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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    DONATA APARECIDA CAMPOS DE BARROS

    Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo

    Willis Santiago Guerra Filho:

    Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito Contempornea.

    Mestrado em Direito

    So Paulo2007

  • 2PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    DONATA APARECIDA CAMPOS DE BARROS

    Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo

    Willis Santiago Guerra Filho:

    Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito Contempornea.

    Mestrado em Direito

    Dissertao apresentada PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo paraobteno do ttulo de MESTRE em DireitoConstitucional.Orientador: Prof. Dr. Antonio Mrcio daCunha Guimares

    So Paulo 2007

  • 3Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meioconvencional ou eletrnico, para fins exclusivos de estudo e pesquisa acadmica ecientfica, desde que citada a fonte.

    So Paulo, 31 de agosto de 2007

    Assinatura

    ____________________________________________________________________

  • 4FOLHA DE APROVAO

    Donata Aparecida Campos de Barros

    Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direitosegundo Willis Santiago Guerra Filho:Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito Contempornea.

    Dissertao apresentada PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo paraobteno do ttulo de MESTRE em Direito.rea de concentrao: DireitoConstitucionalOrientador: Prof. Dr. Antonio Mrcio daCunha Guimares

    Aprovado em: _____________

    Banca Examinadora

    Prof. Dr.___________________________________________________________Instituio:_______________________ Assinatura:_________________________

    Prof. Dr.___________________________________________________________Instituio:________________________Assinatura:________________________

    Prof. Dr.___________________________________________________________Instituio:_________________________Assinatura:_______________________

  • 5DEDICATRIA

    Aos meus amados pais Therezinha Campos de Barros e Nelson Morais Barros, que seforam como sempre viveram: juntos!

    Ao Alexandre, responsvel pela minha maior proeza, meus filhos, que ajudou a escrever aminha histria de vida, e que to cedo se foi.

    Aos meus filhos amados Alexandra Barros Clemente e Gustavo Barros Clemente, dos quaissinto orgulho desmedido.

    Aos meus irmos to grandes amigos, Dora Maria, Leopoldo, Nina, Teresinha, Adilson eGilson, com quem posso contar incondicionalmente.

    minha amiga Tnia Laky de Sousa, mulher guerreira, que est comigo sempre, nasalegrias e nas adversidades.

    Aos meus amigos Mrcio Guima, Rick Sayeg, Andra, Elzinha e Yara, que meensinaram, durante todos esses anos de convivncia diria, o que significa a verdadeira eprofunda amizade.

    Ao meu Mestre Maior e amigo Willis Santiago Guerra Filho, pessoa ilibada e generosa,coerente com seus princpios mesmo quando resvala nas convenes, cuja conduta exemplo de retido, e que me ensinou a amar a Filosofia transformadora do Direito.

  • 6AGRADECIMENTOS

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, por proporcionar aos que querem crescer,as condies favorveis para conseguir o objetivo.

    Aos meus familiares e amigos, que contriburam para que mais uma etapa, to importante esignificativa na minha vida fosse cumprida.

    Ao Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior, pela pacincia em me ouvir nas fases maisagitadas do trabalho.

    Ao Prof. Dr. Antonio Mrcio da Cunha Guimares, por acreditar ser possvel, apesar dospercalos.

    Profa. Dra. Maria Garcia, por suas aulas mistura de amor e competncia.

    Ao meu Mestre Willis Santiago Guerra Filho, por suas aulas inesquecveis, que fazem avida valer a pena!

  • 7Nada te turbeNada te espante

    Dios no mudaTodo se pasaLa paciencia

    Todo lo alcanzaQuien a Dios tiene

    Nada le faltaSolo Dios basta

    Santa Teresa Dvila

  • 8RESUMO

    O contexto em que se situa o debate actual sobre princpios jurdicos e direitos

    fundamentais, central em teoria do direito contempornea, o que se pretende mostrar com

    a contribuio brasileira dada por Willis Santiago Guerra Filho, segundo o qual, a

    fenomenologia ofereceria a melhor preparao para a necessria superao do positivismo

    formalista, sem recair em alguma forma igualmente j superada de jusnaturalismo.

    Como estudioso do Direito em nosso pas, Willis Santiago Guerra Filho encara como um

    desafio o imperativo de renovao da ordem jurdica nacional, por ser totalmente nova a

    base sobre a qual ela se assenta.

    O empenho do Autor re-interpretar o Direito Ptrio como um todo, luz da Constituio

    da Repblica Federativa do Brasil, o que pressupe uma atividade interpretativa da prpria

    Lei Fundamental, mas sem o rano dos operadores jurdicos que no se do conta do

    modo objetivante como concebem o Direito, tal como se fosse uma mquina com a qual se

    opera, quando se assim o fosse seriam eles as peas dessa engrenagem produtora de um

    pseudo-saber, de carter disciplinador. Admirador de Husserl, que prega nada haver de

    contedo cognitivo nessa produo de saber, pois conhecimento, para ele, evidncia,

    verdade, criadas a partir da intuio, inteira e completamente entendida, que se perde ao ser

    rompido o elo com o domnio dos objetos sobre o qual deveramos ser informados, nosso

    Autor parte decididamente para o bom campo da verificao pr-cientfica, a fim de

    valorizar o direito originrio dessas evidncias, antes desprezadas e, da, poder-se buscar a

    conexo essencial entre as cincias.

    Palavras-chave: interpretao constitucional, princpios constitucionais, jusnaturalismo,

    positivismo.

  • 9ABSTRACT

    The context in which the current discussion is situated about juridical principles and basic

    rights, central in contemporary theory of the right, is what we intend to show with the

    Brazilian contribution given by Willis Santiago Gerra Filho, according which, the

    fenomenology would offer the best preparation for the necessary overcoming of the

    formalistic positivism, without relapsing into some form equally already surpassed of

    jusnaturalism.

    Like scholar of the Right in our country, Willis Santiago Guerra Filho faces like a challenge

    the imperative of renewal of the legal national order, because is totally new the base on

    which it links.

    The pledge of the Author is to re-interpret the Native Right as a whole, according the

    Constitution of the Federative Republic of Brazil, which presupposes an interpretative

    activity of the Basic Law itself, but without the rancidness of the legal operators who do

    not realize in the objective way as they conceive the Right, such as it was a machine with

    which it takes place, when if it was like that, they would be the pieces of this producing

    gear of a pseudo knowledge, of disciplinary character. Admirer of Husserl, who preaches

    that nothing exists of cognitive content in this production of knowledge, because

    knowledge, for him, is an evidence and truth, created from the intuition, whole and

    completely understood, what is lost to the being broken the link with the domain of the

    objects about which we should be informed, our Author goes decidedly for the good field

    of the pre-scientific verification, in order to value the original right of these evidences,

    before rejected and, from there, the essential connection to be able to search between the

    sciences

    key words: constitutional interpretation, principles, jusnaturalism, positivism.

  • 10

    SUMRIO

    1. TRAJETRIA INTELECTUAL DE WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO ........... 11

    2. PS-POSITIVISMO: A SUPERAO DO DIREITO NATURAL E DOPOSITIVISMO .............................................................................................................. 31

    3. DESENVOLVIMENTO HISTRICO DO CONCEITO DE PRINCPIOS JURDICOS:DA SUBSIDIARIEDADE NORMATIVIDADE DOS PRINCPIOS ....................... 39

    4. A CONTRIBUIO DE RONALD DWORKIN E SUA CRTICA ............................. 60

    5. A TEORIA DOS PRINCPIOS DE ROBERT ALEXY ................................................ 765.1. Consideraes preliminares sobre o Pensamento de Robert Alexy ............................. 765.2. O Conceito de Norma elaborado por Alexy ................................................................ 81

    5.2.1. A Estrutura das Normas ........................................................................................... 85

    5.2.2. Carter prima facie ................................................................................................... 945.3.1. Dos valores aos princpios ........................................................................................ 95

    5.3.2. Crticas ao Critrio de Distino ............................................................................... 98

    5.4. O modelo de ponderao proposto por Robert Alexy ................................................ 101

    5.4.1. A Ponderao como Elemento da Proporcionalidade ............................................. 101

    5.4.2. Os elementos parciais da proporcionalidade ........................................................... 105

    5.4.3. A proteo ao ncleo essencial dos direitos fundamentais .................................... 109

    5.4.4. A ponderao como um modelo de fundamentao racional ................................. 115

    5.4.5. A frmula da ponderao como resposta crtica de Jrgen Habermas ................ 118

    5.4.6. A frmula da ponderao assegura a racionalidade? ............................................. 126

    6. A IMPORTNCIA DOS PRINCPIOS PARA A NOVA HERMENUTICACONSTITUCIONAL .................................................................................................. 130

    7. CONCLUSO ............................................................................................................. 139

    7.1 Teses sobre as Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo WillisSantiago Guerra Filho .............................................................................................. 139

    8. BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 151

  • 11

    Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo

    Willis Santiago Guerra Filho:

    Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito

    Contempornea.

    1. Trajetria Intelectual de Willis Santiago Guerra Filho.

    Do perodo inicial de seu labor cientfico, o que h de mais significativo, para o contexto da

    presente dissertao, estaria na Primeira Parte do livro publicado em 1985, "Estudos

    Jurdicos - Teoria do Direito, Direito Civil" (Fortaleza: Imprensa Oficial do Cear),

    reunindo trabalhos feitos nessas duas reas, a teoria do direito e o direito civil. Dentre os

    trabalhos de teoria do direito, contidos na referida Primeira Parte da obra, merece destaque

    aquele com que se inicia o livro, intitulado "Sobre o Desenvolvimento da Cincia do

    Direito". Trata-se de uma recapitulao dos principais momentos da histria do pensamento

    jurdico, a partir do que se pode formular a hiptese de que o paradigma da cincia jurdica

    vem se desenvolvendo desde os seus primrdios, na Antigidade Clssica, sem demonstrar

    rupturas que configurem aquelas revolues, a que se refere THOMAS S. KUHN em sua

    obra j clssica "A Estrutura da Revoluo Cientfica", tendo em vista a situao das

    cincias empricas, especialmente a fsica.

    Um outro trabalho com carter epistemolgico, coligido nesta obra, aquele que se intitula

    "Introduo a uma Hermenutica Pragmtica do Discurso Normativo", onde se prope um

  • 12

    modelo de interpretao jurdica operativa (LUIGI FERRAJOLI), a partir da combinao

    das duas grandes tradies filosficas contemporneas, a analtica e a fenomenolgica.

    certo que ambas se apresentam como concorrentes, mas a possibilidade de combin-las se

    d a partir do interesse fundamental de ambas na dimenso lingstica, a qual se revela

    determinante tambm no estudo do Direito.

    Completam a parte de teoria do direito desse que vem a ser o primeiro livro de Willis

    Santiago Guerra Filho dois trabalhos sobre a norma jurdica: um dedicado ao seu conceito

    enquanto modalidade dentica, e o outro ao problema de sua legitimao, dos mais diversos

    pontos de vista: poltico, tico, social etc.

    Os estudos preparatrios do doutoramento levaram nosso A. a travar contato com a

    esplndida teoria constitucional alem, do que resultou a elaborao dos trabalhos

    enfeixados no seu segundo livro, publicado em 1989, "Ensaios de Teoria Constitucional"

    (Fortaleza: Imprensa Universitria da UFC), intitulados "A Constituio como Processo",

    "Metodologia Jurdica e Interpretao Constitucional" e "O Princpio Constitucional da

    Proporcionalidade". Nesses trabalhos so introduzidas noes poca pouco discutidas por

    nossa teoria jurdica, apesar de to importantes, especialmente no momento em que se

    elaborava entre ns uma nova Constituio: a idia de que ao lado da interpretao jurdica

    tradicional se tem uma interpretao especificamente constitucional, a distino entre

    normas jurdicas que so princpios daquelas que so meras regras, a procedimentalizao

    do Direito contemporneo e a necessidade de se postular o princpio da proporcionalidade

    como verdadeira norma fundamental em um Estado Democrtico de Direito. Neste mesmo

    livro, como apndice, reuni trabalhos publicados na imprensa local na poca da

  • 13

    constituinte, onde defendi, entre outras coisas, que se evitasse elaborar uma Constituio

    muito analtica, para no comprometer, desde o incio, sua efetividade. O ideal ali

    propugnado foi o de que se estabelecessem princpios, instituindo uma Corte Constitucional

    para velar pela sua aplicao. O desenvolvimento histrico desses primeiros anos de

    vigncia parece comprovar o acerto dessas colocaes, as quais mereceram tambm a

    aprovao do jurista abalizado que PABLO LUCAS VERD, Professor Catedrtico de

    Direito Constitucional da Universidade de Madri, em sua obra "La Constitucin Abierta".

    A vasta literatura que se vem, mais recentemente, produzindo entre ns, sobre temas

    atinentes a princpios e direitos fundamentais, vem igualmente a corroborar o quanto j

    escrevia poca o A. cujo pensamento se vai aqui abordar, confrontando-o com o de

    outros, de reconhecida importncia, no panorama internacional.

    Um conjunto de trabalhos que devem ser destacados, especialmente por estarem, ao lado

    daqueles por ltimo mencionados - publicados tambm, em parte, na Revista de Processo,

    So Paulo: RT, n. 62, 1991, pp. 122 ss. e n. 95, 1999, pp. 64/84, bem como nos Estudos

    em Homenagem a Miguel Reale, Antnio Paim et al. (orgs.), Porto Alegre: EDIPUCRS,

    2000 e nos Cuadernos de Filosofa del Derecho DOXA, n. 21, vol. II, Manuel Atienza

    (ed.), Alicante/Madri: Universidad de Alicante/Centro de Estudios Constitucionales, 1998 -,

    na origem da fundamentao terica da tese de Livre-Docncia em Filosofia do Direito,

    defendida junto Faculdade de Direito da UFC, formado, em primeiro lugar, por artigos e

    resenhas de obras em epistemologia jurdica, publicados na prestigiosa revista Archiv fr

    Rechts- und Sozialphilosophie, rgo oficial da Associao Mundial de Filosofia Jurdica

    e Social. Dentre estes trabalhos, um ensaio onde defende a necessidade de se incluir um

    nmero o maior possvel de perspectivas no estudo do Direito, a fim de incrementar o grau

  • 14

    de cientificidade desse estudo. Tambm em decorrncia do doutoramento na Universidade

    de Bielefeld nosso A. estabeleceu importante contato com um de seus professores (e

    fundadores) mais conhecidos internacionalmente, a saber, o Prof. Dr. NIKLAS

    LUHMANN, jurista consagrado, dando ensejo a que se familiarizasse com sua teoria de

    sistemas sociais autopoiticos, a qual se tornou um dos referenciais tericos para a tese de

    livre-docncia, e tambm objeto de outros trabalhos, como aquele publicado na forma de

    artigo na Revista Brasileira de Filosofia, n. 62, e o livro Autopoiese do Direito na

    Sociedade Ps-Moderna, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

    H, ainda, um conjunto de trabalhos que originaram a tese de titularidade em Direito

    Processual Constitucional, ctedra pioneira em nosso Pas, defendida junto Faculdade de

    Direito da UFC, hoje publicada com o ttulo Processo Constitucional e Direitos

    Fundamentais, 1a. ed., So Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional

    (IBDC)/Celso Bastos Ed., 199; 5a. ed., So Paulo: RCS, 2007. Dentre estes trabalhos, so

    referidos os seguintes:

    "Sobre o Discurso da Servido Voluntria de Etinne de la Botie", in: Habeas

    Corpus, Fortaleza: Centro Acadmico Clvis Bevilqua da Faculdade de Direito

    (UFC), 1983; "Poder, Impotncia e Morte na Obra de Canetti e Kafka", in: O

    Saco - Revista ltero-musical, Fortaleza, 1988; "Teorias Tri- e Multidimensionais

    em Epistemologia Jurdica: O Modelo Dreier-Alexy e o Modelo Integrativo

    Polons", in: Anais do IV Congresso Brasileiro de Filosofia do Direito, Joo

    Pessoa, 1990; Prozessuale Durchsetzung von Umweltschutzinteressen im Rahmen

    der brasilianischen Verfassung, in: Amaznia: Recht und Realitt, WOLF

    PAUL/ROBERTO SANTOS (eds.), Frankfurt am Main: Peter Lang, 1993, pp. 163

  • 15

    ss.;* Direito Fundamental gua e sua proteo, in: guas, Salvador: Goethe-

    Institut/Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador, 1994,

    pp. 269 ss.; Quem tem medo da Constituio?, in: Alter gora - Revista do

    Curso de Direito da UFSC, n. 1, Florianpolis: EDUFSC, 1994, pp. 21/22; Direitos

    Humanos, Jurisprudncia dos Interesses e o Pensamento Tardio de R. v. Jhering,

    in: Arquivos do Ministrio da Justia, n. 183, Ministrio da Justia, Braslia,

    DF, 1994; Estatuto Epistemolgico da Pesquisa Jurdico-Dogmtica, in:

    Seqncia - Revista do Curso de Ps-Graduao em Direito da UFSC, n. 27,

    Florianpolis: Editora da UFSC, pp. 64/71; Teoria Geral do Processo: Em que

    Sentido?, in: Lies Alternativas de Direito Processual, HORCIO

    WANDERLEI RODRIGUES (org.), So Paulo: Acadmica, 1995, pp. 212 ss.;

    Sobre princpios constitucionais gerais: Isonomia e Proporcionalidade, in:

    Revista dos Tribunais, n. 719, So Paulo, 1995, pp. 57 ss.; Da interpretao

    especificamente constitucional,(28) in: Revista de Informao Legislativa, n.

    128, Braslia: Senado Federal, 1995, pp. 255 ss.; Dereitos fundamentais: teora e

    realidade normativa, in: Revista Galega de Administracin Pblica, n. 11,

    Santiago de Compostela: Escuela Galega de Administracin Pblica, 1996, pp. 135

    ss.; Notas em torno ao princpio da proporcionalidade, in: Perspectivas

    Constitucionais. Nos 20 anos da Constituio de 1976, JORGE MIRANDA

    (ed.), Coimbra: Coimbra Ed., 1996, pp. 249 ss.; Direitos Subjetivos, Direitos

    Humanos e Jurisprudncia dos Interesses (relacionados com o Pensamento Tardio

    de Rudolf von Jhering), in: Jhering e o Direito no Brasil,(21) J. M. LEITO

    ADEODATO (ed.), Recife: UFPE, 1996, pp. 227 ss.; Os Princpios da Isonomia e

    da Proporcionalidade como Garantias Fundamentais, in: Cincia Jurdica, n. 68,

    Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997, pp. 297 ss.; Direitos fundamentais,

    processo e princpio da proporcionalidade, in: Dos Direitos Humanos aos

    Direitos Fundamentais, WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO (ed.), Porto

    Alegre: Livraria do Advogado, 1997, pp. 11 ss.; Special Features of Comparative

    * Uma traduo deste trabalho acha-se publicada na Revista do TRT da 8 Regio,(24)Belm, n. 28, 1995, pp. 21 ss., e em Amaznia perante o Direito: ProblemasAmbientais e Trabalhistas, WOLF PAUL/ROBERTO SANTOS (orgs.), Belm: UFPA,1995.

  • 16

    Procedural Law in Brazil, in: Zeitschrift fr Zivilproze International, vol. 3,

    Colnia (Alemanha): Carl Heymanns Verlag, 1998, pp. 447/456; Os Aqueus, a

    civilizao micnica e os primrdios da democracia, in: Revista de Estudos

    Jurdicos UNESP, Franca (SP), 1998, pp. 115/124. Sobre la Dimensin

    Jusfilosfica del Proceso, in: Revista de Derecho Procesal, n. 3, Buenos Aires:

    Rubinzal Culzoni Editores, 1999, pp. 575/585. A Jurisdio Constitucional no

    Brasil: Observaes a partir do Direito Constitucional Comparado, in: Anurio

    Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 5, Madri: Centro de Estudios

    Constitucionales, 2001, pp. 151/168.

    Diz o Prof. Dr. Willis Santiago Guerra Filho:

    Foi com um enfoque, ao mesmo tempo processual e constitucional logo, de processo constitucional -, enriquecido com a metodologiacomparativa, que desenvolvi minha tese de doutoramento, naUniversidade de Bielefeld, sob a orientao do Prof. Dr. WOLFGANGGRUNSKY, intitulada Die notwendige Streitgenossenschaft und dieGewhrung des rechtlichen Gehrs Drittbetroffener bei Statusurteilen:Eine rechtsvergleichende Untersuchung unter besondererBercksichtigung des brasilianischen, deutschen und italienischenZivilprozessrecht. Tratou-se, em verdade, na tese doutorado, porrecomendao do prprio orientador do trabalho, de fazer umaprofundamento da dissertao de mestrado, defendida na PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo, em 1986, com o ttulo "DoLitisconsrcio Necessrio nas Aes de Estado". O resultado dessesestudos pode ser resumido como uma interpretao do art. 472, segundaparte, de nosso CPC, que v ali uma regra para a extenso ultra-subjetiva da coisa julgada resultante das sentenas, o que exige aformao de um litisconsrcio entre os que sero diretamente atingidospela sentena, a fim de que se garanta o seu direito fundamentalprocessual de ser ouvido em juzo (Anspruch auf rechtliches Gehr).Essa regra seria de aplicao generalizada, mesmo em ordenamentosjurdicos que no a contemplam explicitamente, como o nosso. O essencial que se pode extrair tanto da dissertao demestrado como da tese de doutorado, recm-mencionadas, encontra-sepublicado aqui no Pas e no exterior, nos seguintes trabalhos:Efficacia ultra partes della sentenza, litisconsorzio necessario eprincipio del contraddittorio, in: Processo civile e societcommerciali, Atti del XX Convegno Nazionale dellAssociazione fra glistudiosi del processo civile, Milo: Giuffr, 1995, pp. 185 ss.; Problemeder notwendigen Streitgenossenschaft im italienischen Zivilproze, in:Anwaltsrecht, Internationales Privatrecht, Rechtshilfe - Jahrbuchfr Italienisches Recht, n. 9, Strau et al. (eds.), Heidelberg: C. F.

  • 17

    Mller, 1996, pp. 145 ss.; Princpio do contraditrio e eficcia ultra-subjetiva da sentena, in: GENESIS. Revista de Direito ProcessualCivil, n. 3, Curitiba: Genesis, 1996, pp. 712 ss. e Revista Forense, v. 93,n. 337, Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 401 ss.

    O doutoramento obteve sua revalidao nacional, em sintonia com o disposto na legislao

    educacional poca vigente no Pas fundamentalmente a mesma da atual, neste particular

    -, na IES qual se encontrava ento vinculado, a Universidade Federal do Cear, que

    embora no contasse com curso no mesmo nvel e na mesma rea, possua outros, na rea

    de cincias humanas, tendo integrado a Comisso especialmente designada para dar parecer

    sobre a tese do Professor do Departamento de Cincias Sociais e Filosofia, a qual teve

    como presidente da Comisso o eminente Prof. Em. Dr. Dr. h.c. PAULO BONAVIDES.

    Quanto carreira acadmica de Willis Santiago Guerra Filho, alm dos ttulos j referidos,

    vale mencionar que ela se iniciou ainda no perodo da graduao, quando foi bolsista do

    Programa Trabalho/Pesquisa/UFC, em 1980, e monitor do Departamento de Direito

    Processual da Universidade Federal do Cear (UFC), de 1981 a 1982, ano do trmino do

    bacharelado. O magistrio no ensino superior teve incio em 1984, no Curso de Direito da

    Universidade de Fortaleza, onde lecionou at o ingresso no Departamento de Direito

    Processual da UFC, em agosto de 1986, onde exerceu de janeiro de 1995 a janeiro de 1996

    a funo de Coordenador do Curso de Ps-Graduao em Direito, em nvel de mestrado.

    Vale ainda referir que no primeiro perodo de sua estada na Alemanha, para o

    doutoramento, no ano letivo de 1989, foi contratado pela Universidade de Bielefeld como

    docente de Lngua e Cultura Brasileira.

  • 18

    A partir de 1996 e durante os prximos quatro anos obteve por duas vezes bolsas de

    pesquisa e apoio para participao em congressos no exterior no mbito do Conselho

    nacional de Pesquisa (CNPq). No mesmo perodo foi Membro do Comit Assessor na rea

    de Direito da CAPES, instituio para qual ainda presto consultoria na avaliao de

    projetos individuais e institucionais. Em 1997, no primeiro semestre, exerceu docncia

    como Professor-Visitante (Gastprofessor) junto ao Instituto de Sociologia e Teoria do

    Direito da Universidade de Graz, ustria. Retornando ao Brasil, foi nomeado Coordenador

    do Escritrio da UNESCO no Cear. Em 1998, por meio de concurso pblico, tornou-se

    Professor Titular de Direito Processual Constitucional na Faculdade de Direito da

    Universidade Federal do Cear, cargo transferido para a Escola de Cincias Jurdicas da

    Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em dezembro de 2002, tendo

    ali exercido o cargo de Vice-Diretor, nomeado pro tempore, no primeiro semestre do ano

    em curso.

    Em 2000, foi contratado como Professor Assistente Doutor pela Pontifcia Universidade de

    So Paulo para ministrar a disciplina Filosofia do Direito no seu Programa de Estudos

    Ps-Graduados em Direito. Em seguida, por considerar de extrema relevncia, para que se

    possa aquilatar o modo como desenvolve nesta IES sua docncia e pesquisa, onde a

    pudemos acompanhar de perto, nos ltimos anos, passo a resumir os cursos dados no

    Programa de Estudos Ps-Graduados em Direito da PUC-SP, em nvel de mestrado e

    doutorado, ofertados para as mais diversas reas do Programa, no caso da Filosofia do

    Direito I, e para a rea especfica de Filosofia do Direito, nas rubricas II a IV.

  • 19

    O curso de Filosofia do Direito I estruturado para oferecer um conhecimento histrico e,

    tambm, atualizado, sobre a cincia especificamente jurdica, discutindo esta cientificidade

    mesma, confrontando-a com outras formas de conhecimento, seja cientfico, seja filosfico,

    sem esquecer formas que aparecem mais recentemente, as quais no se deixam reduzir

    facilmente aos modelos tradicionais de conhecimento, como o caso da semitica e da

    teoria de sistemas. Alm da bibliografia geral, o curso tem como apoio obras de autoria do

    seu responsvel, como Autopoiese do Direito na Sociedade Ps-moderna. Introduo a

    uma Teoria Social Sistmica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997; A Filosofia do

    Direito (aplicada ao Direito Processual e Teoria da Constituio), 2 ed., So Paulo:

    Atlas, 2002, e, especialmente, Teoria da Cincia Jurdica, So Paulo: Saraiva, 2001.

    O curso de Filosofia do Direito II j se prope a trabalhar mais o aspecto poltico da

    matria, enquanto filosofia do direito e do Estado, matria que se destaca no conjunto do

    pensamento filosfico, precisamente, com o advento do moderno Estado de Direito. Aqui

    as obras de autoria do professor, que mais se recomenda o estudo, so Teoria Poltica do

    Direito, Braslia: Braslia Jurdica, 2000, e Teoria Processual da Constituio, 2a. ed.,

    So Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional/Celso Bastos Ed., 2002.

    Dando seqncia aos estudos feitos em Filosofia do Direito II, como tambm pressupondo

    a discusso epistemolgica da Filosofia do Direito I, o objeto de estudos da disciplina

    Filosofia do Direito III a Teoria dos Direitos Fundamentais, tendo como ponto de partida

    a obra assim intitulada, da lavra de Robert Alexy, para discutir problemas atinentes ao

    modo adequado de se conceber, interpretar e efetivar direitos em uma ordem jurdica que,

  • 20

    como a nossa, assume a frmula poltica do Estado Democrtico de Direito, a qual implica

    um compromisso mais estreito com a pauta valorativa representada pelos direitos (e

    garantias) fundamentais. Aqui, sugerido o estudo inicial de estudos a respeito

    desenvolvidos pelo professor, consubstanciados nos seus livros Introduo ao Direito

    Processual Constitucional, Porto Alegre: Sntese, 1999, refundido em Processo

    Constitucional e Direitos Fundamentais, 3 ed., So Paulo: Instituto Brasileiro de Direito

    Constitucional/Celso Bastos Ed., 2003 e, de preferncia, a edio mais recente, a 5.,

    publicada pela Ed. RCS, de So Paulo, em 2007.

    Por fim, o curso de Filosofia do Direito IV, de certo modo, retoma a questo do curso de

    Filosofia do Direito I, em um nvel de maior aprofundamento filosfico, a partir de uma

    abordagem fenomenolgica. At o presente, que seja de nosso conhecimento, o que h de

    maior flego publicado a respeito o texto Por uma Crtica Fenomenolgica ao

    Formalismo da Cincia Dogmtico-Jurdica, in:. Revista Opinio Jurdica, Fortaleza,

    2005, p. 311-320, do qual passamos a fazer um resumo. Nosso A. parte do pressuposto de

    que o ambiente filosfico brasileiro, apesar de rarefeito, mostra-se extremamente favorvel

    recepo do pensamento de Edmund Husserl e seus aclitos, pois como diz ele

    demonstrar em estudos preciosos Aquiles Crtes Guimares, o esforo de elaborao

    filosfica prpria despendido por Farias Brito, na derradeira fase de seu labor solitrio, ou

    seja, na segunda dcada do sculo XX, apresentados em A Base Fsica do Esprito (1912)

    e em O Mundo Interior (1914), demonstram notvel convergncia com as tentativas

    coetneas daqueles mestres germnicos, assim como as de Ortega y Gasset na Espanha. Por

    outro lado, diz ele, Luiz Alberto Cerqueira, em Filosofia Brasileira: Ontognese da

  • 21

    conscincia de si (2002), expe a genealogia ibrica dessa forma de pensamento,

    remontando-a ao perodo ureo de nossa contribuio filosofia, ao qual tanto deve a

    modernidade, embora no se costume admitir, uma vez que se trata de um movimento

    anti-moderno, por ante-moderno, apesar de coevo ao seu incio: aquele caracterizado

    como Segunda Escolstica. desse manancial metafsico que brotam figuras como

    Francisco de Vitria, Pedro da Fonseca o Aristteles de Coimbra , Francisco Surez e

    o nosso Pe. Antnio Vieira, influenciados, atravs de influxos como aqueles exercidos no

    primeiro pelos estudos parisienses tendo professores como Jean Gerson, por pensadores que

    so os verdadeiros fundadores da modernidade, em pleno sculo XIII, a saber, Duns Scot e

    Guilherme de Ockham. Neles, apesar de seus pressupostos teolgicos, evidencia-se uma

    incerteza quanto ao conhecimento meramente humano, como em relao a tudo o que h no

    mundo, pela dependncia de um Deus onipotente, que tudo pode, mas parece querer antes a

    ordem do que o caos, donde se poder perscrutar essa ordem, com o auxlio de signos

    intencionalmente produzidos para figur-la - eis a origem mais remota da filosofia

    moderna at chegar, atravs de Descarte, Hume e Kant, filosofia analtica e

    fenomenologia, as correntes principais da filosofia contempornea, em vias de se

    reencontrarem.

    A fenomenologia tambm se faz presente em jusfilsofos brasileiros dos mais

    significativos, como so Miguel Reale e Lourival Vilanova, sem esquecer aquele mestre,

    prematuramente perdido para ns e vitimado pelo expurgo feito pela ditadura militar na

    primeira gerao de professores da UnB, que foi o baiano A. L. Machado Neto. Da gerao

    atual, Joo Maurcio Leito Adeodato, aluno dos dois primeiros, persegue os rastros de

    Hannah Arendt e Nicolai Hartmann, discpulos, por seu turno, de Heidegger e Husserl,

  • 22

    respectivamente, assim como Lnio Streck, em contato com Ernildo Stein, fertiliza seu

    trabalho com insumos heideggerianos. Stein, por seu turno, anuncia-nos para breve uma

    contribuio para a filosofia do direito, a qual j pode ser extrada de obras de um outro

    grande estudioso de Heidegger entre ns, como Zeljko Loparic, especialmente em

    Heidegger Ru (1990) e Sobre a Responsabilidade (2003). Na vizinha Argentina, a

    fenomenologia inspirou tanto a Carlos Cossio na elaborao de sua teoria egolgica, como

    tambm aquele que fundou uma outra escola, a qual hoje se notabiliza mundialmente, como

    a Escola Analtica Argentina. Refiro-me a Ambrsio L. Gioja, cujo discpulo mais jovem

    aclimatou-se em nosso Pas e naturalizou-se brasileiro, sendo um mestre para tantos de ns.

    Refiro-me a Luis Alberto Warat. J na reflexo hermenutica de Eros Grau percebe-se o

    influxo de mestres diversos destes.

    A fenomenologia jurdica, tal como apresentada Pelo Prof. Dr. Willis Santiago Guerra

    Filho no curso em apreo, refere-se aplicao do mtodo fenomenolgico, desenvolvido

    por Edmund Husserl, ao estudo filosfico do Direito. O termo fenomenologia,

    etimologicamente, significa discurso, cincia ou estudo (logos) do fenmeno, sendo

    necessrio que se compreenda o significado especfico que Husserl atribui a esta noo,

    para saber em que se distingue a fenomenologia por ele proposta de outras referncias a

    esta noo, com a que se encontra na Quarta Parte do Neues Organon (Novo Organon),

    de Lambert, intitulada Phenomenologie, oder Lehre des Scheins (Fenomenologia ou

    Doutrina da Aparncia), de 1764. Heidegger, ao final da introduo do 7o. de Ser e

    Tempo, alude ao aparecimento do termo j constaria na Escola de Christian Wolff, ou

    seja, no mbito da metafsica pr-crtica. J em Kant, o termo aparece, mas no em

    alguma de suas trs Crticas, a saber, da razo pura, prtica e da faculdade de julgar. O

  • 23

    responsvel pela distino entre noomenon, ou coisa em si, e phainumenon, que

    so as coisas enquanto objetos do entendimento, ir se referir a uma fenomenologia na

    Quarta Parte de sua obra Metaphysische Anfangsgrnde der Naturwissenschaft (Princpios

    Metafsicos da Cincia Natural), onde trata do movimento e da inrcia tal como se

    relacionam com a representao, enquanto caractersticas gerais dos fenmenos. Em Hegel,

    com sua Fenomenologia do Esprito, de 1807, uma fenomenologia alada condio de

    perspectiva filosfica geral, do modo como se desenvolve a conscincia do e no mundo.

    Com Hartmann, na obra Fenomenologia da Conscincia Moral, de 1869, a

    fenomenologia vai assumir um sentido de pesquisa de fatos psquicos empiricamente

    estudados em suas relaes, com uma investigao indutiva dos princpios gerais a que se

    pode remet-los. Tal sentido no deixa de guardar similitude com aquele que ter o termo

    fenomenologia no mbito do fisicalismo de Mach e do neo-positivismo da Escola de

    Viena, j no sculo XX, sentido que ser transmitido a Wittgenstein, em cujos escritos do

    perodo intermedirio, entre o Tractatus Logico-Philosophicus e as Investigaes

    Filosficas, aparecer o termo com freqncia.

    Husserl, por seu turno, ir partir de uma crtica aos limites impostos ao conhecimento pela

    filosofia de Descartes, Kant e Hegel, ao afirmar que o pensamento dos citados filsofos no

    era rigoroso, j que no consideravam devidamente em suas construes a subjetividade

    humana, focalizando apenas o objeto. Eles no se atinham ao fato de que as consideraes

    acerca do objeto eram, elas mesmas, construes mentais. A subjetividade, enquanto

    conscincia intencional, dirigida aos objetos, para Husserl, seria a primeira verdade

    indubitvel para se comear a pensar corretamente. Da ter ele defendido que, no processo

    de considerao da subjetividade humana, necessrio assumir uma atitude

  • 24

    fenomenolgica: j que o homem um ser no mundo e, portanto, participante dele, deve

    assumir essa postura e se contrapor a uma atitude natural que aquela de ser possudo

    pelo mundo, desconfiando de toda e qualquer evidncia ou obviedade, sejam aquelas do

    senso comum, sejam as das cincias, sendo essa a tarefa prpria da filosofia.. No existe,

    portanto, para a fenomenologia, uma relao pura do sujeito com o objeto, visto que a

    relao entre o sujeito e o objeto sempre intencional: o objeto se torna tal a partir do olhar

    do sujeito, um olhar que, para alm da existncia contingente de objetos em particular,

    capta sua essncia, o que necessariamente lhe constitui, literalmente, viso da essncia

    ou, no sentido fenomenolgico, intuio. Da que, para a Fenomenologia, o ser um ser de

    relao. Dessa forma, para ela, tanto o ser quanto o mundo s existem na relao ser-

    mundo, no fazendo sentido, portanto, como ressalta Heidegger, entender-se o fenmeno

    estudado pela fenomenologia husserliana como uma aparncia que oculta uma essncia

    ininteligvel, pois esse fenmeno caracterizado pelo encontro mesmo entre uma

    conscincia com o que para ela se revela do mundo, enquanto doadora de sentido e, logo,

    consistncia de objeto a essas revelaes.

    Em seu ltimo grande esforo filosfico, dedicado ao estudo do que denominou Crise das

    Cincias - ou da prpria Humanidade europias, Husserl enfatiza o papel do mundo

    da vida (Lebenswelt), enquanto conceito que se tem do mundo antes dele se tornar um

    campo de investigao da cincia moderna. a esse conceito que, ao final de sua longa e

    profcua trajetria de pensamento, Husserl vai recorrer para nos dar acesso ao campo mais

    prprio da filosofia, a saber, a subjetividade transcendental, onde se assentam as condies

    de validao de todo conhecimento, inclusive aquele de ordem matemtica, lgica e, em

    geral, cientfica. Isso no deixa de ser desconcertante, porque esta Lebenswelt o campo

  • 25

    em que predominam as opinies comumente compartilhadas, a doxa, e, logo, o campo

    propcio ao desenvolvimento de saberes de corte dogmtico. O referido projeto husserliano

    se desdobraria em duas etapas, sendo a primeira negativa, de crtica ao simbolismo e

    transformao alienante das cincias em mera tcnica, e a segunda, positiva, por voltada

    clarificao dos conceitos dessas cincias, a fim de fundament-las devidamente, sendo

    essa a tarefa a ser cumprida por Husserl com o recurso ao conceito de Lebenswelt, na

    dcada de 1930. Aqui vale recordar a doutrina husserliana do conceito, elaborada desde o

    perodo da filosofia da aritmtica, sob a influncia de seu mestre em filosofia, Franz

    Brentano o mesmo que influenciou diretamente Sigmund Freud, em sua ctedra vienense,

    a fazer um trabalho descritivo de fenmenos psicolgicos que no deixa de ter afinidade

    com a fenomenologia husserliana.

    O conceito uma representao que intenciona o seu objeto. Intencionar, por seu turno,

    tender, por meio de contedos dados conscincia, a outros contedos que no so dados,

    para acess-los de maneira compreensiva, ao utilizar, para designar objetos, contedos

    dados que remetem a contedos no-dados permitindo, assim, que nos reportemos a

    objetos que no nos so efetivamente dados, por meio de signos, derivados de smbolos,

    que so conceitos imprprios, os quais decorrem dos conceitos prprios, originrios da

    intuio de objetos, cujas marcas distintivas, parciais, esto contidas nos conceitos deste

    ltimo tipo, conceitos mesmo. Pela operao reiterada com os signos e signos de

    signos, ad nauseam, que se constri o simbolismo, apartado das evidncias da intuio

    sensvel.

  • 26

    E nesse universo simblico em que se constitui a cincia, sendo o simbolismo o que

    possibilita tanto o seu acesso a verdades, superando limites de nossa compreenso finita,

    como tambm sua perigosa alienao na tcnica, que a descaracteriza enquanto forma de

    conhecimento propriamente dito, assentado em fundamentos e justificativas de seu sentido

    e finalidade. Assim, tem-se que, na prpria aritmtica, mesmo que o clculo produza

    resultados verdadeiros, no se pode confundir tais resultados com o conhecimento

    aritmtico. Tal divrcio entre clculo e conhecimento decorre da estrutura interna do

    primeiro, que enseja o seu desenvolvimento pelo mecanismo da reiterao das

    representaes por signos, representaes imprprias, que foram originalmente

    intencionais, quando nela algo j dado reenvia a algo no dado, reenvio esse que ter sua

    natureza alterada pela reiterao recursiva, ao ponto de gerar uma simbolizao que no

    representao de nada a no ser dela mesma, e ainda assim serve de base para ulteriores

    operaes - medida que se passa a simbolizaes em nveis de abstraes cada vez mais

    elevados, vai-se perdendo algo dos objetos a que se referem os conceitos, at perd-los

    completamente em smbolos que so signos de signos.

    Os signos utilizados nos clculos matemticos so desse ltimo tipo, enquanto signos

    exteriores, destacados de qualquer substrato conceitual, operando com os quais se

    produzem verdades, mas no conhecimento ao menos no sentido de Erkenntnis -, o que

    vale tanto para a matemtica como para toda forma de conhecimento, de cincia, que a

    empregue como instrumento de produo de saber, instrumental esse que nos permite

    operar clculos sem retornar s intuies originrias sobre as quais se assentam. Passa-se,

    ento, a inventar sempre novos procedimentos simblicos, cuja racionalidade pressupe o

    valor cognitivo dos smbolos empregados, por meio de uma tcnica que se torna cada vez

  • 27

    mais perfeita, enquanto se a priva de toda evidncia compreensiva. assim que as cincias

    se tornam uma espcie de fbrica de proposies, cada vez mais precisas e teis, onde se

    trabalha como operrio ou tcnico de produo, produzindo cada vez mais informaes,

    sem uma compreenso ntima do que se est fazendo, graas ao aperfeioamento de uma

    racionalidade meramente tcnica.

    E se isso assim no campo das cincias naturais, mais grave ainda a situao no campo

    dos estudos jurdicos, onde nem sequer se costuma levantar a pretenso de fazer um

    trabalho cientfico, ostentando os profissionais dessa rea, com um certo orgulho, a etiqueta

    de operadores jurdicos, sem se dar conta do modo objetivante de como concebem o

    Direito, tal como se fora uma mquina com a qual se opera, quando se assim o fora, seriam

    eles as peas dessa engrenagem produtora de um pseudo-saber, de carter disciplinador.

    Para Husserl, no h nessa produo de saber contedo cognitivo algum, pois

    conhecimento, para ele, evidncia, verdade, criadas a partir da intuio, inteira e

    completamente entendida, o que se perde ao ser rompido o elo com o domnio dos objetos

    sobre o qual deveramos ser informados. Com isso, no se pergunta como as mltiplas

    validades pr-lgicas esto fundadas e so fundamentadas em relao s verdades lgico-

    tericas. O real primeiro a intuio subjetiva e relativa da vida pr-cientfica a doxa, que

    tida assim, como enganosa, para a vida cientfica, mas no para aquela pr-cientfica, em

    que um bom campo de verificao, donde se dever valorizar o direito originrio dessas

    evidncias, antes desprezadas. Da, pode-se buscar a conexo essencial entre as cincias

    (naturais) e o mundo pr-cientfico, com suas evidncias originrias, quando tambm

    aquelas cincias so formaes humanas, que habitam em unidade concreta no mundo da

  • 28

    vida. Disso decorre a necessidade das cincias e da lgica perderem sua autonomia, ao

    serem reconduzidas a esta Lebenswelt, reportando a episteme doxa e subjetividade

    transcendental, onde se pode captar as estruturas desse nosso mundo, determinveis pelo

    fenomenlogo, uma vez determinada as condies de possibilidade do conhecimento

    donde a transcendentalidade do sujeito.

    Quanto aplicao da fenomenologia ao estudo do direito, um dos pioneiros nesse campo

    foi o prprio filho de Husserl, Gerhart, cujos trabalhos, de contedo fortemente personalista

    e existencial, foram reunidos sob o ttulo de um deles, Direito e Tempo (Recht und Zeit),

    onde ele classifica as temporalidades jurdicas como sendo trs: 1) tratando do presente, o

    Poder Executivo; 2) tratando do passado, o Poder Judicirio e, 3) tratando do futuro, o

    Legislativo. Esta linha de investigao fenomenolgico-existencial do direito ser

    perseguida em obras posteriores como a do alemo Werner Maihofer, Direito e Ser.

    Prolegmenos a uma ontologia jurdica (1954) e a do holands William A. Lujpen,

    Fenomenologia do Direito Natural (1965), todos citados pelo Autor ao longo de suas

    obras. Guerra Filho tambm discorre que destino semelhante colheu tambm aquele que foi

    o primeiro a estender a pesquisa fenomenolgica ao campo do direito positivo, Adolf

    Reinach, com seu trabalho Fundamentos Apriorsticos do Direito Civil (1913). A no se

    trata de estabelecer, ao modo kantiano, condies de possibilidade do conhecimento de

    todo e qualquer Direito, mas sim as estruturas essenciais, no sentido fenomenolgico,

    constitutivas de matrias e figuras jurdicas, que podem se dar de maneira bem diferente ao

    serem atualizadas no direito positivo. Este autor vem merecendo uma renovada ateno, a

    partir de congresso internacional realizado sobre sua obra, em 1983, estabelecendo

    possibilidades de contato entre seu pensamento e aquele de autores contemporneos da

  • 29

    tradio analtica em filosofia normalmente tida como antagnica quela dita

    continental, por ser o continente europeu a regio de maior influncia da fenomenologia.

    Tal perspectiva se encontra mais amplamente desenvolvida em autores de trabalhos j de

    1997, na Itlia. Uma direo diversa daquela iniciada por Reinach, dita formal, em

    fenomenologia jurdica, adotada por autor, igualmente pioneiro, que foi o vienense Fritz

    Schreier, em sua obra Conceitos e Formas Fundamentais do Direito. Esboo de uma

    Teoria Formal do Direito e do Estado sobre base fenomenolgica (1924), onde apesar da

    crtica fenomenolgica ao dualismo kantiano, se tem uma teoria que, paradoxalmente,

    termina coincidindo em grandes linhas com aquela do chefe da Escola de Viena, o

    neokantiano Hans Kelsen, a exemplo do que ocorrer nos trabalhos de vrios de seus

    discpulos deste e de Husserl. No entanto, Kelsen e sua Teoria pura no se considerar um

    precursor da fenomenologia jurdica, repelido pelo prprio, em longa resenha crtica da

    obra.

    Algo semelhante ocorre em contribuies sul-americanas, como aquelas dos argentinos

    Carlos Cossio e integrantes de sua escola, da Teoria Egolgica do Direito, ou, mesmo,

    curiosamente, no pensamento daquele que seria seu opositor, poltico e cientfico, fundador

    da importante Escola Analtica Argentina, Ambrsio Gioja. No Brasil, algo semelhante se

    verifica, com a recepo da fenomenologia pelo culturalismo de Miguel Reale, em So

    Paulo, e pelo logicismo semitico de Lourival Vilanova, em Recife. Juan Llambas de

    Azevedo, autor Uruguaio de Eidtica y Aportica del Derecho, de 1940, esfora-se por ser

    original, tendo justa divulgao de seu trabalho em 1948, onde procura captar a essncia

    (eidos) do direito no modo como ele se d no direito objetivo e coletivo, havendo, segundo

    ele, aquele direito que se d objetiva e solitariamente, em sua singularidade, como

  • 30

    preferimos referir a esse fundamental e ainda pouco explorado aspecto do fenmeno

    jurdico. A definio essencial do direito como objeto coletivo a que chega a investigao

    de Llambas a seguinte:

    Sistema bilateral e retributivo de disposies posta pelo homempara regular a conduta social de um crculo de pessoas e comomeio de realizar os valores da comunidade.

    Esse objeto de investigao eidtica afeta tanto individual como pessoalmente o direito,

    focando o autor no esforo de trabalho do que nomeia disposio jurdica, compreendida

    como conceito superador daquela conhecida dicotomia kelseniana ente norma jurdica e

    proposio normativa. Conjugando os dois aspectos fundamentais do direito, nosso A. vai

    iniciar a parte de sua obra dedicada aportica, enquanto investigao de problemas

    apresentados pelo direito positivo, tido como mediao entre os valores da comunidade e a

    conduta humana, com a seguinte definio: O direito um sistema de disposies a

    servio dos valores da comunidade, postulando uma relao de meio e fim entre direito e

    valores, que entendemos deva ser buscada tendo como diretriz um princpio de

    proporcionalidade. Tal relao, contudo, encarada por Llambas como um problema, e do

    tipo aportico, ou seja, sem sada, bastando que se considere ser a justia um desses

    valores, com toda a variedade de concepes que h a respeito, para que se perceba o que

    ele denomina aporia de justificao. Llambas conclui descortinando um complexo de

    aporias, por trs do que se abre um mundo de princpios, de valores, uma pluralidade de

    valores individuais e comunitrios, entre os quais haveria de ser determinada a autonomia

    de uma esfera jurdica. Nesse ponto, em que conclui seu trabalho, referindo que no

    podemos dizer aqui termina, mas sim aqui comea a filosofia do direito, efetivamente,

    nos vemos confrontado com o tema da atualidade nesse nosso campo de estudos, algo que

  • 31

    vem demonstrado, por exemplo, pelos esforos hercleos de autores contemporneos, e

    com propostas concorrentes, como so Jrgen Habermas e Niklas Luhmann, ambos

    influenciados pela fenomenologia, que ofereceria a melhor preparao para a necessria

    superao do positivismo formalista, sem recair em alguma forma igualmente j superada

    de jusnaturalismo.

    neste contexto em que se situa o debate atual sobre princpios jurdicos e direitos

    fundamentais, central em teoria do direito contempornea, no qual pretendemos localizar a

    contribuio brasileira dada por Willis Santiago Guerra Filho.

    2. Ps-positivismo: a superao do direito natural e do positivismo

    Um grande momento na histria do pensamento jurdico aquele em que se passou a

    reconhecer os princpios como norma jurdica e veio a ocorrer no chamado ps-

    positivismo, isto , o perodo responsvel pela superao do positivismo e do direito

    natural. Seu grande marco simblico foi o fim da segunda guerra mundial, que influenciou,

    e muito, a reviso das idias jurdicas predominantes.

    A transformao de onde brotou o ps-positivismo se refere ao manejo racional de valores

    na atividade jurdica. A aceitao dos valores j afasta o positivismo, enquanto sua

    possibilidade de controle racional afasta o jusnaturalismo.

  • 32

    Pode-se dizer que o marco dessa mudana foi o fim da segunda guerra, entretanto,

    Willis Santiago Guerra Filho assinala que este movimento j se iniciara no perodo do

    entreguerras, com a Repblica de Weimar, cuja constituio representou um compromisso

    sobre valores bsicos. No houve um consenso sobre o que significava e como deveriam

    ser interpretados ou aplicados estes valores. Rudolf Smend, por exemplo, adotava um

    mtodo que se orientava por valores e preservava a funo integrativa, j que a constituio

    garantia a unidade poltica e social, no que foi combatido por Carl Schmitt poca.1

    Essa fase de discusses, sabe-se, foi interrompida pela ascenso do Nazismo, cujos

    integrantes, aps o trmino da guerra, alegaram em sua defesa o estrito cumprimento da lei.

    A perpetrao de horrores promovida pela segunda guerra exigiu definitivamente mudanas

    no direito e em sua interpretao. Primeiramente, pensou-se no retorno ao direito natural,

    atravs da invocao de um direito essencial suprapositivo. Em funo da necessidade de

    abandono do positivismo, ou ao menos daquele responsvel pela suposta justificao do

    nacional-socialismo, alguns tribunais alemes seguiram este caminho. Mas, ensina Arthur

    Kaufmann, este renascimento do direito natural foi episdico, afinal, era uma reao

    sbita ao positivismo e os juzes, ainda atordoados, no conseguiram desenvolver

    imediatamente alternativa melhor.2

    1 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Cincia Jurdica. So Paulo: Saraiva,2001. pp. 117-118.2 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,2004.

  • 33

    Foi neste cenrio, e com auxlio das doutrinas do entreguerras, que os valores receberam

    ateno dos juristas, pois ratificam a norma jurdica como prescrio de um padro

    avaliativo para a apreciao de casos concretos3. Mas os valores no so escolhidos

    aleatoriamente pelo intrprete em sua aplicao. Ao contrrio, foram inseridos no texto

    constitucional portanto, positivados sob a forma de princpios jurdicos. Willis Guerra

    Filho explica que, por isso, no se trata de recurso a um sistema suprajurdico de valores,

    como aqueles desenvolvidos no mbito das teorias jusnaturalistas, da filosofia moral ou da

    religio4.

    Sendo feita de forma mais segura e at objetiva que no direito natural, a recepo dos

    valores na constituio marca a superao da dicotomia, at ento existente, entre direito

    natural e positivismo jurdico.

    Outro no o entendimento de Tercio Sampaio Ferraz Jr, que, embora no se refira

    superao, enxerga na recepo dos direitos fundamentais pelas constituies como o

    motivo do enfraquecimento da dicotomia analisada. Vale ressaltar que normalmente os

    direitos fundamentais se apresentam como princpios constitucionais. Veja-se o que escreve

    o autor:

    p. 47.3 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Cincia Jurdica. So Paulo: Saraiva,2001. p.116.4 Id., ibid., loc. cit.

  • 34

    Uma das razes do enfraquecimento operacional da dicotomia pode ser localizadana promulgao constitucional dos direitos fundamentais. Essa promulgao, oestabelecimento do direito natural na forma de normas postas na Constituio, dealgum modo positivou-o. E, depois, a proliferao dos direitos fundamentais, aprincpio, conjunto de supremos direitos individuais e, posteriormente, de direitosociais, polticos, econmicos aos quais se acrescem hoje direitos ecolgico,direitos especiais das crianas, das mulheres etc. provocou, progressivamente, suatrivializao. Uma coisa se torna trivial quando perdemos a capacidade dediferencia-la e avalia-la, quando ela se torna to comum que passamos a convivercom ela sem nos apercebermos disso, gerando, portanto, alta indiferena em facedas diferenas.5

    Na fase do ps-positivismo6, reconhecem-se elementos morais no conceito de direito, em

    contraposio tese positivista da separao, sem recair-se na subordinao do direito a

    uma ordem suprapositiva. Promovem-se, entre outras contribuies, a investigao da

    racionalidade prtica, o desenvolvimento de teorias da argumentao jurdica, em bases

    racionais, que se no reduzem, por bvio, ao ngulo puramente descritivo ou formal,

    caracterstico do positivismo lgico.

    Avultam pesquisas sobre a distino entre regras princpios como espcies normativas,

    erige-se nova compreenso acerca dos direitos fundamentais e, logo, da prpria

    constituio, com importantes reflexos quanto ao princpio da separao dos poderes.

    Indagao central, de inexcedvel importncia, refere-se compreenso da racionalidade

    na argumentao jurdica, em particular na argumentao constitucional, em face dos

    problemas relativos aplicabilidade dos direitos fundamentais, de seu equilbrio no caso

    5 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3 Ed. So Paulo:Atlas, 2001. p. 168.6 Cf. BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, 15. ed., So Paulo: Malheiros,2004, p. 264 e ss.

  • 35

    concreto, na determinao de suas possibilidades fticas e jurdicas, quando se revestem do

    carter de mandado de otimizao.

    Com efeito, a busca pela determinao de critrios racionais para as decises jurdicas est

    vinculada, de modo intrnseco, preocupao de afastar o subjetivismo judicial. Ademais, a

    prpria construo de uma dogmtica jurdica depende de uma estrutura de racionalidade,

    como discurso jurdico.

    No mbito do positivismo, admite-se a doutrina de legislao intersticial por parte do juiz,

    conforme o conceito de textura aberta da norma jurdica, ou de moldura normativa7.

    Referida perspectiva voluntarista, infensa a critrios de racionalidade prtica, no se

    coaduna com o Estado Democrtico de Direito, acarretando problemas de legitimidade de

    atividade jurisdicional.

    A retomada da racionalidade voltada soluo de problemas prticos deve-se,

    fundamentalmente, a estudos desenvolvidos a partir da tpica, de origem aristotlica,

    destacando-se as obras de THEODOR VIEWEG e PERELMAN8.

    VIEHWEG explora a possibilidade de discusso racional para a soluo de questes

    jurdicas. Consiste a tpica, em linhas gerais, em uma tcnica de pensamento orientada ao

    7 KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, Trad. de Joo Baptista Machado, 6. ed., SoPaulo: Malheiros, 2000, p. 390.8 Cf. ATIENZA, Manuel, As razes do direito: teorias da argumentao jurdica, Trad. deMaria Cristina Guimares Cupertino, 2. ed., So Paulo: Landy, 2002, p. 59, VIEHWEG,PERELMAN E TOULMIN, atravs de suas obras, do origem ao que se entende hoje porteoria da argumentao jurdica.

  • 36

    problema. A idia de sujeitar a argumentao sobre questes jurdicas a critrios de

    universabilidade j se encontra em PERELMAN, com seu conceito de auditrio universal9,

    alicerce para a distino entre convencer e persuadir.

    Exerceu a tpica jurdica notvel influxo sobre a metodologia constitucional, com a

    elaborao do conceito de concretizao, que tambm chamado chama de construo da

    norma. Mencione-se ainda o mtodo concretista da constituio aberta, do processo pblico

    e aberto de interpretao constitucional. Deve-se salientar que a preocupao bsica do

    mtodo concretista tornar racionalmente controlvel o processo decisrio constitucional.

    Considerando-se uma abordagem monolgica, deve-se mencionar a teoria dworkiniana, de

    acentuado racionalismo, de reconstruo do direito vigente. Contudo, de se preferir a

    perspectiva dialgica da teoria democrtica . O paradigma procedimentalista, prprio das

    teorias discursivas, terceira via entre absolutismo e relativismo tico, manifesta-se na teoria

    da argumentao jurdica de ROBERT ALEXY10, complementar de sua teoria dos direitos

    fundamentais. Compreende-se, a partir das noes sucintamente apresentadas, como o

    problema da racionalidade est presente, de maneira constante, na teoria do direito atual.

    Consideramos de todo oportuno e conveniente realizar um estudo sobre a temtica exposta,

    investigando-se, segundo a contribuio de diversos autores, os limites e possibilidades da

    racionalidade prtica, com nfase nos problemas relativos aos direitos fundamentais.

    9 PERELMAN, Cham, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, Tratado da argumentao: a novaretrica, Trad. de Maria Ermantina Galvo, So Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 34.10 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentao Jurdica. 2. ed. So Paulo: Landy, 2005.

  • 37

    Embora a tpica jurdica tenha tido a virtude de impulsionar novos estudos, fundados na

    possibilidade de discusso racional sobre questes jurdicas, devem-se apontar suas

    deficincias como esboo de teoria da argumentao jurdica. Ao estabelecer a primazia do

    problema sobre a norma, ao tratar os princpios jurdicos como simples pontos de partida da

    argumentao, a tpica acaba por enfraquecer a normatividade das constituies, porquanto

    desconsidera a fora normativa especial dos princpios constitucionais. A tpica jurdica

    no se d conta das condies restritivas da argumentao jurdica, tampouco oferece

    conceitos sobre a estrutura dos argumentos. Sobre os pontos fracos da tpica, ALEXY

    assevera que Essas deficincias consistem no menosprezo da importncia da lei, da

    dogmtica e do precedente, em no oferecer uma introduo na estrutura profunda dos

    argumentos, bem como na insuficiente preciso do conceito de discusso. Na metodologia

    constitucional, a tpica manifestou-se em intensidades distintas.

    No obstante o carter democrtico do mtodo da constituio aberta, com o alargamento

    dos intrpretes da constituio, o excessivo valor conferido ao aspecto poltico da

    constituio, em comparao sua normatividade, pode levar a situaes de incerteza,

    insegurana e perda de eficcia jurdica e estabilizadora.

    Na perspectiva da tpica constitucional limitada pelo sistema, pelas normas constitucionais,

    procura-se dar um passo adiante na afirmao da importncia da constituio formal, com a

    definio de um procedimento de concretizao, marcado pela influncia da pr-

    compreenso, de origem na hermenutica filosfica de matriz heideggeriana-gadameriana,

    ao mesmo tempo em que se permite explicar a mudana do significado de disposies

  • 38

    constitucionais, sem alterao formal do texto, a demonstrar o carter constitutivo da

    realidade sobre as normas constitucionais.

    Na metdica estruturante de FRIEDRICH MLLER, parte-se da distino entre programa

    da norma e rea da norma, propondo-se um modelo de norma constitucional, balizado

    racionalmente em diversas etapas de raciocnio. O referido mtodo concretista recebe

    crticas por parte de ALEXY, porquanto o conceito estruturante de norma constitucional

    inconcilivel com a teoria da norma adequada teoria estrutural dos direitos fundamentais.

    A teoria dos direitos fundamentais de ALEXY, estreitamente ligada sua teoria da

    argumentao jurdica, no prope uma teoria material da constituio, mas explica, com

    base na distino analtica de regras e princpios, a estrutura dos problemas da dogmtica

    jusfundamental, atestando-se a presena de valoraes.

    Destina-se a argumentao jurdica, precisamente, ao controle dessas valoraes adicionais

    ao material jurdico dotado de autoridade, a saber, a lei, a dogmtica jurdica e os

    precedentes judiciais.

    O conhecimento da estrutura dos direitos fundamentais indispensvel para responder-se

    ao problema da (im)possibilidade de uma nica resposta correta, nos casos difceis, a

    atestar os limites da argumentao jurdica, como teoria discursiva, de indicar qual soluo

    deve ser adotada. Nesse caso, a tpica continua til, como tcnica de raciocnio onde no h

    solues conclusivas. Parece-nos, ainda, a respeito, de todo pertinente, a teoria

    habermasiana, que tem ntidas relaes com o mtodo da constituio aberta de

  • 39

    HBERLE, a propor que o contedo dos direitos, na atividade desempenhada pelas cortes

    constitucionais, venha a receber a influncia da discusso pblica dos cidados, da razo

    comunicativa, que servir de medida para a legitimidade das decises envolvendo os

    direitos fundamentais.

    Sobre as teorias racionais da argumentao contempornea, destacam-se as teorias de NEIL

    MACCORMICK e ROBERT ALEXY, como teorias padres da argumentao jurdica.

    A teoria da argumentao de ALEXY, no obstante seus mritos, no deixa de receber

    observaes crticas, como as de ATIENZA, atinentes teoria do discurso em geral e, em

    particular, teoria do discurso jurdico, nos seus aspectos conceituais e ideolgicos, como

    veremos em seguida. Importa, contudo, antes de mais nada, examinar agora a questo dos

    princpios jurdicos, ponto nodal de todo o desenvolvimento que aqui se pretende

    acompanhar.

    3. Desenvolvimento Histrico do Conceito de Princpios Jurdicos: Da subsidiariedade

    normatividade dos princpios.

    O papel conferido aos princpios jurdicos at meados do sculo XX mal chegava ao de um

    coadjuvante na cincia jurdica e sua importncia era menosprezada eminentemente pelas

    concepes dos ltimos sculos acerca do direito.

  • 40

    O tratamento dado era inadequado no por um problema dos princpios em si, mas pelo que

    se respondia pergunta o que o direito?. As mais diversas respostas no contemplaram

    o carter obrigatrio aplicao dos princpios jurdicos. Quando muito, reconheceu-se a

    subsidiariedade de sua aplicao, como ser explicado adiante.

    Assim, a compreenso do caminho que levou normatividade dos princpios s pode ser

    bem sucedida se for feita a anlise das fundamentaes doutrinrias que antecederam o

    atual estgio da cincia jurdica. Optou-se por comear pelo positivismo, que deu sua

    contribuio atravs da normatizao dos princpios gerais do direito, sem desprezar,

    contudo, a necessria participao das teorias do direito natural.

    Trcio Sampaio Ferraz Jr, com apoio no pensamento de Niklas Luhmann, descreve a

    positivao do direito como a uma conseqncia da teoria clssica da diviso dos poderes e

    da neutralizao poltica do Judicirio, que representa uma tentativa de separao entre

    poltica e direito. Passou a ser do Legislativo o dever de produo do direito, que seria

    modificado sempre que houvesse mudana na legislao. Assim, a institucionalizao da

    mutabilidade representa a positivao do direito.11

    Positivao possui, conforme o mesmo autor, um sentido filosfico e um sociolgico. Com

    o primeiro entende-se a positivao como o ato de vontade que estabelece um direito, que

  • 41

    acarreta na tese segundo a qual o direito um conjunto de normas que valem por fora de

    serem postas pela autoridade constituda e s por fora de outra posio podem ser

    revogadas 12. O sentido sociolgico implica a compreenso do fenmeno de valorizao da

    lei votada pelos parlamentos, decorrente da necessidade de segurana da sociedade

    burguesa.

    A mutabilidade, porm, no foi imediata e pacificamente aceita. A ela se contraps a

    chamada Escola Histrica. A.L. Machado Neto apresenta a origem deste movimento

    exatamente como uma reao ao modelo que se consolidava no incio do sculo XIX. Seu

    surgimento devido presena das idias romnticas no direito, atravs da postura

    conservadora que acarretava na defesa da valorizao do costume, manifestao

    espontnea (irracional) do esprito nacional (nacionalismo) e de carter medievalizante e

    feudal (conservadorismo, reacionarismo).13

    Gustav Hugo foi o principal autor a lanar estas idias. Foram os usos e os costumes que

    estabeleceram o direito, sendo estas as fontes do direito, e no, a vontade de Deus ou um

    contrato entre os homens. As idias de Hugo foram desenvolvidas por seu aluno Savigny.

    11 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3.ed. So Paulo: Atlas,2001, pp. 73-74.12 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3.ed. So Paulo: Atlas,2001. p.74.13 MACHADO NETO, A.L. Compndio de Introduo Cincia do Direito. 5.ed. SoPaulo: Saraiva, 1984. p. 26.

  • 42

    Savigny entendia que o esprito do povo era o objeto principal de estudo do direito, ao

    invs da lei positivada. Por isso, Savigny afirmava que o estudo deveria ser voltado para os

    institutos de direito, que expressam relaes concretas, a partir das quais eram elaboradas

    as regras. Tais institutos, explica Trcio Sampaio Ferraz Jr, eram entendidos como um

    conjunto orgnico repleto de elementos que se desenvolvia constantemente. Entretanto,

    esclarece o mesmo autor, essa organicidade deveria ser buscada no carter complexo e

    produtivo do pensamento conceitual da cincia jurdica elaborada pelos juristas desde o

    passado14.

    Para Savigny, as regras eram constitudas atravs da orientao pela intuio do instituto

    jurdico. Para aplicar uma regra, deve-se retornar tambm ao nexo orgnico, j que a lei

    corresponde a apenas uma parte deste nexo.

    A contribuio de Savigny, ao invs de gerar o aprofundamento do estudo histrico do

    direito, conduziu ao desenvolvimento de uma cincia jurdica que se pautava pelo estudo de

    um sistema lgico, como se fosse uma pirmide de conceitos, como explica Karl Larenz15.

    Esta teoria foi desenvolvida por um aluno de Savigny, Puchta, para quem a idia de sistema

    determinava que os conceitos situavam-se numa ordem verticalizada, na qual os conceitos

    inferiores subsumiam-se aos conceitos superiores e referendavam seu contedo.

    14 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3.ed. So Paulo: Atlas,2001. p.76.15 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. p. 23.

  • 43

    Logicamente, ento, haveria um conceito superior e ltimo do qual se deduziriam todos os

    outros. Para Puchta, o conceito supremo oriundo da filosofia do direito, pois, se fosse

    inferido dos outros conceitos, redundaria num ciclo vicioso. Karl Larenz identifica este

    vrtice da pirmide como o conceito kantiano de liberdade.16

    Puchta entendia que direito aquilo que se subordina ao conceito supremo e, por elaborar

    um fundamento suprapositivo, no se pode equipar-lo imediatamente ao positivismo, j

    que tambm o legislador deveria incluir apenas conceitos que se harmonizassem com o

    conceito supremo.17

    Ao pensamento de Puchta, que ficou conhecido como Jurisprudncia dos conceitos18,

    Willis Santiago Guerra Filho relaciona cinco conseqncias:

    (1) A ordem jurdica passa a ser vista como um sistema fechado e pleno, comautonomia e independncia perante a realidade social, uma realidade a se,portanto. (2) No h lacunas no ordenamento jurdico, por ser sempre possvel asubsuno lgica a princpios ou conceitos devidamente construdos. (3) Aatividade judicial de aplicao do Direito automtica, por ser escrava dessasubsuno silogstica. (4) O ensino jurdico torna-se um treino no manejo deconceitos desvinculados da realidade prtica. (5) O isolamento e a especializaotcnica da elaborao jurdica, excluindo a considerao de outra ordem qualquer,terminam por favorecer a manuteno do status quo, protegendo-o de embatesideolgicos e sociais.19 (grifos no original)

    16 Id., ibid., loc. cit.17 Id., ibid., p. 26.18 Aqui, o sentido do termo jurisprudncia cincia do direito, assim como emJurisprudncia dos interesses e Jurisprudncia dos valores, como ensina LARENZ,Karl. op. cit. p. 1.

  • 44

    Assim, Puchta se desvinculou da relao entre as regras e o instituto jurdico, que foi

    substituda pelo processo lgico dedutivo. A Jurisprudncia dos conceitos foi responsvel

    por lanar os pilares para o formalismo jurdico, que prevaleceu por vrias dcadas.

    No obstante sua importncia, as doutrinas que sucederam a Jurisprudncia dos conceitos

    no lograram xito na tentativa de super-la em definitivo, como o Movimento do Direito

    Livre e o Sociologismo Jurdico. Ao contrap-la, estabeleceram as razes para que Hans

    Kelsen desenvolvesse sua Teoria Pura do Direito, como escreve A. L. Machado Neto: a

    babel epistemolgica que o sociologismo ecltico instalou no plano da cincia jurdica teria

    de, necessariamente, provocar uma reao purista20. A pertinncia da Teoria Pura para este

    trabalho est em sua grande influncia no pensamento jurdico do sculo XX e na viso

    positivista sobre princpios jurdicos, que ser analisada mais adiante.

    Lembra Arthur Kaufmann que Hans Kelsen pertenceu ao positivismo lgico do Crculo de

    Viena, para o qual apenas tem sentido e compreensvel o que pode ser verificado

    logicamente21. A Teoria Pura almejava ao mesmo tempo acentuar a opo lgica da

    Jurisprudncia dos conceitos e consagrar o afastamento do direito natural. Como assinala

    Marlia Muricy, preocupado (...) em eliminar o risco ideolgico do jusnaturalismo que

    ameaava o rigor cientfico de prtica do jurista, Kelsen vai buscar, na matriz Kantiana da

    19 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Cincia Jurdica. So Paulo: Saraiva,2001. p 33.20 MACHADO NETO, A.L. Compndio de Introduo Cincia do Direito. 5. ed. SoPaulo: Saraiva, 1984. p. 26. p. 42.21 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,2004.

  • 45

    razo pura, eficiente cobertura epistmica para seus propsitos22.Kelsen pretendia

    desenvolver uma teoria que bastasse a si mesma, ou seja, que fosse auto-suficiente23. A

    pureza da cincia jurdica se alcanaria atravs de um olhar exclusivo para seu objeto, apto

    a libertar a cincia jurdica de todos os elementos que lhe so estranhos , como afirma seu

    fundador, sendo este seu maior princpio metodolgico24. Como conseqncia, a Teoria

    Pura precisava se afastar dos valores, seja pela averso ao direito natural ou pela descrena

    na objetividade dos valores. o que se chama ceticismo axiolgico da Teoria Pura25.

    Uma das premissas da Teoria Pura do Direito a distino entre os juzos de ser e os juzos

    do dever ser. Os primeiros so enunciados sobre acontecimentos que se verificam, enquanto

    os segundos correspondem aos enunciados sobre acontecimentos que devem se verificar.

    Abordando o tema, afirma Kelsen:

    A distino entre ser e dever-ser no pode ser mais aprofundada. um dadoimediato da nossa conscincia. Ningum pode negar que o enunciado: tal coisa ou seja, o enunciado atravs do qual descrevemos um ser ftico se distingueessencialmente do enunciado: algo deve ser com o qual descrevemos umanorma que da circunstncia de algo ser no se segue que algo deva ser, assimcomo da circunstncia de que algo deve ser se no segue que algo seja.

    p. 21.22 MURICY, Marlia. Racionalidade do Direito, Justia e Interpretao. In: BOUCAULT,Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, Jos Rodrigo (Org.). Hermenutica Plural. SoPaulo: Martins Fontes, 2002. p. 107.23 Cf. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenutica e Argumentao. 3.ed. Riode Janeiro: Renovar, 2003. p. 109.24 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1-2 .25 Cf. MURICY, Marlia. Racionalidade do Direito, Justia e Interpretao. In: BOUCAULT,Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, Jos Rodrigo (Org.). Hermenutica Plural. SoPaulo: Martins Fontes, 2002. p. 116.

  • 46

    Com o escopo de garantir ao direito objeto e mtodo prprios, Kelsen entendeu que

    cincia do direito competia um complexo de normas (dever ser), diferentemente das

    cincias de fatos, como a sociologia e psicologia (ser) e das proposies de natureza tica

    ou religiosa.26

    Ao recusar o direito natural, Kelsen lanou-se ao estudo da estrutura do direito positivo

    estudo formal, portanto. J que, para ele, o contedo das normas jurdicas no dado

    previamente, estas poderiam assumir qualquer sentido. A validade de uma norma no seria

    garantida por seu contedo, mas pelo cumprimento de uma forma especfica para sua

    produo.

    Karl Larenz, entretanto, afirma que a objeo mais relevante que deve ser feita Teoria

    Pura justamente o ponto de partida da teoria de Kelsen: a distino absoluta entre ser de

    dever ser. Para Kelsen, um dever ser s pode ser reconduzido a outro dever ser (uma norma

    s pode encontrar sua validade em outra norma). A unidade do conjunto normativo se

    garante porque todas as normas podem ser reconduzidas a uma ltima norma a norma

    fundamental hipottica.27

    26 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: FundaoCalouste Gulbenkian, 1997. p. 93.27 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. pp. 98-99.

  • 47

    O escalonamento hierrquico de normas, que sustenta a teoria do ordenamento jurdico,

    implica a busca de validade numa norma superior. Isto , para verificar a validade de

    determinada norma, faz-se imperioso ascender norma do patamar elevado. E assim feito

    com todas as normas que apaream acima. Contudo, este exerccio conduziria ao infinito,

    se no houvesse uma norma que pusesse fim busca da validade. Acontece que se esta

    norma tivesse sido posta por uma autoridade, seria questionada qual norma superior

    conferiu competncia para tal autoridade e no se encontraria nunca a norma ltima.

    Portanto, a norma fundamental identificada como uma norma necessariamente

    pressuposta, que no poder ter sua validade questionada.

    A norma pressuposta de Hans Kelsen foi elaborada em analogia a um conceito da teoria do

    conhecimento de Kant. Ela a condio lgico-transcendental para o conhecimento das

    normas postas, na medida em que permite Teoria Pura uma interpretao no

    reconduzvel a autoridades metajurdicas, como Deus ou a natureza, do sentido subjetivo de

    certos fatos como um sistema de normas jurdicas objetivamente vlidas descritveis em

    proposies jurdicas28. Esta norma fundamental pressuposta remete ao cumprimento

    daquilo que prescreve a Constituio.

    bom ficar claro, todavia, que no a Constituio a prpria norma fundamental, porque

    aquela uma norma posta. Alm disso, a norma fundamental (pressuposta) no possui

    qualquer interferncia no contedo que tem tal Constituio. A no interferncia no

  • 48

    contedo da constituio fica clara quando Kelsen afirma que no importa a questo de

    saber se esta ordem jurdica efetivamente garante uma relativa situao de paz dentro da

    comunidade por ela constituda29.

    Aps ter sido descrita a norma fundamental hipottica, retoma-se a crtica formulada por

    Karl Larenz. Dizia-se que a Teoria Pura no conseguiu separar integralmente o ser do dever

    ser. A ordem jurdica deveria se validar unicamente atravs de um juzo de dever ser,

    entretanto, ela no consegue, justamente em sua norma fundamental, se desvencilhar de um

    juzo de ser30.

    Para dar consistncia Teoria Pura, seria necessria uma ltima norma, mas, j que no

    poderia ser posta, ela deveria ser pensada (pressuposta). Nas palavras de Kelsen, ela

    logicamente indispensvel para a fundamentao da validade objetiva das normas31. No

    entanto, a cincia positivista s capaz de constatar que a norma pressuposta como

    fundamental atravs da interpretao de uma ordem coercitiva globalmente eficaz como

    um sistema de normas jurdicas objetivamente vlidas32. Sobre o tema, indispensvel o

    comentrio de Karl Larenz:

    28 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 225.29 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 225.30 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. p. 99.31 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 227.32 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 227.

  • 49

    O acto de pensamento que legitima a ordem jurdica, a postulao da normafundamental, encontra assim, em ltimo termo, a sua verdadeira justificao nofacto de funcionar como tal um certo ordenamento coercivo: isto , o dever serresulta efectivamente, pela via travessa do postulado teortico da normafundamental, de um ser, que, como tal, para Kelsen alheio ao sentido e ao valorda (mera) facticidade!33

    O sistema da Teoria Pura no conseguiu se armar unicamente em estruturas de dever ser. A

    norma fundamental, que deveria ser uma pura expresso de dever ser, termina rendida a um

    juzo de ser para validar todas as normas postas o fato de uma ordem funcionar como

    coercitiva justifica o sistema. Em outras palavras, a tentativa de construo de uma cincia

    completamente normativa esbarrou precisamente na norma suprema.

    Com o incio das codificaes isto , a tentativa de elaborar um conjunto completo das

    normas de uma determinada rea do direito, mormente, o direito civil, os princpios

    jurdicos receberam maior relevncia, pois passam a ser caracterizados como fonte

    normativa subsidiria. No se trata ainda de reconhecer nos princpios uma verdadeira

    norma jurdica que deve ser sempre observada. Ao contrrio, tem-se o posicionamento

    historicamente anterior ao descrito os princpios so inseridos para assegurar o ideal de

    completude do ordenamento jurdico.

    A idia de completude faz crer que um dado ordenamento jurdico capaz de regular todas

    as situaes fticas, ou seja, no h caso que no possa ser solucionado por uma norma

    oriunda deste ordenamento. A situao inversa encontrada naqueles ordenamentos que

    33 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. p. 99.

  • 50

    tm lacunas, isto , ocasies em que no se descobrem, no sistema, nem normas proibitivas

    nem normas permissivas.

    Norberto Bobbio explica que, ao lado da coerncia e da unidade, a completude a terceira

    qualidade que caracteriza o ordenamento jurdico que se pretende sistemtico. A

    completude a resposta para o anseio de segurana, uma vez que, com ela, restaria proibido

    o juzo de non liquet, em que o juiz no julga a causa. Alm disso, a completude procura

    garantir que as decises sero proferidas sempre com base no direito posto, excluindo,

    portanto, qualquer sada para o direito natural.34

    Com base nestas afirmaes, percebe-se a relao entre o ideal de completude do

    ordenamento e o positivismo jurdico, enquanto realizador de um projeto de sistema

    formalmente fechado. Eis o motivo da designao deste perodo de segunda fase da

    teorizao dos princpios, por Paulo Bonavides.35

    A meno aos princpios nos cdigos modernos, como foi dito, funcionava unicamente

    como garantidora da completude do ordenamento. Aos intrpretes era dada a tarefa de

    34 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico. 10.ed. Braslia: Editora UnB,1999. p. 118.35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. So Paulo: Malheiros,2006. p. 262. A primeira fase, vale ressaltar, corresponde ao jusnaturalismo. Por umaquesto metodolgica optamos por lhe fazer referncia mais adiante.

  • 51

    aplic-los quando houvesse uma lacuna. Significa dizer que os princpios s seriam

    utilizados quando faltasse alguma norma para o caso.

    Mesmo sendo um garantidor da completude do sistema, os princpios a que se referiam o

    cdigo civil italiano foram postos em dvida por alguns doutrinadores: a lei trazia tona os

    princpios de direito natural ou Direito Positivo? Riccardo Guastini aponta para a

    controvrsia surgida na Itlia sobre a expresso princpios gerais do direito posta no

    cdigo civil de 1865. Alguns entenderam que era feita aluso aos princpios de direito

    natural, ou seja os princpios de justia que se supem comuns a todo ordenamento (em

    todo momento e em todo lugar)36.

    Por outro lado, Bobbio destaca que o legislador italiano do cdigo civil de 1942 optou por

    uma expresso que remetesse ao direito positivo, princpios gerais do ordenamento

    jurdico do estado37. A soluo usada para saber quais so os princpios de direito positivo

    esclarecida por Riccardo Guastini: os princpios que podem ser expressos ou derivados de

    disposies positivas formuladas nas fontes de direito so considerados de direito

    positivo.38

    36 GUASTINI, Riccardo. Distinguiendo. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 154.37 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico. 10.ed. Braslia: Editora UnB,1999. pp.156-157.38 GUASTINI, Riccardo. Distinguiendo. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 154.

  • 52

    Vale ressaltar que o mtodo de preenchimento de lacunas atravs dos princpios foi

    largamente recepcionado no direito e na doutrina brasileira. Mas a soluo adotada foi um

    pouco diferente.

    Eduardo Espnola entendia que primeiramente deviam ser aplicados os princpios gerais do

    direito nacional, para s ento, se no resolvessem a questo, utilizar o que chama de

    princpios universais de direito, ou seja, aqueles que se deduzem do esprito legal, da

    cincia jurdica, da prtica judiciria dos atuais povos cultos39. Nota-se que a formulao

    no muito precisa, ainda mais porque o autor no esclareceu o que significava um

    princpio.

    Tambm Clvis Bevilqua optou pela utilizao de um conceito que no se restringiu aos

    princpios de direito positivo ou apenas aos direitos nacionais. O autor chega a fazer

    meno ao direito natural e equidade, ao indicar o caminho para solucionar o problema

    das lacunas do direito.40

    Carlos Maximiliano, em obra clssica, organiza melhor sua descrio dos princpios.

    Afirma o autor que todo conjunto de regras a sntese, o substrato de um complexo de

    mximas, por conseguinte, princpios superiores. Se o legislador parte desses princpios

    39 ESPINOLA, Eduardo. Breves Anotaes ao Cdigo Civil Brasileiro. vol. I. Salvador:Joaquim Ribeiro, 1918. p. 38.

  • 53

    para elaborar as normas, quando o intrprete percebe a insuficincia do ordenamento, cabe-

    lhe o regresso aos princpios para poder solucionar o caso. A atividade descrita assim por

    Maximiliano: sobe aquele [o intrprete] gradativamente, por induo, da idia em foco

    para outra mais elevada, prossegue em generalizaes sucessivas e cada vez mais amplas,

    at encontrar a soluo colimada41. Esta viso sobre os princpios configura, como se ver

    adiante, um dos conceitos que foi utilizado para tentar compreender sua essncia: princpios

    so normas mais gerais, com alto grau de abstrao.

    V-se que, mesmo no havendo consenso sobre o que seriam os princpios, na transio

    entre o sculo XIX e o sculo XX, sua funo era meramente subsidiria. A mudana deste

    pensamento passou pela atualizao do conceito de norma jurdica, como se apresenta a

    seguir.

    A norma jurdica no incio do sculo XX era enxergada essencialmente pela estrutura

    daquilo que hoje correntemente se chama de regra, ou seja, um enunciado lingstico

    disposto semelhana do juzo hipottico da lgica, se A, logo B, onde se encontram a

    prtase e a apdose. Aquela contm os pressupostos para verificao de uma conseqncia

    e esta, a prpria descrio da conseqncia. Karl Engisch explica que, na norma jurdica, a

    prtase corresponde hiptese legal a descrio de uma conduta e a apdose a uma

    40 BEVILQUA, Clvis. Theoria Geral do Direito Civil. 2.ed. Rio de Janeiro: FranciscoAlves, 1929. p. 47.41 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. Porto Alegre: Livrariado Globo, 1925. p. 300.

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    conseqncia jurdica. Ambas so formulaes abstratas que no se confundem com a

    situao da vida.42

    Era este o pensamento predominante. Dessa estrutura surgia a obrigatoriedade, ou seja, da

    enunciao de uma conseqncia jurdica. Os princpios jurdicos, por outro lado, jamais

    possuram tal estrutura, da a dificuldade de compreen