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XXXIX CONGRESSO NACIONAL DOS PROCURADORES DE ESTADO
EXPLORAÇÃO DE NAMING RIGHTS DE BENS PÚBLICOS NO DIREITO COMPARADO
Luis Felipe Sampaio de Almeida
Procurador do Estado do Rio de Janeiro
Endereço eletrônico: [email protected]
Porto de Galinhas – PE
2013
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EXPLORAÇÃO DE NAMING RIGHTS DE BENS PÚBLICOS NO DIREITO COMPARADO
1. INTRODUÇÃO
No Brasil e em diversos outros lugares, o direito administrativo passa por momento de
amplas e profundas transformações1, muitas das quais geram desafios a seus conceitos,
institutos e premissas tradicionais2.
Dentre as diversas tendências contemporâneas do direito administrativo, é relevante
destacar a sua crescente aproximação em relação ao direito privado, que se reflete de forma
marcante na redefinição do papel do Estado e de sua relação com os administrados.
Por um lado, a aproximação do direito privado tem fundamento na progressiva
superação da assimetria de posições jurídicas na relação entre administrador e administrado –
pautada em subordinação, verticalidade e imposições unilaterais – por uma relação de tipo
diverso, caracterizada por crescente coordenação, horizontalidade e consensualidade3. A
autoridade pública e as prerrogativas de poder público buscam legitimação no consentimento
dos cidadãos4 e na devida consideração de sua participação nos processos de decisão.
Por outro lado, os diálogos com o direito privado decorrem, em grande parte, da busca
por maior eficiência econômica e social na atuação estatal, através da utilização de institutos
menos formais e mais céleres, bem como por meio do desempenho de funções de interesse
público através de entes não sujeitos às diversas restrições impostas pelo regime jurídico de
direito público5.
No ponto, é possível destacar a relevante influência da análise econômica do direito na
criação e na interpretação do direito administrativo, em virtude da qual, dentre outros fatores,
abre-se espaço para uma aplicação temperada da lógica de mercados privados na atuação
1 CASSESE, Sabino. New paths for administrative law: a manifesto. International Journal of Constitutional Law, volume 10 (3), Oxford University Press, 2012. 2 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª edição revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2008. pp. 61/76. 3 Acerca da evolução de mecanismos de consenso no direito administrativo, com abordagem histórica acerca da evolução das relações do Estado com os particulares, v. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Mecanismos de consenso no direito administrativo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.), Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. P. 335-349. 4 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Poder Público, Serviço Público: Crise e Conciliação. Trad. Patrícia Baptista. Revista de Direito do Estado, 4, p. 391. 5 No caso brasileiro, dentre os muitos exemplos existentes, podem ser citadas as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), regulamentadas pela lei 9.790/99.
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administrativa, e para um papel mais amplo dos entes particulares na prestação de serviços,
buscando-se uma administração de resultados6, que atenda de forma efetiva os interesses
sociais.
Com efeito, diante da necessidade de atender as inúmeras demandas sociais – as quais
possuem custos significativos – e da escassez de recursos para satisfazê-las, é possível afirmar
que o Estado não apenas pode, mas deve pautar sua atuação pela adoção de medidas que
viabilizem, em maior e melhor alcance, a proteção dos direitos fundamentais dos
administrados. Parte dessa missão passa pela necessidade de ampliação de receitas públicas,
com a finalidade de posteriormente convertê-las em prestações públicas.
É nesse contexto de evolução do direito administrativo, e de necessidade de
atendimento a demandas sociais com escassez de recursos, que se pretende analisar a
exploração econômica do espaço público na atualidade, com especial ênfase no que concerne
à cessão onerosa de direitos à denominação de bens públicos, os quais são mais conhecidos
como naming rights.
Para isso, convém abordar o tema sob a perspectiva do direito comparado, tendo em
vista que o instituto possui aplicação bastante incipiente no Brasil, mas já é utilizado com
razoável frequência em outros países. Deste modo, acredita-se ser possível explorar a
experiência estrangeira com o intuito de encontrar elementos que maximizem as
possibilidades de acertos, bem como evitem equívocos já ocorridos no exterior.
Na primeira seção deste trabalho, após breve análise da exploração econômica do
espaço público, são examinadas as especificidades dos naming rights, investigando-se suas
características e os motivos pelos quais sua cessão permite considerável aumento da
arrecadação estatal. Além disso, são verificadas as principais vantagens e desvantagens da
prática. Na segunda seção, são abordados aspectos da cessão onerosa de naming rights nos
Estados Unidos, país em que, até o momento, a prática é mais difundida e bem elaborada. Na
terceira seção, analisa-se a aplicação do instituto em Dubai, cuja experiência com o setor de
transporte público merece registro. Na quarta seção, verifica-se como a cessão de naming
rights sobre bens públicos vem sendo realizada no Brasil. Por fim, conclui-se o trabalho com
uma comparação entre a aplicação do instituto nos três ordenamentos jurídicos analisados, de
forma sistematizada, na tentativa de se formular ideias que possam levar à utilização mais
eficiente do instituto no Brasil.
6 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro paradigmas do direito administrativo pós-moderno: legitimidade: finalidade:eficiência:resultados. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 126.
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2. EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO ESPAÇO PÚBLICO E CESSÃO
ONEROSA DE NAMING RIGHTS.
2.1. Exploração econômica do espaço público
Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto7, a noção de propriedade passa por
diversas transformações, dentre as quais é possível destacar (i) a desmaterialização da
propriedade, entendida como o deslocamento de importância dos bens materiais para os bens
intangíveis, decorrente da crescente valorização do conceito de utilidade que cada bem pode
gerar; e (ii) a funcionalização da propriedade, pública e privada, relacionada à finalidade
pública a ser cumprida pelo emprego dos bens.
Com efeito, dentro do amplo conjunto de transformações do direito administrativo, a
disciplina do espaço público passa por significativa releitura. A administração, de modo a agir
de forma eficiente e voltada à finalidade pública, deve dar utilidade ao espaço público,
evitando condutas (ativas ou omissivas) que não atendam sua função social.
Considerando-se que todos os bens, inclusive os públicos, devem desempenhar função
socialmente relevante, é possível distinguir duas formas de exploração do espaço público. Na
primeira, que ora se denomina exploração gratuita, o espaço público é utilizado sem retorno
financeiro para a administração, visando a alcançar diretamente determinados interesses
sociais. Na segunda, que ora se denomina exploração econômica, há geração de receitas
através de pagamento de remuneração em favor da administração, pelos particulares
beneficiados pela exploração, a fim de que, posteriormente, tais receitas sejam empregadas na
satisfação de demandas sociais.
A exploração econômica do espaço público, além de gerar o efeito direto de
incremento na arrecadação com reduzidos custos de transação, também acarreta efeitos
indiretos relevantes.
Um dos efeitos indiretos mais significativos consiste na possibilidade de se efetuar a
prestação de serviços de interesse coletivo de forma mais ampla, eficiente, e com maior
qualidade, em virtude da diminuição da escassez de recursos.
7 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens públicos: função social e exploração econômica: o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 388-390.
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Outro efeito significativo consiste na redução da carga fiscal sobre a sociedade, a qual
permite que os membros da sociedade possam aplicar suas receitas na perseguição de seus
objetivos individuais, e, consequentemente, permite gerar ou incrementar sentimento social de
satisfação. Afinal, as receitas a serem utilizadas na prestação dos serviços públicos deixam de
ser resultado de uma imposição estatal e passam a ser produto de uma relação consensual
entre a administração e os particulares interessados, sem prejuízo financeiro dos demais
particulares destinatários dos serviços públicos.
Sobre a possibilidade de a Administração Pública explorar economicamente seus bens,
leciona Marçal Justen Filho8:
“Está em curso um processo de revisão das concepções tradicionais sobre os bens
públicos. Reconhece-se a necessidade de sua instrumentalização para a satisfação
das necessidades atribuídas à Administração Pública. Por outro lado, a multiplicação
de encargos supera os recursos disponíveis nos cofres públicos e demanda a busca
por fontes adicionais de ingressos econômicos. Daí a cogitação de aplicação, no
âmbito da atividade estatal, de práticas difundidas no setor empresarial.”
De fato, a exploração econômica do espaço público pode consistir em variadas
práticas difundidas no setor empresarial, dentre as quais é possível destacar a comercialização
do espaço público, que consiste na inserção de publicidade comercial privada na atividade
governamental9.
A citada forma de exploração decorre do fato de o espaço público ser dotado de
características que o tornam bastante valorizado para fins de publicidade particular.
Em regra, a publicidade realizada em bens públicos permite fácil, intensa e frequente
visualização por número elevado de pessoas. Além disso, existem grandes chances de o
particular vir a ser beneficiado pela replicação gratuita (e muitas vezes inevitável) de sua
publicidade sempre que forem transmitidas notícias, nos meios de comunicação, relativas aos
bens que forem objeto de publicidade.
Outro elemento de valorização da utilização do espaço público consiste na
possibilidade de se agregar, ao nome ou à marca objeto da publicidade, valores e identificação
8 JUSTEN FILHO, Marçal. A exploração econômica de bens públicos: cessão do direito à denominação. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, p.217. 9 BARAK-EREZ, Daphne. Three questions of privatization. In: ROSE-ACKERMAN, Susan; LINDSETH, Peter L. (Ed.) Comparative Administrative Law. Cheltenham, UK; Northampton, MA, USA: Edward Elgar Publishing, 2010, p. 497.
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com a comunidade que dificilmente seriam alcançados através de práticas publicitárias
tradicionalmente empregadas.
Assim, se, por um lado, há interesse da administração pública (e dos administrados)
em aumentar a arrecadação pública, por outro lado, também há relevante interesse dos
particulares em explorar o espaço público, vinculando bens, serviços ou eventos públicos às
respectivas atividades econômicas.
No entanto, é essencial notar que a exploração econômica de bens públicos também
pode apresentar desvantagens que não devem ser desconsideradas.
Inicialmente, a depender da natureza dos bens explorados economicamente, ou da
intensidade com que o espaço público é submetido a este tipo de exploração, é possível que
ocorra uma diminuição do valor moral atribuído ao espaço público, em virtude da diminuição,
na percepção coletiva, da sensação de que o ambiente explorado é realmente público.
A progressiva privatização do ambiente público – consistente na utilização, com
exclusividade, de uma fração do espaço coletivo por um particular – pode terminar por
esvaziá-lo exatamente daquilo que o torna interessante aos particulares interessados na
exploração: a existência de identidade e valores comunitários.
Nesse sentido, Michael Sandel10 apresenta importantes considerações:
“O comercialismo não destrói tudo que toca. Um hidrante com o logotipo da KFC
serve de qualquer maneira para apagar chamas com a água. (...). Entretanto, a
afixação de logotipos corporativos nas coisas muda o seu significado. Os mercados
deixam a sua marca. (...) tendo constatado que o mercado e o comércio alteram o
caráter dos bens, precisamos nos perguntar qual o lugar do mercado e onde é que ele
não deve estar. E não podemos responder a essa pergunta sem examinar o
significado e o objetivo dos bens, assim como os valores que devem governá-los.
(...) Além de debater o significado deste ou daquele bem, também precisamos fazer
uma pergunta de caráter mais genérico sobre o tipo de sociedade em que desejamos
viver. À medida em que os direitos de nome e o marketing municipal apropriam-se
do mundo comum, o seu caráter público vai encolhendo. Além dos danos que causa
a bens específicos, o comercialismo corrói o comunitarismo. (...) Queremos uma
sociedade onde tudo esteja à venda? Ou será que existem certos bens morais e
cívicos que não são honrados pelo mercado e que o dinheiro não compra?”
10 SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, pp.200-202.
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Além da crítica moral apresentada, algumas modalidades de exploração econômica
também podem gerar diminuição das trocas sociais entre grupos de indivíduos heterogêneos e
de camadas sociais diversas, dentre outros fatores distintivos. É o que ocorre, por exemplo,
com a restrição geral de acesso a determinado bem público e sua posterior disponibilização a
particulares interessados em explorá-lo economicamente, que estabeleçam formas de restrição
baseadas na cobrança de ingressos com valores elevados11.
Também é possível ressaltar a possibilidade de surgimento, em alguns indivíduos, de
sentimento de inferioridade social, diante da eventual constatação de que somente particulares
que disponham de quantias elevadas podem adentrar a esfera pública, e que o pagamento de
tais quantias pode converter dinheiro em status, popularidade e reconhecimento social12.
Por fim, é possível que a exposição de marcas e nomes de particulares em bens ou
serviços públicos gere a negativa sensação de que os particulares expositores recebem
tratamento privilegiado da administração pública em relação aos demais particulares nos mais
diversos aspectos.
Portanto, é possível concluir que o espaço público é um importante ativo da
administração pública, que deve ser explorado economicamente de forma eficiente, de modo a
se concretizar o enorme potencial de arrecadação existente. Entretanto, não é possível olvidar
que, para que a exploração econômica do espaço público seja realizada de forma bem-
sucedida, é necessário que sejam estabelecidos limites à sua aplicação, de modo a se
identificar e conciliar todos os relevantes valores e interesses em jogo.
Para que se possa converter tal potencial em efetiva arrecadação, existem diversas
modalidades de exploração econômica, sendo relevante, para os fins do presente trabalho,
examinar a cessão onerosa dos direitos à denominação de bens, serviços ou eventos públicos,
também conhecidos como naming rights.
11 No Município do Rio de Janeiro, houve polêmica na instalação de um clube privado de luxo em faixa de praia privativa, localizada dentro de instalação militar do Exército Brasileiro, fato que gerou início de manifestação popular contrária à cessão onerosa. Segundo notícia, o ajuste teria sido encerrado antes do prazo por decisão do Exército Brasileiro, com a justificativa de haver problemas de ordem pública, seguranças de pessoas e instalações. Ainda segundo a notícia, o Exército não consideraria a área um espaço público, mas uma área da União jurisdicionada ao Comando do Exército. As citadas notícias podem ser conferidas em http://oglobo.globo.com/rio/grupo-planeja-invadir-clube-vip-no-forte-de-copacabana-7684899 e http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/03/apos-polemica-fechamento-de-clube-no-forte-de-copacabana-e-antecipado.html. Acesso em 20/06/2013. 12 Como exemplo, pode ser formulada a hipótese de rico empresário, sem qualquer histórico de participação na vida cívica de uma determinada sociedade, que adquire o direito de atribuir seu próprio nome a bem público de relevante valor cívico e cultural.
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2.2. Direitos à denominação (naming rights)
Por serem os naming rights uma espécie do gênero exploração econômica do espaço
público, grande parte das características gerais exploradas no tópico anterior são a ele
aplicáveis, razão pela qual o presente tópico busca analisar as peculiaridades do instituto.
Marçal Justen Filho sustenta que a atribuição de nomes aos objetos “é um requisito
fundamental da construção do mundo e da inteligibilidade da comunicação”13. O autor ainda
destaca que “há muito tempo se reconheceu que o nome do sujeito e o nome do objeto
apresentam enorme relevância econômica no âmbito das atividades empresariais”14.
Com efeito, o nome atribuído a um determinado objeto possui valor autônomo em
relação a ele, podendo ser destacado sem prejuízo da manutenção de sua titularidade.
A atribuição de nome a um objeto se insere no conteúdo do direito de propriedade do
titular, e a transferência da faculdade de atribuição de nome ao bem não implica a cessão da
propriedade em si, mas apenas de uma das faculdades a ela inerentes. Portanto, o direito à
atribuição de denominação ao bem pode ser objeto de relação jurídica independente.
No que concerne ao prazo, em regra, estipula-se apenas a duração mínima da cessão
de direitos à denominação, de modo a permitir que o particular investidor alcance o objetivo
publicitário de criar identificação com as pessoas e os valores coletivos, sem que o titular do
bem perca de forma definitiva esta faculdade inerente à sua propriedade. Além disso, assim é
possível evitar desvalorização da remuneração pactuada.
Quanto à natureza do bem sobre o qual podem recair os naming rights, em tese, é
possível que a cessão recaia sobre qualquer tipo de bem, desde que compatível com a função
social por ele desempenhada.
Por fim, os cuidados que devem cercar a realização de escolhas quanto aos bens que
serão objeto da cessão serão tratados de forma detalhada em tópico adiante.
2.3. Cessão onerosa de naming rights no espaço público.
O espaço público, assim como o espaço privado, pode, em tese, ser objeto de cessão
onerosa de direitos de denominação, desde que estabelecidos parâmetros para a sua
comercialização.
13 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit. p. 217. 14 Ibid. p. 219.
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Sob a perspectiva dos investidores, a aquisição de naming rights de bens públicos
pode ser bastante vantajosa. Ao buscar o direito à denominação no espaço público, o
particular busca agregar ao nome desejado parte dos valores inerentes aos bens sobre os quais
recai a cessão onerosa. Conforme Ann Bartow15:
“O valor de uma marca está relacionado a quão reconhecível ela é e quantas
associações positivas ela carrega. Uma marca forte e amplamente reconhecida como
Coca-Cola começou sua vida como uma designação para um tipo específico de
bebida carbonada, mas agora, abrange uma vasta gama de produtos, inclusive
vestuário esportivo e potes de biscoitos. Licenciados adquirem o direito de afixar a
marca da Coca-Cola em seus produtos porque a marca adiciona valor pelo qual os
consumidores estão dispostos a pagar. Quando bens públicos são nomeados, estas
dinâmicas são quase completamente invertidas. Parques públicos, escolas, estradas,
edifícios, e os correspondentes equipamentos são valiosos porque são visíveis e
úteis. Quando nomes ou marcas são anexados a estes bens públicos, o homenageado
ou detentor da marca colhe alguma medida deste valor, e portanto este valor é
‘privatizado’. Entidades comerciais geralmente compensam o público por esta
usurpação de boa vontade pública oferecendo pagamento pelos ‘naming rights’.”
Paralelamente, é necessário ter em conta que o espaço público também passa a agregar
valores inerentes ao nome que lhe é atribuído, de modo que há um intercâmbio de associações
entre o espaço público e o privado, positivas ou negativas, razão pela qual, conforme já
destacado, é necessária a adoção de cautela na realização de tais empreendimentos.
No Brasil, a cessão de naming rights ainda é bastante incipiente e pouco
regulamentada. Entretanto, é possível constatar crescente interesse, tanto do setor privado
quanto do setor público, na ampliação da prática16 17.
Por esse motivo, é relevante analisar o desenvolvimento do instituto em outros países,
nos quais a experiência já tenha se iniciado há mais tempo, e verificar os erros e acertos
ocorridos, de modo a pavimentar da melhor forma possível o caminho para a sua utilização
em âmbito brasileiro.
15 BARTOW, Ann. Trademarks of Privilege: Naming Rights and the Physical Public Domain. UC Davis Law Review, Vol. 40, 2007, pp. 921-922. Tradução livre do autor. 16 No Município do Rio de Janeiro, foram cedidos os naming rights de arena multiuso de propriedade municipal. V. www.sportmarketing.com.br/2008/03/hsbc-fecha-naming-rights-com-arena.html. Acesso em 20/06/2013. 17 Em 2012, o Município de Curitiba lançou edital de concessão de uso de uma pedreira que incluía a possibilidade de cessão de naming rights. V. http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=18773 e http://www.teianoticias.com/2012/06/01/acao-popular-tenta-impedir-privatizacao-da-pedreira-paulo-leminski/. Acesso em 20/06/2013.
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3. A EXPERIÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS
3.1. Surgimento na esfera privada.
Os primeiros passos da experiência norte-americana com naming rights de que se tem
notícia datam do início do século XX, e estão relacionados ao baseball. No início do século
XX, o Boston Red Sox teve seu estádio renomeado para Fenway Park, de modo a gerar
publicidade para a companhia imobiliária do proprietário do estádio, chamada Fenway
Realty18. Alguns anos depois, outro time de baseball, o Chicago Cubs, adotou a mesma
medida, alterando o nome de seu estádio para Wrigley Field, de modo a promover a
companhia de chicletes do proprietário do time, William Wrigley.
Em ambos os casos, com o curso dos anos, os nomes das companhias passaram a
gozar de imensa identificação com o clube, ao ponto de, em recente manifestação, o
presidente do Chicago Cubs ter afirmado que não alienaria os naming rights do estádio pelo
fato de eles terem real significado para as pessoas19.
3.2. Expansão da prática para a esfera pública.
Após início restrito à iniciativa privada, especialmente no âmbito de arenas esportivas,
a prática alcançou o espaço público, sendo hoje uma importante fonte de renda para diversos
entes públicos e universidades. A tradição norte-americana de comércio intenso e valorização
da iniciativa privada permitiu a evolução da prática, tornando-a amplamente utilizada naquela
sociedade, de modo que, atualmente, a cessão de naming rights é realizada com os mais
diversos bens, tais como escolas públicas, edifícios, bibliotecas e parques públicos. No ponto,
vale frisar que, em regra, é possível que os nomes empregados sejam de pessoas físicas ou
jurídicas.
A cessão de direitos à denominação vem sendo considerada, em muitos casos, uma
excelente oportunidade de retirar os entes públicos de dificuldades financeiras, sem
necessidade de prévios investimentos públicos.
18 V. http://www.lawinsport.com/articles/intellectual-property-law/item/stadia-naming-rights-legal-and-commercial-issues. Acesso em 20/06/2013. 19 V. http://www.breitbart.com/Breitbart-Sports/2013/05/05/Ricketts-Threatens-To-Move-Cubs-But-Not-Sell-Naming-Rights. Acesso em 20/06/2013.
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Com efeito, em regra, o debate acerca do instituto nos Estados Unidos gira em torno
de aspecto econômico, de um lado, e de aspecto moral, de outro.
De forma a contextualizar o debate sobre a cessão de naming rights, parece
recomendável analisar alguns exemplos em que houve discussão acerca de importantes
elementos cuja consideração é indispensável ao adequado desenvolvimento do instituto.
O primeiro exemplo relevante que pode ser destacado se refere à alienação dos naming
rights do estádio Candlestick Park, propriedade da cidade de San Francisco, California. Após
anos de consolidação e identificação do nome com a torcida do time local de futebol
americano, os naming rights do estádio foram alienados, em meados da década de 90, para
uma companhia privada interessada, pelo prazo de alguns anos.
Após expirado o prazo contratual, o Conselho Municipal realizou deliberação acerca
da possibilidade de realização de nova cessão onerosa. Diante do empate na votação, a cessão
não foi autorizada.
A posição favorável à cessão de naming rights teve como fundamento principal o
aspecto econômico, diante das necessidades orçamentárias da cidade para a prestação de
serviços públicos20.
A posição contrária à alienação dos direitos de denominação não se baseou no aspecto
econômico, mas em fundamentos morais. O argumento utilizado consistiu no fato de que o
estádio constituía um patrimônio cultural da cidade, e que nem todas as coisas deveriam ser
colocadas à venda21.
Entretanto, alguns anos após a citada rejeição, houve novas propostas de aquisição dos
naming rights do estádio, e o entendimento favorável à alienação prevaleceu, de modo que,
em maio de 2013, os direitos à denominação do estádio foram cedidos por expressiva quantia,
superior a US$200.000.000,00 (duzentos milhões de dólares)22.
Outro caso interessante, porém com desfecho diverso, ocorreu no primeiro semestre de
2013, no estado da Florida. Uma das universidades públicas locais decidiu ceder os naming
rights de sua arena de futebol americano para uma companhia operadora de prisões
privatizadas. A decisão não foi precedida de adequada coleta de informações e opiniões junto
ao público eventualmente interessado.
20 V. http://www.sfgate.com/sports/article/Traditional-name-will-Stick-for-now-2786486.php. Acesso em 20/06/2013. 21 V. http://www.alternet.org/story/14036/private_names,_public_spaces. Acesso em 20/06/2013. 22 V. http://blog.49ers.com/2013/05/10/mt-levis-stadium-is-born/. Acesso em 20/06/2013.
12
Em virtude da natureza das atividades desempenhadas pela pessoa jurídica adquirente
dos direitos à denominação, houve forte clamor para que o negócio não fosse realizado, não
apenas por parte dos estudantes, mas também por parte da população local. Após algumas
semanas de controvérsia e de desgaste dos envolvidos, a proposta foi retirada23.
Os casos acima narrados são de extrema importância, por demonstrarem que mesmo
em uma sociedade tradicionalmente liberal e com forte viés comercial, há limites substantivos
e procedimentais para a cessão onerosa de naming rights que não podem ser ignorados.
No que concerne aos limites substantivos, os exemplos citados demonstram que, a
depender da natureza do bem objeto de cessão de direitos à denominação, é possível que haja
forte rejeição popular à ideia, especialmente quando possuírem relevante significado para a
sociedade, em virtude de sua natureza cultural, histórica, ou de outros fatores. Nestes casos, os
benefícios econômicos trazidos pela cessão dos direitos à denominação não são suficientes
para legitimar a prática.
Quanto ao aspecto procedimental, veiculado com maior ênfase no segundo exemplo, é
necessário ter em mente que os bens públicos pertencem à coletividade, de modo que a cessão
de quaisquer faculdades inerentes à propriedade deve ser feita considerando os interesses do
público interessado.
Nesse sentido, é possível concluir que, em momento prévio à tomada de decisão
acerca da cessão de naming rights, é recomendável a abertura de procedimentos de
participação da população envolvida, com o intuito de averiguar a sua viabilidade em cada
caso relevante, de modo a conferir maior grau de legitimidade às decisões administrativas.
4. A EXPERIÊNCIA DE DUBAI EM TRANSPORTES PÚBLICOS
Em junho de 2013, irromperam manifestações populares em São Paulo e Rio de
Janeiro – que, em seguida, se estenderam para todo o país – cuja motivação inicial decorreu
da insatisfação com aumento de tarifas de serviços públicos de transporte coletivo. Além dos
preços elevados, reclamava-se da baixa qualidade dos serviços prestados pelas
concessionárias.
Durante o período de manifestações, alguns entes públicos retrocederam, e decidiram
reduzir as tarifas ao patamar anterior, mas, em contrapartida, alegaram que seria necessário
23 V. http://www.usatoday.com/story/gameon/2013/04/02/florida-atlantic-fau-geo-group-stadium-withdraws-offer/2045581/. Acesso em 20/06/2013.
13
retirar verbas alocadas em outras rubricas orçamentárias para custear tal redução24,
provavelmente em virtude da necessidade de manutenção do equilíbrio econômico do contrato
celebrado com as concessionárias.
Embora esta não tenha sido a única pauta de reivindicações dos movimentos
populares, o fato de terem sido o estopim para seu início demonstra a importância dos
serviços públicos de transporte coletivo para a sociedade, e, consequentemente, a necessidade
de se compatibilizar baixas tarifas com qualidade na prestação do serviço. Por isso, é
interessante analisar a experiência realizada em Dubai em matéria de transportes públicos.
Em 2008, Dubai lançou um projeto de marketing inovador, voltado à cessão de
naming rights das estações metroviárias, com o intuito de ampliar e melhorar este serviço de
transporte coletivo.
Na primeira fase do projeto, algumas companhias abraçaram a ideia e adquiriram
direitos à denominação de estações metroviárias. O programa foi bem-sucedido e resultou em
expressiva arrecadação para os cofres públicos, bem como em elevação da qualidade do
serviço de transporte. Diante do sucesso obtido, foi lançada, em 2012, a segunda fase do
projeto, com a possibilidade de aquisição de naming rights de novas estações25.
Para o cálculo do valor adequado para a nomeação de cada estação de metrô, foram
utilizados parâmetros objetivos, tais como a localização e a estimativa de usuários, dentre
outros fatores.
Segundo a entidade pública responsável pelo transporte metroviário, o programa
oferece aos parceiros uma grande plataforma de marketing, com garantia de reconhecimento
diário da marca, e também desenvolve um senso de comunidade e compromisso com o
crescimento público, devido ao significativo número de usuários que utilizam diariamente
esta modalidade de transporte público coletivo.
Entretanto, a disponibilidade das estações não foi admitida de forma irrestrita. Dentre
as limitações existentes, pode ser enumerada a impossibilidade de cessão de naming rights de
estações situadas em locais históricos ou de especial relevância cultural.
Portanto, percebe-se que a alienação de direitos de denominação viabilizou a criação e
o desenvolvimento de transporte público coletivo de qualidade. Além disso, e talvez com
24 V. http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,decisao-sobre-baixar-tarifa-e-politica-diz-haddad,1043878,0.htm e http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/06/sao-paulo-e-rio-anunciam-reducao-das-tarifas-do-transporte-publico.html. Acesso em 20/06/2013. 25 V. http://dubaimetro.eu/featured/8641/rta-announces-the-second-phase-of-the-dubai-metro-naming-rights-initiative. Acesso em 20/06/2013.
14
aprendizado extraído da experiência norte-americana, houve preocupação com o aspecto
moral na utilização do instituto.
5. CESSÃO DE NAMING RIGHTS NO CONTEXTO BRASILEIRO
No Brasil, assim como nos Estados Unidos, a cessão de naming rights tem
apresentado bastante relevância no contexto esportivo privado. Diversos clubes de futebol já
negociaram ou estão em fase de negociação dos direitos à denominação de seus respectivos
estádios26. Entretanto, já há algumas situações relacionadas a arenas públicas.
No Município do Rio de Janeiro, foi construído para os Jogos Pan-americanos de 2007
o Estádio Olímpico João Havelange, cuja gestão foi conferida, no mesmo ano, a um clube de
futebol carioca, o qual já manifestou interesse na cessão de naming rights do citado estádio.
Ainda no Município do Rio de Janeiro, também foi construída para os Jogos Pan-
americanos arena multiuso municipal, em cuja concessão de uso delegada a particulares após
a realização do evento, constou a possibilidade de a concessionária adotar denominação ou
marca própria para a arena, suas partes e atividades27.
Fora da esfera esportiva, o Município de Curitiba iniciou procedimento para a cessão
de naming rights de pedreira municipal na qual são realizados espetáculos28.
Esses e outros exemplos demonstram que o tema começa a ganhar relevo no Brasil,
embora ainda não haja número significativo de obras na doutrina brasileira.
No Brasil, as cessões, em regra, tem se concentrado em nomes de pessoas jurídicas,
apesar de, a despeito de controvérsias sobre o ponto, também ser possível a atribuição de
nomes de pessoas físicas.
Desta forma, passa-se à análise das duas situações de forma separada: a atribuição de
nomes de pessoas físicas, em primeiro lugar, e de pessoas jurídicas, em segundo lugar. Em
seguida, são analisados os limites procedimentais existentes no ordenamento jurídico
brasileiro.
26 É o caso dos clubes Palmeiras, Corinthians e Atlético-PR, dentre outros. Cf. http://www.portal2014.org.br/noticias/11656/ATLETICOPR+TENTA+FECHAR+NAMING+RIGHTS+DA+ARENA+DA+BAIXADA.html. Acesso em 20/06/2013. 27 Para consulta à auditoria relativa ao legado dos Jogos Pan-americanos realizada pela Secretaria Municial de Fazenda, v. http://www.tcm.rj.gov.br/Noticias/4511/LegadoPan2009.pdf. Acesso em 20/06/2013. 28 V. http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=18773. Acesso em 20/06/2013.
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5.1. Atribuição de nomes de pessoas físicas
O primeiro ponto relevante a ser analisado consiste no fato de a lei 6.454/1977 (com
redação dada pela lei 12.781/2013) vedar expressamente a atribuição de nome de pessoa viva
ou que se tenha notabilizado pela defesa ou exploração de mão de obra escrava a bem público,
de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da administração indireta29.
A proibição não realiza distinção entre nomeações honoríficas – aquelas realizadas
gratuitamente em homenagem a indivíduos que possuam alguma relevância histórica ou
cívica – das nomeações realizadas mediante aquisição de naming rights. Logo, é possível
concluir que também é vedada a atribuição de nomes de pessoas vivas a bens públicos em
decorrência da cessão de naming rights. Entretanto, não há vedação à atribuição de nome de
pessoa já falecida em virtude da aquisição de direitos à denominação.
Em âmbito normativo estadual, o Supremo Tribunal Federal (STF) já teve a
oportunidade de analisar dispositivo da Constituição do Estado do Ceará que vedava a
atribuição de nome de pessoa viva a avenidas, praças, ruas e outros componentes do espaço
público. Na ocasião, o STF considerou constitucional o dispositivo, por impedir o culto e a
promoção pessoal de pessoas vivas, tenham ou não passagem pela Administração30. Na
ocasião, salientou-se que a norma estadual seria plenamente compatível com o princípio da
impessoalidade.
A decisão, embora não tenha abordado possível questão referente a eventual invasão
de competência de um ente para dispor sobre bens de outro ente (no caso, Estado dispor sobre
bens do Município), é relevante por definir – como não poderia deixar de ocorrer – que os
limites jurídicos sobre o tema, no âmbito brasileiro, não se restringem a regras estabelecidas
na legislação, mas também a fundamentos principiológicos.
Logo, é possível concluir que, mesmo não havendo regras legislativas no âmbito do
ente titular do bem público objeto de cessão de naming rights, é possível que haja controle da
29 Lei 6.454/1977: “Art. 1o É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva ou que tenha se notabilizado pela defesa ou exploração de mão de obra escrava, em qualquer modalidade, a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da administração indireta. Art. 2º É igualmente vedada a inscrição dos nomes de autoridades ou administradores em placas indicadores de obras ou em veículo de propriedade ou a serviço da Administração Pública direta ou indireta. Art. 3º As proibições constantes desta Lei são aplicáveis às entidades que, a qualquer título, recebam subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais. Art. 4º A infração ao disposto nesta Lei acarretará aos responsáveis a perda do cargo ou função pública que exercerem, e, no caso do artigo 3º, a suspensão da subvenção ou auxílio. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” 30 ADI 307/CE. STF – Tribunal Pleno. Min. Rel. Eros Grau. Julgamento em 13/02/2008.
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cessão com base em outros fundamentos, como os princípios da impessoalidade e da
moralidade.
5.2. Atribuição de nomes de pessoas jurídicas
A utilização de nomes de pessoas jurídicas em bens públicos parece menos
controversa que a de nomes de particulares.
Por um lado, a vedação da citada lei 6.454/1977 não se aplica às pessoas jurídicas em
atividade, embora isso não signifique que a atribuição de nomes de pessoas jurídicas esteja
imune a controle judicial, pois além de legislações específicas dos entes titulares, também são
aplicáveis, a tais pessoas, os limites principiológicos já mencionados no tópico anterior.
No ponto, vale considerar ainda os limites substantivos dispostos na Constituição da
República, bem como em diplomas como a lei de ação popular (lei 4.717/65) e a lei de
improbidade administrativa (lei 8.429/92), dentre outras.
Por outro lado, a admissibilidade do instituto decorre não apenas de uma atuação
pautada por princípios constitucionais (como, por exemplo, o princípio da eficiência e outros
que poderão ser melhor alcançados pelo acréscimo de receita com menores custos de
transação), como também de previsões expressas no ordenamento jurídico, como ocorre na lei
8.987/95, em seu artigo 1131, segundo a qual, no atendimento às peculiaridades de cada
serviço público, o poder concedente poderá prever, em favor da concessionária do serviço
público delegado, a possibilidade de fontes de renda alternativas, complementares, acessórias
ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade
das tarifas. No parágrafo único do citado artigo, há previsão de que estas fontes de receita
sejam levadas em consideração para a aferição do equilíbrio econômico-financeiro do
contrato.
A lei 12.587/2012, que institui a política nacional de mobilidade urbana, possui
previsões em sentido semelhante32.
31Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato. 32 Art. 9o (...) § 1o A tarifa de remuneração da prestação do serviço de transporte público coletivo deverá ser constituída pelo preço público cobrado do usuário pelos serviços somado à receita oriunda de outras fontes de
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Dentre as fontes de receitas alternativas previstas nas citadas leis, certamente pode ser
elencada a cessão do direito à denominação de bens públicos integrantes do objeto da
concessão, com a finalidade de reduzir as tarifas e elevar a qualidade do serviço prestado33.
5.3. Limites procedimentais
Nos tópicos anteriores, buscou-se dar maior ênfase às questões substantivas que
envolvem a cessão de naming rights no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, também
há questões procedimentais relevantes que merecem ser estudadas. No que concerne aos
limites procedimentais, é possível destacar dois pontos principais.
O primeiro ponto se refere à questão da autorização legislativa para a cessão de
naming rights. Comentando o tema, defende Marçal Justen Filho:
“Aplica-se ao caso o requisito genérico da autorização legislativa, tal como se passa
com toda a atividade administrativa. A cessão do direito à denominação é uma
manifestação da atividade contratual do Estado. Portanto, a autorização legislativa
para o Estado promover contratos administrativos compreende também a cessão do
direito à denominação.
Isso significa uma desnecessidade de autorização legislativa específica autorizadora
caso a caso da cessão onerosa do direito à denominação. Não se aplica, no caso, a
legalidade estrita – vale dizer, não há necessidade de uma lei prever exaustivamente
todas as características da operação de cessão.”34
custeio, de forma a cobrir os reais custos do serviço prestado ao usuário por operador público ou privado, além da remuneração do prestador. (...) §5o Caso o poder público opte pela adoção de subsídio tarifário, o déficit originado deverá ser coberto por receitas extratarifárias, receitas alternativas, subsídios orçamentários, subsídios cruzados intrassetoriais e intersetoriais provenientes de outras categorias de beneficiários dos serviços de transporte, dentre outras fontes, instituídos pelo poder público delegante. (...) Art. 10. A contratação dos serviços de transporte público coletivo será precedida de licitação e deverá observar as seguintes diretrizes: (...) V - identificação de eventuais fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, bem como da parcela destinada à modicidade tarifária.” 33 Nesse sentido, uma concessionária de serviços de transporte ferroviário do Estado do Rio de Janeiro iniciou a implementação de projeto de adoção de estações por sociedades privadas, com possibilidade de exploração de naming rights nas estações de trem (v. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/27894-operadora-de-trem-do-rio-vende-nome-de-estacao.shtml. Acesso em 07/07/2013). 34 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit. p. 234.
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Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a cessão onerosa de naming rights
independe de lei específica autorizadora, situando-se dentro da atividade comum de
contratação da administração pública.
Apesar disso, parece essencial que, antes de se adotar a iniciativa de ceder os direitos à
denominação de um determinado bem público, seja realizada avaliação sobre o valor deste
atributo, além de estudo acerca da viabilidade e de existência de potencial interesse na
aquisição dos correspondentes naming rights.
Ademais, é essencial que se respeite o princípio licitatório, buscando, sempre que
possível, avaliar se existe pluralidade de interessados, bem como, em caso positivo, analisar a
melhor proposta, a qual deverá consistir em um ponto ótimo entre o valor a ser pago à
administração e uma avaliação do nome a ser empregado no bem, prestigiando-se nomes que
agreguem valor ao patrimônio público, por possuírem boa imagem, respeitabilidade e solidez
no mercado.
O segundo ponto relevante quanto aos limites procedimentais refere-se à legitimação
da decisão administrativa pela participação democrática.
Com efeito, quanto maior for a adesão popular à iniciativa de ceder onerosamente os
naming rights de um determinado bem público, bem como a sua participação quanto à
aprovação específica do nome, mais legítima será a atuação estatal.
No que concerne aos bens de sua titularidade, cada ente poderá estabelecer normas
referentes à participação popular na decisão acerca da conveniência da cessão dos direitos à
denominação, bem como na conveniência do próprio nome a ser utilizado35, mas,
independentemente da criação de normas, poderão ser utilizados procedimentos de obtenção
de inputs da população, como consultas públicas às parcelas da população diretamente
interessadas no bem objeto da cessão, ainda que tais consultas sejam realizadas em ambiente
cibernético36.
35 No ponto, vale frisar que a lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), prevê em seu art. 43, instrumentos destinados a garantir a gestão democrática da cidade, dentre os quais, nos incisos II e III, se encontram, respectivamente, “debates, audiências e consultas públicas” e “conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal”. 36 Alguns interessantes exemplos de modalidades de consultas públicas (embora no contexto de elaboração de políticas públicas), extraídos do sistema jurídico francês, e que podem auxiliar no desenvolvimento de modelos brasileiros, são analisados em ROSE-ACKERMAN, Susan; PERROUD, Thomas, Policymaking and Public Law in France: Public Participation, Agency Independence, and Impact Assessment (February 14, 2013). Columbia Journal of European Law, 2013, Forthcoming ; Yale Law & Economics Research Paper No. 463, pp. 26-39.
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6. REFLEXÕES CRÍTICAS PARA O ADEQUADO DESENVOLVIMENTO DA
CESSÃO DE NAMING RIGHTS NO BRASIL
Diante do sucinto relato de experiências estrangeiras e do atual panorama brasileiro, é
possível realizar análise comparativa com o intuito de fornecer elementos que permitam um
desenvolvimento mais adequado e eficiente da cessão onerosa de direitos à denominação no
Brasil.
Sob o aspecto econômico, é possível constatar que a exploração econômica de naming
rights, quando bem executada, pode gerar receitas significativas para a administração pública
com baixos custos de transação, bem como permitir a redução da carga tributária.
No Brasil, estes fatores são particularmente relevantes, não apenas em virtude da alta
carga tributária já existente sobre a população, mas também em decorrência da forte atuação
estatal como provedor de prestações de bem-estar social, desempenhando papel fundamental
na prestação de serviços públicos – alguns deles gratuitos –, e mantendo diversos programas
de assistência social.
Na verdade, mais que uma possibilidade, é um dever da administração pública buscar
meios de maximizar suas receitas com a finalidade de satisfazer, na maior extensão possível,
as demandas sociais existentes.
Sob o aspecto moral, a experiência norte-americana demonstra que existem limites
substantivos à utilização do instituto, ou seja, casos em que o aumento da arrecadação pública
não é suficiente para justificar perdas relacionadas a valores não econômicos.
Com efeito, não devem ser alienados bens que possuam relevância histórica, cultural
ou cívica, pois, em tais casos, o interesse público se aloca em valores diversos da ampliação
de receitas públicas, ainda que estas posteriormente venham a ser revertidas em serviços para
a população.
A experiência em transportes públicos de Dubai, talvez já considerando os erros e
acertos norte-americanos, demonstra a separação, ainda que dentro da mesma categoria, de
bens que podem ou não ter suas denominações cedidas onerosamente de acordo com seu
significado cívico. Este parece ser um bom norte para o desenvolvimento do instituto no
Brasil.
Sob o aspecto procedimental, a participação popular através da realização de consultas
públicas, nos mais diversos modelos, acerca da viabilidade da cessão onerosa de naming
rights sobre determinado bem, e da avaliação quanto ao nome cuja utilização se pretende,
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garante maior legitimidade à decisão administrativa, maior possibilidade de êxito nos
resultados do negócio celebrado, bem como assegura menor perspectiva de insatisfação
social.
Além disso, a sucessão de consultas e audiências públicas a respeito de diversas
cessões de naming rights poderá gerar informações relevantes, que gradativamente permitirão
a elaboração de uma política clara, condizente com o perfil da população, com diretrizes
razoavelmente definidas acerca de quais espécies de bens podem ser objeto de cessão de
naming rights, como e quando realizar tal cessão e quais tipos de pessoas podem ser
adquirentes, sem prejuízo da realização de novas consultas e oitivas da população interessada
em casos difíceis ou relevantes.
Ademais, a adoção de um procedimento adequado para a cessão de direitos à
denominação permite a verificação de eventuais interessados na aquisição dos naming rights
no mercado, da qualidade da proposta, bem como permite aferir se os valores da proposta são
realmente condizentes com o potencial econômico do bem público cujos direitos à
denominação se pretende ceder.
Além da adoção de um procedimento participativo anterior à definição acerca da
cessão de naming rights, é recomendável a divulgação ampla e clara dos resultados do ajuste,
bem como a destinação das verbas arrecadadas.
Com efeito, a transparência administrativa é essencial para fortalecer a legitimidade da
atuação, e deve permear todo o processo, seja em momento anterior à cessão dos direitos à
denominação, seja em momento posterior.
A prévia procedimentalização participativa e a transparência na gestão dos recursos
arrecadados com a comercialização dos direitos à denominação trazem ainda outro efeito
positivo: a possibilidade de adequado controle judicial sobre as decisões administrativas.
Com efeito, a ampla exposição de razões para a cessão de naming rights, a coleta de
sugestões e informações da população – com as devidas justificativas acerca dos motivos
pelos quais foram incorporadas ou descartadas –, e a transparência na gestão dos recursos
pode ter o condão de assegurar maior deferência judicial às decisões administrativas.
Por outro lado, a tomada de decisões sem participação popular ou políticas claras e
previamente definidas, com base em atos com elevado grau de discricionariedade, e sem
transparência nos resultados, não configura postura legítima da Administração, e enseja
intenso controle judicial.
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No ponto, vale frisar que, em âmbito brasileiro, a ação popular37 configura relevante
instrumento de controle da utilização do instituto, ao alcance de qualquer cidadão, tanto em
relação a questões substantivas quanto em relação a questões procedimentais. A ação civil
pública e a ação de improbidade administrativa também podem servir como mecanismos de
controle das escolhas de denominações para bens públicos. Entretanto, é necessário cautela no
manejo de tais mecanismos de controle, seja pelos legitimados, seja pelo Judiciário.
Em primeiro lugar, é sempre necessário lembrar que, em praticamente todas as
decisões administrativas de abrangência coletiva, há indivíduos satisfeitos e outros
insatisfeitos com o resultado. A insatisfação baseada em meras convicções pessoais contrárias
à decisão, não justificáveis através de razões públicas, não é suficiente para legitimar a
utilização de qualquer mecanismo de impugnação judicial da decisão administrativa.
Em segundo lugar, quanto mais abrangente e transparente for o processo participativo
adotado para a tomada da decisão administrativa, maior deverá ser a deferência judicial ao
resultado alcançado. Afinal, decisões com alto grau de participação e reflexão conferem maior
legitimidade às decisões. O controle judicial, entretanto, deverá ser mais intenso quando a
cessão de direitos puder afetar negativamente direitos fundamentais de grupos minoritários,
que não consigam fazê-los valer no processo participativo.
Sem a adoção de tais cautelas, é possível que sejam instauradas inúmeras demandas
judiciais, cada qual com sua perspectiva parcial, sem que haja qualquer motivo para se
imaginar que o resultado do processo judicial será melhor que o resultado da decisão
administrativa.
O processo judicial, da forma como é concebido atualmente, embora admita
mecanismos de participação, não é o fórum mais adequado para a coleta de inputs populares
37CRFB, art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Lei 4.717/1965, art. 1º - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
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nem para a realização de deliberações coletivas. Além disso, o Judiciário não possui adequada
capacidade institucional para aferir adequadamente a correção de escolhas econômicas como
as tratadas no presente trabalho.
Consequentemente, é possível que o resultado do controle judicial, em circunstâncias
impróprias, reflita apenas a substituição de uma decisão discricionária do administrador por
uma decisão igualmente discricionária do juiz, influenciada de forma determinante por fatores
pessoais.
7. CONCLUSÕES PROPOSITIVAS
Diante de tudo o que foi exposto, é possível sintetizar as ideias apresentadas nas
seguintes conclusões propositivas.
1. O Estado contemporâneo necessita satisfazer inúmeras demandas sociais, embora seus
recursos sejam escassos. Desta maneira, o Estado deve buscar ampliar suas receitas através de
todas as oportunidades legítimas, dentre as quais se insere a exploração econômica do espaço
público.
2. Entre os meios de exploração econômica do espaço público, é possível destacar a
cessão onerosa de direitos à denominação, cuja utilização ainda é bastante incipiente em
âmbito brasileiro, mas que já possui significativa aplicação em outros países. Assim, é
relevante o estudo do tema sob uma perspectiva comparada, com a finalidade de analisar os
erros e acertos já ocorridos, de modo a alcançar o maior êxito possível no desenvolvimento do
instituto no Brasil.
3. Embora seja apta a elevar as receitas públicas, a cessão onerosa de naming rights deve
observar limites morais e jurídicos. Não devem ser objeto deste tipo de exploração econômica
bens que possuam relevante significado histórico, cultural ou cívico, de forma a se preservar
estes valores, evitando-se sua mercantilização. Além disso, no Brasil, é vedada a utilização de
nomes de pessoas vivas em bens públicos em âmbito federal, bem como, em todas as esferas,
de quaisquer nomes que afrontem princípios constitucionais como o da moralidade.
4. Também há limites procedimentais a serem observados na cessão onerosa de direitos à
denominação, consistentes em deveres de prévia avaliação do bem e de seu potencial
econômico, da conveniência da realização da cessão, da aferição de pluralidade de
interessados no mercado, e da melhor oferta, a qual deverá ser alcançada através de uma
ponderação entre o preço e as características do nome a ser utilizado.
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5. Outros limites procedimentais estão ligados à coleta de inputs junto à população
diretamente interessada, através de consultas públicas, com a finalidade de se aumentar a
legitimidade das decisões administrativas.
6. A legitimidade das cessões de naming rights efetuadas pela Administração é reforçada
pela adoção de mecanismos de transparência na averiguação do destino dos recursos obtidos.
7. Em âmbito brasileiro, é possível haver controle judicial das decisões administrativas
de cessão onerosa de naming rights através do ajuizamento de diversos tipos de ações.
Entretanto, é necessário cautela no manejo destes instrumentos, para se evitar que decisões
legítimas da administração sejam substituídas por decisões baseadas em convicções
meramente pessoais de juízes.
8. Assim, quanto mais abrangente e transparente o processo participativo na tomada de
decisão administrativa, maior deverá ser a deferência judicial. Por outro lado, quanto mais
afetados direitos fundamentais de grupos minoritários, em virtude da realização da cessão de
naming rights, mais intenso deverá ser o controle judicial.
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8. BIBLIOGRAFIA
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