virtude justiça(1)
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAISInstituto de Filosofia e Teologia Dom João Rezende Costa
VIRTUDE CARDEAL: JUSTIÇA
Douglas Rodrigues Xavier
Emerson Rodrigo Pereira
Fernando Martins
Lucas Vinícius França Oliveira
Marcos de Freitas Santos
Belo Horizonte2013
Douglas Rodrigues Xavier
Emerson Rodrigo Pereira
Fernando Martins
Lucas Vinícius França Oliveira
Marcos de Freitas Santos
VIRTUDE CARDEAL: JUSTIÇA
Trabalho apresentado à disciplina de Moral II do curso de Teologia do Instituto Dom João Rezende Costa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Professor: Padre Otávio Juliano
Belo Horizonte/MG2013
Sumário
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................3
2. CONCEITO DE JUSTIÇA..................................................................................................3
2.1. O que é Justiça?...............................................................................................................32.2. Justiça e Lei.....................................................................................................................5
3. JUSTIÇA NA PALAVRA DE DEUS..................................................................................6
3.1. No Antigo Testamento....................................................................................................63.2. No Novo Testamento......................................................................................................73.3. Justiça Humana x Justiça de Deus...................................................................................8
4. A JUSTIÇA COMO VIRTUDE..........................................................................................9
4.1. Na Tradição e no Catecismo da Igreja............................................................................9
5. OS PECADOS CONTRA A JUSTIÇA.............................................................................10
6. CONCLUSÃO.....................................................................................................................12
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................13
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa traçar as linhas gerais que serão seguidas a fim de
apresentar a virtude cardeal: Justiça. O primeiro passo que se tomará é o conceito de
justiça partindo da análise da palavra até o entendimento contemporâneo.
A hipótese é conseguir situar a justiça enquanto virtude, nos níveis pessoal,
social e religioso, haja vista a presente realidade da justiça na vida e na história do
povo de Deus, tendo como subsídios os textos da Sagrada Escritura.
O objetivo é caminhar pelo conceito de justiça que hoje é vivenciado e como é
compreendido a partir do Catecismo da Igreja Católica, que está fundado na tradição
da Igreja, situando no tema e no contexto das inúmeras formas como a palavra justiça
é interpretada, apontando o verdadeiro entendimento da Justiça como virtude cardeal.
É de suma importância elencar as diversas interpretações que o conceito de justiça
tem sofrido ao longo dos séculos. Justiça é algo sobre o qual todos sabem e se
habilitam a dizer algo, no entanto, é um conceito vazio para muitos e de difícil
especificação.
Desde a Justiça Divina, a justiça social, a rivalidade justiça x injustiça, a noção
de justiça é corrente no dia a dia de todas as pessoas. Ao abrir o jornal, ao ver uma
revista, ao assistir o noticiário na TV, há sempre alguém dizendo algo sobre justiça, ou
os espectadores fazendo um julgamento, ou juízo de valor, dizendo o que é justo ou
injusto diante de determinado acontecimento ou situação.
2 CONCEITO DE JUSTIÇA
2.1 O que é justiça?
No primeiro momento podemos entender a justiça no âmbito da estrutura que
compõe a sociedade. A justiça é um conceito abstrato que se refere a um estado ideal
de interação social em que há um equilíbrio razoável e imparcial entre os interesses,
riquezas e oportunidades entre as pessoas envolvidas em determinado grupo social.
Trata-se de um conceito presente no estudo do Direito, Filosofia, Ética, Moral e
Religião. Suas concepções e aplicações práticas variam de acordo com o contexto
social e sua perspectiva interpretativa, sendo comumente alvo de controvérsias entre
pensadores e estudiosos.
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Nos estudos mais diversos em relação à justiça, podemos conceber uma
definição totalmente voltada para os fundamentos filosóficos. Podem-se Distinguir dois
significados principais: 1) Justiça como conformidade da conduta a uma norma; 2)
Justiça como eficiência de uma norma (entenda-se eficiência de uma norma certa
capacidade de possibilitar as relações entre os homens). No primeiro significado é
empregado para julgar o comportamento humano ou a pessoa humana. No segundo
significado é empregado para julgar as normas que regulam o próprio comportamento.
Partindo desse pressuposto filosófico entendemos a Justiça que está em
conformidade de um comportamento a uma norma; no âmbito deste significado, a
polêmica filosófica, jurídica e política versam apenas sobre a natureza da norma que é
tomada em exame. Esta pode ser de fato a norma natural, a norma divina ou a norma
positiva. Aristóteles diz em Ética a Nicômaco:
“...uma vez que o transgressor da lei é injusto, enquanto é justo quem se conforma à lei, é evidente que tudo aquilo que se conforma a lei é de alguma forma justo: de fato, as coisas estabelecidas pelo poder legislativo conforma-se à lei e dizemos que cada uma delas é justa.” ( Ética a Nicômaco, V, 1, 1129 b 11).
Neste sentido, segundo Aristóteles, a justiça é a virtude integral e perfeita:
integral porque compreende todas as outras, perfeita porque quem a possui pode
utilizá-la não só em relação a si mesmo, mas também em relação aos outros. Assim
Aristóteles divide essa justiça em distributiva e comutativa.
Por fim definiremos a justiça no âmbito teológico, para entendermos de fato os
três caminhos propostos e assim aprofundarmos o trabalho nesta última definição. No
sentido religioso, isto é, quando se trata da relação para com Deus, a terminologia da
justiça, em nossas línguas, tem limitada aplicação. É por certo comum evocar a Deus
como justo juiz e chamar “julgamento” o último confronto entre o homem e Deus. Mas
este emprego religioso das palavras de justiça parece singularmente acanhado com
relação à linguagem da Sagrada Escritura. Embora se aproxime de diversos outros
termos (retidão, santidade, probidade, perfeição, etc.), a palavra está no centro de um
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grupo bem delimitado de vocábulos, que de regra se traduz em nossa língua como
justo, justiça, justificar.
Conforme uma primeira corrente de pensamento que perpassa toda a Sagrada
Escritura, a justiça é a virtude moral que conhecemos, ampliada até designar a
observância integral de todos os mandamentos divinos, mas sempre concebida como
um título que se pode fazer valer em justiça perante a Deus. Correlativamente Deus se
mostra justo no fato de ele ser um modelo de integridade, primeiramente na função
judiciária que é a condução do povo e dos indivíduos, e depois como o Deus da
retribuição, punindo ou recompensando de acordo com as obras.
Outra corrente no pensamento bíblico, ou talvez uma visão mais profunda da
ordem que Deus quer fazer dominar na sua criação, confere à justiça um sentido mais
amplo e um valor mais imediatamente religioso. A integridade do homem nunca é
senão o eco e o fruto da justiça soberana de Deus, da maravilhosa delicadeza com
que ele dirige o universo e cumula as suas criaturas. Essa justiça de Deus, que o
homem atinge pela fé coincide afinal com a sua misericórdia, e designa, com ela, ora
um atributo divino, ora os dons corretos da salvação que essa generosidade difunde.
2.2 Justiça e Lei
É de suma importância colocar face a face, a Justiça e a Lei, como
verdadeiros condutores da organização ética e social. A palavra lei procede do Latim
"lex" que significa "regra” ou “norma". Trata-se de uma norma ou um conjunto de
normas concebidas por um poder soberano para regular a conduta social e impor
sanções a quem não às cumpre.
Em uma sociedade a função das leis é controlar os comportamentos e ações
dos indivíduos de acordo com os princípios daquela sociedade. Em geral, as ações
puníveis por lei são ponderadas pelos cidadãos antes de serem praticadas. São regras
não só as leis naturais ou as normas jurídicas, mas também as prescrições da arte ou
da técnica.
Norma é uma regra que concerne apenas ações humanas e não tem por si
valor necessitante: portanto não são normas as leis naturais e as regras técnicas, e as
normas, por exemplo, de natureza moral, não são coercitivas como leis jurídicas.
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Entendamos agora a lei a partir de uma leitura feita da Sagrada Escritura:
Segundo o termo hebraico a torah tem um sentido mais amplo e não tão estritamente
jurídico como traduzido pelos gregos, os setenta Sábios, pelo termo nomos. Designa
um “ensinamento” dado por Deus aos homens para regular sua conduta. Uma conduta
realizada na justiça gera recompensa, deste modo podemos observar por uma
evolução semântica feita desde antes do exílio, sendo a conduta conforme a lei, como
fonte de méritos e de prosperidade, a palavra justiça, que designava tal conduta,
chega a significar também as diversas recompensas da justiça.
Já desde antes do exílio a justiça designa a observância integral dos preceitos
divinos, a conduta conforme a Lei: É o que se evidencia em grande número de
Provérbios (Pv 11, 4ss.19; 12,28), em relatos diversos (Gn 18,17ss) e em Ezequiel (Ez
3, 16-21; 18,5-24). Correlatamente, o justo, nos mesmos contextos, é o piedoso, o
servo irrepreensível, o amigo de Deus. Essa concepção petista da justiça é muito
perceptível, depois do exílio, nas lamentações (Sl 18, 21.25; 119,121) e nos hinos (Sl
15, 1s; 24,3s; 140,14).
3 A JUSTIÇA NA PALAVRA DE DEUS
A justiça é tema recorrente na Palavra de Deus. Do Gênesis ao Apocalipse em
várias narrativas, ainda que de forma implícita, a temática da justiça está em voga.
Trata-se desde a justiça de Deus em relação ao homem, a justiça dos homens entre
si, a justiça no seguimento e observância da Lei e a justiça distributiva como sinal da
bênção e da Aliança com Deus. A Sagrada Escritura por inúmeras vezes atribui a
Deus o conceito de justiça. Deus é chamado de justo, O justo, a própria Justiça, em
diversas narrativas. Assim afirma Frei Boaventura Kloppenburg em sua obra intitulada
“Virtudes, frutos que o Pai espera”:
Quando Jesus declarou: ”Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados” (Mt 5,6); ou quando revelou: “bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,10); ou ainda quando explicou: “buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça” (Mt 6,33), ele certamente conferiu à “justiça” um lugar central para a vida cristã. (KLOPPENBURG, 2001, p. 27).
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Desde o Antigo Testamento até o último livro do Novo Testamento a Justiça de
Deus e a justiça dos homens fiéis à Lei de Deus são ressaltadas. No entanto, o
conceito de justiça e a forma como ela é referida muda ao longo da Sagrada Escritura,
sobretudo em contraponto do Antigo com o Novo Testamento, senão vejamos.
3.1 No Antigo Testamento
Para o povo Judeu a justiça corresponde àquilo que está em conformidade com
uma norma. O povo de Deus que busca fidelidade à Aliança tem como forma de
preservar e perpetuar o compromisso assumido com Deus por meio da observação da
Lei, a Lei de Moisés, ou a Torah. Aqui a justiça é entendida como uma vida conforme
os mandamentos de Deus. É possível observar em várias passagens do Antigo
Testamento a distinção feita entre os “justos”, que são os homens piedosos,
observadores e cumpridores rigorosos de todas as leis e preceitos, em contraposição
ao “injusto”, que são os ímpios, os pecadores, os infiéis e desertores da Promessa e
da Aliança.
Os Salmos cantam a justiça de Deus e a vitória do justo sobre o injusto e a
prosperidade daquele que observa e cumpre fielmente a Lei do Senhor em detrimento
das inúmeras desgraças que recaem sobre aquele que não é fiel aos mandamentos
da Lei de Deus.
Para o Antigo Testamento a Lei e a justiça são sinais incontestáveis da graça e
da presença de Deus. Pode-se notar que há pelo menos três grandes códigos
legislativos presentes nele, o Decálogo (Ex 20,1-17; Dt 5,6-21), o Código da Aliança
(Ex 20, 22-23, 33) e a Lei da Santidade (Lv 17-26). A observância à Lei e a prática da
justiça, que é entendida como o próprio seguimento rigoroso às leis, garantem a
preservação da Aliança e a benção e graça de Deus.
No entanto, no Novo Testamento Jesus muda este paradigma e o conceito de
justiça é reinterpretado, vejamos:
3.2 No Novo Testamento
Jesus Cristo, o Messias, judeu que é, foi também observador e cumpridor da
Lei. No entanto, Ele muda a conceituação e a forma de observação da Lei, não
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desabilita ou altera a crença de anos do povo de Israel, mas dá um novo sentido à
observância e ao cumprimento da Lei e ao significado da justiça.
Assim afirma Frei Kloppenburg:
No Novo Testamento Jesus não altera estes conceitos, mas procura purificá-los de sua exteriorização excessivamente legalista. O elemento novo da mensagem de Jesus está em afirmar que, com sua vinda, começou realmente o tempo da “salvação”. Ele mesmo, pessoalmente, já é o cumprimento do anseio de justiça que Deus havia prometido a seu povo. Sua efetivação se outorga como doação graciosa (“graça” dirão depois os cristãos) de Deus aos homens que creem em Jesus como Cristo. (KLOPPENBURG, 2001, p. 27 e 28).
Observe-se que Jesus inaugura um novo conceito de justiça. Em Jesus a
“justiça” do Antigo e do Novo testamento se entrelaçam nos escritos evangélicos e
apostólicos. No Evangelho revela-se a justiça de Deus, nas cartas Paulinas a justiça é
a justificação ou santificação buscada, em João a justiça é sinal do amor de Deus e do
cumprimento de suas promessas.
É evidente que não se encontra no Novo Testamento o peso moral da justiça e
o cumprimento rígido da Lei sob pena da quebra da Aliança, mas sim diante de uma
realidade que se busca equiparar a santidade de Deus e a busca pela justificação.
Uma santidade, justiça, que não se fundamenta no ritualismo das obras e normas
prescritas nos códigos legislativos, orgulhosamente defendida pelos fariseus e
doutores da lei, mas na justiça que se converte em justificação misericordiosa e
gratuita por parte de Deus, em Jesus Cristo, que a outorga a todos, sem distinção, que
O aceitam como único Senhor e Salvador.
3.3 Justiça humana x Justiça de Deus
O homem buscou ser justo e cumprir os mandamentos da Lei de Deus. Assim
como Deus é justo, também o homem é chamado a ser justo e observar os preceitos,
tanto em relação a Deus quanto aos outros homens, seus irmãos.
Mas o homem nem sempre conseguiu ser justo ou pelo menos alcançar um
grau razoável de justiça. Na literatura Sapiencial nota-se a deplorada realidade social
marcada pela desigualdade e pela insensatez que a ela se une. A justiça deve ser um
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ideal para o homem chamado a ser imagem e semelhança de Deus, e uma esperança
aberta a um futuro messiânico.
A justiça de Deus se contrasta com a infidelidade de seu povo que, rompendo a
Aliança, se entregou ao culto de deuses estranhos. Também no Novo Testamento
muitos foram injustos e infiéis aos preceitos de Jesus e à nova proposta que Ele veio
inaugurar.
Ao homem cabe buscar alcançar traços da virtude da justiça na tentativa de
assemelhar-se cada vez mais a Deus, não colocando como modelo uma justiça
puramente humana fadada ao fracasso e à desmedida, mas a justiça de Deus.
Refulge então diante de nossos olhos a sentença do Senhor: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino de Deus” (Mt 5,10). Tais foram sempre os verdadeiros confessores e mártires, que a Igreja canonizou e nos ofereceu como modelos da autêntica vida cristã. Não basta ser perseguido por causa da reforma agrária ou outra reforma social, para entrar no catálogo dos Santos. A justiça exigida por Jesus e pregada por Paulo exige, sobretudo um coração aberto à Santíssima Trindade, que aceita em atitude de fé o Verbo que se fez homem e habitou ente nós para ser Mestre, Salvador e Guia. A justificação ou santificação será então exclusivamente obra ou graça de Deus. Então os bens da ordem temporal nos serão dados como acréscimo (cf. Mt 6,33). (KLOPPENBURG, 2001, p. 29).
Portanto, a virtude da justiça precisa despertar nos homens uma verdadeira
profecia que, como os antigos, exerce sempre a dupla missão do anúncio e denúncia.
Ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-16) diante das situações de injustiças que
rondam a sociedade tendo sempre em vista que a verdadeira justiça não é só uma luta
social ou uma revolução civil, mas sim, e sobretudo, o anúncio profético de Jesus
Cristo e a edificação do Reino de Deus conforme os parâmetros balizados no Novo
Testamento.
4 A JUSTIÇA COMO VIRTUDE
4.1 Na tradição e no Catecismo da Igreja
As virtudes vêm sendo estudadas na tradição da Igreja ao longo dos
séculos. A Doutrina da Igreja Católica, as detém como perfeições habituais e
estáveis da inteligência e das vontades humanas, que adequadas aos nossos
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atos, ordenam as nossas paixões e guiam a nossa conduta segundo a razão e
a fé. (TIRAR AS MARCAS SOB AS PALAVRAS DO TRECHO EXTRAÍDO DO WIKIPEDIA)
O termo justiça perpassa toda a tradição da Igreja, a começar pela Sagrada
Escritura. No Antigo testamento, “a justiça tem como frequência um sentido forense
e se refere aos processos legais”1 ; no Novo Testamento, “a justiça se parece
muito com a santidade, com a transparência do ser humano diante de Deus”2 . Já
as referências dos Santos Padres “à justiça são inumeráveis. Exaltam-na, explicam
suas relações com a caridade, mas também com o poder” 3.
A virtude cardeal da justiça propriamente fora mais explicitada por Tomás
de Aquino na Suma teológica, onde “define essa virtude como a perpétua e
constante vontade de dar a cada um seu direito” (2-2, 58,1) 4.
Mas ao longo dos últimos tempos, numa época não muito remota, o termo
virtude da justiça vem ganhando grande ênfase na tradição da Igreja por meio dos
pronunciamentos papais que acabaram formando o corpo da Doutrina Social da
Igreja, a qual insistiu inúmeras vezes na importância da justiça entendida como
atitude e virtude ou como estilo de uma sociedade humana.
A justiça no Concílio Vaticano II é inúmeras vezes evocada. Em muitas
delas é entendida como a santidade que Deus concede aos homens e espera
deles (cf. LG 9, 32; DV 11). Em outros momentos, o próprio Concílio aponta a
virtude da justiça como uma ação inseparável da caridade e da paz, como retrata a
Lumen gentium §41.
Partindo do itinerário acima nos prestamos com as orientações do
Catecismo da Igreja Católica:
A justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se “virtude de religião”. Para com os homens, ela nos dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum. O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela correção habitual de seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para com o
1 ANDRÉS, 2007, 187.
2 ANDRÉS, 2007, 190.
3 ANDRÉS, 2007, 191.
4 ANDRÉS, 2007, 193.
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próximo. “Não favoreças o pobre nem prestigies o poderoso. Julga o próximo conforme a justiça” (Lv 19, 15). “Senhor, daí aos vossos servos o justo equitativo, sabendo que vós tendes um Senhor no céu” (Cl 4,1). (cf. CIC. 1807)
Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a virtude é uma disposição habitual
e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só praticar atos bons, mas dar o
melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a pessoa virtuosa
tende ao bem, procura-o e escolhe-o na prática” (cf. CIC. 1803).
Em suma, a virtude da justiça na tradição e no Catecismo da Igreja visa uma
tarefa ética de edificar um mundo melhor na verdade e na justiça, quer dizer, uma
missão dupla.
5 OS PECADOS CONTRA A JUSTIÇA
A partir da pesquisa realizada em relação aos pecados que vão totalmente
contra a justiça, podemos compreender esse fato na seguinte situação: o pecado que
está intimamente ligado com as práticas da injustiça, em qualquer circunstância,
acarretará em contraposições totalmente opostas a uma realidade de justiça.
É de suma importância entender a injustiça, como o acúmulo de todos os
males e a representação mesma da maldade, para chegarmos ao ponto chave da
questão discutida nesse tópico.
Abrindo o leque da discussão em relação ao pecado que vem transformando a
estrutura da justiça vivida no âmbito subjetivo e social, fica em voga a problemática:
não podemos anular o homem da sociedade e nem a sociedade do homem, tudo está
intimamente interligado. Afirma José-Román no seu livro “Vida Cristã, Vida Teologal”:
“O panorama das injustiças existentes entre os seres humanos e nas sociedades por
ela formadas é muitas vezes denso e mortífero como maré negra. Os poderosos
procuram ocultá-los. Mas, com o tempo, não há injustiça que não venha à luz.”
(ANDRÉS, 2007, p. 197)
Dentre as injustiças mais presentes em nosso tempo, podemos destacar a
mentira, como uma força que vem dirigindo o mundo sob uma direção destrutiva e que
vai a cada dia alienando e alimentando uma realidade pautada em falsas verdades.
Com esta situação o foco central recai sobre os meios de comunicação, como grande
manipulador da verdade e da banalização do meio social, ou seja, lugar onde a vida
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está situada de forma imanente. Nessa perspectiva a vida do homem se reduz
simplesmente a aspectos acidentais, supervalorizando coisas desnecessárias e
desvinculando-se totalmente de uma moral cristã, que observa a justiça na
fraternidade e não exclusivamente na proclamação da solidariedade.
Nos parâmetros sociais que deságuam no pecado estrutural, não se pode falar
deste como algo isolado e sem uma fundamentação que se baseie na prática dos que
vivem nessa sociedade, pois só há pecado onde habita o pecador. Ao falar da injustiça
nessa dinâmica de estrutura, fica claro que a base fundamental está situada na
opressão, na destruição das criaturas e na morte dos seres humanos. Diante desta
vida negada e recusada que prolifera uma cultura de destruição e morte, o pecado
contra a justiça assume o seu ponto máximo, ou seja, a perda do sentimento de
pertença e cuidado por aquilo que é obra e criatura Divina.
Afirma o Papa João Paulo II:
A estrutura de pecado [...] funda-se no pecado pessoal e, por conseguinte, estão unidas sempre a atos concretos das pessoas que introduzem e tornam difícil sua eliminação. E assim essas mesmas estruturas se reforçam, se difundem e são fonte de outros pecados, condicionando a conduta dos homens (SRS 36).
Por fim concluímos que uma moral que leva a sério uma vida justa e abomina
uma estrutura de massa que vem assolando o nosso tempo, denunciará toda injustiça
que recai sobre a vida do outro instigando a prática da verdadeira justiça.
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6 CONCLUSÃO
Percebe-se, pois, que o conceito de justiça percorreu anos de história nos mais
diferentes povos e culturas, e, todas as pessoas, se questionadas, se habilitam a dizer
algo ou têm algum relato a fazer sobre justiça ou injustiça. Desde os filósofos e
grandes pensadores, em toda a Sagrada Escritura na história do Povo de Deus, na
história dos séculos até os dias atuais, a justiça sempre esteve presente e ultrapassou
do fenômeno meramente teórico para a práxis, instrumentalizando-se nas ciências
jurídicas.
No entanto, nota-se que o conceito de justiça se instrumentalizou demais e a
maioria das pessoas se esqueceram de que muito mais que ciência, pensamento e
práxis, a justiça é uma virtude. Entre as outras virtudes cardeais a justiça se desponta
indispensável a todo ser humano. Muitos dos pecados que matam e escravizam
nestes tempos são praticados pela falta da justiça e do senso de equidade.
A mentira, o pecado estrutural, a ganância, a malandragem, são instrumentos
pecaminosos que causam grande injustiça e oprimem muitas pessoas em detrimento
de benefícios de pouquíssimos. Cumpre, pois, ter a coragem de desmascarar as
estruturas de pecado e, por meio da justiça, quantificar e qualificar a parcela de
contribuição de cada um para a construção do Reino de Deus já aqui.
É sabido que as virtudes cardeais não estão inatas nos seres humanos, por
isso, compete pedir a Deus que desperte o coração dos homens para a necessidade e
a busca desta virtude a fim de que os homens e as sociedades se transformem e haja
conversão, não só no sentido da justiça como dar cada qual o que lhe compete, mas,
e sobretudo, conforme ensina São Paulo, justiça enquanto justificação, santidade e
encontro real e pessoal com Jesus Cristo.
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Portanto, a justiça é uma virtude cardeal que precisa ser adquirida, praticada e
ensinada, para que se possa amar o bem e evitar cada vez mais o mal. Buscando
sempre dar a Deus e ao próximo o que lhe é devido, sobretudo a salvação e a verdade
que há em Jesus Cristo.
7 BIBLIOGRAFIA
Bíblia Sagrada de Jerusalém. Ed. Paulus.
Catecismo Da Igreja Católica. Ed. Paulus.
KLOPPENBURG, Boaventura. Virtudes, frutos que o Pai espera. Ed. Vozes.
SPONVILLE, André Comte. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Tradução de
Eduardo Brandão. Ed. Martins Fontes.
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco- Livro V. Ed. Martin Claret.
ANDRÉS, José- Román Flecha. Vida cristã, vida teologal: Pra uma moral da virtude.
São Paulo: Loyola, 2007.
FLECHA, J.R., La Teología del Desarrollo. Estructuras de pecado, in A.
GUITIÉRRES (ed.), Commentário a la “Sollicitudo rei socialis”, Associación Social
Empresarial, Madri, 1990, 21-57.