xinguara a luta pela terra na amazonia
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Excelente pesquisa sobre o histórico de disputa de terras no sul-sudeste do Pará, apontando as principais famílias de pecuaristas envolvidas.TRANSCRIPT
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A luta pela terra na Amazônia: camponeses/as, a família Mutran, Daniel Dantas e
outros sujeitos 1
Rogério Almeida 2
Raimundo Nonato do Carmo, de 53 anos, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais (STR) do município de Tucuruí, sudeste do Pará foi executado com sete tiros na
noite do dia 16 de abril de 2009, véspera da passagem de 13 anos do Massacre de
Eldorado do Carajás. O nome de Nonato integrou uma lista de 260 pessoas ameaçadas
de morte no estado. Entre os ameaçados há dirigentes sindicais, ambientalistas,
advogados, indígenas e religiosos.
Ao centro o sindicalista de Tucuruí, Raimundinho, executado no dia 16 de abril de 2009. FOTO: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
No dia 18 do mesmo mês nove trabalhadores sem terra foram baleados por
“seguranças” da fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara. Militantes do MST
ocupam a fazenda desde fevereiro. Há registro de outros grupos de camponeses na
mesma área.
1 A presente produção resulta de vários trabalhos publicados anteriormente nos formatos de artigos e reportagens e vai integrar a publicação Pororoca pequena: marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá. 2 Rogério Almeida é colaborador do www.forumcarajas.org.br, articulista do IBASE e Ecodebate. Em 2006 lançou o livro Araguaia-Tocantins: fios de uma História camponesa/Fórum Carajás. No segundo semestre lança a segunda publicação, Territorialização do campesinato no sudeste do Pará, trabalho de dissertação laureado com o prêmio de pesquisa no NAEA (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos) da UFPA.
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Se na década de 1980, período considerado o mais sangrento do lugar, a União
Democrática Ruralista (UDR) exerceu o protagonismo da violência e a milícia fazia a
defesa da propriedade privada, atualmente as “empresas” de segurança configuram o
braço armado das grandes propriedades.
Registro do cartaz de uma mobilização realizada em Belém contra a violência no campo na década de 1980. Foto:
Miguel Chikaoka/Jornal Resistência.
Desde o início da década de 2000 as organizações camponesas denunciam a questão aos
órgãos públicos. Através de uma audiência pública realizada em Marabá, a comissão de
direitos humanos da Câmara Federal tomou conhecimento do assunto no ano de 2001.
A audiência foi motivada por conta do recrudescimento da violência no campo. Entre
julho a agosto daquele ano 121 camponeses foram presos e sete executados. Sendo três
da mesma família, caso do sindicalista de Marabá, José Pinheiro Lima (Dedezinho),
esposa e o filho de 15 anos. No mesmo período documentos de espionagem do exército
em Marabá direcionados para monitorar as ações dos movimentos sociais taxavam os
mesmos de "forças adversas passíveis de eliminação”. Os documentos do quartel
general do Exército Brasileiro (EB) direcionado para monitorar as ações dos
movimentos sociais foram divulgados através de várias reportagens do jornalista Josias
de Souza, da Folha de São Paulo, no mês de agosto de 2001.
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Mobilização de camponeses em Marabá/PA na década de 2000. Foto: Arquivo do Centro de Educação,
Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Onde os sem terra foram baleados, a fazenda Espírito Santo, está em nome da
Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel
Dantas. A propriedade já foi flagrada com uso de mão obra escrava3 pela Delegacia
Regional do Trabalho (DRT).
Dantas é o mais novo sujeito da cena econômica e política a exercer pressão sobre as
terras e as riquezas locais. Uma presença ainda não digerida para as pessoas que se
inquietam em entender as dinâmicas da região. Mas, relatórios da Polícia Federal
assinados pelo delegado Ricardo Andrade Saadi indicam indícios de lavagem de
dinheiro.
Quanto à posse legal das terras, no dia 30 de janeiro de 2009 o juiz Líbio Araújo de
Moura, titular da vara agrária de Redenção bloqueou os títulos das fazendas Castanhal
Espírito Santo e Castanhal Carajás. As duas fazendas somam 10 mil hectares e foram
negociadas por 85 milhões pelo pecuarista Benedito Mutran. As áreas estão
indisponíveis para qualquer tipo de negociação.
3 José Pereira Ferreira ganhou notoriedade, em novembro do ano passado, quando foi aprovada pelo Congresso uma indenização no valor de R$ 52 mil. Zé Pereira tinha sido reduzido à condição de escravo na fazenda Espírito Santo, cidade de Sapucaia, Sul do Pará. Em setembro de 1989, com 17 anos, fugiu dos maus-tratos e foi emboscado por funcionários da propriedade, que atingiram seu rosto. O caso, esquecido pelas autoridades tupiniquins, foi levado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil. Ferreira, goiano de São Miguel do Araguaia, veio com oito anos para o Pará acompanhar o pai, que também fazia serviços para fazendas. Hoje, com 31 anos e o dinheiro da indenização, pretende começar vida nova para compensar a vida roubada pelos anos de tratamento para salvar a visão atingida pelos pistoleiros, pelas ameaças recebidas e a escravidão. "Eu estou comprando uma chácara. Bem longe daquele lugar. (Leonardo Sakamoto, Repórter Brasil, 02/06/2004).
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As fazendas vendidas pelo Mutran não poderiam ter sido negociadas, posto serem terras
cedidas pelo estado através da ferramenta jurídica do aforamento, que concede direito
de uso para fins do extrativismo da castanha do Brasil e não de posse.
Desde os tempos coloniais a terra e os recursos nela existentes mobilizam redes
econômicas, políticas e sociais. Nos dias atuais, por onde se lança a atenção nas
Amazônias do Brasil ou fora dela há registros de tensão entre grandes corporações e as
populações locais.
O sul e sudeste do Pará banhados pela bacia do Araguaia-Tocantins ao longo de sua
“conquista” se configuraram como uma espécie de emblema da expropriação e da
violência pública e privada contra as populações indígenas e camponesas na Amazônia.
Trata-se de uma fronteira agro-mineral, onde tensionam pelo controle dos territórios
empresas do quilate da Vale, madeireiros, fazendeiros, pecuaristas, indígenas,
garimpeiros, frigoríficos de grande porte, camponeses assentados, ocupantes filiados ou
não a alguma representação política, sob uma situação fundiária de abissal incerteza.
Para efeito didático trataremos apenas de sudeste as duas regiões em questão.
Tal disputa alçou a região à condição de mais violenta na disputa pela terra no país. Os
dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) estimam em cerca de 800 pessoas
executadas na disputa pela terra ao longo de três décadas. A impunidade beira a casa de
cem por cento.
Por conta da abundância da riqueza mineral no regime militar a região ganhou o status
de área de segurança nacional. A Guerrilha do Araguaia também colaborou para a
militarização da fronteira. Na cena econômica o extrativismo da castanhal do Brasil,
com apogeu até 1970 é considerado relevante na historiografia regional. Tempos
marcados pelas oligarquias.
Dantas nos derradeiros três anos fez sem muito estardalhaço um pequeno feudo numa
região considerada das mais tensas na disputa pela terra no país. Assim como os
interesses, não é nítida a quantidade exata de terras e gado sob o controle da pessoa
jurídica do senhor Dantas em terras do Pará, a agropecuária Santa Bárbara Xinguara,
dirigida pelo ex-cunhado Carlos Rodenburg.
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Estima-se em cerca de 40 fazendas distribuídas em nove municípios do sul e sudeste do
estado. Mas, os gerentes da empresa se defendem alegando que controlam somente 15
propriedades, que totalizam 510 mil hectares com 450 mil cabeças de gado. Desde julho
de 2008 o governo do Pará através do Instituto de Terras do Pará (ITERPA) realiza um
levantamento sobre as fazendas controladas pela empresa. Algumas matérias realizadas
por jornais regionais indicam que os fazendeiros locais festejam as ações da pecuária
Santa Bárbara, inclusive concedendo-lhe honrarias de excelência da categoria no estado.
Antecedentes regionais
Houve um tempo em que os castanhais das terras do Araguaia-Tocantins4 foram livres.
Os rios configuravam as principais vias de transporte. Os dias reinaram assim até o ano
de 1920 do século passado. Na época a Amazônia respirava o ocaso do ciclo do
extrativismo da borracha. O comércio dos irmãos Chamom fazia o aviamento5 nos
municípios de Marabá e Tucuruí (na época Alcobaça), sudeste do Pará. Desta forma era
ativado o extrativismo da castanha6. Enquanto cabiam as empresas Bittar Irmãos, Dias
& Cia, Nicolau da Costa e A Borges & Cia, entre tantos, a empresa em Belém. Europa e
Estados Unidos foram o destino da produção. Explica a pesquisadora Marília Emmi, na
obra, A Oligarquia do Tocantins e o Domínio dos Castanhais.
Até então os índios gavião e seus sub grupos (krikateje, parketeje e akrikateje), bem
como, kaapor, xicrin, atikum, guajajara, suruí, entre outros povos, eram os senhores do
lugar. Ainda que o estado viesse a declarar durante o regime militar a porção de terras
um vazio demográfico. Trabalho escravo, mandonismo e clientelismo davam contorno
ao poder dos coronéis.
Conforme pesquisa de Emmi, o comerciante e político Deodoro de Mendonça e sua
parentela hegemonizam no domínio dos castanhais até 1940. No período aportou na
região descendente de sírio-libaneses, a família Mutran, oriunda do município de
4 A bacia do Araguaia-Tocantins banha três regiões do território nacional: Norte, parte do Nordeste e Centro Oeste. Mede 813.674 Km2 e corta os estados do Maranhão, Tocantins, Pará, Goiás, Mato Grosso e parte do Distrito Federal. Dois biomas integram a bacia do Araguaia –Tocantins, cerrado e a Floresta Amazônica, com predomínio do primeiro. Para melhor compreender a disputa pela terra na região sugiro a leitura da obra A Oligarquia do Tocantins e o Domínio dos Castanhais, da pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Marília Emmi,1999, 2ª edição. 5 Aviamento consistia na forma de poder dos comerciantes com os coletadores de castanha. Os comerciantes adiantavam suprimentos necessários aos dias de trabalho na floresta, cabendo ao coletador a venda obrigatória da castanha ao comerciante. 6 Castanha do Pará (Bertholletia Excelsa) é uma frondosa árvore. Em remotos tempos, abundou em vários estados do Norte. É do ouriço, o fruto, que se extrai a castanha.
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Grajaú, Maranhão, num distante 1920. Já em 1930 arrenda e adquire várias terras.
Coube a empresa A Borges & Cia aviar a família.
Hoje a atividade da pecuária predomina na região. A iniciativa ganhou proporção a
partir de uma política indutora da economia do Estado na Amazônia, em particular no
sudeste do Pará. O sudeste paraense detém o maior rebanho de gado do estado. Os anos
eram de chumbo, e além da pecuária o estado incentivou a atividade madeireira e
minerária. A idéia era fazer com que a região prosperasse a partir desses três pólos:
madeira, gado e minério.
Assim vastas extensões de terras foram transferidas ou apropriadas por empresas
nacionais do centro sul e internacionais. Entre elas podem ser encontrados bancos como
o Bradesco, Real e o extinto Bamerindus, sem falar na Wolksvagem. Por falar em
banco, outro que antecipou Dantas foi Calmon de Sá, do falido Banco Econômico.
A renúncia fiscal foi a política adotada para a atração de empresas. A prática tinha nos
agentes de planejamento e do financeiro estatais a ponta de lança, leia-se
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e Banco da Amazônia
(BASA).
Operários “amansando“ a floresta na região de Marabá/PA. Foto: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Região explosiva
É complexo o xadrez de agentes e suas respectivas redes que atuam no sudeste do Pará.
Cá afloram a grande mineradora Vale, privatizada desde 1997, numa operação
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considerada um crime de lesa pátria. Por ser a detentora de tecnologia de ponta é ela
quem estrutura e desestrutura o território do lugar, como ocorre em várias partes do
Pará, a exemplo da tensão registrada no município de Ourilândia do Norte e vizinhança,
onde inúmeras famílias de projetos de assentamentos da reforma agrária estão sendo
expulsas por conta de sua Mineradora Onça Puma (MOP), que explora níquel, conforme
denúncias de entidades locais.
Acampamento de camponeses/as em Ourilândia do Norte/PA, em 2008. Foto: Raimundo Gomes da Cruz Neto
Agem ainda pelo controle do território grupos indígenas, em certa medida já aculturados
pelos hábitos do mundo não índio. Na década de 1980, quando a disputa pela terra
torna-se mais aguda, a refrega ganha ares de esquadrão da morte a partir da ação da
UDR, ligada a fazendeiros do Bico do Papagaio, norte do Tocantins, sudeste do Pará e
oeste do Maranhão. A instituição era animada por Ronaldo Caiado, político radicado em
Goiás.
Com tal contexto, ninguém ousou indicar que o campesinato da fronteira iria se
territorializar. Hoje a categoria controla mais de 50% do território no sudeste paraense
através de projetos de assentamento, em 36 municípios sob a responsabilidade do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O reconhecimento de
áreas ocupadas, algumas delas há mais de duas décadas teve no trágico episódio do
Massacre de Eldorado o estopim.
Não resta dúvida quanto ao peso dos fazendeiros na região, mas, a conversão de
fazendas ocupadas em projetos de assentamentos demonstra o avanço do poder de
mobilização dos movimentos sociais camponeses, expressos através da Federação dos
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Trabalhadores Rurais na Agricultura do Pará e Amapá (FETAGRI), regional sudeste,
com atuação que soma mais de uma década. Mesmo período contabiliza o MST.
Além desses agentes registra-se a presença de garimpeiros. Fora os projetos de
assentamento há outras expressões do poder do campesinato local, traduzidas através da
efetivação da Escola Família Agrícola (EFA), cursos de nível superior, como
Agronomia, Pedagogia e Letras, assento de representações da categoria nas câmaras e
executivos municipais e iniciativas de rádios comunitárias e outras ferramentas de
comunicação. Por conta dos projetos assentamentos germinam na região empresas de
prestação de assistência técnica rural.
O sudeste do Pará é uma região que merece atenção especial por parte do poder público.
Ela coleciona graves passivos oriundos da experiência dos grandes projetos. A região é
recordista em trabalho escravo, assassinatos contra dirigentes e militantes da reforma
agrária, concentra boa parte dos municípios mais violentos do país, sem citar a
devastação florestal.
Bateria de fornos para produção de carvão na região de Marabá/PA. Foto: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e
Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Mas, o cenário atual não soa animador. Um exame no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) sinaliza para maior pressão sobre a terra e os recursos naturais nela
existentes. Há uma série de obras de infra-estrutura: rodovias, hidrovias, hidrelétricas na
bacia do Araguaia-Tocantins que irão reorientar, como nos anos da ditadura, e do
Programa Grande Carajás, (PGC), na dedada de 1980, o cenário econômico, social e
político da região.
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Bateria de fornos para produção de carvão na região de Marabá/PA. Foto: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e
Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).
Uma perspectiva similar desponta a oeste do estado, com a expansão da frente mineral
no município de Juruti, a partir da bauxita. O minério explorado pela empresa
estadunidense Alcoa é matéria para a produção de alumínio. A Alcoa é uma das maiores
empresas do setor. Ainda a oeste tem-se a agenda da construção de inúmeras barragens
no rio Tapajós e no Xingu e desde 1980 a bauxita é extraída pela Vale no município de
Oriximiná.
Família Mutran – A senhora dos Castanhais
Na paisagem das oligarquias dos castanhais, a dos Mutran se tornou a de maior
destaque. Notabilizou-se na história do sudeste paraense pelo abuso da violência. A
condição de escravidão, ou modo similar de submissão, continua a ocorrer nas terras do
Araguaia Tocantins. O modelo é apenas uma face das variadas modalidades de
violência que povoam a atmosfera local.
São muitas as acusações de crimes que pesam nas costas do clã dos Mutran.
Assassinatos, corrupção na administração da prefeitura de Marabá, manutenção de
cemitérios clandestinos em “suas” fazendas, submissão de trabalhadores rurais à
condição de trabalho escravo e devastação dos castanhais para a implantação da
pecuária.
Em listas sujas divulgadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), constam três
propriedades da família. As “listas sujas” do trabalho escravo foram divulgadas nos
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anos de 2003 e 2004. As propriedades são: Fazenda Cabaceiras, ocupada pelo MST
desde 26 de março de 1999, a Fazenda Peruano, também ocupada pelo MST em abril de
2004, e a Mutamba, onde o MST ocupou, mas não conseguiu se manter. Sob força de
liminar os nomes das fazendas foram retirados das listas. Desta forma o fazendeiro pode
pleitear financiamento público.
Na página www.repoterbrasil.com.br a reportagem de Leonardo Sakamoto, divulgada
no dia 30 de julho de 2004, denuncia que a empresa Jorge Mutran Exportação e
Importação Ltda. foi obrigada a pagar a multa de R$ 1.350.440,00, por ter sido autuada
mais de uma vez por trabalho escravo em sua fazenda Cabaceiras, em Marabá, sudeste
do Pará. Na época foi a maior indenização no Brasil por um caso de redução de pessoas
à condição análoga a de escravo.
Reintegração da fazenda Cabaceiras em 1999, Marabá/PA. FOTO: J. Sobrinho.
A reportagem de Sakamoto conta ainda que a sentença foi expedida por Jorge Vieira, da
2ª Vara da Justiça do Trabalho de Marabá, e resulta de uma ação civil pública movida
pelo Ministério Público do Trabalho. Os réus aceitaram as determinações do MPT e o
juiz homologou a sentença. A ela não coube recurso. Os responsáveis pela empresa
citados no processo da Cabaceiras são os irmãos Evandro (dono também da fazenda
Peruano), Délio e Celso Mutran e Helena Mutran.
A fazenda Cabaceiras mantinha cemitério clandestino. A denuncia veio à tona em
setembro de 1999, através de reportagem assinada por Ismael Machado, publicada na
revista Caros Amigos, de São Paulo, na edição de número 30. A denúncia da presença
de cemitério clandestino na fazendeira Cabaceiras foi realizada por uma testemunha de
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64 anos, que foi mantida no anonimato. O depoimento ocorreu no dia 21 de julho na
Procuradoria da República do Pará. A fazenda foi desapropriada pelo INCRA
recentemente.
A Quincas Bonfim e Sebastião Pereira Dias (Sebastião da Teresona), lendários
pistoleiros da região, cabia a contratação de peões para a derrubada da mata nativa e
implantação de pasto. Além da contratação de peões constava na rotina dos pistoleiros a
eliminação de desafetos e peões insubordinados. Conta a matéria de Machado que pelo
menos 40 homicídios ocorreram entre os anos de 1982 a 1989. Antes de pertencer ao clã
Mutran, a Fazenda Cabaceiras foi administrada pela empresa Nelito Indústria e
Comércio S/A.
Foi com Benedito Mutran Filho que o senhor Dantas negociou a compra de inúmeras
fazendas, entre elas a Maria Bonita, ocupada por cerca de 600 famílias ligadas ao MST
no dia 25 de julho de 2008, quando se celebra o Dia do Trabalhador Rural. A ação do
movimento foi um ato contra a corrupção no país, no sentido de se obter mais agilidade
na política de reforma agrária, assim explica nota divulgada pelo movimento.
Boa parte das terras sob o domínio da família é uma cessão de uso do estado para fins
do extrativismo da castanha, e não podem ser repassadas para terceiros. As fazendas
São Roque e Cedro também seguiram a mesma linha das citadas acima na negociação
com Dantas.
VAVÁ- O CHEFE DA FAMÍLIA
Osvaldo dos Reis Mutran, tratado pelos pares como Vavá foi julgado pelo Júri Popular e
absolvido no dia 24 de agosto de 2005, em Marabá, pelo assassinato de uma criança de
oito anos, David Ferreira Abreu de Souza, crime ocorrido em 2002, no Km 07, no bairro
Nova Marabá. O garoto foi morto com um tiro na cabeça quando jogava futebol em
frente a uma propriedade de Vavá. Na ocasião, populares provocaram uma quebra-
quebra na casa do chefe do clã.
A Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) atua no caso como Assistência
da Acusação do Ministério Público. No corolário de impropérios cometidos pelo senhor
de 73 anos de idade na época do julgamento, consta ainda a morte de um fiscal da
Fazenda do Estado, Daniel Lira Mourão, idos de 1990.
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Entre as décadas de 1950, até meados de 1980, tal notícia da realização de júri popular
tendo como réu um Mutran soaria como galhofa no oco dos ouvidos dos chefes dos
castanhais da região.
O filho de Nagib foi prefeito nomeado de Marabá e deputado estadual. Vavá é pai de
dos filhos, Nagib Neto que foi prefeito de Marabá e Osvaldo Júnior, vereador - casado
com Ezilda Pastana, juíza em Marabá. Vavá tem dois irmãos, Guido - com um filho ex-
vereador (Guido Filho) - e Aziz. Vavá e Nagib Neto tiveram os mandatos cassados.
Conta Sakamoto em reportagem. Já o filho Júnior veio a morrer no fim de 2005, quando
brincava de roleta russa.
Por conta da execução do fiscal da Receita, Osvaldo Mutran foi alvo de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito, e foi cassado do cargo de deputado estadual e condenado a
oito anos de prisão. Não cumpriu a pena integralmente. Pelo crime cometido Vavá foi
premiado com indulto (perdoado). Mourão foi morto por não concordar em deixar o
fazendeiro passar gado sem registro, o que o livraria de pagar impostos. Já Nagib, o
filho foi cassado por corrupção na prefeitura e condenado a repor ao erário público
cerca de um milhão. Atualmente é vereador em Marabá.
Aforamentos
Trata-se de um mecanismo de cessão de uso da terra concedido pelo Estado a terceiros.
No caso do sudeste do Pará os registros históricos indicam que a prática remonta aos
anos de 1920 do século passado. No Pará o aforamento abrange um período de
concessão de 1955 a 1966 (a partir daí eles só serão adquiridos por transferências de
direitos dos foreiros originais). O Estado nesse período concedeu 252 aforamentos.
Destes 168, ou seja, 66.66% foram em Marabá, informa pesquisa da professora Marília
Emmi. A obra da professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) esclarece que a
Lei de nº 913 previa a concessão de um único aforamento com área de 3.600 hectares
para cada requerente, o que se observou desde o início foi uma tendência e concentração
do domínio das áreas de castanhais por grupos familiares.
O bom negócio residia na coleta e comércio da castanha. Através da força,
arrendamento e aforamento, as terras públicas foram transferidas para o poder privado.
Desta forma a família Mutran, a partir de 1950, vai se configurar como a de maior
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robustez no Pará. Na pesquisa de Emmi há indicadores que em 1960 a família chegou a
ser detentora de 80% dos castanhais.
A partir do presente cenário em certa medida anuviado sobre os reais interesses do
senhor Dantas no Pará, em parceria com fazendeiros da mais fina estampa que se dirige
a ação de ocupação da área tratada como Maria Bonita em Eldorado do Carajás, Espírito
Santo, no município de Xinguara, fazenda Cedro em Marabá.
A ocupação, forma de pressão que visa democratizar a terra, emerge assim como uma
forma de questionar uma estrutura de poder local e homogeneização de projeto de
desenvolvimento baseado na grande propriedade rural.
OCUPAÇÔES: A FAZENDA MARIA BONITA Nessa peleja pela terra em Carajás, o MST tem orientado suas ações contra as
representações do poder tradicional do lugar e ao modelo de desenvolvimento local. O
movimento ocupou ou incentivou a ocupação de inúmeras fazendas da família Mutran.
Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de 2008. Foto: Thiago Cruz,
estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.
Assim o movimento ocupou as fazendas Peruano e Baguá, no município de Eldorado do
Carajás e as fazendas Cabaceiras e Mutamba em Marabá. Em todas as fazendas foram
registradas ocorrências de trabalho escravo, crimes ambientais e títulos da terra sob
suspeita.
Em 2008 o MST ocupou a fazenda Maria Bonita, localizada às margens da PA 150.
Cerca de 100 km separam Eldorado do Carajás, do município pólo da região, Marabá.
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Onde antes se encontrava uma frondosa floresta de castanha e mogno, vislumbrasse
cerca, pasto e gado. Quem segue o sentido de Marabá rumo a Eldorado do Carajás,
antes de chegar à fazenda Maria Bonita, passa pela Curva do S, local do massacre de
Eldorado em 1996.
Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de 2008. Foto: Thiago Cruz,
estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.
Eidê Oliveira, uma das coordenadoras do acampamento dos sem terra ao lembrar da
madrugada da ocupação da Maria Bonita recorda que a ação da empresa de segurança
da fazenda e dos vizinhos foi rápida. “Aqui na porteira encheu de carro da empresa
Atalaia Serviços de Segurança com licença da polícia federal para operar no estado do
Tocantins. Os homens estavam encapuzados”, informa Oliveira, uma jovem avó de
pouco mais de 40 anos, mãe de cinco filhos e quatro netos, que há seis anos milita no
MST. Oliveira lembra que o clima ficou tão tenso que o gerente da fazenda deixou a
arma cair.
Entrar no acampamento foi fácil. O dia é ensolarado e o local parece bem calmo. Os
homens estão caçando numa mata vizinha, onde também pescam no rio Vermelho. O
local serve ainda para a retirada de palhas e madeira para a construção dos barracos.
Eidê conta que no rio Vermelho é possível encontrar muitos peixes, entre eles o
saboroso pintado.
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Acampamento na fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA,2008. Foto: Rogério Almeida
“Acampamento é uma escola sobre a luta pela terra. Mas, nem todos resistem. O
processo até se alcançar a desapropriação demora. A gente vive muitas privações reflete
a avó militante. Eidê explica que desde o dia 12 de agosto as carretas com o gado da
fazenda não param de sair. Ela estima em pelo menos cem. Para a militante isso é um
bom sinal.
Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de 2008. Foto: Thiago Cruz,
estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.
O acampamento está organizado em 23 núcleos de base, cada núcleo com média de dez
famílias. Durante a prosa com a militante fomos interrompidos em vários momentos
com a chegada de representantes de família para a inscrição no cadastro. Pergunto como
fazem para identificar possíveis infiltrados, ela informa que alguns já são conhecidos. E
sempre que chagam não são bem vindos.
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Desde o dia 01 de agosto uma liminar de reintegração de posse foi expedida pela justiça
de Marabá. Já a audiência no dia sete de agosto no INCRA de Marabá terminou em
impasse. A reunião foi entre a assessoria jurídica do Grupo Santa Bárbara e a
representação dos movimentos sociais locais, mediada pelo ouvidor nacional Gercindo
Filho.
Enquanto a equipe jurídica da Santa Bárbara exige a saída imediata dos ocupantes, a
representação do MST enfatizou a permanência na área até a conclusão do levantamento
sobre a cadeia dominial da fazenda.
A fazenda Castanha Espírito Santo
280 camponeses ligados ao MST ocuparam a fazenda Espírito Santo, localizada no
município de Xinguara, no dia 28 de fevereiro de 2009. Os trabalhadores rurais ligados
ao movimento foram antecedidos por outros grupos que também atuam na região, entre
eles a FETRAF.
Xinguara na década de 1980 foi locus de chacinas como Surubim (17 mortos) e Dos
Irmãos (seis mortos). Ambas as chacinas não possuem processo para apurar os
responsáveis.
Nos dias atuais o município foi palco de ação de uma “empresa de segurança” da
fazenda Espírito Santo, que feriu à bala de vários calibres oito militantes do MST no dia
18 de abril. A ação dos seguranças disparando escopetas e revolveres foi transmitida em
cadeia nacional.
O staff jurídico e de imprensa da Agropecuária Santa Bárbara, com reconhecida
competência hegemoniza os seus argumentos na mídia no sentido de criminalizar as
ações do movimento. Argumentos replicados nos mais diferentes meios de
comunicação.
Os dirigentes do MST informam que os jornalistas têm viajado às áreas ocupadas do
grupo em aviões fretados pela empresa. Questiona-se então: com que isenção os
jornalistas podem avaliar os fatos? No caso da Espírito Santo noticiou-se que os
mesmos foram mantidos em cárcere privado pelos militantes, noticia desmentida pelo
depoimento na delegacia do repórter da Vitor Haôr da TV Liberal de Marabá, segundo
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notícia do site do MST publicada no dia 27 de abril de 2009, em matéria assinada pelo
jornalista Max Costa.
Edinaldo de Souza, repórter do jornal Opinião de Marabá também desmente a notícia de
cárcere privado. Ele conta que não retornou no mesmo dia do conflito a Marabá de
avião em razão da aeronave ter partido lotada, transportando o cinegrafista Felipe
Almeida, um segurança ferido e um sem-terra - também ferido. Ele retornaria a Marabá
dia seguinte (19/04), por volta de 14:30 hs, juntamente com o restante dos repórteres e a
advogada Brenda Santis, notícia veiculada no dia de 27 de abril no blog do jornalista e
publicitário Hiroshi Bógea, radicado em Marabá.
No caso específico da Espírito Santo os jornalistas não informam que o registro da
fazenda foi suspenso em janeiro de 2009 pela Vara Agrária de Redenção. Ou mesmo da
prática de trabalho escravo na área, e que a propriedade pública foi comercializada pelo
pecuarista Benedito Mutran ao grupo Santa Bárbara de forma ilegal.
Um linchamento político e ideológico, assim pode ser analisada a cobertura da maioria
da imprensa local e nacional sobre a presença do MST em áreas controladas pelo grupo
Santa Bárbara Xinguara do banqueiro Daniel Dantas.
A disputa recente pela terra no Pará já registrou pedidos de intervenção federal pela
senadora Kátia Abreu (DEM/TO), a representante mor da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA) no mês de março. No dia 22 de abril o pedido foi reendossado na
Procuradoria Geral da República.
A representação regional da entidade, a Federação de Agricultura e Pecuária do Pará
(FEAPA) foi flagrada no mesmo período pela má aplicação de verbas públicas na
campanha de combate da febre aftosa no estado pelo presidente da entidade, Carlos
Xavier. Um jantar orçado em quatro mil reais é um dos questionamentos. Mas, a agenda
negativa dos pecuaristas não teve amplificação da mídia. A reportagem foi veiculada no
jornal da TV Globo, Bom dia Brasil, do dia 25 de meço de 2009.
A reportagem realizada por Roberto Paiva explica que 40% da carne consumida no
estado não passa por fiscalização sanitária. Os recursos, oriundos Agência de Defesa
Agropecuária do Estado Pará (ADEPARÁ) para o combate da febre aftosa, 1.441
18
milhão foram repassados desde 2007 através de três convênios para o presidente do
Fundo, o senhor Carlos Xavier, também presidente da FAEPA, que nunca prestou
contas.
Entre as notas flagradas pela auditoria consta uma compra de 150 projéteis para armas
de calibre 38. Cura-se aftosa na bala ou seriam para os “seguranças” das
fazendas?Tem-se ainda nota de 21 mil reais para aluguel de carros. Se as ocupações
ocupam generoso espaço dos meios de comunicação local, não ocorre a mesma atenção
de sobre os“deslizes” dos empreendedores da pecuária.
Enquanto as ações de ocupação dos sem terra ganham ares de satanização da maioria da
cobertura da mídia, as execuções de dirigentes sindicais, as chacinas de camponeses/as e
as libertações de trabalhadores/as das fazendas e carvoarias de condições análogas à
escravidão são naturalizadas.
Também não gozou da devida atenção nas coberturas jornalísticas locais o fato histórico
da condenação, numa única tacada, da condenação de 27 fazendeiros por manterem
pessoas escravizadas, numa sentença expedida pelo juiz federal de Marabá, Carlos
Henrique Borlido Haddad e divulgada no dia 4 de março de 2009.
LISTA DOS FAZENDERISO CONDENADOS E AS RESPECTIVAS PENAS
CONDENADOS
PENA
1. Jerônimo Aparecido de Freitas 3 anos e 9 meses 2. Francisco Sérgio da Silva Siqueira 4 anos
3. Marco Antonio Chaves Fernandes de Queiroz
e José Fernandes de Queiroz 6 anos
4. Oseon Oseas de Macedo, 6 anos
5. Valdemir Machado Cordeiro 4 anos e 8 meses
6. Paulo César de Oliveira, 6 anos
7. Humberto Eustáquio de Queiroz 4 anos
8. Erismar de Faria Salgado 4 anos
9. Cezar Augusto de Oliveira 5 anos e 4 meses
10. Manoel Clementino Teixeira 3 anos e 4 meses 11. Francisco Vitalino de Oliveira Franco 5 anos
12. Valdemar Rodrigues do Vale 3 anos e 9 meses
13. Fábio Oliveira Ribeiro 4 anos e 8 meses
14. Milton Martins da Costa 5 anos e 3 meses
15. Walderez Fernando Resende Barbosa, Antônio
Vieira de Sá e José Aparecido Mendes Paulo, condenados a 8 anos e 3 meses
8 anos e 3 meses
16. Rubens Francisco Miranda da Silva 4 anos
17. Magnon Coelho de Carvalho, 6 anos
19
18. Joyce Anne Ramalho,
3 anos e 4 meses
19. Raimundo Rocha Martins Filho 5 anos e 5 meses e 10 dias
20. Vicente Medeiros 6 anos, 6 meses e 22 dias
21. José Régis da Silva 10 anos e 6 meses 22. Rogério Queiroz de Araújo 3 anos e 9 meses 23. Reinaldo José Zucatelli e Helmo Oliveira Lima 6 anos e 9 meses 24. Wilson Ferreira da Rocha 3 anos 25. Wilson Ferreira da Rocha 6 anos (em outro
processo, devido à reincidência)
FONTE : Justiça Federal do Pará, Marabá. Março de 2009.
A parcialidade é a principal estampa da cobertura sobre os fatos que envolvem a disputa
pela terra no Pará. A complexa realidade fundiária sempre é secundada, em detrimento
do horizonte positivista em defesa da propriedade privada. Ainda que os meios para a
construção da mesma sejam em sua maioria questionáveis.
A Fazenda Cedro-
240 famílias ligadas ao MST ocuparam a fazenda Cedro, festejada no mundo do
agronegócio pelo seu caráter de excelência na produção de gado zebu, no dia primeiro
de março de 2009, no município de Marabá.
A área é objeto de imbróglio jurídico que envolve o estado, a família Mutran e o grupo
Santa Bárbara. Ao longo dos anos o castanhal deixou de existir e em seu lugar surgiu o
pasto. Com a ocupação da fazenda Cedro, atualmente são três as fazendas ocupadas
pelo MST que envolve o nome da Pecuária Santa Bárbara.