vigilância sanitária - temas para debate

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  • SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

    COSTA, EA., org. Vigilncia Sanitria: temas para debate [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 237 p. ISBN 978-85-232-0652-9. Available from SciELO Books .

    All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

    Vigilncia sanitria temas para debate

    Edin Alves Costa (org.)

  • Vigilncia Sanitriatemas para debate

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    ReitorNaomar Monteiro de Almeida Filho

    Vice-ReitorFrancisco Mesquita

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    DiretoraFlvia Goullart Mota Garcia Rosa

    INSTITUTO DE SADE COLETIVA

    DiretorEduardo Luiz Andrade Mota

    Vice-DiretoraIsabela Cardoso de Matos Pinto

    CENTRO COLABORADOR EM VIGILNCIA SANITRIA

    CoordenadoraEdin Alves Costa

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  • Vigilncia Sanitriatemas para debate

    Edin Alves CostaOrganizadora

    saladeaula 7

    EDUFBASalvador, 2009

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  • 2009, by autoresDireitos para esta edio cedidos EDUFBA.

    Feito o depsito Legal.

    Projeto grfico, editorao eletrnica e capaAlana Gonalves de Carvalho Martins

    Preparao de Originais e Reviso de TextoTania de Arago Bezerra

    Magel Castilho de Carvalho

    NormalizaoAdriana Caxiado

    Assessoria tcnica da EDUFBA

    EDUFBARua Baro de Jeremoabo, s/n

    Campus de Ondina, Salvador-BACEP 40170-290

    Tel/fax: (71) 3263-6164www.edufba.ufba.br

    [email protected]

    Vigilncia Sanitria: temas para debate/ autores: Edin Alves Costa (organizadora),

    Fernando Aith, Laurindo Dias Minhoto [et al.]. - Salvador: EDUFBA, 2009.

    240 p. (Coleo Sala de Aula, 7).

    ISBN: 978-85-232-0652-9

    1. Vigilncia sanitria - Brasil. 2. Sade pblica Brasil Histria. 3. Vigilncia sanitria

    legislao- Brasil. 4.Poltica de sade - Brasil. 5. Sade pblica - administrao Brasil.

    6. Promoo da Sade. 7. Controle de Risco. I. Costa, Edin Alves. II. Aith, Fernando. III.

    Minhoto, Laurindo Dias. IV. Srie.

    CDD 614.981

    CDU 614:35(81)

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  • Sumrio

    Apresentao... 7

    Sobre os autores... 9

    Fundamentos da vigilncia sanitria... 11Edin Alves Costa

    Poder de polcia e vigilncia sanitria no estado democrticode direito... 37Fernando Aith, Laurindo Dias Minhoto e Edin Alves Costa

    Risco potencial: um conceito de risco operativopara vigilncia sanitria... 61Handerson Jorge Dourado Leite e Marcus Vinicius Teixeira Navarro

    Trabalho em vigilncia sanitria: conceitos tericos para areflexo sobre as prticas... 83Gislia Santana Souza e Edin Alves Costa

    Sobre um sistema de informao em vigilncia sanitria:tpicos para discusso... 107Luiz Antonio Dias Quitrio

    A utilizao da epidemiologia na regulao sanitriados medicamentos... 131Lia Lusitana Cardozo de Castro

    Comunicao em vigilncia sanitria... 153 Maria Ligia Rangel-S

    Reforma gerencialista e mudana na gesto do sistema nacionalde vigilncia sanitria... 171Isabela Cardoso de Matos Pinto

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  • O processo administrativo no mbito da vigilncia sanitria... 195Yara Oyram Ramos Lima e Edin Alves Costa

    Avaliao da qualidade de programas e aesde vigilncia sanitria... 219Ligia Maria Vieira da Silva

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  • 7

    Apresentao

    Este livro pretende contribuir no ensino de vigilncia sanitria, com umconjunto de temas do cotidiano dos cursos. Apresentados de formadidtica e sinttica os textos no pretendem esgotar a abordagem dosassuntos, mas, ao contrrio, pretendem ser um ponto de partida paracompreenso da rea, especialmente pelos iniciantes, e posterioraprofundamento. O conhecimento das complexas questesrelacionadas ao objeto de regulao e vigilncia sanitria hojeessencial para os estudantes, profissionais e gestores da sade etambm para todas as pessoas que desejam se colocar como cidadosno mundo atual.

    A idia deste livro nasceu da constatao da escassa bibliografiaexistente em vigilncia sanitria e da necessidade de sistematizar asreflexes sobre um conjunto de temas que fazem parte do ambientede reflexo que os cursos na rea constituem, na atualidade. Autilizao didtica destes textos dever ser acompanhada de casosilustrativos selecionados, favorecendo a compreenso dos contedose sua aplicao a situaes concretas.

    A seleo dos temas no pretendeu ser exaustiva e levou em contasua presena constante nos cursos, a disponibilidade j de alguns textose a experincia desenvolvida no Instituto de Sade Coletiva, no ensinode vigilncia sanitria em nvel de atualizao, ps-graduao estrito elato senso, a pesquisa e a cooperao tcnica. Certamente outrosconjuntos temticos e conceituais que privilegiem a compreenso deoutras esferas da vigilncia sanitria devem ser organizados em livrosdidticos, contribuindo na conformao deste novo espao acadmicona Sade Coletiva, voltado para a rea de regulao e vigilnciasanitria, proteo e promoo da sade.

    A realizao deste livro contou com apoio financeiro da AgnciaNacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), atravs do Centro Colaboradorno Instituto de Sade Coletiva (Cecovisa/ISC), e da Editora da

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  • 8Universidade Federal da Bahia, cuja Coleo Sala de Aula tornoupossvel concretizar a produo de um livro de textos didticos emvigilncia sanitria.

    Os autores desta coletnea, todos envolvidos com o estudo e ensinode vigilncia sanitria, esperam contribuir nos processos de formaoe qualificao de pessoal para o desenvolvimento do Sistema nicode Sade e na realizao do compromisso social da Sade Coletivapara com as transformaes necessrias consolidao da sadecomo um direito humano fundamental.

    Edin Alves CostaOrganizadora

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  • 9

    Sobre os autores

    Edin Alves CostaProfessora do Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal daBahia. Doutora em Sade Pblica pela Universidade de So Paulo.Pesquisadora do Programa Integrado de Pesquisa e CooperaoTcnica em Planificao e Gesto do ISC/UFBA, Coordenadora doPrograma Integrado de Pesquisa e Cooperao Tcnica em VigilnciaSanitria e do Centro Colaborador em Vigilncia Sanitria no ISC/UFBA.

    Fernando AithProfessor da Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas, So Paulo.Advogado, Doutor em Sade Pblica e Mestre em Filosofia e TeoriaGeral do Direito pela Universidade de So Paulo. Pesquisador do Centrode Estudos e Pesquisas de Direito Sanitrio CEPEDISA.

    Gislia Santana SouzaProfessora da Faculdade de Farmcia da Universidade Federal da Bahia.Doutora em Sade Pblica pela Universidade Federal da Bahia,superintendente de Assistncia Farmacutica, Cincia e Tecnologia emSade na Secretaria de Sade do Estado da Bahia.

    Handerson Jorge Dourado LeiteProfessor do IFET-BA, doutor em Sade Pblica pela UniversidadeFederal da Bahia. Coordenador e pesquisador do Ncleo deTecnologias em Sade do IFET-BA e do Centro Colaborador emVigilncia Sanitria no ISC/UFBA.

    Isabela Cardoso de Matos PintoProfessora e Vice-Diretora do Instituto de Sade Coletiva daUniversidade Federal da Bahia. Doutora em Administrao Pblica pelaUniversidade Federal da Bahia. Mestre em Sade Coletiva pelaUniversidade Federal da Bahia, pesquisadora do Programa Integradode Pesquisa e Cooperao Tcnica em Planificao e Gesto no ISC/UFBA.

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    Laurindo Dias MinhotoProfessor de Sociologia Jurdica da Escola de Direito da Fundao GetlioVargas, So Paulo e professor adjunto da Universidade So Judas Tadeu,So Paulo. Advogado, doutor em Direito pela Universidade de So Paulo.

    Lia Lusitana Cardozo de CastroPresidente do Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Vigilnciade Medicamentos (SOBRAVIME). Doutora em Epidemiologia pelaUniversidade de So Paulo.

    Lgia Maria Vieira da SilvaProfessora do Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal daBahia. Doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de So Paulo.Pesquisadora do Programa Integrado de Pesquisa e Cooperao Tcnicaem Planificao e Gesto no ISC/UFBA. e em Avaliao em Sade.

    Luiz Antonio Dias QuitrioTcnico do Centro de Vigilncia Sanitria da Secretaria de Sade doEstado de So Paulo. Professor convidado de cursos de vigilnciasanitria e ambiental. Engenheiro agrimensor, Mestre em Sade Pblicapela Universidade de So Paulo.

    Marcus Vinicius Teixeira NavarroProfessor do IFET-BA, Doutor em Sade Pblica pela UniversidadeFederal da Bahia. Coordenador e pesquisador do Ncleo deTecnologias em Sade do IFET-BA e do Centro Colaborador emVigilncia Sanitria no ISC/UFBA.

    Maria Lgia Rangel-SProfessora do Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal daBahia. Doutora em Sade Pblica pela Universidade Federal da Bahia.Pesquisadora do Programa Integrado de Pesquisa e Cooperao Tcnicaem Planificao e Gesto do ISC/UFBA e em Comunicao em Sade.

    Yara Oyram Ramos LimaMestre em Sade Coletiva pela Universidade Federal da Bahia,doutoranda em Sade Pblica no ISC/UFBA. Advogada, tcnica doCentro Colaborador em Vigilncia Sanitria no ISC/UFBA.

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  • Edin Alves Costa 11

    Fundamentosda vigilncia sanitria

    Edin Alves [email protected]

    Introduo

    Vigilncia sanitria integra a rea da Sade Coletiva.Em suas origens constituiu a configurao maisantiga da Sade Pblica e atualmente sua facemais complexa (COSTA; ROZENFELD, 2000).Conforma um campo singular de articulaescomplexas entre o domnio econmico, o jurdico-poltico e o mdico-sanitrio. Engloba atividadesde natureza multiprofissional e interinstitucionalque demandam conhecimentos de diversas reasdo saber que se intercomplementam de formaarticulada. Constitutiva das prticas em sade, seuescopo de ao se situa no mbito da preveno econtrole de riscos, proteo e promoo da sade.

    A reflexo sobre este conjunto de saberes e prticaspode se dar a partir dos seguintes enfoques: a) a

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  • 12 Fundamentos da vigilncia sanitria

    vigilncia sanitria tem por finalidade a proteo dos meios devida, ou seja, a proteo dos meios de satisfao de necessidadesfundamentais; b) a vigilncia sanitria uma instncia dasociedade que integra, com outros servios, o conjunto dasfunes voltadas para a produo das condies e pressupostosinstitucionais e sociais especficos para as atividades dereproduo material da sociedade; c) as aes so decompetncia exclusiva do Estado, mas as questes de vigilnciasanitria so de responsabilidade pblica.

    Como um servio de sade, a vigilncia sanitria (Visa)desenvolve um conjunto de aes estratgico no sistema desade, com a funo de regular, sob o ngulo sanitrio, asatividades relacionadas produo/consumo de bens e serviosde interesse da sade, seus processos e ambientes, sejam daesfera privada ou pblica. Constitui um componente especficodo sistema de servios de sade e integra a ateno sadeque, por seu lado, representa um segmento estratgico paravrios ramos do setor produtivo: empresas do complexomdico-industrial, de servios, de saneantes, alimentos, entreoutras. A Visa se situa, portanto, no mbito da interveno nasrelaes sociais produo-consumo e tem sua dinmicavinculada ao desenvolvimento cientfico e tecnolgico e a umconjunto de processos que perpassam o Estado, o mercado e asociedade.

    Em todas as pocas ocorreram intervenes do Poder deAutoridade sobre as prticas de cura, os medicamentos, osalimentos, a gua, o ambiente. Com o avano das forasprodutivas, surgiram intervenes sobre a circulao dos meiosde transporte, cargas e pessoas, bem como sobre o consumoda fora de trabalho, mediante distintas formas de regulao einterveno nas prticas do mercado. Foi-se estabelecendo

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  • Edin Alves Costa 13

    regras para o exerccio de atividades relacionadas com taiselementos, visando proteger a sade das pessoas e dacoletividade. As regras acompanham o desenvolvimentocientfico e tecnolgico e a organizao do poder nas sociedades,que os apresentam de formas e graus diferenciados.

    Tambm se constata, historicamente, a renitente tentativa deprticas fraudulentas no mercado desses bens, com ilicitudesque representam ameaas sade e que frequentemente causamdanos de distintas gravidades.

    O exame das intervenes do Poder de Autoridade denota umadada racionalidade orientada proteo dos meios de vida, ouseja, proteo dos meios de satisfao de necessidadesfundamentais. Esses meios so, ao mesmo tempo, insumosde sade/bens sociais e mercadorias, conferindo grandecomplexidade s aes de vigilncia sanitria, pela sua naturezaregulatria, e um permanente desafio em todas as pocas esociedades.

    Conceitos bsicos

    Alguns conceitos so fundamentais para o entendimento destarea, em especial os conceitos de risco, regulao, poder depolcia, segurana sanitria e responsabilidade pblica. Oprimeiro e o terceiro desses conceitos sero abordados commaior profundidade nos textos especficos.

    Risco um conceito central e de significativa importncia nossaberes e prticas da rea de Visa. O risco um fenmenosocial complexo, ganhou tal amplitude na sociedade modernaque esta foi denominada, por Beck (1998), sociedade do risco.

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  • 14 Fundamentos da vigilncia sanitria

    O termo risco polissmico, utilizado na linguagem tcnico-cientfica e na linguagem comum adquire significados variados.

    No campo da sade, especialmente na Epidemiologia, o riscocorresponde a uma probabilidade de ocorrncia de umevento, em um determinado perodo de observao, empopulao exposta a determinado fator de risco, sendo semprecoletivo (ALMEIDA FILHO, 1997). Este conceito de risco fundamental, mas insuficiente para a rea de vigilncia sanitriaque tambm lida com o risco como possibilidade deocorrncia de eventos que podero provocar danos sade,sem que se possa muitas vezes precisar qual o evento, e atmesmo se algum ocorrer.

    Deste sentido deriva o conceito de risco potencial, de granderelevncia na rea de vigilncia sanitria, que essencialmentepreventiva: diz respeito possibilidade de ocorrncia deevento que poder ser danoso para a sade; ou seja, refere-se possibilidade de algo produto, processo, servio, ambiente causar direta ou indiretamente dano sade. A utilizaode um tensimetro descalibrado, por exemplo, poderprovocar danos sade de uma pessoa ao mensurar uma pressoarterial erroneamente e gerar uma prescrio equivocada ounenhuma prescrio. Em situaes como essa no possvelestimar a probabilidade de ocorrncia de um dano, mas perfeitamente admissvel a possibilidade de que ocorra.

    Determinados objetos sob vigilncia sanitria portam riscosintrnsecos e riscos potenciais, a exemplo dos medicamentos:mesmo que adequadamente formulados, produzidos,transportados, armazenados, prescritos e utilizados, sempreportaro um grau de risco, alm da possibilidade de seremadicionados outros ao longo dessas atividades. atribudo Visa a tarefa de controlar riscos sanitrios relacionados a um

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  • Edin Alves Costa 15

    conjunto de bens, seus processos e ambientes, sejam produtosou servios, definidos no processo social como de interesse dasade. Por intervir nessas atividades, visando a proteo dasade, as aes de vigilncia sanitria tm natureza regulatria.

    Uma breve reflexo sobre o vocbulo regulao indica queeste tambm um termo polissmico, mas os sentidos emdicionrio o circunscrevem em funes atribudas vigilnciasanitria: estabelecer regras, sujeitar a regra, dirigir; encaminharconforme a lei; esclarecer e facilitar, por meio de disposies,a execuo da lei; estabelecer ordem, ajustar, conter, moderar,reprimir1.

    A temtica da regulao em sade vem sendo amplamentedebatida2 e existem entendimentos diversos sobre quem podeexercer a ao regulatria, se o Estado e seu aparato, organizaesprivadas e at internacionais.

    Veja-se, por exemplo, o pensamento de Souza (2007), segundoo qual a regulao sanitria pode ser entendida como todocontrole, sustentado e especializado, feito pelo Estado ou emseu nome, que intervm nas atividades de mercado que soambivalentes, pois, embora teis, apresentam riscos para a sadeda populao.

    No mbito da Visa, a regulao uma funo mediadora entreos interesses da sade e os interesses econmicos; ou seja, avigilncia sanitria constitui uma instncia social de mediaoentre a produo de bens e servios e a sade da populao.Compete-lhe avaliar riscos e executar um conjunto de aespara prevenir, minimizar e eliminar riscos sade, bem comoestabelecer regulamentos tcnico-sanitrios e fazer cumprirestes e as normas jurdicas, que fixam as regras para oscomportamentos relacionados com os objetos sob vigilncia

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  • 16 Fundamentos da vigilncia sanitria

    sanitria. Por isso as aes so de competncia exclusiva doEstado que deve atuar em prol da preservao dos interessessanitrios da coletividade, de modo a proteger a sade dapopulao, dos consumidores, do ambiente.

    As regras acompanham o desenvolvimento cientfico etecnolgico que desigual entre os pases e a organizaodo poder e os interesses que, por seu lado, tm formas egraus diferenciados nas sociedades e entre os pases. Osmodelos organizacionais e operativos da vigilncia sanitria estovinculados aos processos sociais e ao desenvolvimentoeconmico, cientfico e tecnolgico nos distintos pases.

    necessrio ter em conta que a economia parte constitutivada sociedade e que as prticas de vigilncia sanitria constituemtanto uma ao de sade quanto um componente da organizaoeconmica da sociedade. Assim, entende-se que tais prticas,como parte do setor de servios, articulam-se com as de outrossetores institucionais, integrando um conjunto de funes que,segundo Claus Offe (1991) esto voltadas para a produo dascondies e pressupostos institucionais e sociais especficospara as atividades de reproduo material da sociedade.

    Os pases com algum grau de desenvolvimento organizamservios do mbito da Visa. Considerando o princpio da livreiniciativa e o mvel da produo capitalista, que o lucro, foroso admitir a dificuldade de atuao no mercado, por partede todos os interessados, com respeito aos direitos uns dosoutros e aos direitos dos cidados e consumidores. Alm disso,no contexto da globalizao econmica, todos os pases queremparticipar do mercado internacional que exigente quanto qualidade dos produtos. Depreende-se, portanto, a importnciada vigilncia sanitria enquanto um instrumento da organizaoeconmica da sociedade, podendo-se perceber que a funo

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    protetora de suas aes abarca no apenas cidados e consu-midores, mas tambm os produtores, pois ao final protege asmarcas da atuao de fraudadores e agrega valor produo.

    A regulao sanitria um exerccio de poder, por isso que aVisa detm o chamado poder de polcia que lhe permitelimitar o exerccio dos direitos individuais em benefcio dointeresse pblico (DI PIETRO, 2001). Compreende-se, assim,que o poder um atributo para o cumprimento do dever quetem o Estado de proteger a sade. Na busca da seguranasanitria, a vigilncia sanitria, como brao especializado doEstado para a regulao em sade, deve acionar tecnologias deinterveno, informaes, metodologias e estratgias afinadascom o conhecimento cientfico atualizado e os valoresestabelecidos na nossa Constituio.

    Segurana sanitria um conceito em formao e valorizaono contexto internacional, face trade desenvolvimentotecnolgico-riscos-conhecimento. Diz respeito a umaestimativa de relao risco-benefcio aceitvel. A noo desegurana sanitria vem sendo debatida, especialmente empases mais avanados, produtores de tecnologias e que tambmtm experimentado eventos negativos de repercusses sociaise econmicas. A expresso frequente na legislao sanitriano Brasil, como argumento para validar a interveno, e foiincorporada recentemente na misso da Agncia Nacional deVigilncia Sanitria (Anvisa).3

    Responsabilidade pblica diz respeito aos atores envolvidoscom as questes da rea de vigilncia sanitria que transbordamo aparelho de Estado. Alm do Estado e seus agentes, produtores,distribuidores, comerciantes e prestadores de servios, aresponsabilidade abrange os profissionais de sade, os agentesdos meios de comunicao, os consumidores e os cidados.

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  • 18 Fundamentos da vigilncia sanitria

    Caractersticas das aes de vigilncia sanitria

    As aes de vigilncia sanitria portam certas especificidades:so aes de sade dirigidas, fundamentalmente, ao controlede riscos reais e potenciais, ou seja, tm natureza essencial-mente preventiva, no s de danos, mas dos prprios riscos.Desse modo, permeiam todas as prticas mdico-sanitrias:da promoo proteo, recuperao e reabilitao da sade.Nas diversas atividades relacionadas com a sade faz-senecessria alguma ao de vigilncia sanitria, tambm exercidassobre o meio ambiente e o ambiente de trabalho.

    Em sua maior parte as aes so exercidas sobre coisas,produtos, tecnologias, processos, estabelecimentos, meios detransportes e ambientes e uma frao menor, mas igualmenteimportante, sobre pessoas, principalmente os viajantes,incluindo os trabalhadores dos meios de transporte sobvigilncia sanitria.

    Outra caracterstica o compartilhamento de competncias comoutros setores institucionais, o que amplia a complexidade eimplica em vigoroso esforo de construo da intersetorialidade,dado que as racionalidades de outros setores no so idnticas sda sade. Os alimentos, por exemplo, so objeto decompetncias do setor sade e da agricultura. O controle dosagrotxicos compartilhado por instituies do setor sade, daagricultura e do meio ambiente; j os servios de sade queutilizam radiaes ionizantes tm as fontes controladas pelaComisso de Energia Nuclear (CNEN).

    O escopo de competncias e os modelos organizacionais eoperativos no so idnticos entre os pases, tampouco adenominao. A denominao vigilncia sanitria foi adotadano Brasil, mas no existe um termo universal para nominar a

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  • Edin Alves Costa 19

    rea. A definio incorporada Lei Orgnica da Sade (Lei 8.080,art. 6, pargrafo 1.) delineia um marco referencial de naturezapreventiva e do mbito das relaes sociais produo-consumo,como:

    [...] um conjunto de aes capaz de eliminar, diminuir ouprevenir riscos sade e de intervir nos problemassanitrios decorrentes do meio ambiente, da produo ecirculao de bens e da prestao de servios de interesseda sade, abrangendo o controle de bens de consumo que,direta ou indiretamente, se relacionem com a sade,compreendidas todas as etapas e processos, da produo aoconsumo; o controle da prestao de servios que serelacionam direta ou indiretamente com a sade. (BRASIL,1990)

    Caractersticas dos objetos de cuidado

    As aes de vigilncia sanitria abrangem objetos de grandediversidade, cada vez mais ampliada medida que se amplia aproduo de bens e servios, quer sejam destinados satisfaode necessidades fundamentais ou suprfluos. E ainda existemaqueles que as sociedades incorporaram, mesmo sendo to-somente nocivos, como os derivados do tabaco. Compete Visa gerenciar riscos associados s diversas atividades comesses bens e evitar que sejam produzidas ou ampliadasnocividades para a populao e o ambiente. No julgamento decrimes contra a sade pblica, a noo de nocividade adquiredupla dimenso: uma positiva, referente condio de oproduto causar diretamente um dano sade (por adio denocividade), e uma dimenso negativa, ou seja, quando oproduto causa indiretamente um dano (por subtrao de umbenefcio esperado).

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  • 20 Fundamentos da vigilncia sanitria

    Os objetos de cuidado em sua maioria so, ao mesmo tempo,mercadorias e insumos de sade ou meios de vida. Este carterhbrido dos objetos mais uma das razes pelas quais as aesde vigilncia sanitria se revestem de grande complexidade.Intervir nas relaes sociais produo-consumo envolvendoprodutos e servios, no mbito privado ou pblico, parapreservar os interesses da sade, constitui um permanentedesafio.

    Alm dos diversos tipos de produtos e servios essenciais sade, a Visa tambm deve atuar sobre aqueles inventados pelomercado para satisfao de necessidades artificialmente criadas.No primeiro caso, a complexidade se amplia, porque alm donecessrio cuidado com os atributos inerentes aos bensessenciais, necessrio regular outros aspectos, comodisponibilidade, preo e acessibilidade, que no podem sersubjugados lgica do mercado, como no exemplo dosmedicamentos. No segundo caso, pode faltar conhecimento arespeito do produto ou servio, e tecnologias para o respectivocontrole; portanto, dificuldade para avaliao dos requisitos dequalidade, eficcia e segurana. Esta situao se apresentouquando da necessidade de regular as cmaras de bronzeamento.

    Cada objeto tem suas especificidades e atributos que sohistoricamente construdos, ou seja, identidade, finalidade,eficcia, segurana e qualidade esperadas e obviamenteporta riscos. O surgimento e a operacionalizao dessesconceitos se do no curso do desenvolvimento cientfico etecnolgico e dos arranjos que as sociedades estabelecem paraas intervenes do Estado sem obstculos ao desenvolvimentoeconmico. Em linhas gerais, cada objeto deve estar submetidoao princpio do benefcio, requisito biotico que rege asatuaes em sade.

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  • Edin Alves Costa 21

    Face diversidade de objetos de cuidado, muitas vezes objetosdistintos portam noes diversificadas e/ou imprecisas noreferente aos atributos. A noo de eficcia, por exemplo, inerente aos medicamentos: um dos requisitos tcnico-cientficos do frmaco para a colocao de um medicamentono mercado. No entanto, essa mesma noo no se aplica aocaso de um sorvete. Qual seria a eficcia esperada de umsorvete? Pode-se verificar que este atributo nem sempre seaplica aos vrios objetos. J no o caso da segurana, atributorequerido de todo objeto sob vigilncia sanitria. Estas questesrequerem um esforo de construo da interdisciplinaridadeentre saberes de variados ramos e um exame apurado de cadaobjeto luz desses conceitos.

    Alm de as avaliaes de risco serem sempre imprecisas(LUCCHESE, 2008)4, os objetos podem portar riscos possveisno avaliados, devido insuficincia do conhecimento cientfico.Tal fato tambm pode decorrer de desinteresse investigativo,pois o mercado est mais interessado em demonstrar eficciado que riscos. A vigilncia sanitria, portanto, deve estarcapacitada para analisar, cuidadosamente, os resultados dosestudos quanto a riscos, benefcios, eficcia e segurana quefundamentam as propostas apresentadas instituioreguladora com os pedidos de registro.

    Na atualidade, ocorre muitas vezes um descompasso entredesenvolvimento tecnolgico e produo do conhecimentocientfico; ou seja, chegam tecnologias ao mercado sem asdevidas avaliaes de risco. Nestes casos, deveria ser adotadoo princpio da precauo que hoje constitui um reclamosocial dos segmentos mais afinados com preocupaes em tornoda segurana sanitria global. o caso dos produtostransgnicos, que ainda no contam com conhecimento

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  • 22 Fundamentos da vigilncia sanitria

    cientfico suficiente sobre os possveis riscos, mas esto nomercado de consumo.

    Mas nem tudo que porta risco sade est submetido avigilncia sanitria. Alm disso, tambm varia entre os pases aorganizao dos servios que realizam tais atividades. Essasdefinies vinculam-se aos processos sociais de cada sociedade.Nos Estados Unidos, por exemplo, o controle sanitrio derao animal e medicamentos de uso mdico-veterinrio decompetncia do Food and Drug Administration (FDA) quecontrola os produtos de consumo humano. J o controlesanitrio dos servios de sade e da rea de portos, aeroportose fronteiras so de competncia de outros setores institucionais,diferentemente do rol de competncias da vigilncia sanitriano Brasil. Note-se a questo do tabaco: o Brasil, seguindo orastro de alguns pases, a partir do comeo dos anos 1980 iniciouum processo visando o controle da propaganda dos derivadosdo tabaco e do seu uso em determinados locais. Atualmente,no s a propaganda, embalagens e rtulos esto sujeitos avigilncia sanitria, como os produtos fumgenos derivados dotabaco, quanto aos teores de substncias controlveis.

    Os servios de sade, sejam assistenciais ou de apoio diagnstico,constituem objeto de grande complexidade quanto aos riscos,quanto maior a densidade tecnolgica e a diversidade de serviosque prestam. Os servios de sade constituem espaos desobreposio de riscos, dado que comportam a maior partedos produtos sob vigilncia sanitria, uma multiplicidade deprocessos com eles, envolvendo distintos profissionais e suassubjetividades, e atividades com pessoas em geral em situaesde vulnerabilidade aumentada pelos problemas de sade. Almdessa dimenso dos chamados riscos iatrognicos, h ainda osdemais servios, de interesse da sade, cuja diversidade tambm

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    indica ampliao da problemtica dos riscos como objeto detrabalho da vigilncia sanitria.

    Deve-se ressaltar que o processo de produo dos objetos daao de vigilncia sanitria, sejam produtos ou servios, geraexternalidades que podem provocar impacto negativo no meioambiente, na sade do trabalhador e da populao. Essasquestes no podem ser omitidas na atuao da vigilnciasanitria, mesmo que no plano federal o meio ambiente e oambiente de trabalho tenham sido excludos das competnciasinstitucionais.

    Lcus de atuao

    A questo risco, sade e mercado na sociedade atual configuraum espao de tenso permanente, conflitos e presses, emvirtude das relaes que se estabelecem entre os interesses,princpios e imperativos da ordem econmica vis a vis osinteresses sanitrios. O mbito das relaes sociais produo-consumo constitui o lcus principal de atuao da vigilnciasanitria como espao de interveno em prol dos interessesda sade. Nesse sentido, faz-se necessrio uma breve reflexosobre a natureza da produo capitalista para a compreensoda vigilncia sanitria numa totalidade social.

    Antes de tudo necessrio lembrar que o mvel da produocapitalista o lucro e que a produo destinada ao consumo.O modo de produo capitalista gera um sistema de necessidadee com ele um estado de permanente carncia, caracterstico dasociedade de consumo (BAUDRILARD, 1977).

    Sempre se est precisando de algo na sociedade atual, que seapresenta como sociedade de riscos e de consumo. Nela

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  • 24 Fundamentos da vigilncia sanitria

    coexistem necessidades naturais, claro, conjuntamente comas necessidades artificialmente criadas para fomentar oconsumo. Para umas e outras so constantemente ofertadosobjetos de consumo sob poderosas estratgias mercadolgicas,pois a ordem consumir. Alm de tudo ser transformado emmercadoria isto , bem de consumo tambm ocorre umprocesso de resignificao das mercadorias, de transformaode um objeto no sentido que lhe atribudo; ou seja, os objetosde consumo adquirem um valor simblico. assim que omedicamento como mercadoria simblica, por exemplo, passaa significar cura. Possuir um determinado plano de sade outer acesso aos servios de sade significa ter sade. A sadeenfim, como diz Lefvre (1991, 1999), torna-se um objeto dedesejo disponvel no mercado. Verifica-se que as farmcias,que deveriam ser estabelecimentos de sade, abarrotadas demercadorias vendem sade, beleza, higiene.

    O modo de produo capitalista tambm coloca os produtoresem permanente tenso: a livre iniciativa um princpio daordem econmica que se defronta continuamente com as leisda concorrncia. Com isso, as empresas enfrentam o constantedesafio de se manterem no mercado; devem incorporarinovao e/ou expandir seus mercados, avanando para outrosterritrios ou diversificando a produo. As localidades queoferecem incentivos fiscais, mo-de-obra mais barata, leisambientais e sanitrias menos exigentes e aparatos regulatriosmais frouxos, por exemplo, funcionam como atrativos parainstalao das empresas, cada vez mais transnacionais nomovimento da globalizao econmica.

    Neste ambiente social de disputas de sentido, a ideologia doconsumo encarrega-se de transformar a todos em iguais,apresentando o universo de consumo como algo essencialmente

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    democrtico. E desempenha, igualmente, sua funo produti-vista, ou seja, voltada realizao da produo, mediante oestmulo ao consumo. No entanto, a produo, a distribuioe o consumo se do numa totalidade social e, assim como hdesigualdade na distribuio dos bens, na capacidade de comprapara adquiri-los (GIOVANNI, 1980), tambm h desigualdadena exposio a riscos sade.

    As estratgias mercadolgicas no mais das vezes induzem aprticas de risco, seja pela tendncia a descaracterizar o potencialde riscos dos bens, seja por incentivar o consumo daquilo querequer uso racional. Neste ambiente, marcado pela assimetriade informao, fundamental a interveno do Estado nafuno regulatria, para proteger a sade da populao, inclusivecom atuao sobre a propaganda e a publicidade dos produtose servios de interesse da sade.

    Em razo das questes advindas das relaes sociais produo-consumo, nas sociedades contemporneas faz-se o reconheci-mento da vulnerabilidade do consumidor no mercado deconsumo e, com isto, a afirmao dos seus direitos, tal comoso afirmados os direitos de cidadania nas sociedades onde vigorao Estado de Direito. Em consequncia, estabelecem-se osCdigos do Consumidor e os Cdigos Sanitrios. Ressalte-seque tambm existem leis para a defesa da ordem econmica,da livre concorrncia (Leis antitruste) e dispositivos parasalvaguardar os interesses pblicos. Existem leis de proteoda propriedade intelectual, a exemplo da Lei de Patentes, eque, ao mesmo tempo contm salvaguardas face a necessidadesimperiosas em sade pblica. Nesta lei, tais salvaguardaspermitem a chamada quebra de patentes, isto , olicenciamento compulsrio de um medicamento com prazode patente ainda em vigncia, no interesse pblico.

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  • 26 Fundamentos da vigilncia sanitria

    Tecnologias de intervenoou instrumentos de ao

    Para o controle de riscos e exerccio do poder de polcia avigilncia sanitria aciona um conjunto de tecnologias deinterveno ou instrumentos de ao. Uns esto determinadosem lei e uns integram outras prticas em sade. O conjunto imprescindvel para abarcar o ciclo produo-consumo dos bensem seus diversos momentos. Os principais instrumentos so:a legislao (normas jurdicas e tcnicas), a fiscalizao, ainspeo, o monitoramento, o laboratrio, a vigilncia deeventos adversos e outros agravos, a pesquisa epidemiolgica,de laboratrio e outras modalidades, e as aes em torno dainformao, comunicao e educao para a sade.

    Proteo da sade e segurana sanitria implicam num sistemade informao organizado nas distintas esferas de gesto e ouso concomitante das vrias tecnologias de interveno, que seintercomplementam em um conjunto organizado de prticas,nas seguintes dimenses:

    Tecnolgica, ou seja, com o uso dos vrios instru-mentos. Cada tecnologia de interveno tem seupotencial e seus limites no controle de riscos.

    Sistmica, ou seja, nos planos federal, estadual emunicipal. O Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria um subsistema do SUS, portanto, a Visa estsubmetida aos mesmos princpios e diretrizes, mesmoque guarde alguma especificidade.

    Intersetorial, isto , com aes articuladas com outrossetores institucionais, com os quais a Visa partilha ouno competncias.

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  • Edin Alves Costa 27

    tica, pois sade um dos direitos humanos; sade equalidade de vida so imperativo tico e ainda h orequisito de respeito aos princpios que regem a atuaodo Estado e seus agentes.

    Numa abrangncia social, em articulao com os vriosatores do aparato estatal e da sociedade, com participaoe controle social.

    Legislao sanitria. Abrange normas de proteo da sadecoletiva e individual; imprescindvel, devido naturezainterventora das aes e da necessidade de observncia doprincpio da legalidade na atuao do Estado. A legislaoestabelece as medidas preventivas e as repressivas, as regraspara as atividades com os objetos sob controle e para a atuaoda prpria vigilncia.

    Fiscalizao. corolrio da legislao, se existe lei deve haverfiscalizao do seu cumprimento. Este um dos momentosde concreo do exerccio do poder de polcia. A fiscalizaosanitria verifica o cumprimento das normas de proteo dasade e pode ser exercida por meio da inspeo sanitria, deanlises laboratoriais de produtos, de exame de peaspublicitrias, entre outras atividades.

    Inspeo sanitria. Pode ser definida como

    [...] uma prtica de observao sistemtica, orientada porconhecimento tcnico-cientfico, destinada a examinar ascondies sanitrias de estabelecimentos, processos, produtos,meios de transporte e ambientes e sua conformidade compadres e requisitos da Sade Pblica que visam a proteger asade individual e coletiva. (COSTA, 2003)

    Laboratrio. Conceitualmente o Laboratrio de SadePblica integra a estrutura da vigilncia sanitria; um

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    instrumento que produz informao relevante, que permiteanalisar o produto em si e os efeitos do seu uso na sade deindivduos e grupos da populao. imprescindvel a umavigilncia ativa e permite cumprir a legislao que estabelece aobrigatoriedade de anlises fiscais peridicas de produtoscolocados no mercado. Essas anlises so eminentementepreventivas, para avaliar a qualidade dos produtos e sofundamentais para elucidar suspeitas, dirimir dvidas,estabelecer relaes de causalidade e identificar agentes dedanos sade.

    Monitoramento. Com esta tecnologia, que significa acompanhare avaliar, controlar, mediante acompanhamento, a vigilncia sanitriapode monitorar situaes de risco, processos, a qualidade deprodutos etc. e identificar risco iminente ou virtual de agravos sade, como tambm os resultados de aes de controle.

    Pesquisas epidemiolgicas, de laboratrio e de outranatureza. So fundamentais para produzir conhecimentosobre questes da rea, elucidar associaes entre fatores derisco relacionados aos objetos sob vigilncia sanitria edeterminadas doenas e agravos, fundamentar a regulamentaode substncias e produtos, entre outras finalidades.

    Vigilncia de eventos adversos e outros agravos. A vigilnciaepidemiolgica se consolidou como um importante instrumentono controle de doenas e agravos. Sua operacionalizao, emnvel nacional, possibilitou o desenvolvimento de aes de grandeimpacto na situao das doenas transmissveis no pas,especialmente as prevenveis por imunizao. A Lei 8.080/90ampliou o conceito e a definiu como:

    [...] um conjunto de aes que proporciona o conhe-cimento, a deteco ou preveno de qualquer mudana

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    nos fatores determinantes e condicionantes de sadeindividual ou coletiva, com a finalidade de recomendar eadotar as medidas de preveno e controle das doenas ouagravos. (BRASIL, 1990)

    Derivadas da vigilncia epidemiolgica, a farmacovigilncia, ahemovigilncia, a tecnovigilncia, a toxicovigilncia etc., soestruturadas no propsito de identificar e acompanhar aocorrncia de eventos indesejveis relacionados aos objetos sobvigilncia sanitria, sejam eventos adversos sade ou queixastcnicas. Estas prticas, juntamente com a vigilncia dastoxinfeces alimentares e a vigilncia de infeces hospitalarespossibilitam identificar eventos negativos, fornecem informa-es valiosas para subsidiar as aes de controle sanitrio dosprodutos, aps sua colocao no mercado de consumo, bemcomo dos servios de sade.

    Informao, comunicao, educao para a sade eoutras intervenes para a promoo da sade. fundamental que sejam acionadas estratgias de informao ecomunicao com a populao, profissionais e gestores da sadee agentes dos segmentos regulados, a respeito das questes darea de vigilncia sanitria. Muitas reclamam estratgias decomunicao de riscos que podero contribuir para modificaratitudes e comportamentos orientadas para a construo deuma conscincia sanitria calcada na sade como um valor edireito dos cidados5.

    O direito informao correta sobre benefcios e riscos dosobjetos sob vigilncia sanitria integra o rol dos direitos docidado e do consumidor. Sendo assim, a Visa deve no apenasfiscalizar produtos e servios e as estratgias mercadolgicas,como a propaganda, mas tambm divulgar informaesadequadas e pertinentes, contribuindo para reduzir as

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  • 30 Fundamentos da vigilncia sanitria

    assimetrias de informao e para subsidiar uma ao maisproativa e participativa do cidado na defesa dos seus direitos.

    Por fim, preciso lembrar que a gesto da vigilncia sanitria,em qualquer esfera de governo, sempre se reveste de grandecomplexidade; requer profissionais qualificados e de distintasformaes, informao atualizada, infraestrutura capacitada,inclusive laboratorial e com acesso ao conhecimento atualizado,e recursos de poder poltico. A regulao sanitria sobre omercado, cujos agentes concentram significativas parcelas depoder, representa um desafio, igualmente significativo quandose reporta regulao sanitria do prprio Estado, em especialno que se refere aos servios pblicos. Isto acaba gerandoiniqidade: com frequncia, o brao forte da vigilncia sanitriaatua com pesos desiguais frente aos servios de sade privadose pblicos6

    Breve sumrio das aes de vigilncia sanitria

    A seguir apresenta-se um sumrio das aes de vigilnciasanitria que no pretende ser exaustivo. Certas aes so usuaise outras recm foram iniciadas no Brasil, na esfera federal eem alguns estados:

    Para o exerccio de atividades de interesse da sade oagente solicita permisso ou Autorizao de Funcio-namento de Empresa (AFE): a Visa avalia se a atividade permitida e de interesse da sociedade, se a empresa legalizada e se tem capacidade tcnica, se o local deinstalao conveniente. O conceito jurdico deautorizao, que lida com interesses, permite Visadenegar a solicitao. Esta autorizao no requerida

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    dos servios de sade e sim das empresas produtorasde bens regulados pela Lei 6.360/76, de farmcias eempresas que atuam na rea de portos, aeroportos efronteiras. A concesso de competncia da esferafederal.

    Seja ou no exigida a AFE, o estabelecimento requer aLicena Sanitria: por meio da inspeo sanitria a Visaavalia as condies das instalaes, a capacitao tcnicae operacional da empresa, a responsabilidade profissionaletc. e o conjunto de requisitos. O conceito jurdico delicena, que um instrumento vinculado e lida comdireitos, no faculta autoridade sanitria negar asolicitao, isto , preenchidos os requisitos a Visa nopode negar a licena, cujo ato se expressa no AlvarSanitrio.

    Os servios de sade e os servios de interesse da sadenecessitam de Licena Sanitria para seu funcionamento.A Visa examina as condies dos estabelecimentos, ocumprimento dos diversos requisitos atinentes s suasfinalidades, os meios de proteo capazes de evitarefeitos nocivos sade dos agentes, clientes/pacientese circunstantes e o manuseio e destinao dos resduos.

    Para colocar produtos no mercado o produtor requer oRegistro: a Visa avalia os documentos apresentados sobrea formulao, substncias permitidas/proibidas, validadedos ensaios clnicos controlados (no caso de medi-camentos) e outros testes, informes de bulas, rtulos,embalagem, peas publicitrias etc. e os requisitos parao registro dos diversos produtos. Tal como a AFE, aconcesso do registro de competncia da esfera federal.Semelhantemente licena, preenchidos os requisitos a

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    Visa no poderia recusar o registro (mas poder faz-lopor outros critrios, como no caso de medicamentos)que se expressa em um nmero que publicado no DirioOficial da Unio. Os produtos isentos de registrocontinuam submetidos a controle sanitrio.

    Produtos no mercado, a vigilncia sanitria acompanha,monitora, fiscaliza:

    - A produo, o cumprimento das Boas Prticas deFabricao; a deposio de resduos no ambiente,aspectos do ambiente de trabalho;

    - A qualidade dos produtos, matrias-prima, resduosde agrotxicos e outros produtos etc., medianteanlises laboratoriais;

    - A distribuio: adequao das empresas, legalizao,responsabilidade tcnica, armazenamento etc.

    - A circulao: condies sanitrias e adequao dosmeios de transportes, armazenamento;

    - A comercializao: condies sanitrias e legais dosestabelecimentos, responsabilidade tcnica, habilitaodos prescritores etc. e realiza controle especial sobresubstncias psicoativas e outras;

    - A promoo comercial: a propaganda e a publicidade;

    - Identifica danos e avalia as relaes risco x benefcio,em sintonia com o panorama internacional;

    - Verifica a ocorrncia de eventos adversos e outrosagravos, mediante farmacovigilncia, tecnovigilncia,hemovigilncia, toxicovigilncia, vigilncia de infeceshospitalares, de toxinfeces alimentares, de resistnciamicrobiana etc.

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    Quando ocorrem ameaas sade, em situaes de riscoiminente ou dano, por nocividade de produtos (suspeitaou comprovada), riscos aumentados (relao risco xbenefcio desfavorvel), situaes de surtos, pordelinqncia sanitria ou outros fatores, a vigilnciasanitria:

    - Faz apreenso cautelar de produtos ou interdio deatividades ou estabelecimentos de sade ou outros;

    - Suspende ou cancela o registro de produtos e a AFE;

    - Impe normas mais restritivas para melhor controledos riscos;

    - Impe penalidades ou encaminha o caso ao PoderJudicirio, quando h crimes contra a sade pblica eoutros ilcitos;

    No controle sanitrio da circulao de cargas e viajantes,a Visa:

    - Faz o controle sanitrio das condies sanitrias eadequao dos meios de transportes e seus elementos(gua, ar, alimentos, dejetos, controle de vetores etc.),da rea aeroporturia e seu entorno, bem como dosrecintos alfandegados e faz o controle sanitrio dascargas de interesse da sade;

    - Faz controle da sade dos viajantes relativamente adoenas de notificao internacional e vacinaoobrigatria;

    - Desenvolve aes informativas e de controle sanitrioem situaes epidmicas e outras atividades de acordocom o Regulamento Sanitrio Internacional.

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  • 34 Fundamentos da vigilncia sanitria

    Desenvolve aes informativas e educativas comconsumidores, cidados, viajantes, profissionais desade, produtores, comerciantes e interessados;

    Faz Alerta Sanitrio comunidade cientfica, aosprescritores e demais profissionais de sade einteressados;

    Faz monitoramento de preos (face da regulaoeconmica) de medicamentos, conjuntamente comoutros setores institucionais;

    Normatiza no mbito de suas competncias eestabelece articulao em temas de competnciasconcorrentes;

    Encaminha demandas ao Poder Executivo ou Legislativo.

    Notas

    1 Outro sentido de regulao no sistema de sade diz respeito regulao da ofertade servios de sade, com a conformao de redes assistenciais; regulao dademanda e do acesso, de cujo mbito fazem parte as centrais de regulao e aindaa regulao do cuidado, ou seja, qualificao da assistncia prestada, acolhimento,responsabilizao etc.

    2 Para saber mais leia Barreto (2008, p. 91-106).3 Misso da Anvisa: Proteger e promover a sade garantindo a segurana sanitria

    de produtos e servios e participando da construo do seu acesso.4 Sobre regulao do risco leia Lucchese (2008, p. 60-86).5 Para saber mais sobre o tema da comunicao em Visa leia Costa e Rangel-S

    (2007).6 Para saber mais leia: Costa (2004, 2008.), De Seta, Pepe e Oliveira (2006),

    Souto (2004) e, Rozenfeld (2000).

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  • Edin Alves Costa 35

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  • 36 Fundamentos da vigilncia sanitria

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  • Fernando Aith, Laurindo Dias Minhoto e Edin Alves Costa 37

    Poder de polciae vigilncia sanitria

    no Estado Democrticode Direito

    Fernando [email protected]

    Laurindo Dias [email protected]

    Edin Alves Costa [email protected]

    Introduo

    O desenvolvimento dos centros urbanos, aliado crescente complexidade cultural, econmica, sociale religiosa das sociedades, fez nascer uma novaforma de organizao poltica e social: o Estado.Nessa nova ordem, o Direito passou a ter impor-tncia, e ao mesmo tempo, estratgica e relevante.Estratgica porque por meio do Direito que seorganiza o jogo poltico das sociedades, suasestruturas de organizao do aparato estatal e as

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  • 38 Poder de polcia e vigilncia sanitria...

    condies de exerccio do Poder. por meio do Direito,tambm, que o Estado organiza a sua atuao e exerce omonoplio do uso da fora, sujeitando todos os componentesdas sociedades a um conjunto pr-determinado de regras que,se no forem cumpridas, acarretaro sanes a serem aplicadaspelo Estado (AITH, 2007).

    Com o Estado moderno surgiram grandes noes jurdicas,sendo necessrio destacar o Constitucionalismo, o Estado deDireito, a Democracia e o nascimento de um sistema deproteo dos Direitos Humanos baseado na proteo dadignidade do Homem e na noo de que todos os homensnascem livres e iguais em direitos.

    A atual concepo de Estado modela-se no sentido dedirecionar a estrutura estatal para a promoo e proteo dosdireitos humanos, ou seja, os direitos civis, polticos, sociais,econmicos, culturais, difusos e coletivos. Para sua promooe proteo, esses direitos exigem um ambiente social dotadode regras de convivncia que garantam a todos, sem exceo, orespeito vida e dignidade do ser humano. Essas regras devematingir no s a figura dos governados como tambm, eprincipalmente, a dos governantes. A esse conjunto de regras,que define o mbito do poder e o subordina aos direitos eatributos inerentes dignidade humana, damos o nome deEstado de Direito (NIKEN, 1994).

    O Estado de Direito brasileiro, que tem comofundamento jurdico-normativo a Constituio de 1988,pressupe que:

    [] todos so iguais perante a lei, sem distino dequalquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito

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  • Fernando Aith, Laurindo Dias Minhoto e Edin Alves Costa 39

    vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade.(BRASIL, 1988)

    Ao mesmo tempo em que reconhece e protege os direitosindividuais, civis e polticos, o Estado de Direito brasileiroprotege os direitos sociais, ao reconhecer que:

    [] so direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados,na forma desta Constituio. (BRASIL, 1988)

    Complementando o arcabouo constitucional de proteo dosdireitos humanos, o 2o do art. 5o dispe que os direitos egarantias expressos nesta Constituio no excluem outrosdecorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, oudos tratados internacionais em que a Repblica Federativa sejaparte. (BRASIL, 1988)

    Assim, existem no Estado de Direito brasileiro direitosfundamentais pois positivados constitucionalmente quedevem ser promovidos e protegidos pela sociedade como umtodo e, principalmente, pelos rgos de Administrao doEstado, criados pela prpria Constituio. De fato, o exercciodo Poder demanda um aparato administrativo capaz de executaras suas decises com eficincia.

    A sade foi reconhecida pela Constituio de 1988 como direitode todos e dever do Estado. Pela sistemtica constitucional, asade se insere no mbito da seguridade social, que engloba,ainda, os direitos relativos previdncia e assistncia social.(BRASIL, 1988). Sendo um dever do Estado, compete a esteimplementar polticas pblicas capazes de garantir populaobrasileira o acesso universal a aes e servios pblicos de sade.Pelo sistema de tripartio de poderes da Constituio, a

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  • 40 Poder de polcia e vigilncia sanitria...

    execuo de polticas pblicas cabe, sobretudo, ao PoderExecutivo.

    Alm de aes e servios de sade, conforme dispe o caputdo art. 196, o Estado deve atuar no sentido de reduzir os riscosde doenas e agravos sade pblica; ou seja, deve adotarmedidas capazes de garantir a segurana sanitria da populao,evitando a disseminao de doenas e eliminando riscos sadeexistentes no ambiente social, em concordncia com o conceitode sade.

    Apresentam-se como pontos cardeais do marco jurdicoconstitucional a concepo abrangente de sade que adota, comnfase nas noes de risco e de preveno; o vnculo queestabelece entre direito sade e o princpio da justia comoigualdade, prevendo o acesso universal aos servios; e ainstituio do Sistema nico de Sade (SUS), em consonnciacom os ditames do princpio democrtico, na medida em queassegura expressamente a participao da comunidade noSistema.

    A Constituio conceitua sade como:

    [...] direito de todos e dever do Estado, garantido mediantepolticas sociais e econmicas que visem reduo do riscode doena e de outros agravos e ao acesso universal eigualitrio s aes e servios para sua promoo, proteoe recuperao. (BRASIL, 1988)

    Declara de relevncia pblica as aes e servios de sade,cabendo ao Poder Pblico dispor, nos termos da lei, sobre suaregulamentao, fiscalizao e controle (BRASIL, 1988) e instituio Sistema nico de Sade (SUS), fixando as suas diretrizesnos termos do artigo 198 da Carta Constitucional.

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    Princpio da segurana sanitriae proteo da sade

    A proteo da sade exige uma atuao permanente e vigilante,principalmente do Estado, mas tambm dos indivduos, dasfamlias e das coletividades. O Direito Sanitrio responde auma demanda da sociedade, na medida em que, atravs de seuconjunto normativo, condiciona certas atividades humanas eorganiza a atuao estatal para a reduo dos riscos sade. Acomplexidade social faz aumentar, a cada dia, a quantidade ediversidade de riscos a que estamos submetidos: riscos naturais(epidemias, doenas, calamidades); riscos advindos do progressoda cincia e da descoberta de novos tratamentos (clonagem,novas tcnicas cirrgicas e teraputicas, novos medicamentos);e riscos advindos de atividades humanas que possuem reflexosna sade individual ou coletiva (trabalho, alimentao, consumoetc.) (AITH, 2007).

    Embora os comportamentos individual e coletivo sejamimportantes para a proteo da sade e reduo dos riscos aque todos esto submetidos, cabe efetivamente ao Estadoassumir um papel fundamental na adoo das medidas possveise necessrias para evitar a existncia, no ambiente social, deriscos de doenas e outros agravos sade da populao.Quando isso no for possvel, compete ao Estado adotar asmedidas cabveis para reduzir os efeitos causados (AITH, 2007).O princpio da segurana sanitria permeia, por essa razo, todoo Direito Sanitrio brasileiro e constitui um dos seus principaisalicerces.

    O princpio da segurana sanitria aplica-se a todas as atividadeshumanas de interesse da sade. Abrange a necessidade dereduo dos riscos existentes nas atividades humanas que so

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    desenvolvidas na sociedade e que podem, de alguma forma,afetar a sade (produo, distribuio, comrcio e consumo dealimentos, medicamentos, cosmticos e equipamentos desade; trabalho; vigilncia epidemiolgica, controle de vetoresetc.). Indo alm, o princpio da segurana tambm se estende necessidade de reduo dos riscos inerentes execuo dosatos mdicos e de outros profissionais de sade envolvidos naprestao de servios de sade (iatrogenias, infeceshospitalares, capacidade tcnica dos responsveis pelos atosmdicos etc.) (AITH, 2007).

    Embora no definido, nem explicitado com essa terminologia, possvel perceber que o princpio da segurana sanitria foireconhecido pela Constituio, por meio da recorrente menodo dever do Estado em desenvolver polticas de sade denatureza preventiva (BRASIL, 1988) e tambm por meio dadefinio, dentre as atribuies expressamente previstas parao SUS, de competncias relacionadas ao controle, fiscalizao, vigilncia e preveno1 no s de doenas e agravos, masdos prprios riscos.

    A Constituio orienta o Estado brasileiro a se organizar para aproteo da sade, sendo que as aes especficas voltadas segurana sanitria so exercidas principalmente por meio deaes de vigilncia sanitria, ambiental, epidemiolgica e dasade do trabalhador, que visam garantir o respeito s normassanitrias existentes. Sempre que necessrio essas aes podem/devem valer-se do poder de polcia para obrigar os indivduosa observar as determinaes legalmente impostas.

    A segurana sanitria exige atualizao permanente do DireitoSanitrio, especialmente em decorrncia do contnuoaparecimento de novos riscos, ou do agravamento dos riscosj conhecidos. Seja em funo de uma grande crise (uma grande

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    epidemia, mortes ou danos por medicamentos falsificados etc.),seja em decorrncia de um futuro incerto (alimentostransgnicos, engenharia gentica), o Direito precisa dar sociedade uma resposta para temas fundamentais que a afligeme que podem representar grave risco social. Nesses casos, opoder de polcia assume importncia crucial quando se trata deproteger a sade da populao. Representa, nesse contexto,um importante instrumento jurdico que permite ao PoderExecutivo o exerccio eficaz de aes voltadas a garantir asegurana sanitria.

    A afirmao do princpio da segurana sanitria implica naobservncia de dois outros princpios relevantes: o princpioda responsabilidade que impe a lgica de que cada umenvolvido com atividades relacionadas com a sade deveresponder pelas suas aes ou omisses. Este princpio essencial para que o princpio da segurana jurdica possa seconcretizar, uma vez que ele implica no dever jurdico resultanteda violao de determinado direito por meio da prtica de umato contrrio ao ordenamento jurdico. A responsabilidade podeser civil, penal, administrativa ou profissional/disciplinar.

    O outro princpio, relacionado com a segurana sanitria, e emcrescente valorizao e definio do seu campo de aplicao oprincpio da precauo. Este princpio diz respeito aos riscosincertos, ainda desconhecidos no estgio atual do conhecimentocientfico e especialmente relacionados com as novastecnologias, a exemplo dos produtos da engenharia gentica. Aaplicao do princpio da precauo voltada a evitar osurgimento desses riscos (AITH, 2007) e suas implicaes paraa sade humana e ambiental.

    Desse modo, se de um lado compete ao Estado cuidar da sadeda populao, de outro, compete sociedade observar as regras

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    de direito estabelecidas, comportando-se na forma prevista emlei. Todos aqueles que no observarem os ditames legaispodero sofrer sanes, pois parte-se do pressuposto relativo de que a lei representa a vontade do povo e a vontade dopovo, no Estado Democrtico de Direito, soberana e deveser cumprida.

    Coerente com o princpio da segurana sanitria, foi criado, noBrasil, um Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria (SNVS)que compreende o conjunto de aes de vigilncia sanitriaexecutado por instituies da Administrao Pblica direta eindireta da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicpios, que exeram atividades de regulao, normatizao,controle e fiscalizao na rea de vigilncia sanitria (BRASIL,1999).

    A noo de sistema, que fundamenta o SUS, coerente com omodelo de federalismo nacional e remete idia de um todoorgnico, governado por leis prprias que definem a suaestrutura e o seu funcionamento e o dirigem a um fimdeterminado (CARVALHO; SANTOS, 1992); ou seja, o SUS conformado por um conjunto de partes interdependentescom competncias compartilhadas entre as esferas de gesto,que visam a um fim comum, a sade da populao. Dado queintegra o SUS, o SNVS est submetido aos mesmos princpiose diretrizes; sua plena organizao e a realizao de aes efetivasso condies fundamentais para a consecuo da integralidadee proteo da sade de numerosos riscos reais e potenciaisque se estabelecem ao longo do ciclo produtivo dos bens eservios (COSTA, 2004).

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    Proteo da sade e vigilncia sanitria

    Na esteira do processo de redemocratizao e de crescenteparticipao da sociedade civil, o texto constitucional de 1988no se limita a organizar juridicamente o poder, nem a arrolaros direitos civis, polticos e sociais do cidado, assegurando oespao da liberdade individual; vai muito alm, ao estipular osobjetivos, princpios e agentes com base nos quais o Estadodeve formular e executar polticas pblicas. Nessa medida, comose sabe, trata-se de uma Constituio que se inscreve no roldas modernas Constituies Dirigentes2 e que adota a formajurdico-poltica do Estado de bem-estar social.

    A Constituio elevou a sade categoria de direito social,estabeleceu os fundamentos e fixou os princpios norteadoresda poltica de sade brasileira; desenhou o marco institucionalencarregado de executar essa poltica na forma do Sistemanico de Sade e incorporou uma definio de sadeabrangente e progressista, em sintonia com o padro normativointernacional3

    O texto constitucional confere ao SUS uma gama extensa evariada de atribuies (BRASIL, 1988), dentre outras, as decontrolar e fiscalizar procedimentos, produtos e substnciasde interesse para a sade e participar da produo demedicamentos, equipamentos, imunobiolgicos, hemoderi-vados e outros insumos; executar as aes de vigilncia sanitriae epidemiolgica, bem como as de sade do trabalhador;ordenar a formao de recursos humanos na rea da sade;participar da formulao da poltica e da execuo das aes desaneamento bsico; incrementar em sua rea de atuao odesenvolvimento cientfico e tecnolgico; fiscalizar einspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor

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    nutricional, bem como bebidas e guas para consumo humano;participar do controle e fiscalizao da produo, transporte,guarda e utilizao de substncias e produtos psicoativos, txicose radioativos; colaborar na proteo do meio ambiente, nelecompreendido o do trabalho.

    Aps a promulgao da Constituio foram aprovados diplomaslegais que assinalam o adensamento da institucionalizao daproteo jurdica sade no Brasil, como o caso da LeiOrgnica da Sade (Lei 8080/90 e 8142/90) que regulamenta asaes e servios pblicos destinados a promover, proteger erecuperar a sade; da Lei 9656/98, que disciplina planos e segurosprivados de assistncia sade; e da Lei 9782/99, que cria aAgncia Nacional de Vigilncia Sanitria e dispe sobre oSistema Nacional de Vigilncia Sanitria, destinado a eliminar,diminuir ou prevenir riscos sade.

    Ainda quanto legislao infraconstitucional, cabe referirtambm a edio do Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei8078/90), que expressamente fixou (BRASIL, 1990) os objetivosda poltica nacional de relaes de consumo, a saber: oatendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesseseconmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como atransparncia e harmonia das relaes de consumo, atendidosos princpios do reconhecimento da vulnerabilidade doconsumidor no mercado de consumo e da ao governamentalno sentido de proteger efetivamente o consumidor. O Cdigode Defesa do Consumidor tem um captulo dedicado sadee assim refora a legislao de vigilncia sanitria.

    Em consonncia com o processo de reforma do Estado, nadcada de 1990, foram institudas duas agncias reguladoras nocampo da proteo da sade, vinculadas ao Ministrio da Sade,

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    sob o regime jurdico diferenciado das autarquias especiais,que lhes confere independncia administrativa, estabilidade dosdirigentes e autonomia financeira. A Agncia Nacional deVigilncia Sanitria (ANVISA), instituda pela Lei 9782/99, foiconcebida para

    [...] promover a proteo da sade da populao, porintermdio do controle sanitrio da produo e dacomercializao de produtos e servios submetidos vigilncia sanitria, inclusive dos ambientes, dos processos,dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bemcomo o controle de portos, aeroportos e fronteiras.(BRASIL, 1999)

    J a Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) foi criadapela Lei 9961/2000, tendo por finalidade institucional promovera defesa do interesse pblico na assistncia suplementar sade,regular as operadoras setoriais inclusive quanto s suas relaescom prestadores e consumidores e contribuir para odesenvolvimento das aes de sade no pas.

    Alm de regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos eservios que envolvam risco sade pblica (BRASIL, 1999),destacam-se, entre as principais atribuies da ANVISA, ascompetncias para estabelecer normas, propor, acompanhar eexecutar as polticas, as diretrizes e as aes de vigilncia sanitriae para aplicar as penalidades aos infratores da legislao sanitria,sendo-lhe atribuda a coordenao do Sistema Nacional deVigilncia Sanitria.

    Esse variado leque de atribuies evidencia que a ANVISAdispe de amplo poder de polcia para autorizar ou interditaro funcionamento de empresas e estabelecimentos de sade,registrar ou recusar o registro de produtos de interesse dasade, monitorar a evoluo dos preos de medicamentos,

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    possuindo inclusive poderes normativos, especialmente emreas tcnicas que exigem conhecimento especializado, comopor exemplo, o estabelecimento de padres sobre limites decontaminantes, resduos txicos, desinfetantes, metais pesadosetc. Os demais servios de vigilncia sanitria integrantes doSNVS, distribudos nas esferas estadual e municipal de gesto,tambm dispem de poder de polcia no mbito de suascompetncias.

    Sobre o formato institucional da ANVISA, cabe sublinhar aadoo do chamado contrato de gesto, negociado entre oDiretor-Presidente da Agncia e o Ministro de Estado da Sade,ouvidos previamente os Ministros de Estado da Fazenda e doPlanejamento, Oramento e Gesto (BRASIL, 1999). Ocontrato de gesto o instrumento de avaliao da atuaoadministrativa da Agncia e de seu desempenho, estabelecendoos parmetros para a administrao interna da autarquia, bemcomo os indicadores que permitam quantificar, objetivamente,a sua avaliao peridica. O descumprimento injustificado docontrato de gesto pode implicar a exonerao do Diretor-Presidente, pelo Presidente da Repblica, mediante solicitaodo Ministro de Estado da Sade (BRASIL, 1999). Eventualomisso no exerccio do poder de polcia, constatada luz dosparmetros estipulados no contrato de gesto, pode constituirilegalidade, sujeitando o gestor infrator responsabilizao noscampos penal, civil e administrativo.

    No por acaso, a Resoluo RDC n. 01, de 1. de outubro de1999, adotada pela Diretoria Colegiada da Agncia, dispe sobreo exerccio do poder de polcia pelos agentes da ANVISA,configurando-se num marco normativo de delimitao evinculao da polcia sanitria nas hipteses que estabelece.

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    Poder de polcia comoatributo da vigilncia sanitria

    Diga-se, de incio, que o poder de polcia se configura comoum tema clssico e recorrente no campo do DireitoAdministrativo, que usualmente desperta o debate e a polmica,na exata medida em que articula questes fundamentais dodireito moderno, passando pelos conceitos de soberania doEstado e de Estado Democrtico de Direito, assim como pelaintrincada questo da limitao recproca de exerccio de direitosentre Estado e sociedade, apenas para exemplificar.

    Neste item, comea-se analisando o poder de polcia, passandobrevemente em revista o conceito, a razo e o fundamento doinstituto, bem como seus principais atributos e limites.Destacam-se tambm os meios de atuao do Estado noexerccio do poder de polcia. A seguir, aborda-se a questo daimbricao entre o poder de polcia e o direito sanitrio,verificando como se expressa a polcia sanitria no mbito domarco jurdico brasileiro, com destaque para as diretrizesfixadas pela Constituio. Finalmente, procura-se identificaralguns dos principais desafios que se tm colocado efetivaodo poder de polcia na sociedade contempornea, privilegiandoas questes da crise do Estado Nacional e da nova forma dearticulao entre as esferas pblica e privada que lhe sosubjacentes. Ambas possuem, como pano de fundo, o atualprocesso de reestruturao do modo de produo capitalista.

    Na medida em que se verifica a existncia de um andamentopendular caracterstico da trajetria de evoluo do poder depolcia na modernidade, contraindo-se em determinadaconstelao scio-histrica (Estado Liberal) para se expandirnoutra constelao (Estado Social), esse movimento em

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    ziguezague permite localizar, nas diferentes possibilidades deconfigurao histrica do instituto, alteraes mais abrangentesque se operam no prprio nvel de interao entre os sistemaspoltico, econmico e jurdico da sociedade contempornea.

    Administrao pblica e poder de polcia

    Segundo concepo clssica do Direito Administrativo, oEstado moderno dotado de poderes polticos e adminis-trativos. Os poderes polticos so exercidos pelo Legislativo,pelo Judicirio e pelo Executivo, no desempenho de suasfunes constitucionais. Diversamente dos poderes polticosque compem a estrutura do Estado e integram a organizaoconstitucional, os poderes administrativos efetivam-se com asexigncias do servio pblico e com os interesses dacomunidade.

    Os poderes administrativos se diferenciam segundo asexigncias do servio pblico, o interesse da coletividade e osobjetivos a que se dirigem. Dessa perspectiva, classificam-seem poder vinculado e poder discricionrio, tendo em vista aliberdade da Administrao para a prtica de seus atos; poderhierrquico e poder disciplinar, segundo visem ao ordenamentoda Administrao ou punio dos que a ela se vinculam; poderregulamentar, em face de sua finalidade normativa; e poder depolcia, que se exerce pela limitao dos direitos individuais.

    A palavra polcia vem do grego polis que significava oordenamento poltico do Estado. Note-se que a polciaadministrativa difere da polcia judiciria e da polcia demanuteno da ordem pblica, j que, em regra, incide sobrebens, direitos e atividades, ao passo que as ltimas incidem

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    fundamentalmente sobre as pessoas e reportam-se prticade um ilcito de natureza penal.

    Dessa perspectiva, e na medida em que a atividade de polciase realiza de vrios modos, pode-se distinguir entre polciaadministrativa e polcia de segurana, que compreende,por sua vez, a polcia ostensiva e a polcia judiciria. A polciaadministrativa se expressa nas limitaes impostas a bensjurdicos individuais, como a liberdade e a propriedade; a polciaostensiva, como o prprio nome indica, tem por objetivo apreservao da ordem pblica; por fim, a polcia judiciriadesempenha as atividades vinculadas apurao das infraespenais.

    Do ponto de vista da repartio de competncias inerente lgica do federalismo nacional, a regra a exclusividade dopoliciamento administrativo. A exceo a concorrncia dessepoliciamento. Ou seja, em princpio, tem competncia parapoliciar a entidade que dispe do poder de regular a matria(Unio, Estado, Distrito Federal ou Municpio). Porm, comocertas atividades interessam simultaneamente aos trs entesfederados, devido sua extenso a todo o territrio nacional, opoder de policiar se espraia por todas as Administraesinteressadas, [...] provendo cada qual nos limites de suacompetncia territorial (MEIRELLES, 2003, p. 126)

    Assim que, de um lado, constitui competncia comum dosentes federados [...] cuidar da sade e assistncia pblica, daproteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia [...](BRASIL, 1988); de outro, compete aos entes federados legislarconcorrentemente sobre [...] previdncia social, proteo edefesa da sade. (BRASIL, 1988) Note-se ainda que o textoconstitucional atribui expressamente aos municpioscompetncia, para prestar, com a cooperao tcnica e

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    financeira da Unio e do Estado, servios de atendimento sade da populao. (BRASIL, 1988)

    Alm da reserva de campos especficos de competncia pelaenumerao dos poderes da Unio (BRASIL, 1988), compoderes remanescentes para os estados e poderes definidosindicativamente para os municpios, a Constituio instituipossibilidades de delegao, reas comuns em que se prevematuaes paralelas dos entes federados (BRASIL, 1988) e setoresconcorrentes em que a competncia para estabelecer polticas,diretrizes ou normas gerais cabe Unio, subsistindo aosestados e aos municpios a competncia suplementar.

    Conceito

    No ordenamento brasileiro, encontra-se uma definio jurdicade poder de polcia no artigo 78 do Cdigo Tributrio Nacionalque dispe:

    [...] considera-se poder de polcia atividade da Admi-nistrao Pblica que, limitando ou disciplinando direito,interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ou abstenode fato, em razo de interesse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina daproduo e do mercado, ao exerccio de atividadeseconmicas dependentes de concesso ou autorizao doPoder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.(BRASIL, 1966)

    Na dico precisa de Di Pietro (2001),

    [...] pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro,o poder de polcia a atividade do Estado consistente emlimitar o exerccio dos direitos individuais em benefciodo interesse pblico.

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    A doutrina assinala que o poder de polcia reparte-se entrelegislativo e executivo. O poder legislativo cria, por lei, aschamadas limitaes administrativas ao exerccio das liberdadespblicas; j o poder executivo, por meio da AdministraoPblica, regulamenta as leis e controla a sua aplicao, sejapreventivamente por meios de ordens, notificaes, licenasou autorizaes , seja repressivamente, por meio de medidascoercitivas (autuaes).

    Costuma-se distinguir a chamada polcia administrativa geralda polcia administrativa especial. A primeira cuida generi-camente da segurana, da salubridade e da moralidade pblicas;a segunda, cuida de setores especficos que afetem bens deinteresse coletivo, como, por exemplo, a construo, a indstriade alimentos, o comrcio de medicamentos, uso das guas etc.,para os quais h restries prprias e regime jurdico peculiar.

    Convm diferenciar ainda poder de polcia originrio de poderde polcia delegado. O primeiro nasce com a entidade que oexerce; o segundo emana de outra entidade, por via detransferncia legal. O poder de polcia originrio pleno noseu exerccio; o delegado limita-se aos termos da delegao ecaracteriza-se por atos de execuo. Deve-se tambm salientarque delegao de poder de polcia um tema controverso.

    Fundamento

    A razo de ser do poder de polcia o interesse social e o seufundamento reside na supremacia que o Estado exerce noterritrio sobre todas as pessoas, bens e atividades, o queremete, portanto, ao prprio conceito de soberania do Estado-nao.

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    O tema do poder de polcia coloca em confronto os doisaspectos fundamentais que caracterizam o regime jurdico-administrativo que informa a Administrao Pblica e que seexpressam na tenso entre a autoridade da AdministraoPblica, de um lado, e a liberdade individual, de outro. Ao seinscrever num intrincado campo de foras tensionado, de umlado, pelas relaes entre Estado e sociedade e, de outro, pelasrelaes entre interesse individual e interesse pblico, o temado poder de polcia no poderia deixar de despertar renhidascontrovrsias.

    Dentre as inmeras crticas dirigidas ao instituto, destaca-se,na doutrina nacional, a importante contribuio de Carlos AriSundfeld (1997). Segundo o autor, hodiernamente, no convmfalar de poder de polcia porque: (a) remete a um poder o deregular autonomamente as atividades privadas de que aAdministrao dispunha antes do Estado de Direito e que, comsua implantao, foi transferido para o legislador; (b) est ligadoao modelo do Estado Liberal clssico, que s deveria intervirna vida privada para regul-la negativamente; (c) faz supor aexistncia de um poder discricionrio implcito para interferirna vida privada.

    Em face dessa alegada inadequao conceitual e terminolgica,o jurista (SUNDFELD, 1997, p. 17) prope o conceito deadministrao ordenadora, que, segundo ele,

    [...] nega a existncia de uma faculdade administrativa,estruturalmente distinta das demais, ligada limitao dosdireitos individuais. O poder de regular originariamenteos direitos exclusivamente da lei. As operaesadministrativas destinadas a disciplinar a vida privadaapresentam-se, semelhana das outras, como aplicaode leis.

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    Nesse mesmo diapaso, afirma o autor que o prprio interessepblico que tem prioridade em relao ao particular apenas o que a lei assim tenha definido. (SUNDFELD, 1997,p. 31) Ainda, com relao ao vis puramente negativo doinstituto, observa que hoje se exige do titular do direitosubjetivo que colabore com a construo de uma nova realidade:no basta que este indivduo no perturbe, mister que esteindivduo ajude, na medida das possibilidades propiciadas peloexerccio de seu direito. (SUNDFELD, 1997, p. 57)

    Atributos, extenso, limites e meios de atuao

    A doutrina distingue os atributos que constituem o poder depolcia. So eles: a discricionariedade, ou seja, certa margemde liberdade de apreciao de que goza a administrao pblicaquanto a certos elementos do ato administrativo como motivoou objeto , ainda que se verifique tambm o exerccio depoder de polcia na modalidade vinculada. A discricionariedadepermite que a autoridade sanitria, mediante critrios deoportunidade e convenincia, possa escolher a alternativa maisadequada soluo do caso concreto. A autoexecutoriedade setraduz na possibilidade de a Administrao executar as suasdecises pelos prprios meios, sem que necessite de autorizaoprvia do Judicirio. A coercibilidade diz respeito possibilidadede a Administrao recorrer ao uso da fora pblica para fazervaler as suas decises.

    Quanto extenso, verifica-se um amplo campo para a atuaodo poder de polcia da Administrao Pblica, como porexemplo, construo civil, transportes, moral e bons costumese sade pblica. Por isso mesmo, mais modernamente passa-

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    se a falar, como j indicado, em polcias especiais, de queconstitui exemplo a polcia sanitria.

    Finalmente, quanto aos limites, a par do bvio imperativo daobservncia do princpio da legalidade, subjacente ao ideal doEstado de Direito, constituem limites ao exerccio do poderde polcia: com relao aos fins, e tendo em vista o fundamentomesmo do instituto, o poder de polcia s deve ser exercidopara atender ao interesse pblico; quanto ao objeto,especificam-se certas regras que visam a assegurar os direitosindividuais a da necessidade (ameaas reais ou provveis deperturbao do interesse pblico), a da proporcionalidade dosmeios aos fins e a da eficcia (adequao da medida).

    No exerccio do poder de polcia, o Estado atua por vriosmeios. Em primeiro lugar, por atos normativos em geral, entreos quais se menciona a lei. Como o poder de polcia implica aadoo de medidas restritivas ao exerccio de direitosindividuais, a represso, a aplicao de penalidades, o princpioda legalidade exige que todas essas atividades tenhamfundamento em lei. Esse princpio est consagrado no artigo37, caput, e no artigo 5, II, da Constituio Federal, em cujostermos [...] ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazeralguma coisa seno em virtude de lei (BRASIL, 1988). Assimsendo, no pode o rgo administrativo impor obrigaes noprevistas em lei, sob o pretexto de exercer competncianormativa, nem criar penalidades sem previso legal.

    Em segundo lugar, o poder de polcia do Estado atua por meiode atos administrativos e operaes materiais de aplicao dalei ao caso concreto. Trata-se, de um lado, de medidaspreventivas autorizao, licena, fiscalizao, vistoria, ordem,notificao com o objetivo de adequar o comportamentoindividual lei; de outro lado, trata-se de medidas repressivas

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    interdio de atividade, apreenso de mercadoriasdeterioradas, internao de pessoa com doena contagiosa,fechamento de estabelecimento etc. com a finalidade de coagiro administrado a cumprir a lei (DI PIETRO, 2001).

    Desafios ao exerccio do poder de polcia nasaes de vigilncia sanitria

    Considerando o contexto no qual o poder de polcia se situanas aes de vigilncia sanitria no Brasil, pode-se destacar trsgrandes desafios a serem enfrentados pela sociedade brasileirapara que o instituto seja utilizado com eficincia e em respeitoaos princpios e diretrizes de um Estado Democrtico deDireito.

    O primeiro grande desafio, de natureza poltica, exige que asociedade brasileira e o Estado compreendam a dinmicainerente vida democrtica. Como visto, o exerccio do poderde polcia representa a limitao dos direitos e liberdadesindividuais em benefcio de um interesse pblico legalmenteprotegido. O desafio consiste, portanto, em equilibrar oexerccio do poder de polcia de forma a evitar, de um lado, oabuso por parte das autoridades pblicas estatais e, de outro,os abusos por parte de cidados pouco cooperativos. Sempreque necessrio o poder de polcia deve ser utilizado para areduo de riscos e agravos sade pblica, mesmo que paraisso seja necessrio limitar direitos e liberdades individuais.Nos limites da discricionariedade legal o Estado tem o poder-dever de agir para a proteo da sade pblica.

    O segundo grande desafio resultante do campo econmico,cuja atuao impe ao exerccio do poder de polcia um grande

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  • 58 Poder de polcia e vigilncia sanitria...

    foco de tenses. Muitas vezes o interesse econmico faz comque as atividades estatais de vigilncia sejam realizadas de formainadequada, potencializando riscos sade da populao. Asaes de vigilncia sanitria devem ter sempre por finalidade aproteo da sade pblica, mesmo que essa proteo signifiquegrandes perdas econmicas para um determinado empresrioou para um determinado segmento econmico da sociedade.Como bem define o art. 197 da Constituio, as aes e serviosde sade tm relevncia pblica, ou seja, devem ser priorizadas.E neste sentido deve-se ressaltar que os servios pblicos desade e a produo estatal de medicamentos, vacinas e outrosprodutos sob vigilncia sanitria devem, igualmente, cumprircom as exigncias que visam proteger a sade.

    justamente no campo da gesto da sade pblica que surge oterceiro desafio, e diz respeito organizao de arranjosinstitucionais capazes de articular as diferentes vigilnciasentre si e com as demais aes de sade e capacitar o Estadopara a obteno e anlise de informaes estratgicas para aproteo da sade pblica, possibilitando aos gestores de sadea adequada tomada de decises. Esse conjunto de informaessomente ser completo quando as aes de vigilncia sanitria,epidemiolgica, ambiental e da sade do trabalhadororganizarem-se conjuntamente com a rede laboratorial e deservios de promoo, recuperao e reabilitao da sade emum modelo de ateno integral sade da populao.

    Notas

    1 Ao analisar as transformaes introduzidas na organizao da Sade Pblica naFrana, em decorrncia das crises sanitrias que emergiram nos anos 1980,Durand (2001) destaca que uma segurana sanitria coerente apia-se na

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  • Fernando Aith, Laurindo Dias Minhoto e Edin Alves Costa 59

    organizao da gesto de riscos ao redor de trs plos essenciais: a seguranasanitria ligada aos tratamentos, a segurana aliment