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. Anais do VI Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto. 729 BLOCO RETANGULAR VERSUS PARÁBOLA-RETÂNGULO: COMPARAÇÃO NA FLEXÃO COMPOSTA Rectangular versus Parabolic stress block: axial bending comparison Flávio Mendes Neto Professor Doutor, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA Divisão de Engenharia de Infra-Estrutura Aeronáutica, IEI Homepage: www2.ita.br/~flavio/ email: professor-flavio@ infra.ita.br CTA – ITA – IEI Pça. Mal. Eduardo Gomes, 50 12.228-900 São José dos Campos SP Resumo O dimensionamento da área de armadura de uma seção retangular submetida a flexão composta é realizado utilizando-se o diagrama parabólico-retangular e o bloco retangular, sendo, estranhamente, ambos recomendados pela NBR-6118. Quase 20.000 dimensionamentos são realizados, seguindo o formato de algumas tabelas da literatura, para formar a base de dados dos resultados. Recomenda-se, por fim, a extinção do bloco retangular de tensões. Palavras-Chave: Estruturas, Concreto Armado, Dimensionamento de armadura Abstract The reinforcement design of a rectangular cross section under axial bending is made with rectangular and parabolic stress block, both being, surprisingly, code NBR-6118 recomended. Almost 20,000 designs are carried through, using usual literature table formatting, forming the results database. Final recommendation is rectangular stress block extinction. Keywords: Structures, Reinforced concrete, Reinforcement design Anais do VI Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto Abril / 2006 ISBN 85-86686-36-0 Modelagem Computacional de Estruturas de Concreto Trabalho SIMP0073 - p. 729-734

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Anais do VI Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto. 729

BLOCO RETANGULAR VERSUS PARÁBOLA-RETÂNGULO: COMPARAÇÃO NA FLEXÃO COMPOSTA

Rectangular versus Parabolic stress block: axial bending comparison

Flávio Mendes Neto

Professor Doutor, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA Divisão de Engenharia de Infra-Estrutura Aeronáutica, IEI

Homepage: www2.ita.br/~flavio/ email: professor-flavio@ infra.ita.br

CTA – ITA – IEI

Pça. Mal. Eduardo Gomes, 50 12.228-900 São José dos Campos SP

Resumo

O dimensionamento da área de armadura de uma seção retangular submetida a flexão composta é realizado utilizando-se o diagrama parabólico-retangular e o bloco retangular, sendo, estranhamente, ambos recomendados pela NBR-6118. Quase 20.000 dimensionamentos são realizados, seguindo o formato de algumas tabelas da literatura, para formar a base de dados dos resultados. Recomenda-se, por fim, a extinção do bloco retangular de tensões.

Palavras-Chave: Estruturas, Concreto Armado, Dimensionamento de armadura

Abstract

The reinforcement design of a rectangular cross section under axial bending is made with rectangular and parabolic stress block, both being, surprisingly, code NBR-6118 recomended. Almost 20,000 designs are carried through, using usual literature table formatting, forming the results database. Final recommendation is rectangular stress block extinction.

Keywords: Structures, Reinforced concrete, Reinforcement design

Anais do VI Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto Abril / 2006 ISBN 85-86686-36-0 Modelagem Computacional de Estruturas de Concreto Trabalho SIMP0073 - p. 729-734

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1 Introdução O objetivo deste trabalho é fazer uma comparação objetiva entre os diagramas parabólico-retangular (PR) e retangular-simplificado (RS) – também conhecido como bloco retangular de tensões, conforme definidos na norma da ABNT (2003), no dimensionamento da área de armadura de seções retangulares de concreto armado sob flexão composta. Estudo semelhante já foi realizado pelo autor (1993) para seções retangulares sob flexão simples e concluiu que o bloco retangular de tensões (RS) está sempre contra a segurança, ainda que pouco (média de 1%). Convém observar que é de se estranhar a apresentação de dois diagramas na norma ABNT (2003), prática que, embora tradicional, implica em alternativas distintas de dimensionamento e, portanto, de segurança e economia. O autor já teve oportunidade de discutir o assunto com mais detalhes (2001, 2002) e, ainda que o erro seja pequeno, não parece consistente apresentar opções para o processo de dimensionamento. 2 Casos de dimensionamento Os casos de dimensionamento da flexão composta são muito mais ricos e variados do que aqueles da flexão simples (1993), de forma que deve-se limitar o universo em estudo. Utilizou-se como referência as tabelas de dimensionamento do Prof. Lauro (1981). Admitindo uma seção retangular (base b e altura h) com arranjo de armadura duplamente simétrico, periférico, com espaçamento vertical entre as camadas constante e com todas as barras de mesmo diâmetro (bitola), pode-se caracterizar completamente o arranjo de armadura através do conhecimento de δ, nc e n1 (ver a definição dos parâmetros mais a frente). Os 14 pares de nc e n1 utilizados nos dimensionamentos são mostrados na Tabela 1. O aço utilizado foi o CA-50A (as tabelas originais de 1981 referiam-se ao aço CA-50B) e foram escolhidos três valores de δ = 0,05; 0,10 e 0,15 (este último não presente nas tabelas originais de 1981).

Tabela 1 – Pares nc e n1 utilizados Caso nc n1 Caso nc n1

1 2 qualquer 8 6 2 2 3 4 9 8 2 3 3 3 10 10 2 4 3 2 11 4 4 5 4 3 12 5 5 6 4 2 13 6 6 7 5 2 14 8 8

Foram utilizados 21 valores de esforço normal adimensional ν, variando de 0 até 2, com incremento de 0,1. Foram utilizados, também, 21 valores de momento fletor adimensional µ, variando de 0 até 1, com incremento de 0,05 (as tabelas originais usavam valores de momento fletor adimensional de 0 até 0,8, com mesmo incremento). Foram escolhidos, portanto, 14 x 3 x 21 x 21 = 18.522 casos de dimensionamento para análise.

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3 Processos de dimensionamento e resultados preliminares O dimensionamento com o diagrama parabólico-retangular (PR) foi feito com metodologia apresentada por Mendes & Pimenta (2000), que consiste em verificações sucessivas, através do método da bissecção, entre limites mínimos e máximos da área de armadura. Cada verificação, por sua vez, é feita com a utilização do método de Newton-Raphson. A taxa mecânica de armadura ωPR foi calculada para estes 18.522 casos e variou de 0 até 6,7. Foram 924 dimensionamentos que resultaram sem necessidade teórica de armadura (quase 5% do total). Os resultados destes dimensionamentos podem ser vistos em publicação eletrônica do autor (2005). É curioso observar que a média das taxas de armadura é baixa, cerca de 2,0 (com desvio padrão relativamente alto, de 1,3). Para o bloco retangular de tensões foi seguida metodologia tradicional, iterativa, como pode ser visto, por exemplo, em Santos (1981) ou na apostila do autor (2005). Utilizando este diagrama 966 dimensionamentos resultaram em necessidade teórica de armadura nula (42 casos a mais do que com o diagrama PR) mas, ainda, na casa dos 5% dos casos totais. A variação da taxa mecânica de armadura ωRS foi muito similar à anterior, com praticamente os mesmos mínimo, máximo, média e desvio padrão. A comparação dos dimensionamentos será feita com a diferença relativa entre as taxas mecânicas de armadura encontradas, excluindo-se os casos de armadura nula. Tal diferença relativa é definida por

PR

RSPRdω

ωω −= 100 (Equação 1)

Convém observar que ocorreram 42 casos em que, por esta definição, a diferença entre os dimensionamentos foi de 100% (uma vez que nestes casos ωRS = 0). Para não mostrar conclusões tendenciosas, portanto, foram eliminados todos os casos de armadura nula, seja com o diagrama PR, seja com o diagrama RS. Vale ressaltar que, como na flexão simples, o fato de ocorrer um maior número de dimensionamentos com área de armadura teórica nula para o diagrama RS aponta na mesma direção de conclusões anteriores: o diagrama RS fornece resultados contra a segurança quando comparado ao PR. 4 Comparações Foram eliminados, portanto, os casos em que a necessidade teórica de armadura não existia, seja para o diagrama PR, seja para o diagrama RS (notar que este procedimento melhora, um pouco, o desempenho do diagrama RS, por retirar casos com erros percentuais grandes, ainda que a diferença absoluta da taxa mecânica de armadura seja baixa). A partir de agora o universo dos dimensionamentos foi reduzido para 17.556 casos (os 18.522 originais menos 966 casos de armadura teórica nula). Foram obtidos 355 dimensionamentos a favor da segurança (2% dos casos), d < 0, e 17.201 casos contra a segurança (98% dos casos), d > 0. Conclui-se, portanto, que o

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diagrama RS está sistematicamente contra a segurança, quase a mesma conclusão obtida no caso da flexão simples. As diferenças relativas (d) observadas variaram de -1,8% (a favor da segurança) até 67,9% (contra a segurança). A média foi de 1,3% (contra a segurança) com desvio padrão de 4,0 pontos percentuais. As diferenças absolutas (ωPR - ωRS) variaram de -0,0222 (a favor da segurança) até 0,0413 (contra a segurança), com média de 0,0116 (contra a segurança) e desvio padrão de 0,0079. A maior diferença percentual (67,9% contra a segurança) foi obtida para uma seção com três camadas de barras (nc = 3), quatro barras na primeira e na última camada (n1 = 4) e δ = 0,05 quando dimensionada para ν = 0,90 e µ = 0,05 (resultando em armaduras ωPR = 0,0380 e ωRS = 0,0124). A maior diferença absoluta (0,0413) foi obtida para uma seção com dez camadas de barras (nc = 10), duas barras em todas as camadas e δ = 0,15 quando dimensionada para ν = 1,90 e µ = 0,20 (resultando em armaduras ωPR = 1,6740 e ωRS = 1,6327 que têm uma diferença de 2,5% contra a segurança). Considerando, a título de exemplo, uma seção quadrada 30 cm x 30 cm, com aço CA-50A e concreto C30, uma diferença de 0,01 na taxa mecânica de armadura chega a representar uma diferença de 0,4 cm2 de área de armadura. 5 Conclusões Os resultados observados mostram que o diagrama RS está sistematicamente contra a segurança, fato que não pode ser ignorado, mesmo que o erro absoluto seja considerado pequeno. O argumento de que a área de armadura é sempre aumentada na escolha do diâmetro das barras atenua o problema mas não o resolve por completo. O autor continua sem entender por que a norma ABNT (2003) insiste em apresentar dois diagramas para o dimensionamento: se fossem iguais não haveria por que apresentar ambos; se são diferentes podem fornecer resultados distintos, como demonstrado neste trabalho. Dimensionamentos com hipóteses iniciais idênticas levarão a resultados distintos, ainda que a diferença seja leve. Qual a utilidade disto? Piora a situação o fato de os resultados obtidos pelo bloco retangular estarem contra a segurança. Um resultado sistematicamente contra a economia pode ser tolerado, ainda que não possa ser completamente entendido. Um resultado sistematicamente contra a segurança, cuja única utilidade parece ser a “comodidade” do cálculo, está além da compreensão do autor. A sugestão final é a de que seja adotado somente um diagrama de tensões, inclusive na norma ABNT (2003). Naturalmente a escolha mais indicada parece ser o diagrama parabólico-retangular. Programas de computador, ábacos, tabelas e outras ferramentas práticas de dimensionamento não deveriam utilizar o outro diagrama.

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Cabe, por fim, citar o texto da norma ABNT (2003), recomendando a equivalência dos diagramas utilizados neste trabalho, em seu item 17.2.2, letra (e): “As diferenças de resultados obtidos com esses dois diagramas são pequenas e aceitáveis, sem necessidade de correção adicional”. Acredita-se que este trabalho serviu para mostrar que em geral, as diferenças são realmente pequenas mas, de forma alguma, aceitáveis. 6 Parâmetros São listados os principais parâmetros utilizados ao longo do texto: Ac é a área bruta da seção de concreto; As é a área total da armadura; Asi é a área total da camada i; b é a base da seção transversal; δ = d’/h d’ é a distância do CG de As à borda mais próxima; fck é a resistência característica à compressão do concreto aos 28 dias de idade; fyd = fyk/ γs é a tensão de cálculo de escoamento do aço; fyk é a resistência característica de escoamento do aço; γc é o coeficiente de ponderação da resistência do concreto (em geral 1,4); γs é o coeficiente de ponderação da resistência do aço (em geral 1,15); h é a altura total da seção transversal; Md é o momento fletor de cálculo; µ = Md / (σcd Ac h) é o momento fletor adimensional; nc é o número de camadas de barras; n1 é o número de barras na primeira camada de barras (que, para arranjos duplamente simétrico, deve ser o mesmo número de barras na última camada). Com exceção da primeira e da última, todas as outras camadas têm, necessariamente, duas barras. Nd é o esforço normal de cálculo; ν = Nd / (σcd Ac) é o esforço normal adimensional; pi = Asi/As é a porcentagem de área de armadura na camada i (i=1 ou 2) σcd = 0,85 fck/ γc é a tensão de cálculo do concreto (considerando, inclusive, o efeito Rüsch); ω = As fyd / (σcd Ac) é a taxa mecânica de área de armadura; ωPR é taxa mecânica de armadura calculada com o diagrama parabólico-retangular (PR); ωRS é taxa mecânica de armadura calculada com o bloco retangular de tensões (RS); 7 Referências ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR-6118 Projeto de Estruturas de Concreto. ABNT, São Paulo, 2003.

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Mendes Neto, Flávio. Sobre a Flexão Normal Simples, III Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto, pp 433-443, EPUSP, São Paulo, 1993. Mendes Neto, Flávio. Simplificar Complica! Revista Ibracon, Caderno de Artigos Técnicos e Científicos, No 26:11-16, São Paulo, Julho/Agosto 2001. Mendes Neto, Flávio. Simplificação das Simplificações, Revista Ibracon, Caderno de Artigos Técnicos e Científicos, Ano X, No 29:27-31, Abril/Junho 2002, São Paulo. Mendes Neto, Flávio. Apostila de EDI-38, Concreto Estrutural I. ITA, São José dos Campos, 2005. Santos, Lauro Modesto. Cálculo de Concreto Armado segundo a nova NB-1 e o CEB (vol II), LMS, São Paulo, 1981. Mendes Neto, Flávio & Pimenta, Paulo de Mattos. Análise Eficiente de Seções Transversais Retangulares de Concreto Armado submetidas a Flexão Normal Composta. IV Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto, EPUSP, São Paulo, 2000. Mendes Neto, Flávio. Tabelas para o dimensionamento direto da Flexão Normal Composta, ITA, São José dos Campos, 2005 <http://www2.ita.br/~flavio/cursos/edi38/>.