vivÊncias e convivÊncias no colipete 2018, sÃo luÍs do ... · engajado de thich nhat hanh,...

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Daniela Rosante Gomes IAÇÁ: Artes da Cena | Vol. III| n. 1 | ano 2020 ISSN 2595-2781 100 VIVÊNCIAS E CONVIVÊNCIAS NO COLIPETE 2018, SÃO LUÍS DO MARANHÃO: Revisitando memórias para pensar pedagogias utópicas em tempos de distopias EXPERIENCES AND CONVIVENCES IN COLIPETTE 2018, SÃO LUIS DO MARANHÃO: Revisiting memories to think utopian pedagogies in times of dystopias Daniela Rosante Gomes [email protected] UDESC, UFT Resumo: O presente artigo tem suas reflexões tecidas a partir do cruzamento de memórias da autora, tomando como ponto de partida o COLIPETE 2018: II Colóquio Internacional de Pedagogia em Teatro, ocorrido em junho de 2018 na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com a temática: “Territórios em Pedagogia do Teatro: Discussões teóricas e práticas em diferentes contextos”. A partir de memórias que se ligam à reflexão sobre o momento do país, sobre o evento, sobre a cidade de São Luís em diferentes tempos e sobre suas próprias vivências, a autora relata suas práticas de formação enquanto artista e docente, no exercício de uma escrita que passeia sobre o sensível e uma educação dos sentidos, proposta poeticamente por Rubem Alves. Nos caminhos de uma pedagogia engajada Freireana tomada pela perspectiva do feminismo de Bell Hooks. Palavras-chave: COLIPETE, Formação Artística, Pedagogia Do Teatro, Pedagogia Engajada, Educação Dos Sentidos. Abstract: This article has its reflections woven from the intersection of the author's memories, taking as its starting point the COLIPETE 2018: II International Colloquium of Pedagogy in Theater, held in June 2018 at the Federal University of Maranhão (UFMA) with the theme: “Territories in Theater Pedagogy: Theoretical and Practical Discussions in Different Contexts”. From memories that are linked to the reflection about the moment of the country, about the event, about the city of São Luís at different times,about their own experiences, the author relates her training practices as an artist and teacher, in the exercise of a writing that goes over the sensibility and an education of the senses, proposed poetically by Rubem Alves. In the ways of a Freirean engaged pedagogy taken by Bell Hooks perspective of feminism. Keywords: COLIPETE, artistic training, theater pedagogy, deceived pedagogy, sensory education. Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar! Angela Yvone Davis Este artigo trabalha sobre os sentidos e, portanto, sobre o sensível. Parte da narrativa das experiências vivenciadas em São Luís do Maranhão para evocar outras memórias e

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Page 1: VIVÊNCIAS E CONVIVÊNCIAS NO COLIPETE 2018, SÃO LUÍS DO ... · engajado de Thich Nhat Hanh, focada na prática e na contemplação, posto que considera as múltiplas dimensões

Daniela Rosante Gomes

IAÇÁ: Artes da Cena | Vol. III| n. 1 | ano 2020 ISSN 2595-2781

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VIVÊNCIASECONVIVÊNCIASNOCOLIPETE2018,SÃOLUÍSDOMARANHÃO:Revisitandomemóriasparapensarpedagogiasutópicasemtemposdedistopias

EXPERIENCESANDCONVIVENCESINCOLIPETTE2018,SÃOLUISDOMARANHÃO:

Revisitingmemoriestothinkutopianpedagogiesintimesofdystopias

[email protected]

UDESC,UFT

Resumo:O presente artigo tem suas reflexões tecidas a partir do cruzamento de memórias da autora,tomando como ponto de partida o COLIPETE 2018: II Colóquio Internacional de Pedagogia emTeatro,ocorridoemjunhode2018naUniversidadeFederaldoMaranhão(UFMA)comatemática:“TerritóriosemPedagogiadoTeatro:Discussões teóricasepráticasemdiferentescontextos”.Apartir dememóriasque se ligamà reflexão sobreomomentodopaís, sobreoevento, sobreacidade de São Luís em diferentes tempos e sobre suas próprias vivências, a autora relata suaspráticasdeformaçãoenquantoartistaedocente,noexercíciodeumaescritaquepasseiasobreosensíveleumaeducaçãodossentidos,propostapoeticamenteporRubemAlves.NoscaminhosdeumapedagogiaengajadaFreireanatomadapelaperspectivadofeminismodeBellHooks.Palavras-chave: COLIPETE, Formação Artística, Pedagogia Do Teatro, Pedagogia Engajada,EducaçãoDosSentidos.Abstract:Thisarticlehasitsreflectionswovenfromtheintersectionoftheauthor'smemories,takingasitsstartingpointtheCOLIPETE2018:IIInternationalColloquiumofPedagogyinTheater,heldinJune2018 at the Federal University of Maranhão (UFMA) with the theme: “Territories in TheaterPedagogy: Theoretical andPracticalDiscussions inDifferentContexts”. Frommemories that arelinkedtothereflectionaboutthemomentofthecountry,abouttheevent,aboutthecityofSãoLuísatdifferenttimes,abouttheirownexperiences,theauthorrelateshertrainingpracticesasanartistandteacher, intheexerciseofawritingthatgoesoverthesensibilityandaneducationofthe senses, proposed poetically by Rubem Alves. In the ways of a Freirean engaged pedagogytakenbyBellHooksperspectiveoffeminism.Keywords:COLIPETE,artistictraining,theaterpedagogy,deceivedpedagogy,sensoryeducation.

Nãoaceitomaisascoisasquenãopossomudar,estoumudandoascoisasquenãopossoaceitar!

AngelaYvoneDavis

Esteartigotrabalhasobreossentidose,portanto,sobreosensível.Partedanarrativadas

experiências vivenciadas em São Luís do Maranhão para evocar outras memórias e

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VIVÊNCIAS E CONVIVÊNCIAS NO COLIPETE 2018, SÃO LUÍS DO MARANHÃO: Revisitando memórias para pensar pedagogias utópicas em tempos de distopias

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acontecimentos que ajudam a refletir sobre a formação de uma artista-arteira, educadora e

pesquisadoraemdiferentescontextos.Umaeducadoraqueprecisaresistir.Existindo!Aproposta

érefletirdeformalabiríntica,porquesãomuitososcaminhosquelevamaoconhecimento.Eos

conhecimentos,tambémsãomuitos!Tenhovivenciadoevenhorefletindosobreaspossibilidades

deconheceromundo(visíveleinvisível)einteragircomeleesuasperplexidadesatravésdeuma

educaçãodosensível,sobreaqualaprendomuitocomascrianças,comaspoetaseospoetase

comocontatoespontâneoedesinteressado(nãoutilitarista)comasgentes.

Interesso-mepeloencontrocomaspessoasnoquetêmdepoesiaedepossibilidades,de

diferençasepar-essências,debenessesemazelasnessesviveresdavidaque-duravida!-precisa

de invençãoe resiliência.Aprendernãoéapenas verbobitransitivo inscritonopapeldenossas

gramáticas (aprender, aprender a). Aprendemos juntos. Aprendemos com. E aprendemos para

algumacoisa.Aprendemosconectadosaumarealidadequepossaconferirsentidosàprópriavida.

Sentidos que, além de expandir a vida, podem preservá-la!, semente que são daquilo que virá

depois(comosomosnósosfrutosdoquefoisemeadoantes).Então,eapesardostantosnósde

nossaexistênciaedosaidenósdiantedetodaumaestranhaconjuntura,queroacreditarquea

vidaquerviver,eporissoéprecisor(e)existir!

Intuoumapoéticano ver, no viver, no sentir, noexistir nomundoquepareceessencial

investigare incentivarnaspedagogiasdetodaáreadoconhecimentohumano, independentede

estaremfocadasnaáreaartística,masmaisespecialmenteaindaquandoestão,comoéocasoda

PedagogiadoTeatro.DizopoetaMuriloMendes:“Todohomemépoetaentreosquinzeevinte

anos. A nova educação deve fazer do homemumpoeta em todas as idades, semque lhe seja

necessário escrever versos. Viver a poesia é muito mais necessário que escrevê-la” (MENDES,

apud ALVES, 2012, p.32). Na era dos tarja pretas, dos conformismos, das impotências e das

virtualidades,avidapedecadavezmaispor inventividade,presença,poesiaeoutras formasde

olhar, de sentir ede seenvolver e se comprometer comomundo.De formapoética.Artística.

RecordandoNietszsche aodizer queprecisamosdaArtepranãomorrer da verdade.UmaArte

com“A”maiúsculomesmo.

As labirínticas reflexões do artigo (como labiríntica é a vida), são tecidas a partir do

cruzamento de memórias, e tomam como ponto de partida o COLIPETE 2018: II Colóquio

Internacional de Pedagogia em Teatro, ocorrido em junho de 2018 naUniversidade Federal do

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Maranhão (UFMA) com a temática: “Territórios em Pedagogia do Teatro: Discussões teóricas e

práticas em diferentes contextos” (ocorrido em junho de 2018). Reflexõesmemoriosas tecidas

também em diálogo com a temática do presente dossiê: “Pedagogia das Artes Cênicas: como

ainda(re)existir?1

TomoaobraEnsinandoatransgredir:aeducaçãocomopráticadaliberdadedeBellHooks

(2017)comopremissa-referênciadoartigoedavida,emaranhadaqueestánopensamento-ação

deoutrasmestraseoutrosmestresquemeinspiram.Nasreflexões-memóriasdeHooksvemosa

pedagogia engajada Freireana ampliar-se na vivência de uma educadora estadunidense

consideradaperiférica,mulhernegraemilitantedeumfeminismoquenãosesenterepresentado

pelastradicionaiscorrentesfeministasque,importantesepioneiras,aindaassimnãoconseguiram

abarcararealidadedeHookseoutrastantasmulheresemsuascondições.

Nareferidaobra,éatravésdorelatodesuasvivênciasqueBellHookspropõepensaruma

pedagogia não apenas progressiva e emancipatória, mas holística, de uma ordem

verdadeiramente espiritual e erótica, no que tem de pulsão com o compromisso de uma

constante autoresponsabilização dos sujeitos do processo ensino-aprendizagem (aquilo que ela

chama de autoatualização). Uma forma de interação que gera bem estar, por promover a

interconexãodosconhecimentosdeformacoerentecomavidaemsuarealidadecotidiana.Um

processo em que não se busca “somente o conhecimento que está nos livros,mas também o

conhecimento acerca de como viver no mundo” (2017, p.27), tomando suas condições e

contradiçõesapartirdaquiloqueavidaoraapresenta.

Hooksfalasobaperspectivadeumaeducaçãomulticultural,quealémdeabraçarosseres,

deveabraçartodosossabereshojeexcluídospelossistemasdedominaçãovigentes,refletidosnas

práticas educacionais tradicionais autoritárias assentadas no conteudismo. Uma pedagogia

engajada apoiada em práticas nas quais saberes, vida profissional e pessoal, assim como as

dimensões corpo-mente-espírito, são tomados em conjunto, fortalecendo e capacitando os

envolvidosaviveremmelhoravida, seja individualmente, seja coletivamente, jáqueumacoisa

1Importanteexplicarqueestetextofoiescritoemsuaprimeiraversãoem2018,efoiapresentadoprimeiramenteparapublicaçãonosAnaisdopróprioCOLIPETEem2018.Noentanto,eportersidoenviadoforadoprazo,seguiunagaveta.Retomei-oemsetembrode2019,motivadapelapossibilidadedesuapublicaçãonestedossiêdarevistaIAÇÁ,ArtesdaCena(Dossiên.3publicadoemparceriacomoVIEncontroNacionaldePedagogiadasArtesCênicas,realizadoemmaiode2019naUniversidadeFederaldoAmapá).OperíododeescritaabrangeummomentoderetrocessonalegislaçãoedeumasériedeviolênciasqueficarãomarcadasnahistóriadoBrasiledomundocomoumperíododedistopias,acomeçarpelasquestõesqueenvolvemoprocessoeleitoralde2018.

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não é possível sem a outra. Uma pedagogia portanto, assumidamente iniciada nas práticas

pedagógicasdeseuantigoprofessor,PauloFreire,queincorporatambémafilosofiadobudismo

engajado de Thich Nhat Hanh, focada na prática e na contemplação, posto que considera as

múltiplasdimensõesdoviverhumanodeformaintegrada.SegundoHooks,afilosofiadeTichNhat

Hanh “é semelhante à insistência de Freire na ‘práxis’: agir e refletir sobre omundo a fim de

modificá-lo” (2017,p.26).Buscandobemestarparatodasetodos.Enãosóparaalguns.Sobos

maisdiferentespontosdevista.

AlémdeHooks,tomocomoreferênciaparaavida,eportanto,paraestaescrita,afilosofia

da educação de RubemAlves inscrita na obraA Educação dos Sentidos eMais..., desenvolvida

sobreapremissadeumaeducaçãodosensíveledossentidos.RubemAlveséummestrequehá

muitosanosmeensinoupelaforma-conteúdo-artístico-amorosadeseusescritosque“Ossentidos

seeducamaoseremtocadospelapoesia”(2017,p.43).Ouseja:pelaArteepelavivênciaquese

assumesensíveleengajadacomuma realidade,emconstantemovimentodeatualização. Lição

queBellHooks fortalece retomandoosanseiosmaisprimordiaisdeantigosmestresna lutapor

liberdade,dignidadee justiça,nãoapenascomopalavrasrepetidas jogadasaovento,mascomo

exercíciodeumapráticaquesefaztodososdias, todasashoras,acadaminuto,nosespaçose

temposemque,teimando,insistimosemseguirvivendo,aoexistir.

Nestetexto,comonaslinhaseentrelinhasdavida,procurorealizarumaescritabrincante

queencontraressonância:1)nesseprocessoeducacionalengajadoeeróticocomprometidocomo

bemestar individuale coletivo, aautorealizaçãopropostaporBellHooks;2)nessapropostade

educação do sensível e dos sentidos igualmente engajada e erótica proposta por RubemAlves

atravésdaquiloquemepareceseruma...pedagogiapoética!

Essemestre, velhomenino grande que se sabe pequeno, nos fala que a capacidade de

brincarpodeseraprendida.Equeesseaprendizadotemavercom:“acapacidadedeocorposer

erotizado pelas coisas à sua volta, de sentir prazer nelas” (2012, p.20). Sempre acreditei nessa

visão de mundo do saudoso mestre-poeta ao citar outres2que como ele sentiam, intuíam e

2Outres,todes,colegueseoutrasformasdeescritaquenestetextoseguem,podemparecerestranhasaalgumleitorquenãoestejapordentrodeste,quesetornouumdosrecursosdelutanocampodasquestõesdegênero.Aescritaseamolda,criaumvocabuláriopróprio,produzestranhamentosetodaumapoética(umalinguagem)paraforadoscânonesdalínguaditaoficial.Destaforma,essaeoutrasexpressõesreferem-seaomeurecenteautodesafiodeexercitaraescritaemdiferentesperspectivas.Alémdacolocaçãodo“e”nolugardasvogais“a”e“o”,amesmapropostaocorretambémcomousoletra“x”oupelocaractere“@”(outrxs,outr@s).Esclareçoquemeuentendimentoseformaacadadia,nodevirdecadaencontroeouacontecimento.Assim,sigoaprendendo

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manifestavamomesmoentendimento.ErecordosuaspalavrasaoevocarRolandBarthesquando

sugeria que “a educação dos sentidos fosse semelhante ao Kama Sutra, o ensino das várias

posições possíveis de se fazer amor com o mundo” (ALVES, 2012, p.20). Acredito nesse fazer

Amor.Intuo,penso,sinto,percebo,vivencioque:r(e)existimosfazendoAmorcomomundo.Um

Amorescritocomamesma letramaiúsculacomqueescrevemos,vivemos,sentimos, fazemose

intuímosanossaArte.

CHEGANÇAS...APRIMEIRACOMUNIDADE:ACASA

NãoexistesalvaçãopraessapobrehumanidadequenãosejaocaminhodessesMestresdaVidaViva3.

CarlosGomide

Na última hora, apenas dois dias antes da viagem, um sábado a tarde, abro um e-mail

dizendoqueminhareservanohostelondeficariaemSãoLuísdoMaranhãohaviasidocancelada.

Tentei organizar outros lugaresmas os valores estavam bemmais altos, de forma que eu não

poderia arcar com os custos. Quase desisti da viagem. Não sou de fazer isso,mas 2018 vinha

sendoumanodifícilemváriossentidos.AmudançadoNorteparao litoraldoSuldopaís,com

todaafamília,incluindoocachorro,parafazerodoutorado.Anegativadoacompanhamentode

cônjugeporumerrojudiciário,ficandosozinhacomascriançasnanovacidadedesdenovembro

de2017.Aadaptaçãodos filhos,montare fazer funcionarumacasa,a (não)rotina,asaulasdo

doutorado, apesquisade camponoNordestee Sudestee... umagravideznadaplanejada,mas

muitobemvinda!Solitáriagravidez.

linguagens,procurandomenosvalorizaragramáticadoslivrosedaacademiadoquevalorizaragramáticadasgentesedeseusmovimentosembuscaderespeitoeembuscadeumespaçoparaexistirem.Literalmente:existirem!,sepensarmosnareferidalutaderespeitoàpreservaçãodavida(permanecerviv@)travadanopaísemquemaismachuca,tortura,violentaematapessoasquenãoseenquadramnatradicionaldivisãodegêneros:(femininoemasculino,homememulher.Umadivisãoquesempreexcluiuasingularidadedemilhõesdepessoasaolongodahistória.Eaquinemestoumereferindoeincluindooscrimesdeviolênciacontraamulher,geradoresdeoutrafábuladeestatísticasquedeveriamfazertodaequalquercriaturahumanasecomprometeradiscutireencamparalutaporcondiçõesdeigualdadeedignidadehumana.3AexpressãoVidaVivatraduzumavisãodemundoassociadaaosmestresemestrasqueinfluenciaramafamíliaCarroçadeMamulengosemsuaspráticaseprincípios,servindodealicerceparatodaumaéticanosmodosdevereviveravidaeproduzirArte.Umaespéciedeutopiaquenosfalasobrerespeito,dignidadehumanaejustiçasocial.Umaespéciedevivênciaemqueafamíliabuscousercoerentecomosprincípiosquepregava,aexemplodaopçãodeseremvegetarianos.Inicialmenteaexpressãofoiusadaparasereferiràsoficinasdeproduçãodealimento(cural,pamonha,pédemoleque,farinha,etc.)realizadasempraçaabertacomopúblicopresentepreparandooalimento,compartilhadoaofinaldaoficina.

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Eu, mulher, 40 anos, artista-arteira, educadora-sonhadora e mamãe de três, como fiz

questãodeatualizarnaassinaturaautomáticademeue-mail,ondeantesseliadois.Meusfilhos

sempreentraramnosmeuscurrículosefazempartedomeulattes,noqualtambémdefendonão

serpossívelsepararvidaprofissionaldepessoal,porqueosfilhosfazempartedavida,assimcomo

otrabalho,apesquisaetudomaisqueseentrelaçanasentranhascotidianasdaexistênciadeuma

mulher.Umagravidezdesejada,então!Cercadadesurpresasinesperadas.Seguidadeumaborto

indesejado.Abortotristeeprolongadonotempopelas incertezasdeserumfetomortoouuma

gravidezmaisrecente:17diasdeespera,ultrassonsrepetidoseincertezasviscerais.Afinal,oque

éumfeto?umfilho?umafilha?bempequenininhadotamanhodeumbotão,queagentenão

sabesenasceounão???!!!

Eu,mulher,40anos,artista-arteira,aprendizdeVidaViva,educadora-sonhadora,mamãe

detrês,professoralicenciada,pesquisadora,doutoranda,militantedeváriasqueconsiderojustas

causas,vivendoasviolênciasdeumacuretagememtardedearco-írisgigantequeficoumarcado

namemória. Paradepois viveroutra sériededesventurasque culminaramemumprocessode

separação muito doloroso. Naquele momento, um processo em pleno movimento. Muitos

processos reunidos e profundos, divisores de água. E senti pela primeira vez as forças queme

eramtãocaracterísticassumiremassim,semmais,nemmenos.Diaapósdia.Enquantoocorpoia

entrando em colapso. A anemia, as taxas hormonais de um hipotireoidismo crônico

descontroladas, a reposição artificial de ferro pela veia, o inchaço do fígado, a gastrite

avassaladoraeosrins.Ai,osrins!Eunãosabiaaocertoondeficavamosrinsemmim.Ondedoíam

meusrins.DuranteoCOLIPETEeudescobri:osrinsdoem.Muito!

A dor nos rins começou mais ou menos durante a situação em que o hostel havia

canceladoareserva,eeujáestavacertadedesistirdaviagem,sinceramentequaseagradecendo

por isso. Pelo menos até me atentar que as passagens para o Maranhão (que haviam sido

compradaspeloProgramadePós-GraduaçãodaUDESC)nãopoderiamserdevolvidas.Eodinheiro

simplesmente seria perdido se eu não fosse viajar, uma vez que as passagens são nominais e

intrasferíveis.Dinheiropúblicogastoàduraspenas!Desperdíciodeumaverbapreciosa,sempre

usada à conta gotas nos departamentos de Arte das universidades brasileiras. E sim, sou

extremamente zelosa e ciente da responsabilidadedeusodeste dinheiro. E afirmo com toda a

convicção que outres colegues também o são, apesar dos ataques que tentam desacreditar

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funcionários públicos e mais recentemente os professores de instituições públicas de ensino

superior de forma tanto equivocada quanto generalizada. E sim, também afirmo com toda

convicção:hátambémosquenãopossuemomenorcomprometimentocomissotudo,masquero

muitocrereassimpercebo,nãosãoamaioria.

Enfim, jáestávamossofrendoasconsequênciasdoscortesdeverbasdosanospósgolpe

(golpe mesmo!), especialmente após a entrada em vigência da emenda constitucional de

congelamentodosinvestimentosemeducaçãopelospróximos20anos,conhecidacomoaPECda

maldade. E que golpe!!! A Petrobrás já na loteria da imoralidade neoliberal. E isso para citar

apenas o que estava para aquele momento pré-eleitoral, ressaltando a importância de fazer

memóriadestesfatosporqueemtudotêmavercomaPedagogiadaArteedoTeatro,comavida

doeducadorartistaemprocessodeformaçãopereneecomatemáticadesepensarasformasde

ainda(re)existir4.

A situação de perda da passagem envolvia a referida responsabilidade, à qual ainda

acrescentooimensoprivilégiodesereuumaprofessoraefetivalicenciadacomremuneraçãoque

possuicomida,tetoeagasalho,parausaraspalavrasdeCarlosGomide,jácitadocomoautorda

epígrafequeabreestaseção.Paraalémdocolapsodocorpo,tomeiforçaeresolvifazeromelhor

para dar um jeito na situação. Entrei em contato com colegas do curso da pós-graduação que,

residindocomigonoSul,mecolocaramemcontatocomoNordeste,deformaqueemmenosde

quarenta horas eu estava na casa de duas professoras de Teatro da redemunicipal e estadual

formadasnaUFMA (emanifestoaquiminhaprofundagratidãopor isto!).Acolhidanopequeno

quartodapequenacasadapequenavila,numacamaenorme,quedepoisvimadividircomoutra

colegadoprogramadedoutoradonoSul,tambémacolhidapelasprofessorasmaranhenses,que

fizeramdetudoedealgomaisparanosreceberemmuitobem.

Aqui,aprimeiracomunidade.Aconvivênciadacasaondefico,ondedurmo,tomobanho.

Onde sou recebida e também recebo. A casa onde dois dias depois chegammais dois jovens

companheirosbaianos,tambémprofessoresdeTeatronaredepública,quevieramdecarronuma

4Quaseumanoemeiodepoisestáaíodesenvolvimentodosfatosposterioresaoperíodoeleitoralcomprovandoessasinseparáveisconexões.Tenhoevitadoasnotícias.Eprocuradofazeralgumasaçõesdiretasemcomunidadesmaisatingidaspelasviolênciasdodesgovernoqueocupaasinstânciasoficiaisdesdeentão.Açõespontuaisemuitoinsignificantesdopontodevistadetudooqueseriaprecisofazerparasemodificarsubstancialmenteoquadro.Aspossíveisdentrodasdemandasdeumdoutoradocujoprazoderealizaçãoédetrêsanos,dadasasnormativasdauniversidadeondeatuo.Açõesque,apesardenossaspequenezas,talvezpossaalgonessesdelicadosespaçosdeconvivênciaondeavidaefetivamenteacontece.

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longaviagemdequasedoisdiasparaparticipardoCOLIPETEcomoouvintes(seminscriçãoprévia),

pelo interessedaviagem,departicipardoeventoedaconvivênciacomasamigasanfitriãs,que

fazemsuapequenacasarendernotapetedapequenasala.Acasaondefizemosjuntes(com‘e’

mesmo)algumasrefeições,bebemosdovinho,dacervejaedacachaçacompradanatradicional

lojadoantigomercadorecomendadaporseuspoderesmágicos(euaindacomreceiodarecente

gastrite,emdosesbemmoderadas).Asconvivênciasevivênciasnacasaiammeajudandonacura

dasdoresdachegada,aolongodasemana.

DetudoissosefazoIIColóquioInternacionaldePedagogiadoTeatro,oCOLIPETE2018(e

certamenteoutrosencontros):dosencontrosqueacontecemnaslinhasinvisíveisquegeralmente

nãocitamosnosartigos.Sefazdacasaondetrocamossobretudo!Arte,política,metodologiasde

ensinodoteatro.AsdificuldadesdavidadeartistaedeprofessoresdeArte,tempo(muitasvezes

a falta dele!) para criação artística diante das tantas responsabilidades e trabalhos para

compensarapéssimavalorizaçãoeremuneraçãoprofissional(alieueraapessoacomasituação

financeira mais confortável, mas todos nós conhecíamos bem situações ainda bem mais

desfavoráveis5).Asobrevivêncianacordabambadavida,repletadedesejosesonhosquemuitas

vezes vão sendo esquecidos, enquanto outros, se realizam sem que a gente se lembre que

sonhou.

Falamos sobre religiosidades africanas e indígenas, culinária, medicinas tradicionais e

alternativasaositensdaperigosaindústriafarmacêutica,e,sobretudo,sobrenósmesmos,sobre

cadaumdenós.Nós,artistaseeducadoresemcontextosdiversos,emmomentosdiferentesda

vida.Nós,dediferentesculturasecantosdeumBrasil,quetocamosecantamosmúsicascomos

instrumentos que trouxeramos colegas baianos, embora nenhumde nós, a rigor, se considere

músico (somos do Teatro!). Faz parte da pedagogia: o instrumento é de todos! Todos podem

tocar,atéquemachaquenãosabe6.ComodizRubemAlves:

5Porocasiãodonascimentodemeuprimeirofilhoeuemeucompanheirocontávamoscomatéoitoprojetosemandamento(áreaartísticaeeducacional),enãoerararoquenãoconseguíssemosarcarintegralmentecomoscustosdeumavidaextremamentesimplesedesprovidadegastossupérfluos.Passamosporsituaçõesextremamenteconstrangedoras,masaindaassimconscientesdoquantoaindaestávamosbemsepensássemosnamaioriadapessoasquecumpriamseushoráriosbatendoseupontonosquadrosdeumaculturacolonialqueseguia(esegue)escravizandoeassassinandovidasesonhos.6Umadaspráticasquetenhodesenvolvidoemvárioscontextosélevarumcestocheiodediversostiposdeinstrumentosmusicaisconvidandoaspessoasatocarmosjuntes.Procuramosumamúsicacomumousimplesmentecomeçamosapesquisarossonsdosinstrumentosorientadosporumobjetivodeouvirmosatodososoutrosinstrumentosemseuconjunto,paraassimtocarmosJUNTOS,emharmonia.Saemsonoridadesincríveisquedãomuito

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Aeducaçãodenossasensibilidademusicaldeveriaserumdosobjetivosdaeducação.Osconhecimentosda ciência são importantes.Elesnosdãopoder.Maselesnãomudamojeitodeserdaspessoas.Amúsica,aocontrário,nãodápoderalgum.Maselaécapazdepenetrarnaalmaedecomoveromundointeriordasensibilidadeondemoraabondade.Afinal, esta não deveria ser a primeira tarefa da educação, produzir bondade? (ALVES,2012,p.40).

E falamos sobre nossos estudantes, companheiros passageiros de jornada e de vida, e

sobreseuspróprioscontextos,comunidades,sensibilidades,dificuldadesepotencialidades,sobre

quandootrabalhorealmenteacontece,elevandoatodos,ounão,porqueaArteétambémum

grandemistério,paraalémdetodoonossoesforçoedesejo.OTeatronacomunidade.OTeatro

de rua.Político.Questionador.Que faz sonhar...OTeatroparaa sala.O teatrona saladeaula:

maranhense, baiana, paulista,mineira, catarinense... Quantomulticulturalismo cabe na vida de

seis de nós, alguns participantes do COLIPETE 2018? Quantos contextos cabem num evento?

Quantoseventoscabememnós?

Importante falar de nós e de nossos nós, dividindo o teto durante alguns dias para se

pensarapedagogia-pedagogiasdoTeatro.Parasepensaroscontextosemquevivíamos,frisando

as mazelas da política educacional discutida em mesa especial no último dia do COLIPETE,

discutindo a reforma golpista da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), com participação

representativa de várias instâncias e esferas educacionais. Nós, tão pequenos diante de uma

estrutura que parece pulverizar nossos esforços. Nós daquela casa de colegas que se tornam

amigos,irmanadosnavidainvisível,equaseinvisíveis,nestecontexto,felizmentequaseinvisíveis

no meio de tantos e tantos outros participantes do COLIPETE que, quiçá, acredito, também

estavam vivendo suas próprias experiências de vivências e convivências. Suas próprias

experiências em contextos de multiculturalidade, para lembrar as lições de Hooks e Freire já

citados.

As performances, apresentações teatrais, intervenções e oficinas artísticas do COLIPETE

propiciarameincentivarammuitasdessaspráticasdeconvivência,comsentidoscompartilhadose

multiplicados em vivências e encontros que não se tem como abarcar quantitativa ou

prazerealegriaatodesenvolvides,especialmenteaquemnuncateveaoportunidadedepegaretocaruminstrumentocomsuasprópriasmãos.

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qualitativamente(tornamo-nosCardume!7).Encontrosemqueapedagogiateatralnãoseresume

ao debate teórico, nem meramente intelectual, mas se estende pelos poros através de uma

pedagogiaprática,sensível,dinâmica,engajadaecomprometidasocialmente,libertadora,lúdica,

brincanteeerótica,fazendomemórianoscorposenapeledecadaumdenós.NósdoNorte,Sul,

Sudeste,Centro-Oeste,Nordeste.Surdos-mudos,cegos,videntes!NósdoCanadá,nósdaAmérica

Latina,nósdomundo!

O colóquio foi um evento demuitas inscrições emuitas colaborações, a começar pelos

organizadoresesuascamisetasvermelhas,espalhadasportodososcantosparaondeseolhavana

UFMA(tome-seaUFMAagorapelosespaçosdoCentrodeCiênciasHumanaseseuentorno,por

onde circulamos, jáqueaí residiuaexperiência vividadaqual sepode falar).Umaequipebem

jovem e bem coordenada, comprometida em fazer acontecer a sequência interminável de

atividadespela cidadevelha, cidadenova, renovadaem temposdeSão João.CidadedeCôcoe

Cacuriá,sarapatelearrozdecuxá!CidadedeQuadrilhaseBois,brincadeirasematracas!Cidade

ondeconheço,nazonarural,MestraMariadoCôco! -na festadofamosoBoideMaracanã,do

falecidoMestre HumbertoMaracanã, então homenageado. Uma festa que começa no terreiro

sededoBoiedepoissegueitinerandoanoiteinteiraporoutrosrincõesquevamospercorrendo

em romaria alegre e festiva.DonaMariadoCôco,MestradeCôco, que aindaontemme ligou,

dizendo:“agenteprafazeralgumacoisanessavida,temquelutarmuitominhafilha!”.

AmesmaMariaquechorounaNoitedeSãoJoãoquandoeulhedissequeimaginavaque

grandeguerreiraeladeveriaserparaestaralicomoMestradeumatradição,quandooquesevê,

são Mestres (homens): “eu lutei muito, lutei muito mesmo!”. A voz embargou e as lágrimas

desceram. Ela mulher, ela preta, ela pobre, ela analfabeta! Ela mãe, ela líder comunitária, ela

mulher entre mulheres, preta de pretas. Ela que afogava suas dores em repetidos copos de

cerveja.MariadeMarias.ElaqueouviudabocadeMestreHumbertoaoverogrupodeTambor

deCrioulaMantodeSãoBeneditoabrindoterreirada:“DonaMaria,asenhoraéumaMestra!”(a

vozembargadenovo).ElaquedisseafrasequeoantigomestredeBoirepetiacomosefossesua,

tornandocélebreopensamento(queagoranãoconsigomaismelembrarqualera).Elaquenão

reivindicouaautoriada frase,deixando-o repetir (edepoisaopovoqueocitava) comosedele

7EmalusãoàperformanceinterativaCardume,realizadapeloscorredoresdaUFMAduranteoCOLIPETEapartirdapropostadaProfessoraDoutoraCandiceDidonetdaUniversidadeFederaldaParaíba(UFPB).

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Daniela Rosante Gomes

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fosse.Ela,amigadoMestreHumbertoatéofim.Elaque,quandopassamodocumentáriodeleno

telão,virasuacadeiraedizquenãoquerver,porquesentesaudades:“eleerameuamigo”.

Encontrosedesencontroscomacidadeesuasgentes.Gentedetodolugar,dacidadeede

foradela,dedentroedeforadoencontro,dedentroedeforadoBrasil.Genteque-calcule-se-

multiplica ao invisível aquilo que números e cartesianismos acadêmicos jamais serão capazes

contabilizar.ComodisseMárciaPompeuToledo8algunsanosantes,aofinaldesuacomunicação

no II Encontro Internacional de Teatro na Comunidade9, em Florianópolis, falando sobre o

trabalhodesenvolvidoduranteanoscontinuadosdeextensão juntoàumacomunidade local:“o

quepudemosconstatar,alémdaquiloquejácomentamossobreosprocessosdesenvolvidos,eraa

alegriapresenteentreosparticipantes.Masalegrianãosemede.Comomediraalegria?”Ecomo

medirovalordeexperiênciasemumencontrodeeducadoresdeteatroeducandoasimesmos

emumColóquiointernacionaldePedagogiadoTeatro?Quantosequantas,nesteencontro,nunca

tinhamvistoumBoi?Quantaforçaealegriapodemsurgirapartirdocontatocomastradições?

Cheguei doente, dolorida, cansada. Saí alegre, repleta de energia, curada! São assim as

pessoasquevivemsuavidanaarteenaeducaçãocomsededearteedevida,apesardostantos

pesares:gentedecura!Genteque,nãotendotempoparanada,emvezdedividir,multiplica!E

penso,emanalogiadecontextos,naobradeBellHooksaocontarque“AobradeTichNhatHanh

semprecomparaoprofessoraummédicooucurador.Suaabordagem,comoadeFreire,pede

que os alunos sejam participantes ativos, liguem a consciência à prática” numa pedagogia que

“põeemevidênciaaintegridade,umauniãodemente,corpoeespírito”(2017,p.26).

Dizemqueacasadagenteéondeagenteestá.Euacredito!

MEMÓRIASENTRELAÇADASECONTEXTOSDEFORMAÇÃOEINFORMAÇÃODIVERSOS

Mãe,hojeeuaprendiumacoisa:queagenteaprendeolhando.

Eimaginando.Efazendo.

8ProfessoradoutoracujotrabalhopráticonascomunidadesesuasinteraçõescomocontextodauniversidadefezestabelecereconsolidarocampodoTeatroComunitárionoBrasil.9Campoqueestudaevalorizaaspráticasdeteatroquefizerampartedeminhaformação,iniciadaforadosmurosdauniversidadeedeoutrasinstituições(comoaindacomentarei).OTeatroComunitárioserelacionacommuitaintimidadecomocampodaPedagogiaTeatral,interseccionandoboapartedosestudosepesquisascompartilhadosemcontextoseducacionais.MuitosdestescontextosforamobjetodepôsteresecomunicaçõesoraisdoCOLIPETE,nasmesas:1)PedagogiadaCenaeFormaçãodoArtista;2)IdentidadeseGênerosnaPedagogiadoTeatro.

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MariaGomesdosSantos10

Minhas anfitriãs, nascidas e criadas maranhenses, atuantes na luta feminista negra,

professorasdeTeatroemescolaspúblicasdacidade,saíramcedoemedeixaramaschavespara

tirarcópia.ChamoumUber-xesigoparaocredenciamentoeconferênciadeabertura.Acidade

sãocidades.MalentronocarroeconfirmoaidaàUFMAparaomotoristaseguir,ecomeçaum

exercícioafetivodelembraracidadequehaviaconhecido17anosatrás,emjaneirode2001,no

VIEncontroNacionaldeEstudantesdeArte(ENEARTE).Acidadeémemória,emelembrologoda

primeiraoficinacircensequefiz,aos21anos,numginásiodaUFMA,comoprofessorRicardo,da

Escola Nacional de Circo do Rio de Janeiro: malabarismo, acrobacias de solo, aéreas e cuspir

fogo!!!Chegaumahoraqueagentejánãolembraondeaprendeualgumacoisaqueseacostumou

afazer,equetambémpassouaensinarprosoutros.Recordei!

OENEARTEhaviasidoummarcoimportante,emváriossentidos.Haviadeixadoumcurso

deDireito exatos dois anos antes do encontro.Mudei os planos da vida, desviandoo curso da

meninabranca(parda,comoassinalavaminhacornasenquetesestatísticasmaisantigas),classe

média(mãeepaiprimeirosdiplomadosdesuasfamílias),quenãoveiodeumafamíliadeartistas,

nemdeumafamíliarica,paraestudarArtes:ImagemeSomnumacidadedointeriordoSudeste

(SãoCarlos-SP).Porminhacontaerisco,umavezqueafamíliajáhaviaarcadocomsuaobrigação

noprimeirocurso,abandonadoaoquartoano.AviagemdoENEARTEfoibancadapelotrabalhono

Censo2000,eosuadodinheirodospanfletosqueentregueiparaumalojanocalçadãodocentro

dacidade,juntandotrocadosparapoderviajar.Nessaépocajátinhacomeçadoafazerteatronas

ruasdessacidadezinhademuitosmorros:teatropolítico,teatrodeassaltoeintervenções,teatro

na ONG dos ‘pés rachados’, nós que fazíamos também o plantio de mudas no entorno da

nascente,atintadeterra,oteatroambiental,oteatroemespaçosalternativosetambémoteatro

desala,noTeatroMunicipaldeSãoCarlos(emborapreferíssemosaarenadoladodeforadasala

oficial).

Comoo ENEARTE, o trabalho naONG foi ummarco, um importante lugar de formação.

ONGRamudá:Ramosquebrotamem temposdemudança,onde atuei de 2000 a 2006emum

coletivo que reuniu dos graduandos pé rapados e estudantes engajados aos operários e

10Mariaéminhafilha,equandodisseessafrasetinhaentão6anos,emumatardedesetembrode2018,enquantoeuescreviaesteartigoeelaobservavaospequenostecidosquebordoupelamanhãdepoisdeeuterlheensinadoopoucoqueaprendicomminhamãesobreessaArte.

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domésticasassalariados,alémdascrianças,queapareciamdeforaededentrodagente.Éramos

idealistas e práticos de carteirinha, artistas em construção, atuando em diversos contextos

culturaiseambientais,incluindoodeacompanharaimplantaçãodacoletaseletivanacidadede

SãoCarlos,cooperativandooscatadoresdolixão.DeONGtínhamosonome,asboasintençõese

umasériedeações,amaioriadelasfeitacomotrabalhovoluntário.Essaremuneração,seexistia,

ficavaparaasdespesasdasedeeparaosadultosjáformados,quejátinhamfilhosparaalimentar.

A manutenção era feita nos mutirões. E esclareço que no início dos anos 2000 ainda não era

possível trabalhar segundo os benefícios que posteriormente se abriram a partir da política

culturaliniciadaporGilbertoGilcomoministrodaCultura,nosanosde2002a200811,quefizeram

floresceraeradeeditaisculturaisqueagoraestamosvendodesaparecer.(Foigolpe!)

Trabalheicomocriadoradeumateliêdeimagens,comofotógrafa,roteiristaeeditorade

vídeos,criadoraerevisoradetextosdemultimídia.Ministreioficinaseparticipeideprojetosna

áreadememóriaenvolvendoteatro,literatura,fotografia.Fizapresentaçõesempraças,creches,

colégios, universidades, pátios, escadarias. Fiz pão com poesia! (me casei no delicioso formato

juntar as escovas de dente. Ele fazia o pão, eu a poesia). Ministrei oficinas em centros

comunitários,projetossociais,fundaçõesculturais,prefeitura,semsermestreemnenhumaArte.

Pelocontrário,aprendendodaArtequandotinhaaoportunidadedeensiná-la.Eassimconhecio

Teatro pobre! Teatro Essencial! Arte relacional! Fiz teatro de fábrica, teatro universitário,

brechtiano, comunitário, teatro de objetos. Teatro de bonecos, de formas animadas. Leituras

dramáticas,performances.Coloconosingularpelanaturezadaescritasolitáriadotextoautoral,

masimportantedizerquesetratavamsempredeexperiênciasessencialmentecoletivas,feitasa

váriasmãos,pernas,braçoseaváriossonhos!

Tudomuitosimples–eboapartedasnomenclaturaseconceitoscorrespondentessóvima

conheceranosdepois,algunsnoperíododomestrado,aísim,emcursonaáreateatral.Tudotão

simplesque sóvimadescobriro real valordessasexperiências como tempo.Experiênciasque

11Gilinstituiuumapolíticaculturalqueprocurourompercomasituaçãodoestadocomocooptadorculturalemeromecenaspatrocinadordeeventos(visãoutilitaristaeoportunistaqueenxergaaculturacomobemsecundário)parainstaurarumavisãomaisestrutural,quetratadaculturacomoumsistemacomplexoqueenvolvetodaumarealidadesocial.DizopróprioGil:“Nestemundoaindamarcadoporinjustiçasedesigualdades,estáprovadotambémqueaculturaqualificaasrelaçõessociaisereduzosfocosdetensãoeviolência,elevandoaautoestimaeosentidodepertencimentodoindivíduo.Elaligaaspessoas,estimulaastrocas,aproxima,identifica,induzàsuperação,fazpensar,enfim,valorizaoqueoserhumanotemdemaishumano,paraobemeparaomal.Fazcomqueagentesejamaiseváalém,experimentandonovosrumos”(GIL,2005,p.105).Umadefiniçãodeculturaque,paraalémdosfolclorismos,qualificasuadimensão,percebendo-a,talcomoé,comoaArtevivaenecessáriaaodesenvolvimentohumano.

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fazíamos semousodeconceitualizações teóricasemetodologiasacadêmicaspré-determinadas

que não as intuídas em campo de trabalho. Éramos essencialmente intuitivas e intuitivos nos

processos,ecadaumdelesnosmuniadeumconhecimentoquesilenciosamentefoicriandoem

nósumrepertóriosingular.Especialmentequandojáestavanosquadrosdedocenteuniversitária,

aomedepararcomcoleguesartistasdecarteirinhaeDRT,graduadosemTeatroeLicenciaturaem

Teatro em instituições consolidadas na área (USP, PUC, UNICAMP, UFOP, UFSC, UFRN, UFMG,

UFU,UFG,etc.),percebioquantoessesconhecimentoseramconsistentesefaziamdiferençaem

minhaformação.

SigodivagandoenquantoomotoristadoUber-xpassaaoladodoCentroHistóricoqueme

faz recordar outras imagens na cidade velha das minhas memórias: os prédios de azulejos

decorados onde passou o cortejo final do ENEARTE, acendendo protestos contra a farsa das

comemoraçõesdos500anosdoBrasil, denunciando:o genocídio indígena, aprecarização total

dosserviçosbásicosdeatendimentoàsaúdedapopulação,oentreguismodosrecursosnaturais

ao capital estrangeiro, os juros extorsivos da então dívida com o FMI (quitada em 2005) e a

implementaçãodemecanismosdeprivatizaçãodoensinopúblicosuperior,me fazendo lembrar

que,qualquersemelhançacomtemposrecentes,nãoémeracoincidência!(Golpe!!!)

ConversocomomotoristadoUber.EleéestudantedocursodeHistóriadaUFMAedirige

todoohorárioemquenãoestánocurso,numa jornadade14horaspordia (estudaquandoo

carroestáparadoesóvêafilhanodomingo,quandofolga).Elemefalasobreavidanacidadeea

festadoSãoJoão.Tentacalcularonúmerodehabitantesdacidade,que,comento,jánãoparece

maistãocoloridacomonosidosdoiníciodosanos2000.Elemecontaquenaquelaépocahouvea

restauração do centro histórico para as comemorações do ‘descobrimento’ (eu me lembro,

fizemosprotestosduranteoENEARTE).Equedepoisdissonuncamaishouvereforma,anãoser

unsretoquesemalgunsgovernosedatasfestivas.Mefalaumpoucodascomezinhasdapolíticae

da coronelança local, das oscilações do preço do combustível e da recente greve dos

caminhoneiros,ocorridaexatamenteummêsantes.Falamossobreopré-sal, fatiadoàpreçode

banana em nome de uma suposta crise (refinarias vendidas pelo valor do lucro auferido no

balançodoanoanteriordeformaarbitráriaecriminosa).Elepossuiumacriticidadelúcidaebem

informadasobreoassunto.

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OUberentranaUFMA.Omotoristadizquepensaemdeixarocursonauniversidadepara

poderdirigirperíodointegral(mais?),porque,daformacomoascoisaspioraram,nãoestavamais

dandoparapagarasdívidas.Elenãosereferiaàscontas,porqueascontasnosistemadocapital

financeiro,sãoagoradívidasqueseacumulamnosistemajurossobrejuros,outroraconsiderado

ilegal. Digo a ele que tente segurar as pontas e finalizar o curso. Ele recebe a dica eme deixa

próximo ao Centro de Ciências Humanas onde vai acontecer a abertura do COLIPETE. Vou

caminhandoeaochegarnoprédioreconheçoaescadaria(antescinza,agoracolorida),osarcose

as formas da construção onde fiquei alojada no ENEARTE. Nãome lembrava do nome, mas o

prédioeraomesmo!

A universidade, como a cidade, é memória viva, e me dou conta do quanto também

pertençoaesselugarquetenhocriticadopeloseudistanciamentocomarealidadesocialdopaíse

comasprópriasdisputasem jogona cooptaçãodas instituições. Enquadrandomelhor a crítica:

pelo seu distanciamento do que está para fora das grades e muros institucionais, pelo

distanciamentomesmodoqueestáparaforadaparededasaladeaula,dosespaços,tempose

produtividades insólitas, onde cada pequeno feudo ocupa seu pequeno quadrado. Essa

universidadeonde,viaderegra,eadespeitodasconquistaspelosistemadecotas,quasenãose

vêapopulaçãonegra,senãocomoparcaminoria,assimcomoocorrecomapopulaçãoindígena,

cujarepresentatividadeéaindamenor–enemmencionoadificuldadedepermanência.Depois

dealgunsmesesnasuniversidadesdepelesdetonspasteldaregiãoSul,essencialmentebranca

de olhos claros (emuito respeito à todes instituições e gentes), a primeira diferença salta aos

olhos:ascores!Doscabelos,dasroupas,dasparedes,masprincipalmente,acordapele!AUFMA

éumauniversidadenegra!Percebocommuitaalegria:aUFMAépreta!E,commaisalegriaainda:

incrivelmenteLGBTT,AI+etals!Alegria,Pajubá!Dápraver!

Vejo uma universidade repleta de diversidades, construções físicas e desconstruções

simbólicasqueinterferemnosprédios,noclimadoscorredoresenaprópriacidade,comopude

vernostrabalhosdepesquisaeextensãoapresentadosnospôsteresecomunicaçõesdoCOLIPETE

pelosestudanteseprofessoreslocais,relatandoaçõeseducacionaiseartísticasengendradasnas

comunidades mais longínquas do aglomerado da Grande São Luís12. Cidade onde, apesar dos

tantosavanços,aindasemorreporseserpobre,porseserbicha(lésbicaeoquemaisfordeser),12Conurbaçãode13cidadesquecompõeaRegiãoMetropolitanadeSãoLuís,comcercadeummilhãoemeiodehabitantes.

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porseserpreto,preta,mulher, indigente,criançamalnascida,ou,comoemoutrascidades, só

queemmenornúmero,porsesercriança, jovemouvelhobemnascidooubemnascida,vítima

dasditas(essassimclassificadasnosclassificados)violênciasdacidade.Cidadecomooutrastantas

nesseBrasilcolonial.Cidadedasditasedesditas.Cidadedecidades.Colôniadecolônias.UmBrasil

ameaçado, como em outros lugares do mundo, de retroceder (ainda mais!!!) em incríveis

conquistas históricas que me (e nos) permitiram chegar até aqui: podendo pensar, e dizer, e

escreveroqueestamosapensar,adizereaescrever.Masatéquando???

E sigo a refletir, no exercício do agir-contemplar, pressuposto deste estudo de sentidos

pre(s)sentidos,intuídos,vívidosevividos:Quehistória-históriasestamosconstruindo?Háespaço

para acolhimento de diversidades e divergências? Para ações que coloquem em prática ideias

inteligentes que deem conta de nossos anseios mais profundos? Que pedagogia-pedagogias

estamosengendrando?Quecontexto-contextosestamosfavorecendoemnossaspráticasdevida,

deArteedeeducação?Háespaçoparautopias?Paracultivarosonho?Paraseviverapoesia?

Para se fazer Amor com o mundo? Existem mesmo cidades invisíveis que podemos erigir em

pequenasaçõesarticuladas,apesardospesares,eàcontrapelodasatuaisversõesoficiais?Dessas

pequenas ações seria possível emergir grandes articulações capazes de alterar um fluxo

estrutural?

Entronoprédiovelho,nacidadevelha,nanovauniversidade!Ecomeçaoevento...

Referências:ALVES,Rubem.Educaçãodossentidosemais...8.ed.Campinas:VerusEditora,2018.GIL,Gilberto.UmanovapolíticaculturalparaoBrasil.ConferênciaproferidapeloMinistrodaCulturaem9demaiode2005,naUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro.RevistaRiodeJaneiro,n.15,jan.-abr.2005.p.103-110.Disponívelem:<http://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_15/15_dossie_GilbertoGil.pdf>.HOOKS,Bell.Ensinandoatransgredir:aeducaçãocomopráticadaliberdade.TraduçãodeMarceloBrandãoCipolla.2.ed.SãoPaulo:EditoraWMFMartinsFontes,2017.MENDES,Murilo.In:ALVES,Rubem.Educaçãodossentidosemais...8.ed.Campinas:VerusEditora,2018.Artigosubmetidoem15/09/2019,eaceitoem30/10/2019.