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II Encontro Brasileiro de Estudos Para a Paz20 a 22 de setembro de 2017
Universidade Federal da ParaíbaJoão Pessoa, PB
ÁREA TEMÁTICA: CULTURA DE PAZ E EDUCAÇÃO PARA A PAZ
A PARCERIA QUE CONSTRÓI A PAZ: ESCOLA MUNICIPAL SANTA ÂNGELA E PROJETO UNIVERSIDADE EM AÇÃO (PUA – UEPB)
Sandra Moraes Tavares de MeloSecretaria Municipal de Educação, Escola Municipal de Educação Infantil Santa Emília de Rodat
Paulo Roberto Loyolla KuhlmannUniversidade Estadual da Paraíba, Departamento de Relações Internacionais
RESUMO
Este trabalho visa descrever as atividades feitas por meio da parceria entre a Escola Fundamental Santa Ângela, no bairro do Cristo Redentor, João Pessoa, e o Projeto Universidade em Ação - PUA, da Universidade Estadual da Paraíba, por meio do relato pessoal da autora, que verificou o surgimento dessa parceria, desde a função de orientadora educacional, até seu período de gestão da escola, como diretora geral, no período de 2014 a 2016. A escola está inserida num dos bairros mais violentos de João Pessoa e, com a mudança do Campus V do Tambiá para o Cristo, houve a criação do PUA, com o objetivo de tratar a questão da violência, inicialmente, por meio do lúdico, com a utilização de palhaços e brincantes no período do intervalo (recreio), no turno da tarde, quando funcionam as atividades do 1º ao 5º ano. Estas atividades começaram timidamente, em 2013, a partir da observação inicial, com algumas falhas, mas hoje em dia se conjugam com as atividades lúdicas os círculos de diálogos. O objetivo deste trabalho é relatar como a parceria foi estabelecida, as dificuldades iniciais e as formas de superá-las, as atividades executadas e os resultados obtidos, de acordo com entrevistas e depoimentos de gestores, professores, técnicos e funcionários da escola, e de membros do projeto de extensão, e de como a sinergia criada tem realizado interações significativas na vida das crianças, construindo a paz.
Palavras-chave: Construção de Paz; Escola Pública; Lúdico; Círculos de Diálogo
A PARCERIA QUE CONSTRÓI A PAZ: ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO
FUNDAMENTAL SANTA ÂNGELA E O PROJETO UNIVERSIDADE EM AÇÃO
Foram muitos encontros, muitas conversas, muitas trocas de experiências, infinitas leituras
realizadas, discussões e várias reflexões para chegarmos a essa parceria entre escola e Projeto
Universidade em Ação- UEPB. Uma conexão que aconteceu diante de muitos desafios e
perspectivas. Mas para falar sobre essa parceria, preciso dizer que sou sonhadora, educadora,
formada em Pedagogia, atuo como Orientadora Educacional, na Prefeitura Municipal de João
Pessoa, desde 2009. Sempre atuei com muito respeito, dedicação, responsabilidade e amor
para com todos dentro e fora do espaço chamado escola.
Quando cheguei para atuar em uma das Escolas Municipais de João Pessoa, no Bairro do
Cristo Redentor, tive uma grande surpresa; acreditava que as atividades, planejamentos, as
atitudes dos profissionais eram maravilhosas. Porque anteriormente eu trabalhava em um
município pequeno da Paraíba, onde, tudo era bastante complicado; começando pela
precariedade da estrutura física, até a falta de formação dos profissionais que atuavam na área,
sem falar em falta de material pedagógico, comunicação, etc. Cheguei bastante entusiasmada
na escola, com tudo que eu acreditava: diálogo, trabalho em grupo, troca de experiências,
atenção para com os alunos, o que já sabia e o que eu iria aprender, com o novo trabalho, em
especial com os novos colegas.
Nos primeiros dias, pensei: Maravilha, tudo certo! – Mas os dias foram se passando e a rotina
me fazia questionar: como teremos crianças com comportamentos melhores, com uma
aprendizagem legal, estimuladas, se os próprios profissionais os tratam com violência,
xingamentos, rótulos, falam o tempo inteiro que não conseguem nada, crianças que eram
discriminadas pela equipe da escola e, principalmente, não eram ouvidas. O horário do
intervalo era um dos momentos mais angustiantes e assustadores: as crianças eram trancadas
no espaço, como uma quadra, a inspetora fechava a grade e colocava o cadeado, todas elas
teriam que ficar no mesmo espaço, mesmo aquelas que não queriam, sem nenhuma atividade
direcionada, ou brinquedos. A biblioteca não era utilizada, pois a direção alegava que muitos
alunos levavam os livros para casa.
A minha inquietação era imensa, no primeiro momento, tentei conversar com a direção
levando uma proposta de atividade para os alunos na biblioteca da escola, a atividade seria
acompanhada pela professora e por mim, seria ummomento de interação fora de sala de aula,
ou seja, incentivar a leitura e realizar momentos de reflexão sobre os cuidados que teríamos
que ter com o material existente na escola. A atividade foi desenvolvida, algumas vezes, pois,
quase sempre acontecia algo que impedia a realização da mesma. Muitas foram as tentativas
para que essa atividade acontecesse, mas estimular os alunos de forma descontraída não era a
proposta no momento da escola.
Nos planejamentos, sempre tentava, de forma sutil, sugerir atividades lúdicas, ou seja,
trabalhar com o lúdico, (palavra que vem do Latim ludus e significa brincar) para que as
professoras pudessem incluir nas suas atividades diárias, algumas professoras aceitaram, o
planejamento era um momento em que a discussão se dava em torno do que se acreditava para
as crianças, ou seja, uma dinâmica tradicional, atividades tradicionais e muitas tarefas escritas
no caderno. As atividades lúdicas aconteciam apenas em datas comemorativas, como dia do
estudante, páscoa e dia da criança. Criar atividades diferentes para os alunos não é simples e
nem fácil, como afirma Celso Antunes, 1999 (p. 37)
Em síntese, jamais pense em usar os jogos pedagógicos sem um rigoroso e cuidadoso planejamento, marcado por etapas muito nítidas e que efetivamente acompanhem o progresso dos alunos, e jamais avalie sua qualidade de professor pela quantidade de jogos que emprega, e sim pela qualidade dos jogos que se preocupou em pesquisar e selecionar.
A ideia de incluir jogos, despertar o interesse dos alunos e a ouvir as informações que os
alunos traziam incomodavam os profissionais, porque modificava a rotina já conhecida.
Entretanto, Celso Antunes (1999) frisa: “O jogo ajuda-o a construir suas novas descobertas,
desenvolve e enriquece sua personalidade e simboliza um instrumento pedagógico que leva
ao professor a condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem”. Mesmo,
sem tanta aceitação pela equipe, algumas professoras começaram a desenvolver alguns jogos,
aos poucos comecei a acompanhar essas professoras que tentavam modificar a rotina das
crianças, oferecendo alguns momentos de interação através dos jogos, dentro da sala de aula.
Com tantas situações negativas, ações de injustiça que presenciei, não deixei de dizer,
demonstrar através de minhas atitudes que ouvir verdadeiramente cada um, alunos e colegas
do ambiente de trabalho, era e é essencial. Parar por alguns minutos e dar atenção as crianças
era um início de uma grande “batalha.” Era muito triste presenciar discursos perfeitos sobre
educação, quando, na prática, nada existia de educação. Lembro que um dos primeiros
projetos que apresentei para direção da escola foi o Recreio monitorado, a proposta era
colocar atividades com jogos no horário do recreio, como dama, jogo do resta 1, livros para
quem quisesse realizar leituras, amarelinhas, bola, pular corda, abrir o laboratório de
informática para assistirem curtas infantis com temas variados, o recreio monitorado iria
ajudar a amenizar a violência que acontecia no horário do recreio, mas iria também precisar
de funcionários para ajudar. Falei as ideias, os objetivos, argumentei sobre a importância da
afetividade, do brincar, do jogo e da alegria que as crianças sentiriam nesse momento do
recreio, mais fui barrada, pois; aprendi que um projeto só é desenvolvido na escola se a
direção da escola acredita e investe nele.
Maluf (2005), ao tecer consideração sobre a importância do brincar, observa que, hoje nas
escolas, não há uma proposta pedagógica que incorpore a brincadeira como eixo do trabalho
infantil. A autora percebe a inexistência de espaços que possibilitem o desenvolvimento e a
valorização dos saberes trazidos pelas crianças. E diante desta reflexão a autora aponta que:
É rara a escola que invista neste aprendizado. A escola simplesmente esqueceu a brincadeira, na sala de aula ou ela é utilizada com um papel didático, ou é considerada uma perda de tempo. E até no recreio, a criança precisa conviver com um monte de proibições, como também ocorre nos ´prédios, clubes, etc. (MALUF, 2005, p.01)
Percebi, que a partir desse projeto, onde o mesmo traria benefícios para os alunos e muito
trabalho para todos da equipe, que comecei a incomodar, meu jeito de tratar, principalmente
as crianças, de falar palavras positivas, de buscar ajuda para os alunos, de realizar visitas nas
casas dos mesmos quando necessário, de acompanhar o desenvolvimento, de acolher as
crianças com deficiência, transtornos, realizar visitas nos locais que esses alunos eram
atendidos; muitos desses alunos eram tratados como loucos, incapazes de aprender, trazia
inquietação para muitos que faziam parte da equipe da escola. Escutei vários comentários
sobre minhas ações, como: não faz nada, fica só dando atenção as crianças e não resolve nada,
etc.
Comecei a perceber que muitas das crianças começaram a me respeitar, a me ouvir, a partir
das minhas ações. Fui chamada, muitas vezes, para resolver e até mesmo acalmar muitas das
crianças que apresentavam comportamentos inadequados, lembrando que muitos desses
comportamentos eram consequências de atitudes grosseiras por parte dos funcionários e até
mesmo dos professores. Minhas ações para com os alunos sempre foram de muito afeto e
compreensão, pois acredito a afetividade é fundamental para o bem estar e o desenvolvimento
cognitivo da criança, como fala Mauco (1986) refere que a educação afetiva deveria ser a
primeira preocupação dos educadores, porque é ela que condiciona o comportamento, o
caráter e a atividade cognitiva da criança e Goleman (1997), desenvolve o conceito de
inteligência emocional e salienta que aprendemos sempre melhor quando se trata de assuntos
que nos interessam e nos quais temos prazer. A preparação da criança para a escola passa pelo
desenvolvimento de competências emocionais – inteligência emocional – designadamente
confiança, curiosidade, intencionalidade, autocontrole, capacidades de relacionamento, de
comunicação e de cooperação.
Perdi a conta de quantas vezes chorei quando saía da escola, por vivenciar tantas situações de
violência e injustiças com as crianças e adolescentes. Sempre fui religiosa, nesses momentos e
em todos de minha vida busquei a oração e o silêncio em Deus, para não desistir, não
desanimar. Às vezes, pensava que era omissa, pois me achava passiva em algumas questões
que vivenciava, mas pensava que tinha que ser, pois; se não agisse dessa forma, não
conseguiria proteger, defender aquelas crianças, e principalmente lutar por elas, pelo bem
estar e, consequentemente, por sua aprendizagem. Comecei a me fortalecer na oração cada
vez mais.
No final do ano de 2012 tiveram eleições para direção e duas adjuntas foram substituídas.
Para mim foi tudo de bom! Iniciamos o ano letivo de 2013, para mim, era uma “luz no fim do
túnel”, pois uma das diretoras adjuntas (novata) demonstrava um olhar mais compreensivo,
dedicado ao bem estar dos alunos, em uma de suas falas, certa vez, que destaco com muito
prazer e dedico às colegas especialistas que trabalhei e trabalho, quando a mesma falou:
“quando eu estava em sala de aula pensava e julgava que a equipe de especialistas, inclusive
dizia que elas não faziam nada, hoje percebo o quanto eu estava errada e digo que se não
fossem as especialistas, não conseguiria realizar o trabalho de diretora”. A partir deste
momento, tudo modificou, a relação entre a equipe e a direção, inclusive a confiança passou a
ser cultivada.
No início do ano de 2013 a escola recebeu uma visita de integrantes do PUA ( Programa
Universidade em Ação). Tive a oportunidade de estar na escola no dia da visita. A diretora
geral me convidou e apresentou a equipe. No primeiro momento pensei: mais um grupo da
Universidade para acompanhar na escola. Nem imaginava a grande revolução que aconteceria
na escola e também em minha vida. As visitas iniciaram, e começamos a conversar, trocar
informações, eles faziam muitas perguntas e eu pedia muita ajuda, principalmente com o
turno da manhã, fundamental II, crianças e adolescentes (faixa etária de 11 a 16 anos). Existia
muita violência, falta de respeito, e o desempenho escolar era bastante baixo.
O grupo PUA trouxe a ideia, depois de observar o intervalo e de algumas conversas, de
realizar algumas atividades relacionadas com o circo, iniciaram, mas não foi positivo, os
adolescentes transformaram as brincadeiras em atos violentos, com alguns colegas. Nesses
momentos tinha um sentimento de fracasso, batia uma aflição, vinham vários sentimentos de
angústia, medo, etc. Mas pensava em tudo que já tinha passado e percebia que o professor e
sua equipe mostravam em suas falas e ações aquilo que eu acreditava como educadora, em
uma convivência harmoniosa, com respeito, sem violência, com atividades lúdicas,
principalmente no horário do intervalo, uma relação de afetividade, onde, a mesma é
estimulada por meio da vivência, a qual o educador estabelece um vínculo de afeto com o
aluno, ou seja, um dos fundamentos para o desenvolvimento da Cultura de Paz.
Em 2014, vieram mais desafios, mas sempre buscando o equilíbrio, a oração, leitura, e sempre
cultivando o carinho e o respeito com os alunos e colegas de trabalho. O meu jeito de agir,
com muita atenção, dedicação e afeto resultava em vários comentários entre alguns colegas de
trabalho, como: boba, passava a mão na cabeça das crianças, etc. Confesso que tive vontade
de desistir, mas o desejo de amenizar a violência na escola e estimular a prática do diálogo
entre os alunos e os profissionais da escola era maior. Eu me sentia estimulada pela atuação
do grupo PUA e por uma das colegas de trabalho que me incentivavam a não desistir, de
persistir. No início do ano, o professor e sua equipe trouxeram uma proposta para a escola:
comparecer no horário de intervalo do turno da tarde, fundamental I, vestidos de palhaços
para brincar com a criançada.
Quando ouvi a proposta a felicidade foi tão grande que respondi sem nem comunicar à
direção, tudo certo, ainda completei: pode ser toda semana se puderem..., depois conversei
com a direção que concordou. Paralelo a essas atividades os desafios continuaram, um deles
era acolher o grupo e mostrar que as atividades que eles estavam fazendo era positiva, pois
momentos de brincadeiras e alegria eram primordiais para obtermos comportamentos mais
tranquilos, saudáveis, e a diminuição da violência. A equipe da escola não acreditava muito,
não dava nenhuma importância para esses momentos, eu ficava aflita nos dias que o professor
comunicava que era dia de atividade de palhaços na escola.
Nos primeiros meses, tive que estar presente em quase todos os encontros, o bom para mim
foi observar o comportamento das crianças, a relação criada em cada momento com o grupo,
tudo muito simples, mas ao mesmo de uma grandeza maravilhosa, e que na verdade só eu
conseguia enxergar. Quando dividia o que estava acontecendo com as colegas, as mesmas não
davam muita importância, apenas ouviam. Quando conversava com o professor Paulo ele
dizia que ficava feliz, mas eu sentia que ele não sentia segurança no que eu relatava para ele.
Mas eu não deixava de falar e realizar minhas observações, pois as crianças me traziam
resultados positivos, quando conseguiam conversar umas com as outras, me ouvir, respeitar,
não só a mim, mas as colegas também.
Outro desafio foi levar a proposta de realizar algumas atividades no horário da manhã com os
adolescentes, não era tão simples, mais o momento já permitia que a direção me ouvisse e
permitisse que realizasse as propostas. Algumas eram negadas, mas quando era aprovada eu
agarrava com todas as minhas forças e sempre com muita humildade, pedindo ajuda para as
colegas e juntas conseguíamos realizar, tendo um resultado positivo.
Em uma das reuniões realizadas pela direção da escola, foi proposto uma atividade no turno
da tarde com todas as crianças reunidas na quadra. Pensei que seria um desafio, mas apostava
no trabalho que vinha sendo desenvolvido, mesmo que de forma discreta, além da atividade
com os palhaços, a direção da escola realizava todos os dias oração com as crianças antes de
iniciar as aulas, percebíamos que elas gostavam e sentiam-se bem. Lembro que no início era
uma complicação conseguir com que eles ouvissem quem falava ao microfone, era necessário
que professores e especialistas estivessem para ajudar nesse momento. No dia da atividade,
para comemorar a páscoa, onde, cada turma faria sua apresentação e depois teríamos um
lanche coletivo, as crianças surpreenderam a equipe desde o momento da chegada deles na
quadra até o final da atividade, com o simples fato de conseguirem ouvir, participar e realizar
a atividade proposta pela equipe. Nesse dia, eu fiquei muito feliz, pois tive a primeira prova
de que, o que eu falava sobre a importância do brincar, do ouvir, do respeito faz toda
diferença, quando desenvolvida.
O quanto foi gratificante perceber as crianças bem mais tranquilas, mas percebi que quase
não foram feitos comentários pela equipe da escola, é como se não pudessem falar e comentar
de coisas boas, ou melhor de momentos bons. Ao final da atividade fui à direção realizar uma
avaliação sobre a atividade. Comecei perguntando se ela tinha observado que os alunos
estavam diferentes, ela respondeu que sim, em seguida, falei que os momentos com os
palhaços, as brincadeiras, o diálogo estava fazendo a diferença e que estávamos conseguindo
melhorar a dinâmica da escola e principalmente demonstrar para as crianças que escola é um
espaço muito bom e de muita aprendizagem. A mesma concordou, mas sem tanta euforia, no
momento a euforia era só minha. Logo depois, tive a oportunidade de informar ao grupo PUA
(Programa Universidade em Ação) o que estava observando e vivenciando com os alunos,
percebi que eles acharam legal, mais não ficaram muito entusiasmados, fiquei triste, fui para
casa pensando como poderia mostrar ao professor e sua equipe que a vinda dos palhaços
estava contribuindo e fazendo a diferença na escola.
Tive a ideia de fazer um vídeo, onde, as crianças e professores relatassem o que estava
significando para eles a vinda dos palhaços na escola, não fiz perguntas, pedi apenas que
falassem o que achavam, livremente, e foi lindo o que disseram. Em seguida, reunimos todos
da equipe do PUA no último dia do ano que eles foram de palhaços, apresentamos o vídeo e
percebi que foi muito bom ouvir os alunos e professoras sobre o trabalho deles, sem
interferências, mas a sinceridade das crianças que relatavam os momentos que acontecia. Que
eu digo que era mágico, simplesmente fantástico, momentos sem regras, sem cobranças, sem
gritos, sem agressões para com os alunos, então, só poderia vir a contribuir para uma
convivência melhor.
No meio do ano de 2014, mais um desafio apareceu, a direção da escola informou que iria se
aposentar e não continuaria mais para o biênio 2014/2016. Todos ficaram surpresos,
principalmente, quando a diretora sugeriu meu nome para assumir a Direção Geral. No
primeiro momento, eu disse não, mas depois de alguns meses resolvi aceitar o desafio. Sabia
que não seria fácil, mais sabia que tinha alguns aliados dentro da escola e a equipe do PUA,
que embarcaria na proposta que já tínhamos iniciado, sabia que na posição em que ficaria
dentro da escola teria muito mais oportunidades de desenvolver atividades e projetos voltados
para a cultura de paz.
De acordo com Resolução da ONU:
Uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados: a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação; b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional; Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz – parceria UNESCO-Associação Palas Athena 3 c) No pleno
respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos; e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-ambiente para as gerações presente e futuras; f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento; g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens; h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação; i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz.(art. 1, da Resolução53/243, de 06 de outubro de 1999, da Assembleia Geral da ONU.
Iniciamos o ano de 2015 com muitas reuniões para definirmos como daríamos inícioao
projeto na escola toda. Começamos a atuar nos planejamentos administrativos/pedagógicos,
onde, a equipe do professor e a equipe de direção e especialistas da escola iniciavam uma
grande sensibilização com a equipe toda da escola, as resistências por parte de professores e
funcionários foram bem desafiadoras, as críticas foram imensas, ao ponto de alguns
professores começarem a não comparecer mais aos planejamentos, achavam tudo uma
bobagem, alguns diziam que os alunos (crianças/adolescentes) não tinham jeito, que eles se
comportavam sem respeito e agressivos porque a escola não tinha disciplina. Meu foco
sempre foi o bem estar dos alunos, a afetividade, sempre acreditei que o amor transforma,
conduz, traz a vontade de querer fazer o melhor, de aprender e muito mais.
Depois que assumi a direção, aprendi muito, inclusive a me tornar mais persistente, a praticar
cada vez mais o diálogo, mesmo com aqueles que não se permitiam modificar; lembro que
uma das vezes, me deparei com uma situação muito constrangedora com um professor, um
aluno e sua responsável, percebi que o professor desafiava, para saber minha capacidade de
resolver a situação, mas como sempre tive Deus em minha vida, nesse dia, ouvi bastante o
professor e apenas realizei uma pergunta, Professor o que o senhor deseja para que possamos
modificar essa situação dentro da nossa escola? O mesmo ficou em silêncio, meio surpreso,
então falei, completei a fala, estamos juntos, somos parceiros, não existe dois lados, a equipe
da escola está trabalhando em prol da melhoria da nossa escola.
Comecei a dar autonomia as pessoas que ocupavam coordenações dentro da escola, a realizar
reuniões com o intuito de informar, orientar como pensávamosem melhorar nosso dia a dia,
dizer que estaríamos trabalhando dentro da perspectiva da Cultura de Paz e sempre falando da
importância do trabalho em grupo, valorizando todos, sem distinções, permitindo que dessem
ideias, para demonstrar que somos todos capazes, que um completa o outro. Paralelo a essas
questões, ainda tinha a relação com a secretaria de Educação do Município. Sempre fui muito
discreta, mais também na hora de ir em busca de algo melhor para comunidade escolar,
parecia que uma força maior me tomava, e fui conseguindo fazer algumas conquistas dentro
da secretaria, sem contar em participar junto com o professor Paulo e sua equipe de reuniões
para traçar estratégias da proposta de Cultura de Paz dentro da escola, planejar atividades,
momentos de sensibilização, palestras e encontros sobre Cultura de Paz e mediação de
conflitos.
Realizamos muitas atividades, me sinto muito grata por esse período na minha vida a Deus,
fazer acontecer atividades quase toda semana no turno da manhã era uma proposta antiga e
que o Professor e sua equipe foram grandes articuladores para que essas atividades
acontecessem e que os nossos adolescentes viessem a melhorar, tivemos várias atividades
como: teatro (realizado pelo PUA), Zumba (trazido pelo PUA, com a participação da
professora Cyntia Henderson, da Ithaca College, Estados Unidos), apresentações de dança
(alunos do UNIPÊ, com a colaboração da professora de Educação Física Samara), palestras
sobre primeiros socorros (Bombeiros) e outras. Mas, percebia que realizar atividades,
movimentar os alunos e deixar a escola com uma dinâmica bem mais atrativa não era o
suficiente. Sempre conversava com o professor que precisávamos de atividades que
atingissem primeiro os professores e funcionários. E me sinto feliz, por ter recebido grande
parte de professores, concursados, com um desejo de fazer um trabalho diferenciado, ou seja,
muitos acreditavam no trabalho que estávamos realizando.
A cada desafio, agradecia a Deus pela resolução feita. Recebi muitas críticas. Algumas
oportunidades surgiram como, poder colocar algumas alunas do PUA (Mayane e Suerda),
para desenvolver oficinas do Programa Mais Educação na escola. Elas fortaleceram junto a
coordenação do programa, professores e direção a ideia da Cultura de paz; antes as crianças
que participavam do programa, eram vistas como o terror da escola; com o passar do tempo, o
grupo do Mais Educação começou a vivenciar outra fase, começaram a chegar comentários
positivos, sobre a melhoria dessas crianças junto aos profissionais na escola. Pois, foram
desenvolvidas várias ações e atividades com as monitoras do Programa Mais Educação
(Ministério da Educação – MEC) junto as crianças e adolescentes que frequentavam o
Programa, apostamos no diálogo, no ouvir os alunos, desenvolver atividades, estimulando
jogos educativos, momentos de relaxamento, dança, teatro, música e muita atenção para com
os alunos. Eram esses momentos que me sentia muito grata a Deus, via o quanto os alunos
demonstravam que estava gostando da escola, das pessoas que ali estavam, a participação dos
alunos nas atividades foi melhorando bastante.
Além de realizar um trabalho junto com a equipe de especialistas, com os pais das crianças e
adolescentes, com muito diálogo para com os mesmos e respeito, começamos a perceber que
os pais também estavam sendo contagiados com a prática do diálogo e consequentemente a
resolução dos conflitos que apareciam, através de conversas com os pais, filhos e a equipe de
especialistas da escola, informando aos pais que nosso trabalho era de muito diálogo com seus
filhos, principalmente de conscientização sobre a importância do diálogo, falar a verdade e
assumir os erros quando cometidos. Os pais começaram a chegar na escola mais tranquilos,
buscando resolver os conflitos e situações que apareciam, sempre que ligávamos para os
responsáveis, os mesmos compareciam, mesmo que fosse depois de algumas tentativas. Sobre
conflitos PRUDENTE ( 2010, p. 83) nos diz:
Portanto, para construir e encarar os conflitos de forma não violenta é preciso mudar atitudes, crenças e comportamentos. Exige-se, primeiramente, a necessidade de reconhecer a existência de conflitos, analisa-los e compreendê-los para, em seguida, buscar uma solução plausível. O reconhecimento de que o conflito existe é o primeiro passo para ouvir o outro lado e começar um diálogo com respeito e igualdade.
A partir daí, e de tantas atividades realizadas, o PUA nos trouxe uma nova atividade, o
Círculo de Diálogo, no início do ano de 2016. Sempre acreditei que, para cobrar ou ensinar, e
falar de algo, eu precisaria participar, vivenciar. Então, tive mais essa oportunidade, de
participar, estudar e entender a dinâmica dos círculos de diálogo, uma das ferramentas que
trabalharíamos na escola.
Participei do primeiro círculo de diálogo junto com algumas das especialistas e uma das
diretoras adjuntas, foi maravilhosa a experiência. E começamos a aplicar os círculos, o
professor Paulo sempre como facilitador nos primeiros círculos realizados.
O círculo de diálogo é uma prática que tem origem nos primeiros povos dos Estados Unidos e
do Canadá, que, após a observação e sistematização de Kay Pranis (2010), tornou-se uma
prática comum de criação de vínculos, de estabelecimento de conexões, e de fortalecimento
de relacionamentos, a partir da escuta ativa e da fala de todos.
É uma prática cerimonial, ritualística, apesar de muito simples, que é conduzida por um
facilitador, cujas principais tarefas são: planejar o círculo, de acordo com as necessidades do
grupo, elaborar perguntas que permitam a reflexão, sem julgamentos morais ou induções
forçadas por visões dogmáticas, cuidar do grupo e do momento, de forma que as pessoas
sintam-se a vontade e respeitem o objeto da palavra, e buscar conexões entre o grupo que
criem modificações de comportamento e de visão de mundo, melhorando o ambiente em que
foi praticado.
Os círculos de construção de paz, na verdade, se dividem em círculos de diálogo, mais
preventivos, e os círculos restaurativos, que visam tratar de crises e conflitos que resultaram
em ofensas, causando vítimas.
No círculo, existe geralmente a seguinte sequencia determinada:
1 – Cerimônia de Abertura: onde o facilitador faz alguma reflexão que instigue os
participantes do círculo para a atividade que se inicia. Pode ser por meio de uma música, uma
poesia, um texto, ou uma atividade lúdica, corporal;
2 – CheckIn: visa saber como cada participante se encontra, naquele momento, em relação à
disposição de participar, bem como seu humor, seu sentimento emocional;
3 –Diretrizes: busca estabelecer, por meio do grupo, como o círculo irá se conduzir, quais as
regras necessárias para seu bom funcionamento. É interessante que essas regras sejam
estabelecidas pelo grupo, em conjunto;
4 – Valores: tem o intuito de estabelecer o que cada participante traz para o momento, como
valor pessoal. Pode ser um sentimento, ou um valor moral, ético;
5 – Perguntas de Conexão: visam estabelecer conexões com o grupo, por meio de histórias de
vida;
6 – Perguntas Norteadoras: buscam direcionar a discussão, para o assunto que se quer tratar;
7 – Check out: tem a finalidade de saber como foi a experiência do círculo para cada
participante;
8 – Cerimônia de encerramento: buscar fechar a atividade, da mesma forma que a cerimônia
de abertura, com algum poema, música, dança coletiva, ou atividade lúdica corporal.
Foram realizados os primeiros círculos de diálogos com a direção e especialistas, depois com
os professores que atuavam no turno da tarde, em seguida com funcionários, professores e
especialistas do turno da tarde, foram realizados círculos com as especialistas, direção e os
funcionários que chamávamos de estratégicos, que eram o regente da banda, o coreografo, as
coordenadoras do Programa Mais Educação e sempre participavam alguns alunos do PUA.
Cada círculo realizado eu me surpreendia com as pessoas que participavam, os comentários
eram surpreendentes. Penso o quanto fui corajosa, fechando muitas vezes a escola para poder
acontecer a prática dos círculos, apesar das restrições burocráticas; não me arrependo, pois
todos que faziam o turno da tarde participavam da atividade e eram revigorados com ela.
O resultado foi maravilhoso. Lembro que o primeiro círculo realizado com os funcionários e
professores juntos, foi muito gratificante, no dia seguinte ouvi muitos comentários positivos
sobre o momento. Alguns funcionários chegaram a comentar que começaram a entender o
comportamento de alguns dos colegas; os professores estavam encantados, porque estava
começando a entender o quanto era importante conhecer o aluno, conversar, ouvir. Então,
começamos a perceber que o círculo de diálogoé uma ferramenta de muito poder dentro da
escola. No ano de 2016 foram aplicados muitos círculos com o grupo dos profissionais da
tarde, e logo, no primeiro momento sugeri iniciar os círculos com as turmas do 5º ano, devido
aos grandes conflitos que existiam nas turmas. O professor e sua equipe deram início
aplicando círculos com os mesmos.
E logo, percebemos que essa ferramenta nos traria de positivo, mas também sabíamos que não
seria fácil, seria um processo, até porque os professores e os alunos não praticavam o diálogo.
Certo dia, o PUA nos trouxe a proposta de realizar o primeiro círculo com todas as turmas do
fundamental I, com um detalhe: sem a presença do professor de sala. Como sempre apostando
na ideia, sem deixar de dizer que sem a colaboração da equipe da escola como todo, não seria
possível essa ação. Tivemos a presença de vários colaboradores neste dia, eu fiquei muito
feliz, no primeiro momento fiquei desapontada, achava que tinha dado tudo errado, que os
alunos não tinham colaborado, mas ao final de cada círculo o professor reunia sua equipe e
realizava uma avaliação. Nesse dia participei, foi quando me tranquilizei com a fala do
professor em me lembrou que era a primeira vez que acontecia com as crianças, que elas não
estavam acostumadas, e que elas eram crianças, e por isto, agitadas.
Portanto, a partir daí foram realizados vários círculos, com algumas observações que trago,
como a importância do professor na sala, ou seja, a pedido dos alunos. E assim, todo o
processo dos círculos no turno da tarde foi realizado, desde a não participação dos professores
até a participação dos professores, onde, os mesmos aprenderam com a equipe do PUA e com
prática, construir e realizar círculoscom seus alunos. O bom era ouvir a equipe falar sobre a
atuação dos círculos e os resultados positivos, mas também as críticas construtivas que a
equipe da escola começava a aprender a fazer, destaco também o quanto aprendi participando
dos círculos e me fortalecendo na função de diretora.
CONCLUSÃO
Portanto, a minha experiência como Diretora na Escola Municipal Santa Ângela, me trouxe a
oportunidade de aprender e perceber o quanto é necessário a busca do equilíbrio diário para
ministrar os desafios e os conflitos que aparecem, ter vontade e perseverar no que se acredita,
buscar e fazer parcerias, pois nada acontece hoje na escola sem parceiros do bem, e um desses
parceiros foi o PUA, que nos trouxe a força do bem para escola, que espalhou a esperança
para termos um resultado positivo no desenvolvimento cognitivo e afetivo de nossos alunos e
também a permissão dos profissionais da escola de vivenciar essa parceria.
Agradeço a Deus por ter permitido viver esta experiência que muito me fez crescer como
profissional e como pessoa, pois sempre acreditei que é possível trabalhar, dentro do contexto
escolar, ou melhor, ensinar e aprender de forma consciente e com afetividade.Implementar a
Cultura de Paz na escola e colocar em prática os círculos de diálogos, foi um dos meus
maiores desafios; acredito que é a partir da direção geral, onde, a responsabilidade é imensa,
podemos conectar, aplicar, desenvolver e permitir que a atuação dos profissionais e alunos
possam se tornar cada vez mais protagonistas da sua história na escola, através do simples ato
de ouvir e dialogar.Onde, a implantação dos círculos de diálogos veio começar a construir
uma nova história dentro da Escola Municipal Santa Ângela.Foi bastante claro a melhoria da
convivência dentro da escola entre os funcionários e alunos.
Tive a oportunidade de realizar ao final da minha gestão a parceria com a Escola Municipal
Agostinho Fonseca Neto, que incorporou a ideia da implementação da Cultura de Paz, através
da prática dos círculos de diálogos. Onde, fortaleceu mais ainda, a ideia de que possível
realizar uma dinâmica a partir do ouvir e do diálogo, assim, trabalhando através da prevenção
da violência, estimulando aos nossos alunos a cultura do bem e para o bem.
Além disso, hoje, como orientadora educacional da Escola Municipal de Educação Infantil
Santa Emília de Rodat, iniciou-se a realização de círculos, com profissionais e com alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MALUF, Ângela C. Munhoz. Brincar na escola. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/index.php/131-brincar-na-escola Acessado em: 07/08/2017.
MAUCO, Georges. Educação da sensibilidade na criança. Ensaio sobre a evolução da vida afetiva. Lisboa: Editora Moraes, 1986.
PRANIS, Kay, Processos Circulares – Teoria e Prática. São Paulo: Palas Athena, 2010.
PRUDENTE, Neemias Moretti. Para uma Cultura de Paz: Direitos Humanos e Justiça restaurativa.
PELIZZOLI, Marcelo. Cultura de Paz Restauração e Direitos. Recife: Editora U
niversitária UFPE, 2010.