá-lo. A partir daí, as SSocuparam o espaço depolícia política outro-ra destinado às SA.

Carecas do Subúrbio: o ressurgimento da esfera pública do ódio

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Questionado sobre o envolvimento dos Carecas do Subúrbio compartidos políticos, o líder da banda Vírus 27 disse que essa procurados partidos políticos era um processo natural. Segundo Joe 90,com o crescimento do movimento alguns partidos anti-semitastentaram convencer os “carecas” a fortalecer os seus quadros.Vamos reproduzir a seguir, um trecho da entrevista que realizamoscom o ex-careca em que ele comenta um pouco sobre essa questão.

Então essa divergência foi mais musical, e nem tanto deideologia? Não, foram os dois. Agora, você falar de ideologia, deanti-semitismo, anti (...), anti qualquer coisa aí (...), isso aí são ospartidos mesmo que se incluem. Isso aí é uma coisa natural, é umprocesso natural. Qualquer gangue que surge, que alguém vê queestá crescendo, entra alguém para aproveitar aquela energia, aquelaforça, entendeu! (...) Só que depois isso daí cresceu tanto que ospartidos falaram: “Opa! Vamos pegar esses jovens aí e vamosarrastar”.

Ah! Teve essa questão dos partidos? Teve, lógico. Isso daí éum processo natural.

Qual partido aqui no Brasil? O PRONA? Alguma coisaassim? Não, não partido grande. Eu falo partido anti-semita,partidos pequenos.

Mais da extrema-direita? É! Extrema-direita. Tanto que,dentro do próprio movimento, teve vezes que saía briga de pessoasque seguia certas ideologias de partido. Aqueles “carecas” maisradicais, nato mesmo, da essência (...), os “caras” falaram: “Não,nada de partido aqui. Nós somos o que somos e já era”, entendeu!Aí que veio as brigas dentro do próprio movimento.

Teve alguém, por parte do Integralismo, que você chegou ater algum contato? Cheguei! Cheguei a ter contato com os “caras”até eu acordar, até eu ver que aquilo ali não era pra banda, eraporque...

Eles que te procuraram? É! Eles procuram, né! Eles procuramprimeiro as bandas, porque arrastando a banda vai arrastar o resto,entendeu! Mas nós procuramos nunca se vincular na parte...

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Você sabe quem que te procurou? Você lembra o nome?Um tal de (...), não lembro.

Foi o Sr. Anésio? (Anésio de Lara Campos Junior,integralista e líder do PARNASO). Não, o Sr. Anésio não! Foi o(...), como é o nome daquele cara lá do Rio de Janeiro? Não seique lá (...), nine (...), mine (...). Eu não lembro o nome não. (Épossível que seja o Sr. Armando Zanine Junior, fundador e líderdo PNSB)

O Sr. Anésio o pessoal já conhece? Qual a ligação que eletem? Conhece! É também (...), era o partido integralista. Euprocurei nunca me misturar. Eu, pessoalmente (...). Meu negócioé banda. Eu procurei nunca misturar banda com partido.

E essa questão da violência contra homossexuais, judeus...Porque esses alvos pré-determinados? Aí que tá! Tudo isso daívem dos partidos, todo esse radicalismo foi idéia implantada pelospartidos e ficou, né! Houve a desvinculação, mas as idéias ficaram(...). Não vem da essência do movimento, não vem mesmo. Aessência do movimento é uma coisa tão pura, tão bacana.

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Carecas do Subúrbio: o ressurgimento da esfera pública do ódio

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O encontro de gerações:Integralistas e Carecas do Subúrbio

1º de Maio de 1988

– Ah, nossa! Foi uma guerra isso aí, cara! Sério. Tinhaintegralista, tinha careca (...). A gente tinha fechado uma tréguapolítica com o pessoal da CUT, né! E aí, de repente, começa a mechegar skinhead de todo lado, e polícia pelo outro lado. Nossa, foiuma guerra! Sério, foi terrível... – Josimas Ramos, 33, membrodo movimento anarco-punk de São Paulo.

– É! Eu tava lá! A gente era “bucha de canhão”, mas nem todomundo é bobo, né! – Joe 90, 43, membro dos Carecas do Subúrbio.

– Foi nesse dia que um grupo de Carecas do Subúrbio, como sechamavam, roubou a bandeira integralista que eu tava segurandono mastro. Foi um pouco antes do Luis Carlos Prestes começar odiscurso dele pedindo a revolução, né! Primeiro eles deram aintenção que iriam apoiar a “bandeira” integralista e depoisroubaram a bandeira integralista da minha mão... – Anésio deLara Campos Junior, 76, dirigente integralista.

O dia havia chegado. Passou-se meio século, desde aquele maiode 1938. A Ação Integralista Brasileira já não existia como partidopolítico. Como movimento resumia-se a poucos remanescentes.Já os Carecas do Subúrbio estavam no auge da formação. O encontrotinha data e local marcados: 1º de maio de 1988, na Praça da Sé,centro de São Paulo.

As manifestações em comemoração ao Dia Mundial doTrabalho reuniriam diversos setores organizados do país. Pelaesquerda: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Partido dos

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Dia Mundial doTrabalho

O Dia Mundial doTrabalho foi criadoem 1889, por umCongresso Socialistarealizado em Paris. Adata foi escolhida emhomenagem à grevegeral, que aconteceuem 1º de maio de1886, em Chicago.Naquele dia, milharesde trabalhadoresforam às ruas paraprotestar contra ascondições de trabalhodesumanas a queeram submetidos eexigir a redução dajornada de trabalho de13 para 8 horasdiárias, mas a repressãoao movimento foidura: houve prisões,feridos e até mesmomortos nos confrontosentre os operários e apolícia. Em memóriaaos mártires deChicago, o dia 1º demaio foi instituídocomo o Dia Mundialdo Trabalho. NoBrasil, a data é come-morada desde 1895 evirou feriado nacionalem setembro de 1925por um decreto dopresidente Artur Ber-nardes.

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Trabalhadores (PT) e sindicalistas. Pela direita: integralistas eCarecas do Subúrbio. Além de diversas outras organizações,movimentos e pessoas que seriam os coadjuvantes dessa história.

Apesar de haver registro, conforme a entrevista de Joe 90, deque a ligação entre integralistas e “carecas” já tivesse ocorridoalguns anos antes, quando da tentativa de cooptação de alguns“carecas” por “partidos anti-semitas”, esse encontro do dia 1º demaio de 1988 seria a primeira ação organizada entre os doismovimentos. Aliás, foi uma tentativa.

Segundo Joe, os integralistas teriam tentado cooptar os“carecas” para unir forças contra o pessoal de esquerda. Na ocasião,os “carecas” fariam o papel de exército dos integralistas, protegendo-os contra possíveis ataques dos militantes esquerdistas. Porém,os “carecas” não ficaram ao lado dos integralistas, como elesesperavam.

De acordo com o ex-dirigente da Ação Integralista Brasileira(AIB) e fundador do Movimento Participativo Nacionalista Social(PARNASO), Anésio de Lara Campos Junior, supondo que os“carecas” fossem nacionalistas e contra o comunismo, osintegralistas os convidaram para se unir na passeata. – Nós fizemosuma reunião na antiga Praça Clóvis Bevilaqua, que agora se chamaPraça da Sé, ali ao lado na igreja Nossa Senhora do Carmo (...), masacontece que eles se debandaram e roubaram a bandeira integralistaque eu estava segurando (...).

Talvez o caráter apartidário de alguns “carecas” ou até mesmoas idiossincrasias de alguns membros no que se refere à concepçãode Estado tenham sido o motivo para o desentendimento com osintegralistas. Por ser um movimento “independente”, os Carecasdo Subúrbio não aceitariam ser “manipulados” por outrosmovimentos ou partidos políticos.

Essa tese também é confirmada pelo “careca” A., em entrevistaextraída do livro de Márcia Regina da Costa:

Nós participamos da passeata do 1º de maio (...), mas osintegralistas entraram querendo se aliar a nós (...). Nós os pusemospra correr.1

1 COSTA, Márcia Regina da. Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um NomadismoModerno. São Paulo: Musa, 2000, p. 173.

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O encontro de gerações: Integralistas e Carecas do Subúrbio

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O jornal Folha de S.Paulo, do dia 2 de maio, exibiu umareportagem intitulada: “Em São Paulo, integralistas são detidosdurante tumulto”. Nessa matéria, é relatado como ocorreram asagressões e pancadarias entre membros de facções da extrema-direita e militantes da CUT, na praça da Sé, em São Paulo.

(...) Detidos, 12 dos nacionalistas – integralistas foram liberadoshoras depois no 1º Distrito Policial. “Foi acidental, perdemos ocontrole”, explicava Antonio Carlos Meirelles, presidente da AIB.Ele se referia ao fato de que militantes de quatro grupos – Pátria eLiberdade, do ABC paulista, Pátria Livre de Curitiba e AçãoNacionalista, de inspiração integralistas, auxiliado pelos “Carecasdo Subúrbio”, organização de jovens “skin-heads” da periferia –,ao invés de contornarem a praça, portando o distintivo doIntegralismo e faixas alusivas à manipulação de sindicatos pelaesquerda, terminaram cortando-a ao meio (...).

Embora esse encontro entre integralistas e Carecas do Subúrbiotenha gerado um pequeno conflito entre os dois movimentos eque ainda haja discordâncias entre o que realmente aconteceunaquele dia, é fato que essa ligação existiu. Ela é o indício queuma esfera de idéias odiosas e intolerantes permeou os doismovimentos, mesmo com a distância temporal existente entre eles.

E essa esfera seria propagada por diversos agentes e meios atéque encontrassem alguém que canalizasse essas idéias. Os“carecas” foram aqueles que abriram os livros e leram as linhastorpes dos líderes integralistas........

O punk P., que acompanhou o conflito ocorrido na Praça da Séquestiona essa ligação em seu depoimento.

É interessante, por exemplo, como os integralistas, que têm olema “Deus, Pátria e Família”, conseguiram se aproximar dos“carecas”. Talvez seja porque os integralistas não falem tudo (...).2

DIÁRIO

Eles não falam tudo

2 Idem

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A esfera pública do ódio no Brasil

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A questão é exatamente essa. A prática édiferente da teoria. Em minhas diversasvisitas às reuniões integralistas, poucasforam as vezes que me deparei com algumamanifestação de ódio ou intolerância. As quepresenciei, cito-as em meu diário.

É notório que os integralistas e mesmo essesgrupos de extrema-direita como os Carecas doSubúrbio tentam passar uma imagem“comportada”, ou melhor, uma imagem “pacífica”para a sociedade.

Se você pegar os textos, fanzines,informativos ou sítios que divulguem as idéiasdesses grupos, possivelmente não achará nadademais. Porém, o trabalho é realizado nocorpo-a-corpo. Lembrei-me agora de quatropersonagens que conheci durante essas visitas.Cada um tinha um posicionamento radical eintolerante com relação aos temas: Judeus,homossexuais, negros e comunistas. São idéiasindividuais e soltas no ar que, em um grupo,

tomam corpo e unidade. Só não são confirmadas.

A negação de ambos

Quando alguma ilação ou tentativa de estabelecer algumaligação entre integralistas e “carecas” é feita, a resposta obtida équase sempre a mesma: “Não temos nada a ver com eles”. Anegação feita pelos membros de ambos os movimentos revela que,apesar de existir essa ligação, ela não é “institucional”, ou seja, omovimento como um todo não prega nem aceita essa ligação.

Mesmo sendo uma opção individual de um “careca” vincular-se ao Integralismo ou de um integralista tornar-se um “careca”,essa conexão só é permitida porque um conjunto de idéias perpassapelos dois grupos e encontra paralelo entre eles. É essa esfera quepermite que ambos se atrelem, apoiados em conceitos congruentes.

Um prova disso é a entrevista do atual presidente do MovimentoIntegralista Brasileiro (MIB), Pedro de Carvalho, na qual éapresentada uma oportuna ligação entre “carecas” e integralistas,apesar de Carvalho negar que exista essa relação.

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O encontro de gerações: Integralistas e Carecas do Subúrbio

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Qual é a real relação do Integralismo com esses grupos,por exemplo, os skinheads, os “carecas”, esses neonazistas quese dizem adeptos à doutrina integralista? Não tem relaçãonenhuma, absolutamente nenhuma, certo! As poucas vezes queeles compareceram aqui, em grupo, eles chegaram aqui e viram anossa atitude, a nossa proposta de doutrina e simplesmente foramembora com a certeza de que aqui não tinha nada a ver com eles,entendeu! Então, o que aconteceu, principalmente nesses casos,com esses grupos foi isso. Eles não têm a menor noção do queseja a doutrina. Quando eles têm algum contato, como tiveramnaquela oportunidade, eles desistem, vão embora. Ficou um ououtro...

Então, por que o senhor acha que eles buscam oIntegralismo? Justamente por esta confusão! Eles têm essainformação errada, justamente da parte dessa mídia que faz umaquestão tão empenhada em deturpar tudo... E passa, acaba passandoisso pra eles. E eles acham que isso é bonito, né! Eles viram issoacontecer na Europa, na Inglaterra principalmente, os caras sairdepredando prédio, batendo e agredindo pessoas. Eles acham queisso poderia ser feito aqui.

Essa desvinculação de qualquer relação dos “carecas” comintegralistas também é verificada na fala do “careca” T. Pelo seudepoimento fica nítido que, apesar de haver uma ligação entrealguns membros dos dois movimentos, a imagem que eles tentampassar é que essa afinidade fica restrita ao âmbito pessoal.

Os integralistas quiseram usar os “carecas” para levantar abandeira deles na Praça da Sé (...). Foi uma fria. Existe “careca”andando à parte com os integralistas (...). O movimento não temnada a ver com isso.3

Essa ligação entre “carecas” e integralistas também é feita pelosmeios de comunicação. São diversas reportagens que fazem ilaçõesentre os dois grupos, até mesmo entre “carecas” e partidospolíticos. Se considerarmos apenas os documentos pessoais que

3 Ibidem

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A esfera pública do ódio no Brasil

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circulam na Internet, não conseguiríamos precisar a quantidadedeles que colocam essa conexão em seus textos.

Mesmo não entrando na questão da relação interpessoal, essasreportagens colocam a doutrina integralista como possível“mentora” dessas gangues. Os livros de Plínio Salgado seriamum elo de ligação entre eles.

A revista IstoÉ do dia 7 de outubro de 1992, ao relatar umepisódio envolvendo gangues, cuja característica mais visível é ocabelo cortado no estilo militar, apresenta esse envolvimento“ideológico” entre “carecas” e integralistas.

Carecas do Rio de Janeiro, Carecas do Subúrbio, Carecas doABC, Skinheads ou White Power. Nacionalistas ou separatistas,integralistas ou neonazistas. O nome ou a ideologia pouco importa(...). Os que defendem o Integralismo de Plínio Salgado, todoshomens e de classe baixa, formaram os Carecas do ABC, e passarama ser temidos nas ruas de Santo André.4

Na edição de número 1585, a mesma revista traz outra notíciaenvolvendo os “carecas”. Dessa vez, a reportagem discorre sobreo assassinato do homossexual Édson Néris da Silva no centro deSão Paulo. Segundo a revista

Os rapazes pertencem aos Carecas do ABC. A maioria praticalutas marciais e faz reuniões aos fins de semana para debater idéiasracistas. As poucas leituras se resumem aos livros de Plínio Salgadoe Gustavo Barroso, os dois principais ideólogos do Integralismo -versão tropical do Fascismo europeu dos anos 30.5

A mesma notícia também é reportada na Revista Época. Naedição de número 91, a revista traça as diversas ramificações dos“carecas” e quem são os seus “mentores intelectuais”. Mais umavez, a ligação com o Integralismo é exposta aos leitores.

4 Fonte: Revista IstoÉ, disponível em http://www.cefetsp.br/edu/eso/lourdes/neonazistascabecasocas.html, acessada em 12 de março de 2005.

5 Fonte: Sítio da Revista IstoÉ, disponível em http://www.terra.com.br/istoe/1585/comportamento/1585caradabarbarie.htm, acessado em 12 de março de 2005.

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Edson Néris daSilva

Assassinado no dia 6de fevereiro de 2000,na praça da Repúbli-ca, em São Paulo. Elee seu amigo, DarioPereira Netto, cruza-vam a praça de mãosdadas quando foramatacados por umagangue de “carecas”.Dario conseguiufugir, mas Néris foibrutalmente assassi-nado a socos epontapés. A políciaprendeu 18 integran-tes dos Carecas doABC que estavam emum bar próximo aolocal do crime. Deles,apenas oito estãocumprindo pena porhomicídio.

O encontro de gerações: Integralistas e Carecas do Subúrbio

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Os grupos de carecas dividem-se em subgrupos: Carecas doSubúrbio, Carecas do ABC e Carecas do Brasil, que agem no Riode Janeiro. Dizem concordar com o Integralismo, adaptaçãobrasileira da ideologia fascista. Cultuam Plínio Salgado, o maiorlíder integralista nacional, e o nacionalista Gustavo Barroso.6

Pelas das informações obtidas através dos meios decomunicação de massa percebe-se, novamente, que a conexão entre“carecas” e integralistas existe. Em especial, nota-se que asreportagens colocam os “carecas” como seguidores da doutrinaintegralista e não como possíveis membros do movimento. Asrelações pessoais não são citadas. O intercâmbio de idéias e valoresé o principal fator que une os dois grupos.

De acordo com o integralista Cássio Guilherme, essas tentativasde encontrar uma relação entre integralistas e “carecas” é frutodas mentiras desses diabos comunistas. Para o fundador do núcleointegralista de Campinas, à medida que o movimento integralistaavançar, essas críticas tenderão a aumentar.

Toda a mídia, artistas, rádios, jornais, estações de tv estão aserviço do grande capital internacional (neoliberais e marxistas)(...). Obviamente, esses satãs travestidos não querem nem ouvir falarde Integralismo, ou nacionalismo, ou valores cristãos, isso atrapalhao processo de internacionalização do capital (...). Mais cedo oumais tarde vão arrumar um skinhead que matou alguém e disse queera integralista, isso faz parte do jogo sujo deles (...). O certo seriadar um tiro nos córneos desses diabos.7 (Anexo 6)

Portanto, essa estreita ligação do Movimento IntegralistaBrasileiro (MIB) com os Carecas do Subúrbio ou Carecas do ABC éo indício de que existe uma esfera pública do ódio e da intolerânciaque permitiu a membros desses grupos contemporâneos usurparas idéias propagadas pela doutrina integralista.

Porém, mesmo que não houvesse casos de envolvimento entreseus membros, o simples fato das idéias integralistas estarem

6 Fonte: Sítio da Revista Época, disponível em http://epoca.globo.com/edic/20000214/brasil2a.htm, acessado em 12 de março de 2005.

7 Trecho extraído de uma mensagem eletrônica postada no grupo de discussão virtual do“Integralismo”, da qual o autor faz parte. Para ser incluído no grupo é preciso ser autorizadopelo moderador.

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A esfera pública do ódio no Brasil

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disponíveis nessa esfera é uma sinalização da sua existência. Oslivros de Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Realepermearam o pensamento daqueles que vieram depois, mas coma mesma idéia na cabeça.

Mesmo assim, alguns indivíduos são exponenciais para essaverificação. Pessoas que foram e são imprescindíveis para apropagação dessa esfera que prega o ódio e a intolerância.

Personagens da esferaPara personificar a esfera pública do ódio, teríamos alguns

personagens que, além de propagar as idéias, corporificam essaesfera. Há alguns exemplos que podemos citar para demonstraressa tese.

Anésio de Lara Campos Junior

Membro do Movimento Integralista Brasileiro (MIB), aos 76anos de idade, Anésio é um desses exemplos. Começou a suamilitância política em 1946, quando se filiou ao Partido deRepresentação Popular (PRP), fundado por Plínio Salgado apósseu retorno do exílio em Portugal. Durante esse período teve umaintensa relação com alguns integralistas como o próprio PlínioSalgado. – Eu tive muita convivência com o “Chefe”. Uma vez eu olevei em meu carro de São Paulo a Santos, ida e volta, quando ele eracandidato à presidência da República.

Secretário Geral do “Comitê Estadual Pró-Plínio Salgado paraPresidente da República”, em 1955, Anésio teve importanteatuação na divulgação da doutrina integralista pelo país, duranteos anos que se seguiram até a extinção do PRP, em 1965.

No final da década de 80, Anésio, que é irmão (por parte demãe) do senador Eduardo Suplicy (PT/SP), funda o MovimentoParticipativo Nacionalista Social (PARNASO), que tinha em seuestatuto trechos do Partido Nacional Socialista dos TrabalhadoresAlemães (NSDAP) de Adolf Hitler. Anésio, que é adepto da teserevisionista, diz que não é nazista. – Nunca fui nazista, nunca fui.Eu só não acredito que tenha havido câmara de gás para matar gente,isso eu nunca acreditei na vida.

É através do PARNASO que Anésio inicia a sua relação comos “carecas”, mesmo falando em nome da extinta AIB. – Eu tentei

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NSDAP

O Partido NacionalSocialista dos Traba-lhadores Alemães(NationalsozialistischeDeutsche Arbeiter-partei), mais conhecidocomo NSDAP ouPartido Nazista, foium partido políticolevado ao poder naAlemanha por AdolfHitler em 1933. ONSDAP estabeleceu oTerceiro Reich (Impé-rio) após ter sidodemocrat icamenteeleito para liderar ogoverno alemão em1933. Foi a únicaforça política naAlemanha Nazista de1933 até 1945, quan-do foi declarado ilegale seus líderes presos ejulgados por crimescontra a humanidadenos Julgamentos deNuremberg.

O encontro de gerações: Integralistas e Carecas do Subúrbio

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atraí-los para a Ação Integralista Brasileira (AIB) para umnacionalismo sadio, que é o Integralismo (...). Nas manifestações dodia 1º de maio de 1988 Anésio seria o “líder” que tentou cooptaros “carecas” para cerrar as fileiras integralistas contra os“comunistas”.

Depois desse episódio, Anésio continua mantendo contato comalguns “carecas”. Em 1992, o programa Documento Especial doSBT, divulga uma reportagem sobre os skinheads. Anésio apareceem uma foto ao lado de membros da facção White Power.Questionado sobre essa foto, Anésio nega seu envolvimento. –Não, com os White Powers eu nunca tive nenhuma ligação!

Anésio de Lara Campos Junior continua freqüentando asreuniões integralistas na Casa de Plínio Salgado. Quanto ao seurelacionamento com os “carecas”, Anésio explica que, devido àsdificuldades financeiras, afastou-se um pouco dos “carecas”. –Eu fiquei numa situação financeira muito difícil nos últimos doze meses,se Deus quiser a partir do mês que vem vai melhorar (...). Aí, eu tiveque parar a remessa de correspondências, essas coisas (...), porque eunão tinha mais dinheiro para pagar auxiliar para por ascorrespondências no envelope, mandar pelo correio, essas coisas (...).

DIÁRIO

Medo da verdade

21 de outubro de 2005.

Nesse dia, estava em casa escrevendo estelivro. Lá pelas três horas da tarde toca o meutelefone celular. Triiiiimmmmm!!!!!!!

- Alô!- Alô! Quem está falando?- Milton.- Oi Milton, tudo bem? É o Pedro!

Pedro de Carvalho, presidente do MovimentoIntegralista Brasileiro (MIB). Fiqueisurpreso, pois não esperava a ligação.Começamos a conversar.

- Milton, você conseguiu falar com o Anésio?- Ainda não! Ele não apareceu nas duas vezes

que marcamos a entrevista. Por que?

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A esfera pública do ódio no Brasil

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- Sabe o que é (...), é que o Anésio...

O presidente do MIB começou criticar osenhor Anésio pela sua relação com os“carecas”. Possivelmente, era uma tentativa deseparar o movimento integralista, dos atosindividuais de Anésio.

- Não leve muito a sério o que o Anésio diz,ele já está ficando velho. No passado eleestava com umas idéias aí de Nazismo, deHitler. Até o irmão dele, o Suplicy, teve queintervir.

- Sei!- Eu só peço para você separar as coisas...

Desliguei. Senti que o senhor Pedro deCarvalho estava com medo das declarações deAnésio. Estava receoso de que ele envolvesse oIntegralismo com os “carecas”.

Agora, mais do que nunca, precisava

entrevistá-lo!!!!

DIÁRIO

Na prorrogação

Antes dessa conversa com o presidente doMIB, já tinha desistido de entrevistar osenhor Anésio de Lara Campos Junior, pois nãohaveria tempo. Depois dela, era só o quepensava em fazer.

Tentei falar com ele, mas não conseguia. Otempo passava. Tinha que fazer a entrevistapor telefone mesmo. Era imprescindível seudepoimento.

Era uma sexta-feira, dia 28 de outubro.Estava na Universidade para ter orientação doTCC. Cheguei algumas horas antes para estudar.Estava na sala de aula sozinho, com as portasfechadas e sentado na cadeira do professor.

Eis que me vem uma idéia. Verifiquei a minhamochila: Bloco de anotações, gravador, fita ecaneta. Para minha sorte estava tudo ládentro. Resolvi ligar para o senhor Anésio naminha última tentativa de entrevistá-lo. Eram20h39min. Coloquei o celular sobre a mesa eativei o viva-voz. Segurava o gravador perto

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do celular. O som saiu perfeito. Enfim,consegui falar com a minha principal fonte...

Aos 45 minutos do segundo tempo.

E.M.8

Foi um dos principais membros dos Carecas do Subúrbio.“Careca” desde o início dos anos 80, deixou o movimento há cercade oito anos devido a compromissos familiares. – A gente fica velho,né! Vem o casamento, filhos, compromissos... Apesar disso, continuacom a sua banda de som punk rock, formada em 1994.

Para ele, a sua passagem pelos Carecas do Subúrbio foi apenasuma aventura juvenil. Mesmo assim, segundo ele, envolveu-se emdiversas confusões. Admirador do Nazismo, E.M. diz que quandofazia shows pintava a suástica no peito. – Eu não gosto daquelacoisa toda do holocausto, mas sim da organização militar dos nazistas.Aqueles homens da SS todos enfileirados. Era lindo!

Hoje, cursa História em uma Universidade na cidade de SãoPaulo, onde, segundo ele, diz haver muitos neonazistas. Conheceuo Integralismo nas aulas e diz que nunca ouviu falar da doutrinaentre os “carecas”. – No movimento, eu nunca fiquei sabendo deIntegralismo, nunca mesmo. O interesse pela doutrina integralistalevou-o a pesquisar sobre o assunto na Internet.

Questionado sobre qual o motivo que o fez procurar oIntegralismo, ele diz: - Foi pela questão do nacionalismo, desseconservadorismo que eles pregam. Mais ou menos isso.

Eduardo não se considera racista nem violento. Violência, paraele, só contra os punks. – Ah! Se encontrar com os punkinhos na ruaa gente dá umas porradas. Nos punkinhos tem que bater. Pela segundavez visitava as reuniões integralistas na “Casa de Plínio Salgado”.

Esses dois personagens exemplificam bem como essa esferapública do ódio permeou os dois movimentos a que eles pertencemou pertenceram. É essa esfera que possibilita o intercâmbio dasidéias que eles pregam. E é ela que permite que o ódio e aintolerância continuem difundindo-se ao longo do tempo.

8 Decidimos ocultar o nome dessa fonte, pois não temos sua autorização para a veiculaçãodas informações, uma vez que o depoimento foi feito em uma conversa informal com o autor.

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A esfera pública do ódio no Brasil

SS

A Schutzstaffeln, ouSS, foi uma grandeorganização paramili-tar pertencente aoNSDAP, criada em1925. Os nazistasconsideravam a SSuma unidade de elite,cujos membros eramselecionados segundocritérios raciais eideológicos. Sua ativi-dade como unidade decombate, chamadaWaffen SS, era muitasvezes confundida coma do exército alemão,a Wehrmacht. Sob achefia de HeinrichHimmler, os SS fica-ram conhecidos pelasua participação noreforço da políticanazista. Em 30 dejunho de 1934, astropas das SS assassi-naram diversos líderesdas SA, tornando-se aprincipal milícia nazista.

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A esfera pública do ódio:um mal a ser combatido

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade edireitos. São dotados de razão e consciência e devem agir emrelação uns aos outros com espírito de fraternidade.1

DIÁRIO

Por quê?

17 de outubro de 2005

Decidi ir até a casa dele sem avisar. Tinhame passado o endereço nas outras duasoportunidades em que marcamos a entrevista eque ele desmarcou. Cheguei! Era uma casahumilde no alto de um barranco. Semacabamento, o cimento ficava à vista. Agaragem ainda não tinha sido terminada. Nãotinha portão nem campainha. Bati palmas.

Plaplaplaplaplaplapla............... Najanela aparece um rosto. Logo, um senhorvestindo a camisa do São Paulo Futebol Clubesai na porta e me convida para entrar. Pensei:- Ele nem me conhece e me chama para entrar!!!Bom, subi as escadas, desviei do cachorro,limpei os pés e sentei no sofá da sala. Osenhor que me recepcionou era o pai dele,“seu” Odair. Disse-me para esperar umpouquinho que o Flavinho já viria. Nem umminuto de espera e eis que me aparece FlávioAugusto do Nascimento Cordeiro, o garoto que

1 Parágrafo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, disponível no sítio da ONUno Brasil em http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php, acessado em 2de novembro de 2005.

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perdeu o braço direito quando foi obrigado,por três “carecas”, a pular do trem emmovimento.

De bermuda, chinelo de dedo e vestindocamiseta de uma banda de rock, Flávio merecebeu muito bem. Desculpei-me por terchegado sem avisar e comecei a conversar comoele e o pai. Pedi autorização para gravar aconversa, que me foi concedida. Fiquei cercade uma hora com eles, tempo até para umcafezinho servido por “seu” Odair.

A conversa fluía. “Seu” Odair e Fláviocomeçam a me mostrar recortes de jornais erevistas nos quais foi reportada a tragédiavivida por Flávio. Também me deram duas fitasVHS com imagens de programas de televisão quetratavam do assunto.

Comecei a pensar no porquê de tanto ódiocontra uma pessoa? Por que tanta intolerânciacontra um visual? Por que tanta violênciacontra alguém que nada lhe fez? Flávio, umgaroto inteligente, humilde e educado, teveseu braço decepado e agora não pode mais tocarguitarra, que era sua paixão. Sua vida mudou.A da sua família também. E o que dizer deCleiton da Silva Leite que perdeu a vida porum cabelo ao estilo “moicano”? De sua mãe quesofre até hoje a sua perda? De sua família?Perguntas que ainda estão sem respostas... Umato de intolerância e de ódio de três“carecas” que nem sequer estão presos...

Voltei a terra. Já estava na minha hora.Flávio tinha compromisso marcado e estava desaída. Antes de ir, pude ouvir uma frase do“seu” Odair que refletia bem o que eu estavasentindo. – (...) Igual à música do Raul:“Você tem o direito de fazer o que você quer,você tem o direito de se vestir como quiser”.Você tem o direito a tudo, menos fazer malpara os outros. Isso é um direito que não é

direito...

Conceitos dessa esfera

Essa esfera pública do ódio permitiu que três integrantes dosCarecas do Subúrbio obrigassem dois garotos que se vestiam como

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A esfera pública do ódio no Brasil

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punks a pular de um trem em movimento em Mogi das Cruzes.Essa esfera pública que prega o ódio aceitou que dezoito membrosdos Carecas do ABC assassinassem a socos e pontapés umhomossexual na Praça da República, em São Paulo. Essa mesmaesfera pública do ódio admitiu que oito skinheads agredissem afacadas três judeus em Porto Alegre. Por quê?

Porque esses grupos, movimentos ou facções não toleram asdiferenças. A rejeição da alteridade é uma das fontes de idéias queessa esfera pública do ódio prega, desde o advento do Integralismoaté o surgimento dos “carecas”. É a não aceitação do “outro” quedesencadeia essa violência incessante. Segundo a antropólogaMárcia Regina da Costa, a rejeição do outro enquanto outro é umadas características dos “carecas”.

É o caráter de seriedade, de pureza e de firme afirmação deseus valores que faz com que os “carecas” considerem inimigostodos aqueles que não são como eles. E é contra os outros, osdiferentes, que, com freqüência, ocorrem as violências, as tretas.Os punks, por exemplo, são odiados por terem traído ascaracterísticas e posturas que eles consideram como fundamentais;os hippies, por serem drogados, pacifistas e não trabalharem nopesado; os roqueiros, por terem aderido a um tipo de comportamentoe de música alienada; os boys, por serem ricos, viverem de mesadae por provocarem e esnobarem os pobres etc. Dessa forma, elesprojetavam nesses grupos os pecados e os vícios que alegavam nãoter.2

A intolerância é o principal legado dessa esfera pública.Segundo o sociólogo Sérgio Paulo Rouanet, intolerância pode serdefinida como uma

Atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional comrelação a indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, aseu estilo de vida e às suas crenças e convicções. Essa atitudegenérica se atualiza em manifestações múltiplas, de caráterreligioso, nacional, racial, étnico e outros.3

2 COSTA, Márcia Regina da. Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um NomadismoModerno. São Paulo: Musa, 2000, p. 143.

3 Fonte: Folha de S.Paulo do dia 9 de fevereiro de 2003, Caderno Mais, disponível emhttp://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u8408.shtml, acessado em 14 de maio de2005.

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A esfera pública do ódio: um mal a ser combatido

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Nesse caso, o ódio sistemático e a agressividade irracional queRouanet associa à intolerância seria a matriz “ideológica” que essaesfera pública propaga. A negação do outro, pelo simples fato deleser diferente é motivo para a descriminação.

Para o membro do Núcleo de Estudos sobre Ideologia e LutasSociais (NEILS – PUC/SP), professor Antonio Ozaí da Silva, essepreconceito e negação da alteridade é um dos motivos para gerarintolerância.

Há muito que a humanidade padece deste mal. O preconceitoreligioso, étnico, político, cultural, ou seja, a incapacidade humanaem se reconhecer no “outro” e respeitá-lo é, sem sombra de dúvidas,um fator essencial gerador da intolerância.4

Mas essa esfera também foi sendo contaminada por umconjunto de idéias que vão além da dobradinha Integralismo –Carecas do Subúrbio. Todo um pensamento racista ocidental queencontra suas raízes no conde Arthur de Gobineau (1816-1882),que em 1853 publica o seu “Ensaio sobre a desigualdade das raçashumanas” (Essai sur l’inégalité des races humaines)5, permearia maistarde a tese ariana de Adolf Hitler até chegar no contemporâneorevisionista brasileiro Siegfried Ellwanger.

E, mais uma vez, essa esfera pública do ódio captou para siesse conjunto de idéias racistas para propagar e disseminar entreaqueles que no futuro viriam a utilizá-las, como os integralistas eos “carecas”. De acordo com o professor da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ), Muniz Sodré, apesar de ter setransmutado com o fim dos regimes nazi-fascistas e da críticaantropológica, o racismo continua a operar, porém sem tomar comosustentação a questão biológica.

Embora o racismo ideológico tenha sido duramente atingido,persiste com força ainda maior o movimento de intolerância eexclusão do outro em representações, práticas e fatos miúdos doquotidiano das classes sociais contemporâneas. O paradigma perdeu

4 Fonte: Revista Espaço Acadêmico – nº 37 – Junho de 2004, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/037/37pol.htm, acessado em 2 de novembro de 2005.

5 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. 5ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,2004, p. 201.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Adolf Hitler

Nasceu em 20 de abrilde 1889, em Braunau,na Áustria. Em 1907,tentou sem sucessoentrar na Academia deBelas Artes de Viena.Lutou na PrimeiraGuerra Mundial,sendo condecoradopor ato de bravura.Em 1919, infiltra-seno Partido dosT r a b a l h a d o r e sAlemães, que seria oprecursor do PartidoNacional-Socialistados TrabalhadoresAlemães (NSDAP),aquele que o levariaao poder, em 1933.Escreveu sua obramais famosa, MeinKampf (Minha Luta),na prisão, entre 1923e 1924. Governou aAlemanha de 1933 atéo fim da SegundaGuerra Mundial, em1945. Suas tesesarianas e anti-semitasaté hoje são revividaspor alguns simpati-zantes do nazismo.Suicidou-se no seubunker em Berlim,aos 30 de abril de1945.

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a coerência ou a visibilidade enquanto modelo doutrinário, masancorou-se no fundo da consciência pequeno-burguesa, difratando-se, como uma espécie de fenômeno social global, no corpo daspráticas sociais ultramodernas.6

Para Sodré, esse racismo ideológico ainda permanece comoresíduo anacrônico nos movimentos de extrema-direita, como éo caso dos grupos que serviram de instrumento para a verificaçãodessa esfera do ódio.

O mesmo essencialismo do racismo ideológico permanece, assim,mas sem a exasperação histérica e obsessiva dos velhos modos deatuação, a não ser em pequenos grupos marginalizados (skinheads,ligas fundamentalistas, facções de extrema-direita), que já exibempor discursos, emblemas e rituais o seu próprio anacronismo.7

Assim, esses grupos marginalizados, dos quais fazem partes tantoos integralistas como os “carecas”, ainda se utilizam desse racismoideológico que Sodré diz ainda permanecer, para descriminar alvospré-determinados no país.

Segundo a historiadora e membro do Laboratório de Estudosda Intolerância (LEI – USP), Maria Luiza Tucci Carneiro, gruposneonazistas – e aí retomamos a tese de haver neonazistas entre os“carecas” e os integralistas – têm seus alvos preferenciais.

No Brasil, especificamente, o racismo neonazista se manifestacontra negros, judeus, nordestinos, imigrantes, homossexuais,comunistas, punks, petistas e anarquistas.8

DIÁRIO

Mais uma palhaçada dessas bichas do PT

Em uma das minhas visitas às reuniõesintegralistas, pude confirmar a aversão aos

6 SODRÉ, Muniz. O social irradiado: violência urbana, negrotesco e mídia. São Paulo:Cortez, 1992, p. 117.

7 Idem, p. 122.8 PINSKY, Carla Bassanezi e PINSKY, Jaime (org.). Faces do Fanatismo. São Paulo:

Contexto, 2004, p. 147.

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A esfera pública do ódio: um mal a ser combatido

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homossexuais e petistas. Logo no começo dareunião, o senhor Paulo Fernando Costa, chefede gabinete do deputado federal Elimar MáximoDamasceno (PRONA), distribuiu um texto decinco folhas de sulfite com o título: “Seguerelação dos projetos de Lei em tramitação noCongresso de interesse da vida e família.Favor divulgar!!!”. Dentre esses projetoshavia alguns de interesse da comunidade dehomossexuais como, por exemplo, permitirvisita íntima para os presos independente deorientação sexual, instituir o dia Nacional doOrgulho Gay e da Consciência Homossexual epermitir a união estável entre homossexuais...

Após a distribuição dessa relação, o senhorPaulo Costa atentou os membros para umdetalhe: - Vocês podem reparam que a maioriados projetos é do pessoal do PT. Logo, oscomentários não demoraram a surgir. - Onde éque vamos parar? Isso é um absurdo! Onde já seviu gay casar? Daqui a pouco eles vão quererque os gays tenham filhos!... Mas, ocomentário mais interessante veio de um rapazque estava sentado numa cadeira de plástico nocantinho da sala, que passaria desapercebidose não fosse por isso: - É mais uma palhaçada

dessas bichas do PT!!!!!!

De acordo com Tucci, alguns neonazistas têm o aval de grupose até de partidos de extrema-direita, como o PRONA, colocandoem risco a democracia.

Endossado por grupos, partidos e organizações contemporâneasde extrema-direita e ultradireita, o neonazismo coloca em perigonossas conquistas democráticas, ainda frágeis e em processo deafirmação. Partidários sustentam um discurso nacionalista e racistafundado no culto à violência, no autoritarismo, na oposição àdemocracia e ao pluralismo racial. São fanáticos que se dizem donosda verdade e investem energias em prol de um líder forte e de umEstado protetor (...). Não por acaso têm composto alianças compartidos neofascistas como a Frente Nacional, na Franca (...); aKu Klux Klan, nos Estados Unidos; o Partido de Reedificação daOrdem Nacional – Prona, no Brasil.9

9 Idem, p. 135.

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A esfera pública do ódio no Brasil

PRONA

Criado em 1990, oPartido da Reedifica-ção da Ordem Nacional(PRONA) é lideradopelo deputado federalEnéas Carneiro. Seucódigo eleitoral é o 56e suas cores são overde e o amarelo. Opartido é favorável aum nacionalismo ex-tremista, proclaman-do-se independentedas correntes políticastradicionais. Apesardisto, muitos críticosconsideram-no umrepresentante daextrema-direita e deinfluências nazi-fascistas no Brasil. Opartido é bastanteconhecido por suasposições em assuntospolêmicos, como, porexemplo, a defesa dapesquisa nuclear comobjetivos bélicos.

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DIÁRIO

Deputado Integralista

Em uma das minhas visitas às reuniões dosintegralistas na Casa de Plínio Salgado,encontrei o assessor de gabinete do deputadofederal Elimar Máximo Damasceno (PRONA), PauloCosta, que é integralista. Aproveitei paraconversar com ele a respeito de uma possívelentrevista com o deputado.

A certa altura da conversa:

- Sr. Paulo, será que o senhor conseguiriaagendar uma entrevista com o deputado Elimar?

- Ah, sim! Pegue o meu cartão e me ligue.- Pode deixar, vou ligar para marcarmos.

Obrigado!

Tinha conseguido o contato para aentrevista. Estava contente pelo feito, quandoo senhor Paulo Costa vira para mim e diz:

- Mas o deputado sou eu! Eu que dou as

diretrizes. Ele só aperta o botão!

Crise socialUma questão relevante, quando se fala em racismo e no

ressurgimento de grupos e facções que seguem as idéiasimplantadas pelos regimes nazi-fascistas, é a teoria na qual a crisesocial e econômica é posta como o fator principal para odesenvolvimento da intolerância.

No Brasil, a falta de perspectiva para os jovens é defendidacomo um agravante desse crescimento. Para o fundador doMovimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) e doMovimento Popular Anti-Racismo (MOPAR), Jair Krischke, oBrasil é um país de jovens que estão vivendo um grave momentode falta de perspectivas. – Um diploma de 3º grau já não é maisgarantia de emprego. O mercado de trabalho cada vez se apequenamais. Aí, frente a propostas que sugerem caminhos, por mais absurdosque sejam, e apontam os responsáveis pelo status quo, um número dedesavisados adere a doutrinas esdrúxulas. No caso, tanto osneonazistas, como também os grupos fascistas nacionalistas.

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JAIR KRISCHKE

Nascido em PortoAlegre (RS), aos 15 deoutubro de 1938. Em1979 funda oMovimento de Justiçae Direitos Humanos(MJDH). Em 1984,criou o “PrêmioDireitos Humanos deJornalismo”, que nocorrente ano de 2005,levará a efeito suaXXIIª edição. Foitambém um dosfundadores Movimen-to Popular Anti-Racismo (MOPAR)em 1989. É um dosprincipais ativistaspelos Direitos Huma-nos na América doSul. Em 1989, iniciouo combate com Sieg-fried Ellwanger (S.E.Castan) na justiça,acusando-o de racis-mo. Em 1996, S.E.Castan foi condenadopor crime de racismo.

A esfera pública do ódio: um mal a ser combatido

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Para o sociólogo Túlio Kahn, o clima político e econômico dopaís fornecem o caldo propício para esse tipo de manifestação deódio e intolerância.

Como nos é sugerido pelo renascimento dos gruposneonazistas na Alemanha e outros países europeus, os setoresda população mais afetados pela crise econômica podem fornecero apoio para as ideologias autoritárias. Nestas ocasiões de crise,certas minorias são responsabilizadas pelos acontecimentos.Tanto na Europa quanto aqui, é provável que exista uma ligaçãoentre desemprego e esse tipo de movimento.10

A promotora pública do Fórum de Brás Cubas, distrito de Mogidas Cruzes, Patrícia Linn Bianchi, também tem a mesma opiniãoa respeito das causas dessa intolerância. De acordo com apromotora que cuida do processo no episódio dos garotos do trem,a imaturidade dos jovens aliada à crise moral que o país atravessasão motivos para tal crescimento. – Não há uma boa perspectivapara o jovem não só em termos de emprego, mas também da vida mesmo.Eles não sabem o que vão fazer da vida, quais caminhos seguir. Estãoperdidos.

Apesar disso, a promotora vê com radicalismo o que ela chamade “culto ao determinismo social”, como sendo uma desculpa paratodos os males da sociedade. Segundo Bianchi, as pessoas quepertencem a grupos racistas têm algo de violento dentro de si enão são somente um reflexo do meio. – Ninguém vira preconceituosode um dia pro outro(...). Isso é um sinônimo de mente e sociedadedoentes.

Não obstante, alguns dos entrevistados concordam que o Brasilnão oferece um ambiente propício para o desenvolvimento degrupos ou facções que adotam a intolerância e o ódio como formade ação. Segundo o presidente da Congregação Israelita Paulista(CIP), rabino Henry Sobel, não existe um clima favorável aos“carecas”, sendo a desinformação da população o principal perigo.– Eu acho que no Brasil esses grupos de carecas tem a tendência deaparecer e desaparecer. Não são grupos organizados, de acordo comas nossas informações. São grupos que agem individualmente, nempor isso são menos perigosos. Mas não existe uma infra-estrutura. Eu

10 KAHN, Túlio. Ensaios sobre Racismo – Manifestações modernas do preconceito nasociedade brasileira. São Paulo: Conjuntura, 1999, p. 67.

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acho que o Brasil não tem um ambiente propício para a organizaçãode skinheads, eu acredito que no Brasil o perigo é a desinformação dapopulação. Isso pode levar conseqüências no futuro se um dia houverum movimento organizado. Por enquanto, são incidentes esporádicos.

De acordo com a promotora Patrícia, mesmo que o país nãoseja fértil para esses grupos é preciso atentar-se. – Não somosculturalmente propícios para o surgimento desses grupos organizados.Culturalmente não somos férteis para esse tipo de grupo, mas é pra sealarmar sim! Justamente para que não se alastrem.

O sociólogo Sérgio Paulo Rouanet, em um artigo especial parao jornal Folha de S.Paulo11, discorre sobre a intolerância em suasdiversas manifestações. Vamos simular uma entrevista com o textode Rouanet na tentativa de esclarecer as causas dessa intolerânciae desse ódio que permeiam a esfera pública.

(Virtual) Quais são as principais causas da intolerância?Uma delas se enraíza na própria natureza humana. Essa naturezaexiste, por mais que um longo condicionamento marxista tenhanos habituado a reduzi-la ao “conjunto das relações sociais”.Somos descendentes remotos de um australopiteco que há algunsmilhões de anos fazia parte de uma horda, em algum lugar daÁfrica, e marcava com urina os limites do seu território, para queele não fosse invadido pela horda rival. Essa herança aindasobrevive em todos nós e aparece sem nenhuma censura nassociedades ditas primitivas, que reservam para sua própriacomunidade o atributo de “homens”, enquanto as demais sãoconstituídas por “não-homens”(...). Sobrevalorizamos nosso grupo- e somos intolerantes com a alteridade. Essas tendências são meraspropensões, e não condicionamentos. Elas podem traduzir-se,contudo, em comportamentos objetivamente intolerantes se foremreforçadas por fatores externos.

E quais seriam esses fatores externos que poderiam agravaras manifestações de intolerância? Entre estes, há fatores sociais,que incluem, do ponto de vista das classes baixas, a miséria, odesemprego, a ignorância, a perda de identidade resultante damigração das áreas rurais para a cidade; do ponto de vista das

11 Fonte: Folha de S.Paulo do dia 9 de fevereiro de 2003, Caderno Mais, disponível emhttp://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u8408.shtml, acessado em 14 de maio de2005.

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A esfera pública do ódio: um mal a ser combatido

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classes médias, a insegurança econômica, o medo de pauperização,do “déclassement”; e, do ponto de vista da sociedade como umtodo, o bombardeio ideológico da indústria cultural e a erosãodos valores tradicionais em conseqüência do processo deglobalização. Assim, além das causas gerais de intolerância hácausas diferenciadas por classes sociais.

Percebe-se que alguns fatores coexistem na formação e nadifusão da intolerância e do ódio presentes na manifestação degrupos marginalizados como os “carecas”. Por meio de uma esferapública esses “conceitos” foram sendo divulgados. Mas por quaismeios? Diversos. Desde um simples “cartaz” colado em um poste,passando por livros, fanzines e correspondências, até chegar nacooptação pessoal. Mas, sem dúvida, com o advento da Internetas idéias que essa esfera pública formula se propagaram comextrema velocidade.

Esfera pública do ódio através da “rede”

Odiamos tudo e a todos que não são próprios de nossa amadapátria. Exaltamos a xenofobia ao extremo, pois não queremos nosmisturar com esses malditos estrangeiros e a sua cultura inferior.Fora estrangeiros de merda!!!!! Fora da nossa amada pátria!!!!!ANAUÊ PELO BRASIL!!!!!

Essa frase foi extraída de um sítio da Internet chamado Orkut.Nele, há diversas páginas pessoais e comunidades referentes avários temas. O texto descrito acima é de um garoto chamadoFernando Guerra12, de 20 anos, que se auto-intitula integralista eextremamente xenófobo, diz ler os livros de Plínio Salgado e sermuito conservador. Nesse sítio é possível filiar-se a algumascomunidades que são criadas pelos próprios usuários. Guerra émembro de setenta e duas comunidades, e algumas delas revelamsuas afinidades:

12 Página pessoal de “Guerra Fernando” no sítio do Orkut, disponível em http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=909581481117273490, acessada em 29 de outubro de 2005.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Orkut

Comunidade virtualcriada em 2004 com oobjetivo de ajudarseus membros a criarnovas amizades emanter relacionamen-tos. Seu nome éoriginado no projetis-ta chefe, OrkutBüyükkokten, enge-nheiro do sítioGoogle. No Orkut, ousuário se cadastra emdiversas comunidadesvirtuais, cria álbunsde fotografias eadiciona amigos. Osistema possui maisde dez milhões deusuários cadastradosem todo o mundo. OBrasil é o país com omaior número demembros, superandoinclusive os EUA.Mais de 75% dosusuários do sistema,quase sete milhões emeio, são brasileiros.Hoje, o sítio ébastante usado parapropagar o racismo eintolerância, uma vezque não existecontrole das informa-ções divulgadas.

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Integralismo e Nacionalismo – “Essa comunidade tem a funçãode promover a integração de todos nacionalistas, integralistas esimpatizantes do movimento”.

Enéas Carneiro Presidente 2006 – “Comunidade das pessoasa favor da eleição do Deputado Dr. Enéas Carneiro para presidenteem 2006”.

Ação Integralista Brasileira – “Por um Brasil Melhor! Forado Integralismo não há Nacionalismo!”.

Ultraviolência – “Essa comunidade é para todos aqueles quesentem prazer em brigar não importando o motivo, esse é seu espaçopara falar sobre o que quiser sinta a vontade e seja bem vindo!”.

Carecas Integralistas – “Comunidade destinada aos carecasintegralistas”.

Quero ser um terrorista – “Se você quer ser um terrorista enão sabe como... Entre nessa comunidade!”.

Volta C.C.C.! – “Para aqueles que não suportam ter de engoliresse bando de vermelhos no poder do País. Para todos aqueles quenão agüentam mais ver esta corja que, com ideais falsos estãomanipulando a nossa sociedade através de nossas escolas euniversidades. E para aqueles que acreditam que a única soluçãopara isso seria a implantação de um regime militar realmente dedireita!”.

Extrema direita – Ordem Nacional – “Está cansado de vivernuma nação insolente? Dominada por marginais, drogas e pedintes?Cansado de ver a parada gay, pois isso não é um bom exemplo ásfuturas gerações? Você que quer ver o Brasil soberano e mesmoque para isso seja necessário sangue e morte. Seja Bem Vindo!”.

Percebe-se que a página pessoal de Guerra é um indicativo daexistência dessa esfera pública do ódio na Internet. As comunidadesa que ele se filiou revelam que as idéias nacionalistas, xenófobase conservadoras dos grupos que analisamos – Integralismo e Carecasdo Subúrbio – se propagaram ao longo do tempo, até chegarem àrede mundial de computadores.

Essa esfera pública “virtual” é de fácil verificação. Apenasalguns minutos frente ao computador e................ Páginas e maispáginas que pregam o ódio e a intolerância contra determinadosalvos são encontradas. Não é preciso muito esforço.

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CCC

O Comando de Caçaaos Comunistas (CCC)foi uma organizaçãode estudantes eintelectuais de direitaque, durante o Regi-me Militar no Brasil(1964 – 1985), supos-tamente agiram emfavor da ditadura,denunciando ativida-des e pessoas contrá-rias ao governo. Foiresponsável por váriosatentados, como adestruição do TeatroRuth Escobar e oespancamento dosatores da peça RodaViva, em 1968. Aorganização tambémesteve envolvida noseventos que levaramao conflito da RuaMaria Antônia, em1969, entre osestudantes da Univer-sidade Mackenzie e osalunos da Faculdadede Filosofia, Letras eCiências Humanas daUniversidade de SãoPaulo (USP).

A esfera pública do ódio: um mal a ser combatido

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A censura inexiste. Alguns teóricos como Pierre Lévy defendemque a Internet veio revolucionar as estruturas sociais e o modo deinteração entre as pessoas e que ela não pode ser contida. SegundoLévy, os modos de produção da informação já não são mais osmesmos. Ele adota o termo segundo dilúvio para explicar essa“revolução comunicacional”.

Os contatos transversais entre os indivíduos proliferam de formaanárquica. É o transbordamento caótico das informações, ainundação de dados, as águas tumultuosas e os turbilhões dacomunicação, a cacofonia e o psitacismo ensurdecedor das mídias.13

De acordo com o sociólogo e cientista político Túlio Kahn, afalta de controle dos conteúdos que circulam na Internet é umbenefício para aqueles que propagam o racismo.

As teorias otimistas fabricadas pelos ideólogos da grandeindústria da informática minimizam o uso da Internet por gruposracistas e extremistas que, atualmente, agem sem qualquer restriçãoda Rede. Mesmo conteúdos que ferem leis nacionais e internacionaiscontra o racismo e a intolerância possuem livre trânsito. Textosque negam o Holocausto; que afirmam a inferioridade “natural”de negros, nordestinos ou homossexuais; que pedem a expulsão deestrangeiros de um Estado; ou que clamam pela reabilitação doNazismo, podem ser acessados em minutos, com uma facilidade edescrição que nenhum outro meio de comunicação massivo – atualou antigo – possui. A Internet é, hoje, a mídia mais perigosa.14

Sem o devido controle, a Internet se transforma em um imensoespaço público de criação e propagação do ódio. Segundo JosimasRamos, membro do movimento anarco-punk de São Paulo, - aInternet é fácil porque todo mundo fala o que quer sem olhar nos olhos.Josimas relatou um episódio em que um garoto criava e respondiamensagens incitando o ódio entre grupos rivais. – A gente rastreouo cara e a gente descobriu que ele é o mesmo que escreve, ele é omesmo que responde. O cara tem 18 anos, sabe, tá perdendo a vidadele inteira sentado na Internet.

13 LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2000.14 KAHN, Túlio. Ensaios sobre Racismo – Manifestações modernas do preconceito na

sociedade brasileira. São Paulo: Conjuntura, 1999, p. 58.

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Casos como esse acontecem e a tendência é acontecer cadavez mais se não houver um instrumento de controle, pois aquantidade de mensagens e páginas da Internet que contémconteúdos racistas é mesmo grande. Para se ter uma idéia, emuma rápida busca no Orkut encontramos 17 comunidades criadaspara abrigar as discussões de diversas facções de “carecas” pelopaís.

Aliás, durante essa pesquisa, pudemos perceber um númeroelevado de “carecas” que se filiaram a alguma comunidadereferente ao Integralismo, e vice-versa. Tem até uma comunidadededicada aos “Carecas integralistas”. É mais uma prova daexistência de relacionamento entre seus membros e, mais, é aconfirmação de que a esfera pública do ódio se adaptou às novastecnologias, como a Internet.

Essa falta de controle das mensagens ou materiais, comconteúdos racistas, divulgados pela Internet é criticada pelopresidente da Congregação Israelita Paulista (CIP), Henry Sobel.De acordo com o rabino, a mesma democracia que oferece aliberdade para os homens, oferece a liberdade para a propagaçãodo ódio. – O problema na Internet é muito grande! Porque, assimcomo a democracia oferece oportunidades de liberdade, também ofereceas mesmas liberdades para propagar ódio. E a Internet é um instrumentopor excelência. É muito difícil controlar o anti-semitismo, o racismo,o ódio via Internet.

Sobre essa questão, Henry Sobel diz que já realizou um trabalhoem conjunto com a Agencia Brasileira de Informações (ABIN),mas o resultado não foi satisfatório. – Tivemos realmente duaspessoas lá trabalhando para controlar as origens das mensagens, masinfelizmente hoje não existe tal estrutura. A comunidade judaica sóreclama quando existe tal manifestação, mas é muito difícil controlar(...). Houve realmente uma solução provisória, mas não satisfatória.

Segundo a promotora pública Patrícia Linn Bianchi, é muitodifícil lidar com esses crimes de racismo através da Internet, poissão crimes novos, que a justiça brasileira ainda não aprendeu acombater. – Esses crimes da era digital são tão danosos à sociedadequanto os crimes normais. Ainda, segundo Bianchi, não há uma leiespecífica no país que reja a divulgação de mensagens racistas epreconceituosas pela da Internet, porém o crime é o mesmo. – Sevocê conseguir identificar o autor da mensagem racista você podeprocessá-lo por crime de racismo, sim! O crime é o mesmo. Só muda o

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Abin

A Agência Brasileirade Inteligência (Abin)é o serviço de Inteli-gência civil do Brasil.A função principal daAbin é investigarameaças reais epotenciais à sociedadee ao governo brasilei-ros e defender oestado democrático delei, a soberania nacio-nal e a eficácia dopoder público. Foicriada por decreto dopresidente FernandoHenrique Cardoso em1997. A AgênciaBrasileira de Inteli-gência é a sucessorado famigerado Servi-ço Nacional deInformações (SNI),que durante a ditaduramilitar foi o responsá-vel, através do DOI-CODI, pelas prisões,torturas e assassinatoscontra os adversáriosdo governo.

A esfera pública do ódio: um mal a ser combatido

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instrumento de divulgação da mensagem. A Internet é só um instrumentopara divulgar a mensagem racista.

Assim, apesar dos avanços da justiça com relação aos crimesde racismo no país, ainda há muito a ser feito. Os usuários divulgamas suas mensagens racistas através da Internet com surpreendentevelocidade. O ódio e a intolerância flutuam pela “rede” comliberdade, até que venha alguém para capturá-los.

A esfera pública do ódio, verificada desde o advento domovimento integralista no país, encontrou uma nova forma dedivulgação das suas idéias. Páginas integralistas e de “carecas”são fáceis de serem visitadas. Os blog’s, correios eletrônicos eaplicativos de conversa instantânea facilitam a troca deinformações racistas e preconceituosas.

Os conceitos de espaço e tempo também se modificaram coma chegada da Internet. A distância entre um nazista na Alemanha eum neonazista brasileiro já não existe mais. Eles podem trocarinformações e materiais de cunho racista por meio de umcomputador, em seus quartos, sem serem importunados ouvigiados. Os documentos e textos de anos atrás, antes encontradosapenas em Centros Documentais ou Bibliotecas, hoje estãodisponíveis em diversos sítios, é só buscar o assunto que vocêquiser e pronto!

Portanto, a esfera pública do ódio e da intolerância ganhou umaliado importante na difusão de suas idéias. Os diversos gruposque compartilham das mesmas opiniões racistas e preconceituosasdifundem-nas com maior abrangência e rapidez. É preciso criarmecanismos de controle para que essas mensagens não façam umestrago ainda maior.

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A esfera pública do ódio no Brasil

Blog

Termo criado pelaabreviação da uniãodas palavras inglesasWeb (rede) e Log(diário de bordo). Naversão básica é,portanto, um diárioeletrônico publicadovia Internet. Similar aum sítio, sua populari-dade se deve a doisfatores: facilidade nomanuseio e possibili-dade de interativida-de. Para criar e manterum blog não sãonecessárias lingua-gens de programaçãonem códigos compli-cados. Basta preen-cher um formuláriocom o texto a serpublicado, e clicarsobre o botão “publi-car”. E pronto, o textojá está na rede.Estima-se que hojeexistam cerca de 1milhão de adeptos deblogs no mundo,sendo que 60 milvivem no Brasil.

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Considerações finais

Terça-feira, 11 de outubro de 2005.

19 horas e 30 minutos. Começa a confraternização dos membrosintegralistas na “Casa de Plínio Salgado”. É a comemoração doaniversário de fundação da “Casa”. Não que eu soubesse, mas adata marcaria também minha última visita de observação dosintegralistas. Salgadinhos, bolos, tortas, amendoins, refrigerantes...Tudo conforme manda o figurino. Na realidade, eu estava lá paraentrevistar o senhor Anésio de Lara Campos Junior. Com 76 anosde idade era um dos mais velhos membros do movimento e compossíveis ligações com grupos contemporâneos de “carecas”.

Enquanto aguardava a chegada do meu entrevistado comecei aconversar com os outros militantes que ali estavam. Como dasoutras duas vezes em que marquei a entrevista com o senhorAnésio, ele não compareceu. Já estava frustrado por não conseguiro depoimento dessa “peça” fundamental para o meu trabalho. Maisalguns minutos e toc, toc, toc, toc, toc.... Era o barulho de umsapato ao entrar em contato com o piso de taco da antiga sala dereuniões. Como estava próximo à porta fui o primeiro a sercumprimentado. Era um homem de óculos, mais ou menos 35anos, 1,85 de altura, um pouco forte e...........................................careca!!!!!!!!!

Aquele homem me despertou a curiosidade. Seria ele ummembro de alguma facção de “carecas” ou mera coincidência?Continuei conversando...

Não conseguia parar de pensar nisso. Meu instinto de repórterme empurrava a conversar com ele. Pouco tempo depois, Lucas,neto do presidente do movimento integralista, vem até mim, apontapara aquele homem e diz: - Se eu fosse você falaria com ele. Eu acho

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que ele vai te ajudar! Meu instinto estava certo. Na primeira brechaque tive me aproximei dele. Conversava com o professor Carvalhojustamente sobre os Carecas do Subúrbio. Era a minha deixa...

Falamos por quase uma hora. Somente nós dois. Informalmente,pois não podia gravar a conversa naquele momento. E.M. tinha34 anos e militou nos Carecas do Subúrbio durante as décadas de80 e 90, no auge do movimento. Com sua banda de música punk,presenciou toda a história dos “carecas”. Era a sua segunda visitaàs reuniões integralistas. Aos 45 minutos do segundo tempo era aprova cabal que comprovava a existência dessa esfera pública eque ela permeava esses dois grupos. Não que precisasse dela....

Mas até conseguir essa última prova, que confirmaria a teseque permeou toda a pesquisa realizada, muita água rolou por baixoda ponte. Foi um trabalho complexo, do ponto de vista da temáticaproposta, porém desafiador como aprendizado.

Todo conhecimento absorvido durante os quatro anos de vidaacadêmica foi empregado nesse livro. Desde a simples formulaçãode uma pauta até provar dos dilemas éticos que o exercíciojornalístico implica, as etapas de construção de uma reportagemforam cumpridas.

As pesquisas bibliográficas e virtuais foram fundamentais parase conhecer o “caminho das pedras”, pois tinha uma noção bemreduzida do movimento integralista e dos “carecas”. Quando olheio cartaz colado em um poste da rua Bresser, em São Paulo,anunciando o 1º Congresso do Movimento Integralista Brasileiro parao século XXI, aquilo me instigou. Seria um ótimo tema para umlivro-reportagem: o ressurgimento do Integralismo no país.

Aprofundando as pesquisas, encontrei diversos indícios de umapossível relação entre integralistas e “carecas”. As investigaçõespor meio da Internet e dos livros estavam a todo vapor. Começavaa perceber que a temática do trabalho poderia ser mais ampla doque imaginava. Haveria uma esfera pública do ódio no país quepermitiria a integralistas e “carecas” se relacionar? Para responderessa pergunta seria preciso ir a campo...

Passei nove meses acompanhando as reuniões do MovimentoIntegralista Brasileiro (MIB) na “Casa de Plínio Salgado”. Foicomo a gestação de uma criança. Tive alguns momentos de tensão,outros de incertezas; às vezes de medo e muitos de adrenalina.

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Aliás, ela correu em minhas veias durante todo esse período. Acada visita, descobria novos indícios da existência dessa esferapública do ódio. A cada entrevista, encontrava pistas que melevavam na direção certa.

A opção de não realizar uma observação presencial do “carecas”foi tomada no sentido de preservar a minha integridade física,uma vez que a utilização da violência é uma constante entre osseus adeptos. Mais adiante, perceberia que a decisão tomada foi amais correta, pois o contato com os “carecas” viria de acordo comque o relacionamento com os integralistas avançasse. Não serianecessário me expor. Mesmo assim, tive a felicidade de entrevistardois ex-membros da facção Carecas do Subúrbio, que tiveramgrande influência na formação do movimento “careca” no país.

O cruzamento das informações obtidas foi essencial para oavanço da reportagem. Através dele, pude expandir a visãoprovinciana que tinha no início. Todo o trabalho de camporealizado me deu um grande leque de dados e informações paraanalisar. Muitas foram as confirmações, algumas as contradições.Era a minha “ruptura epistemológica”.

Também tive que fazer algumas escolhas. A seleção das fontesque haviam sido levantadas foi uma delas. Foram muitas astentativas de entrevistar pessoas “de peso” ligadas ao tema.Algumas vingaram, outras nem tanto, mas todas que aqui estãosão de total confiança e respeito.

Já possuía informações necessárias para começar o processode descrição dos fatos, porém não queria realizar um trabalhomediano e comum. Era preciso inovar. Decidi disponibilizar ovasto material pessoal recolhido nesses nove meses através deum “diário”. As minhas impressões, idiossincrasias e opiniõesestão nele expressas. Também, achei necessário relatar alguns fatosque aconteceram durante o meu trabalho de campo. Sãoocorrências que acrescentam informações relevantes para o leitore podem ajudá-lo na interpretação do trabalho.

Outro recurso utilizado foi o emprego de box’s nas laterais daspáginas. Eles foram pensados como uma forma de contextualizaras informações contidas no texto, porém sem poluí-lo com muitosdados. Esses dois expedientes, junto ao texto dissertativo,compuseram os três níveis de linguagem encontrados nesse livro,a saber: a linguagem pessoal, histórica e factual.

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Considerações finais

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Todo esse processo da práxis jornalística pela qual passei, mepossibilitou chegar nessa última etapa do trabalho com a sensaçãode dever cumprido. A interpretação dos dados está baseada emdocumentos, fatos e depoimentos obtidos durante a trajetória deum aluno que se fez repórter. Mesmo que a tese proposta não seconfirmasse, a caminhada intelectual valeria todo o esforçodispensado. Mas ela se confirmou..........

A existência de uma esfera pública do ódio fez-se verificada. Adoutrina integralista fundada por Plínio Salgado, em 7 de outubrode 1932, foi a precursora de um sistema de idéias que propaga aintolerância contra o “diferente”. Criada no bojo do Fascismoitaliano, ela se apropriou de alguns conceitos propostos por essadoutrina e adaptou-os ao Brasil. Mesmo decretado o fim da AçãoIntegralista Brasileira (AIB), em 1938, as idéias que ela propunhae defendia continuaram a rondar a mente daqueles que se valiamdos mesmos propósitos. Durante muitos anos ela permeou essaesfera pública, na qual grupos contemporâneos como os Carecasdo Subúrbio puderam compartilhar do mesmo pensamento.

Apesar da distância temporal que existe entre esses doismovimentos, seus membros puderam – e podem – se relacionardevido a essa esfera, que serve de palco para aqueles que difundemconceitos compatíveis, como o chauvinismo, a xenofobia, o anti-semitismo e a homofobia. A conjunção das idéias odiosas eintolerantes contra determinados grupos ainda brotava de fontesvivas, como o senhor Anésio, por exemplo.

Foi através das entrevistas, que consegui entender a conexãoque existe entre eles. Além das idéias análogas que perpassa osdois grupos, a relação de proximidade entre alguns personagenssó pôde ser percebida por meio da observação presencial. Ela nãoestá presente nos livros de Plínio Salgado, por mais que eles sejamum instrumento de aproximação entre os grupos.

Os nove meses que passei visitando as reuniões do MovimentoIntegralista Brasileiro (MIB) me credenciaram a corroborar que,mesmo se nunca presenciasse algum tipo de relação entreintegralistas e “carecas”, existe uma esfera pública que permeiaambos. Há um conjunto de idéias semelhantes que vem sendodifundidas desde o advento da doutrina integralista no país. Sãoidéias que não se aboliram com o tempo. Não importava obter

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uma “prova” da relação interpessoal entre integralistas e “carecas”.Ela veio, mas não seria necessária tê-la.

Todo o trabalho de campo realizado nos permitiu conhecer umpouco mais sobre esses dois movimentos. Assim, dizer que elessão grupos organizados e com uma estrutura de ação conjuntaseria uma inverdade. As contradições, desorganização e brigasinternas são comuns, mas isso não significa que não exista coesãode pensamento entre seus membros. As suas idiossincrasias nãocomprometem a continuidade dessa esfera pública que prega oódio.

O conservadorismo talvez seja a principal característica dosadeptos dessa esfera. Isso vale tanto para os integralistas comopara os “carecas”. Era impressionante ver um garoto de 20 anos,como conheci nas reuniões integralistas, propagando idéias tãoreacionárias. A não aceitação da diversidade seja ela política,religiosa ou sexual, está fundamentada em conceitos conservadoresdisseminados por movimentos como o Integralismo e os Carecasdo Subúrbio. O chauvinismo, que por vezes torna-se xenófobo; ahomofobia; o anti-semitismo; a discriminação e o racismo...

A priori, esse livro tinha a intenção de demonstrar como secriou essa esfera pública do ódio e da intolerância, desde osurgimento do Integralismo até os Carecas do Subúrbio. Mas percebique ele tem uma função social que está acima da tese proposta.

Ele é um alerta para a sociedade que ainda não percebeu agravidade dessa esfera. A luta contra essas manifestaçõesintolerantes faz-se necessária, assim como o direito ao “diferente”e a garantia da alteridade devem ser uma constante. É preciso quea sociedade conheça as causas dessa esfera e ajude a combatê-las.Se, ao seu final, conseguir que esses objetivos sejam cumpridos,o autor já se dará por satisfeito.

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Considerações finais

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Anexos

MANIFESTO DE OUTUBRO DE 1932

- À Nação Brasileira

- Ao operariado do país

e aos sindicatos de classe

- Aos homens de cultura e pensamento

- À mocidade das escolas e das trincheiras

- Às classes armadas!

1. CONCEPÇÃO DO UNIVERSO E DO HOMEM

Deus dirige o destino dos povos. O Homem deve praticar sobre a terra as virtudes que o elevam e o aperfeiçoam.O homem vale pelo trabalho, pelo sacrifício em favor da Família, da Pátria e da Sociedade. Vale pelo estudo, pelainteligência, pela honestidade, pelo progresso nas ciências, nas artes, na capacidade técnica, tendo por fim o bemestar da Nação e o elevamento moral das pessoas. A riqueza é bem passageiro, que não engrandece ninguém, desdeque não sejam cumpridos pelos seus detentores os deveres que rigorosamente impõe, para com a Sociedade e a Pátria.Todos podem e devem viver em harmonia, uns respeitando e estimando os outros, cada qual destinguindo-se nas suasaptidões, pois cada homem tem uma vocação própria e é o conjunto dessas vocações que realiza a grandeza daNacionalidade e a felicidade social.

Os homens e as classes, pois, podem e devem viver em harmonia. É possível ao mais modesto operário galgar umaelevada posição financeira ou intelectual. Cumpre que cada um se eleve segundo sua vocação. Todos os homens sãosusceptíveis de harmonização social e toda superioridade provém de uma só superioridade que existe acima doshomens: a sua comum e sobrenatural finalidade. Esse é um pensamento profundamente brasileiro, que vem das raízescristãs da nossa história e está no íntimo de todos os corações.

2. COMO ENTENDEMOS A NAÇÃO BRASILEIRA

A Nação brasileira deve ser organizada, uma, indivisível, forte, poderosa, rica, prospera e feliz. Para issoprecisamos de que todos os brasileiros estejam unidos. Mas o Brasil não pode realizar a união intima e perfeita de seusfilhos, enquanto existirem Estados dentro do Estado, partidos políticos fracionando a Nação, classes lutando contraclasses, indivíduos isolados, exercendo a ação pessoal nas decisões do governo; enfim todo e qualquer processo de

Anexo 1

Segue abaixo, o Manifesto de Outubro de 1932 na íntegra. Por meio desse ma-nifesto, Plínio Salgado idealizou o surgimento da doutrina integralista no país. Eleé importante para analisar quais propostas o Integralismo propunha para o Brasil.

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divisão do povo brasileiro. Por isso, a Nação precisa de organizar-se em classes profissionais. Cada brasileiro seinscrevera na sua classe. Essas classes elegem, cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nosCongressos Provinciais e nos Congressos Gerais. Os eleitos para as Câmaras Municipais elegem o seu presidente e oprefeito. Os eleitos para os congressos Provinciais elegem o governador da província. Os eleitos para os CongressosNacionais elegem o Chefe da Nação, perante o qual respondem os ministros de sua livre escolha.

3. O PRINCÍPIO DE AUTORIDADE

Uma Nação para progredir em paz, para ver frutificar seus esforços, para lograr prestigio no Interior e no Exterior,precisa ter uma perfeita consciência do Principio de Autoridade. Precisamos de Autoridade capaz de tomar iniciativasem beneficio de todos e de cada um; capaz de evitar que os ricos, os poderosos, os estrangeiros, os grupos políticosexerçam influencia nas decisões do governo, prejudicando os interesses fundamentais da Nação.

Precisamos de hierarquia, de disciplina, sem o que só haverá desordem. Um governo que saia da livre vontade detodas as classes é representativo da Pátria: como tal deve ser auxiliado, respeitado, estimado e prestigiado. Nele deverepousar a confiança do povo. A ele devem ser facultados os meios de manter a justiça social, a harmonia de todas asclasses, visando sempre os superiores interesses da coletividade brasileira. Hierarquia, confiança, ordem, paz, respeito,eis o de que precisamos no Brasil.

4. O NOSSO NACIONALISMO

O cosmopolitismo, isto é, a influencia estrangeira, é um mal de morte para o nosso Nacionalismo. Combatê-lo é onosso dever. E isso não quer dizer má vontade para com as Nações amigas, para com os filhos de outros países, queaqui também trabalham objetivando o engrandecimento da Nação Brasileira e cujos descendentes estão integradosem nossa própria vida de povo. Referimo-nos aos costumes, que estão enraizados, principalmente em nossa burguesia,embevecida por essa civilização que esta periclitando na Europa e nos estados Unidos. Os nossos lares estão impregnadosde estrangeirismo, as nossas palestras, o nosso modo de encarar a vida, não são mais brasileiros. Os brasileiros dascidades não conhecem os pensadores, os escritores, os poetas nacionais. Envergonham-se também do caboclo e donegro de nossa terra. Adquiriram hábitos cosmopolitas. Não conhecem todas as dificuldades e todos os heroísmos,todos os sofrimentos e todas as aspirações, o sonho a energia, a coragem do povo brasileiro. Vivem cobri-lo de baldõese de ironias, a amesquinhar as raças de que proviemos. Vivem a engrandecer tudo o que é de fora, desprezando todasas iniciativas nacionais. Tendo-nos dado um regime político inadequado, preferem diante dos desastres da Pátria,acusar o brasileiro de incapaz. Cépticos, desiludidos, esgotados de prazeres, tudo o que falam esses poderosos ouesses grandes e pequenos burgueses, destila um veneno que corrói a alma da mocidade. Criaram preconceitos étnicosoriginários de países que nos querem dominar. Desprezaram todas as nossas tradições. E procuram implantara aimoralidade de costumes. Nós somos contra a influencia perniciosa dessa pseudo-civilização, que nos quer estandardizar.E somos contra a influencia do comunismo, que representa o capitalismo soviético, o imperialismo russo, que pretendereduzir-nos a uma capitania. Levantamo-nos, num grande movimento nacionalista, para afirmar o valor do Brasil e detudo que é útil e belo no caráter e nos costumes brasileiros; para unir todos os brasileiros num só espírito: o tapuioamazônico, o nordestino, o sertanejo das províncias nortistas e centrais, os caiçaras e piraquaras, vaqueiros, calús,capichabas, calungas, paroáras, garimpeiros, boiadeiros e tropeiros de Minas, Goiás, Mato Grosso; colonos, sitiantes,agregados, pequenos artífices de São Paulo; ervateiros do Paraná e Santa Catarina; os gaúchos dos pampas; ooperariado de todas as regiões; a mocidade das escolas; os comerciantes; industriais, médicos, os advogados, osengenheiros, os trabalhadores de todas as vias-férreas; os soldados, os marinheiros – Todos os que ainda tem nocoração o amor de seus maiores e o entusiasmo pelo Brasil. Temos de invocar nossas tradições gloriosas, temos de nosafirmar como um povo unido e forte, que nada mais poderá dividir. O nacionalismo para nós não é apenas o culto daBandeira e do Hino nacional; é a profunda consciência das nossas necessidades, do caráter, das tendências, dasaspirações da Pátria e do valor de um povo. Essa é uma grande campanha que vamos empreender.

5. NÓS, OS PARTIDOS E OS GOVERNOS

Nós brasileiros unidos, de todas as Províncias, propomo-nos a criar uma cultura, uma civilização, um modo devida genuinamente brasileiros. Queremos criar um direito público nosso, de acordo com as nossas realidades easpirações, um governo que garanta a unidade de todas as províncias, a harmonia de todas as classes, as iniciativasde todos os indivíduos, a supervisão do Estado, a construção nacional. Por isso o nosso ideal não nos permite entrarem combinações com partidos regionais, pois não reconhecemos esses partidos; reconhecemos a Nação.

Enquanto não virmos o Brasil organizado, sem o mal dos partidarismos egoístas, o Estado Brasileiro exprimindoclasses, dirigindo a Nação pelo cérebro das suas elites, não descansaremos, na propaganda que nos impomos.

A nossa Pátria não pode continuar a ser retalhada pelos governadores de Estados, pelos partidos, pelas classesem luta, pelos caudilhos. A nossa Pátria precisa de estar unida e forte, solidamente construída, de modo a escapar aodomínio estrangeiro, que a ameaça dia a dia, e salvar-se do comunismo internacionalista que esta entrando no seu

Anexos

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corpo, como um cancro. Por isso, não colaboramos com nenhuma organização partidária, que vise dividir os brasileiros.repetimos a frase do lendário Osório, quando escrevia dos campos do Paraguai, dizendo que não reconhecia partidos,porque eles dividiam a Nação e esta deve estar coesa na hora do perigo. Juramos hoje, união, fidelidade uns aosoutros, fidelidade ao destino desta geração. Ou os que estão no poder realizam o nosso pensamento político, ou nós,da Ação Integralista Brasileira, nos declaremos proscritos, espontaneamente, da falsa vida política da Nação, até aodia em que formos um número tão grande, que restauraremos os nossos direitos de cidadania, e pela força dessenúmero conquistaremos o Poder da República. Por isso, marcharemos através do futuro e nada haverá que nosdetenha, porque marcham conosco a consciência da Nação e a honra do Brasil.

6. O QUE PENSAMOS DAS CONSPIRAÇÕES E DA POLITICAGEM DE GRUPOS E FACÇÕES

Declaramo-nos inimigos de todas conspirações, de todas as tramas, conjurações, conchavos de bastidores,confabulações secretas, sedições. A nossa campanha é cultural, moral. educacional, social, às claras, em campo raso,de peito aberto, de cabeça erguida. Quem se bate por princípios não precisa combinar coisa alguma nas trevas. Quemmarcha em nome das idéias nítidas, definidas, não precisa de máscaras. A nossa Pátria está miseravelmente laceradade conspiratas. Políticos e governos tratam de interesses imediatos, por isso é que conspiram. Nós pregamos a lealdade,a franqueza, a opinião a descoberto, a luta no campo das idéias. As confabulações dos políticos estão desfibrando ocaráter do povo brasileiro. Civis e militares giram em torno de pessoas, por falta de nitidez de programas. Todos osseus programas são os mesmos e esses homens estão separados por motivos de interesses pessoais e de grupos. Porisso, uns tramam contra os outros. E, enquanto isso, o comunismo trama contra todos. Nós pregamos a franqueza e acoragem mental. Somos pelo Brasil Unido, pela família, pela Propriedade, pela organização e representação legítimadas classes; pela moral religiosa; pela participação direta dos intelectuais no governo da República; pela aboliçãodos Estados dentro do Estado; por uma política benéfica do Brasil na América do Sul; por uma campanha nacionalistacontra a influência dos países Imperialistas, e, sem tréguas, contra o comunismo russo. Nós somos a Revolução emmarcha. Mas a Revolução com idéias. Por isso franca, leal e corajosa.

7. A QUESTÃO SOCIAL COMO A CONSIDERA A AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA

A questão social deve ser resolvida pela cooperação de todos, conforme a justiça e o desejo que cada um nutre deprogredir e melhorar. O direito de propriedade é fundamental para nós, considerado no seu caráter natural e pessoal.O capitalismo atenta hoje contra esse direito, baseado como se acha no individualismo desenfreado, assinalador dafisionomia do sistema econômico liberal-democrático. Temos de adotar novos processos reguladores da produção edo comércio, de modo que o governo possa evitar os desequilíbrios nocivos à estabilidade social. O comunismo não éuma solução, porque se baseia nos mesmos princípios fundamentais do capitalismo, com a agravante de reduzir todosos patrões a um só e escravizar p operariado a uma minoria de funcionários cruéis recrutados todos na burguesia.O comunismo destrói a religião para melhor escravizar o ser humano aos instintos; destrói a iniciativa de cada um,mata o estimulo, sacrifica uma humanidade inteira, por um sonho, falsamente científico, que promete realizar o maisbreve possível, isto é, daqui duzentos anos no mínimo. O que nós desejamos dar ao operário, ao camponês, ao soldado,ao marinheiro é a possibilidade de subir conforme a sua vocação e seu desejos. Pretendemos dar meios a todos paraque possam galgar; pelas suas qualidades, pelo trabalho e pela constância, uma posição cada vez melhor: tanto nasua classe como fora dela e até no governo da Nação. Nós não ensinamos ao operário a doutrina da covardia, dadesilusão, do ódio, da renúncia, como o comunismo, ou a anarquia; a doutrina da submissão, do ostracismo inevitável,da conformação com as imposições dos políticos, com a democracia liberal. Nós ensinamos a doutrina da coragem, daesperança, do amor à Pátria, à Sociedade, à Vida, no que esta tem de mais belo e de conquistável, da ambição justa deprogredir, de possuir os bens, de elevar-se, de elevar a família. Não destruímos a pessoa, como o comunismo; nem aoprimimos, como a liberal-democracia; dignificamo-la. Queremos o operário, com garantia de salários adequadosàs suas necessidades interessando-se nos lucros conforme o seu esforço e capacidade; de fronte erguida, tomandoparte em estudos de assuntos que lhes dizem respeito; de olhar iluminado, como um homem livre; tomando partenas decisões do governo, como um ente superior. Acabados os partidos, os regionalismos; organizada a Nação,participando os trabalhadores no governo pelos seus representantes legítimos; exercida a fiscalização pelo EstadoIntegralista, sobre todas atividades produtoras, estarão abertas as portas a todas aptidões. As classes organizadasgarantirão os seus membros, em contratos coletivos, valerão as necessidades de trabalho ou produção de cada um, demodo a não mais submetermos, como até agora tem sido, os que estão desempregados, às humilhações dos pedidos deemprego, tantas vezes recebidos com desprezo pelos que a quem procuram, o que ocasiona justas revoltas. Livrar ooperário e a pequena burguesia da indiferença criminosa dos governos liberais. Salvá-los da escravidão do comunismo.transfigurar o trabalhador, herói da nova Pátria, no homem superior; iluminado pelos nobres ideais de elevaçãomoral, intelectual e material, esses são nossos propósitos. Ao Estado, compete a proteção de todos.

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8. A FAMÍLIA E A NAÇÃO

Tão grande a importância que damos à Família. ela é a base da felicidade da terra. das únicas venturas possíveis.Em que consiste a felicidade do Homem? Nessas pequeninas coisas, tão suaves, tão simples: o afago de uma mãe, apalavra de um pai, a ternura de uma esposa, o carinho de um filho, o abraço de um irmão, a dedicação dos parentes edos amigos. Solidariedade no infortúnio, nas enfermidades, na morte, que nenhum Estado, na sua expressão burocráticaou jurídica, jamais evitará, em nenhum tempo. Comunhão nas alegrias, nos triunfos, nas lutas, conforto de todos osinstantes, estímulo de todos os dias, esperança de perpetuidade no sangue e na lembrança afetuosa, eis o que é umafamília, fonte perpetua de espiritualidade e de renovação, ao mesmo tempo projeção da personalidade humana.Tirem a família ao homem e fica o animal; façam dele a peça funcionando no Estado e teremos o autômato, infeliz,rebaixado, da sua condição superior. Que afeto, que conforto, que consolação poderá das o Estado a esse “ente-econômico”, na hora das grandes aflições, ou na hora da morte? Quem o animará, na hora das mágoas, que serão tãoinevitáveis no regime da burocracia comunista, como em qualquer outro regime? No instante supremo, não bastam aciência, a vida pública, a vida social, a vida coletiva, o egoísmo individualista; é preciso que o coração entre na vidado homem e fale essa linguagem, que não é a de compaixão de um estranho, nem a da filantropia formalista, nem a doamparo oficial nem a de uma absurda socialização de afetos: - mas a linguagem profunda das afinidades longamenteestimuladas e alimentadas. O Homem não pode transformar-se em uma abelha ou num térmita. O Homem e sua famíliaprocederam o Estado. O Estado deve ser forte para manter o Homem íntegro e a sua família. Pois a família é que criaas virtudes que consolidam o Estado. O Estado mesmo é uma grande família, um conjunto de família. Com essecaráter é que ele tem autoridade para traçar rumos à Nação. Baseado no direito da família é que o estado tem o deverde realizar a justiça social, representando as classes produtoras. Pretendemos, nesta hora grave para a família brasileira,inscrever a sua defesa em nosso programa. É, para defender a família do operário, do comerciante, do industrial, dofazendeiro, do camponês, do comerciário, do médico, do farmacêutico, do advogado, do engenheiro, dos magistrado,do cientista, do artista, do professor, do funcionário, do soldado e do marinheiro, contra a desorganização, a prostituiçãoe a ruína, que desejamos o estado Forte, baseado nas forças vivas da Nação.

9. O MUNICÍPIO CENTRO DAS FAMÍLIAS, CÉLULA DA NAÇÃO

O município é uma reunião de famílias. O homem e a mulher, como profissionais, como agentes de produção e deprogresso, devem inscrever-se nas classes respectivas, a fim de que sejam por estas amparados, nas ocasiões deenfermidade e desemprego. Dessa maneira, os que trabalham e produzem estão garantidos pela sua própria classe,não dependem de favores de chefes políticos, de caudilhos, de diretórios locais, de cabos eleitorais. É a única maneirade se tornar o voto livre e consciente. As classes elegem seus representantes às Câmaras Municipais, como dissemos, eestas elegem seu presidente e prefeito.

Os municípios devem ser autônomos em tudo o que respeita a seus interesses peculiares, porque o município éuma reunião de moradores que aspiram ao bem estar e ao progresso locais. A moralidade administrativa pode serfiscalizada pelas próprias classes, pois o que determinava a, desmoralização da Câmaras Municipais, no sistemaliberal, era a politicagem, o apoio com que contavam os chefes políticos locais dirigentes da política estadual; extintosos partidos, o governo municipal repousará na vontade das classes. Dentro destas, nenhuma influência estranhapoderá ser exercida, porque todos se sentem amparados pela própria classe a que pertencem. Não haverá jeito algumde se fazerem perseguições políticas, porque o governo local estará livre de injunções de homens que, morando fora domunicípio, se metem nos seus negócios, com tem sido comum. O município, portanto, será administrado comhonestidade, será autônomo e estará diretamente ligado aos desígnios nacionais.

10. O ESTADO INTEGRALISTA

Pretendemos realizar o Estado Integralista, livre de todo e qualquer princípio de divisão: partidos políticos;estadualismos em luta pela hegemonia; lutas de classes; facções locais; caudilhismos; economia desorganizada;antagonismos de militares e civis, antagonismos entre milícias estaduais e o exército; entre o governo e o povo; entreo governo e os intelectuais; entre estes e a massa popular. Pretendemos fazer funcionar os poderes clássicos (executivo,Legislativo e Judiciário), segundo os impositivos da Nação Organizada, com bases nas suas Classes Produtoras, noMunicípio e na Família. Pretendemos criar a suprema autoridade da Nação. Pretendemos mobilizar todas ascapacidades técnicas, todos os cientistas, todos os profissionais, cada qual agindo na sua esfera, para realizar agrandeza da Nação Brasileira. Pretendemos tomar como base da Grande Nação, o próprio homem da nossa terra, nasua realidade histórica, geográfica, econômica, na sua índole, no seu caráter, nas suas aspirações, estudando-oprofundamente, conforme a ciência e a moral. Desse elemento biológico e psicológico, deduziremos as relações sociais,com normas seguras de direito, de pedagogia, da política econômica, de fundamentos jurídicos. Como cúpula desseedifício, realizaremos a idéia suprema, a síntese de nossa civilização: na filosofia, na literatura, nas artes que exprimirãoo sentido do nosso espírito nacional e humano. Pretendemos criar com todos os elementos raciais, segundo osimperativos mesológicos e econômicos, a Nação Brasileira, salvando-a dos erros da civilização capitalista e doserros da barbárie comunista. Criar uma única expressão o Estado Econômico, o Estado Financeiro, o Estado

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representativo e o Estado Cultural. Pretendemos levantar as populações brasileiras, numa união sem precedentes,numa força jamais atingida, numa esperança jamais imaginada. Pretendemos lançar as bases de um sistemaeducacional para garantia da subsistência da Nação no futuro. Pretendemos insuflar energia aos moços, arrancá-losda descrença, da apatia, do ceticismo, da tristeza em que vivem; ensinar-lhes a lição da coragem, incutindo-lhes acerteza do valor que cada um tem dentro de si, como filho do Brasil e da América. Movimentar as massas popularesnuma grande afirmação de rejuvenescimento. Sacudir as fibras da Pátria. erguê-la da sua pressão, do seu desalento,da sua amargura, para que ela caminha, dando começo à Nova Civilização, que, pela, pela nossa força, pela nossaaudácia, pela nossa fé faremos partir do Brasil, incendiar nosso continente, e influir mesmo no Mundo. Para isso,combateremos os irônicos, os “blasés”, os desiludidos, os descrentes, porque nesta hora juramos não descansar uminstante, enquanto não morrermos ou vencermos, porque conosco morrerá ou vencerá uma Pátria.

Esses são os rumos de nossa marcha!

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Anexo 2

Esse artigo do historiador Boris Fausto foi extraído do sítio do Centro de MídiaIndependente (CMI). Utilizamos dele para realizar uma simulação de entrevistacom Fausto, na qual fizemos algumas perguntas virtuais para trechos do texto quese encaixavam como respostas. Esse recurso foi utilizado como um instrumento dedeixar o texto mais “jornalístico” e não tanto “acadêmico”. Os trechos retirados doartigo de Boris Fausto e que estão ipsis litteris no texto do livro, foram negritados.

Preocupam-me as tentativas de justificação histórica dos totalitarismos de direita ou deesquerda

O fascismo revisitado

BORIS FAUSTO

Em artigo publicado em “O Estado de S. Paulo” (28/8), sob o título de “O integralismorevisitado”, o prof. Miguel Reale sustenta a necessidade de se rever a história do movimentointegralista brasileiro, do qual ele foi figura central. Tal releitura teria a finalidade de livrá-lo dapecha de hitlerista, ou mesmo de fascista, pois o integralismo seria “caracterizado por seunacionalismo espiritualista, organizado numa associação política nacional sobre bases sindicalistasou corporativas”.

Nem de longe tenho o propósito de enveredar por uma polêmica pessoal com o prof. Reale,figura merecedora do maior respeito nos meios jurídicos do país. Se, neste texto, faço váriasreferências a seu artigo, é porque ele tenta recolocar, a meu ver equivocadamente, questões históricasnada desprezíveis. Preocupam-me as tentativas de justificação histórica dos totalitarismos de direitaou de esquerda, que, entre outros tópicos, passam, de um lado, pela idealização da figura sinistrade Stálin ou pela justificação do Gulag soviético, e de outro, pela reabilitação de Mussolini ou anegação do Holocausto. Nesse ponto, sinto-me aliás à vontade, pois, ao longo dos vários anos emque escrevo nesta Folha, tenho criticado, de uma perspectiva democrática, tanto o fascismo quantoo esquerdismo totalitário.

Como se sabe, a Ação Integralista Brasileira (AIB), depois convertida em partido, existiu noBrasil entre 1932 e 1937, quando foi dissolvida por Getúlio, no advento do Estado Novo. Suapregação teve forte ressonância em setores da sociedade brasileira, numa época em que a liberal-democracia parecia se encaminhar para um estágio terminal, enquanto vicejavam as correntesautoritárias e totalitárias que prefiguravam a “aurora dos novos tempos”. Dentre as várias versõesda aurora, qual delas o integralismo anunciava? Em poucas palavras, a aurora do fascismoem versão brasileira, mas nem por isso menos fascista.

Para tanto, convém lembrar as características básicas do fascismo que o distingue de outrascorrentes de direita, dentre elas as autoritárias e o conservadorismo católico. Ele se definiu comoum movimento e um regime político antidemocrático, que tratou de abranger todos os aspectos da

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vida social, da esfera política à cultural, a exemplo de outros totalitarismos. Seu instrumento essencialde poder localizava-se no Estado, com a liderança concentrada no líder máximo, representadotipicamente por Mussolini, na Itália. Nesse aspecto, o fascismo distinguia-se do hitlerismo, poiseste concebia o partido único como instituição do Estado, enquanto o hitlerismo deu ao partidomaior dimensão, transformando-o no Partido-Estado.

Movimento moderno, distinto dos velhos conservadorismos, o fascismo soube utilizar,antes dos nazistas, o simbolismo dos grandes rituais como processo eficaz de identidade: asgrandes cerimônias de iniciação e de comemoração, as bandeiras, as cores, os gestos etc.Todos esses traços, ressalvadas as proporções, eram elementos essenciais do integralismo nasua versão brasileira, o que nos leva a identificá-lo como fascista.

Diz o prof. Reale que “variantes pessoais”, não redutíveis às opiniões de Plínio Salgado -ochefe nacional-, faziam parte do integralismo. Isso não constitui novidade nem altera a marcafascista do movimento, mesmo porque houve também diferenças no âmbito do fascismo italiano edo hitlerismo, algumas das quais liqüidadas, outras domesticadas.

Entre as “variantes pessoais”, o prof. Reale lembra a figura de Gustavo Barroso, que, em suaspalavras, “distinguia-se por seu anti-semitismo, não de caráter racial ou religioso, mas apenas doponto de vista econômico (...)”. Não é o caso de entrar aqui numa discussão minuciosa do anti-semitismo de Barroso. O fato é que esse aparentemente desculpável anti-semitismo de corteeconômico foi um dos mitos integrantes do anti-semitismo tradicional que Hitler incorporou comeficácia social para obter apoio e justificar, entre outras razões, a sanha contra o povo judaico quedesembocou no Holocausto.

Gustavo Barroso, membro da augusta Academia Brasileira de Letras, à qual compareciaenvergando por vezes a camisa verde integralista, foi um admirador sem restrições do nazismo efez da erradicação do “lixo judaico” uma de suas pregações preferidas. Quem quiser conferir aparanóia do personagem pode percorrer não só o livro “Brasil, Colônia de Banqueiros”, comotambém “A Sinagoga Paulista”, um detonador de riso e de náusea.

A interpretação e reinterpretação da história é um processo inevitável e, mais do que isso,saudável. Mas nem tudo está sujeito a reviravoltas. Digam o que disserem os chamados pós-modernos, há uma verdade histórica que se encontra assentada. Para ficar em uma únicacaracterização, o comunismo e o nazi-fascismo, diferentes entre si, foram a grande árvore dedesgraças do século 20. O integralismo representou um ramo tropical dessa desgraça, quefelizmente não chegou ao poder. Pretender revalorizá-lo parece-me uma tarefa inglória e,mais do que isso, perniciosa.

Boris Fausto, historiador, é presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de ConjunturaInternacional da USP. É autor de, entre outras obras, “A Revolução de 30” (Companhia das Letras).

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Anexos

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Anexo 3

Essa mensagem foi postada pelo membro integralista Cássio Guilherme, fundadordo Núcleo Integralista de Campinas, em um debate acerca do Integralismo, daquestão judaica, do comunismo e da maçonaria. Os trechos que estão em negritoforam extraídos para compor uma citação do membro integralista. Estamosdisponibilizando a integra do documento por acreditar que se tratam de questõesrelevantes para a temática proposta pelo livro.

——Mensagem original——-

Para: [email protected]: CÁSSIO <[email protected]>Data: Thu, 27 Oct 2005 05:38:50 – 0300Assunto: Re: [integralismo] INTEGRALISMO, QUESTÃO JUDAICA, COMUNISMO EMAÇONARIA

Caros Amigos, leiam atentamente e reflitam:

Desde 1992, quando tomei conhecimento da Doutrina Integralista, um tópico em especial clamapor minha atenção: A QUESTÃO JUDAICA. Não é para menos, pois não se pode analisar nada naHistória da Humanidade nos últimos 5000 anos sem entendermos que existe algum fatointrinsecamente ligado à Questão Judaica. Jesus Cristo se fez HOMEM E NASCEU NO SEIOJUDAICO, não por acaso, e justamente por questionar profundamente o apego Judaico aoMaterialismo e às Tradições, justamente por causa disso, foi crucificado. Com o MovimentoIntegralista não foi diferente; a partir do momento que o Movimento entrou em terreno minado,levantando questionamentos com relação à QUESTÃO JUDAICA, iniciou-se a perseguiçãoimplacável aos Integralistas e à Doutrina, e tudo mais de estrutural que havia no Integralismo foiesquecido, apenas as críticas de Gustavo Barroso são exaustivamente lembradas!!! Isso realmenteé um reducionismo abjeto da grandiosidade que foi a proposta Integralista. Mas vamos fazer umaanálise desse contexto, pois um dia teríamos que nos debater, enquanto Integralista, com essesproblemas!!!

Não é novidade nenhuma que os judeus são os criadores das duas maiores ideologias quenorteiam todas as ações dos seres humanos nos últimos 500 anos: o Liberalismo Burguês de AdamSmith, Tagenbaum, John Locke e o Comunismo Materialista de Hess, Marx, Engels, Lênin, Trotsky(todos esses judeus). Em comum, ambas as ideologias controlam as mentes de todos os habitantesdo planeta e reduzem o homem à condição de mero soldado do mecanismo dialético materialista.Não há espaço nessa equação ideológica para considerações humanistas ou espiritualistas. Os grandesbanqueiros donos do mundo, em sua grande maioria são judeus: Casa dos Rotschild, Casa dosRockfeller, Casa dos Warburg, Casa dos Bilderberg. Também quase todo controle da mídia escrita,falada, televisada e difundida no mundo pertence aos judeus: Paramount, Warner Brothers, Disney,TKA, EuroChannel e no Brasil o homem mais rico do país é judeu, Silvio Santos. Só por esses

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exemplos, podemos observar a grandiosidade da influência judaica em todos os acontecimentos davida cotidiana dos habitantes desse planeta. Também uma coisa estranha, que vim a compreenderanos mais tarde, é que o Comunismo, a princípio uma teoria que ameaçava os grandes capitalistas,é na verdade um instrumento de ação dos próprios capitalistas, travestindo de revolucionáriospessoas que na verdade trabalham para os interesses das Grandes Corporações Capitalistas. Essesfatos devem mostrar a incrível coesão do povo judaico, fato espantoso e notável em minha opinião.

Vamos agora considerar o caso do Integralismo. Primeiramente, o Chefe Plínio Salgado, naminha opinião o maior brasileiro de todos os tempos e um dos maiores seres humanos que jáviveram nesse planeta, questionou realmente de forma compacta alguns pontos relacionados àQuestão Judaica. Entretanto, podemos ver claramente que o questionamento do Chefe disserespeito sempre ao apego materialista dos judeus e sua ciranda financeira no mundo, e oabandono de causas espiritualistas muito mais importantes na visão do Chefe (aliás, a mesmaposição de JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS). Jamais, em momento algum, como cristão ecomo patriota, o Chefe Plínio Salgado incentivou a perseguição aos judeus ou a qualqueroutro grupo étnico, muito pelo contrário, é fato que judeus participaram do Movimento Integralistacomo, por exemplo, o Deputado Roberto Simonsen, o candidato Fairbanks e a família carioca dosSteinberg (VÁRIAS PÁGINAS DE PROPAGANDA DA CERVEJARIA ANTARCTICA PODEMSER ENCONTRADAS NAS REVISTAS ANAUÊ E PANORAMA). No caso de Gustavo Barroso,podemos realmente encontrar uma crítica mais dura aos judeus, inclusive no plano nacionalista,pois Barroso não considerava os judeus próprios para um Movimento de cunho Nacionalista.Entretanto, desafio alguém a refutar esse fato, as posições de Barroso eram doutrinárias, jamais eleincentivou violência física contra judeus e nunca propôs perseguições como a mídia comunistasempre afirmou de forma leviana. Portanto, os questionamentos de Plínio Salgado e Gustavo Barrosocom relação à Questão Judaica eram doutrinários e não podem ser comparadas às atitudes anti-semitas de outras ideologias. Aliás, essa posição sempre encontrou seu direcionamento na IgrejaCatólica e nas fundamentações doutrinárias de órgãos internos católicos como a OPUS DEI E ACOMPANHIA DE JESUS. Portanto, considero sacrilégio chamar o grande e único CHEFEPLINIO SALGADO E O CHEFE ETERNO DAS MILÍCIAS GUSTAVO BARROSO DEANTI-SEMITAS.

Com relação ao fascismo, não resta dúvida que o Integralismo tinha algumas afinidades com oMovimento, sobretudo a utilização de protocolos e rituais e a defesa do Estado Corporativo. Maso fascismo sempre foi, assim como o Nazismo e o Comunismo, uma doutrina materialista, semfundamento espiritual, que pregava a filosofia da AÇÃO COLETIVA SEM PREOCUPAÇÕESESPIRITUAIS, diferença básica com o INTEGRALISMO QUE SEMPRE PREGOU A AÇÃOESPIRITUAL E TRANSFORMADORA. O Integralismo sempre foi um Movimento de Massa euma nova visão de mundo. Por esse motivo, e por achar que a questão espiritual deveria estaracima da questão nacionalista, criei o Movimento Linearista, meramente uma nova interpretaçãodo HOMEM FUNDAMENTADO NOS ENSINAMENTOS INTEGRALISTAS. Portanto, nãoadianta espernearem alguns, sou Integralista e Linearista, por achar que as duas Doutrinas sãoCausa e Consequencia ao mesmo tempo.

Com relação à Maçonaria, é necessário que os companheiros leiam o livro: “PÁGINAS DECOMBATE” DO CHEFE PLÍNIO SALGADO. Nesse livro há um relato sobre perseguições sofridaspor Integralistas por parte da Maçonaria, perseguições que foram injustas na interpretação doChefe, pois jamais o Integralismo se colocou de forma ostensiva contra a Maçonaria. O fato dagrande identificação do Integralismo com os preceitos católicos não quer dizer que o Integralismoseguia “IPSIS, LITERIS” O CATECISMO CATÓLICO E A ENCÍCLICA RERUM NOVARUM,QUE CONDENOU A MAÇONARIA. Cumpre aqui lembrar que o Congresso Nacional Integralista

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realizado em 2004 teve apoio total do Dr Antonio Ribas, grau 28 da Maçonaria, que cedeu inclusiveo Templo Maçônico do Belém para o evento. Não vejo incompatibilidade do Integralismo, tantodo passado quanto do presente com a Maçonaria. Nem devemos nos preocupar tanto com essetópico, visto que nosso caminho é longo e espinhoso no momento.

Por fim, quero reafirmar minha posição pessoal, independente de críticas, de que o MovimentoIntegralista é antes de teoria, prática. Devemos sair imediatamente de nosso comodismo e começara luta contra nossos verdadeiros inimigos, que são o materialismo liberalista e comunista queinfestam a mente de todos os cidadãos brasileiros (GUERRA IDEOLÓGICA, NÃO FÍSICA). Denada adianta entendermos profundamente a Doutrina Integralista se não nos colocamos em combatecom o Satanismo Comunista, assassino de 100 milhões de seres humanos e contra o LiberalismoEntreguista, responsável pela fome e miséria de 8/10 da população mundial. Sem atos, não somosdignos de nos denominarmos Integralistas. Esse meu ponto de vista.

Anauê!!

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Anexo 4

Segue uma compilação das mensagens postadas pelo Prof. Samuel Camêlo, doInstituto Anne Frank, e as respostas do membro integralista Edson Evaristo, nasquais debateram sobre o Estado de Israel e a questão judaica. A primeira mensagemé do Prof. Camêlo, na qual explica que foi vetado pelo moderador do grupo. Logoem seguida, segue a compilação das mensagens com perguntas do Prof. Camêlo eresposta do sr. Edson Evaristo.

——Mensagem original——-

Para: [email protected]: [email protected] [mailto:[email protected]] Em nomede Samuel Camêlo.Data: Wed, 3 Aug 2005 00:57:22 – 0300Assunto: [integralismo] Saída do Grupo

Saudações, prezados srs.!

Esta é a minha última abordagem neste grupo, diante deste fato, gostaria de esclarecer algunspontos que, em muitos momentos, passam despercebidamente. Antes eu gostaria de compartilhar orelato sobre a covardia imposta pelo administrador deste grupo;

Sem aviso prévio, revelando total intolerância, ou até mesmo o mínimo de educação caseira,aquela que aprendemos em casa, ou deveríamos... O referido moderador vetou a minha participação.

É verdade que foi uma coincidência, admito, considerando a não existência de lógica para aminha permanência num grupo que manifesta características – declaradamente racistas. Entretanto,ele (ou eles) usaram da imposição, revelando que o colóquio, a fala, apresentada diante de todos -não passa de palavras vazias e sem moral. Sem moral porque falam uma coisa e praticam outratotalmente diferente. Não estou desabafando, estou advertido aos participantes de índole que acordeme percebam os fatos.

Quanto aos pontos da inicial, são eles:

Gostaria de informar que conseguir identificar significativo número de descente de judeus entreesta comunidade interativa. Gostaria de sugerir que aqueles que possuem alguma dúvida procurasseconhecer um pouco mais de suas genealogia.

Nestes últimos dias vemos a manifestação do mais puro e declarado sentimento anti-judeu.Percebi manifestações de ódio e repúdio de tal forma que tudo - ou qualquer coisa - que eu viessea erigir como argumento foi rebatido abruptamente, sem o mínimo de cautela. Se isto não é anti-semitismo, o quê é? Ao passo que em momento algum - nem mesmo revidei a altura - como reaçãonatural que seria.

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Diante das abordagens erigidas pelo sr. Edison Evaristo houve momentos de total agressividadee intolerância sem que houvesse posicionamento contrário, salvo de duas ou três pessoas,evidenciando, com isso, apoio dos demais, pelo que se entende.

O direcionamento das temáticas do grupo está absolutamente perdido se os coordenadoresforem desprovidos de conhecimento argumentativo como o que fora revelado abaixo – em destaque.

Não refutarei as respostas destacadas abaixo pela falta de coerência, evidenciada. Basta ler eperceber a tendenciosidade sem busca de contexto, sem zelo pela verdade - como fato.

Recebi algumas mensagens de pessoas que souberam entender a natureza de meu colóquio sema influência da tendenciosidade de ontem. Este grupo poderia amadurecer muito mais numa trajetóriade tempo bastante reduzida se alguns participantes soubessem dominar as suas emoções,substituindo-a pela razão, isto chama-se MATURIDADE. Quando não possuímos tal coisa passamosa “adivinhar” os sentimentos dos outros como tentou fazer determinado colega. Mantenho o meuposicionamento quando afirmo que estou sem ressentimento.

Atenciosamente,

Prof.º Samuel Camêlo

——Mensagem original——-

De: [email protected] [mailto:[email protected]] Emnome de Edison Evaristo – YahooEnviada em: sexta-feira, 29 de julho de 2005 21:52Para: [email protected]: Re: ENC: [integralismo] Edison Evaristo

Prezado Sr. Samuel

Ao que o senhor se refere “descentralizasse a temática objeto de sua abordagem”, por acaso saido tema em questão em algum momento. Caso o tenha, por favor, me corrija e argumente comodesejar, além de aceitar minhas sinceras desculpas. Em nenhum momento me mostrei inseguro,não é do meu feitio, e novamente não tentei “direcionar” nenhum foco, apenas dei continuidade aoassunto. Além do mais respondi todas as suas perguntas, por acaso leu a mensagem por inteiro?Mas não tem problema, eu as envio novamente.

Quando diz: “O nosso povo, o povo BRASILEIRO, é, acima de qualquer coisa um povo heróicoe todos nós temos este espírito acolhedor. Brasileiros não nos deixemos influenciar por incertezas,pelo vazio de objetos infundados”, saiba que tem minha aprovação, mas não sei o que isto temhaver com o assunto. O senhor deve estar se referindo aos brasileiros não viverem num mundo de

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mentiras, de dominação de uma elite mundial, de subserviencia “ aos eleitos”, não é mesmo? Deveser isto.

Atenciosamente

PS - Eis as respostas que o senhor não viu, ou não desejou ver:

Qual é o país do Oriente Médio cuja forma de governo não é uma ditadura islâmica?

Resp.: O fato de Israel não ser uma ditadura islâmica não o redime dos massacres contra árabes,da destruição de casas, da ocupação ilegal de territórios palestinos, do roubo de propriedadesárabes, da violação de soberanias de alguns países, etc. Israel é bom para seu povo, mas para seusvizinhos é um tormento. Os alemães também veneravam Hitler...

Ressaltando que na maioria dos paises islâmicos os cidadãos são obrigados a aceitar aimposição do islã e, no caso de afastamento, tal cidadão pode ser sentenciado a morte. Vez ououtra ouvimos falar de cidadãos que perderam a vida por ter apostatado da fé.

Resp.: O que isto tem haver com a postura sanguinária de Israel? Será que Israel está querendodefender estes pobres árabes de seus governos? O senhor está querendo desviar o assunto, fazendocom o que os leitores acabem ficando com dó ou justificando as atividades terroristas de Israel.

Os palestinos estão defendendo as terras deles. Eu gostaria de saber desde quando existeum estado palestino?

Resp.: Não existe porque Israel ocupa os territórios da palestina que a ONU deu ao árabes,locaius ons se instalou regimes policiais de terror com toques de recolher, execuções, mortes edestruição. Agora o senhor já sabe porque os palestinos não possuem um Estado.

Por quê os referidos árabes são denominados de palestinos e os judeus que sempreocuparam aquela região não?

Resp.: Porque antes da criação de Israel, árabes de judeus viviam na palestina em harmonia,mas com a criação deste estado, milhares tiveram que fugir sem nada, com seus bens roubados,para países como Egito e Jordânia

É verdade que houve momento de maior concentração populacional por parte dosisraelenses. Desde quando os palestinos são proprietários do que chamam de palestina?

Resp.: Desde quando os judeus o são?

Quanto a nossa participação inscrição no grupo é notório que o referido é constituído porpessoas democráticas, sem a mentalidade raquítica e acima de tudo possuidores do espíritobrasileiro - conhecido pela sua tolerância e acolhimento. Eu sou brasileiro com os mesmosdireitos e deveres de qualquer um. Cuja família existe histórico de morte pela pátria...

Aguardaremos a sua resposta!

Um grande abraço,

Prof.º Samuel Camêlo

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Anexos

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Resp.: O que o senhor chama de espírito brasileiro? Aceitar tudo passivamente e deixar ascoisas como estão? Chama de mentalidade raquítica aquele que acredita em tudo sem analisardevidamente os fatos, como fazem alguns revisionistas? O próprio nome do instituto que o senhorrepresenta se baseia numa farsa, da pobre menina que foi assassinada num campo de concentração,cujo seu diário e considerada a fraude best-seller. Nunca vi um diário ter reedições atualizadas eser escrito com caneta esferográfica, algo que não existia na época em que supostamente foi escrito.Eu tenho este livro.

Esta lista é uma lista integralista e debate político e não de propaganda disto ou daquilo, poristo meus protestos. Democracia é uma coisa, ser vira-lata e aceitar de tudo é outra, não vamosconfundir. O EUA é uma democracia, mas vejam o sistema de imigração deles como é.

Att

*************************************************Edison [email protected][email protected]“Compre produtos nacionais, proteja nossa indústria, garanta seu emprego”“Direitos Humanos para humanos direitos”“Cidade limpa! Povo civilizado”“Faça sua parte, dê sempre um bom exemplo”*************************************************

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Anexo 5

Esse texto foi conseguido em uma das minhas visitas às reuniões integralistas,mas já está disponível no sítio do movimento. Sem autoria, ele explica as diferenças– do ponto de vista do autor – entre Estado Totalitário e Estado Integral, propostopela doutrina integralista. Utilizamos o recurso da entrevista simulada com o textopara tentar dar mais informações ao leitor sobre essas “possíveis” diferenças. Otexto segue na íntegra.

Os integralistas querem o Estado Totalitário?

Não; os integralistas querem o Estado Integral.

O Estado Totalitário não é a mesma coisa que o Estado Integral?

Não. O Estado Totalitário tem uma finalidade em si próprio; absorve todas as expressõesnacionais e sociais, econômicas, culturais e religiosas; subordina a “pessoa humana” e os gruposnaturais ao seu império. O Estado Integral, ao contrário, não tem uma finalidade em si próprio; nãoabsorve as expressões nacionais e sociais, econômicas, culturais religiosas; não subordina a “pessoahumana “e os grupos naturais ao seu império; o que ele objectiva,é a harmonia entre todas essasexpressões, a intangibilidade da “pessoa humana”.

Por que motivo os integralistas não querem o Estado Totalitário?

Os integralistas não querem o Estado Totalitário, porque os integralistas adotam uma filosofiatotalista, isto é, tem do mundo uma concepção totalitária.

Não há uma contradição nisso? Se os integralistas concebem o universo de um ponto devista totalitário, como é que não concebem o Estado da mesma maneira?

Os integralistas são lógicos, tendo uma concepção totalitária do mundo e uma concepção nãototalitária do Estado. É evidente que, sendo o Estado uma das expressões do mundo, se este éconsiderado em seu conjunto, o Estado tem de ser considerado como uma “parte” do conjunto. Seadotarmos o Estado Totalitário, então‚ que ficamos em contradição, fazendo uma “parte” absorveras outras partes.

Mas um jornalista escreveu, que os integralistas ensinam uma doutrina confusa, porquantoo Estado Forte, o Estado Leviathan de Hobbes compreende a absorção de todos os elementossociais pela autoridade estatal... Como respondem os integralistas?

O jornalista ouviu falar em Hobbes, sem ter a menor noção do assunto. Basta dizer que Hobbesé um materialista, um naturalista, ao passo que nós somos espiritualistas. A conclusão a que Hobbeschegava, era a de que o homem não presta, inclinado aos vícios e à maldade e, por conseguinte, asociedade tinha de ser governada com pulso de ferro, por um Estado absorvente de todas asliberdades, impondo a disciplina pela força. Esse‚ o Estado “Leviathan” hipertrofiado e gigantesco.Ao contrário de Hobbes, um outro filósofo chamado Locke, também materialista, também naturalista,

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Anexos

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pensava que o homem é bom, que as leis, o arbítrio do Estado‚ que o tornam mau. Baseado nomesmo materialismo experimental de Hobbes, chegava Locke à conclusão de que cumpria dar amáxima liberdade aos indivíduos, competindo ao Estado assegurar essa máxima liberdade. Bastavaisso para que tudo corresse no melhor dos mundos.

Também J. J. Rousseau foi da mesma opinião de Locke. O “homem natural”de Rousseau exprimetodo o seu pensamento político. O curioso nisto tudo ‚ que, partindo de um mesmo princípio (onaturalismo) Hobbes separa-se de Locke, porem ambos vão encontrar-se nas últimas conseqüênciasdo Estado Liberal, isto é, no comunismo bolchevista, no estado socialista, que destrói toda apersonalidade humana, os grupos naturais, a liberdade. Tanto Hobbes como Locke e Rousseau, são“unilaterais”. O primeiro considera o Estado e pretende fortalecê-lo contra o indivíduo. O segundoconsidera o indivíduo e pretende armá-lo contra o Estado. Nós, integralistas, consideramos aautoridade do Estado como uma força mantenedora do equilíbrio, de harmonia, dentro das quaisgravitarão inter-independentes e sem choques, os grupos naturais e a personalidade humana. A“autoridade do Estado”, para nós, integralistas, não é “Superior” nem “Inferior” aos outros “valores”sociais e nacionais (“Família”, “Corporação” e “Município”; “Cultura”, “Economia” e “Religião”).Trata-se de um “valor” diferente, de um elemento de natureza diversa que entra na composição dasharmonias sociais e humanas.

Mantendo íntegras cada uma dessas expressões humanas, o Estado integral também a si própriose mantém íntegro; não entrará nos domínios próprios de cada uma dessas expressões humanas(“Família”, “Corporação” e “Município”; “Cultura”, “Economia” ou “Religião”).

A missão do Estado Integral ‚ manter equilíbrios, sustentar as harmonias sociais. Com esseobjetivo, reivindica para si todas as prerrogativas que‚ lhe foram arrancadas e lhe são inerentes,mas nem por isso fere os legítimos direitos de cada um dos fatores humanos constitutivos doconjunto nacional.

Um Estado Forte não é um Estado Totalitário?

Não. Um Estado forte ‚ aquele cuja autoridade moral se fortalece pelo respeito que esse mesmoEstado vota à intangibilidade da “pessoa humana” e de todas as suas expressões grupais ou sociais.O Estado Totalitário seria o Estado Arbitrário. O Estado Integral ‚ o Estado de Direito, o EstadoMediador, o Estado Ético, conforme um princípio espiritualista cristão.

O Estado Integral é um Estado Forte?

É o único Estado Forte, justamente porque não é arbitrário, nem absorvente, nem anulador delegítimas liberdades.

Como consegue o Estado Integral ser forte?

Criando a consciência das “diferenciações” dos grupos humanos e das expressões sociais quepassam a gravitar harmoniosamente no sentido do bem comum, cada qual com sua própria natureza,sua própria função, seus próprios objetivos. O Estado, por sua vez, penetra-se dessa consciência dasua natureza, da sua função e dos seus objetivos. Princípios imutáveis fixam os limites de ação decada pessoa e de cada grupo, assim como de cada expressão humana (Cultura, Economia, Religião).O Estado fortalece-se guardando os seus próprios limites e defendendo e sustentando as suasprerrogativas.

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Como se entendem as prerrogativas do Estado?

Entendem-se não como direitos, porém como deveres.O mesmo jornalista acusou o Integralismode não agir violentamente, para atingir o Poder; outros apontam o Integralismo como doutrinafiliada ao fascismo e procuram demonstrar ser este um adepto de Sorel, tanto quanto o comunismo.

Que respondem a essas coisas os integralistas?

O Integralismo não tem agido pela violência justamente porque nada tem que ver com Sorel. Oautor das “Reflexões sobre a Violência” é materialista, evolucionista, darwiniano. Toda a sua doutrina‚ baseada no “struggle for life”, a tal ponto que preconiza, como etapa indispensável da luta declasse, o fortalecimento da burguesia. Como Marx, que ‚ naturalista e continuador dos economistasliberais, Sorel aceita, integralmente, os mesmos princípios que já estavam em Hobbes, em Locke,em Rousseau. Só o fato de nós sermos espiritualistas evidencia que não somos soreleanos, que nãoadotamos a teoria da violência, pois seria a negação da nossa doutrina.

A nossa doutrina, a respeito do emprego da força é clara e não admite dúvida. Em princípio,condenamos toda e qualquer sedição; todas as conspirações, todos os golpes de mão; respeitamosa autoridade constituída; esse respeito irá até ao dia em que a referida autoridade já não pudermanter o próprio princípio da sua autoridade e já não tiver meios de fazer a Lei, a Constituiçãoserem cumpridas. Se isso acontecer, se praticamente não existir mais autoridade, então será emobediência ao próprio princípio da autoridade que os integralistas terão o dever de usar da força,caso disponham dela, para evitar desgraças maiores, como a implantação do comunismo ou umasituação de anarquia.

Essa doutrina‚ a própria doutrina da Ordem no que ela tem de mais profundo. Ora, dentrodesses princípios, respeitando as leis e as autoridades do país, não somos incoerentes e, sim,afirmamos a nossa coerência e a nossa dignidade de pensamento.

O Integralismo brasileiro não é, então, anti-democrático?

Não; o Estado Integral quer restaurar a democracia que já não existe no Brasil. Não é umdestruidor do regime, mas o criador de novos órgãos capazes de revitalizar um regime morto.

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Anexos

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Anexo 6

Essa mensagem também foi postada pelo fundador do Núcleo Integralista deCampinas, o sr. Cássio Guilherme. Aliás, ele é um dos mais ativos membrosintegralistas. Sempre cobrando a “ação” dos seus companheiros, freqüentementese desentende com algum deles. Tanto que o Movimento Integralista Brasileiro(SP) e o Núcleo de Campinas não têm mais se comunicado. Essa mensagem, quetambém foi utilizada para uma citação no conteúdo do livro, explicita bem a opiniãopessoal de Cássio sobre a mídia.

——Mensagem original——-

Para: [email protected]: CÁSSIO <[email protected]>Data: Fri, 18 Ago 2005 05:29:30 – 0300Assunto: Re: [integralismo] Jo soares ironiza o mov integralista – IMPORTANTE

CAROS AMIGOS:

ESSE FATO QUE ACONTECEU NO PROGRAMA DO JÔ EXEMPLIFICA BEM A FARSAEM QUE VIVEMOS. TODA A MÍDIA, ARTISTAS, RÁDIOS, JORNAIS, ESTAÇÕES DETV ESTÃO A SERVIÇO DO GRANDE CAPITAL INTERNACIONAL (NEOLIBERAIS EMARXISTAS). TUDO O QUE É FEITO TEM SUBLIMINARMENTE UMA MENSAGEMNEOLIBERAL OU ESQUERDISTA, MESMO QUE SEJA CONTRA OS PARTIDOS DEESQUERDA. OBVIAMENTE, ESSES SATÃS TRAVESTIDOS NÃO QUEREM NEMOUVIR FALAR DE INTEGRALISMO, OU NACIONALISMO, OU VALORES CRISTÃOS,ISSO ATRAPALHA O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL. PORISSO, PRECISAMOS CONHECER AQUELES QUE QUEREM NOS DESTRUIR, ESSEÉ O PRIMEIRO PASSO. TEMOS OBSERVADO UM INTERESSE GIGANTESCO PORCONHECER O INTEGRALISMO, SOBRETUDO NA INTERNET, QUE POR ENQUANTOREPRESENTA UM ESPAÇO SENSACIONAL DE MÍDIA E MUITO NOS TEM AJUDADONO TRABALHO DE DIVULGAÇÃO. PRECISAMOS ENTÃO AGIR DESSA FORMA:DIVULGAR A DOUTRINA, CADA VEZ PARA MAIS PESSOAS, ISSO NOS TORNA MAISFORTES E MAIS IMUNES. COM RELAÇÃO ÀS CRÍTICAS, INCLUINDO A DESSEGORDO SAFADO, SEM VERGONHA, ESCRAVO DOS BANQUEIROS, SÓ POSSO LHESGARANTIR QUE À MEDIDA QUE O MOVIMENTO AVANÇA ESSAS CRÍTICASTENDERÃO A AUMENTAR. MAIS CEDO OU MAIS TARDE VÃO ARRUMAR UMSKINHEAD QUE MATOU ALGUÉM E DISSE QUE ERA INTEGRALISTA, ISSO FAZPARTE DO JOGO SUJO DELES. ENTRETANTO, NÃO PODEMOS MAIS SUPORTARESSE ABSURDO; CHEGA DE MANDAR CARTAS DE PROTESTO PARA ESSESFALSÁRIOS CRIMINOSOS. PRECISAMOS É ACIONAR OS ADVOGADOS EENTRARMOS COM REPRESENTAÇÃO JUNTO AO MP CONTRA ESSES CRIMINOSOS,POIS O CERTO SERIA DAR UM TIRO NOS CÓRNEOS DESSES DIABOS. NESSA

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TAREFA PRECISAMOS CONTAR COM O APOIO DE TODOS. JÁ CONVERSEI COMMEU PROFESSOR DE DIREITO DR. ALEXANDRE COELHO SOBRE ISSO E FICOUCLARO QUE O QUE O GORDO SAFADO FEZ É APENAS EMITIR UMA OPINIÃO,CONTRA ISSO NÃO PODEMOS FAZER NADA JURIDICAMENTE. AGORA, SE FIZEREMOUTRA MINISSÉRIE COMO AQUELA “UM SÓ CORAÇÃO”, QUE DISSE QUE OSINTEGRALISTAS ERAM CRIMINOSOS, AI SIM, PRECISAMOS GRAVAR O PROGRAMAE LEVAR AO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO PROVA DE FALSIFICAÇÃO HISTÓRICA EPEDIR ENQUADRAMENTO EM DIFAMAÇÃO, CALÚNIA, FALSO CONHECIMENTO ELEI DE SEGURANÇA NACIONAL, POIS ALTERAR FATOS HISTÓRICOS É CRIME DELESA-PÁTRIA. É ISSO QUE DEVEMOS FAZER, E NESSA LUTA CONTAMOS COMTODOS OS COMPANHEIROS. GRAVEM ESSAS FALSIDADES, GRAVEM TUDO QUEPUDER SERVIR DE PROVA, NÃO VAMOS MAIS TOLERAR ESSES PILANTRASMARXISTAS MANIPULAREM NOSSAS MENTES!!!! DIVULGUEM A DOUTRINA ENOSSOS SITES PARA O MAIOR NÚMERO DE PESSOAS, ESPALHEM JORNAIS,CONVERSEM COM OS AMIGOS, ISSO É FUNDAMENTAL PARA DESMASCARAR ASMENTIRAS DESSES DIABOS MARXISTAS. NOSSA LUTA TEM QUE SER DIUTURNAE ESTRATÉGICA. ANAUÊ!!

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Bibliografia

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A esfera pública do ódio no Brasil

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Sítios pesquisados

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História Nethttp://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?categoria=24

IBGEhttp://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/trabalho/home.html

Movimento Integralista Brasileirohttp://www.integralismo.com.br

Ministério da Justiçahttp://www.mj.gov.br/sedh/edh/noticias2.asp?id=854

Núcleo Integralista de Campinashttp://www.doutrina.linear.nom.br

Núcleo Integralista de Foz do Iguaçuhttp://www.anauefoz.hpg.ig.com.br

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Bibliografia

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Orkuthttp://www.orkut.com/

Wikipédiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal

Jornais

Folha de S.PauloO Estado de S.PauloO Diário de MogiMogi News

Revistas

ÉpocaIstoÉ

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