vouga arriba... ou o drama de um povo, de daniel rodrigues

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VOUGA ARRIBA ... ou o dr de u

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Livro sobre a luta para o restabelecimento da linha do Vale do Vouga. Escrito em 1974 por Daniel Rodrigues como resultado de várias reportagens. "Este livro que é, em parte, extracto de várias reportagens inseridas em «O Comércio do Porto», outro objectivo não tem se não ser documento comprovativo do abandono a que foi votado o Povo gritante das Terras do Vouga e conseguir levar ao Governo Libertador os clamores, os dramas, que cada vez mais se ouvem nas serras e vales de uma região que "foi votada a um ostracismo total. Hoje, mais do. que nunca,estamos confiantes de que a linha do Vale do Vouga reabrirá. Ela é do Povo. O Povo. quere-a, anseia-a. E um Povo unido ... Este livro será, pois, uma resposta a um apelo." Daniel Rodrigues, 1974

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Page 1: Vouga Arriba... ou o Drama de Um Povo, de Daniel Rodrigues

VOUGA ARRIBA ... ou o dr de u

Page 2: Vouga Arriba... ou o Drama de Um Povo, de Daniel Rodrigues

Uma ap1·esentacão de Daniel Rodl'igues é desnecessária para os leitores deste seu «Vouga-Arriba». Não have1·á um que não o conheça. E que ele mesmo não conheça.

Aqui, loJ:'O se esboca o perfil do autor deste livro - a sua capacidade de comunicar. Fácil, correntia, natural, dada numa linguagem directa e espontànea - humana, em suma.

Quer vá ao encontro do acontecimento, quer o «apanhe» com a sua facilidade de ca.pta~ão, dotada de vibrátil sensibilidade, Daniel Rodrigues é perfeitamente o historiador crítico ·do quotidiano, isto é, e conforme alguém afirmou, o verdadeiro jornalista.

Nasceu em <<Terras do Demo>>, em 1931. A vida humilde e desgastante dos camponeses ainda hoje o toca. Nas origens, portanto, um profundo afecto pelos d1·amas dos pob1·es, os «humilhados e ofendidoS>> duma sociedade organizadamente injusta.

Após estudos, o autor de «Vouga-Arriba>> foi funcionál'io público no sector da Justiça. Aí pode igualmente auscultar uma outra espécie de drama - o do homem que amesquinha o Homem •

.•. E surJ:"iU o convite de «0 Comércio do Porto>> para inJ:"ressar no seu Corpo Redactot·ial. Cl'iando a sua Deleg·ação em Aveiro, desde logo e até ao p1·esente, lhe foi entreJ:"ue a organização e chefia.

De então até hoj e não mais descansou a pena do jornalista em defesa de · Aveiro -cidade e distrito. Não have1·á terra onde não t enha ido ou sobre que n ã o tenha escrito nas colunas da ~rande lmln·ensa, muito especia.Imente em .:0 Comércio do Porto»., no <<Diário Popula.r» e a.inda «Diát·io de Lisboa.», «República», semanários e I'evistas.

São numerosísimas as suas reporta2'ens eiitre as quais serão de salienta.r as que dedicou à Gafanha, a Préstimo e Talhadas (na candente questão dos baldios), ao «salgado>> de Aveiro, a Cacia (indústria versus aJ:"ricultura), à extinta Aldeia da Cadaveira, à Ria e litoral aveirenses, etc., etc. l\Ie1·ece ig·ual registo a comecada série sob o título «Do Buçaco à Costa Verde>>,

l\Ias não só os problemas de Aveiro solicitaram a sua ac!;ão de jornalista. <<Da estepe alentejana ao Reino dos Algarves>>; <d'erras do Demo de ontem e de hoje>>; <<Qu:tis RobinsonS>> (sobre o Rio Guadiana) ; «Na 1·ota dos emigrantes>> - o dram'}. dos tl·abalhadores po1·tugueses em l!..,ranca. - são títulos de Daniel Rod1·i~ues. Ultimantente., e 1"'ainda no domínio da l'eporta.gem, ofereceu aos seus leitores <<0 Papel dos Estudantes na campanha de alfabetização em Terras do Homem da Nave>>.

E não só na reportagem. Sobre a vida política e a Lei de Imprensa en­trevistou o Dr. Raúl Rego, Director da República e iUinish·o do Primeiro Gove1·no P1·ovisório. Questões de tra­balho foram por si l evantadas em entrevista com o actual 1\Iinísti'O dessa pasta. E nem o gene ral Spínola, então Presidente da RCJ)Ública., esca}>OU ao diálogo com o jornalista.

l,ara lá de toda esta aguda. e cons­lante >tctividade - Daniel Rodrigues n ã o sabe es tar parado - tem o nome deste probo profissional da pena apa­recido na organização de v~tliosos su­pleinentos c cade rnos sobre os mais divers os e palpitantes assuntos: Serft de lembra.r o dedi<~ado à amizade Avei­ro-Helém do Pará.

]\Ias t erá sido, JlOrventura, na luta prosseg·uidtt pelo J'(~stabe1ecintent.o da linha do «Vale do Yong-a.» que J>a.niel Rodrig·ucs tenha. dado de s i aquele cunho humano com que, em todo o s eu labor, sein[HC [HOCHI'OH evidenciar as des~g-u<tld:~des dtuna sociedade ca­pitalisht nuin pais pobre.

O testemunho clessa luta é este lil· ro. «Youg·a.-At·rilJa» t~ o seu título.

Oxalá seja feliz prenúncio.

{---_:· .. -~

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íNDICE

Duas razões de um documentoEvocando

913

I

VALE DO VOUGA: SIM OU NAO? 171923272933373147

Hora de expectativa ...AnacronismoEncontros periódicos ...Viagem para esquecerDistritos de braço dadoLinha que não deve acabarElstrada Nacional: Aveiro - Vilar Formoso ...Drama desponta ...

II

DESESPERO QUE GRITA 55

5761677379838993

103107111117123

Aveiro - Viseu '"Um pandemónio ...Não aconteceria esta tragédia .Sernada nasceu com o comboio .Pseudo indiferentismoDistritos reclamam ...Responsáveis na espectativa?!A solução para o doente não é matá-loSilêncio que fala ... . ..Frustração ...Ingíesea (também) querem o comboioPrimeiro, a via férrea ...:S'l todo um pais afectado ...

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lU

ESPERANÇA CONFIANTE 133

Não era saudosismo ... 135Dois distritos em mesa redonda ... 147Não se pode fazer o desenvolvimento sócio-económico

da região do Vouga sem um moderno comboio 149

ALGUNS DOCUMENTOS 155

Após o 25 de Abril ... 159

RELATóRIO 163

NúMEROS 171

DIA NACIONAL DO TRABALHO NO VOUGA 173

Um Povo Unido jamais será vencido! ... 175Antes, as palavras. Agora os factos?! 177O fim de um princípio?! ... 179

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Composto e impresso nas oficinas daTIPAVE - Tipografia de Aveiro, Lda.

1974

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DANIEL RODRIGUES

VOUGA ARRIBA ...ou

O Drama de um Povo

AVEIRO1 974

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Para os mais incautos, para aqueles que, porventura, põemacima de tudo, as suas ideologias políticas ou religiosas, quiçá,talvez até acima do bem do Povo, nós queremos afirmar que, coma publicação deste «romance» desenrolado à volta do antigo «Texas»,utra coisa não nos moveu senão testemunhar publicamente a luta

de um Povo contra um indiferentismo desumano, amesquinhante;desmascarar uma farsa que foi sempre apanágio de um regimeditatorial; que atingiu a raia do escândalo quando se diziam muitasoisas lindas e se faziam muitas promessas (no caso do Vouga) e

enviavam, simultãneamente, ofícios (confidenciais) aos Presi-d ntes das Câmaras e Juntas de Freguesia, intimando-os a fazeremdo Vale do Vouga «tabu», por ser caso arrumado.

E ao publicarmos depoimentos, entrevistas com elementosligados ao regim-e fascista não nos moveu evidenciar pessoas, mastão somente documentar o seu parecer (nessa altura responsávelp lo cargo que desempenhavam) e que afinal, não viria a corres-pender aquilo que apregoavam, ou porque o seu falar era umafarsa, ou porque metidos' numa máquina que não lhes permitiad sencaixarem-se de toda essa engrenagem, salvo uma ou outraxcepção.

O livro ficaria, pois, manco se apenas pusessemos o Povo afalar e não responsabilizássemos, porventura, os autores datragédia. O peixe morre pela boca, diz o nosso Povo. Foi isto oque pretendemos. Nada mais.

Aliás, depois do 25 de Abril, o nosso rumo de acção foi precisa-mente o mesmo: auscultar os responsáveis e o Povo. É porqueaté poderia dar um 'outro livro, um outro «romance», se esseshomens não tomassem uma posição válida pró-Povo, a favor daverdadeira, da autêntica democracia.

A nós não nos importa homens, nem cargos. Importa-nos, issoim, a defesa do Povo. Para além da nossa ideologia política e

r ligiosa, está o bem da Colectividade, das camadas mais des-providas de réditos. ão atacamos ou elogiamos homens; atacamossituações, elogiamos tomadas de posições verdadeiras. Pessoashouve que auscultamos várias vezes, quer no regime fascista, querno regime vigente. Apontamos, por exemplo, '0 caso desse grandepaladino do Vouga - Jaime Gralheiro.

Foi dura a batalha do Vouga para nós também. Continua a serduro escrever este «romance». Porém, estamos (sempre) presentese olhamos 00 Povo bem de frente e de cara bem lavada.

D. R.

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A meu Pai que dorme o sono da paz.A minha Mãe que, resignadamente, se vai

extinguindo.A minha Mulher pelas horas de convívio que

lhe roubo.A meus Fi!lhos pelo tempo de ternura que não

lhes dou.Aos meus Mestres pela formação de carácter

que me insuflaram.A Vás, Gentes do Vouga, por me proporcio-

nardes a comunhão de um drama e... porventura,a alegria de uma ressurreição!

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DUAS RAZOESDE UM DOCUMENTO

«o livro é muitas vezes uma resposta e, como tal, o seuuparecimento é determinado por uma razão nem sempre transpa-rente porquanto os estimulas que lhe estão na origem podemescapar à percepção do leitor, mesmo do mais receptivo à mensa-!t m ontída nas suas páginas» (in «Portugal e o Futuro», deAntônio pínola).

Sozinho numa carruagem, na noite vespertina do inolvidável2,5de Abril, lia eu a passagem que acabei de transcrever. E tivep na do comboio não me levar nessa noite até Lisboa! ...

Quem diria?!A leitura daquela passagem mais me incitou a elaborar o tra-

balho que apresento. Já há muito me pedia, essa gente do «VougaArriba», que escrevesse, fizesse um livro.

Hesitava, não pelo trabalho propriamente em si, mas porqueconhecedor de um certo indiferentismo perante realidades que sócegos não viam ou surdos não escutavam!

Mas foi precisamente esse indiferentismo que me fez arrega-çar as mangas da camisa e vir para a rua mais uma vez desmas-carar toda uma máquina capitalista que se atreveu a passar pelosdireitos sagrados da «persona» só com o intuito degradante de cavarcada vez mais fundo o fosso do abismo onde viria, afinal, a enter-rar-se. O Povo, esse Povo para quem ainda não chegou o horáriodas 40 ou 35 horas semanais, continuava a ser manjar dos esfo-meados pela honra, pelo seu bem-estar.

A extinção do Vale do Vouga assentou essencialmente nestes

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objectivos: Enriquecer escandalosamente uns tantos e enfraquecer

pauperrimamente milhares de familias.Este livro que é, em parte, extracto de várias reportagens

inseridas em «O Comércio do Porto», outro objectivo não temse não ser documento comprovativo do abandono a que foi votadoo Povo gritante das Terras do Vouga e conseguir levar ao GovernoLibertador os clamores, os dramas, que cada vez mais se ouvemnas serras e vales de uma região. que "foi votada a um ostracismototal.

Hoje, mais do. que nunca,estamos confiantes de que a linhado Vale do Vouga reabrirá. Ela é do Povo. O Povo. quere-a, anseia-a.E um Povo unido ...

Este livro será, pois, uma resposta a um apelo.

o AUTOR

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Sal que greta

Vouga que morre

Frio que enregela

Vouguinha que nasce

ou

LAÇO QUE UNE DUAS TERRAS

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EVOCANDO

Madrugada dentro. A estrela d'alva estática por detrás doamieiro de rio seco, era agourenta de dia ridente. O cintilarentrava-me na janela e preçaua-se-me nos olhos. Não tardavamuito que, calçada acima, rua abaixo, as tamancas de tia MariaRosa não me dissessem que era dia. Num golpe de milhano, à buscade ave hipnotizada, arrumei com as mantas, tecidas lá na casa,por mãos habilidosamente ágeis, para os pés da cama.

A voz endorminhada ecoou nos corredores: Senhor Pai, senhorPai, é dia! Os peregrinos já passam para a Senhora da Lapa. Olhe,escute, lá vêm eles a cantar e a rezar, serra da Nave abaixo!

Em bico de pés, corredor fora, atrevi-me a dar volta à chavee através da meia fresta, lá os via passar. Sacola às costas; sapatospendurados no sombreiro, equúioraâos à frente com a cabaçade vinho fresco, do que há lá, talvez pelo Minha, donde teriam jásaído há dias; coturnos enfiados em esguias pernas de homensde pele tisnada ...

As pedras graníticas puseram-nos em farrapos, ensopadosalguns em sangue que por vezes esguichava. Mas, ao menos, pou-pem-se os sapatos! O dinheiro é pouco e é preciso chegar à Senhorada Lapa! ...

Ainda faltava subir as quelhas, os barrancos da serra daSenhora, mas depois estariam prostrados diante da Virgem solici-tando a sua protecção.

E eu ficava-me quase adormecido ao som do reguinho deágua qwe ali me beijava os pés. E ele corria sempre, sempre atéchegar ao linhar da tia Maria Rosa, A rega, em Agosto, não parava,

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nem de dia nem de noite, a menos que o moleiro, traiçoeiro àsvezes, tapasse a poça. E quem se aventuraria a lá ir fazer preva-lecer os seus direitos ou as ordens do repartidor?! Ah! é que oslobos ainda uivavam! ...

Lá ao longe, na Tabosa, ou no Carregal, onde AquiUno nascera,ouviam-se os primeiros toques matutinos do sino da torre.

- Ouve-se cá o sino do Carregal, bom sinal, temos bom tempo- dizia a minha avó.

E a Lapa gritava-me nos ouvidos e começava a âescortinarum dos seus nichos.

Pai senhor Pai, é dia! Sapatitos enfiados, camisita de festa,araoatita às três pancadas; cabaz, comprado na véspera na feirade Barrelas; presunto, salpicão, coelho fritado, ia ali tudo metido ...Era a festa, uma festa que sempre trago no coração e impressanos olhos. Lamosa ainda é passada ao lusco-jusco, mas num galope,a garotada punha-se onde «zurra o ma?'».

E esse «zurra o mar» agora tem outro significado! Aquelepenedo) postado à beira da estrada poeirenta, de solavancos semnúmero, quantos «macaquinhos» faz à garotada! E ninguém vai àLapa, sem encostar a face à laje polida. de tanto ouvido ali esbor-rachado pela malícia de velhos que se entretêm, ao longo dosséculos, a enganar a inocência das crianças.

E tudo isto é saboroso! E até parece que ouvi o «zurrar domar» deste mar que agora me seduz! É que também... encos-,tei a cabeça!

* * *

Se fora profeta, eternamente ficaria a escutar-te, ó Vouga,Vouga que te vi nascer e te assisto, à tua morte! E ainda me per-guntam porque me bato por uma região que nem sempre é grata! ...Mas vale a pena lutar quando se tem nos olhos a dama do nossopulsar! Vouga, ó Vouga, quantas vezes tens sido ingrato! Vi-te bebé,periclitante no teu correr! Não venhas agora, arrogante, dizer-meque não me conheces! Mas eu vejo todos os dias o teu progressoe adivinho quanto poderás ainda fazer em prol das terras onde tudescansas de longa caminhada. Deixaste 'os palheiros, de centeiofeitos, e aqui ergues pirâmides de sal. E cada vez te admiro mais

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porque serás tu o elo de união das Beiras, serás tu o continuadordo :<Malhadinhas» à procura ou ao desafio com os cagaréus deAvelro.

* * *

Mas não és só tu, ó (Rio) Voug~, que evoco. Lembro tambémess~ linha que tantas vezes me trouxe e levou às terras queeter~amente adorarei - Beira Alta, Beira Litoral. Tortuosa via,uomitanâa lufadas de fumo eSbranquiçado, umas vezes, douradooutras, quando o sol espreitava por cima das piramidais montanhasela roi durante seis décadas o transporte das gentes pobres queproulerom na vasta região como os peixes povoam as entranhasdo mar!

E encantava-me contigo, ó comboio, que tanto benefício trou-xeste, recebendo, em troca, uma inesperada machadada! Eras velhoe ninguém te deu o remédio do rejuvenescimento antes te conde-n.ando à guilhotina de malfeitor. O teu companheiro _ o Rio _=: Esse permaneceu porque continua a ser devaneio para ricaçose. nao pseudo-empecilho para que a tal via larga possa um diavzr para gáudio (também) de uns tantos!

Dois destinos. Duas vidas, que uns consideram antagónicas eoutros (a maioria) jwlgam complementares._ Lapa- Vouga-linha-1'io trago-os nos olhos e guardados no cora-

çao, porque a todos estimo igualmente. É porque nào vos conceboseparadamente! Poesia?! Romantismo?! Não! Uma realidade queos tecnocratas nunca conceberam; Concebê-Ia-ão agora os liberta-dores do Povo?!

Fiquemos a aguardar melhores, dias. Os dias de um PortugalNovo em terrae do Vale do Vouga que começa onde o rio nasce emorre onde o mar começa. ,

D. :a.

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Vale do Vouga:

sim ou não?

Uma «herõtca» sobrevivente .•.

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HORA DE EXPECTATIVA

Quartel general de uma linha

Era numa destas manhãs que apetece beber o orvalho naverdura dos nossos campos. Parámos em cima da Ponte de Eirol.Espraiámos a vista pela extensa laguna, salpicada de algas e demoliço apodrecido. A Ponte da Rata quebra-nos o horizonte. Subimosao Miradouro de Pilatos. A vista cansa-se de tanto ver. As tonali-dades são tantas e tão variadas, que descrevê-las só a penade um Raul Brandão.

Lá ao longe, muito ao longe, topámos com o comboio, a queo povo chama «Texas». Nossos ouvidos são feridos pelos silvos dalocomotiva.

Taciturno, sem pcdermos balbuciar palavra, esperámos quepassasse por baixo de nós. Ele, o carroção, aproxima-se. Emper-tigado. Uivando. Deixando que a fumarada se misture com o sol.

A manhã apresentava-se fresca. Nossa missão estava traçada.Galgar terras do Vouga, onde o comboio, apesar de tudo, continuaa levar o turismo ,e a dar algum bem-estar a milhares de pessoasque, das pirâmides de sal às Caves de Viriato ou à Costa Verde,o acolhem de braços abertos.

Estava anunciada uma reunião para. a Sernada. Reunião quese apregoava de vida ou de morte para os destinos da linha dóVale do Vouga.

Sailpicada de casinhas, encosta acima, à mistura com vinhas

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e arvoredo, Sernada, aí está ela beijada pelas águas do Vouga,conspurcadas, poluídas por uma indústria que não perdoa.

Ainda era cedo. Porém, a vida para aquelas largas centenasde pessoas, que se agitavam na estação, tinha começado há muito.Para alguns, não tinha sequer parado.

A vida, numa estação, é feita de constantes e consecutivosfios de resignação, de doação. Há máquinas em manobras; háoficinas em laboração; há carvão a ser removido; há «agulhas»que se colocam no seu lugar; há escritórios a processar o sDeoe»e o «Haver»; há baús que embarcam ou desembarcam com osustento dos ferroviários; há gaitas a tocar para dar partida aoscomboios e às anacrónicas automotoras; há o esventrar de locomo-tivas; enfim, há todo um mundo que vive da linha, pela linha e porcausa da linha do Vale do Vouga.

São dois distritos - Aveiro- Viseu - que se unem pelos laçoseconómico-sociais, sementes de uma só amizade.

Cinco horas para percorrerpouco mais de cem quilómetros

Diz-se, nos últimos tempos, que o Vale do Vouga tinha de-acabar, porque daria muita despesa, prejuízo mesmo, à C.P.Evidentemente que se levantou uma onda de protesto de milharesde pessoas que sempre viveram do Vale do, Vouga.

- Sernada, é um beco sem saída. Sem a C.P. não é nada. Oshabitantes de Jafafe, se não fosse a ponte da C.P., que fica ali,como o senhor vê, tinham de andar onze quilómetros para viremaqui à Sernada. O pessoal, que ali vive, é, podemos dizer, noventapor cento ferroviário. Sem comboios, Sernada teria de desaparecer.

Estes os primeiros gemidos que ouvimos ao chegarmos àSernada. Continuar com estes ronceiros comboios estará deacordo com as exigências actuais? Enquadrar-se-á no século daalunagem do homem?

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Vejamos os horários dos comboios, que percorrem cento ecatorze quilómetros:

AVEIRO-VISEU

Partida: 7,10 - Chegada: 12,5812,58- 16,5819,55- 23,50

VISEU-AVEIRO

Partida: 5,55 - Chegada: 10,2014,30- 19,3518,04- 23,28

A média horária é, pois, aproximadamente, de vinte quiló-metros.

As automotoras, que fazem o trajecto Viseu-Espinho (não têmligação para Aveiro), fazem o percurso em relativamente menostempo. Porém, dada a velhice de que enfermam - mais de quarentaanos e sempre as mesmas - já não oferecem o mínimo de condiçõesde comodidade.

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ANACRONISMO

Locomotivas: sessenta anos em circulação

Foram muitos os funcionários ouvidos na estação da Sernada,E todos afirmaram que a linha dá prejuízo, mas poderá também darmuito lucro à Companhia se se fizer, não já uma reconversão dalinha, mas sim uma reconversão de máquinas e de vagões. Afiança-ram-nos mesmo que se se motorizasse o ramal Aveiro-Sernada, aCompanhia teria cerca de vinte contos diários a menos de despesa.

- Porque, veja - diz-nos um entendido no assunto - o carvão,vindo de Inglaterra, chega aqui por um preço exorbitante, O gasóleoficaria muito mais em conta. Com as máquinas a gasóleo, a C.P.utilizaria apenas um motorista e um revisor: evitavam-se umguarda-freio, um f'ogueiro e um condutor e ainda se dispensariammuitos serventes ao longo da linha.

E, continuando:- Se o material fosse moderno, as viagens seriam mais cómo-

das, mais rápidas; os passageiros que têm horror à linha do Vale doVouga, voltariam; evitar-se-iam os incêndios nas matas, que acar-retam largos encargos à Companhia. Toda esta região não podeviver sem o caminho de ferro.

E, num desabafo:- Já há muitas mortes na estrada ...E o nosso interlocutor continua:- Só isto, senhor: cada viagem' de Aveiro à Sernada (trinta e

cinco quilómetros) fica à C.P. em cerca de mil escudos. Sefosse- transformado para gasóleo, ficava-lhe em menos de cemescudos. Em dois anos tinha tudo saldado e, acima de tudo,

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onquistava os passageiros que perdeu. Porque, afinal, quem nãogosta de viajar de comboio, num bom comboio?! Até os estudanteslucrariam com isso! É que a C.P. dá descontos, e as caminhetas,que eu saiba, não. os dão.

E a terminar:- E porque não uma via larga Aveíro-Sernada e Espinho-

-Oliveira de Azeméis?O sr. Fírmíno Pereira é chefe da Brigada das Oficinas. Eis

o que nos disse:. -'- Isto, a continuar assim, não serve. O público é prejudicado.

A C.P. sofre prejuízos. Assim, nem para turismo. O vapor tevea sua época. Coma tudo. Agora, é o tempo. do motor, rápido,eficiente. Só as autoridades resolverão o problema da linha do Valedo Vouga. E a Companhia só teria a ganhar. Agora, com máquinasde 1917, é que não pode ser nada. Nem para turismo, pois sujamos casacos dos turistas! ...

Pessoa pacata, olhos de quem vê muito sem dar nas vistas.. De seu nome, António Pereira da Silva, com trinta e seis anos. É daSernada e está ao serviço da C.P. Tem seguido de perto os proble-mas do Vale do Vouga.

Uma oficina ampla e com sinais de se trabalhar a sério, estásob a sua orientação:

- Todas estas máquinas são cuidadosamente reparadas aqui.Só os concertos mais complicados se processam no Porto. Muitoembora as máquinas sejam quase do início desta linha, o certo éque elas, bem reparadas, oferecem segurança.

Por sua vez fala o inspector de Tracção, Carlos GonçalvesAndril, que, entretanto, veio juntar-se ao grupo, e prosseguiu:

- No entanto, não são rentáveis pela morosidade de desloca-ção. Mesmo assim, o tráfego tende a aumentar. Que seria tudoisto se fosse modernizado? O ideal seriam as automotoras. Paraisto dar um passo em frente havia que substituir todo o materialmotor e rebocado (carruagens).

- Iguais a estas? - perguntámos:- Não, nada disso! Estas são insuportáveis. Foram aqui f.eitas

nestas oficinas. São mais rápidas do que os comboios, mas opassageiro chega partido ao fim da viagem.

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E aquele dinâmico funcionário olha para todos os lados, e aspalavras saem-lhe com sinceridade:

- Estas automotoras são ainda do tempo da Companhia deFerro do Vale do Vouga.

- Mas que é isso da Companhia? ... - inquirimos.- Ah, não sabe?! A Companhia de Ferro do Vale do Vouga era

independente. Só em 1947 é que passou para a C.P. O que havianesse tempo é o que há hoje, praticamente - acrescenta do lado osr. António Gonçalves, reformado há dias, com trinta e nove anosde serviço .

- ...Mas tu ainda acreditas no que diz a minha mulher?Lá ao fundo, uma figura típica se nos depara. O seu rosto

denuncia o cansaço de muitas horas de trabalho .e, quem sabe?, de«más passagens», no línguajar do povo. Ao lado, mais três figurasnos prendem o olhar por momentos. Uma, chama-nos «senhorengenheiro», enquanto nos estende a mão. Duas são crianças. Ostrês descarregam carvão dos vagões. A vida, para aquelas criançascomeça cedo. O Mauro, assim é conhecido, ganha vinte e cinco •escudos por cada descarga.

Entretanto, o Andril continua:- O remédio disto é colocar automotoras e fazer-se apenas

um comboio de mercadorias para cada lado. O que faz estes tra-jectos serem morosos, para além das máquinas não poderemultrapassar os trinta quilómetros, são as várias paragens ao longodo percurso. As automotoras doo bem sessenta quilómetros, mas éproibido ultrapassar os quarenta.

- E porquê?- Bem, não sei! Será porque os carris não aguentam? Há que

respeitar o serviço dos passageiros.E o sr. Andril, homem que parece viver o que se passa na

linha do Vale do Vouga, revela-nos, por fim:- Olhe, só de Viseu a S. Pedro, o comboio tem dez paragens

- média de uma paragem por cada dois quilómetros. Aliás - acres-centa - o mesmo se verifica de Viseu a Aveiro. São uns cento ecatorze quilómetros e o comboio pára nada menos de cinquentae quatro vezes. De S. Pedra aqui, dezoito: daqui a Aveiro dezasseis.Como podem os passageiros gostar de viajar nestes comboios?

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ENCONTROS PERiÓDICOS

Visando promoção!

Sernada seria palco' de um grande acontecimento. O Vale' doVouga seria tema de vida ou de morte. Os cálculos saíram, contudo,um tanto errados. Não se tratava, ao que nos disseram, da vidaou morte da linha do Vale do Vouga, mas tão-somente de problemasde promoção do pessoal da C.P. na Zona Norte. E promoção humanaé sínónimo de promoção económica em qualquer empresa.

Esperámos (algumas horas) que a reunião chegasse ao seutermo. Eram quase treze horas. O eng." Alfredo Garcia, adminis-trador da Companhia, que presidiu aos' trabalhos, enviou-nos umemissário comunicando que nos receberia logo que a reunião damanhã terminasse.

Assim sucedeu. A pergunta feita, elucidou-nos que a suaestadia ali, visava unicamente tratar de assuntos relacionados coma situação do pessoal, ou seja, a promoção do mesmo nos seusvários aspectos - análise de vagas, lugares a preencher, etc ..

- Nada temos com os problemas e com quaisquer perspectivasda linha. Não pertence ao nosso pelouro.

E o eng." Garcia elucidou-nos, depois, que estavam a fazerreuniões periódicas, mas em várias regiões.

Muito embora aquele técnico nos afirmasse que nada tinha aver com a linha do Vale do Vouga, não deixámos de com ele trocaralgumas impressões a propósito da mesma:

- O que posso dizer é comunicar-lhe que esta linha, como

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outras no gênero, está a ser objecto de estudo sobre a sua renta-bilidade.

- E as linhas transmontanas? - interrogámos.- Bem, como lhe digo, tudo está a ser objecto de minucioso

estudo. O Governo terá a última palavra, certamente.- E as automotoras nesta linha?- Penso que são também objecto de estudo... Como lhe disse,

não é assunto do meu pelouro.Depois de salientarmos ao eng.? Garcia a ruína que poderia

representar, para aqueles povos, a extinção da linha e de lhedarmos I() nosso parecer sobre a sua rentabilidade (se fosse bemexplorada), aquele alto funcionário disse-nos parecer-lhe que a linhado Vale do Vouga dava prejuízo,

E a despedir-se, acrescentou:- Passou-se muito tempo sem se querer gastar dinheiro ... Po-

rém, como lhe disse, estão a fazer-se estudos a nível nacional.Só os técnicos poderão responder às perguntas que me formula.

Apesar de constantemente solicitado, o chefe da estação, sr.António Serra, atendeu-nos com grande afabilidade:

- Vou reformar-me para Julho. Mandaram uma circular atodos os funcionários da minha idade, solicitando a reforma, pro-metendo-nos um passe em todo o território. E eu até vou aproveitar,muito embora me sinta com forças ... Mas vamos ao assunto - diz--nos - mudando de conversa abruptamente:

- Sabe o que lhe digo? Nós, o que queremos é progredir e nãoretroceder. Daqui partem, diariamente, para as fábricas da região,centenas de pessoas. E se não houvesse comboio? Isto está quasecomo há sessenta anos. Nada melhorou. As máquinas e carruagenssão as mesmas. Muitos passageiros voltariam se as condiçõesfossem melhoradas. Se isto acabar, é a ruína destes povos, porquemal já eles vivem.

- Quanto a mim, o défice que esta linha acusa deve-se ao factode utilizar carvão. Este vem da Escócia ou da Inglaterra atéLeixões. Ali é carregado em vagões de via larga; em Espinho háo transbordo para a via estreita. Quando aqui chega a entrar nasmáquinas está a peso de OUT/(}. Não sei bem quanto se gasta pordia, mas, ao que me consta, em toda a linha, anda à volta de vintetoneladas, Só aqui, são dez que as máquinas engolem!

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VIAGEM PARA ESQUECER

Meia dúzia de passageiros

Quem não gostará de VIajar de Aveiro a Viseu? Bastaria apaisagem para se dar por bem empregues as cinco horas quese gastam para fazer um tal percurso! A paisagem é bela. ANatureza tudo deu e tudo oferece aos passageiros do comboio doVale do Vouga. E se a Natureza foi tão pródiga em «benesses», porque espera o homem? Região ainda por descobrir, bom seria que

Aquicome!:ou a pseudo-razão .•.Quem diria que da beleza nasceria o dolo?!

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passasse a ser mais conhecida. Então, seria a hora da verdade doVale do Vouga. Então, seria o fim do esquecimento, que se estendedesde há sessenta anos!

Em vez de se lamentar que o Vale do Vouga dá prejuízo,haveria ocasião de se encontrarem soluções para uma óptimarentabilidade. Já não falamos da sua reconversão, mas tão-somenteda modernização do material.

Quem não aprecia a boa vitela de Latões, o bom vinho verde,as laranjas de Pessegueiro do Vouga? E quem ignora que as águasdo Vouga são ricas em lampreias e abundantes em trutas?

* * *

A nossa reportagem não ficaria completa se não embarcás-semos no tão famigerado comboio. E lá fomos.

Três carruagens, no máximo. O resto era mercadoria para des-carregar na fábrica de Paradela.

Na primeira classe, duas pessoas; na segunda, meia dúzia.D. Maria da Assunção Fortes, funcionária em Aveiro, olha-nos

e diz:- Sou de Viseu, e para lá sigo. Isto é horrível. Quase sempre

chego lá doente. Gostaria de ir lá muitas vezes ver os meus pais,mas tenho de limitar-me ao mínimo. Este transporte não temnenhuma comodidade. Se houvesse um mais rápido e cómodo iriamuitas vezes, até por gosto desta encantadora paisagem. Até sabiabem viajar todos os fins-de-semana! Mas assim não pode sernada! ...

Ao lado, um homem muito concentrado, fita o Vouga porentre as janelas fechadas. Interrompemos o seu silêncio:

- Não se importa ...- Não, nada disso, pergunte.E nós perguntamos o que pensava do comboio e da sua

extinção. Era o sr. João Cabral Mascarenhas, que embarcaratambém em Aveiro, vindo de Lisboa:

- O que é preciso são locomotivas a gasóleo, Isto estraga osfates. Veja que nem as janelas podemos ter abertas. Diz-se que dáprejuízo. E a linha do Norte não dá também prejuízo? E por essefacto vão eliminá-la? O défice apresentado pela C.P. é no cômputo

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global. Isto poderia melhorar-se e não seria preciso investirgrandes capitais. O,prejuízo é mais simbólico do que real. Veja sóeste caso: há um carregamento de mercadorias em S. Pedro do Sulcom destino ao Algarve. Se não houvesse comboio, que outro meiode comunicação poderia levar aquela mercadoria? Falar-se emextínção? Nem pensar nisso! Modernizar, isso sim! Talvez aindanão fossem f.eitos os estudos económicos do quanto representariapara o comércio desta extensa região, se algum dia se viesse averificar a tal extinção da linha.

Em segunda classe, como é natural, viajava uma estudante.Livros ao lado, olhos na paisagem. Ensimesmada como estava, atéreceámos incomodá-la. Dois sorrisos e a conversa foi estabelecida,

Madalena Henrique da Silva. Jovem que aparentava unsdezoito anos. Vinha de Agueda. Seguia para Pessegueiro do Vouga:

- Saio de Pessegueiro - diz - às 8,30 e regresso a esta hora(seriam umas quinze horas). Se não houvesse comboio evidente-,mente que não poderia estudar. Não tenho outro transporte. Bomou mau, é I() que nos vale.

Entretanto, o «Texas», a meio da encosta, pára. Não sabemosas razões. Recua e avança, avança e recua, e arranca finalmente.Do lado, como que querendo desculpá-lo, o nosso cicerone, que nãose cansou durante toda a viagem de cantar louvores à Naturezaintervém: '

- Sabe, isto aqui é mais a subir do que se possa pensar! Deitea cabeça de fora e veja!

De facto, assim era. E nós até desculpámos o triste sexage-nário. Os velhos têm sempre uma desculpa! ...

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DISTRITOS DE ·BRAÇO DADO?

o Progresso das Beiras

Ouvíramos o povo, esse povo que não atraiçoa a verdade;ouvíramos os homens que todos os dias sofrem as agruras de umcomboio de museu; ouvíramos alguém responsável na C.P. quealguma coisa foi dizendo, nada acrescentando, contudo, ao que jásabíamos. Restava-nos auscultar toda uma região que tem sabidosofrer e esperar ao longo dos tempos.

Para o processo da história aqui deixamos também o depoi-mento dos responsáveis concelhios de então. Talvez hoje (depoisdo 25 de Abril), pudessem dizer mais alguma coisa do que então,porventura, ocultaram. Ou talvez não! ...

Dr. Nelson Bento do Couto, presidente da Câmara Municipalde Viseu.

Fizemos-lhe a pergunta: VALE DO VOUGA: sim ou não?- Já lhe respondia. Dar-lhe-ia mesmo um depoimento, mas

ele seria muito pessoal. Agradecia que me deixasse consultar aCâmara - assim começou o dr. Nelson Bento do Couto. A edilidadeviseense reuniu-se e a resposta oficial não tardou.

- Não é de acabar com o Vale do Vouga. A menos que se cons-truam outras estruturas de comunicação, como por exemplo a auto--estrada, Aveiro-Vilar Formoso. Mesmo assim, não é de extinguir.Há sim que melhorá-la, no seu traçado, e, principalmente, na substi-tuição de material. A linha ainda que não servisse os passageiros,serviria para transporte de mercadorias. Não podemos esqueceros interesses das populações que a linha do Vale do Vouga serve.

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- Aveiro e Viseu só podem progredir unidos. O porto deAveiro só poderá ser um bom porto, um porto mesmo internacional,se houver bons acessos com o interior. As Beiras precisam doporto de Aveiro.

A finalizar, afirmou:- A auto-estrada Aveiro-Vilar Formoso tem de ser encarada

pelos dois distritos. Eles têm de andar de braço dado. Só assimse poderá progredir. Venha a auto-estrada mas não se acabe com avia férrea pois elas são o complemento uma da outra.

* * *José Nunes Alves, presidente da Câmara Municipal de Alber-

garia -a-Velha:- O caminho de ferro do Vale do Vouga, apesar do mau estado

do seu material e da falta de dispositivos nas máquinas por formaa evitar os inúmeros incêndios que provoca durante o ano, aindase pode considerar útil para as regiões que atravessa B, principal-mente, para o porto comercial de Aveiro, para onde pode canalizarmuito tráfego. Em minha opinião torna-se necessário melhorar omaterial e horários que possam servir melhor o público.

* * *

O professor Hildebrando Pinho de Oliveira, fala do concelhode S. Pedro do Sul.

Eis o seu depoimento:- Embora reconheçamos que, economicamente, não se pode

justificar a existência da linha com aquela estrutura antiquada, oVale do Vouga, no entanto, não deve, de forma alguma, ser extintopura e simplesmente. Devem procurar-se, sim, outras soluçõesque venham melhorar as comodidades do público. Esta posiçãojustifica-se pelo facto de a linha do Vale do Vouga servir, no seutrajecto, pequenas aglomerações que não têm quaisquer outrosserviços públicos de transporte.

Penso, portanto, que será de montar circulações de autocarrosnas vias nacionais e camarárias. Para esse efeito, ter-se-à de iniciarjá a execução de melhoramento da estrada Aveiro-Viseu.

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A grande solução seria, sem dúvida, -a auto-estrada Aveiro--Vilar Formoso. O que é inconcebível é continuar a viajar nestascondições. Impõe-se a modernização. do material ferroviário.

Depois de aludir ao óbice que representava para o progressoindustrial das Beiras, o anacronismo de vias de comunicação,.afirmou:

- O que não podemos continuar é nesta guerra de cada qualpuxar a brasa para a sua sardinha. Defina-se o traçado de uma viae trabalhe-se para a sua concretização. Aquela que me parece sermais rentável para as Beiras é, de facto, uma estrada Vilar For-moso-Aveiro, servindo estas terras interiores, colocando-as o maisrapidamente possível em contacto com o porto de Aveiro.

* * *

Deixámos São Pedro e viemos até Vouzela.O professor Júlio de Almeida Marques, falou-nos dos proble-

mas do Vale do Vcuga:-A questão mais grave é o caso dos transportes de merca-

dorias. Quanto a passageiros temos uma rede de camionagem, 'Nãopodemos, de maneira nenhuma, ficar asfixiados. Se a rede rodo-viária fosse modernizada até descongestíonaría o trânsito. Quantoao caminho de ferro ele não tem conforto nenhum. Há que substituiro seu material motorizado e rebocado. Mesmo assim ainda serve àramada estudantil.

Uma auto-estrada Vilar Formoso-Aveiro, seria o ideal, semnunca acabar com a linha do Vale do Vouga,

* * *

Em Oliveira de Frades o dr. Luís dos Santos, diz-nos:Neste ambiente o dr. Luís dos Santos, diz-nos:- Temos que melhorar as condições rodoviárias, não só para

as mercadorias mas, e principalmente, para os passageiros. Nessesentida há que actualizar os horários dos comboios; estes não secumprem; há material gasto; é preciso melhorar a circulação commáquinas novas. O comboio serve uma extensa zona a que as enti-

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dades não devem alhear-se. O desaparecimento da linha do Valedo Vouga será catastrófico para esta vasta região.

O Dr. Luís Santos, a finalizar, falou-nos do grande sonho dasBeiras: via larga Aveíro-Vilar Formoso.

* * *

Dr. Horácio Marçal, Edilidade Aguedense:- Se se viesse a verificar o desaparecimento da linha, não

haveria grande prejuízo desde que se construísse uma rodovialarga de Viseu a Aveiro, Como actualmente se encontra, a linha,não serve.

A manter-se terá de ser completamente remodelada, tanto nalargura da linha como na modernização do material, quer no motor,quer nas carruagens. Assim não beneficia os povos que deladependem.

* * *

Sever do Vouga é um concelho circundado por uma vasta regiãoflorestal. As suas gentes vivem, na grande maioria, da exploraçãoda silvicultura. Talvez, por isso, o dr. David Cabral, a perguntafeita, respondesse de pronto:

- Se desaparecesse não fazia falta nenhuma.Como estranhássemos a resposta, o dr. Cabral, logo acres-

centou:- É que se desaparecesse, desapareceriam também os incên-

dios que atormentam estes povos. No entanto, mesmo corno está enas condicões em que se processam os transportes, ainda é umbeneficio para o concelho de Sever do Vouga. Lembre-se que passapor uma fábrica que maior movimento dá, em mercadorias, à linhado Vale do Vouga, Quero referir-me à Fábrica de Paradela.

O remédio consiste, quanto a mim, apenas na sua moder-nização.

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LINHA QUE NÃO DEVE ACABAR

Via larga que deve nascer

Vila da Feira é um dos concelhos mais extensos e de maiordensidade populacional do distrito de Aveiro e, porventura, até doPaís. Preside ans seus destinos o industrial Alcides Branco:

- A linhà do Vale do Vouga - diz-nos - apesar de tudo, aindaconsegue ser um factor de muita importância para a economia edesenvolvimento do concelho e norte do distrito. Pela utilidadeque dá às populações e como via de escoamento dos múltiplosprodutos da nossa indústria, ela é uma via necessária. Torna-se,no entanto, imperiosa a sua reforma não apenas para o progressodo distrito como principalmente para a aproximação íntegradorada região das Beiras com o Litoral.

* * *Oliveira de Azeméis, centro vidreiro na economia nacional,

também é servida pela Linha do Vouga. O dr. Leopoldo Soares dosReis, abordado a esse propósito, começou por nos afirmar:

- A Linha do Vale do Vouga, além de servir muitos alunos dosvários estabelecimentos de ensino, também transporta animaise serve uma vasta rede de aviários que por aqui proliferam. A suaextínção representaria um grande prejuízo para o concelho.

E depois de fazer vários considerandos atinentes ao comércio,disse que é necessário modernizar a linha e as máquinas. A camío-nagem é apenas um complemento.

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* * *

Autêntica explosão industrial se verifica no concelho de S. Joãoda Madeira. Cada palmo de terra vale ali a fortuna de uma pequenacapital.

O eng.? Daniel Ferreira Pinto, homem de poucas palavras,declarou-nos:

- Parece, de facto, que a linha está a funcionar em condiçõesprecárias. Devido a essas condições, a rentabilidade da linha não ésatisfatória. Como também não satisfaz o funcionamento da linhapara o público, pois os serviços são morosos e a entrega das mer-cadorias faz-se, muitas vezes, atrasada. Apesar de tudo isto -acrescentou - a Linha do Vale do Vouga é ainda um bem para aindústria. Tanto assim é que o cais se torna pequeno e precisade ampliação.

* •.. *

Finalmente chegámos à Costa Verde. Termina ali a Linha doVale do Vouga. Uma estação anacrónica. Um autêntico ferretenuma vila que sonha com altos voost'). Mas deixemos falar o presi-dente da Câmara de Espinho dr. Manuel Baião Nunes dos Santos:

- Em Espinho luta-se pela modernização da linha. Luta-seainda pelo desaparecimento da estação, pois onde se encontra é umentrave para o progresso desta terra. O Vale do Vouga anda emcima de nós. O fumo atormenta-nos. Apesar de todos estes incon-venientes, o Vouga é ainda muito utilizado pelas gentes desta região,nomeadamente por estudantes, feirantes, etc, Há que modernizar_ disse - todo o material da linha. Para Espinho seria um bem,até porque muita gente a utiliza, pois aqui há a ligação com alinha do Norte. Como está - acrescentou com um leve sorriso - sóserve para os turistas estrangeiros tirarem fotografias l ...

(1) - Entretanto e como se sabe Espinho foi elevada à categoria decidade - a segunda do Distrito de Aveiro.

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E a terminar:- Tirem-se as máquinas e deixe-se a linha. Pois se assim

for, a Linha do Vale do Vouga é um bem para todos os povosque serve.

* •.. '"

Aveiro-cidade, será uma terra privilegiada que muito benefi-ciaria se houvesse bons acessos entre ela e as Beiras. Isto, 00 queconcerne ao seu porto. O dr. Artur Alves Moreira, disse:

- A linha do Vale do Vouga tal como se encontra presente-mente, com o seu anacronismo quanto a traçado e composição nelacírculante, a meu ver, pouco representará para o concelho. A parteo reduzido interesse quanto à sua utilização por pessoas que dela seservem para se fazerem transportar para a cidade e da movimen-tação de mercadorias - e note-se que há outros meros rodoviáriosmais modernos e eficientes ao dispor dos eventuais utentes -somente terá algum valor, e este bem diminuto, no percursodo concelho de Aveiro, no aspecto turístico. Outrotanto não suce-deria se o seu traçado fosse modernizado e se as condições dos com-boios circulantes fossem mais modernas e velozes! ...

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ESTRADA NACIONAL:AVEIRO - VILAR FORMOSO

Necessidade de primeira ordem

Chegámos ao fim de uma longa caminhada. Estamos satis-feitos. Não pela paisagem que desfrutámos. Não pela satisfação deauscultarmos desejos e anseios de dois distritos. Antes porque nosbatemos por uma causa justa, por uma causa que interessasobremaneira a duas províncias. As terras, sem linhas, sem boasvias, não podem progredir.

As inúmeras manifestações de apoio que até nós chegaramsão bem a prova de que não se pode contrariar um povo que lutapela sua promoção'.

O dr. Orlando de Oliveira, reitor do Liceu de Aveiro, há muitoque se encontra na cidade dos canais. Deixou a Serra e desceuaté ao Litoral.

Enviou-nos o depoimento espontâneo que se segue:Afinal, uma peça neste «processos que temos vindo a instaurar

à actual situação da Linha do Vale do Vouga, Eis as suas palavras:- Tenho medo das complicações que os homens põem quase

sempre nas suas atitudes. Tenho medo das deformações profissio-nais quando elas levam o mesmo homem, insensivelmente, a cas-murrar na senda dos seus conhecimentos adquiridos por viaescolar, protelando o homem como homem, nos seus sentimentossociais, na sua sensibilidade afectiva, na sua libertação da matéria-

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lidade dos cifrões. Aplaudo sem reservas o levantar do problemada Linha do Vale do Vouga e alegra-me saber que há pessoas comoeu, a quem desgosta e choca a sentença que a C.P. lavrou deeliminar esse caminho de ferro. Por motivos vários, tenho feitoparte de um «grupo de trabalho» onde se têm debatido problemasde infra-estruturas e, portanto, de comunicações. Vários engenhei-ros me honram com a sua parceria, e até mesmo um que, cornodelegado da C.P., apresentou o assunto em termos categóricos edefinitivos.

Segundo ouvi, nada há a fazer: não se pode defender o queestá condenado, por inúmeras razões; a resolução da C.P. é defini-tiva e inabalável. Quais essas razões? Todas à volta da falta derendimento económico da exploração dessa linha. Argumentei eperguntei se deveria existir primeiro a linha que provocasse acessose instalações capazes de a manter, ou se a mesma linha não deveriaser, antes, o pólo fomentador dessas instalações, se ela oferecesseboas éondições para tal.

Éramos ainda rapazes quando assistimos, numa das nossascidades, ao assentamento duma linha de «eléctricos» numa rua.A construção de prédios de habitação nessa rua, e em outrasaderentes que logo surgiram, foi autenticamente explosiva: emmeia dúzia de anos nasceu um bairro e a exploração dessa linhatornou-se lucrativa. A Linha do Vale do Vouga não serve tal comoestá. Nem serve, nem fomenta progresso e desenvolvimento. PIOroutro lado, o progresso e o desenvolvimento não surgem porque nãohá rede circulatória capaz. Temos, pois, um ciclo vicioso e, comotal, um beco sem saída; enquanto uma das partes não tiver umasalutar sacudidela, o marasmo continua. Não é a questão da bitolada linha que interessa, porque há caminhos de ferro de bitolaestreita que oferecem as melhores condições de comodidade erapidez. Assim pensando, não se torna necessário alterar grande-mente o leito da via existente; o que é preciso é remodelá-la, tantono material fixo como no circulante, Viseu tem sido a grande vítimados maus serviços com que a dotaram e, não obstante, mantém-seum tanto silenciosa, talvez resignada e céptica por ter já perdido afaculdade da credulidade. Nem sou engenheiro nem economista,mas sou homem que dá valor aos afectos e ao espírito. Todavia,ainda não pressinto a derrota. Apenas há opiniões, e essas podem

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rebater-se com raciocínios. Talvez não estejam ainda todos ostrunfos na mesa, porque, se nós andamos convencidos de queuma boa estrada que ligue Aveiro a Viseu será factor essencial parao progresso da região, não há motivos para não pensar o mesmoquanto a um bom caminho de ferro. Apenas teremos que acrescentarque a zona do Vale do Vouga, formosa como poucas, deseja colabo-rar na obra de engrandecimento em que o País está empenhado.Para tanto, precisa e exige boas comunicações, tanto em estradascomo em vias férreas.

Suprir o que existe pode ser cómodo e de poupanças ime-diatas, tanto em dinheiros como em trabalhos, mas não é demons-tração do espírito de luta e de iniciativa a exigir nos momentoscruciais duma arrancada. Aliás, a C.P. já resolveu manter aexploração doutras linhas que também são deficitárias, e isso provaque há elementos a considerar, além do económico a curto prazo!Pelo exposto, os meus parabéns pela iniciativa da campanha. Aterminar, um brado de alma para os meus conterrâneos de Viseu:a nossa cidade tem obrigação de fazer valer os seus direitos! Bastade indolências e calmarias, de que apenas têm resultado prejuízos!»

o Caminho de Ferro será ainda e a longoprazo o complemento da Estrada Nacional

Em face do que ouvimos no deambular pelos concelhos queservem a Linha do Vale do Vouga, imperioso se tornava escutar avoz oficial sobre o porto de Aveiro, sobre o que ele representaou pode vir a representar para a expansão das Beiras.

Eduardo Cerqueira, falou-nos:- Como é evidente- começou por dizer - a circunstância de,

neste momento, ocupar a presidência da Junta Autónoma do Portode Aveiro, mais me faz prender a atenção e o empenho para aeficiência necessária das comunicações entre Viseu e Aveiro.E digo de Viseu e não de mais para além, porventura até à fronteirade Vilar Formoso, e ao que dela pode afluir, do lado de lá da raia,

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1- porque, neste ensejo, me circunscrevem o.âmbito. Põe-se em causaa valia actual do caminho de ferro. do Vale do Vouga. Inquire-seda minha opinião, mais como presidente daquele Organismo do quecomo aveirense. Nesta última vitalícia qualidade bastar-me-iaatentar o. número de passageiros que dos comboios desembarcam(para frequentar as aulas dos estabelecimentos de ensino secun-dário e para as ocupações diárias) para me pronunciar pela manu-tenção daquela linha. Na outra acidental qualidade não posso deixarde considerar a Linha do Vale do Vouga como mais uma viaque conduz ao natural desaguadouro da mais vasta área das Beiras,que é o Porto de Aveiro. A Linha do Vale do Vouga desactualízou-se,sem dúvida, em múltiplos aspectos, já que não se adaptou àsexigências modernas. Não se compreende, por exemplo, que semantenham praticamente os arrastados horários de há trinta oumais anos - cinco estiradíssimas e enfadonhas horas para per-correr uma centena de quilómetros que separam as duas capitaisde distrito, embora ligadas 'por tantos laços de simpatia e interesse.Durante largo tempo, com persistência e entusiasmo, nos decéniosde vinte e trinta, a Empresa do Vale do Vouga - e lembro especial-mente o conselheiro Fernando de Sousa e o eng." Tristão Ferreirade Almeida, campeões dessa ideia - advogou a coordenaçãodaquela ferrovia com o Porto de Aveiro.

E se é verdade que, há meio século, o problema necessaria-mente tinha de ser encarado em termos ferroviários, e hoje,obviamente, estes são postergados pelo primado que entretantotomaram as ligações rodoviárias, a Linha do Vale do- Vouga, comas condições de progressiva atracção do Porto de Aveiro, teráainda, por largo período, se é que ela por esse motivo se nãofirmará, uma função útil a desempenhar.

A manutenção da linha, todavia, não pode ínf'irmar a conve-niência, cada dia mais evidente e instante, da construção daestrada, amplamente rasgada, com o traçado que um porto, emexpansão inequívoca e dilatadas perspectivas futuras, como escoa-douro natural e evidente, indubitavelmente requer. A EstradaNacional n." 16 inscreve-se no conjunto das rodovias do País comode primeira ordem e com terminos em Vilar Formoso e Aveiro.Não representa essa classificação apenas uma coincidência casual.Significa um propósito de ligar duas portas que, amplas, se abrem a

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necessidades e potencialidades. A velha estrada, todavia, tortuosa,acanhada, de traçado que não corresponde ao. que dela sepretende e exige, precisa de ser revista e refeita. Bate-se Viseu,e Aveiro secunda incondicional e convictamente a capital da BeiraAlta - cidade amiga com a qual se confunde e irmana neste deside-rato - por essa via moderna, onde o trânsito, ligeiro e pesado,flua em corrente contínua até ao mar. Essa estrada nova constituiuma pretensão indeclinável. E o caminho de ferro será ainda, e alongo prazo, o seu complemento válido.

* * *

Aqui fica registado o pensar de uma região. Outra coisa nãopretendemos nestas crónicas, Tem agora a palavra a Companhiade Caminhos de Ferro Portugueses. E não só esta. Tem a palavrao Governo. E tem-na numa altura em que grandes projectos estõaprevistos pará a região do Vale do Vouga. Anuncia-se já, para o IVPlano de Fomento, uma barragem em Ribeiradio. Já há muito sefalava nesse ambicioso proiecio. E será agora, em que todas as viasserão poucas, que se pensa na extinção de uma via que se tornaimprescindível, num empreendimento destes? Vamos aguardar,gentes das Beiras, que a Justiça ailore como a ág1ta cristalinanascida nos rochedos da Lapa e que nos enamora em todo opercurso do Vouga.

«Olha o Vouga como ele vai mansinho ...» - cantaria o poeta,ali por alturas de São Pedro do Sul!

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DRAMA DESPONTA

CERTIDÃO DE ÓBITO?Em 26 de Agosto de 1972,a C.P. enviava para a Imprensa

o seguinte comunicado:

«Por determinação superior, a partir de hoje, sábado, eaté aviso em contrário, o serviço ferroviário no troço Sernadado Vouga-Viseu, da linha do Vouga, e no ramal de Aveiro, ésubstituído por um serviço rodoviário, nas seguintes

. condições:1. O serviço de passageiros fica assegurado por auto-

carros, lOS quais efectuarão paragem nas estações e apeadei-ros do percurso ou no interior das povoações ou nos cruza-mentos das estradas de acesso, conforme as possibilidades.O transporte é feito nas condições das tarifas ferroviáriasde 2.a classe, com o horário afixado nas estações.

2. O serviço de mercadorias fica assegurado porcamiões, efectuando-se o despacho e a recepção das merca-dorias nas estações e apeadeiros presentemente habilitadospara a execução desse serviço e com o horário até agora emvigor. O transporte é feito nas condições das tarifas ferro-viárias aplícáveis.»

A propósito deste comunicado fornecido pela C.P. aosórgãos da Informação, afigura-se-nos útil acrescentar algo,tanto mais que chegou a constar que os comboios a vaporseriam substituídos a partir de hoje por automotoras na linhado Vale do Vouga. Ao que julgamos saber, uma tal permuta,com carácter definitivo, há-de surgir um dia, muito embora senão saiba quando.

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Compadrio

Embora eufórico, por ver chegar o termo de um drama de quejulgava na origem - o comboio - o público do Vouga, que já oapelidava de «bota-fogo», foi um tanto prudente nas afirmações queno dia seguinte transmitia aos jornais.

Em 27 de Agosto, dois dias após a suspensão, «O Comércio doPorto» recolhia alguns comentários de gente anónima que teve ahonra (ou desonra l) de viajar pela última vez no pseudo «bota-fogo»das serranias do Vouga.

- «Não sei lá muito bem porque é que acabaram com isto! Issodos fogos não é tanto como dizem. Também há fogos noutros ladose não existe lá o Vale do Vouga» (depoimento de António Andrade).

- «O comboio a carvão não se pode aturar. Acho que a soluçãodeve ser encontrada nas «Diesels» (Armando Simões Correia).

- Como tem reagido o pessoal?- «Tem que aceitar. Mas encontra-se desgostoso. Quase todo

morava nestes sítios, mas estamos esperançados que de hoje paraamanhã se venha a adoptar o sistema «Diesel». Essa, certamente,é a mais viável hipótese. Por outro lado devo dizer-lhe que hánecessidade do comboio. As crianças das escolas sofreriam muitocom a sua extinção. Sendo como agora se está a processar o seutransporte exigiria, por várias razões, inumeráveis autocarros»(depoimento de um funcionário da C.P. que quis ficar no ano-nimato).

A sentença condenou-o precisamente por ser «bota-fogo» pornão ser rentável, mas o «busilis» foi outro como se verá na revisãodeste «processo) do Vale do Vouga. Os responsáveis têm de respon-der em Tribunal Público pela farsa que quiseram apresentar amilhares de pessoas, e pelos prejuízos que daí advieram. Ou então, oGoverno deposto, pelo compadrio com aquela monopolista Empresa.A menos que se venha a provar de elementos governamentais esta-rem directamente ligados a chorudos interesses da mudança detransportes!

Quem descalçará a bota?Vamos, Vouga Arriba, vamos desmascarar toda uma situação

que atormenta o Povo de uma das mais paradisíacas regiões destePaís agora a começar a dar os primeiros passos livres!

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o Governador Civil substituto de Aveirosugere o reaparecimento do Vale do Vouga

Talvez muita gente se tivesse arrependido ou fingisse arre~dimento de ter contribuído para a extinção (ou suspensão) do Valedo Vouga. Porém, deixemos os comentários para mais tarde evejamos a panorâmica vivida alguns anos após Q «falecimento> d9famígerado «Texas». _ _

~. De facto é uma realidade - começa por nos afirmar o Eng. q

Manuel Pontes, Governador Civil Substituto de Aveíro e emexee-eícíoa quando dos acontecimentos. E prosseguindo: - Chegaramao Governo Civil várias reclamações. O Povo nãaestâ satisf~çcm a suspensão do comboio.

- Que fazer então? Perguntamos.- Há que voltar, de certo, provisoriamente, ao ,comboiq,

tomando-se as medidas que tal caso requere para que não hajaincêndios. Esta medida poderá ser transitória, pois há que ~.a sério na sua modernização. Há que tomar providência-s e ~S~;-temente - rematou.

.;..* *

E que medidas se tomaram? Passaram-se os meses, os anos eo Povo sempre a gritar: Venha o comboio, venha o comboio moder e

nizado, mas esse Povo não foi ouvido. O drama despontou, cresceue fez-se homem sem coração porque imbuído ele estava de 'wncapitalismo que não. se podia perder!

A linha do Vale do Vougonão pode ser extinta

De Viseu a Aveiro chovem reclamações pela extínção, únícae simplesmente, do comboio. A sua substituição por caminhetasétodo. um tema de desorientação em que vivem milhares de pessoasque todos os dias se vêem obrigadas a deslocações. Nãop.od~

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servir osfnteresses da: vasta -regiao Aveiro-Viseu .. Os protestoschegam às Câmaras, sobem aos Governos Civis. Mas não chegam sóàs' entidades oficiais. Vão mesmo ter aos jornais quer através deembaixadas, quer através de cartas. Eirol apresenta vivas recla-mações: <illuàs horas de atraso em caminhetas e" por cima aindaserem um tantoindelicados com os pl!,sageirO's, é algo que não 'estácerto». A Junta de Freguesia de Eírolenviou à Câmara Municipalde Aveiroe aoGovernoCivil ofícios onde dá conta precisamentede uma série de dificuldades que os seus habitantes têm tido esupcrtado. O problema ganhará outra amplitude chegada que sejaa' época escolar em quê as crianças dada a' insuficiência de 'auto-carros-ou não irão às aulas 'ou correrãob risco (desumano).' deterem·'quepal.milhar quilómetros' a pé.

A edilidade, perante aquele ofício' decidiu comunicar à C.P.e à Direcção-Geral 'dos Transportes 'I'errestres ocaso pedindoqueo'problema seja resolvido o mais depressa possível e ãcontentodas populações, tendo em vista as necessidades de toda esta vastaregião. Por outro lado, o vereador Carlos Gamelas, nessa reuniãoaproveitou "a oportunidade para tecer alguns comentários à decisãoda C.P. afirmando, a dada altura, que houve da parte desta-umaprecipitação. A C.P. não tomou em linha de conta variados factoresimportantes para o concelho de Aveíro e região. Substituir não podeser uma palavra vã mas sim um atender das necessidades actuais.

·N- ti ...ao. nos. irem o' pouco. que possuirnos

De terras da .Sernada chegam-nos elucidativas reclamações.O seu bradar é de tal acuidade que transcrevemos na íntegra opensar dessas gentes': «Ainda mal refeitos da.angústia sentida antea marcha avassaladora do fogo que lhes roubou os haveres e lhesexigiu algum sangue,' minto suor e bastantes lágrimas, o povo destaregião acaba de .sofrer bem no âmago do seu coração o maisprofundo golpe que' podia ser-lhe desferido: a notícia da possívelelirmnação pura e simples da sua linha férrea: Se grande foi acalamidade já sofrida pela nossa gente, maior ela será frente aopropôsíto: que se antincia.E nós' recusamo-nos francamente' a

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admitir mesmo como hipótese que se procure remediar um malcom um mal maior. Com efeito, substituir os comboios por auto-carros no percurso Aveiro-Viseu - serviço criado a título experi-mental - está longe de satisfazer as necessidades da região ao nívelem que O' comboio as satisfazia, a despeito da decrepitude do mate-rial utilizado. Crê-se que a essência remota da decisão tomada (oua tomar) assenta na exploração deficitária da linha, embora seapresente como razão imediata o ciclópico sinistro. Mas será por-ventura mais rendável o serviço ora estabelecido? Evidentementeque não! Assim sendo, o que nos espera?

O encerramento definitivo de todas as estações que não sesituem .junto da estrada do percurso directo e a' limitação dascarreiras condicionada pelo seu aproveitamento.

Então como será resolvido o problema dos estabelecimentosindustriais - em número de muitas centenas - e do comércio local. ·t

criados junto da via férrea e com ela contando? Como se farã oescoamento, em pequena escala, dos produtos agrícolas para O'Smercados e locais de consumo? Corno será assegurado o transportedas massas escolares, considerando as possibilidades económicasda nossa gente? Sabemos que ainda há quem de,fenda a indefensáveleliminação da linha, mas sabemos também que estes são os poucosque possuem automóvel e não suportam a «maçada» de uns mínutoéde paragem junto das cancelas encerradas da via nem a necessidadedos cuidados que a passagem de nível sem guarda lhes impõe.

Não! A Linha do Vale do Vouga não pode morrer I E ninguémconsciente dos seus. actos será capaz de vibrar-lhe o golpe. demisericórdia. Por mais desesperado que seja o estado de umenfermo nada há que autorize abreviar-lhe a morte. E se é certoque a nossa Iinha está doente o seu mal tem cura e o remédio estábem ao alcance de quem lho queira ministrar. Basta dotá-la deumas quantas locomotivas e automotoras .sdiesels e respectivosatrelados, reduzindo a cerca de 1/5 as despesas de tracção clássica;e, se possível, rectificar algumas curvas de menor raio da via; parapermitir melhores marchas e mais possibilidades de concorrênciacom a estrada. Deste modo as despesas reduzír-se-ão e a receitaacusará uma sensível subida mercê do tráfego recuperado. Então,eliminada a possibilidade de incêndios - uma das razões que seapontam para a sentença de morte do Vale do Vouga -"a outra

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razão seria prontamente eliminada ~ e essa a mais forte no parecerde todos -a de exploração deficitária.

Opor-nos-ão o.grande investimento de capital necessário paraesse plano e a problemática da respectiva compensação. Mas oCaminho de Ferro é um serviço público: Para servir o público queo paga corno paga outros serviços necessários à vida do País e paraos quais a rendibilidade não conta nem pode contar.

Não. nos tirem o.pOUCQque possuímos. Não ,.matem nemdeixem matara única razão de ser da vida económica desta gentetão portuguesa e tão boa como a que aqui nasceu ou vive em regiõesmais privilegiadas,' aonde melhor "chega o calor dos benefíciospúblicos. O povo da Beira-Vouga implora-o de, mãos, postas emerece-o».

Víseu parece querer levantar-se em peso. Aveiro,concerteza,, ,

não lhe quererá ficar atrás,,,', Não há dúvida, não podem restar dúvidas 'de quea suspensãodocomboioveio trazer problemas que afectam milhares de pessoas.

Nunca se pediu que o comboio acabasse, mas tão somente quefie modernizasse. A reestruturação da linha e a renovação dpmaterial rolante (máquinas Diesel), foi sempre O' que se pediu.Agora substituir-se um comboio por camionetas, isso nunca! O caso,com boa vontade, ainda está a ser por enquanto um martírio supor-tável, mas quando abrirem as aulas, o que será? - ,

Parece-nos que já está previsto o aumento do número decamionetas mas isso mesmo não vai resolver a grave situação.

Venha o comboio e venha modernizado é o que urge nestedealbar da nova época escolar.

Vale do Vouga não pode morrer

,Todos estão a perder com a medida inesperadamente adoptada,A C.P. deveria ter sextuplicado: o seu prejuízo: e o público, porquenão é servido-convenientemente. Até o turismo passa .a ,ser letramorta numa região que ainda está por descobrir mascompoteneia-lidades ímpares nesse sector.

5-2

Vamos pois levantar este anátema que caiu sobre Terras doVouga.

Domingos Alfredo Gonçalves, de Sernada do Vouga, continuaa enviar para a Imprensa os clamores daquela região:

«Lançámos há uma semana o grito: «O Vale do Vouga nãopode morrer» e verificamos que ele ecoou pelas quebradas dosnossos montes retomando até nós de todos os quadrantes daregião servida pela nossa via férrea,

Certamente o eg.? Arrnínío Quintela tudo fará para que ànosso afJitivo grito de alma chegue às altas esferas da Gover-nação Pública, de onde, certamente, virá o bálsamo bendito, pararefrigério. das nossas apreensões.

O Vale do Vouga não pode morrer) porque com ele morreriaa. célula essencial da vida económica desta região. E porque assimo sentimos, estamos com o distrito vizinho e com ele gritaremos,hoje e sempre a plenos pulmões: Não! Não! Não! O Vale do Vouganão pode morrer».

Está à prova o.agir da C.P. perante o.clamor de dois distritos.Estamos certos que 'ocomboiovoltará.

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II

Desespero que grita

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AVEIRO- VISEU'

À médio de vintevquilómetros/horo

o comboio desapareceu. Foi um ar que lhe deu. Tal'l>ezGtlÍdassenos segredos dos deuses, (nania nos nossos). A linha Aveiro-Ser-nada~Viseii. i;ass~u â ser um sõnho; o seti «Texás» foi~se numanoitede nevoeiro e enevoados ficaram todos quonio« ainda sé iamservindo doanacremico meio de transporte.

Desde logo começaram a cheçarã« entidades é até aos jornaisv~ementes reclamações. As camionetas noo servem. Nád podemservir.

Consumatum est. Os telegramas e cartas ebooerom: Quemolvidaria os queixumes aflitivos vindos de Aveiro a Viseu?

Metemo-nos ao caminho e vimos.Estação de Aveiro, 7 horas e 40 minutos. O horário da partida

para Viseu no papel exposto ao- respeitável público era às 7 horase 15 minutos. Um pouco de atraso. Um' tantoeompreensívef elare,dada a desorientação do princípio de uma nova etapa que matouainiciada há 6(} anos!

Chuva, uma chuva miudinha.-- Não, não é essa a camioneta que vai para Víseu, diz-nos um

solícito ferroviário. É aquela, mas parece queestão ali a resolverum problema. Juígo que falta um motorista e aquele não quer irporque a estrada está molhada e diz ser um perigo conduzir paraVíseu assim ...

Era o princípio de uma odisseia que o jornalista ia encetaraté â hospitaleira cidade de Viriato. Seriam cinco horas e um quartode trajecto. Como poderia haver perigo na condução, .monologamosnôs, quando chegámos à capital da Beira Altal se o horário médionão chegou a vinte quilómetros?! Que pena não possuirmos pernase bicicleta de um Joaquim Agostinho?!

Mas a camioneta arrancou; passa por cima dos trilhos do«falecido» comboio do Vale do Vouga. Requiem aeternum e reza por

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I'lÓS, certamente foi a oração que brotou de todos os passageiros queseguiam para a «histórica» maratona. Pois. quem não havia deimplorar as bênçãos do Alto se o motorista apregoava naquelamanhã de chuva que a estrada era um psrigo?'!

- Isto qualquer dia é um sarilho; eles andam a abusar com osescravos dos motoristas ... Eu não tenho obrigação de ir a Travassô(estação). A outra camioneta já lã foi!. ..

- Tem, sim senhor, há lá gente, com certeza ...o E o diálogo assim se começava a desenrolar, ali por alturas

da Varanda de Pilatós, entre revisor e motorista.Os passageiros; ouvidos bem atentos e' «chorando» alguns a

queda do seu comboio, também diziam das deles:- Isto, isto foram os senhores engenheiros que fizeram. tudo

isto ... Dizem que isto dava prejuízo; mas, ao. fim do ano, pareceque ainda. se distribuem gratificações! A quem é que elas.cabem,.isso não sabemos!

. - Ó senhor; deixe-nos aqui... Estamos perto dos nossosempregos, . '.

- Não, isto é um comboio (comboio sem linha, é claro) e sópodeparar nas estações ...

4'" Senhores passageiros façam favor (ou sem favor, porque. . . . . .

. favorecidos ficam todos quantos ainda têm a sorte de ir. embar-cando!), façam favor de sair desta camioneta. É aquela que vaípara Viseu.

Continuava a chover, e o homem do boné branco, O incansá-vel chefe lá andava a pingar. No Verão talvez pingue de suor, portanta arrelia! Quer servir bem um sistema .que lhe deram jáanacrónico!

- Ó senhor, não é esta a camioneta que vai?- ...Mas os senhores disseram que era esta?-'- Não, não é; houve engano!- Bem, bem isto é uma pouca vergonha é o que lhe digo ...A C.P. até parece querer demonstrar que o público lhe merece

respeito; parando aqui, parando ali..E nós até nos fomos lembrandodo que reza a história acerca das antigas diligências!.O tempoavança. Não, não é isso ...

Um marinheiro dorme entre Aguada e Albergaria. Perdeu otino. As voltas foram tantas que o rapaz se quis ir .para a sua terra

5.8

até teve que ficar no meio da estrada. Bem! vinha a dormir,comenta-se! ...

Mas quem dorme?!Não, não é anedota. Mas quem assim pensar, que se dê ao

trabalho de fazer uma destas viagens. Quando chegámos a Alber-garia-a-Velha, a uns vinte quilómetros de Aveiro, tínhamos nobornal uma hora e quarenta e cinco de viagem.

Um funcionário da C.P. viaja ao nosso lado. Ele não quer onome no jornal, apesar de já ser reformado. Mas há coisas ...

_ Ainda não consegui ver qualquer pessoa que esteja satisfeitacom isto.

* * *

E as curvas começaram. O motorista todo se esfarrapa paraconseguir chegar pouco atrasado; mas com esta chuva, o raio dachuva; estes precipícios, quem se abalançará?'! E o rio Vouga vaicorrendo. Pinheiro de Lafões. Horizonte ofuscado que não nos deixade irritar. Descendo a encosta, escadas abaixo, lá vinham os passa-geiros. A estação fica, em linha recta, cerca de uns cem metros.A camioneta poderia ir à Estação, evitando-se assim, para alémdo mais, que se recebessem passageiros numa curva sem qualquervisibilidade. Bem, para a C.P. não há curvas e nem talvez hajatransgressões ao Código ...

Foi-se enchendo, enchendo mesmo. Em Oliveira de Fradeslevava apenas mais uns passageíritos ... Que o diga aquela vene-randa anciã que numa travagern brusca se precipitou no, meiodo corredor!

'- Tenho saudades, muitas saudades do comboio. Muita gentepunha o fogo e diziam que era o comboio. Vamos lá a ver se não hámais fogos! O comboio levava tudo. E não vê, senhor, como vai aítudo enjoado, o que não acontecia com o <sfalecido», com aquela«alma de Deus» que o diabo levou!

Era a Maria do Céu que a plenos pulmões gesticulava nacamioneta.

- As estações estão viúvas, senhor!Desidério de Almeida Paiva embarcara em Agueda. Agora

nem sequer sabemos quando podemos viajar. Quando Ü' comboio era

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vivo, ah, não ficava um passageiro em-terra! E sabiam que elevinha. Vinha sempre. Era generoso! Levava até as nossas batati-nhas e os nOSS06mantimentos. Sabe o que lhe digo? .Asestaçõesestão viúvas! Veja esta; que tristeza! Está tudo. a voltar para trás!

Em S.Pedro do Sul a camionetavoltou para trás. Precisavade ir tornar um «banho» nas termas. Mas quem o levou foram ospobres passageiros. Os vómitos sucediam-se. Atingimos Moçãmedes.A camioneta consegue furar por entre a verdura,mas de arre-piantescurvasvagravadas mais adiante de precipícios,de buracos,na terra batida!

Corno, como se pode viajar por aqui? Isto só serve para carrosde bois ~ ouvimos do lado.

~ Prefiro as camionetas, embora tenha mais trabalho. Maso que eu não quem é sair desta Zona. Montei aqui casa, e nãosaberia o que fazer à minha vida se fosse destacado para outrasbandas, diz-nos o revisor.

Laurentino dos Santos, motorista, avisa:-Bem, isto de Inverno, de S.Pedro do Sul para cima pode ser

mesmo um perigo - neve, gelo e curvas, veja lá ...Fernando Soares, técnico:-r+ Isto de camionetas não seria mau de todo, se a estrada

tivesse condições para dar uma certa comodidade. Assim nãosatísraa.

Lauríndo de Almeida, Maria da. Conceição, José Vicente,.todos e mais alguns que ouvimos já no termo da viagem, com atorre da velha Sé de Viseu à vista, foram unânimes, nos seus depoi-mentos. Nada há que substitua o comboio, mas um comboio dêmáquinas modernas.

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UMPANDEMÓNIO

Aquela Estação de Viseu l ...

Decorria animada a Feira de São Mateus, em Viseu. NãQfomos ali para ouvir canções afamadas de não menos afamadoscantores. A nossa canção era ouvir o povo. Esse povo que botaas mãos fi. cabeça pedindo a todos os santos que lhe mandem nova-mente 00 comboio rejuvenescido. Dois distritos foram directamenteafectados. As suas' gentes botam o mesmo luto pelo anacrónicocomboio! ...

«Deitemo-nos cedo para cedonos levantarmos. Somos de muito

o cais dos 'passageiros transformou-se num armazém de mercadorias: ..

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longe, temos muito para andar» - ouvia ,eu lá na minha terraquando menino e moço, aos rapazes que iam pedir os <<Reis».·

Manhãzinha cedo, já 00 nosso amável cicerone, o poeta eprosador «Rijo», nos batia à porta do quarto. A etapa era decarro. A camioneta ficara, na véspera, no Largo da Estação. Antesde partirmos para São Pedro, não podíamos deixar de deitar umaolhadela para a estação de Viseu, onde outrora 00 «Vouga» dormiapara, no dia seguinte, caloorrear montes e vales, apitando, silvandode quilómetro a quilómetro, chamando os fregueses, qual relógiode torre em dia domingueiro. Agora, ai agora, os que não podemcomprar relógio, que falta lhes vai fazer o «Vale do Vouga»! Ele atéera, neste caso, o pai dos pobres! ...

~ Ó Rijo, ó Rijo, atende aqui... Disto não falas tu!. ..E o Rijo, de máquina fotográfica na mão, esboçou um leve

sorriso e seguiu, como quem diz: Esse tipo agora que te atenda! ...Eu estou todos os dias a aturar-vos! !!

- Mas o que é? Atalhámos nós, ávidos de novidade.- Olhe, que há-de ser? !Não vê o que aqui vai?Eram os cais da estação abarrotados de mercadorias .. Era

o sr. Carlos Borges, da firma José Borges, L.da, de Viseu,- Estão a chegar-me - repare bem, - mercadorias com

quinze dias de atraso, Isto pode lá ser! Veja os prejuízos que oc-omércio, desta vasta região de Viseu, está a sofrer.

Na estação reinava geral descontentamento.- Não, não posso dar declarações. O sr. compreende a nossa

situação; por amor de Deus lhe peço que não faça perguntas. Ó sr.Rijo: este senhor deve compreender a nossa situação! ...

As carruagens ali estavam às moscas ou à chuva. Ao lado,uma automotora. Gasta uns 23 litros aos cem quilómetros. Por quegasta tanto?

Explicaram.- Isto deixa-me saudades. Trabalho aqui há dezassete anos,

mas vivo o caminho de ferro há trinta e cinco. Tenho apenas qua-renta. Foi o meu pai que me trouxe. Aqui montei a minha vida.Deitamo-nos todos os dias com o coração aos saltos. É que podemuito bem suceder que no dia seguinte tenhamos ordem de marcha.E depois lá está a vida escangalhada! ...

Um dos primeiros desabafos. Desabafo inocente, de quem se

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tem-dado . à vida de Terroviário. Apenas espera,' não dias ten .brosos, mas a continuação no poiso que construiu ao lado da linha.

Olhos curiosos, ferram-se nos nossos., ~ Isto é o diabo! Não aguentamos isto!

A estação está deserta de' passageiros, mas abarrotada demercadorias .

..:..::..:Não, nós não estarnos afogados, estamos eníorcados.. que édiferente, senhor! Quem pode dar vazão a tudo isto?!

Este o grito que, aqui e ali, mais' além, iamos registando. E ochefe, de bonébrarico, corre aqui, acode acolá.

.~ Não, não lhe posso dizerçjá lhe disse! Os senhores façamcálculos, não será muito difícil!

- Cento e' cinquenta toneladas?!Um sorriso, um leve encolher de ombros e até fícâmoaeon-

vencidos que não nos enganámos muito. São atrasos de quinze dias.A estação já tinha muito movimento. Era o canal de desembarquedetodaa vasta região da Beira Alta. Antes, as mercadorias vinhamdistribuídas pelas duas linhas: Vale do Vouga e Dão. Agora cai tudona nacional (Dão) e dá este resultado. E Santa Comba Dão tambémnão está melhor! Quem será capaz de dizer que o comboio nãofaz falta?

. De gente que espera levantar mercadorias, encomendas,registamos:

~ Rebentaram com a linha do Vale do Vouga e agora rebentamcom a «Nacional».

Vivem-se horas de incerteza. Foi uma machadada que derama Víseu e a toda esta região.

"' ..•. '"

Santa Cruz da Trapa, ri dente localidade nos contrafortes daGralheira, mimosa de vinhedos e árvores de fruta, é terra de la-rgastradições e de homens de -valor.

.Ali têm casa solarengao presidente da Câmara Municipal deSão Pedra do Sul e o ex-govemador de Portalegre e Viseu, e depu-tado em várias legislaturas, odr. Manuel Marques Teixeira o povoda redondeza ainda o trata por «sr. governador».

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Mesmo na rua, registámos o depoimento simples,do €ir,-Marques Teíxeira.

Também ele viveu e continua a viver o golp-edado no Vale doVouga, que atingiu directamente não só os dois distritos - Aveiroe Viseu-mas, de certo. modo, todo o País.

- Eu sou contra a suspensão dos comboios. Ainda mais: soucontra aextinção - começa por nos dizer o dr. Marques Teixeira..E logo prossegue:

----..COIIl() estava,não satisfazia, isso é verdade. Porém, haviaque os modernizar. Os comboios têm mais regularidade nos horâ-rios, Aumentar-se, por exemplo, o número de automotoras, demelhor qualidade e com mais segurança. Para o transporte de mero.cadorias teríamos os comboios, que também poderiam servir parapassageiros .::

Há uma mágoa geral pelamedida adoptada. AImprensa é umreflexo do descontentamento que reina desde Aveíro a Viseu, Olheque até 00 aspecto sentimental me sinto rertdopor esta suspensão! ...

São Pedro do Sul, de encantos ímpares, do Vouga correndo demansinho, como diria o poeta, sente a falta do comboio, do seucomboio. Na estação, que alguém afirmara ser um cemitério,apenas o chefe nos recebe, nessa manhã de domingo já de solespelhante. Os carris lá estão. E continuarão a estar, até que umdia ... esse dia tão desejado pelo extenso co~celho.

As termas de São Pedra do Sul também sofreram. Seria ímpos-sível registarmos. todos os depoimentos, mas eles afinam pelomesmo diapasão: venha o comboio modernizado.

* * *. .. .

Vouzela protegida doo ventos e abençoada pela Senhora doCastelo, também espera. Desolação por todo o lado. Nos caféscomenta-se O: caso; fazem-se sugestões; barafusta-se. Na estação.,oambiente é deveras triste. Nos olhares daquela gente, ferroviáriosou não, adivinha-se e desespero. Mais uma estação. viúva!

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O dr. Telmo, jamais nos abandonou, desde que pisámo t rrde Vouzela. Incansável. Trabalha pela sua terra e sabe b mquanto pode a Imprensa. Ao s-eu jornal chegam constantes recla-mações.

Entre outros depoimentos registamos o do Dr. Antero deAraújo. Começou por nos dizer:

- Isto é um absurdo. Podiam substituir as máquinas a vaporpor máquinas «diesel». Bastaria hav-er dois comboios um ascendentee outro descendente. Serviriam para mercadorias e algumas carrua-gens ainda para os passageiros que o quisessem utiliza!'. Colocariamautomotoras. O trajecto seria encurtado, Viseu-Espinho (141 kms),de sete horas para duas.

A máquina a vapor gasta 15$OO/km,e a «diesel» $70jkm. Já vêo que a C.P. pouparia.

Logo a seguir dispara-nos está pergunta:- De quem foi a culpa desta tragédia que caiu nestas terras?

Unicamente da C.P.E prossegue:- Não temos estradas capazes para se processar um escoa-

mente de mercadorias e, nomeadamente, escoamento de madeiras,de que esta região é rica.

E a terminar:- A camíonagem está longe de satisfazer esta vasta região.Nos cafés e nas ruas, essa massa anónima de inconformados

clamavam:- Fecharam-nos uma das únicas portas!E faziam perguntas:- Quem desenvolveu esta região, designadaments aquém da

Gralheira? Unicamente o comboio! Se isto está um tanto mimoso,em contraste com as terras daquela serra da Gralheira, isso só sedeve ao comboio. Fez a sua época, é certo, mas que o modernizas-sem! Tiveram tempo para isso!

Em Vasconha, nas faldas nordestes do Caramulo, havia festa.Terra de tradições, antiquíssima, com c-erteza, típica, precisamentepelo seu primitivismo (ou não víramos nós até sair um porquinhoarrogante de uma casa! Talvez passasse por ali o São Franciscoe deixasse lá os hábitos de irmandade l). Nesse di~ tinha músicaporque era a inauguração da luz). . ...,

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Fernando Lopes Pereira, pertence à direcção do Grémioda Lavoura de Vouzela:. .. _ Afectou profundamente a lavoura na região. Assim nos VaI

dizendo, enquanto que uma moça, de fato domingueiro, n~s e~petana lapela a fitinha da praxe. Era mordoma e precisava d.: dm~e.lro...

_ Como sabe - continua o sr. Pereira - esta regiao utilizavamuito o oomboio nos transportes de animais para as feiras. Oscomboios levam tudo. E sabe? Era até um moderador! Agora sevierem as camionetas de carga, levam pelos transportes o que que-rem e lhes apetece.

E a terminar:_ A C.P. desconhece que muitas localidades foram erguidas

à beira da linha e dela viveram. E agora? ..

'" '" '"

. Entretanto uma comissão da Sernada e aJguns =r= ~asproximidades, apresentaram ao presidente da Câ:nara ~U~~c~?~lde Águeda uma longa exposição assinada por ma~s de mtl. tndtVt-dualidades daquela localidade, a pedir a reabertura da ltnha doVale do Vouga. O presidente da edilidade entregou-a ao governadorcivil dr. Francisco Guimarães, que prometeu(l) aos represen-tant~s dos expositores, que a faria seguir para Lisboa, e que dentrode quinze dias a três semanas daria uma resposta.

\(;..-Y

(1) _ Bela promessal. .. Mais tarde proibiria terminantemente os presi-dentes das câmaras e Juntas de Freguesia de falarem sobre o Vale do Vouga.Felizmente que tudo se vem a saber! ...

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NÃO ACONTECERIA ESTA TRAGÉDIA

Se isto continuasse na Companhia dos

Caminhos de Ferro do Vale do Vouga

Noite estrelada. Nas encostas da desencantada Gralheira,uma «cidadezinha» na escuridão, reluz!

Parece que era um céu em terra agreste. E ouvia, olhava, e amúsica entrava-me nos tímpanos e a luz das estrelas da aldeiazinhaprojectava-se-me nas meninas dos olhos. Mas de quando emquando ficava absorto, taciturno, e O'Sgritos, os clamores, as 'lamú-rias ouvidos durante já dois dias, vinham à baila. E esquecia-meque estava em Pinrieiro de Lajões. Lembrava-me daqueles homensde barrete branco à espera do seu comboio; lembrava-me daquelechefe que se entretinha a limpar os carris da estação. Ele tinhaesperanças que o comboio voltasse; lembrava-me daquele outroque vi chorar (chorar, sim, senhores) por que sofria de moléstiaque não perdoa e agora se vê na iminência de ir para outros lados;vieram ao meu pensamentO' aqueles passageiros que corriam comogalgos, para não perderem a camioneta; lembrei-me daqueloutroeque há dias estiveram horas à espera que vie$se o que se tinhaprometido, acabando por perder a feira de Oliveira, indo outros aipé, com o bdhete nO'bolsa.

* '" *

A noite surpreendera-me em Pinheiro de Lafões. Casa paraficarmos, e mesa para saborearmos o belo bife de Lafões, não

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faltaram. Essa gente, boa e hospedeira, recebeu-nos carinhosa-mente.

Mas continuemos. A procissão saiu do adro e não pode recolhersem correr toda a via-sacra! De manhã, o sol, por entre os vinhedos,veio-me visitar e, prodigamente, espalhou as benesses de bons dias.Oxalá que fossem bons dias para toda esta gente. E a C.P., com unsmilhares de contos, até prestava um bom serviço à Nação de todosnós (de alguns, nesse tempo!).

Celestino Martins, presidente da Federação das Casas do Povodo Distrito de Viseu e presidente da Casa do Povo de Lafões. O seugrito é bem elucidativo. Na dupla qualidade, afirma:

- A lavoura foi profundamente afectada, prejudicada nos seusanseios. Todos os transportes de mercadorias estavam a ser explo-rados pela C.P. Esta empresa movia influências junto das entidadesestatais para não conceder licenças de alugueres de longo percurso.Assim, temos que os concelhos de Castro Daire, S. Pedro do Sul,Vouzela, Oliveira de Frades, Sever do Vouga e, se não me engano,de Lamego, não possuem um único aluguer desse género, apesarde as Câmaras Municipais instarem constantemente para que sejamconcedidas, corroborando o pedido muitos industriais.

- Entende que o comboio poderá vir a ser dispensado?- É de minha opinião que se o Governo tomasse as medidas

que se impõem, poder-se-ia, a longo prazo, dispensar o comboio.Assim:1.0 - Alargamento da estrada n." 16 e eliminação de grande

parte das curvas. O movimento aumentaria;2.° - Conceder licenças a outras empresas de camionagem,

quer de passageiros quer de carga, de modo a que o público fossebem servido;

3.° - Autorizar nos transportes de longo curso, serviços colec-tivos, o que até agora está vedado.

Se isto se verificar, entendemos que o comboio até se poderiavir a dispensar. Enquanto isto não suceder, é inviável e desumanaa medida adoptada.

E o sr. Celestino continuou ria sua longa e bem fundamentadaexposição:

- A culpa da não rentabilidade desta linha deve-se única eexclusivamente à C.P. Os caminhos de ferro são como um segundo

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Portugal. Eles podem, mandam e querem. Se isto contínuCompanhia dos Caminhes de Ferro do Vale do Vouga, nunca hríamos a esta tragédia. Mas a C.P. tomou conta do material. Nuno renovou e nem procurou atender os clientes como devia. Istofoi um monopólio e quem ficou monopolizado foi o respeitávelpúblico.

- Quer saber como a C.P. não liga nada ao público? Chegamosa receber aqui mercadorias com 10e 15dias de demora, procedentesde Lisboa.

Era o tempo suficiente para que um carro de bois a transpor-tasse! Uma verdadeira anarquia! Para se ir de comboio destaterra a Aveiro - 60 quilómetros, gastava-se mais tempo do queAveiro-Lisboa - 200 quilómetros. E' quem criou este clima defici-tário? Unicamente, como já lhe disse, a C.P.

E prossegue:- Apresentei, há dias, uma reclamação à C.P., na qual apontei

as anomalias verificadas na estação. Assim: a camioneta de passa-geiros pára na Estrada Nacional, numa curva. A estação fica aduzentos metros e com com acesso e até óptimas condições demanobra. Não compreendo por que é que ela não vem à estação?! ...Aqui ainda os passageiros se podiam. abrigar das intempéries!

- E porquê tudo isto?- Sei lá!. .. Olhe, até parece que a C.P. prima por servir

mal o público. Ela lá sabe por que o faz!. .., E digo-lhe mais: o caminho de ferro foi uma riqueza para estaregião. O que seria isto se não tivesse por aqui passado?! Tenho aimpressão que se a C.P. deixasse a linha, havia muitas empresasque a quereriam explorar. E depois veríamos se esta linha seriadeficitária! ...

* * *

Era feira em Oliveira de Frades. Aqui e além, na estrada,fomos encontrando gente. Aos grupos. Sacola às costas, descendodos pinhais, aproveitando os atalhos.

É um desabafar. Quem está magoado não tem «papas» nalíngua e conta tudo, sem mesmo saber a quem. Um estranho na

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estrada, em campo ermo, era ousadia! Mas eles des,fiam a meada,antes de nos Identificarmos

- Ó senhor, eu esperar pela camioneta, nisso não volto eu acair! ... No último mercado foram largas dezenas de pessoas queficaram semenfeirar, e olhe que com bilhetes pagos! Uma hora,duas horas à espera, quem vai nisso?

Assim começou o América Mamede (de Vila Chã - Arcozelodas Maias):

- Vou nove quilómetros a pé, mas sei que faço a minha feiri-nha. Faz hoje um mês que estivemos à espera, desde as dez horasaté depois do meio-dia. Olhe que, sem exagero" eram para cimade 130 pessoas! Onde havia tanta camioneta? O comboio levavatudo, nem que fosse em peso toda a gente destas povoações i...

O José Fernandes, de Arcozelo das Maias, interrompeu paradesabafar:

- Eu tirei o bilhete e fui a pé!De repente apareceu uma camioneta.- Olha, vai ali a tua mulher! ...- Então os senhores não sabem esperar na estação? - diz

o revisor.- Eu sei lá se vocês vinham?! ...Mais uns passos à frente e estamos em Arcozelo das Maias.

Uma multidão. A estrada ficou interrompida. Gente dum lado,gente do outro .Carros que se cruzam, carros que se metem nabicha.

Entretanto, muito rapidamente, fomos registando algunsdesabafos.

- O comboio era um bem para toda esta gente - diz umvelhote.

- Olhe, estamos aqui à espera do que não poderá vir! Ocomboio poderia vir atrasado, mas sabíamos que vinha sempre.

- Pode dizer-me o seu nome?- Eu chamo-me Emília. Bem, espere um pouquito, que eu

mostro-lhe a minha cédula.Abre um saquinho e desembrulha. Emília Marques, é o seu

nome. Ela já precisava de mostrar a cédula. Pudera, é do tempo quenão havia comboios!

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- Antes - disse - ia a pé. Veio o comboio, foi um regalo,mas agora volto a andar a pé...

Chegámos a Paradela, já no distrito de Aveiro. Estudantesque esperam a camioneta para Viseu; gente que vai ainda para afeira, todos olham para a estrada a ver se a camioneta vinha.Talvez venha!

- Olhe, nem que eu tenha de ir fazer queixa a quem manda,hei-de mostrar-lhe que isto não pode ser! ...

É o António Duarte que desabafa, enquanto do lado íamosouvindo:

- Vá, vá ver essa ponte. Qualquer dia é aí uma tragédia. Émais uma. A primeira foi acabarem com o comboio. A placa indicadoze toneladas. Mas os camionistas querem lá saber disso?! ... Tam-bém não há mãos a medir, e espetam-lhe com vinte toneladas,pelo menos.

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SER NADA NASCEU COM O COMBOIO

E desaparecerá com o comboio

Ó sol já ia alto, beijando a verdura de matizes e cambiantes,algo parecidas aos da Suíça. O Vouga, lá corria meigo em mil euma sinuosidades. De um lado, Paradeia; do outro, Sever do Vouga.Quem será capaz de escolher ou optar? Talvez se por ali passasseo turismo (com letra maiúscula) escolhesse as duas belezas. Sóconhecemos coisa parecida para os lados de Monchique: Umadiferença porém: a Monchique ou arredores já chegou o turismo.É Algarve! Ponto final! ...

Sernada nasceu com a linha e será nada sem ela.

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Gentes da Sernada, milhares de pessoas esperam a incertezado dia de amanhã, que prevêem negro, muito negro! Será atragédia. Nós continuamos a dizer tragédia. Outros digam o

t ,. - .contrarm nao nos Importa! Mas esses que consultem o povo!. ..

Na última vez que estivemos na Sernada, ainda havia muitocarvão, mesmo muito carvão. Havia reboliço, sinónima de vida quecirculava ruomundo do trabalho. Então o dissemos. Agora descendoa encosta, dep-ara-se-nos a solidão, isolamento!. .. Rio poluído;olhos tristes, casas fechadas. É pelos olhos tristes que nós traba-lhamos.

O ambiente que se vive na Sernada é de desespero, de umdesespero, acentue-se bem, resignado, mas não conformado. É queSernada nasceu com o comboio e está na íminência de desap-arecercom o comboio. Agora fica ainda uma réstia na linha de Sernadaa Espinho. Mas o golpe também aqui já se adivinha. E amanhãserá o fim ...

As portas abrem-se-rJos e o diálogo recomeça no estabeleci-mento do sr. Gilberto Cadete, proprietário do «bufet» que sempreserviu os passageíros.

- Isto parou. Há sete anos que tenho a concessão da C.P.,cuja exploração me fica em 6 000$00por ano.

- Quanto apurava por dia de vendas, antes da suspensãodo Vouga?

- Uns quinhentJos escudos.- E agora?- Agora, senhor, 50$00 e é quando é! ... Tenho a renda paga

até Dezembro do corrente ano. Já pedi à C.P .. que me informassesobre o que havia de fazer. A resposta ainda não veio. O que voufazendo é da venda de algum copito! ... Os funcionários da C.P. estãoa abandonar a Sernada.

Mais adiante. Estávamos no estabelecimento do sr Joséda Silva. .

- Abri a casa para servir o pessoal da C.P. - disse-nos. Emmédia apurava diariamente dois mil escudos. Agora não devo atin-gir os 500$00.Já vê que não posso continuar. Os encargos são gran-des. Fechar a porta é o meu caminho! ...

Acabrunhada, pensando no passado e adivinhando o futuroque se desenha triste, lá estava a sr." Palrnira Mendes da Conceição.

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Viúva de um ferroviário. Há três décadas que se encontra naSernada. Veio para ali, procurando viver, já que a pensão mensalde 422$00era insuficiente para o seu sustento.

Socorria-se do aluguer de umas casitas. As rendas erambaratas mas ainda conseguia apurar mensalmente seiscentos,escudos.

E com duas lágrimas teimosas a brotarem dos olhos, já umtanto encovados, vai dizendo:

- Tenho já os quartos quase vazios. Ficarão mesmo parahabitacão das aranhas se isto não se compuser. Foi uma tragédia,. ,senhor, que desabou na Sernada, comenta-se do lado, mas em todaesta região. Foi uma bomba que aqui rebentou. Vidas escangalha-das, só nos resta agora emigrar. Emigrar para quem puder,é claro! ...

Perto, mesmo ali ao lado', espreitava-nos o sr. Alcino MartinsVieira, proprietário de um estabelecimento. Também ele vivehoras más.

- O meu apuramento diário, responde-nos à pergunta feita,era de 1 500$00 a 2 000$00. Agora 200$00a 300$00 é o muito. Tenhouma despesa diária de 300$00.Com três filhos, que posso eu fazer?Fechar o estabelecimento e procurar cutros mundos e outra vida ...Olhe, escangalharam-nos as vidas! ...

* * *

Jafafe é uma localidade típica, deveras típica, separada daSernada apenas pela ponte onde o comboio passava. Tal como aSernada também Jafafe está a começar agora a viver a suspensão,do seu comboio.

Desde já diremos que aquela localidade, muito embora estejaseparada pela ponte, como dissemos, no entanto, qualquer trans-porte, entre uma e outra terra, terá de percorrer mais de quinzequilómetros.

Incongruências, paradoxos! Idêntica situação se passa, emrelação à Sernada, para quem quer entrar na localidade vindo daParadela. A distância da estrada n." 16 à Sernada não será mais doque a percorrida por uma pedrada solta de mão ágil. Pois para, seatingir de automóvel, será necessário percorrer uns dez quilómetros,

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depois: de ter visitado Albergaria. Por aqui se pode aquilatar doseu isolamento.. ?ebate~-se agora com problemas de infra-estruturas queramais sentiram quando o comboio as servia Um ,. dbl . a serre e pro-

emas a que as .e?tidades d~vem estar atentas e não jogar apenascom a tal rentabIlidade economica

Mas voltemos a Jafafe. O comércio está na iminência dedesaparecer. Muitos ferroviários montaram vida.

. . - Quando tO?OSos povos progridem, nós andamos para trás,aSSImcomeça a dizer-nos a sr." Silvina,enquanto vai ainda aviandoalguns dos poucos clientes. E disse mais:

--:-Nós andamos para trás. Fazia uma média de mil escudospor dI~: ~gora, metade, e enquanto ainda vão estando por aí algunsferroviários. Se isto não melhorar, tenho mesmo de f.echar.

~ubindo a encosta, fomos visitar a sr." Maria José Ferreira.Souberamos da sua doença. Sofrera um «acidente» de «comboio»queanda em pneus (!). Tinha-se levantado no dia anterior.

-:- ~ui à minha terra, ali para os lados de Pinheiro de Lafões.A ~nmeIra vez que viajava no tal «comboio». No sfalecidos, fuimu~tas, vezes; Nunca ad.oeci. Mas agora, neste malvado... Nuncamais Ia volto. Ir de camioneta quem vai nísso? ! Fo . di. , . . ram CInCO lasque estive de cama! Julgava que morria!. ..

_ Ai, s:n~r, com sua licença, foi por cima e por baixo!. .. Talveznao volte a minha terra! A não ser que venha o comboio.

Do lado, a vizinha comenta:

=r: Bem: bem, 00 pior são os meus filhos, os meus três filhosque a~ora tem de ir para os estudos e não sei corno há-de ser! Ocomboio levava tudo. Vai ser bonito! ...

* * *

. - Olhe, para além de tudo o que já tenho escrito na Imprensaregional e ~o «üm~ér~io», acre~centarei que é desumano, inconcebí-vel a medida drastIca que Inopinadamente foi tomada. Assimcomeça, o de~oimento do sr. Domingos Alfredo Gonçalves, homemque esta a VIver o caso intensamente, porque o vê viver a todos

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os seus conterrâneos da Sernada e daquela região. E continuou:- As mercadorias estão a chegar com vários dias de atraso.

Recebi llrrw do Caramulo (uns 40 km. até à Sernada), com dozedias de atraso. Outra de Cabeceiras de Basto, com idêntico atraso.O que nos consola é sabermos não estarmos sós nesta luta titânica.E o senhor que vem dessas terras beiroas, auscultou e viu que,afinal, o nosso grito não é de saudosismo, apenas saudosismo, é dedesgosto consumado e prejuízo.

E com poucas palavras, mas imbuídas de muito sentir, Do-mingos Gonçalves baixa os olhos e continua:

- Foi um golpe que nos vibraram. Que teria feito esta gentepara a C.P. assim proceder? As entidades .oficíais que olhem bemde frente o futuro. Ê que esta gente até sabe estar presente quandoé necessário e ausentar-se quando se sente ferida nos seus legítimosdireitos ... É que nós (toda a vasta região, onde milhares de pessoascurtem o infortúnio), também somos Portugal e portugueses quesabem O'que querem e para onde caminham.

Uma pequena divagação e o desabafo prossegue:- Foi um golpe na nossa carne ... Mas ela ainda lateja. É a

vida dos nossos filhos que também está em jogo. O fogo queimavaalguns dos nossos haveres, mas esta foi uma machadada querasgou fibra a fibra as nossas vidas. E a terminar, comO' quedesesperado, acrescenta:

- Não, não, toda esta região de Aveíro a Viseu não podeviver sem a principal artéria que lhe trazia o sangue generoso doprogresso. Fale, fale, não se canse de escrever. Está em perigo umaparcela do País. Poderá ser que nos ouçam!

* * *

Como já dissemos, uma longa exposiçao subscrita por 1 320assinaturas da Sernada e algumas localidades limítrofes, foi enviadaao Governo Civil, mostrando a desolação pelas medidas tomadasrelativamente ao funcionamento das vias de comunicação do cami-nho de ferro do Vale do Vouga, pedindo para que as mesmas circu-lem com o material que se entenda ser adequado. Na mesmaexposição, e a terminar, frisa-se que aqueles povos não podem

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prescindir da linha do Vale do Vouga, como único transporteque satisf.az.

- Foi difícil arranjar tanta assinatura, perguntámos ao sr.Domingos.

- Facílimo. Arranjaram-se estas como se poderiam ter arran-jado duas, três, quatro mil. O povo está unido e não concebe, nãopode conceber, que acabem com a única via pública. Agora ficamosisolados. Sernada tem setenta fogos. Destes, sessenta vivem daC.P. Estou certo, finaliza Domingos Gonçalves, que poucas pessoaspor aqui se irão aguentando.

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PSEUDO INDIFERENTlSMO

Dr. Homem de Meio:

Nem contra nem a' favor

Até agora, apenas ouvimos, na qeneraudade, gente do povo,gente que não sabe tuiiuraimenie urdir retóricos discursos, mas quesente, isso sente, nas suas veias, o go~pe que impiedosamentesofreu. E nós vimos esse povo, de olhos bem arreqalados, quase

Palmira l\Iendes não viveu o suficiente para assistir à ressurreição do Valedo Vouga, que tanto desejou.

Culpado? - Um certo indiferentismo.

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a pedir-nos de joelhos que interpretássemos os seus anseios e oslevásemos bem longe.

Foi isto o que até agora temos pretendido relatar, com a sim-plicidade e naturalidade que nos caracteriza.

Daqui para a frente [alará também o povo, mas um «povo». sábio, de ciência feita! Falarão homens de «canudo» e homens deresponsabilidade político-administrativa.

* * *

Quinta da Aguieira, no conceho de Agueda. Quinta onde têmpassado e permanecido as mais altas figuras da vida política.

Era ao cair da tarde. Hora marcada. Hora mais ou menoscumprida. Apenas ligeiros instantes de espera. O dr. Homem deMelo, de nome completo, Manuel José Archer Homem de Melo,conde de Agueda, deputado pelo círculo de Aveíro e director dovespertino <<.ACapital», não se demora.

Conversa, diálogo, por vezes, um tanto animado. Respeitamosopiniões, sem jamais abdicarmos do nosso parecer e do nossopensar. Aliás, ele fica bem expresso nos nossos comentários.

Mas estávamos na Quinta da Aguíeira, não para discordarmosou concordarmos, mas simplesmente para registarmos o depoimentode quem se prontif'ícara a dar-no-Io: o depoimento do filho de quemhá décadas tanto pugnara para que a linha do Vale do Vouga fosseuma realidade. Isto é sintomático.

Depois de bastante oonversa, lançámos a pergunta, sinteti~·zando toda uma problemática de análise do Vale do Vouga:

O dr. Homem de MeIo espeta-no i? um sorriso e intimida-nos e)a escrever. (Scribe! - diriam os latinos).

- Sou a favor do progresso. - E pross,egue: - Parece indis-cutível que, pelo menos, nas circunstâncias em que a linha estavaa ser explorada, o Vale do Vouga tinha-se transformado numautêntico anacronismo. Portanto: se se deseja o regresso a umaexploração idêntica à anterior, não posso deixar de lhe dizer que

(1) - A intimidação era própria dessa época!

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sou «contra». Se se encara a hipótese de melhorar o traçado, dealargar a via, renovar o material, abandonando definitivamenteas máquinas a carvão, dir-lhe-ei que sou a «favor».

E I.) dr. Homem de Melo, voltando-se agora para a solução quelhe parece mais viável, acrescentou: .

- Mas não seria sincero se não acrescentasse que não acreditona possibilidade da renovação reíerída C). O que me parece maisaconselhável, é que autoridades e população pressionem o Governo,no sentido de iniciar quanto antes o eixo rodoviário Aveiro-Viseu,fundamental para o desenvolvimento da região. Entretanto, haveráque sofrer com paciência os inconvenientes resultantes de umasituação de emergência. Se a C.P. mantiver um serviço eficiente deautocarros (e o Governo deverá estar atento à actuação daconcessionária), estou convencido que os clamores tenderão aesbater-se e o público acabará por conformar-se.

E como remate e parecendo fazer uma síntese, Homem deMeIo, finalizou com estas compassadas palavras:

- Venha, pois, a estrada e quanto antes.

* * *

Um café de Albergaria. Vila ainda pacata, mas que olha ofuturo como quem sabe para onde vai.

Albergaria-a-Velha, também ela sentiu a morte do comboio.Não tanto como os concelhos congéneres, porquanto ali ainda se vãoouvindo silvos a caminho de Oliveira de Azeméis, São João daMadeira e Espinho. Até quando não sabemos. Por outro lado, daliparte uma leva de camionetas. Por isso, não estará, ao que nos foipossível averiguar, muito mal. Mas também não está contente. Ano-malias ainda se vão registando. Mas num mar de descontentes, agota de Albergaria perde-se no 'Oceano revolto.

Pois já nos íamos a desviar. Um café em Albergaria. Tomando

(1) - Pudera! Estava nos meandros! ...

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a sua bica jogando (se a memória não me falha) as damas, fomosencontrar 'o dr. Homem Ferreira, advogado, deputado na pr:sente

d . f· a per-legislatura. Em duas palavras, sem ro eios, a írmou-nosguntaf eita:

_ Não. concordo com a suspensão do Vale do Vouga.E prosseguiu: ._ E não concordo com a suspensão do Vale do Vouga, VIsto

servir zonas onde o serviço de camionagem não pode cheg~r: O fac~odo comboio ter originado o incêndio de proporções catastrofIca:, nao

. ti - mas apenas poder a serme parece motivo para a sua ex mç:w, . ., ., seincentivo para uma renovação de maquinas, o que, aliás, jaimpunha há muito tempo. .

_ Está convencido, o dr. Homem Ferreira, que o comboiovoltará? .. _ . , .

_ Estou convencido que sim. Até porque é opimao pública, e. do que isso pela própria necessidade das populações, quemaIS, ., .

desejam ver restabelecidas as carreiras ferrOVIanas.E prosseguiu o dr. Homem Ferreira: ._ A linha é deficitária, parece, mas dado o mteresse ~as

populações, como já referi, .entendo. que se tr~ta. de um serviçoque não pode ser extinto por ser de mteresse publico.

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DISTRITOS RECLAMAM

Oito concelhos falam do Vale do Vouga

Vouga acima ou Vouga abaixo, todo ele foi um caminhocalcorreado.

O povo falou. Os representantes oficiais dos concelhos tambémdisseram alguma coisa.

* * *

Ouvia a cantora Fernanda Baptista, no penúltimo arraial daFeira Franca, o dr. Nelson Bento do Couto. Não sei se para sedistrair um pouco se por obrigação do cargo que desempenha.Por isso, ou por aquilo, o presidente da Câmara de Viseu estavaali presente.

- Já deliberamos. Foram as primeiras palavras do dr. Nelson.Já deliberou a Câmara Municipal mostrar à C.P. e ao Governoo descontentamento geral que reina nesta região. A cópia da delibe-ração vai ser enviada ao sr. governador civil.

E explicou mais:- É que se têm por inteiramente justificadas as razões que

levaram a suspender as máquinas a vapor, no meio dessa tragédiaque assolou os povos do Baixo Vouga, mas não concordamos quea linha se encerre pura e simplesmente. E não aceitamos, porquantoos prejuízos de toda a ordem são incalculáveis.

- O que levou a Câmara a tomar essa decisão?- Aquilo que já lhe acabei de relatar, mas ainda porque à

Câmara chegaram e continuam a chegar veementes reclamações

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das gentes deste concelho, e perante isto, não podemos olvidar umdos grandes dramas com que os municípes se estão a debater.

E a terminar:_ Amanhã ausculte o comércio e veja os prejuízos que ele

está a sofrer com a demora de mercadorias. Que seja restabelecidoo comboio com máquinas adequadas, ao menos enquanto se nãoabre uma auto-estrada Aveiro-Viseu-Vilar Formoso, ou seja substan-cialmente melhorada a estrada n." 16, Aveiro-Viseu. Depois disto,veremos se o comboio poderá ou não ser dispensado.

* * *

Numa manhã de domingo, de sol benfazejo, esbanjando raiosacariciadores, fomos, até Santa Cruz da Trapa. Tem história, umahistória certamente desconhecida de muitos. Fora vila e tornou-secélebre por ali perto se ter erigido um importante mosteiro daTrapa, de monges beneditinos.

Nesta terra procurámos o presidente da Câmara de São Pedrodo Sul.

O professor Ildebrando Pinho de Oliveira foi peremptório noseu sentir e da maneira como pensa a Câmara actual:

_ Está a acordar-se em se ef.ectuar uma reunião conjunta,dos concelhos de São Pedro do Sul, Oliveira de Frades, Vouzela eoutras que queiram aderir, nomeadamente Viseu e Castro Daire,para irmos com o nosso governador civil, directamente ao Governo.

- E por que não à C.P.? - interrompemos._ Não, vamos à fonte! Porque é ao Governo que temos de

informar o que aconteceu e está a acontecer nestas terras. E nãovamos à C.P. por várias razões. O Governo é que pode desenven-cilhar-nos desta encruzilhada.

E continuou o professor Ildebrando:_ Há que repor o Vale do Vouga em condições de segurança

para os proprietários confinantes com a linha. Dê-se um mínimode comodidades, mas não nos tirem o comboio,

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Já reparou - diz-nos - o que representa para esta zonaa co1ocação de madeiras em lugares propícios para renderem mais?

E a finalizar:- Para mim, a parte principal que afecta esta gente é o

aspecto comercial. O lavrador desta região vive da madeira.

* * *

Bastante longe do Vale do Vouga fica Castro Daire. Vila dointerior, ela lá vai progredindo, mercê do bairrismo das suas gentesque nas horas vagas até podem pescar as belas trutas do Paiva,que a seus pés vai cantando até ao Douro.

Pois também o Presidente da Edilidade de Castro Daire,dr. João Duarte de Oliveira, nos disse que o seu concelho se sentesubstancialmente afectado pela extínção do comboio. É a estaçãode São Pedro do Sul que está mais próxima desta vila. Os trans-portes de mercadorias para a linha do Norte faziam-se através doVale do Vouga. Iam até Aveiro, e depois seguiam o seu destino.Quanto aos passageiros, também eles sofreram. A viagem, porexemplo, para o Porto, torna-se mais longa. Agora tem de se irde camioneta até à Régua, e depois apanhar o comboio da linha doDouro. O comércio é afectado, pois tinha transacções com o Porto,e as chegadas serão mais morosas.

- Se Os meus colegas - disse-nos a finalizar - quiseremir ao Governo directamente, eu também irei dizer dos anseias dasgentes deste concelho.

* * *

Vouzela, terra hospedeira, terra onde a paisagem se casa bemcom o belo e o horrível, chora também a perda irreparável.

O professor Júlio Marques começou por nos dizer:- O comboio, com as estruturas que tinha, não servia. Porém,

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havia necessidade de uma reestruturação, quer das máquinas querda linha. E se assim fosse, ou se assim tivesse acontecido, a linhateria não restam dúvidas, outra rentabilidade, não só para a C.P.,com; também para os utentes, para o público que dela se servia.

- Isto como está é impossível. As mercadorias não chegama tempo; os passageiros nunca sabem quando têm lugar. É umasituação in~tável. No entanto, estam os esperançados que o comboiovolte, mas em moldes actualizados.

E a terminar:- Houve há dias uma embaixada de mumcipes à Câmara,

pedindo para que se interceda junto do Governo, a fim de sereiniciar a circulação dos comboios. A Câmara exarou em acta,e vai enviar cópia ao chefe do distrito.

* * *

Em Oliveira de Frades o descontentamento é geral. Já odissemos, mas agora é a voz oficial que se pronuncia.

Adamastor Augusto Ferreira, vice-presídente da Câmara epresidente em exercício, declarou-nos:

- Em face dos clamores gerais, o que fizemos até agorafoi enviar telegramas à C.P., mostrando todo este fervilhar dedesgosto, de prejuízo que o concelho sofreu. Vamo-nos ligar aosrestantes concelhos e apresentar as nossas queixas em conjunto.

- E então as camionetas?- A camionetas não satisfazem. As mercadorias andam muito

atrasadas. O ideal seria a actualização das máquinas. Aqui, emOliveira de Frades, havia até o tal comboio denominado de «aca-démico». Os estudantes embarcavam e saíam, e chegavam a tempoàs aulas. E agora?

- Quanto a feiras?- Nem queira saber! Ficamos muito prejudicados. É um

pandemónio!- Porque não satisfazem as camionetas?- Basta dizer que as camionetas têm lotação, e, como tal,

uma vez cheias, não levam mais.

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- E o turismo?

- Ah! Também o turismo sofre bastante. É .que muita gentepreferia viajar, mesmo sujando-se, em comboio do que em camio-netas sem segurança. E quando vier o Inverno vai ser um problema.Gelo, neve e um mar de gente, nomeadamente estudantes, a que-rerem ir para as aulas e as camionetas a não poderem circular.

* * *

Sever do Vouga. Mais paisagens, sentimentos e anseias iguaisaos das terras de Viseu.

O dr. David Dias Cabral, a pergunta lançada, responde-nos:- O caso está certo, desde que haja camionetas que sirvam

bem o público e que não fique ninguém sem embarcar. Agora vejoas camionetas com passageiros, antes via comboios vazios.

Estou um tanto convencido que muito do descontentamentoé originado pelo pessoal da C.P. Mas não haverá razão para apreen-sões, porque estou certo que a empresa irá estudar todos os casos,e para cada um dará a respectiva solução mais justa e humana.Doutra maneira, até nem se compreendia.

- Se forem máquinas «diesel», que se mantenha a linha,se não for ...

* * *

Também à Câmara de Agueda têm chegado veementes recla-mações. Só de duas ou três localidades, o dr. Horácio Marçalrecebeu 1 230 assinaturas subscrevendo uma exposição de protestopela suspensão da linha do Vale do Vouga.

O dr. Horácio Marçal esclarece-nos:

- A Câmara, logo após a suspensão, escreveu à Direcção-Geralde Transportes a pedir que fosse restabelecido o comboio comautomotoras e máquinas a «diesel».

- Chamava-se a atenção - prossegue o dr. Horácio .-:.para seconstruir urgentemente uma rodovia condizente com as necessi-dades de Aveíro-Agueda-Viseu.

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E mostrando a sua opimao, o presidente da edilidade ague-dense, acrescentou:

. _ A solução que se adoptou é pior do que a que estava.Não serve as populações. Havia necessidade de melhorar o materialferroviário; construir o mais rapidamente possível a tal referidarodovia. Estes meios de transportes podem ser até complementoum do outro. Como está, é que não: nem comboio e nem estradacapaz de nela circularem camionetas com segurança .

.• * *

Finalmente chegámos à capital do distrito de Aveiro.Também o dr. Artur Alves Moreira nos disse que a Câmara,

na sua ausência, recebera uma exposição de munícipes descon-tentes. Ela seguiu os trâmites legais.

Pois também Aveiro não pode ficar indiferente aos clamoresdo seu povo, daquele povo que se sente atingido nos seus direitos.E rematou:

_ Estamos a estudar um caso que pode resolver, de certomodo o problema das pessoas deste concelho que utilizam o com-boio. 'Vamos pedir autorização para a Câmara colocar camionetas(na área do seu concelho) ao longo do percurso da linha. Acho queassim, com a «prata» da casa, se poderia acabar com as lamenta-ções desses munícipes.

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RESPONSÁVEIS NA EXPECTATIVA?!

Problema para Governadores Civis?!

Era começo da tarde de um sábado, quando aportámos emViseu, após 5 horas e 15 minutos de viagem, tanto quanto sedemorou a ligar as duas qrandes cidades - a de José Estêvão e CI;

de Viriato. A nossa primeira diligência na capital da Beira AUa,foi procurarmos o mais directo representante do Governo: o chefedo distrito, enq" Armínio Quintela. Não estava, O fim-de-semanadistribui-o entre Lamego e São Peâro do Sul.

A distância que separa as duas cidades é grande, mas onosso inseparável cicerone - o Rijo - para ele não há distân-cias nem problemas. O nosso objectiva era alcançarmos as escada-rias dos Remédios, ou vislumbrarmos a terra do tão conhecido eapetitoso presunto - Lamego! ...

Casa solarenga, ali em frente da Casa das Brolhas, não f.oidifícil entrarmos em conversa com o eng.? Quintela. O governadorcivil dialogou naturalmente.

- O senhor poderá fazer-me todas as perguntas, mas eu éque certamente não estarei habilitado, e nem poderei dar-lhe inteiraresposta - assim começou. o eng." Quintela.

Posto ao par do que nos levou a Lamego, logo afirma:- Tenho a esperança de que se trata de uma suspensão e não

de uma extinção de linha.- Porquê, sr. governador?- Porque a extinção do comboio nesta altura em que a

Estrada Nacional n.? 16 (Vilar Formoso-Viseu-Aveiro) ainda não

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foi beneficiada de forma a transformá-la numa via rápida, traz osinconvenientes resultantes da supressão, de todos conhecidos. Todossabemos que esta estrada, presentemente, é tortuosa, principal-mente entre S. Pedro do Sul e Albergaria-a-Velha, pelo que asubstituição do comboio, por camionagem, vem dificultar o tráfegona referida via.

- O que levaria a C.P. a suspender esta linha? Seria apenaso incêndio, ou haverá outras razões, sr. governador?

Uma pausa e a resposta vem devidamente pensada.- Embora não se visse grande futuro na manutenção da linha,

nas actuais condições de exploração, é minha convicção que a sus-pensão ordenada resultou do calamitoso fogo de todos conhecido.

- E se não tivesse vindo o fogo, sr. governador?- Tenho a certeza que se mantinha.- Haveria possibilidades de eliminar as faúlhas das máquinas

a vapor?- Antes de mais quero dizer-lhe que o Vale do Vouga era o

grande culpado dos incêndios, mas nem em todos esteve na origem.Quanto ao que me pergunta é um aspecto técnico. No entanto,parece ser do conhecimento geral .que existem redes de retençãopara as faúlhas.

- Sr. eng." Quintela, como governador, o movimento dedescontentamento já lhe chegou oficialmente?

- Até este momento (isto há uns quinze dias) chegaram-merumores do desagrado de diversas pessoas e julgo que haverá ummovimento da população de Viseu, São Pedro do Sul, Vouzela,Oliveira de Frades, no sentido de se apresentarem sugestões quepossam diminuir os inconvenientes da situação presente para orestabelecimento dos comboios, tendo em atenção também evitar-seos incêndios na época do Verão.

- E depois de chegarem essas reclamações,- Assim não tenho dúvidas em apresentar ao respectivo

departamento do Governo os anseios que me forem presentes.

.• * *

Abordámos depois um outro aspecto, de certo modo coligadocom a via férrea. A idealizada auto-estrada Aveiro-Viseu-VilarFormoso.

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O eng. ° Armínio Quintela revelou-nos:- O Governo conhece muito bem a importância dessa estrada

para o desenvolvimento das Beiras (serrana e litoral). Bem vê, ecomo já algumas vezes o disse, as estradas do distrito encontram-seestranguladas nos seus pontos mais importantes, quer a estradan." 1 (acesso a Aveiro, Porto, Coimbra, Lisboa), quer para oNorte do distrito, através das margens do Douro até ao Porto.Assim, e como já lhe disse atrás, acho que a linha do Vale do Vougase torna indispensável na actual conjectura, enquanto não houverou abertura de uma nova via ou remodelação da actual, que nosligue a Aveiro e Vilar Formoso.

E fazendo uma pausa, o eng." Quintela logo acentuou:- A renovação da linha, segundo cálculos de pessoas espe-

cializadas que há tempos acompanharam o secretário das Comu-nicações, orça em mais de meio milhão de contos. Mas se se tornarindispensável... E até no aspecto turístico sou de opinião que sedeveria manter a linha do Vale do Vouga.

Sabemos quanto representa a abertura de boas vias entre aserra e o litoral. Também neste aspecto o governador civil, nosafirmou:

- Pois, com certeza, as Beiras têm olhos postos no litoral.Ele é, através dos seus portos, uma porta aberta do mundo àsBeiras. Se houver comunicações, com certeza que nesta vastaregião, ainda um tanto por descobrir, até se instalarão válidasindústrias. E o litoral também precisa de nós. Os portos (Figueiraou Aveiro) - esboça um sorriso - também esperam pelas Beiras.

- Ousámos lançar a pergunta sobre que porto (Figueira ouAveiro) recairiam os interesses da região?

- Bem vê que cada um dos portos, e como já foi definido,tem funções específicas. Assim não me parece que haja interessesconcorrentes. Cada porto é que há-de impor-se por si, nas carac-terísticas que possam ser mais vantajosas.

Uma coisa é certa, acrescentou-nos o sr. eng.? Quintela, éhaver ligações boas e rápidas com o litoral, pois só assim aspotencialidades deste Portugal se poderão desenvolver. Temos deunir esforços, para que a auto-estrada Vilar Formoso-Viseu-Aveiroseja uma realidade no mais curto espaço de tempo ..

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Voltámos ainda ao caso da suspensão da linha, e no queconcerne a quaisquer implicações no sector político.

O eng.? Armínio, responde-nos com um sorriso que nós adivi-nhámos, mas respeitámos o silêncio.

É das tais perguntas que não podem ter resposta!

* * *Chegámos a um ponto nevrálgico. Melindroso, com certeza.Ternos ouvido aqui, ali, mais além, que a culpa de tudo isto

(a suspensão do comboio) tinha sido o governador civil de Aveiro.Certamente que o nosso trabalho não ficaria completo- se não ouvís-semos o tal responsável. A tragédia do incêndio ocorreu precisa-mente quando o dr. Vale Guimarães gozava férias. Ombreou coma responsabilidade do- Governo Civil, o substituto, eng.? ManuelSimões Pontes.

Inquirido, afirma:- O que se' passou nesses dias de tragédia, foi simplesmente

isto: As populações e até as entidades responsáveis na conduçãodo ataque ao incêndio assediaram o Governo Civil, no sentido de sepedir urgentemente que se suspendesse o comboio. Diziam mesmoque se não acabasse o comboio, as próprias populações, por descon-tentamento, poderiam até provocar o seu descarrilamento. Em facedisto, outra coisa não fizemos senão informar o Governo da dramá-tica situação. Devo acrescentar que as populações tinham nessaaltura o comboio como o principal factor daquele pavoroso incêndio.

- E agora, sr. engenheiro?- Agora estou certo de que o Governo está atento a todas

estas situações e que trabalha para resolver o problema da melhormaneira, ou seja, de satisfazer as necessidades das populações.O Governo Civil tem dado todas as informações adequadas aoGoverno, de maneira a evitar que as populações sofram prejuízosna sua vida.

Qual a medida que o Governo irá adoptar na solução desteproblema?

-Não seit')!

(I) - E nunca se soube! ... Não interessava saber-se. A jogada, eraoutra! Só que o 25 de Abril veio antes}. ..

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A SOLUÇÃO PARA ODOENTE NÃO É MATÁ-LO

Reforma do velho Vale do Vouga

Impunha-se. Requeria-se ou-vir um homem que se podeconsiderar o pioneiro do levanta-mento de um problema que hámuito andava nos ares.

Jaime Gralheiro, advogadoarguto) dramaturgo enquadradonum teatro português por repre-sentar, colaborador da Imprensa,é, para além do mais) um conhe-cedor profundo dos problemaseconómico-sociais da região quelhe foi berço. Ele vive-os comoninguém e como ninguém os saberetratar à luz duma verdade des-pida de preconceitos.

Numa casa sobranceira aoVouga e olhando o casario salpi-cado de verdura, conversamoscom Jaime Graiheiro,

Jaime Gralheiro, um nome, uma fi-gura que as gentes do Vale do Vougatodas conhecem pela sua inteligênciaarguta, pelo seu dinamismo indes-mentível em prol da paradisiaca região

do VOUgR

- Sei que, nestes últimos tempos, se tem preocupado com oproblema das comunicações e transportes ThO distrito de Viseu e que,dentro desse contexto, a questão de saber se a linha do Vale doVouga é ou não de manter mereceu a sua reflexão. Gostaria que me

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desse a sua opimao sobre a recente decisão governativa extin-guindo, pura e simplesmente, a circulação nessa via.

- É, realmente, verdade que me tenho vindo a debruçarsobre o problema dos transportes e comunicações no distrito deViseu. E a minha atenção foi chamada para este assunto por umaconclusão (que logo me pareceu insólita), tirada no fim de umcolóquio, a nível nacional, efectuado nas Termas de S. Pedra do Sul,em 1970 (salvo erro) e com o patrocínio das entidades oficiaise particulares ligadas aos problemas do turismo e transportes,no País.

Ora, segundo tal conclusão, o caminho de ferro do Vale doVouga deveria ser suprimido, dado não ter qualquer interesse parao desenvolvimento económico-turístico da região, antes se tornandonum factor de estagnação ou retrocesso (cito de cor e segundo aideia que dela me ficou).

E prosseguindo, Jaime Gralheiro afirmou:- Esta conclusão mereceu ampla divulgação em toda a

Imprensa, quer a nível nacional quer a nível regional. Foi ao tomar,assim, conhecimento dela que me resolvi estudar o assunto umpouco mais a fundo. Isto feito, fácil me foi concluir (por meu lado),que, realmente, não era possível pensarmos em hipóteses de pro-gressos sócio-económicos nesta região da Beira (Alta e Litoral):Vale do Vouga, mantendo as redes ferro e rodoviárias no estadoem que se encontravam. Simplesmente entendia que extinguir alinha do Vale do Vouga não era solução; antes, defendi comomedidas urgentes:

a) - A reforma e substituição do velho Vale do Vouga porum autêntico comboio, ao mesmo tempo que

b) - Se devia abrir uma estrada, a nível internacional, ligandoAveiro a Vilar Formoso passando por Viseu, pois a E. N. n." 16 quehoje temos (ou melhor: não temos) é um travão à circulação daspessoas ·e coisas - isto é: da riqueza (para aqueles que só emtermos de riqueza raciocinam).

Além do mais e para basear estas minhas conclusões (queprovocaram grande polémica jornalística com a C.P. no D.L.) euchamava a atenção do País e do Governo para o facto de oIII Plano de Fomento ter previsto uma dotação de várias centenasde milhares de contos para o porto de Aveiro, o qual por vocação

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(como hoje se diz) natural pode e deve aspirar a ser um dosgrandes portos do País. Ora, sendo assim, e sendo o distrito deViseu e Guarda, principalmente a zona norte com mais dificuldade,de escoamento pela linha do Douro, o «interland» natural do referidoporto, não se compreendia a extinção pura e simples do linha doVale do Vouga e o abandono a que estava votada (também) aEstrada (dita) Nacional n." 16.

(Isto independentemente de quanto significa de injustiça paraas povos aqui radicados a (in)existência de tais vias de comu-nicação) .

Reconhecia o anacronismo desse velho «bota-fogo»; chamei aatenção para o perigo a que estavam sujeitas as populações vizinhasda linha - um dia a desgraça poderia fazer do Vale do Vouga oseu lugar de férias; infelizmente tive razão depressa de mais.

A propósito dos perigos que referi também (agora no tocanteà estrada) aquele existente na ponte de Pessegueiro do Vouga. Aponte só prevê uma carga de doze toneladas. Simplesmente aE.N. n." 16, quer se queira, quer não é o cordão umbilical que liza, '"o Norte do País à Europa. Por isso a Europa entra-nos pelas costasdentro em gigantescos camiões «TIR» com atrelados imensos, tudopesando vinte a trinta toneladas. Não há outro caminho que não'seja a E.N. n." 16 .Mas para além dos perigos constantes que éencontrar na estrada (nas famosas curvas do Vale do Vouga) taisbisarmas, temos o problema da ponte. Ela não pode continuar aaguentar por muito tempo o dobro (ou quase) da tonelagem. Quandose verificar a tragédia vamos todos comodamente revoltar-nos,para depois nos esquecermos e tudo continuar como dantes ...

Se a grande tragédia do Vale do Vouga, nos tivesse, pelomenos, aberto os olhos para as realidades e carências locais (enacionais) nem tudo se teria perdido.

Ora bem: sempre entendi, como já deixei dito, que «aquele»Vale do Vouga não servia. Veja só: em 1921 estava previsto umcomboio ligando Viseu a Espinho em cerca de 4 horas. Presente-mente (e antes da extinção) esse percurso era coberto em cercade 9/10 horas - tempo real, contando com os habituais atrasos.Isto, efectivamente, não podia continuar! ...

Só que a solução para o doente não está em «matá-lo». Podeser a mais fácil, mas não é seguramente a mais correcta se houver

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boas razões para crer que o doente ainda se pode salvar e, salvoque seja, se verificar que tem um papel importante a desempenharno meio em que se insere.

E o nosso entrevistado, valendo-se dos seus conhecimentosjurídicos, dissertou à volta da legalidade e afirmou:

_ A prova irrefutável de que é necessária (já) uma ligaçãoferroviária, em termos, ao serviço da região entre Aveiro e Viseu,resulta, parece-me, clara do coro de protestos e queixas pela extín-ção decretada. Extinção que, mesmo do ponto de vista legal seme afigura muito discutível. Com efeito, segundo o art." 12.0 doDec. Lei 39 780, de 21/8/54 (Regulamento para a .exploração epolícia do caminho de ferro) se o regime de exploração de umalinha for deficitário poderá o Governo autorizar a cessação dela,temporária ou definitiva, total ou parcial, desde que esteja estabele-cido pela empresa ou por esta contratado com outra um serviçode transportes por' estrada que substitua o da linha férrea, semdeixar de dar satisfação às necessidades públicas e às exigênciasdo desenvolvimento da região servida».

Deste comando legal resulta que o Governo pode autorizara cessação da linha se for (ou «continuar» a ser) deficitária.Não' prevê a sua cessação se ... ' o comboio lançar o fogo às matas.Para isso há outros remédios. Simplesmente foi isto que aconteceu.

Depois: não se garantiu, de modo algum, «a satisfação dasnecessidades públicas e as exigências dó desenvolvimento da regiãoservida» a que faz alusão a última parte do normativo legal.

E fiquemos por aqui._ Não lhe parece que ao ser reaberta a linha do Vale do

Vouga a exploração desta deveria ser entregue a outra companhiaque não a C.P.?

, _ Há que distinguir. Em minha opinião os grandes serviçoscomo a saúde, o ensino, os transportes, os seguros, etc., não devemser pretexto de exploração capitalista. Quer dizer: estes serviçosdestinam-se a satisfazer necessidades gerais tão importantes, etão essenciais, que a simples ideia de que há quem possa ganhar(no sentido de lucro) à sua custa me repugna.

Estes serviços, dentro de uma política social saudável, devemestar a cargo do próprio Estado, como verdadeiro representanteda colectividade, o qual deve procurar satisfazer as necessidades

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em causa o melhor possível, mesmo que tenha prejuízo de explora-ção (chamemos-lhe assim) que deverá ser coberto com outras recei-tas gerais. Simplesmente, poder-me-à objectar: e em Portugal?

Toda a organização político-social portuguesa assenta sobreum esquema capitalista. E a verdade é que não vejo grandes possi-bilidades de mutação imediata.

O dr. Jaime Gralheiro analisou depois a sua afirmação:- Posta a questão neste pé, a resposta pode ser outra: A G.P.

desde que tomou conta da linha do Vale do Vouga mostrou à sacie-dade que é inepta.

Com efeito, antes da entrega, sempre o Vale do Vouga deralucro, chegando a ser (era voz oorrente) das poucas linhas com«superávit».

Depois foi essa miséria que se viu.Agarrada a critérios de rentabilidade ultrapassados, esmagada

por estruturas obsoletas, verdadeiro reflexo daqueles que duranteanos e anos a dirigiram - e não arrancaram nem deixaram arran-car - a C.P. esclerosou-se, perdeu toda a capacidade de respostaperante o desafio de um mundo que avançava ao ritmo dosfoguetões.

Basta ler os seus relatórios com cuidado, para descobrir nasentrelinhas (ou até nas linhas) um quase queixume de impotênciados novos tecnocratas a quem deixaram como herança um corpoquase morto (ou morto mesmo?).

Face a esta realidade a pergunta é pertinente.- Não seria melhor para esta região a entrega da exploração

do Vale do Vouga e a sua reestruturação a outra companhia?- Acho que sim. Se fosse possível organizar-se um grande

consórcio de todas as empresas transportadoras com interessesefectivos na região (interesses que lhes importe desenvolver, claro!)é muito provável que a região viesse a beneficiar por reflexo.E depois acabava-se com o monopólio da velha toda poderosa.

- Há vários anos que o Vale do Vouga tem vindo a provocarincêndios maiores ou menores, ao longo do seu percurso. Porém,nenhum que se assemelhasse ao deste ano. Tem alguma explicaçãopara isso?

- Tenho. Não sei se abrangerá o problema em todas as suas

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implicações. Não deve abranger. Mas parece-me lançar uma luzdiferente sobre o sucedido.

Com a implantação dos Serviços Florestais em toda a região,foi proibida a apascentaçãlO de gados. É certo que esta proi~içãOsó abrangeu os baldios, mas era impossível manter rebanhos so nosincultos particulares. Para quem o tentou, as distracções ficaramdemasiado caras em razão das multas que choveram., , .

Por outro lado, as fábricas produtoras de adubos quírmcosfizeram a sua promoção de vendas - e venderam.

Dadas as razões político-económicas, bem conhecidas, oshomens do campo emigraram.

Assim deixou de ser rentável roçar os matos. A mão-de-obratornou-se muito cara. Os locais, por falta de acessos, eram inatin-gíveis. O adubo químico substituiu os estrumes naturais.

Simplesmente, pouco a pouco' e paulatinamente os matos foramcrescendo criou-se um tapete (qual tapete: uma barreira) de vege-tação esp~ntânea a qual tornava cada vez mais difícil a exploraçãoou roça dos matos.

Presentemente toda esta região, arborizada, de encostas alcan-tis fráguas e ribanceiras é um inferno de tojos descriados, desilvas, carumas, matos, o diabo! Não se pode romper. Ninguémroça. Não é possível. Não vale a pena. .

São milhares de hectares transformados em selva quase ma-cessível, ou mesmo inacessível, em alguns pontos. Uma faúlha nestesaco de pólvora é aquilo que se viu. Ontem foi a zona de Agueda eAlbergaria. Amanhã, por este ou outro motivo, será Sever, Oliveirade Frades, Vouzela S. Pedro do Sul, por aí fora.

Estou a lembrar-me de toda a zona que se estende desde oVouga, em Serrazes, ao Rio Sul. Se um dia o fogo lá pega vai sero bom e o bonito.

Política de incêndios

A C.P. sabe muito bem que o Vale do Vouga atravessa umazona densamente arborizada; a G.P. sabe muito bem que não épossível roçar os matos, a C.P. sabe (e o Governo também) quemesmo os terrenos cultos se transformam em incultos por falta demão-de-obra.

Pois parece que se impunha redobrar de cautela: açaimar aschaminés, ,evitara limpeza dos cinzeiros nos troços da linha con-finantes com povoamentos .florestais.

Só que, se a chaminé se açaima, o comboio não anda. Em vezde carvão, a C.P. emprega lenha e, se emprega o carvão, é deterceiríssima qualidade, que não arde, e faz torresmos e entopetudo e não dá rendimento e obriga a descargas sucessivas, sejaaonde for,e obriga a abrir bem a chaminé para haver tiragem ...A C.P. sabe isto há dezenas de anos. O resultado está à vista.

De qualquer forma, com ou sem comboios «bota-fogos», operigo mantém-se, mais atenuado, é certo, mas o grande inimigocontinua lá. Em vez do comboio basta uma ponta de cigarro, umafaísca, uma fogueira mal apagada, ou o acta irreflectido deum louco. Tem de se ir mais longe.

- Qual a solução que preconiza?- Transformar o inimigo em aliado. Eu explico: se são os'

matos por roçar os grandes veículos dos fogos assassinos, vamosevitar que haja matos.

E como? Abrindo os baldios já arborizados (e são praticamentetodos) à pastorícia. Entreguem-se os baldios às Juntas de Fre-guesia, verdadeiras representantes, das comunidades locais; fomen-te-se a criação de rebanhos cooperativos de largos milhares decabeças (vacas, ovelhas ou cabras conforme a região).

Transformem-se os milhares de hectares inúteis (que não sejapara a resina, madeiras e lenhas, praticamente em benefício dosServiços Florestais) numa fonte de riqueza de carne leite e lã em,benefício daqueles que aqui vivem e que, da terra, desesperada-mente procuram ainda arrancar com que sobreviver. E serãoesses futuros milhares de cabeças de gado distribuídas em rebanhoscomunitários, conforme as zonas e as condições de pastagem,quem há-de comer todo esse mato, ervas, urzes, silvas, tojos - apólvora dos nossos montes pelas tardes de Verão.

Este é um problema que merecia maior estudo e debate. Aqui

E o dr. Jaime Gralheiro prosseguiu:_ Quer dizer: é preciso adoptar-se uma política de incêndios.

Fazer aceiros. Prevenir._ E a propósito de prevenção que fez a C.P.?

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só lho deixo aflorado, Espero ainda, qualquer dia, voltar a elecom mais vagar.

- Não lhe parece que este descontentamento popular geradocom a supressão da «Vale do Vouga» possa beneficiar a Oposiçãonas próximas eleições para deputados?

- Sinceramente acho que não. Sabe: ao Governo interessamuito pouco estes descontentamentos localizados. De resto, 'O

Governo não está dependente de qualquer vota popular. Estáacima dos votos.

Depois é fácil ao Governa transformar este incidente, àprimeira vista prejudicial à imagem que ele pretende mostrar aospovos desta região, num pretexto para conquistar mais votos ainda(se deles necessitasse).

Veja: o serviço prestado pelo «Vale do Vouga» era tão mau,que toda a gente estava contra ele. Basta lembrar-lhe a tal con-clusão do colóquio. Esta conclusão não era de um ou outro utente,mas a de um grupo (que se apresentava como) especializado noproblema de transportes e turismo.

Depois havia uma má vontade generalizada contra o serviçoprestado pelo comboio, embora tal má vontade não fosse propria-mente contra a existência do comboio em si.

Simplesmente é fácil passar de um ponto ao outro.Ora, tornando-se público e notório que fora o comboio que

(mais uma vez) lançara o fogo do passado verão, e perante a ondade protestos pela manutenção de tal monstro, o governo pôde, como aplauso geral imediato, satisfazer a reacção emocional dos povos.E com uma cajadada matava dois coelhos: libertava a C.P. dasobras urgentes, caras e indispensáveis para a sobrevivência dalinha e ao mesmo tempo dava uma satisfação (algo demagógica)aos protestos dos prejudicados.

Claro que, agora, as populações começam a dar conta de que oserviço até aí prestado' (embora mau) era um serviço. Depois nãolhes foi dada qualquer garantia governamental ou empresarial deque esta supressão era uma «pausas para o restabelecimento futuro--próximo de um serviço condigna. As populações chegam a estatriste conclusão: se mal estavam pior ficaram.

Assim não há-de tardar o dia em que deputações locais, de

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aldeias, freguesias, concelhos e distritos façam respeitosas repre-sentações junto dos organismos estatais competentes a fim depressionarem o governo na sentido do restabelecimento do araextinto.

Face a tais manifestações o governo levará a C.P. a fazeruma ou outra melhoria que dê nas vistas, mas seja barata, e repõeo velho ronceiro sobre os carris, tal como estava ou pouco melhor.

Esta reposição há-de causar tanta alegria junto dos povos quevoltam a ser servidos (mal) que eles até se esquecerão de que,afinal, tudo voltou ao princípio.

Entretanto o governo obteve o aplauso fácil de um povo quecom pouco se satisfaz. Se tudo isto coincidir com um período pré--eleítoral, facilmente se adivinham lOS efeítos propagandísticos damanobra.

Abordamos depois o descontentamento dos povos atingidos peloincêndio. Jaime Gralheiro, não hesita em fazer uma análise aoproblema e, responde-nos:

- Olhe: mais grave que o descontentamento pela extínção dacomboio é o problema das indemnizações a centenas de pessoasque viram as suas matas reduzidas a candelos, as suas culturasem cinzas, os seu animais em torresmos e as suas casas a archotes.Para não falar no caso da morte de uma pessoa. A esse sim, oprejuízo toca-lhes imediatamente. São centenas de milhar de contos..

Quem lhes paga? Estará o Governo na disposição de indemni-zar condignamente ou terão de recorrer aos tribunais todos osofendidos?

E, tanto quanto lhe posso adiantar, há já dezenas de proprie-tários lesados, preparando as suas acções judiciais. E isto podia-seevitar.

Se é verdade que o Governo cobre o «déficit» da C.P. e estasindemnizações fá-le-ão aumentar, porque há-de a Governo dar àC.P. o dinheiro, para esta o dar às vítimas? Seria mais curial (maisdesburocratizado) ser o Governo a entregá-lo directamente aos pre-judicados. E o cálculo dos prejuízos também não é assim tão difícil...

Enfim. Esperemos.

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SILÊNCIO QUE FALA ----------------------------

SIL~NCIO QUE FALA. Paradoxo? Não. Crua realidade. Chegámo-nos a iludir de que o Governo de Marcelo teria

ouvidos para ouvir e coração para sentir o drama que pairou em terras do Vouga, tanto foi o brado que de Aveiro a Viseu ecoou pelas quebradas. Julgávamos até que o potentado da Co~P. que era, como alguém disse, o 2.0 Estado monopolista de um País algemado, viesse para a arena ao desafio do toureiro. Porém, tal não aconte­ceu. E o silêncio foi tal que chegou a apetecer-nos a irm'Os por aí abaixo e arrombarmos as portas-férreas de São Bento ou as atran­cadas pelo ironismo de Santa Apolónia.

Mas se o irritante, mesquinho, imbecil silêncio desses dois

silêncio que fala

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grandes reinados, continuava a ser um facto, mordiam-nos as carnes e derretiam-nos os ossos os constantes brados que se con­tinuavam a ouvir por essas terras, Vouga acima, até aos rochedos da romântica, espirituosa serra da Lapa, onde peregrinos ajoelham e rezam junto da Virgem da Lapinha.

O capítulo que se segue m·ostra bem como o silêncio contrastou com o bradar às armas, de militares sem. armas, porque espoliados, há muito, dessa força! ...

«Mesa Redonda» à porta fechada

As entidades mais directamente ligadas à região e, de certo modo, responsáveis pelo silêncio que se constatava, por parte do Gçverno ou da C.P., perante um problema cruciante que atormen­tava, como temos vindo a salientar, milhares de portugueses dos mais genuinos p~triotas, pronunciaram·-se na altura devida e todas acordaram e concordaram de que a suspensão (ou extinção) do Vale do Vouga representava algo de retrocesso num século que proclamavam em franco progresso, mas a que lhe faltavam as rudi­mentares infraestruturas.

Porém., passados os primeiros embates das populações e após as terem cansado, (era timbre do Governo deposto) foi nítido o seu embiocamento. Fizeram-se mesmo campanhas de mentalização (podemos fazer esta afirmação sem perigo de podermos ser des­mentidos) junto dos Presidentes das Câmaras Municipais para s calarem e arrepiarem caminho. Deram-se mesmo instruções para que se catequizasse o Povo de que o V ale do Vouga seria substituido, a curto prazo, pela via larga Aveiro-Viseu. Estultícia! Pobre gente que durante quase meio século outra escola não tiveste senão a doutrina apregoada nos ecrans da televisão ou nas parangonas dos . . ' Jornais ....

• • •

·Dia 19 de Novembro de 1972. Chegou ao nosso conhecimento que os Governadores Civis dos dois Distritos mais atingidos

I

se reuniriam na capital da Beira Alta para, com os deputados desse

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FRUSTRAÇÃO

Silêncio dramático

Pessoas válidas, nomes inteligentes, não se deixam convencerpelo canto da sereia. Continuam a clamar: VENHA O VALE 00VOUGA. Uma dessas figuras que veio ao nosso encontro e nos pediuque voltássemos ao assunto, pois estávamos a contribuir para avalorização duma vasta região, foi o rev. Orlando dos Santos, filhoda Sernada e pároco- do Troviscal e Mamarrosa. Não hesitamosabordar de novo o assunto. E perguntamos:

- O que se lhe oferece dizer do silêncio (por parte dasentidades) sobre a linha do Vale do Vouga?

- Antes do mais, quero dizer-lhe que toda a região lhe estáagradecida pelo muito que pugnou em prol do interesse de centenasde ferroviários e suas famílias, radicadas ao longo de dezenas edezenas de quilómetros. Presentemente temos a incerteza doamanhã. Falta-nos já a confiança. Temos conhecimento objectivotão somente duma intervenção do presidente da Câmara de Aguedae do governador civil de Viseu.

Não sabemos efectivamente conciliar este ostracismo do aban-dono da linha, pois sabemos que o Governo não autorizou o fechode uma estação sequer. Temos que dizer que a nossa confiança vaiamortecendo e muitas vezes nem sequer temos aquela força, aquelacoragem de reagir e de gritar bem alto pelos interesses dessesirmãos da tracção da via e obras, de toda uma linha com mais de60 anos de história válida, lucrativa e frutuosa. Não pode morrer,assim, vítima da incompreensão de quem julga o tempo ter ultra-passado todas as diligências, todos os sacrificios dessa arrancadahistórica.

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No entanto, lamentamos que nenhum deputado tenha olhadoconscientemente, ou, pelo menos, comprometidamente; para estecaso. De um momento para o outro veio uma determinação doGoverno: a C.P. diz que não depende dela o fecho da linha. E comose hão-de haver todos esses povos agora apenas servidos por umaestrada sinuosa e estreita? Por outro lado, não podemos pensar emsonhar com essa utopia de auto-estrada. No orçamento presente nãoconsta que esteja previsa a construção dessa rodovia para VilarFormoso que tanto se apregoa.

Joga-se, também, o problema habitacional. São dezenas decasas que vão ficar desabitadas. É um prejuízo latente e constantepara os proprietários, que as construíram com sangue, com priva-ções. Não é a questão de saudosismo; não é questão de levantar-seem nome dos seus irmãos ferroviários, porque somos padres, ouporque somos médicos, ou porque somos doutores, que estam osa pugnar pelos interesses da linha de caminho de ferro do Vale doVouga. Acreditamos que o Governo não pode alienar-se dumaempresa com mais de 60 anos de serviços prestimosos, para bem daeconomia nacional. É a única artéria vital do transporte de mer-cadorias, de passageiros a satisfazer todas as exigências e potên-cias desta massa populacional que enche ou que pelo menos habitatoda esta zona.

- Mas diz-se que não é já viável ou rentável uma via nestesmoldes?

- Pura ilusão de quem assim pensa! Veja: ainda agora, e porisso a desolação para nós ainda se avoluma mais, ao norte de Espa.nha, entre Gijon e Ferról del Caudillo, numa extensão de 320 quiló-metros, foi inaugurada em 7 de Setembro essa via ferroviária, devia reduzida. Repare bem, entre o norte da Galiza e as própriasAstúrias, comportando 88 estações e apeadeiros, 110 túneis de cons-trução moderna e 27 viadutos.

Sabemos perfeitamente, também, pelo depoimento de pessoasfidedignas e capazes, que a linha em si, a do Vale do Vouga,aguenta para cima de sete anos e o material circulante também nosdá garantias de pelo menos cinco anos. E fogo, para já, não sepode pegar a coisa nenhuma, porque tudo ficou destruido. Duranteeste tempo, o Governo, entretanto, arranjaria o plano de fomentocapaz de substiuir a linha do caminho de ferro do Vale do Vouga

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por uma estrada capaz, uma estrada própria que fizesse aqui atransmutação do mar para a serra, ou vice-versa.

Principalmente, o que ansiamos, nesta hora de incerteza, étermos confiança em quem nos governa.

E o rev. Orlando dos Santos, como que desacreditado emquem queria acreditar, prossegue:

- Esperávamos ansiosamente uma resposta de algum depu-tado de Portugal. Já não digo dos de Aveíro, dos de Viseu, masalguém que tivesse olhos de ver, que soubesse ver com isenção,que viesse em nosso auxílio e levantasse a sua voz na AssembleiaNacional. E nós acreditamos que ainda haverá uma meia dúzia dedeputados que sejam capazes de vencer barreiras e proclamarembem alto que não é o saudosismo, de que já estamos rotulados,que nos move em debatermos a tragédia que bateu em terrasdo Vouga.

- Tem-me constado que os transportes rodoviários estão asatisfazer o público. O que é que nos diz sobre isso?

- Olhe, essa pergunta não é a que mais nos interessa, a nósque olhamos para o Vale do Vouga e que nos deslocamos de carroou de camioneta com facilidade. Olha-se para um facto consumado.Há uma determinação superior que parece não ter dependido daC.P. Aproveitaram o momento em que o fogo simultaneamente como Dia do Bombeiro def'lagrou em várias zonas do País, para darema machadada, cujo cutelo já há muito estava levantado. Não é esseo facto que se discute, mas sim a sobrevivência da própria linha.É não nos alienarmos de investimentos de milhares e milhares decontos; duma história válida e frutuosa de mais de sessenta anoscom todas aquelas implicações de famílias que se foram radicandoao longo do próprio traçado da linha e ainda de centenas de famíliasque sobrevivem à custa da mesma rede ferroviária.

- Consta que os lesados pelo incêndio do Vale do Vouga irãopedir as respectivas indemnizações. Entende que se a C.P. deliberarpôr a via em circulação os prejudicados pedirão as respectivasindemnizações?

- Olhe, não é só isso. Todas as empresas de madeiras estão aabater o resto do arvoredo da floresta, porque têm um prazo má-ximo, creio que até ao fim do corrente mês, pagando aquilo porum preço de tuta-e-meia, Há, no entanto, muitas pessoas, mesmo

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irmanadas com os interesses ferroviários, ,que nem sequer levanta-ram o problema. A minha casa a casa de meus pais também foi, ,ameaçada e 10 pinhal ardeu. Outros se queimaram, nomeadamentea do dr. Francisco de Sousa Lé. Não pediremos, nunca nos lembrá-mos de pedir (aliás, outros assim têm procedido) quaisquerindemnizações. Porém, esperamos merecer a sobrevivência dalinha, Não é por saudosismo, como já lhe disse, é que nós nascemosna linha, presos à linha e queremos respeitar até um valor nacional.

E a terminar:- Repito: além do mais, e isso é que é de transcendente

importância, é procurarmos todos evitar as correntes migratóriasinternas e externas, e por isso, temos todos de lutar para prender-mos as gentes a essa paradisíaca região que se chama «Vale dodo Vouga».

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INGLESES (TAMBÉM)QUEREM O COMBOIO

Atrás do comboio e do Vougaferroviários ingleses invadiram ... a Sernada

O Vouga Arriba anda-me no pensamento, como na mente mebaila o drama de milhares de pessoas dessa paradisíaca região aquem o destino teima em esquecer. E essa gente, gente de quemtenho gratas recordações, constantemente me escreve ou telefona.E nós vamos ao par de tudo o que se vai passando, Assim aconteceudesta vez.

- Venha, venha cá amanhã! Uma caravana de 150 inglesesvêm-nos visitar.

Este o cartão de recomendação para mais uma reportagem,Para mais um alertar; para mais um não esquecer de uma realidadepalpável, de uma certeza de que o povo, desde Aveiro a Viseu, nãose contenta com possíveis promessas. O Povo sabe o que quer.

De manhã chovera. Um chovisco entremeado com raios de sol.Mais uma vez descemos Albergaria até ao Vale de Sernada.

Essa Sernada que é bela, paisagisticamente encantadora! Até ofumo das suas anacrónicas locomotivas lhe dá um ar próprio deterras que viveram sempre à sombra de máquinas, porventuranegras como tições. E o seu rio, carregado de poluição, ainda brilhaem dias de Primavera, como este que nos levou de novo a entrarnas suas muralhas matizadas de verdura, ou de flores perdidas nasencostas em devoção à capelinha que se ergue no cimo do pináculo.

Onze horas ,e trinta minutos. O povo aglomera-se. DesdeAgosto último (aquando do incêndio) a Sernada não registava tanto

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movimento. Desta vez não se tratava de passageiros, mas deespectadores.

A anacrónica máquina lança silvos que ainda são de espe-rança, no cimo do monte. O chefe dá ordens e o comboio inglêschega. Quem diz que o «Vale do Vouga» não voltava? Agora atécomboio especial de ingleses, mas apenas com o senão de queVouga Arriba talvez jamais inglês verá!. ..

. Cinco carruagens; centena e meia de ingleses com as suasobjectivas em acção. Sernada, finalmente voltou a viver os seusdias grandes. Os últimos foram os de Agosto.

A estação de Sernada toda ela é (nesse dia) movimento, sópara inglês ver e trabalhar (com as objectivas). Uma máquinadesce o rio e escala a encosta. Outra passeia nas proximidades daponte. E os fumos das duas misturam-se com lOS silvos de ambas.Pouca-terra, pouca-terra e a anacrónica máquina avança por aíacima enquanto um «exército» de fotógrafos ingleses, em turismo,dispara de todos os modos e feitios e de todos os ângulos.

Momento alto (de triste recordação quer para Jafafe, querpara a Sernada) foi quando surgiu a ordem para que o comboio(toda a composição) avançasse até ao meio da ponte. Desde Agostoque a linha estava encerrada para aquele lado mas ... quando inglêsmanda ... É turismo! Para turismo, então faça-se a vontade e o povode Jafafe até arregalou os olhos à espera que lá chegasse o seucomboio, mas ele ficou a meio da ponte. Será um dia! Um diavoltará! Ingleses e Portugueses, em romaria seguiram o comboioaté à ponte.

Espinho-Sernada, Sernada-Espinho, era o que constava do pro-grama da organização do Clube de Locomotivas da Grã-Bretanha,acompanhado pelos inspectores Miranda e Faustino e pelo chefede escritórios Amadeu Soares.

Era seu desejo atravessar os montes de terras do Alto Vougaaté à cidade do Viriato, mas, aí, o Vale do Vouga já morreu. Ecaminhar nas suas cinzas não é para todos! Quando ele ressuscitar,então sim os ingleses poderão voltar a ver o País (Vouga) das delí-cias, das fadas, dos encantos! Até lá vamos esperando que venha aauto estrada para servir os utentes dos «espadas» que os outrosvão vendo passar ... o tempo, meus senhores! ...

As horas eram apertadas. A barafunda era imensa e nós aqui e

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ali fomos recolhendo impressões. «Beautiful, beautiful»: .. eram asfrases que ecoavam nos ares da Sernada, que mais parecia umacampamento inglês do que uma terra que vivia do seu comboio.

«Já vim a Portugal mais de trinta vezes. Em algumas delasvisitei, no comboio, o Vale do Vouga - «Beautiful, beautiíuls -começa por nos dizer mr. Fírmínger, funcionário superior doscaminhos de ferro e organizador desta excursão de estudo. «Onossodesejo - prosseguiu - era visitarmos toda essa maravilhosa região.Se voltasse o comboio seria uma boa coisa» - acrescentou pausa-damente.

A pergunta por nós formulada sobre as potencialidades turís-ticas desta região que o «Vale do Vouga» poderia ajudar a desenvol-ver, o nosso interlocutor respondeu-nos que até só pelo aspectoturístico se justificava a linha. Mas, logo acrescentou que econo-micamente, como estava, não justificaria.

Mas turismo é turismo e há que o aproveitar ... «Yes, Yes»L ..Jovem inquieto, quase parecia de temperamento latino, Hon

Rail abordado pela nossa reportagem, também ele estava encantadocom esta região e até com estas máquinas encardidas de tantocarvão oomerem.

Sobre a extinção do comboio, disse-nos que conhecia um casosemelhante na Escócia com o qual o Governo inglês estava bastanteapreensivo.

«O povo faz pressão e estou certo - diz-nos - que o Governocederá aIOpedido das gentes dessa região (Inverness) até porqueestá a verificar-se um surto turístico.»

- Igualmente aqui... - interrompemos.E o jovem, chef.e do comboio especial (assim nos disse) lá

partiu com a caravana.E os ingleses foram-se e a Sernada ficou outra vez silenciosa,

taciturna, a beber apenas a alegria verdejante das suas montanhas·e a recordar os silvos que todos os dias se misturavam com amúsica do seu viver. Agora a música cheira a cedros que alguémplantou em campa fria!

Até quando Sernada? Até quando Vouga Arriba deixarás deouvir os silvos dos teus comboios e das tuas automotoras? L..

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Na turbamulta há vozes que se ouvem

E naquela Estação ouviam-se os mais díspares comentários,enquanto que os ingleses a torto e a direito exclamavam «beautiful»,«beautífuls.

«Os ingleses admiram o espectáculo. Nós procuramos acabarcom ele, encerrando uma via de ingresso a essa maravilhosaregião» - assim comentava um ferroviária. E logo outro acres-centava: «A Sernada já há muito não tinha o movimento de hoje.Mas as máquinas são apenas para os turistas ingleses verem ...».

Tudo isto (suspensão da linha) foi e é feito em cima dosjoelhos. Há pelo menos oito automotoras da Sernada a Espinho evice-versa: umas circulam com o dobro de lotação e outras andamàs moscas. Não se escolhem os melhores horários.

Estamos em crer que só uma fábrica da região (Paradela)daria rentabilidade com a exploração da linha. Na-entanto, dizemque a C.P. está a pagar mais aos transportes do que esse complexoindustrial lhe paga. Acrescente-se que só de Aveíro a Paradela,já não contando com o transporte do Alentejo.

Enquanto muitos se riem por conseguirem acabar com o com-boio, que talvez os atormentasse, os povos de todo o Vouga choramlágrimas de sangue. Mas estes senhores deviam estar agora aqui aescutar estes ingleses.

E as pessoas, às dezenas, misturadas com a centena e meia deingleses desabafam e até puxam pelo casaco do repórter para osatender. O Alberto Pereira de Almeida, técnica- numa fábrica daregião, natural e residente na martirizada Sernada, abre o sacodas lamentações e diz:

- Estou convencido que a utilização da linha da-Vale do Vougavirá a ser uma realidade. Os responsáveis sentir-se-ão 00 dever depensar o mal que fizeram aos povos do Vouga. Só lamentamos quese esteja tanto tempo a sacrificar uma região que não merecia tãosevera punição. A visita desta centena e meia de ingleses a estaregião virá demonstrar que nós, portugueses, não sabemos apreciaras potencialidades que a Natureza nos deu. Veja isto! Só filmado!. ..Eu também filmo, para depois mostrar este espectáculo inglês aalguns portugueses com responsabilidades nesta impensada decisão,

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em prejuízo de milhares de pessoas. Com o Povo, senhor, não sebrinca!

É um desabafa- quase desesperado. E enquanto Wma inglesesde cócaras filmando o comboio, o sr. Alberto acrescenta:

- Os transportes rodoviários até podem ser utilizados: arran-quem-se-lhes as rodas de borracha e ponham-se-lhes rodas deferro, porque os carris estão à espera que lhes tirem a ferrugem, ..A decisão é de uma responsabilidade tremenda. Só na Sernadajá saiu, neste lapso de tempo, cerca de UIÍlacentena de pessoas. Éque nós somos portugueses e sofremos com esta debandada.

- Mas, a auto-estrada ... - interrompemos.- A auto-estrada é necessária, mas de maneira nenhuma pode

substituir o comboio. Temos de fazer um escoamento rápido. Temosde servir lugares e lugarejos. O povo ainda anda devagar. E teráde andar devagar por muito tempo.

O sr. Domingos Alfredo, homem que tanto tem lutado nestadura batalha, também ele quis, mais uma vez, dar o seu depoimentoaté para que se saiba que as gentes do Vouga não ficaram caladase nem compensadas com a anunciada auto-estrada:

- Ainda não estam os convencidos que a via não reabra. Aesperança é a última a morrer. Aqui à volta são três lugares queficam campletamente isolados. A auto-estrada não resolve certasproblemas para esta região. Ela é uma ilusão para estes lugares eoutros nas mesmas circunstâncias. O viver destes povos era ocaminha de ferro. Agora vão-se embora!. ..

/

* * *

A Direcção da Gasa da Beira Alta, na Parto, acompanhou,desde a primeira hora, a caso do Vale do Vouga, pronunciando-sequer através de exposições, a quem de direito, quer em deslocaçõesa Lisboa.

Numa das suas deslocações ao Terreiro da Paço, os seusdirigentes disseram ao Eng. o Rui Sanches:

«Ousamos inquirir parque foi suspendido o caminho de ferro doVale do Vouga em prejuízo manifesto daqueles aglomerados (de,

1'15

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30 concelhos) populacionais, detentores de um comércio, indústriaestâncias termais e de um turismo excepcionais?»

«Porque não máquinas de «Diesel» ou electrificação da linhacomo na Suíça e Espanha?»

E aqueles «enviados especiais» do povo da Beira Alta depoisde trocarem impressões com o ministro das Obras Públicas,acabaram por solicitar veementemente (ao menos enquanto a auto--estrada Aveiro-Vilar Formoso não foi' uma efectiva realidade) areabertura da linha às automotoras.

O ·,eng. Rui Sanches afirmou que ia rever a situação. Umaaurora de esperança nasceut').

(1) Mas foi sol de pouca dura! ...

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PRIMEIRO, A VIA FÉRREA

Sernada ainda confia

Continua na ordem do dia o caso da suspensão da linha do Valedo Vouga. É toda uma região que se pronuncia e declara publica-mente que foi prejudicada, que não pode viver sem o seu comboioe sem as suas automotoras.

As exposições que a Casa da Beira Alta no Porto endereçouao Presidente do Conselho e ao Ministro das Comunicações, merece-ram do público uma aceitação invulgares. É mais uma réstea deesperança que nasce para essas tão martirizadas terras do Vouga.

Ontem, o dr, Horácio Marçal, presidente da Câmara Municipalde Agueda, esteve em Sernada do Vouga. O povo daquelas terrasrecebeu-o de braços abertos, convicto de que esse homem públicoalguma coisa poderá fazer para os ajudar na campanha da sobre-vivência do Vale do Vouga

Pelo povo da Sernada e ruo Centro do C.A.T. do pessoal da C.P.,foi, entretanto, oferecido um jantar àquela embaixada aguedense,

Ao fundo da sala, um grande dístico a toda a largura daparede que dizia: «1.0 - A VIA FÉRREA»

Ele esteve sempre patente nos olhos das entidades para asconvencer, se é que ainda não estão convencidas, de que as terrasdo Vouga querem o seu comboio, a sua linha funcíonável,

Domingos Gonçalves referindo-se concretamente à suspensão,«Um incêndio veio servir de pretexto à supressão do

serviço ;ferroviário na nossa linha, tornando esta região aindamais pobre do que ela era, roubando-lhe o pouco de válido que ainda

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possuía. Surgiu então a ideia de se aproveitar o traçado integralda linha para a construção daquela estrada, o que significa a elimi-nação definitiva da nossa quase única fonte de vida no contextoeconómico. Essa dádiva representaria algo mas de um valorinfinitamente mínimo considerado em relação à perda de umpatrimónio que é nosso e que perdemos».

E os incêndios,' sr. presidente? Eles continuam a devastar anossa floresta de Agatão, Cedrim e Vila Nova de Fusos, sem quese possa acusar o comboio desses malefícios, dado que os mortosnão lançam fogo! ...

Contudo nunca o desgraçado comboio foi responsabilizado porsinistros de tamanhas proporções em pleno Inverno, longe doscalores e das secas de Agosto, dos ventos fortes e quentes deNordeste.

Não podemos aceitar, portanto, e nem por certo V. aceita quesejamos incêndios plausível razão para o encerramento da linha.Essa razão é bem outra e não é justo que sejamos nós, as gentesda região, a sofrer consequências dos erros alheios.

Urge restabelecer a circulação ferroviária, ainda que reno-vado; como se impõe, o respectivo material tractor e rebocado.E então, depois disto, então sim, venha a estrada prometida, cujautilidade e premência desnecessário se torna encarecer. Deixamoso assunto à consideração de V., certo de que poderá dar um valiosooontributo».

O rev. Orlando, pároco do Troviscal e natural daquela terra,tem estado sempre com a gente do Vale do Vouga.

«Estou aqui porque tenho coração: porque vejo e sinto o dramadestas gentes. Não é, meus senhores, um saudosismo dessa gente,é uma perda irreparável que as faz debandar à procura doutrasterras».

E mais adiante perguntou: «Por que razão está aberto aindao ramal para Espinho, para Santa Comba Dão e foi fechado este?Não compreendo, não posso compreender a arbitrariedade decritérios. Talvez eu até saiba a razão! Talvez saiba, meus senhores!Mas para: quê dizê-las? A indústria' de Agueda, só ela, justificavauma linha aberta. Só uma fábrica da região, de Paradela, seriasuficiente para que a linha pudesse sobreviver. Mas porquê,tudo isto?

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Não é a auto-estrada que vem resolver o caso desta genteda serra.

Não nos procurem alegres com promessas, satisfaçam-nos comrealidades! Promessas, promessas! ... Dêem-nos o que tiraram eesta gente fica satisfeita!

Quem fechou a linha do Vale do Vouga? A C.P. diz que não foiela, então quem foi? Dígam-nos l»

O inspector (já reformado) Joaquim Moreira Vinhas, deimproviso, disse todo o sentir de uma região que conhece e ama.«Olhem para o dístico e vejam o pensar do povo» - afirmou. <<Estedístico diz tudo. Primeiro a via férrea, depois... depois a rodovia.Porque se diz que esta linha desapareceu por causa do fogo se jáantes ela estava condenada? O défice que se verificaria no Vale doVouga, que nada é de comparar com outros similares do Norte doPaís (e ruo entanto elas estão abertas) não se deve a esta gente.A linha do Vale do,Vouga nunca deixou de pagar aos seus funcio-nários e, no entanto, no Norte ... Mas esta desapareceu e porquê?Não acredito, que o'Governo deixe de ouvir dois milhões de pessoas,tantas quantas o Vale do Vouga pode servir. Eu tenho uma résteade esperança».

O clima criado era de emoção, de autêntica emoção. Cá fora,na linha, o povo com çou a aglomerar-se e os altifalantes foramvoltados para a rua. O dr. Horácio Marçal depois de saudar toda agente do Vouga, ali presente, fez vários considerandos sobre osproblemas que lhe foram postos. Afiançou que o Governo agiu bemintencionado e que não se lhe podem assacar culpas pela extínçãodo Vougat').

«ACâmara não está enfeudada a qualquer corrente, ou atitude.O que queremos é a defesa dos interesses do povo. Se a reaberturada linha for a melhor solução, lutaremos por que ela se abra;se se chegar à conclusão de que a auto-estrada resolverá o problemados povos, então optaremos por essa solução. Eu e todos oselementos da Câmara de Agueda, daremos o peito à luta pelos inte-resses dos povos. É por eles que nós aqui estamos».

(1) Que boa intenção! ...

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* * *

Ontem, às 12 horas, deslocou-se da Sernada ao Governo Civilde Aveiro numerosa embaixada. Era acompanhada pelo presidenteda Câmara Municipal de Agueda, dr. Horácio Marçal,

O dr. Vale Guimarães, governador civil, após lhe terem sidoapresentadas as razões da presença daquela representação, disseque ia expor ao ministro das Obras Públicas o assunto da ponte daSernada, a fim de poder ser utilizada também para o tráfegorodoviário.

Naquele mesmo momento, um telefonema para Lisboa, para ogabinete do eng. Rui Sanches, e obtinha-se a promessa de que ocaso iria ser estudado.

Quanto à circulação de automotoras na linha, foi ali dito pelodr. Vale Guimarães, que a via, como está, só pode suportar veloci-dades da ordem dos 20quilómetros horários. Por isso há que encararseriamente este aspecto. No entanto, não está posta de parte aviabilidade da solução.

Quanto à estrada de Jafafe, as obras vão começar na próximasemana, prolongando-se a rodovia até aos acessos da referida ponte.

Ao menos o que lhe tiraram! ...

Ao fim da tarde, o dr. Vale Guimarães recebeu os presidentesdas Juntas de Freguesia da zona por onde circulou o Vale doVouga, O pedido foi idêntico: reabertura da via.

O chefe do distrito disse que quanto ao caso da região deAveiro o problema dos transportes poderá ser resolvido, atravésde autocarros dos Serviços Municipalizados. Porém, este assuntosó deverá ser solucionado se a C.P. vier a abandonar a linha. Essadecisão - de abandono ou não - deverá ser tomada dentro deum mês.

Horas de emoção foram' as ontem vividas em Sernada.Horas de vivência, de uma vivência que é drama para milha-

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res, mas onde ainda se agasalha uma réstea de esperança. Essa talesperança que é a última a morrer!

Um bufete, Uma mulher. Uma família. As cadeiras estão amonte...

«Cuidado senhor! Não se encoste às cadeiras. Estão pintadas!Pintadas, porquê? Ó sr. Rodrigues, nósestamos em vésperas dedebandar! ...»

A mulher chora. E soluçando vai dizendo: «Vim do Porto hásete anos. Arreiguei-me a esta gente. Fizemos aqui a vida e agora!Agora vamos para a Pampilhosa. Não sei a vida que nos espera lá.Aqui, tínhamos a nossa vida montada. Tanto dinheiro que aquifazíamos servindo esta gente .Tanto dinheiro que arranjávamospor esse Vouga acima; por esse «Vouga Arriba», como o sr. diz.O meu marido acompanhava sempre esses pobres homens. Agora,tudo morreu. A linha morreu. Nós «morremos»!

Se aqui trouxemos este caso ele é apenas para demonstrar queé mais um caso; um caso protótipo do que se passa por esseVouga Arriba. E para dizer aos «apóstolos» desse pregão que é umcaso de saudosismo, para lhe dizermos, meus senhores, que o casodo Vouga não é caso de saudosismo; é um caso de morte para muitagente; morte nos seus nobres sentimentos; morte nos seus haveres;morte para uma terra que era sua.

Mas, meus senhores, quem tiver ouvidos que ouça e quemtiver olhos que veja, que suba o Vale do Vouga e desça aos povoa-dos recônditos! E depois que se pronuncie! O povo sabe o que quere para onde caminha!

Dêem, meus senhores, primeiro a esse povo o que lhe tiraram.Depois, ai depois, nós somos apóstolos da auto-estrada e esse povoaté saberá compreender! Promessas? Para quê promessas? Parajá o povo quer o comboio, ou automotoras, que o acorde logo demanhã porque eles, grande parte dessa gente, nem sequer têmdinheiro para comprar um relógio que bata horas! ...

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É TODO UM PAIS AFECTADO

Suspensão da linhaafecta oito milhões de portugueses

- Queremos um comboio, um comboio renovado, limpo, masqueremos um comboio. Acabem as camionetas que não nos servem.

Este o grito que ouvimos a centenas de pessoas de Viseu aAveiro, reunidas em sessão pública em Macinhata 00 Vouga. Esteencontro, sugerido pela «Independência de Agueda», foi bem aprova concludente que 0' povo 00 «Vouga Arriba» ainda não secalou; ainda não se conformou com o que lhe tiraram. Esta, averdade incontroversa. Esta a realidade, pese muito embora aquem não a queira ouvir ; esta a verdade, repetimos, que carregasobre as gentes do Vale do Vouga. Nenhuma promessa (realizávelou não) os convence, porque o drama não é vivido nos gabinetesmas nas casas disseminadas por essa paradisíaca região.

Foi há um ano, precisamente há um ano, quando abalamos poresse Vouga acima. Cinco horas e um quarto metidos numa caixa defósforos" foi o tempo que demorámos de Aveiro a Viseu. Entãorelatámos tudo, Depois disso não mais, largámos tão candente caso.Uma pausa mediou e até julgámos (perdão, queriam-nos fazerjulgar) que esse traumatizado povo se fosse aclímatando um tantoao transporte de camionagem, Mas não. Ontem ouvimos clamar

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os mêsmos gritos que então escutáramos nos vales e quebradasdesse Portugal desconhecido. Só que agora o clima se transformanão numa esperança, mas numa esperança desesperada.

* * *

Dezassete horas. A sala da Junta de Freguesia de Macinhatado Vouga, está superlotada e transborda para o átrio. Camionetasde aluguer, carros, motorizadas, enchem o largo. Era Aveiro-Viseu,gentes desta espinal medula que ali estavam para dizer à Imprensa,a esse Portugal além, aos seus governantes, que a sua voz ainda nãofoi abafada pelos ventos que possam soprar nas suas serras! Ocomboio tem de ressuscitar, novo, moderno, eficiente.

Durante quase três horas, num diálogo descarnado de proto-colos o povo disse 10 que pensa, o que quer e o que terá de fazerse o comboio não voltar.

Gente de bodas as classes sociais - engenheiros, advogados,médicos, padres, operários, funcionários públicos e da C.P.; genteanónima que deixou os seus afazeres, para ali estarem presentes.É um S.O.S. (dizia-se) que queremos daqui lançar a quem nos queiraouvir .'Ainda acreditamos que nos ouçam!

Impossível se tornava ao repórter registar todos os desabafosque espontãneamente expunham. Eles saíam como catadupas masque reflectiam bem a sinceridade que lhes ia na alma. Ordeiramentedecorreu a sessão a provar que outra coisa não se deseja senãorepor a justiça onde ela deve estar.

- Se a C.P. é uma Empresa Pública, como diz que é, e pareceque legalmente que o é, tem de passar por cima dos seus lucrose pensar em todos os interesses da região que está a prejudicar.

Assim começaria o diálogo.- É antí-econômíce ter-se uma estrada nova (referia-se à via

rápida anunciada) onde existe um caminho de ferro. e uma estradavelha. Tenho assistido a vários congressos de engenharia e dejornadas ligadas ao sector ferroviário, em Lourenço Marques e por

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isso é que me atrevo a fazer estes considerandos. O Estado vaigastar 5 000 contos por quilómetro quando na região a que merefiro essa distância fica apenas em mil contos. Isto é estragardinheiro. Há dinheiro para fazer renovação de estradas e não o hápara reformar uma via férrea.

Poeira nos olhos ...

Analisou depois (este técnico cujo nome não vale a penareterirj C) casos das linhas da Beira iguais aos que se passam nalinha em questão.

_ Lá fez-se e aqui por que não? Dizer-se que se gastam 660mil contos na renovação da linha é mesmo meter poeira nos olhosdo povo, nania a nós técnicos. Tenho vinte anos destes. serviços!

- Mas esta linha, sr. engenheiro, conforme está poderá servir?perguntou a Imprensa.

Quanto a mim não. A máquina a vapor está antiquada eprovado que não pode render. Máquinas a Diesel eléctricas é oque se impõe na linha do Vale do Vouga.

E prosseguiu: não se exigia uma reconversão rápida de todaa linha, mas poder-se-ia ir remodelando paulatinamente, por troços.A linha da Beira andou nestes trabalhos cerca de 20 anos. Muitodo material velho pode ser ainda aproveitado.

O binómio que hoje se passa, estrada-caminho de ferro, é omesmo que se passa entre a aviação e via marítima. Mas, quantoa mim, todos esses serviços se podiam coordenar de tal maneiraque servissem os interesses públicos. Aliás, é o que sucede na Afrícado Sul. Há uma autêntica coordenação e só assim se compreendeser a sua exploração uma das únicas rentáveis no mundo.

Aquele técnico ferroviário fez depois uma profunda análiseeconómica das possibilidades da linha.

_ Quantos habitantes serão afectados pela supressão do Valedo Vouga? perguntou-se à multidão.

(1) Hoje (depois. do 25 de Abril) já se poderia declinar.

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- Milhares, largos milhares! Dois distritos - o de Víseu eAveiro, respondeu-se.

De repente levanta-se uma voz:- Quem é afectado, meus senhores, senhores jornalistas, são

nada menos, nada mais do que 8 milhões de habitantes. É todaa economia nacional que sofre, que fica prejudicada. (JaimeGralheiro).

- Porque não se suspenderam outras linhas que também nãodão lucro? Porquê?

- O que é verdade (outra voz) é que a C.P. diz que extinguiua linha por não dar lucro, mas o que é certo é que, segundo ascontas do último ano, o déficit aumentou.

- Mas foi a C.P. que extinguiu o Vale do Vouga ou foi oEstado? perguntámos nós.

- Foi escrito, aliás, foi dito pela voz autorizada do chefe dodistrito substituto, que a suspensão foi solicitada pelo povo quefazia ameaças, p.erante o incêndio que deflagrara. E nesse caso,diz-se, o Governo não teve outro remédio senão extinguir o Valedo Vouga. Aliás, isso mesmo foi referido pela C.P.

E ainda quanto aos fogos uma outra voz se levantou, afir-mando que era verdade os comboios lançarem fogos, mas istoporque não havia os devidos cuidados num comboio que estavavelho. Tinham de lhe abrir as goelas para poder puxar e até nemfaziam a limpeza dos braseiros. Mas, pergunta-se, nas estradas osacidentes não são cada vez mais? Então vamos acabar com asestradas por esse motivo?, FOi ali dito que no Vale do Zambeze houve um caso idêntico

e não se encontrou outro remédio senão satisfazer o povo, con-servar-se-lhe o comboio até haver um ou outro meio- de transporteeficiente e que servisse o povo. Até lá, nunca!

G. N. R. intervém

Contam-se dois casos deveras dramáticos e denotantes do quevai por esse Vale do Vouga. São às dezenas, centenas de pessoasque ficam sem possibilidades de transporte. São carreiras quehegam com o dobro do atraso.

1,26

- Mas, diz-se, perguntámos nós, que agora os transportespor camíonagern são mais eficientes e que o povo até os prefere?

- Mentira, mentira, é uma pura mentira. Que vão ver edepois em consciência que digam se temos razão ou não!

Esta pergunta foi como um furacão que rebentou na sala.Era a voz de todo um povo que repudia todas essas farsas.

- Consta que alguma entidade superior tenha feito essaviagem de Aveiro a Viseu ou více-versa, para poder aquilatarda verdade?

VOZES: Nunca lá vimos ninguém e nem nos consta.

- Atenção, atenção, eu quero contar um caso.

Uma pausa e a descrição começa: Ontem em Mourisca doVouga a camioneta levava mais cinco passageiros. O motoristaordenou aIOcobrador que não levasse esses passageiros a mais.Receberam ordem de saída. Mas eles recusaram-se, afirmandoque a camioneta que mais tarde vinha de Viseu, chegaria com alotação completa, o que sucede sempre às sextas-feiras. Telefonouà G.N.R. e esta tê-las-ia informado que procurassem acomodar ascoisas. Discussão e mais discussão e como permanecessem nanegativa, o motorista voltou para trás com a camioneta carregadade passageiros e apresentou-os no Posto da Guarda. O que resultou?Em sinal de protesto os outros vinte e oito passageiros saíram dacamioneta recusando-se a seguir viagem.

Ora é esta a situação mais ou menos quotidiana criada a todoo Vale do Vouga.

- Transporte de mercadorias?- Estão a chegar com o dobro do atraso e em más condições.- Mais um caso, senhores!- A minha mulher estava em Vouzela. Tirou um bilhete para

Lafões. A dado momento, já no trajecto, uma outra que secruzava, fez-lhe sinal de «Polícia» e a minha mulher foi convidadaa sair, ficando no meio- do pinhal, num ermo, sozinha, à esperaque voltasse 'Outra.

Falou-se depois de vários aspectos que prejudicam os utentesde tais transportes, nomeadamente nos sectores, comércio, escolar

127

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(com crianças a chegarem atrasadas às aulas); operariado a nãocumprir os horários nas empresas.

Abordou-se ainda o aspecto do deficitário rendimento e apropósito perguntou-se por que não foi a C.P. a explorar os trans-portes de estradas paralelas ou confinantes com a via férrea eporque. autorizou essa exploração a outros? Seria um bom meiode se poderem arrecadar capitais para salvar o déficite da via,salvaguardando, assim, os interesses públicos.

- E que se pensa fazer perante esta situação?- Aguardar, aguardar que nos façam justiça! ...E do meio da assistência vozes se ouviram:- Conforme se tocar assim vamos dançar!Parece que nesta frase se sintetiza toda uma temática do

direito do homem.Nós queremos o comboio, nós queremos o comboio renovado.

Assim termiruou esta magna reunião, marcante de uma situaçãoque aflige toda a vasta região do Vouga.

Sernada e o Vale do Vouga

Domingos Alfredo Gonçalves, com vida montada em Sernadae homem que aos problemas da região se tem dedicado, não deixoude seguir o maior problema que alguma vez caíra sobre terras doVouga - A SUSPENSÃODO VALE DO VOUGA.Já tivemos opor-tunidade de' o dizer publicamente, Domingos Alfredo tem sido ogrande paladino desta nobre causa.

Pois, nesta magna reunião não podia deixar de se ouvir a suavoz. Não pôde estar presente, mas enviou o seu testemunho que foilido em voz alta.

Por oportuno e porque reflecte todo um sentir de uma terra,porventura a mais sacrificada, damos-lhe o relevo, a que temdireito.

«Um ano volveu já sobre a data em que deflagrou o grande'

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incêndio do VALE DO VOUGA - do encerramento da Zin1ulVISEU-SERNADA-AVEIRO.

Até nova ordem - dizia-se - e esta pobre SERNADA aguardou- e aguarda ainda no seu confiante sebastianismo - a reposição

do serviço ferroviário, do qualvivia, vivendo para ele. En-tretanto assiste, oprimida, aoruir de todas as suas esperan-ças vendo desaparecer, dia adia, tudo quanto representavavitalidade económica. Com ocomboio, foi o restaurante, oposto médico, o serviço decorreios, o café, a barbearia eaquilo que foi a florescente econhecida SERNADA DO VOU-GA, transformou-se num luga-rejo ignorado, a revolver-senos últimos estertores de umaagonia lenta.

Começou já a debandadadas suas gentes, buscando pa-ragens distantes e possibilidadede vida! que a terra-mãe nãopode assegurar-lhe. E o fimaproxima-se.

Mas não é somente a terraem que vivemos e a que nosapegamos com todas as verasda nossa alma, que sofre asagruras duma situação quenão criou nem para ela contri-buiu. São todas as povoaçõesmarginais da linha, tantas de-las nadas e criadas à sua som-

bra acolhedora; são muitos mühares de pessoas, que assistemimpotentés ao 'r,W.sabar âa«suas estrUturas económicas; são largCJIS

l'en.atlvo sobre a linha, DomingosOoncalvilll 6 bem o sfmbolo da persistên-cia, em prol de uma causa - a caúlia dol'ovo do VoulI'a.

RecordA-lo 41IIJlperatlvo de JUlt1lla.

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. :centeruis de povoados; asfixiados, abandonados pela debandadapermanente dos seus filhos válidos,

é.a desouxçõol ,. Nó~, porém teimamos em alimentar a esperança de melhores

dias, pois ainda isperamos a promoção dos povos e das terrasportuguesas .

. ' .E ~nós, que '~ui;ri,as~emos, não seremos esquecidos com~Portugueses em terras de Portugal.

. Temos rJOisa esperança+repeitmos - de' que a nOSSa SER-ivADA,.JAFÂ'FEe ,CARVOEIRO;4';:como Fénix - hão-de renascerâas. suas próprias cinzas».

lhe âareniuma via rápida, fica calado e satisfeito. A via rápidaserve, e serve muito bem, para todos aqueles que têm grandes«espadas» ou que têm a sorte de já possuirem um veículo de quatrorodas. Para os que andam em cima de duas (rodas ou pernas),avia mais utilitária e aquela que melhor se coaduna com o seu viver,é, e continuará ainda a ser, o velho Vale do Vouga, rejuvenescido.

E não nos venham dizer ou apontar o velho ditado de «Reimorto, rei posto». Tão ubérrima como idílica região só pode ficarbem servida com as duas vias.

-. * * .* Por que não faz a CP também umasondagem aos transportes do Vale do Vouga?. ~Erittetanto foram enviados telegramas ao Presidente do' C6h-

~elhôMihistro das Comunicações e Governadores Civis de Aveiro,. ;'. .'

e.Viseu;,_',-.~Neles' se relata toda a:panorâmica dramática já descrita.

Vlo :rápidcl não ~ sinónirno de «morte»

do Vale",.,dc:tVougo

A C.P. vai fazer uma série de sondagens ao tráfego ferroviário-visando analisar os coeficientes de ocupação das composições e asmatrizes de}'tráfego.

Este, mais ou menos, o texto que saiu nos jornais. Q, objectivode sondagem também veio nos diários.

'Não há dúvida que a C.P. está a trabalhar pelo seguro! Lá issoestá! Fiscalizar, sondar é o lema que nos parece estar em marchapara uma melhoria! ...

Actualizar, modernizar, será a ordem de comando. E suspen-der, eliminar, de quem será? Não deixa de ser laudatória a primeiramedida, mas condenatóría a segunda.

Voltar a abordar o intrigante caso da suspensão da Linha doVale do Vouga, para quê? Respondemos nós a quem se nos dirigedesde terras de Viriato até às paragens de José Estêvão. Paraquê, amigos"! ...

Mas porque calar é consentir e porque ainda somos dos queacreditamos na passagem evangélica: «batei, batei e abrir-se--vos-á», e porque calar é ser derrotado antecipadamente, voltamosao assunto tantas' quantas vezes a oportunidade se nos deparar.Isto até que o comboio ressuscite ou então os ossos. se transformemem cinzas! ...

E agora deparou-se-nos uma oportunidade, .ou melhor, duas:a medida de sondagem da C.P .. e os dístícos que em toda: a linha

, .' Para os menos informados ou desconhecedores da nossa<~dsiçãórelativamente â~xtinção ou suspensão da Lirtha do Vale dgVou9'a,_qüerembs, aqui;:mais uma vez, afirmar o nossodesa:'càrd6 no' sfta suoressõo ou suspensão. E se ontem tecemos hinoslaudatórios quantóà abertura duma via rápida Aveirà-Viseu foiunicamente. porque sabemos e conhecemos que essa abertura não'Substitui .:uma via [erroouiria. Assim, mantém-se. de pé a noesaposiçãl) e a de centenas de pessoas Vouga arriba que foram ouvidas~-Já (jissemosque se o caminho de ferro não vier a servir para ou~ra1:oisa;.servit-ia'até.paraajudar ade~en~o:lver O'turiSmo em ,Úio,pd~adisíàÇa. reaiõo, Mas não. E)le ,'serve para m'l.útQ:'mais.S~·rveP.ar!! .O'S..m.enos' endinheirados; 'serve ;patá ·tôàósâqtle7f;.~ ~que,ainda, infelizmente, têm de. andar c-Qm'.(L.ta1eigQ~à·sécostas'ou acanastra :rlasardinhade terra em terra. Ou ainda para todos,a'quelesquenecessitamsle 'l!mescQamerito rápido das suas merca-:dor,ias.-:P:or.,'isso;não-.J;aja HUSQes de que. O' POP,o.,J.á.pe(o.fqcto de

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do Vale do Vouga estão patentes. Não sabemos quem 'os estampou,ou melhor, sabemos: foi o Povo, esse Povo que quer O' seu com-boio. E porque já está descoroçoado de tanto pedir publicamente,e já vai estando cansado de tantas vezes erguer as mãos, pedindo .piedade, pedindo o que lhe tiraram, resolveu mostrar o seu des-contentamento através de frases elucidativas. O Povo é assim.É generoso, mas também sabe pagar, na altura própria, com amoeda com que lhe pagaram.

Nós sugeríamos à C.P. que fosse também fazer uma sondagemao Vale do Vouga. Ouvisse, com ouvidos de ouvir e visse com olhosde ver, O' panorama que existe por essa tão esquecida região.

Já que a C.P. está com tão boa vontade em servir o Povo, queouça também o Povo do Vale do Vouga, E então sim, tirará asconclusões.

E já que estamos a falar deste problema! apraz-nos recordar,passados que são largos dias, a promessa do ministro das ObrasPúblicas e Comunicações aos representantes da Casa da Beira Alta.Ele disse que ia rever o caso do Vale do Vouga, Depois disso, eembora se tivesse registado uma onda de regozijo, nada maisse soube,

Estamos certos que o eng. o Rui Sanches estará a trabalharnesse sentido. Confiemos, povos do Vouga, até ao lavar dos cestos ...

'" '" '"

o que escrevemos, será o suficiente para provar (ao menos)aos vindouros de que a linha não foi esquecida pelos seus maiorese que repudiaram tão infeliz como desumana atitude consumada porum governo ditador.

Termina assim uma das partes do nosso trabalho. A que sesegue é já escrita numa Primavera de Esperança e no Regimeque nos deixa respirar o ar das montanhas e ouvir o canticar daságuas do Vouga, desde a Lapinha aos montículos do Sal.

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Esperança confiante

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Não era scudosismo .. :

",.":' :.~: ';-- ' •• 1 •• : "~''''~l'<r-:-~'t''~~~~.~/'~~~.y.~~~~t?~-.Roseirais despontam na linha mas a esperança dos" cravbs'

vermelhos lapela-se no peito das gentes desde Aveiro a Viseu.Foi há dois anos que percorremos todo o trajecto da via que

? Governa fascista encerrou. O drama ficou expresso nos capítulosque antecederam. Nova jornada agora iniciámos para inventa-fiarmos toda uma panorâmica que adivinhamos latente. ,

Pois, como preâmbulo do que ouvimos, podemos adiantar quea situação de inconformismo, de descontentamento, é deveras supe-'bor ao de há dois anos. O tempo veio provar que o que aquela,gente relatou, não era saudosismo, porventura romantismo doentio; "mas sim uma verdade insofismável de que o Vale do Vouga nãopode ser substituído por qualquer outra rodovia. As duas' comple-tam-se e não se rivalizam.

lt4.~()lrM8despertam .na linha e .aesperanca, renasce!

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, Sernada olhos no futuro

Semada ainda vive.A morte 86 poderA vir quando desaparecer a última mAquina.Mal tal não acontecerA.

Ainda há carvão, ainda há algumas caras tristes, ainda hámáquinas esventradas, projectando lufadas de fumo na encosta,ou no rio que já vai poluído. A Sernada ainda vive. Vive uma vidaque se esfuma com o fumo das sexagenárias máquinas que aenvolve.

~ Venha 'o comboio, venha o comboio', modernizado., ,Alberto Costa, Alda Marques, António Joaquim,' Manuel

Rodrigues Dias, Alemo Eugênio, Augusto Pedro e Oliveira, José daSilva, foram nomes que registamos dentro da camioneta que substi-tuiu o comboio. Não havia qualquer hesitação, nem nas palavrasnem nos rostos que adivinhamos revoltados. Aquela revolta quejá dura dois anos!'

- Isto não serve, não podemos suportar as viagens decamioneta.

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- O comboio resolve tudo: camioneta cheia não leva mais.Comboio leva sempre mais um, assim desabafava o Chefe daEstação, Sr. José Marques.

E o DOmingos, lá anda, atravessando .carris, olhando aencostá. Ele, o grande batalhador da ressurreição do Vouga,continua na recolha de assinaturas para apresentar ao novoGoverno.

c P interessada no golpe

Serra acima, a paisagem de uma beleza desconhecida, entra--nos nas meninas dos olhos bêbados de um desejo, porventura, deuma frustração (!) mas como a esperança é a última a morrer,gatinhámos por aí. acima, mais acima!

Pinheiro de Latões pára-nos, como já há dois anos ali nosfez dormir. O panorama é o mesmo, só que agora 'os roseiraisque ornamentavam a linha e beijavam o anacrônimo comboio seassenhorearam de toda a via. E as rosas cheirosas até fazemesquecer a ferrugem dos carris!

- Desolação, tristeza,' dizia-nos alguém quando n6s nosdetínhamos na contemplação de um facto consumado.

- Novamente?!- Sim, novamente!Celestino Ferreíra Martíns, reconhecera-nos naquela manhã

de muito sol e ... muita esperança, em terras de Lafões.- Que lhe hei-de dizer? O que lhe afirmei há dois anos. Só

qu agora. com provas insofismáveis de que é urgente a «ressurreí-ç o') do comboio.

Faz-nos uma panorâmica da triste situação no sector de viasde comunicação.

- Como já tive .oportunidade de afirmar, pode dizer-se quetodas as tentativas para se sair do marasmo em que se debate a

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.economia do 'distrito de' Viseu vão sempre esbarrar no' angustiosoproblema das vias de comunicação e dos transportes distritais.

No plano ferroviário, o distrito de Viseu viveu, até há poucosanos, unia situação que nada tinha. de invejável e que subitamentese-agravou mais ainda por forma absolutamente inexplicável oupelo menos, se explicação tem, não chegou -ela ao conhecimentodos Povos interessados.

Serviam-no as linhas do Vale do Vouga e do ramal de SantaComba Dão-Viseu, ambas de via única e bitola estreita, e a linhada Beira Alta também de via única, mas de bitola larga.

Apesar de anacrónicas ia-se vivendo mas a C.P., que aolongo dos anos, nada fez para modernizar ou substituir, estava inte-ressada em dar um golpe. E deu-o no Vale do Vouga, nos moldesque são do conhecimento geral.

••••

Há duas ou três dezenas de anos que não é concedida umalicença de raio livre; ou seja, para efectuar transportes em todo oPaís," sem limitações territoriais com raio de 100 kms. .Dos 24 cOIÍ-celhos que compõem o distrito, em 13 não existe uma única licençade aluguer para transportes de mercadorias para todo o País.

E isto porquê? pergunta-nos o sr. Celestino e responde:--..:.Dentro do mecanismo oficial qualquer pedido de concessão

terá sempre de contar. com o desfavor, quando não cerrada oposi-ção, de duas entidades: - a C.P. e o Grémio dos Industriais deTransportes Automóveis (G.I.T.A.).

A atitude da primeira resulta dum mal entendido espíritode compreensão dessaempresa, que tudo quer para si, apesar de semanifestar -incapaz de dar satisfação ao que legitimamente delase poderia esperar, por tal forma que, longe de instrumento deprogresso da região, tem sido factor de estagnação.

O Grémio, por seu turno, transformou-se num instrumento dócilnas mãos de alguns grandes industriais de transportes que nãolhes interessa que apareçam nas estradas outras empresas afazer-Ihea concorrência procurando transformar as 'rodovias nacio-nais ém' «coutadas .própria, na qual soá a eles é .permítido «caçar».

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Daí que há milhares de pedidos de licenças para concessões de transportes .

E o sr. Celestino a terminar, diz-nos: «É urgente restabelecer a linha do Vale do Vouga, é urgente modernizar as rodovias do DistritAl e é imperioso rever o condicionalismo legal de concessão de licenças de aluguer para automóveis ligeiros de passageiros e concessão de carreiras de transporte de passageiros».

E despedindo-se, com um ar irónico e compenetrado, ainda esboça esta passagem sintomática:

- A C./P. apresentou mais prejuízos depois da linha fechar do que quando a explorava. Onde está, então, a verdade do seu pseudo pretexto de que encerrou por prejuizo?!

Comboio em zona pecuária

Oliveira de Frades tem novo elenco camarário. A posição da actual Comissão Administrativa é (também) de

fazer ressurgir o Vale do Vouga. -Aliás, começa por oos dizer o Dr. José Carreto Lages, vogal

dessa comissão, o Vale do Vouga consta do nosso programa apre­sentado ao Povo de Oliveira de Frades na nossa eleição.

Interessa-nos, diz o Dr. José Carreto Lages, grandemente, porque conhecedores dos problemas que a suspensão da linha causou a esta região. Por outro lado é o querer generalizado da~ populações do concelho. Repare, que não é uma necessidade de saudosismo, ou sentimentalismo, mas sim uma necessidade imperiosa. Isto sente-se não só no transporte de passageiros, de modestos recursos, mas também no de mercadorias. Em todas as Nações evoluídas se promove a construção e reconstrução de linhas e aqui vamos acabá-las? Não, não pode ser. Uma nova hora chegou. O comboio tem de voltar . E repare que numa região em que o cooperativismo, nomeadamente no sector pecuário, está a procurar avançar, não nos podem servir os transportes rodoviários. Aliás, a via rápida, não pode ser uma substituição mas tão somente um complemento, porque as duas são necessárias.

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Comboio em civilização moderna

A Edilidade irá actuar não isoladamente mas de conjunto. Irá trabalhar, no tão magno problema do Vale do Vouga, com todas as Câmaras, cujos concelhos foram afectados pela suspensão - começa por nos dizer o porta-voz da Câmara de Vouzela, Prof. António Alexandrino. E prossegue:

Estamos a auscultar detalhadamente os anseios do Povo. Ele é que se tem de pronunciar. Já se lamentou, mas agora tem de o fazer de viva voz.

Eu por mim entendo que na civilização moderna é indispen­sável esta via de comunicação, nomeadamente nesta região.

Ainda que venha a t&l via rápida, ela não resolve o problema dos transportes, porquanto as povoações continuam a ser mal servidas.

Queremos um comboio, mas um comboio modernizado, com'O é intuitivo.

Vouzela e toda a região de Lafões, agora, mais isoladas, mais pobres, metidas (apenas) numa aleofa de verdura!

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Este problema do comboio foi considerado. prioritário na nossatomada de posse.

Mas, como lhe disse, o. Povo tem agora a palavra. Porém,todas as achegas que nos possam dar serão válidas para sairmosde uma situação crítica em que nos lançaram.

Campanha que é um exemplo

- Ponham-se já essas máquinas na linha! Não. se podeesperar mais.

Isto ouvimos nós na Estação de Viseu, da boca de algunsferroviários.

Será a boa maneira disto arrancar. Senão passamos a vidaem lamentações. Foi de Viseu que partiu recentemente, umainiciativa que nos parece de uma acuidade digna de enaltecer,não pelo que ela pode representar de valor económico, mas pelosimbolismo. de que se reveste.

Um grupo de ferroviários lançou a ideia de os seus colegas,principalmente das linhas do DãO'e do Vale do Vouga até Aveiro,se custearem de um dia de trabalho proporcionando assim um apoiofinanceiro ao Estado para restabelecer a linha e pôr o comboio emIuncíonamento.

Sobre esta iniciativa falou-nos o sr. Amaro da Silva.«Esta ideia nasceu pela saudade do Vale do.Vouga. Mas, não

s6, porque isso seria insignificante, mas, principalmente, porquen6s sentimos no dia-a-dia a falta que a linha faz a esta gente.É porque' as camionetas não. satisfazem, de maneira nenhuma,esta vasta região.

E o sr. Amara prossegue: As listas de assinaturas continuamem circulação. Já nos chegaram algumas. Espero que nestas duaslinhas ultrapassará as mil adesões.

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Olhe que há ferroviários que estão dispostos até a custear-secom 5 dias de trabalho.

Outra, do Povo, parece que também já corre.Não compreendemos porque se teima nos transportes da E.G.T.

Há interesses grandes, mas nós da C.P. não podemos pactuar comesses interesses misteriosos. É necessário servir o' Povo eservi-lo nas melhores condições. Se isto continuar assim, teremosde agir. Aventam-se já para aí hipóteses de repúdio contra essegénero de transportes.

Entretanto soubemos em algumas estações que o número debilhetes desceu cerca de 50% em relação há dois anos.

das Américas do Norte, da Europa e sei bem o que as vias férreasrepresentam para incrementar um país, uma região.

A Câmara Municipal de Viseu está no firme propósito deajudar a ~encer a luta.

Bei ras co-i nteressadas

Acabar, nunca!

Restaurar, sim!

Jaime Gralheiro, advogado distinto, «dramaturgo em carneviva» como lhe chamou Diniz-Jacinto, incansável lutador pelosinteresses das serranias do Vouga e integérrimo defensor da linhado Vale do Vouga, é agora também Presidente da Câmara de SãoPedra do Sul.

Era já tarde quando penetrámos no Seu gabinete camarário.Mângas arregaçadas, olhos vivos, gesticular fácil, logo nos aperce-

Apoiámos a campanha que se está a desenrolar para que o.nosso Vale do Vouga volte a silvar, mas sem fumo. Temos queacarínhar a ideia porque ela é também a nossa. O comboio faz faltaa toda a gente.

Assim começou por nos afirmar o Eng." Lino Moreira, Presi-dente da Comissão Administrativa de Viseu e acabado de chegar deuma longa viagem ao estrangeiro.

E prosseguindo:As camionetas nunca poderão substituir' uma linha, que não

só escoava rapidamente o transporte de passageiros como nuncadeixava armazenados nas Estações toneladas de mercadorias. Éinacreditável como se possa pensar que um transporte rodoviáriopossa satisfazer, nomeadamente nas mercadorias, uma vasta.região.

Não estamos, acrescentou, em posição de acabarmos com oVale do Vouga, mas sim restaurá-lo, principalmente numa regiãodo interior.

~. a,.terminar:Conheço grande parte do mundo.. designadamente do, Japão, são Pedro do Sul, pendurada nas faldas da Gralhelra, .6 mais uma terra

'que continua a- esperart«.

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bemos de que agora o marasmo em que viveu tão ridente concelho,se transformará numa ordem de trabalhos de rápida solução.

=- Então que me quer, meu homem? Talvez já saiba! ...Esboçámos um sorriso e mãos ao trabalho que o tempo é

dinheiro.- Escreva!Ordem delicada, mas, incisíva. Levanta-se da cadeira e

caminha cá-lá, lá-cá, olhos semi-cerrados e o pensamento sai-lhetumultuosamente calmo (paradoxo?).

- «Oproblema do Vale do Vouga, presentemente é um problemamais urgente do que era há dois anos. A situação agravou-se e criouuma nova acuidade após o 25 de Abril. Com efeito se antes nãose podia pensar no arranque sócio-económico da região sem umcomboio a valer, a verdade é que o marasmo e a apatia nacional,a rodos os níveis, levaram-nos naturalmente a descrer que o'regimevelho fosse capaz ou quisesse mesmo arrancar a região para oscaminhos do progresso. Os povos reivindicaram mas havia umacerta desesperança. Era reivindicar quase só para se mostrar quese estava vivo. Ninguém acreditava verdadeiramente que umgoverno ou um regime que fecha toda uma região sem ouvir osclamores dos seus povos, descrícíonaríamente, só porque a C.P. nãotinha lucro, ninguém acreditava que esse 'regime ou governovoltasse atrás e se pusesse ao lado do Povo contra o qual sempreestivera.

Agora, depois do 25 de Abril, nasceu um Portugal Novo, nãosó nas suas actividades, mas no coração de cada português. Aspessoas passaram a acreditar em si próprias e passaram a acre-ditar naqueles que fizeram a revolução. O clima de entusiasmogerado empurra as pessoas no sentido de ganharem em poucotempo, os 50 anos, que se perderam, O Povo quer arrancar e oPovo acredita que o Governo quer ava~çar com o Povo.

Assim, novas perspectivas se abrem a toda esta região., Nãoquer ficar para trás; quer ser digna de si própria na construção donovo País. 91',a, sem vias de acesso, isso não é possível. É urgenteligar a c.fi,a;~i~ade produtiva da região de Laf'ões aos mercadose liga!' os <c~Il:trosde abastecimento à região de Lafões. EstradaNacional ri.O, 1'6 se não servia, cada vez serve .menos, Os Povos

desde Aveiro até à Guarda têm urgência de se ligar uns aos outros.A Beira Litoral e a Beira Alta não podem faltar num processo devalorização e progresso separados. Uma depende da outra, comodois braços do mesmo corpo. Uma operação conjunta dos povosde toda esta zona, pelo menos de Viseu a Aveiro, impõe-se urgen-temente para já».

Substituição não satisfaz público

- Muito embora considere que a C.P. não estará na disposiçãoda reconversão da linha, o certo é que o comboio faz falta e ascamionetas não satisfazem, tanto quanto mé tenho apercebido, aspopulações. A substituição não satisfaz o público. Nós, com osrestantes concelhos, daremos tedo o apoio para ir de encontro aoslegítimos anseias do Povo. Quer o comboio, venha o comboio, masum comboio modernizado».

Este o pensar do Presidente da Comissão Administrativa deAgueda, um concelho a que tanta falta fez o comboio, quer noaspecto de transportes de passageiros quer, e, principalmente, node mercadorias.

Quanto a Aveiro, para além do que pode representar para aevolução do seu porto de mar, a falta do comboio também atectouo concelho.

O interesse no caso dos seus responsáveis está patenteado nainiciativa de promover uma reunião, a nível de Câmaras, a queadiante aludimos.

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Nunca existiu um projecto de via rápida, mas sim um risco Dum mapa!

DOIS DISTRITOSEM

MESA REDONDA

Page 81: Vouga Arriba... ou o Drama de Um Povo, de Daniel Rodrigues

Nõo se pode fazer o desenvolvimento

ócio-económico da região do Vouga

sem um moderno comboio

A Câmara de Aveiro, sob proposta de João Sarabando, resolveuli V ntar o grave problema da suspensão do Vale do Vouga. Poste-rlorm nte, a mesma Câmara, por proposta de Carlos Jerónimo,di IIb rou que se promovesse uma reunião a nível das Câmaras1ft tas ao Vale do Vouga, desde Aveiro a Víseu. Esta reunião teveI"';ora. lugar no salão nobre dos Paços do Concelho. Presentes todas

/I maras interessadas em resolver tão magno como pertinentenrobloma.

Todos os representantes apresentaram na sessão de trabalhosdi dois distritos o pensar das gentes dos seus concelhos. Todos, commil! ou menos dose de conhecimento do assunto, disseram das~nlV s consequências que adviriam da suspensão de uma linha1/\1 ligação de duas grandes regiões - a do Litoral e a da BeiraAltA, ambas complementos uma da outra.

O'representante de Viseu, após ter feito uma curiosa disserta-I ()sobre-o caminho do «Malhadinhas» salientou que as suas merca-dortas e as suas madeiras têm de ter um caminho servido pelo Valedo Vouga. Aveiro precisa de Viseu mas Viseu também precisa deAv ira e, principalmente, do seu porto. E só o pode utilizar sehouv r um bom transporte e esse transporte será o comboio.

* * *

0' presidente da Comissão Administrativa de S. Pedro do Sul,o dr. Jaime Gralheiro, o homem que mais de perto tem seguido odo Aj r» do Vale do Vouga, fez uma exposição, quer a nível

I' I{iona.lquer a nível concelhio das implicações que a suspensãotroux para toda a região desde Aveiro a Viseu.

No aspecto geral Jaime Gralheiro disse que o comboio é hoje111'" m ia de grande transporte. Nas zonas suburbanas o comboio

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leva duma só vez o que uma série de camionetas não transporta.O comboio não pode ser dispensável. NãO'é passível fazer o grandedesenvolvimento sócio-económico sem um bom cambaia. E na suaanálise profunda e bem deíineada, Jaime Gralheiro acrescentouque há a considerar a comboio para curtas distâncias e grandes dis-tâncias. Aquele serve apenas para as passageiras e este parapassageiras, mas essencialmente para tranportes de mercadorias.

Ora, disse, a Vale da Vouga, dadas as características daszonas que serve de Aveira a Viseu, participa destas duas grandesfacetas. De Aveira até Paradela da Vouga pode considerar-se umcomboio para pequenas distâncias. A partir daí será para_ as gran-des distâncias.

A inexistência de um bom comboio e de uma via rápida vemoriginar problemas de suma importância, trazendo uma sobrecargaà estrada n.? 16 já de si incomportável com um vulgar tráfego, poisnem sequer permite que dois veículos se cruzem em determinadoslocais.

Quanto à região, e mais concretamente ao concelho de S. Pedrodo Sul e Oliveira de Frades, apresentou toda uma panorâmica deve-ras confrangedora, não só na deficiência de transportes de passa-geiros como ainda e, principalmente" no transporte de mercadorias,nomeadamente no de adubos. Quanto a estes diria mesmo que oslavradores estão a pagar dois transportes: um até Santa CombaDãO' e outro desta às suas localidades, por não haver transporte,acrescida ainda de que a CUF já inclui o transporte até S. Pedro,ande a mercadoria, como é óbvio, não pode chegar no comboio. Asmercadorias que no comboio demoram apenas dois dias de Lisboa,agora chegam a demorar quinze. Acresce ainda que essas merca-dorias vêm, por vezes, misturadas com pesticidas ou mesma petró-leo, pois nas camionetas não pode haver lugar para separação, comosucedia com o comboio.

Apenas um terço de turistas

O problema de indústria, foi também outra caso que JaimeGralheiro explanou com muita acuidade. Não temos indústria e nem

, '

sequer podemos pensar em tê-la, porque ela está dependente dos

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m ios de transporte. Se já antes muitos industriais fugiam de aquivir investir, agora a caso é agravado, por não terem transportes,ó a existência de um comboio pode trazer para aqui boas indús-

trias».Quanto ao turismo, ao chamado turismo-social, Jaime Gra-

lheiro dissertou primeiramente sobre a potencialidade das Termasde S. Pedra do Sul que vão transformar-se dentro em breve pólo deatracção não só da' turismo dos ricos mas também da gente commenos possibilidades. E quanto a este facto disse que esta gentesó as poderá utilizar se tiver meios de transporte baratos. Ela aindanão tem carro e só o comboio a pode satisfazer.

E referindo-se ao impasse em que' tem estado O' turismo nestaprevilegiada região, e que se deve à falta de transporte, disse quepor uma estatística que viu há tempos publicada,' verificou queapenas um terço de turistas que entram por Vilar Formoso seatreve a percorrer as 500 curvas do Vale do Vouga. Ora se houvesseum bom comboio, esta regíão transformar-se-ia.

O triângulo - disse Jaime Gralheiro - que desde Aveiro,Espinho e Viseu se estende até à Guarda, principalmente a zonaNorte e com saídas para o Douro, se tivesse um bom comboio quefizesse ligação rápida, não só esta zona da Beira Alta, como a doDouro e de Aveiro seria altamente beneficiada. Aveiro passariaa ser um «interland». O porto de Aveiro passava a ser de factoum autêntico porta. Assim está desligada.

* *' *E entrando na análise «do Portugal Novo» que se está a cons-

truir, o dramaturgo de «carne viva», afirmaria aos seus colegas,que agora, mais do que nunca temos de nos bater pela vinda docomboio, O fascismo acabou com ele e acabou com ele parque nãolhe dava rendimento. Ele não podia dar porque já o tinha dado aolongo de meio século, onde nunca se investiu, apenas se quis explo-rar. Mas o Povo antes não acreditava: que lhe dessem novamenteQ comboio, porque se o fascismo acabou com ele é, porque o Governasabia que não dava rendimento à sua «mãezinha» C.P. ou à suaassociada. Mas nós agora temos uma grande responsabilidadeperante a Povo e essa responsabilidade tem de ser traduzida emfactos e eles terão de ser: dar-lhe a que os outros lhe tiraram.

151;

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'" '..o dr. Flávio Sardo, após várias considerações concernentes ao

seu concelho ligadas ao Vale do Vouga, debruçou-se sobre um todorelacionado com as possibilidades que advém para o porto de Aveirose houver um bom canal que rasgue as serras da Beira Alta até àspirâmides de sal. Por isso, o comboio não é só necessário como setorna urgente a sua reposição. Ele é necessário para haver umeínterlands entre Aveiro e as Beiras.

'" '" '"

o presidente da Comissão Administrativa de Vouzela disse quese espalha lá por cima o boato de que o Povo reclama a vinda docomboio, não porque isso lhe sirva, mas para que o Governo,perante estas lamentações, lhe traga a via rápida.

Quanto a este problema, Jaime Gralheiro voltou a intervir,explicando:

- Bem, quanto a isso, eu devo dizer, com muita pena, que oprojecto da tal via nunca existiu. Essa estrada, que até já se chamaestrada política, foi mais um «bluf» com que iludiram o Povo emépoca de eleições, porque eles ainda temiam um pouco as reacçõesdo Povo. Propagandeou-sa na Televisão e na Imprensa através doentão ministro das Comunicações, mas o certo é qU~ o que alifoi apontado era apenas um risco no mapa. Um projecto demoramuito tempo a fazer. Mais de dois anos. Ora atendendo a quepudesse vir a tal via rápida, que nunca substitui o comboio, íamosestar parados durante mais de seis anos? A estrada foi mais umtapar de olhos ao nosso Povo, que andou com eles encerradosdurante quase meio século!

.•. '" .Entrou-se depois na procura de soluções para restabelecer o

comboio. Mais uma vez Jaime Gralheiro apresentou soluções.Entre elas apontou:

- O comboio, para já, tem duas etapas: uma imediata e outraa curto prazo, podendo ainda considerar-se uma outra a longo prazo.

152

Quanto à primeira, é procurar inquirir da possibilidade de pôr duasou três máquinas «Diesel» em circulação. Para tanto, bastará tecni-camente saber-se qual a bitola da linha e as máquinas a utilizar,de acordo com essa bitola. É porque, desta maneira, já pode prestarmuito serviço aJOpúblico.

Depois, numa segunda fase, ver a possibilidade de .ir remo-delando a linha com rectificação de curvas, etc., trabalho esse quese pode fazer com o comboio' em circulação, como acontece nou-tras vias.

A longo prazo, então estudar-se-ia a possibilidade de uma vialarga e, possivelmente, sua electrificação.

'" '" '"

O dr. Flávio Sardo, depois de algumas considerações, propôsque fosse nomeada uma comissão à frente da qual figurasse JaimeGralheiro, proposta que de imediato foi aprovada. Dessa comissão,além doutras pessoas, farão parte um elemento de Viseu, de SãoPedra do Sul, Vouzela, Agueda e Aveiro, podendo-se fazer cercarde todos os elementos válidos que queiram dar um contributoem tão magno problema. Os três concelhos do distrito de Víseuencarregar-se-ão de fazer o estudo sócio-económico e os outroso técnico.

Entretanto, o primeiro daqueles estudos deverá estar prontoaté ao dia 10 do corrente e toda a correspondência pode ser dirigidapara a Câmara de Aveiro. Aceitam-se todas as sugestões e docu-mentos que se possam juntar ao importante processo, que serápresente ao Governo. A comissão pede mesmo que apareçamvoluntários que queiram trabalhar em prol de um caso que ator-menta toda uma vasta região.

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ALGUNSDOCUMENTOS

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Exposição enviada pela zona do Vouga

em Janeiro de 1973 ao então

Presidente da República

Ex.mo Sr. Presidente da República:

Os abaixo assinados, todos residentes nas áreas servidas peloextinto comboio do Vale do Vouga, vêm expor a V. Ex." o seguinte:

Foi a linha do Vale do Vouga aberta há mais de 50 anos.Com a sua abertura pretendeu-se pôr em contacto toda a zona

que vai de Viseu a Aveiro e Espinho (o Vale do Vouga) com oLitoral.

Acontece que ao longo dos anos a linha nunca mais sofreubeneficiações e desde que foi entregue à C.P. foi, pura e sim-plesmente, abandonada.

Não admira, por isso, que se tivesse tornado inadequada aotrânsito moderno, acabando mesmo por se tornar economicamentedeficitária a sua exploração. Nem outra coisa seria de esperardado que um investimento feito há mais de cinquenta anos, nãopodia continuar a dar lucro, pois há muito tempo já se amortizara.

Simplesmente a C.P. não o entendia assim. E, como respostaaos clamores das populações mal servidas, em vez de melhoraros serviços, aproveitou o facto de o comboio ter lançado um pavo-roso incêndio, no verão de 1972,para conseguir do Governo a suasuspensão provisória ... a qual se veio a tornar, depois, definitiva.

Como substituição montou um serviço de camionagem o qualÉ AINDA PIOR QUE O MAU SERVIÇO PRESTADO PELOCOMBOIO.

Com efeito:

a) - as camionetas não servem, nem podem servir, muitaspovoações que antes eram servidas pelo comboio;

b) - as camionetas não têm capacidade para transportar todasas mercadorias; assim:

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c) - as tarifas que antes demoravam 2 ou 3 dias a chegar aoseu destino, demoram, agora, 10 a 15 dias; além disso:

d) - Como vem tudo misturado, as mercadorias vêm juntascom produtos químicos (adubos ou pesticidas) que muitas vezesse derramam inutilizando, assim, aquelas, ou tornando-as grave-mente perigosas para a saúde pública.

e) - em dias de mercado ou feiras, muita gente fica em terra,por não ter lugar.

f) - Porque o percurso procura sobrepôr-se ao do comboio,sem o conseguir, as viagens são longas e incómodas.

g) - As estradas onde este percurso se processa são velhas,estreitas, com muita curva, e cobertas de geada, no inverno, o quetransforma cada viagem numa aventura.' .

Dado que estes inconvenientes afectam centenas de pessoastodos os dias (principalmente, estudantes, operários e pequenosagricultores) Os signatários depositam nas mãos de V; Ex." estaexposição, a fim de que o Chefe do Estado, conhecedor (muitosumariamente) dos grandes problemas de transportes que nos afli-gem, POSSA IMPôR UMA SOLUÇÃO JUSTA com vista aos interes-ses de toda a região.

Tal solução justa só pode ser, IMEDIATAMENTE, a reposiçãodo Vale do Vouga, com tracção diesel e rectificação, por fases,do seu antiquíssimo e anacrónico traçado.

De resto, a reposição do comboio, numa altura em que éurgente a poupança das fontes de energia (de acordo, aliás, com os

. insistentes pedidos feitos pelo Governo ao País) É UMA MEDIDAALTAMENTE ECONÓMICA, pois, um comboio só transporta maisgente e mercadorias que várias centenas de automóveis ou até,camionetas juntas;

O comboio é o meio de transporte mais barato para as grandesdistâncias e zonas suburbanas.

Ora, o comboio do Vale do Vouga, de Aveiro à Sernada ede Espinho-Sernada, dadas as especiais características industriaisda zona que serve, É UM VERDADEIRO TRANSPORTE SUBUR-BANO.

Daí até Viseu, funciona corno transporte de grandes distân-cias, tanto mais útil quanto é certo que esta região se encontra

particularmente estrangulada em vias de comunicação rodovíáríacapazes.

De passagem, embora, não queremos deixar de lembrar a V.Ex." a situação de injustiça que se mantém relativamente amilhares de pessoas afectadas pelo grande incêndio do Vale doVouga, as quais ainda não receberam as indemnizações a que têmdireito.

É certo que a C.P. faz vagas promessas de entendimento extra--judicial. A verdade, porém, é que as populações afectadas estãoem risco de terem de recorrer aos tribunais, encharcando estes comcentenas de acções, o que tudo' traz graves despesas aos interessa-dos ,e trabalho desnecessário aos serviços judiciais.

Na convicção de que V. Ex." tomará na devida conta estaexposição, a depositamos nas mãos de V. Ex.", nos termos do n.?18.0 do art.° 8.0 da Constituição Política.

Após O 211de Abril

Ex.mo Senhor Ministro da Coordenação Económica

As assinaturas que seguem representam, talvez, um milhãode Portugueses, habitando mais de duzentas freguesias dos Con-celhos de Espinho, Vila da Feira, S. João da Madeira, Oliveira deAzeméis, Vale de Cambra, Arouca, Castelo de Paiva, Albergaria-a--Velha, Sever do Vouga, Oliveira de Frades, Vouzela, Tondela,S. 'Pedro do Sul, Castro Daire, Lamego, Viseu, Sátão, Vila Nova dePaiva, Agueda, Anadia e Aveiro, servidas pela linha férrea do Valedo Vouga - única via de acesso para muitas e principal fonte devida para todos;

A pretexto do incêndio, na verdade pavoroso, que dizimouextensa área de florestas na região, a Empresa concessionáriaresolveu, com o beneplácito do Governo de então, obviamente,suprimir a circulação de comboios entre Aveíro e Viseu, reduzindoas nossas terras e as nossas gentes, já de si tão pobres, à mi-séria e desolação. Tal pretexto, entretanto, não-convenceu ninguém,

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até porque, morto O' comboio - e mortos não lançam fogos -os incêndios continuam a deflagrar quase diariamente durante oVerão, e só não tomam - QU não tomaram ainda - as proporçõesdaquele porque, felizmente, idênticas condições de calor, fortesventanias de nordeste e outras circunstâncias favoráveis o nãoproporcionaram.

A verdadeira sentença de morte do Vale do Vouga, Exce-lência, foi ditada pura e simplesmente, pelos resultados deficitáriosda sua exploração. Mas a verdade é que a nossa linha, antes deentregue à actual concessionária (em 1947) sempre se bastou a siprópria, graças a uma administração economicamente equilibradae, sem que, contudo, deixasse de servir o público como jamais eleservido foi, posteriormente.

Admitamos que a concorrência da estrada, já nesse tempoenorme, haja recrudescido. Mas que fez a C.P. para se lhe opôr?

- Suprimiu circulações e transferiu parte do material rolantepara outras linhas - anteriormente menos rentáveis do que a doVouga - algumas das quais reapetrechara com unidades motorasde moderno tipo e outros elementos úteis.

Seja, porém, como for, Excelência, a via férrea é um serviçopúblico para servir o público, servindo a economia Nacional, e,consequentemente, terá que ser encarada como tantos outrosserviços que, não tendo receitas próprias, são indispensáveis à vidado País, pelo que o erário público suporta os encargos inerentes.

Mas nós crêmos, Excelência, que o nosso Caminho de Ferro,embora à custa de um investimento de certa monta - sem dúvidamais elevado agora do que na oportunidade em que devia ter sidofeito - para reparação da via há dois anos abandonada (rectifi-cando-se algumas curvas de pequeno raio para permitir melhoresvelocidades); dotação de quatro máquinas <<DIESEL» (para umcomboio diário destinado ao transporte da Grande Velocidade eoutro tri-semanal em cada sentido, em dias alternados, para aPequena Velocidade); e meia dúzia de Automotoras «DIESEL--ELÉCTRICAS» com respectivos atrelados (para serviço de pas-sageiros) o nosso Caminho de Ferro, diziamos, ainda está a tempode recuperar o tráfego perdido e mesmo de criar novo tráfego,

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'explorando o Turismo nesta privilegiada região, tornando-se assim,se não altamente rentável, pelo menos auto-suficiente.

Excelência:Repetindo o grito de alma há muito soltado e jamais ouvido,

confiamos os nossos destinos e o das nossas terras ao Governo Pro-visôrio da Nação, certos de que, num propósito já amplamentedemonstrado de dar ao Povo o que é do Povo, nos fará Justiça. Eesperando-a firmemente, aqui deixamos bem expressas a V. Ex.a,as nossas homenagens de saudação e agradecimento.

/I'erras do Vouga, Maio de 1974.

do Sindicato Livredo Norte

Propostasdos Ferrovió rios

126/9/74)

Na reumao extraordinária da Comissão Administrativa doSindicato Livre dos Ferroviários do Norte de Portugal (Movimento,Tracção, Via e Obras e Serviços Regionais) efectuada na passadodia 11, foram debatidos os seguintes problemas:

I - Prevendo-se que as duas primeiras locomotivas a receberde Espanha, cheguem ao nosso País ainda no decorrer do mêsde Setembro de 1974, deliberou-se o seguinte:

11- Solicitar à Administração da Companhia o imediatoarranjo provisório do ramal de Sernada a Aveiro de forma a seremrealizadas no mesmo ramal as experiências julgadas convenientes,com as referidas locomotivas, logo após a sua recepção.

111- Fazer deslocar a Sernada do Vouga, num dos próximosdias, alguns dos elementos do Grupo de Trabalho, encarregados doestudo de horários de comboios, para, conjuntamente com a 9.;'Secção do Movimento, serem estudadas as possibilidades de prepa-ração de uma locomotiva a vapor e o necessário material rebocado

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(passageiros e de carga) para, no decorrer do mês de Outubro de1974, se reiniciar o serviço ferroviário no ramal de' Sernada aAveiro,

IV - Para possibilitar o lançamento do serviço atrás referido,torna-se indispensável afectar ao serviço do ramal as duas primei-ras locomotivas Diesel a receber que, com o apoio de uma locomo-tiva a vapor de reserva, se considera suficiente à prestação doserviço público de acordo com as necessidades de momento.

V - As restantes locomotivas Diesel a receber no decorrer dopróximo mês de Outubro seriam afectadas às linhas do Norte dePortugal onde o serviço se encontra assegurado embora deficiente-mente. D~, Norte de Portugal, seriam libertadas 4 locomotivas avapor da série 161/170 que passariam a fazer parte do parqueprivativo das linhas do Tua, uma, do Corgo, uma, e do Vouga duas.

RELATÓRIO

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Algumas soluções

Ficou acordado na reunião realizada em Aveíro entre os Edisdos concelhos do Vouga, desde a cidade de José Estêvão até àsalturas de Víriato, elaborar-se um pormenorizado estudo sobre osinconvenientes e prejuízos trazidos pela suspensão do comboio doVale do Vouga, a fim de se apresentar ao Governo. Esses trabalhosforam já enviados ao Dr. Jaime Gralheiro para a sua coordenação.

Porque nos pareceu oportuno, aquí deixamos transcrito oparecer, no que concerne ao estado da linha (actualmente) ela-borado pelo dinâmico Inspector Ferroviário, na situação de aposen-tado, sr. Joaquim Moreira Vinhas, homem bem conhecedor dosmeandros da vida ferroviária e o que representa para os povos asuspensão de uma linha.

Eis o relatório que o autor diz ser uma «modesta achega parao restabelecímento do serviço ferroviário nas linhas do Vale doVouga»:

À GUISA DE HISTóRIA

A linha férrea do Vale do Vouga, construída (e explorada nosprimeiros tempos) pela «Companhia Francesa para a Construçãoe Exploração de Caminhos de Ferro no Norte de Portugal», é umavia de bitoila métrica (indevidamente chamada via reduzida) amais aconselhada para vencer acentuados desníveis por mais fácilinserção nas encostas montanhosas, caso do Vale do Vouga, mor-mente entre Albergaria-a-Velha e Viseu - 88 quilómetros - rigo-rosamente metade do seu percurso total (141 km de Espinho aViseu e 35km entre Sernada e Aveíro).

Servindo muitas centenas de povoações, disseminadas por23 concelhos, dos Distritos de Aveiro e Viseu (Espinho, Feira,S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Vale de Cambra, Arouca,Castelo de Paiva, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Oliveira deFrades, Vouzela, Tondela, S. Pedro do Sul, Castro Daire, Lamego,Viseu, Satão, Vila Nova de Paiva, Agueda, Anadia, Aveiro, ílhavoe Vagos) serve, ainda que de forma menos directa, povoaçõesdos Distritos do Porto (Grijó, S. Félix da Marinha e outras do

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concelho de Gaia) , Coimbra (concelhos de Mira e Cantanhede) eGuarda (Gouveia, especialmente), região esta tão pobre de recur-sos, na generalidade, como rica de belezas naturais, pelo que, dadaesta última razão, a linha do Vale do Vouga é considerada e semfavor como a mais bonita das linhas férreas Portuguesas. De umtraçado caprichoso que melhor serve a panorâmica de sonho,é turística por essência. Contudo, nunca a correspondente e rendosaindústria foi explorada a sério, nem o poderia ser com o material- quer de reboque quer rebocável - tão velho como a próprialinha (60 anos no troço Aveiro-Viseu e 66 no de Espinho) materialesse que não oferece a comodidade e o asseio, exigíveis na épocaque vivemos e na .qual se integra o advento do Turismo em Portugal.

Administrada durante largos anos pela extinta e saudosaCompanhia do Vale do Vouga, nunca a sua exploração foi consi-derada deficitária nem careceu de subsídios, ou deixou de solveros seus compromissos, actualizando os seus serviços e estruturas,numa afirmação de que se bastava a si própria. Incorporada, apartir de 1 de Janeiro de 1947, numa Empresa magestática, logofoi votada ao mais completo abandono e, daí, o infinito cortejo dedeficiências e consequente fuga de tráfego, origem implícita dosdéfdcites, o que levou a Empresa concessionária a pensar em desfa-zer-se, a breve trecho, desta linha e de outras, como ela não-ren-táveis. Havia, apenas, que encontrar um pretexto, mais ou menosplausível, e, ele surgiu, para o Vale do Vouga, no pavoroso incêndiodeflagrado na noite de 19 para 20 de Agosto de 1972, e que, comrazão ou sem ela, se atribuiu a possível faúlha das locomotivasa carvão. Não foi difícil à Empresa conseguir o beneplácito daAutoridade Distrital de Aveiro (na pessoa do seu Governador Civilsubstituto em exercício) e, muito menos, de entidades preponderan-tes na situação deposta, pessoalmente interessadas na eliminaçãodo comboio que lhes perturbava o acesso às residências e proprie-dades, suspendendo-se, assim, o serviço entre Aveiro e Viseu apartir do dia 26 daquele mês e ano e mantendo-se apenas a circula-ção entre Sernada e Espinho, talvez porque as locomotivas a vapornão lançassem fogos naquela área pelo respeito que deviam aostrunfos políticos de Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis eSanta Maria de Lamas.

o. povo do Alto e Baixo Vouga, lesado com a decisão, reagia

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naturalmente, pedindo o apoio dasautarquias locais às razões qulhe assistiam, promovendo reuniões com as autoridades a todos osníveis, suplicando às pessoas influentes na política de então,crente de que todos apostariam na manutenção do seu comboio.Recebeu promessas, muitas promessas aparentemente sincerasentre sorrisos paternalistas, mas a morte do Vale do Vouga estavadecretada por interesses inconfessáveis de alguns em detrimentoda interesse de todos e havia de consumar-se inexoravelmente.

Breve, porém, ouvir-se-ia o dobre de finados do império damentira, e a nossa gente desperta do pesadelo que a amarfanhou,cantando, agora, aleluias de redenção, confiado na Nova Aurorade Verdade e Justiça que a madrugada de 25 de Abril lhe trouxe,gritando de novo:

QUEREMo.S O VALE DO Vo.UGA!!!

Tentemos dizê-lo, na medida das nossas possibilidades, come-çando pelo Estado da via:

.Há dois anos abandonada, entre ervas e silvados, os carrissoterrados em algumas estações (por terras sobre eles lançadaspara possibilitar o aceso dos autocarros ora em serviço, às plata-formas) e nas passagens de nível (pelas poeiras e areia dasestradas, que jamais foram limpas) essa via, que hoje custariamuitas centenas de milhões de escudos, oferece, aos olhos de quempassa, um aspecto desolador. Mas a desolação é bem maior paraquem, sabendo-a património nacional, assiste à subversão .daquelaenorme obra do erário público, sem proveito para ninguém.

O ESTADO.DAS PONTES:

Em betão armado (salvo a de Eirol e alguns pequenos pontõesde estrutura metálica), encontram-se em perfeito estado, nãoconstituindo problema para a circulação. Entretanto à rodovia(se bem que mantendo lugar para os carris) e faltam somente dozemetros de conclusão do respectivo taboleiro alargado, o que,segundo cremos e ao ritmo a que os trabalhos decorrem, demorarápouco mais de um mês. É, pois, necessário considerar e desde'já a montagem dos carris retirados, antes de iniciada a superestru-

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o ESTADO DO MATERIAL CIRCULANTE:

perdido e tornando assim em rentável a linha deficitária. Esteplano implicaria, sabemo-lo, vultoso investimento de capital mas,porque feito gradualmente e durante alguns anos, na parte relativaà via (a parte mais importante desse investimento) talvez fosse'de considerar, embora a médio ou longo prazo. De considerar,também, o déficite anual da ordem dos 25000000$00que a Empresasuporta com o serviço de camionagem (quase totalmente de alu-guer) que substitui, presentemente, o ferroviário entre Aveiro eViseu, ,e que desapareceria.

tura betuminosa, para poupar / esta aos malefícios daquela econsequentes despesas. E parece oportuno esclarecer que não háinconveniente no uso desta obra de arte em serviço misto - ferro--rodoviário - mediante a implantação de um par de cancelas bas-culantes no limite dos acessos, manobradas da estação e conjugadascom sinais luminosos, tudo isto com um pequeno dispêndio.

O de reboque está condenado, quer pela sua dispendiosaalimentação (a carvão) quer pela possibilidade de provocar incên-dios nas matas que atravessa. O'rebocável, embora velho também,pode servir ainda por muito tempo, se não em condições óptimas,pelo menos sofríveis. Algum deste foi retirado pela concessionáriapara servir outras linhas e teria que voltar à sua origem.

SOLUÇÃOB:

SOLUÇÃOA:

Vistoria geral da linha, sua limpesa e nivelamento e possívelsubstituição de alguns carris e travessas, podendo servir para istoo material retirado da renovação da linha Porto-Lisboa, recente-mente realizado, substituindo-se depois e por ocasião das «revistasmetódicas» parte do piso, em terra e areia, por brita retirada darenovação antes referida, muita da qual se encontra ali bem perto,ao longo da linha entre Espinho e Granja. A brita oferece maisestabilidade e evita o levantamento de poeiras pelos comboiosem marcha, tornando mais cómoda a viajem aos passageiros.

Havia, aindavque vistoriar os aparelhos de sinalização, pintan-do-se alguns de novo;

Que concluir os trabalhos em curso na ponte sobre o Vouga,em Sernada;

Que dotar a linha das locomotivas e automotoras previstaspara a solução «A» tendo-se porém em conta que, mantidas, nestecaso, as curvas de pequeno raio, aquelas automotoras não devemultrapassar o comprimento total de 14 metros e, assentes sobrebogies como é normal, não devem medir mais de 8,5 metros entreeixos.

Vamos, entretanto, à

O ESTADO DO MATERIAL DE TELECOMUNICAÇÕESE SINALIZAÇÃO,EM PERFEITAS CONDIÇÕESDE SERVIR

Posto isto, assim ao correr da máquina, três soluções distintasse nos apresentam para corporizar o objectivo que nos move: oressurgimento do Caminho de Ferro do Vale do Vouga,

E são elas:

Renovação total da via, incluindo a rectificação de algumascurvas, de raio francamente escasso; fornecimento de cinco loco-motivas Diesel (para comboios mercadorias e mistos, deslocaçãode grandes massas populares sobre os mercados e romarias, trans-porte de tropas e mancebos, etc.) e de seis unidades motoras duplasDiesel - sigla U.D.D. desde há muito em serviço na via larga -(para comboios ligeiros de passageiros) e de algumas carruagensmodernas, em duralumínio, do tipo fabricado pela indústria nacio-nal (Sorefame).

Deste modo teríamos no Vale do Vouga o caminho de ferroque' a região merece e que lhe garantiria velocidades de concor-.rêncla, comodidade e asseio, permitindo encarar-se uma exploração,em grande escala, do turismo regional, recaptando-se o tráfego

SOLUÇÃOC:

A mais económica, obviamente, e de equação imediata.Consistiria ela na utilização do material rebocâvel existente,

bastando, portanto, o fornecimento exclusivo de cinco locomotivasDiesel que assegurariam um gráfico de cinco comboios diáriosentre Aveiroe Sernadae de quatro entre Sernada e Viseu.

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Quanto à via, seria de considerar o que se preconiza para aSolução «B», o mesmo sucedendo quanto à ponte de Sernada ematerial de sinalização.

Relativamente às locomotivas Diesel desejadas, sabe-se que aEmpresa acaba de adquirir seis destas unidades, com 19 anos deuso, em Espanhae que se destinam às linhas do Norte de Portugal(Porto-Póvoa-Famalicão e Senhora da Hora a Fafe). A verdade,porém, é que tais locomotivas apenas podem ser utilizadas nesteúltimo troço, sabendo-se que o seu peso sobre eixo é superior a10T e que a ponte sobre o rio Ave, em Vila do Conde, as não supor-tará. Para a linha do Vouga servem e resolveriam, para já, oproblema que nos aflige. Mais tarde poderiamos chegar ao previstona Solução «E», desde que a C.P. adquira, como pretende, 16 unida-des U.D.D. às fábricas italianas Fiat, destinadas àquelas linhas doNorte, as quais dispensariam sete automotoras de construção holan-deza - ALLAN - e respectivos atrelados, que ali circulam hácerca de 20 anos mas que, juntas às locomotivas acabadas dereceber de Espanha (velhas também mas sofrivelmente reparadassegundo consta) poderiam satisfazer a nossa modesta aspiração.

Esclareçamos que as 16 unidades U.D.D. acima citadas aindanão estão em fabrico por virtude de o respectivo contrato, - novalor de 55 0000"00$00- não ter sido, oportunamente, tornadofirme e, agora, a fábrica exigir um acréscimo de 30%, elevando-opara mais de 70000000$00. Deste modo e enquanto o assuntonão for resolvido (e terá de o ser o mais depressa possível, antesque novos acréscimos se verifiquem ao valor do contrato) chegamosà seguinte

CONCLUSÃO

Seja adoptada, tão imediatamente quanto possível, a Solução«C» deste modesto trabalho, dando-se, assim, satisfação aos desejosde muitos milhares de Portugueses que reclamam e merecemo-seu comboio, o seu VALE DO VOUGA.

Albergaria-a-Velha, 16 de Julho de 1974

JOAQUIM MOREIRA VINHAS

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NÚMEROS

CURIOSIDADES QUE FALAM

Diz-se que a linha do Vale do Vouga se encerr?u .por falta ~erentabilidade. Porém, não se procura elucidar o pu~li~o da raza~desse fenómeno. Como também não se diz, não se dizia, porque~eque a C.P. apresentava nos seus relatórios déficits. Talvez sejaoportuno aqui referir o que há tempos ouvimo.s da boca de, respon-sáveis do Sindicato dos Ferroviários. A partir de 1.969.~te 1971 aC.P. ofereceu dugares a mais de uma centena de indivíduos que.começaram a ganhar mensalmente na ordem dos 15 a 2Ocont~s.Mais; quase todos estes tuncionários, estes distintos (!) func~~"nários, eram reformados de empresas ou do Estado. Que ren~ablh-dade podiam dar estes homens? Mas os 20 contos esses e quesaiem dos cofres da C.P. L. .

Segundo uma estatística apresentada no Boletim da C.P.podemos verificar que a linha do Vale do Vouga era algo quer.epresentava bastante antes de ser incor~or~da na C.P,.

O quadro que se segue é bem elucidatívo e respeita a 1947,data da tal incorporação:

Passageiros )\1ercadnrias

Comprimento Bilhetes ven- Carga expe-Linhas em didns nas dida nas

quilómetros estações estações(milhares) (toneladas)

Linha da Beira Alta 252,2 1.014,7 225.387,3

Linha de S.ta Comba/Viseu 49,2 233,7 91.999,9

LINHA DO VALE DO VOUGA 140,4 1.089,5 19.450,0

Linha do Tua 133,1 292,0 32.509,1

Linha de Guimarães 82,9 1.927,5 40.488,3

Linha do Litoral do Mínho 24,0 624,6 5.735,9

Linha de' Famalicão 29,3 88,9 3.854,1

RAMAL DA SERNADA 37,1 208,6 28.470,3

Ramal de Leixões 6,5 352,6 35.172,2

Linha do 'I'âmega 34,6 75,1 13.227,6

Linha do Corgo 96,2 344,0 44.108,1

Linha do Sabor 105,3 88,5 17.398,6

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Dia Nacional

do

Trabalho no Vouga

Enxadas no ar são já prelúdio de vitória?!

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Um povo unido

jamais será vencido!

Tínhamos já o Iivro na tipografia quando surgiu o DiaNacional do Trabalho. Impunha-se a junção de mais uma peça,como cúpula do querer e da generosidade do Povo do Vouga.

De Aveiro a Viseu, largas centenas de voluntários, desde acriança ao velhinho, do médico ao ferroviário, do sacerdote aoreformado, trabalharam na restauração e limpeza da «sua» linha.Uns 20 quilómetros de linha foram, assim, apenas num dia, postos

o l'ovo do Vou!:,a cerca quem (julga) o poderá ajudar na dura batalha daconquista do Vale do Vouga

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a funcionar. Houve mesmo quem trabalhasse nesse memorável diade unidade, mais de 15 horas.

Registamos mais alguns depoimentos entre a multidão, quesão a síntese do que pensam, continuam a pensar, esses milharesde pessoas a quem a falta do comboio representa qualquer coisacomo Ü' pão para a boca.

* * *

- Já limpei toda a ponte, essa obra de arte que é uma penaestar a estragar-se - dizia-nos o professor aposentado, sr. AlfredoPaulino corri a provecta idade de 83 anos.

- Sabe, tenho saudade do comboio. Eu bem vejo a falta quefaz a esta gente - remata-nos aquele professor aposentado, olhandoa ponte de São Pedro do Sul.

- Tenho 73 anos, mas trabalho nisto com muito gosto porquebem sei a falta que nos fez o comboio - desabafa a sr." Margaridade Jesus logo corroborada pela sr." Maria do Carmo com 74 anos.Até para ir buscar a pensão do meu falecido, a Albergaria, me fazfalta. Só são 429$00, mas vai fazendo jeito!

E o Francisco Coelho da Silva, Joaquim António e Agos-tinho da Silva, estes de 69 anos e aquele de 72, encostados àenxada, também nos mostraram claramente o drama em que têmvivido por falta de transportes condignos e eficientes.

- Olhe que esta gente, diz-nos o sr. Vinhas, até está dispostaa trabalhar um dia por mês na restauração e manutenção da linha,desde que lhe afiancem que o comboio volta.

Crianças, aleijados, ferroviários aposentados e no activo,gente das aldeias, era impressionante a sua atitude.

Uma jornada que atesta ao Governo a necessidade urgente dorestabelecimento dos transportes através do comboio ou de locomo-tivas diesel. Quem não acreditava, estará agora plenamente con-vencido que o Povo não vai apenas em saudosismo. Ele quandoreclama é porque já está com carradas de razão, no seu própriolinguajar,

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Antes, as palavras

Agora, os factos? I

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o fim de um princípio?!

Povos, do Baixo e Alto Vouga, aqui vos deixo um trabalho quefoi escrito para vós e por vós, olhando o drama que vos tematormentado.

Ao menos que vos fique a certeza que alguém pugnou pelosvossos interesses fazendo eco dos vossos anseios. Procuramospatentear a injustiça que não receou deixar cair o cutelo sobrecabeças, porventura, encanecidas.

Mais não podemos fazer. Este trabalho é fruto de muitas noitesroubadas ao sono, após um dia de intenso labor ao serviço daprofissão.

O comboio voltará, temos quase a certeza, mas se não vier,resta-nos a consolação de desmascararmos uma atitude, uma deter-minação que apenas (e só apenas) teve como fundamento ampliarainda mais o empório de meia dúzia de capitalistas, servindo vósde sopé. Que são essas empresas de camionagem senão um sorve-douro dos capitais da C.P.? E quem faz parte desse potentado?Quem fazia? Talvez esta pergunta se coadune melhor.

Gentes do Vouga, missão cumprida, resta-nos esperar que oshomens do 25 de Abril, que antes se tornaram nossos paladinos,dêem agora o seu beneplácito a uma causa que é do Povo e sóao Povo deye pertencer, ou então a Democracia é palavra vã. Nãoserá! Não queremos que seja! Não há-de ser! O fim de umprincípio chegará! A vitória já sorri!...

Outubro de 1974

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