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    nova Economia_Belo Horizonte_16 (3)_459-480_setembro-dezembro de 2006

    Das barricadas vida privada

    Newton BignottoProfessor do Departamento de Filosofia da UFMG

    Resumo

    Este artigo trata da questo da participao eda ao poltica na contemporaneidade luzde conceitos oriundos da tradio republica-na. Nossa preocupao central com o tra-ado das fronteiras que separam o mundopblico do privado nas sociedades atuais.Dois problemas merecem ateno especial:a questo da apatia e da solido dos cida-dos vivendo em sociedades democrticasperifricas e os excessos cometidos pelosque adotam o modelo de ao derivado dojacobinismo revolucionrio.

    Abstract

    This article examines the issue of present-dayparticipation and political action in light of theconcepts that originated with the republicantradition. Our main concern is how theboundaries that separate the public world fromthe private world are drawn in contemporarysocieties. Two problems deserve specialattention: the issue of apathy and loneliness ofcitizens who live in peripheral democraticsocieties, and the excesses committed by thosewho adopt the model of action derived fromrevolutionary Jacobinism.

    Palavras chave

    republicanismo, apatia,jacobinismo, pblico, privado.

    Classificao JEL Z00, Z10

    Key words

    republicanism, apathy,Jacobinism, public, private.

    JEL Classification Z00, Z10

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    Na segunda parte de seu roman-ce A inveno da solido, Auster (1998) selana na reconstituio de sua vida pelarememorao de uma viagem pelo uni-verso da memria e da linguagem. Obce-

    cado por sua relao com os livros, o au-tor parte da idia de que a linguagem nosso modo prprio de existncia e que,por isso, no h razo para consider-lacomo um veculo da verdade, que seriaexterior ao indivduo, que vive e que nar-ra sua vida. O mergulho na linguagem ena busca pelo sentido da memria cobra,no entanto, alto preo daqueles que sedispem a enfrentar as agruras do per-curso: o tempo presente parece se con-verter em uma iluso, transformando ofuturo na nica dimenso da vida, que po-de ser vivida intensamente. O narradorcoloca o leitorem contato com sua intimi-dade e o sentido de sua procura dizendo:

    A atualidade na qual ele se encontrava,ele tinha a impresso de observ-la de um

    ponto de vista que se situava no futuro, e opresente-passado parecia to ultrapassadoque mesmo as atrocidades do dia, que nor-

    malmente o teriam indignado, lhe pareci-am distantes, como se essa voz sobre asondas tivesse lido a crnica de uma civili-zao perdida. Mais tarde, em um mo-mento de maior lucidez, ele chamaria essasensao de nostalgia do presente (Auster,1988, p. 96).

    O sentimento de perda do presen-te e de distanciamento do mundo cotidi-ano cada vez constante na literaturacontempornea e indica mudana na po-sio do indivduo em relao socieda-

    de, que no pode ser desprezada.1 No co-meo do sculo XX, os personagens deProust se interessaram pelas mincias docotidiano e pela construo de personali-dades marcadas pelo convvio com obje-tos, que tornavam a vida privada o focode um interesse renovado. Tudo se passacomo se o longo sculo de embates p-blicos, que marcara a vida francesa, e aqueda definitiva da monarquia tivessemesgotado as energias do mundo pblico e

    obrigado membros da sociedade a bus-car refgio nas reentrncias da intimida-de. Resta observar, no entanto, que emProust o mundo dos sales e das peque-nas intrigas continua a alimentar uma re-lao do indivduo com a sociedade naqual o olhar do outro sobre as peripciasde cada um dos atores essencial. A pol-tica perde o lugar de destaque que obti-vera na obra de Victor Hugo ou de Zola,mas nem por isso o mundo pblico deixade ser uma referncia constante. Muitasvezes seus ecos chegam mediante ttulosnobilirquicos, que vo perdendo valor,ou por meio de personagens, que con-servam o poder de atrao, mesmo desti-tudos de qualquer presena efetiva nos

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    1 A esse respeito, so muito

    interessantes as observaesde Renato Janine quanto aouso cada vez mais freqentena linguagem correntebrasileira do gerndio parasignificar uma extensocontnua do presente (Ribeiro,2000, p. 92-95).

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    centros de deciso poltica ou econmi-ca, como o caso de seu personagemprincipal. Seja como for, ainda no estpresente a solido radical, que vai marcaro narrador de Paul Auster e de tantos ou-

    tros escritores.

    1

    A maneira como se d a relao do indi-vduo com a sociedade um problemafundamental para os que se preocupamcom a questo da ao poltica e da parti-cipao no mundo contemporneo. Essapreocupao leva em conta o fato bvio,

    mas nem sempre lembrado por algunstericos da poltica, de que os atores con-cernidos pelos processos pblicos terocomo ponto de ancoragem costumes einstituies que definem, de forma muitoclara, as possibilidades de interao comoutros atores e com a sociedade de seutempo, e no apenas dados oriundos danatureza humanatomada abstratamente.

    Por isso acreditamos que o apelo participao, que integra o ncleo de mu-

    itas teorias republicanas do passado eatuais, deve ser analisado luz das condi-es que regem as relaes entre os indi-vduos e as sociedades industriais da atu-alidade, no se restringindo capacidademanifesta ao longo da histria de indiv-

    duos singulares influenciarem o cursodos acontecimentos. Com isso no esta-mos dizendo que o debate sobre a natu-reza das virtudes republicanas associadas ao deva ser descartado em prol de

    uma sociologia dos atores polticos. Oque queremos dizer que, ao partirmosde consideraes gerais sobre a capacida-de de agir dos homens e deixando de la-do o diagnstico das condies nas quaisos atores atuam, corremos o risco deapostar em uma teoria que nada nos ensi-nar sobre o mundo no qual vivemose sobre o qual queremos pensar. Recor-dando as lies de Merleau-Ponty (1960,p. 66), no podemos nos esquecer de que:

    A filosofia est plenamente na histria,ela no jamais independente do discur-so histrico. Mas ela troca o simbolismotcito da vida por um simbolismo conscien-te, e substitui o sentido latente pelo senti-do manifesto.

    Para compreender a identidade dosatores polticos nas sociedades contem-porneas e o papel que a ao polticatem em sua maneira de se relacionar com

    o mundo pblico, preciso renunciar idia de que estejamos procura de umadefinio da identidade dos indivduos,que nos permite ligar a esfera de sua vidapsicolgica profunda com a seqncia deatos que o torna membro de determinada

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    comunidade. Ou seja, estamos assumin-do que no vamos tratar das caractersti-cas de personalidades, que constituem asidentidades individuais em sentido forte,mas apenas dos fenmenos sociais, que

    so alterados pela maneira como os indi-vduos agem ou deixam de faz-lo emdeterminados momentos.

    Nosso problema diz respeito constituio das relaes entre a esfe-ra pblica e a privada. Para facilitar nos-sa argumentao, assumimos com Elias(1994, p. 127-189) que se trata de umabalana entre o eue o nse que a exis-tncia dessa balana, e a maneira comoela se comporta em determinadas po-cas, que oferece nosso objeto de estudo.No estamos com isso dizendo que oproblema da construo da identidadedas naes modernas no seja importan-te para ns, quando abordado do pontode vista da criao de seus smbolos e doimaginrio popular; ou que a vida psico-lgica no seja em certas situaes deter-minante para as interaes entre os indi-vduos e o meio social. Estamos apenasescolhendo um caminho que nos parecemais fecundo, pelo simples motivo que oobjeto maior de nossa investigao olugar do republicanismo no mundo con-temporneo tem de ser bem delimita-do, para no nos perdermos no sonho deuma teoria abrangente capaz de dar con-

    ta da totalidade dos fenmenos polticos.Nossa hiptese nesse momento , por-tanto, que a utilizao da polaridade p-blico-privado, em suas feies atuais,fornece um campo privilegiado para a in-

    vestigao do lugar da ao poltica naconstruo e na conservao das socie-dades democrticas.

    O ponto central das considera-es de Elias (1994, p. 152) que adota-mos aqui que:

    no h identidade-eu sem identidade-ns.Tudo o que varia a ponderao dos ter-mos na balana eu-ns, o padro da rela-

    o eu-ns.

    Portanto, a anlise da ao poltica e deseu papel nas sociedades histricas nopode ser feita com base na natureza hu-mana e em suas possibilidades. Precisa-mos levar em considerao a ancoragemhistrica da balana eu-nse a posio re-lativa de seus elementos. Mas evitemosum equvoco. No estamos dizendo queo estudo da natureza humana, ou maisespecificamente de algumas de suas ca-ractersticas, no seja importante para

    a compreenso das sociedades polticas.Como procuraremos mostrar no final denosso texto, muitas de nossas anlisessobre as sociedades atuais so tributriasde teorias a respeito do fundamento dascomunidades polticas e de sua relao

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    com a natureza dos homens, que no soclaramente explicitados, o que nos leva adesconhecer os conceitos bsicos sub-tendidos em muitas anlises, ou, comoprefere Taylor (2000, p. 200), a ontolo-

    gia pressuposta na concepo do mode-lo de sociedade que desejamos.

    A principal dificuldade encontra-da por aqueles que defendem a partici-pao nos negcios pblicos como mo-tor essencial das sociedades polticas li-vres advm do fato de que a balanaeu-ns pendeu, de forma clara, ao longodo sculo XX, para o plo do indivduo.Como afirma Elias (1994, p. 130):

    Atualmente a funo primordial do termoindivduo consiste em expressar a idiade que todo ser humano do mundo oudeve ser uma entidade autnoma e, aomesmo tempo, de que cada ser humano ,em certos aspectos, diferente de todos os de-mais, e talvez deva s-lo.

    Esse processo de deslocamento emdireo identidade-eu, que muitos iden-tificam com a prpria formao da mo-dernidade, traz conseqncias bvias pa-

    ra a anlise do lugar que a ao direta dosindivduos e de sua participao nos ne-gcios pblicos ocupa na poltica das na-es democrticas. Do ponto de vistahistrico, ela fornece um indicador preci-so de que a maneira como as antigas re-

    pblicas, em particular a Repblica Ro-mana, concebiam e organizavam a vidade seus cidados na cena pblica no po-de mais ser reproduzida nos dias de hoje(Elias, 1994, p. 130).

    Essa constatao pode dar origema duas maneiras de abordar o problema.A primeira, que encontra sua ancoragemem boa parte da tradio liberal desdeo sculo XVIII, faz coincidir a constata-o da contnua retirada dos indivduosda cena pblica com a progressiva reali-zao da natureza humana. Ou seja, oprocesso histrico de desenvolvimentodas sociedades capitalistas nada mais fa-

    ria do que realizar a tendncia natural doshomens a concentrar sua ateno emseus interesses particulares. Como que-rem alguns utilitaristas radicais, agir se-gundo outra motivao do que aqueladerivada dos interesses individuais agirirracionalmente.

    A segunda abordagem do proble-ma, mais prxima das consideraes deElias, parte do pressuposto de que a ba-lana eu-ns representa o que ele chama

    de um habitus, a maneira como responde-mos pergunta quem sou eu? (Elias,1994, p. 154). Nesse sentido, os indivdu-os se vem atravs de uma imagem quefoi sendo construda junto com outrosprocessos sociais e histricos e, por isso,

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    no h lugar para uma representaodo indivduo como um ente absoluta-mente autnomo, ainda que essa seja aforma como muitos de ns se representano interior das sociedades contempor-

    neas. Ainda que no nos identifiquemosinteiramente com o pensamento de Eliasno tocante ao lugar que ele atribui idiade progresso na teoria social contempo-rnea, sua abordagem da imagem do in-divduo nas sociedades atuais, do pontode vista dos processos sociais amplosque o constituem, parece-nos muito su-perior s teorias que insistem em tomarcomo um dado natural a crescente buscade autonomia e de auto-realizao pelosmembros das sociedades democrticas.

    Nosso interesse principal, no en-tanto, no o de realizar um balano dasteorias concernentes ao desenvolvimen-to do moderno individualismo. Na estei-ra de Elias, consideramos que se tratade um processo social inescapvel e, nes-se sentido, no podemos desprez-lo sequisermos estudar as sociedades livrescontemporneas. Mas, contra boa partedos autores liberais, no acreditamos queesse processo possa ser diretamente as-sociado ao desenvolvimento de uma ca-racterstica natural dos homens, que fariaa balana eu-ns pender para o plo euinelutavelmente nas democracias. Por is-so, interessa-nos aprofundar a anlise de

    um processo que no limite terminariacom o pleno desenvolvimento do quechamaremos de uma figura tipo, o indiv-duo solitrio, dedicado ao desenvolvi-mento de sua personalidade, como o per-

    sonagem de Auster e defesa de seusinteresses. No extremo, esse processo mar-caria a morte definitiva do espao pbli-co, que corresponderia a um estgio su-perado da vida poltica do Ocidente.

    Estamos nos servindo do indiv-duo isolado por ser esse um operadorprimordial de muitos pensadores atuais epelo fato de que no podemos deixar deconsider-lo como um dado objetivo davida poltica das sociedades capitalistas

    desenvolvidas e de outras. Formulando omesmo problema na linguagem mais tra-dicional das Cincias Sociais da oposioentre espao pblico e vida privada, po-demos dizer que a vida poltica sofreumodificaes importantes com a dimi-nuio dos lugares nos quais os cidadosse expressavam na condio de membrosde uma comunidade poltica, e no comorepresentantes singulares de uma espcieque se define pela hipertrofia do desejode verem realizados seus interesses.

    Como mostra Sennett (2002, p. 381-384), o equilbrio entre os dois domniosconexos foi sendo alterado de tal formaque a vida privada expulsou os atores termo que ele usa com gosto em sua

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    obra da cena pblica para um mundode personalidades competitivas, que bus-cam o maior contato possvel entre osmembros prximos de uma comunida-de, visando realizar o ideal de uma vida

    povoada por afetos e destituda de ms-caras. O resultado, segundo ele, a cons-tituio de novas formas de organizaodo tecido social, que reduzem ao mxi-mo o espao da prtica poltica, que ser-viu de base para a criao das sociedadesdemocrticas modernas, e institui um jo-go em que o reconhecimento da perso-nalidade do outro o fator determinantedas relaes de poder que se estabelecemnas diversas esferas de ordenao da vidaem comum. Isso gerou uma transfor-mao que Sennett identifica como umanova forma de tirania.

    Uma instituio diz ele pode dominarcomo uma fonte nica de autoridade; umacrena pode servir como padro nico paraenfrentar a realidade.

    A intimidade uma tirania, na vida di-ria, dessa ltima espcie. No a criao

    forada, mas o aparecimento de uma cren-a num padro de verdade para se mediras complexidades da realidade social. amaneira de se enfrentar a sociedade em ter-mos psicolgicos. E na medida em queessa tirania sedutora for bem-sucedida, a

    prpria sociedade ser deformada (Sennett,2002, p. 412).

    Partindo da constatao do enco-lhimento da esfera pbica e do aumentoda importncia dos mecanismos jurdi-cos de controle dos conflitos, parte signi-ficativa dos cientistas sociais acreditou

    fazer do estudo dos diversos cenriosproduzidos pela somatria dos interessesprivados e do impacto das personalida-des na luta pelo poder os operadoresfundamentais de toda reflexo poltica.Mais uma vez, no o caso de fazer o ba-lano dessas teorias.2 O pressuposto daatomizao dos atores nas sociedadescontemporneas verdadeiro, condi-o de que no seja tomado, como fazem

    alguns, como um dado da natureza oucomo um resultado inelutvel do proces-so histrico. A conseqncia que nos in-teressa debater a de que qualquer formade participao de atores individuais naarena pblica, que no corresponda aomodelo exposto por Sennett, uma im-possibilidade, uma vez que contraria umsuposto estado real das coisas. Ora, seno podemos deixar de lado a progressi-va destruio do espao pblico, pelo

    menos na forma como foi conhecido aolongo dos ltimos sculos, se quisermosdiscutir o papel da ao poltica no mun-do atual, no h razo vlida para excluira participao, em todas as suas formas,do iderio de uma sociedade livre. Ou se-

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    2 No caso brasileiro,merecem especial ateno asobras de WanderleyGuilherme dos Santos e deFbio Vanderley Reis.

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    ja, a condenao dos ideais republicanosde participao nos negcios pblicos ede liberdade vivida como integrao efe-tiva nos mecanismos de poder da socie-dade como utpicos ou pouco realistas

    deriva de uma passagem indevida do n-vel de generalizao que podemos con-ceder idia de atomizao dos indivdu-os. Se a tomamos com uma manifestaode um processo necessrio, estamos fa-zendo no apenas uma formulao que,por sua generalidade, demanda uma de-monstrao, que no se pode contentarcom a simples constatao do estado decoisas em sociedades particulares em

    contexto prprio, mas, sobretudo, abdi-cando de analisar os pressupostos de or-dem terica que devem ser explicitadospara que a concepo mais ampla sobre anatureza das comunidades polticas pos-sa ser investigada.

    O que gostaramos de enfatizar o fato de que o republicanismo, que ado-tamos como referncia de anlise, ser-ve-se de fatos, como os at aqui lembra-dos, no para negar-lhes a realidade, mas

    para afirmar seu carter problemtico.Ou seja, a atomizao dos atores polti-cos implica tanto que ideais como os departicipao e ao tero de encontrarum novo assento nas formaes sociais,para poderem se efetivar, quanto que a

    total atomizao na verdade uma im-possibilidade para uma sociedade que pre-tende continuar a ser livre.

    Colocando de outra forma nossoponto de vista, diramos que, diante dos

    processos estudados, cabe lembrar, maisuma vez com Elias (1994, p. 129), que nopodemos separar inteiramente indivduoe sociedade mesmo nas sociedades atuais,equeporissooquadrodospossveis sem-pre mais amplo do que aquele oferecidopelas organizaes polticas do presente., portanto, como um possvel que fala-mos de um conjunto de valores republica-nos ancorados na ao poltica a na tradi-

    o, assim como no podemos deixar delado o prprio desaparecimento das soci-edades democrticas como um possveldoestado atual de ordenao dos atores po-lticos individuais. Nesse particular, asobservaes de Hannah Arendt sobre aperda de identidade dos indivduos nassociedades de massa permanecem atuais:

    A verdade que as massas surgiram dosfragmentos da sociedade atomizada, cujaestrutura competitiva e concomitante soli-

    do do indivduo eram controladas apenasquando se pertencia a uma classe. A prin-cipal caracterstica do homem da massano a brutalidade nem a rudeza, mas oseu isolamento e a sua falta de relaes so-ciais normais(Arendt, 1998, p. 366-367).

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    Qualquer analogia entre o indiv-duo de massa, que facilitou a ascenso donazismo e do fascismo, e os cidados dasnaes desenvolvidas pode nos levar aum erro que consistiria a deixar de lado o

    fator essencial na determinao do senti-do da solido dos indivduos, que a ma-neira como se relacionam com sua co-munidade e os direitos que tm garantidonos quadros legais dos pases onde vivem.Em outras palavras, a maneira como abalana eu-ns influencia seu comporta-mento. Ao notar, no entanto, a proximi-dade das descries da relao entre osindivduos e as sociedades em situaeshistricas diferentes, estamos chaman-

    doaatenoparaofatodequeacrescen-te solido dos habitantes das sociedadescontemporneas abre as portas para umuniverso de possveis muito maior, inclu-sive naquilo que possui de monstruoso,do que os cenrios construdos pelos so-fisticados cultores da teoria dos jogos.No outro lado desse campo de determi-naes, encontra-se a concepo republi-cana da democracia, que coloca o acentona participao ativa dos cidados na vi-

    da poltica como um freio para os efeitosnefastos da atomizao. Como veremosdepois, essa no , no entanto, uma pana-cia universal para os impasses de nossotempo e possui riscos simtricos aos queacabamos de apontar na figura tipo do ho-mem solitrio.

    2

    Se as consideraes anteriores nos aju-dam a pensar a questo da ao polticano contexto mais amplo das sociedadesindustriais da atualidade, no podemosdeixar de interrogar-nos sobre a validadede nossas concluses parciais para as so-ciedades perifricas do capitalismo, queno se desenvolveram da mesma manei-ra que as naes mais ricas e no forja-ram uma cena pblica comparvel comaquela que vai aos poucos desaparecendodos pases que a viveram intensamente.O pressuposto inicial de que o estudo dopapel da ao numa teoria republicanadepende do diagnstico das condiesreais de atuao na cena poltica contem-pornea obriga-nos a nos perguntar so-bre essas mesmas condies no caso bra-sileiro. Obviamente est fora de questotentar uma leitura aprofundada da rela-o indivduo-sociedade em nossa socie-dade, mas possvel pelo menos procurardemarcar algumas de nossas especificida-des, que ajudam a responder perguntamais geral sobre a pertinncia do resgate

    de certos elementos da tradio republi-cana, para se pensar a poltica nos tem-pos presentes.3 Mais uma vez, o recurso literatura pode ajudar-nos a encurtar ocaminho. Um texto luminoso a esse res-peito o clssico de Lispector (1996), Ahora da estrela.

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    3 Um bom diagnsticohistrico da participaopoltica no Brasilencontra-se em Carvalho(2002, p. 157-229).

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    dade grande reduz ao nada um indivduoque no chegou a se individuar:

    Nem se dava conta de que vivia numa so-ciedade tcnica onde ela era um parafusodispensvel(Lispector, 1996, p. 44).

    Devemos resistir tentao de fa-zer de Macaba o smbolo da massa demigrantes que, tendo perdido a identida-de cultural que os unia ao interior do Bra-sil, veio encontrar nos grandes centrosurbanos uma excluso total dos proces-sos polticos. Ela muito mais do que is-so. Sua fora elucidativa est justamenteem que no pode ser capturada pelasanlises clssicas da formao e destrui-

    o do espao pblico. Em sua solido,ela desconhece atmesmo a existncia deuma vida vivida na e pela cidade.

    Sua ausncia de aspirao para avida pblica ela era calada (por no ter oque dizer) mas gostava de rudos (Lispector,1996, p. 49) no se traduz, no entanto,na ausncia de aspirao pela vida na ci-dade. Da mesma maneira que as grandesmassas brasileiras demonstraram apetite voraz pela integrao em vrios nveis

    de sociabilidade, sem com isso aspirarnecessariamente a uma maior participa-o poltica (Carvalho, 2002, p. 220-229)segundo os moldes cannicos das de-mocracias representativas, nossa perso-nagem desconfia do suco ralo de realida-

    de, que lhe oferecido por um cotidianoestafante e sem brilho, mas no deixa dedesejar o olhar do outro, ou o prazer fur-tivo de contemplar uma paisagem urbanainesperada.4 Sua vida resumida no deixa

    de gestar a vontade de realizar um poucode seu eu maneira do narrador de Aus-ter, que se constri ao longo de seu mer-gulho pela linguagem. Macaba aspira aoconvvio com os outros, mas, como osindivduos plenos das sociedades ricas,goza ao mximo o luxo de ter seu peque-no mundo s para si. O momento de suasolido alcana uma generalidade insus-peita para o leitor que at ento a acom-panhara no vazio de um cotidiano feitode repeties:

    Tinha um quarto s para ela. Mal acredi-tava que usufrua o espao. E nem uma

    palavra era ouvida. Ento danou numato de absoluta coragem, pois a tia no aentenderia. Danava e rodopiava porqueao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usu-

    frua de tudo, da arduamente conseguidasolido, do rdio de pilha tocando o maisalto possvel, da vastido do quarto sem as

    Marias (Lispector, 1996, p. 57-58).

    O paradoxo que emerge desse mo-mento de felicidade de Macaba queela atinge o mesmo pice de fruio doprprio eu do que aquele proporcionadopelo longo desenvolvimento dos indiv-

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    4 Mas parece-me que sua

    vida era uma longa meditaosobre o nada. S que precisavados outros para crer em simesma, seno se perderia ossucessivos e redondos vcuosque havia nela (Lispector,1996, p. 54).

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    duos atomizados das sociedades indus-triais avanadas. Partindo de um sertosem lastro de cidadania e mergulhandonum tecido urbano que lhe recusa umaidentidade, ela pode aspirar ao mesmo

    prazer do mundo reduzido da intimida-de. Na pobreza de um quarto infecto, asolido mostra toda sua face pr-poltica.

    Tomada como figura tipo, Macabanos obriga a repensar toda abordagem davida poltica dos pases perifricos pelatica da falta e do atraso. Isso no querdizer que a observao da histria dasdemocracias mais tradicionais do Oci-denteno sirva como instrumento para oestudo de muitos de nossos problemas.Ao contrrio, temos insistido no papel darecuperao da tradio republicana parao estudo de nossa realidade. Mas a idiade um desenvolvimento da vida polticaeda participao por etapas sucessivas semostra ferramenta inadequada para al-canar a particularidade de nossa vidapoltica. No tecido urbano altamente pro-blemtico brasileiro, vivemos processosmuito semelhantes aos experimentados

    em outros pases, sem que tenhamos co-nhecido o mesmo processo de constitui-o e destruio do espao pblico. Oque aprendemos, no entanto, mais facil-mente com a pobre nordestina de ClariceLispector do que com o personagem de

    Auster quea solido fundamentalmen-te um fenmeno antipoltico, que no de-pende de arena pblica para se manifes-tar, nem mesmo da rede de proteo dedireitos, que caracteriza as democracias

    representativas. A satisfao plena da in-dividualidade a destruio definitiva davida poltica democrtica.

    Macaba, no entanto, no aspira aser deixada em paz em seu refgio, comoparece ser o ideal de muitos tericos libe-rais. A solido um luxo que as condi-es brasileiras proporcionam para pou-cos e isso constitui nossa particularidadehistrica. No tombemos, no entanto,numa armadilha. Quando nossa perso-nagem se movimenta para sair de seu pe-queno mundo to avaro em felicidade,no o mundo da poltica, com toda a ri-queza de um espao pblico constitudoque encontra, mas a complexa rede de re-laes pessoais e familiares, que h muitocomanda a insero dos brasileiros no te-cido social.5 Em suas andanas pela cida-de, a moa se depara com Olmpico de Je-sus, um operrio metalrgico nordestino,

    que como ela se encontra perdido no vas-to silncio que circunda os desgarrados.Olmpico de Jesus tem to pouco

    a dizer sobre o mundo quanto Macaba,mas, longe de viver essa situao comouma limitao, deseja se tornar deputado

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    5 A esse respeito,ver o instigante estudode Carvalho (2001).

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    e a ver reconhecida sua inteligncia, quese resumia em ser capaz de pronunciardiscursos cantados e vazios. A pobrezada cena pblica brasileira fica evidenteno personagem, na medida em que ele

    capaz de ambicionar a participao napoltica exclusivamente como uma mani-festao da legtima ambio de sair dosilncio constrangedor que sua vida lheimpe. No h em sua demanda de reco-nhecimento nem sombra de um mrito,que teria algo a ver com seu apego a valo-res republicanos.6 O aspecto mais interes-sante a ser destacado, no entanto, no tanto a carncia de valores da vida pbli-ca brasileira, mas o caminho que Olmpi-co segue para fugir de seu destino de nor-destino pobre na cidade grande. Assimcomo para muitos brasileiros no h umavida pblica com rotas predefinidas quepermitiriam aos ambiciosos, como nossopersonagem, visar alvos e perseguir obje-tivos. O caminho para o poder, ou maissimplesmente pelo reconhecimento, pas-sa pela vida privada. Como observa Ho-landa (2002, p. 147):

    No homem cordial, a vida em socieda-de , de certo modo, uma verdadeira liber-tao do pavor que ele sente em viverconsigo mesmo, em apoiar-se sobre si pr-

    prio em todas as circunstncias da exis-tncia.

    Olmpico procura se livrar da soli-do incmoda de Macaba trocando-apor sua colega de trabalho Glria, que,contrariamente seca nordestina, no oincomoda com a exposio contnua de

    suas limitaes e ignorncia. Ao contr-rio, a gorda Glria o introduz em umafamlia do Sul do Pas, abre-lhe as portas deum mundo que lhe era negado a cada mo-mento. A idia da famlia que, como mos-trou Holanda (2002, p. 141-146), constituireferncia obrigatria para muitos brasi-leiros no momento em que os valorespblicos so questionados, aparece tam-bm como o porto seguro de uma socie-dade que convive mal com a conduta gui-ada por regras abstratas (Holanda 2002,p. 150). Por caminhos totalmente opos-tos, o indivduo solitrio das sociedadescontemporneas acaba fazendo o mes-mo elogio do homem cordial intimi-dade. Num caso a hipertrofia do indiv-duo que o leva, como sugere Sennett(2002), a confiar apenas em relaes tes-tadas pelas emoes; no outro, a faltade uma histria republicana que o con-

    duz a desprezar regras e procedimentooriundos de um mundo poltico no qualo afeto no conta. Em ambos os casos, avida poltica se v amputada de suas refe-rncias coletivas e abstratas para se con-verter no campo de encontro de indiv-

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    Um bom estudo sobre adificuldade de criao de umespao pblico no Brasil,levado a cabo com basena anlise de GuimaresRosa, encontramos emStarling (1999).

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    duos ou de personalidades, que se negam aviver uma vida em comum governada porrituais de comportamento e participaona coisa pblica (Sennett 2002, p. 147).

    Macaba, por seu lado, exemplo

    da realizao da figura tipo do indivduosolitrio em uma sociedade que no co-nheceu o mesmo percurso que as demo-cracias do Ocidente. Sua solido frutodo encontro do mundo rural com as ci-dades gigantes de hoje, mas seu percur-so no mais o do homem cordial.Entregue a si mesma, ela tem poucas sa-das para um vazio que, muitas vezes,confunde com felicidade. A conscinciade sua desgraa no vem na forma de pa-lavras procurando sentido, mas de um ta-tear tmido dos pedaos de realidade quepode saborear. Como todo indivduo, elaquer um destino, mas no sabe comoforj-lo. A ignorncia do mundo a impe-de de desejar um mundo mais justo, e se-ria melhor dizer que uma parte dos quevivem a vida mida de nossas cidadesquer antes uma realidade que faa senti-do do que participar de sua construo.

    Da mesma forma, no entanto, que nopodemos supor que o personagem deAuster (1988) representa um retrato totaldos indivduos atomizados, tambm nopodemos supor que sua busca por umdestino e sua incapacidade de realiz-lo

    seja a descrio completa dos processossociais de aquisio da cidadania ao longoda Histria brasileira recente.7 Em suaexemplaridade, os personagens ajudam-nos a pensar os limites das sociedades de-

    mocrticas, que se tornam incapazes deprojetar valores republicanos em grandesparcelas de seus componentes e fecham asvias pelas quais os indivduos ultrapassamas fronteiras de sua histria particular.

    Macaba acaba encontrando a fa-ce trgica de seu destino justo no mo-mento em que acreditava poder escaparaos limites de sua condio. A iluso deque uma porta poderia abrir-se para elamostra os limites que destroem as pontesentre os indivduos isolados e o mundopblico. Distantes de redes de proteoque os defendam da violncia, como a fa-mlia e a sociedade patriarcal de outraspocas, os retirantes e os exilados dasgrandes cidades so obrigados a tentarsobreviver num mundo pr-poltico noqual as esferas do Estado no chegam ateles e, por isso, acabam submetidos aprocessos que lembram muito mais as

    sociedades sem leis e corrompidas doque o mundo ordenado das democraciasdeliberativas ocidentais. Macaba no as-pirava a participar do mundo da poltica.Isso nem mesmo se colocava para ela.O que ela queria era um destino, um re-

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    7 Ver, a esse respeito,Souza (2003).

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    torno aos cumprimentos que dirigia narua, uma identidade que a conectasse comalgo alm do pequeno mundo insignifi-cante do trabalho.

    Como ela, muitos brasileiros con-

    tinuam a reivindicar laos com um mun-do que no os acolhe e que torna inefi-cazes os velhos processos sociais basea-dos em solidariedades locais e em vncu-los familiares. Em seu abandono, ela nosaponta para os riscos que rondam a rela-o de muitos habitantes das sociedadescapitalistas perifricas com o mundo dapoltica. Nesse caso, no podemos falarde participao, uma vez que faltam ascondies mnimas para a incorporaode uma parte importante da populao cena pblica.

    Se certamente esse no o resu-mo dos processos sociais das ltimas d-cadas no Brasil, ajuda-nos a pensar seusriscos e a importncia das discusses so-bre valores republicanos em sociedadesque no conheceram o esplendor da es-fera pblica. No se trata de colocar aconcepo republicana da democracia co-

    mo um ideal, aos moldes dos gregos, deusar de suas referncias para pensar pro-cessos sociais, que no parecem ser estu-dados corretamente com o referencialterico que preside muitas anlises atuaisdos defensores das democracias da apa-

    tia. O que importa marcar a tendnciade que o cidado sem cidadania se en-contre com o indivduo atomizado dasgrandes cidades no terreno antipolticodas relaes privadas.

    3

    A concluso parcial qual podemos che-gar a de que a figura do indivduo apti-co, distanciado do mundo pblico e cadavez mais dependente de pequenos rituaisde construo do presente que, como su-gere Auster (1988), parece escapar porentre os dedos, uma figura tipo, que nosajuda a apontar uma tendncia consisten-te da contemporaneidade, mesmo nassociedades perifricas nas quais o proble-ma da participao se coloca de formabem diferente daquele das sociedades ri-cas do Ocidente. Conquanto figura tipo,no podemos nos servir dela para com-preender processos polticos particula-res, mas certamente ela aponta para aconstruo de uma cena pblica que alte-ra radicalmente os termos nos quais o

    pensamento republicano se consolidouno curso dos ltimos sculos. A apatiano um destino das sociedades demo-crticas, mas marca um limite para suaexistncia. Sua plena realizao, em qual-quer formao social, mesmo naquelas

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    protegidas por mecanismos legais sofisti-cados, como o caso de naes como osEstados Unidos, destri o equilbrio sem-pre mutvel, mas essencial, que constituia balana do eu-ns. Sem ela mergulha-

    mos num territrio no qual a simples re-ferncia democracia e repblica j nofaz o menor sentido. No extremo, por-tanto, a realizao de uma democraciada apatia corri o ncleo mesmo daqui-lo que, ao longo da Histria, chamamosde liberdade independentemente da ma-neira como a concebemos.

    O plo oposto a essa tendncia eque esteve no centro das atenes de mui-tos tericos da poltica nos ltimos du-zentos anos o jacobinismo. Tambmaqui acreditamos que seja possvel anali-s-lo valendo-nos de sua caracterizaocomo uma figura tipo. O romance de Fran-ce (1989), Les dieux ont soif, fornece-nos omaterial adequado.

    O jacobinismo constitui-se em umfenmeno fundamental para a compre-enso da formao do mundo polticocontemporneo, na medida em que dei-

    xou a cena original na qual se formou pa-ra servir de modelo para atores polticosem processos que nada tinham a ver como contexto original. Como demonstrouVovelle (2000), o jacobinismo se trans-formou numa referncia ao longo do s-culo XIX em muitos pases da Europa e

    fora dela, estimulando a participao navida poltica de estratos bastante diversifi-cados da populao. Nesse movimentode expanso do jacobinismo, preservou-se de sua energia original o impulso para a

    ao direta e a idia de que uma radicaliza-o nas formas de participao seriacapazde fornecer uma ferramenta eficaz para atransformao profunda das sociedades.

    Mais uma vez, no nos interessa ahistria do fenmeno, mas, sim, o mode-lo de relao entre o eue o nsque forne-ceu. Nesse caso, a balana pende decidi-damente para o plo ns, transformandoa cena pblica pela exacerbao do papeldo ator engajado nos negcios pblicos.

    Como observou Abensour (1992), a Re-voluo Francesa viu surgir um novo ti-po de ator poltico que no se identifica-va inteiramente com nenhum dos tiposanteriores de participantes da vida pbli-ca. Trata-se do que chamou de heri re-volucionrio, que foi estudado em suaparticularidade, pela primeira vez, porTocqueville (1988, p. 239-248).8

    Evariste Gamelin, heri do roman-ce de Anatole France fornece um beloexemplo da figura tipo do revolucionriojacobino disposto a fazer a balana eu-nsa se inclinar para o plo da comunidade ede seu suposto bem. No incio da estria,ele se comporta como outros cidadosencantados com as possibilidades aber-

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    8 A indicao da importnciade Tocqueville para aabordagem de nosso tema foisugerida por Abensour notexto citado.

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    tas pela Revoluo, que derrubara antigasbarreiras e destrura privilgios de classee permitira a muitos sonhar com uma no-va posio na sociedade. Gamelin umpintor medocre, discpulo de David,

    membro da seo do Pont-Neuf, ondeexerce militncia discreta, mas entusiastaem favor da Revoluo. Na primeira par-te do romance, seu grande mestre Ma-rat, que chega a distingui-lo com umaateno especial:

    Ele venerava, amava Marat que, doente,com as veias em fogo, devorado pelas lce-ras, gastava o resto de suas foras a servioda Repblica e, em sua pobre casa, abertaa todos, o acolhia de braos abertos, lhe fa-

    lava com ateno ao bem pblico e o in-terrogava por vezes sobre os planos dos ce-lerados(France, 1989, p. 79).

    O patriotismo do personagem notem nada de especial nesse momento.Ainda que ele no esteja disposto a acei-tar crticas Revoluo nem mesmo contraposio da obra revolucionria aobom senso pragmtico dos homens denegcio, como Jean Blaise, que lhe dizvoc vive no sonho, eu na vida (Fran-ce, 1989, p. 67), Gamelin se mostra otempo todo um convertido aos novosprincpios, a ponto de fazer seu interlo-cutor se lembrar do perigo que corre emse mostrar ctico quanto ao futuro da Re-voluo. Mas, comomuitos cidados fran-

    ceses dos primeiros anos da Revoluo,ele mergulha na chance que lhe pareceoferecer a Histria, disposto a fazer todosos sacrifcios sem exigir nada em troca.Sua adeso aos princpios revolucion-

    rios de liberdade, igualdade e fraterni-dade no depende de uma recompensaimediata, mas de uma promessa, que nopode ser quebrada sob pena de ver a p-tria e suas conquistas serem destrudas.

    Embora envolvido com os traba-lhos de sua seo, Gamelin permaneceboa parte do romance como um mem-bro modesto das classes que ascenderamna vida poltica francesa sem terem rece-bido benefcio direto da nova situao. O

    artista vive beira da misria ao lado desua me. Junto com outros habitantes deseu bairro, ele faz longas filas para obterpo, bem que se tornara escasso em Pa-ris. O que cabe observar nesse momento que Gamelin no possui caractersticasespeciais que pudessem distingui-lo en-tre os que haviam adotado os ideais dosnovos tempos. Sua radicalidade no deri-va nem de uma adeso pensada a um sis-tema filosfico complexo, como seu ami-

    go Brotteaux, que fazia de Lucrcio seumestre em todas as questes, nem de umconhecimento aprofundado das alavan-cas da poltica. Ele vive os novos temposconfiando nas novas idias e nas diretri-zes que ouve de seus heris. Imerso na

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    ao e no desejo de uma nova era, nolhe ocorre pensar nos riscos e nas possi-bilidades do processo que est vivendo.Embora seja um elo insignificante da ca-deia revolucionria, ele vive sua vida entre

    a privacidade de uma famlia modesta, oamor por uma jovem, e as aes que cum-pre na seo do bairro. Sua devoo ce-ga porque Gamelin no v como a Franapoderia retornar ao estado anterior oumesmo escolher um novo destino semverdestrudas todas as suas conquistas.

    A posio do jovem pintor in-teressante exatamente por mostrar umainscrio na cena pblica que no difereem muito de vrios momentos da Hist-

    ria nos quais a participao de um nme-ro maior de cidados nas esferas polticasmudou-lhe a face. O adorador de Maratse inspira no modelo dos heris, mas nopretende ele mesmo ser heri. Se seu fa-natismo j mostra os riscos de sua condi-o e a eficcia da propagao de umanova viso de mundo, ele antes de tu-do um homem comum imerso na ao,um indivduo que se guia por idias abs-tratas, mas conectadas intimamente aos

    processos que se desenvolvem na socie-dade na qual luta para sobreviver. Game-lin aponta assim para a condio dos ci-dados comuns em um Estado no qual oengajamento na cena pblica um requi-sito para sua sobrevivncia.

    Ora, em que pese densidade dopersonagem, seu amor por Elodie, Ga-melin no demonstra ser capaz de refletirsobre o que vive. Em suas discussescom Brotteaux, ele ope sofistificao

    de Lucrcio uma f ingnua nos novosvalores. A imerso na ao parece ser-vir-lhe de guia em um mundo do qualno consegue escapar, mas tambm nocompreende inteiramente (France, 1989,p. 93). Desse ponto de vista, ele parecedemonstrar a tese de Charles Taylorquan-to importncia das instncias simbli-cas e imaginrias na formao dos indiv-duos e dos agentes polticos. Para ele,a forma de ao dos membros de uma

    comunidade ser sempre o produto dascondies objetivas de acolhimento dosatores nos mecanismos institucionais daarena pblica e os caminhos pelos quaisessas formas so representadas pelos in-divduos e a representao que eles tmde si mesmos (Taylor, 2003).9 Gamelin desse ponto de vista exemplar na dialti-ca entre valores aceitos e formas de ao.

    Mas os verdadeiros riscos conti-dos no elogio da ao revolucionria se

    encontram no momento em que ele dei-xa o terreno da ao com seus pontosobscuros e sua natural mutabilidade, paraencontrar uma teoria que se converte emexplicao total de toda vida social. ParaGamelin essa virada dar-se- no momen-

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    9 Para uma anlise de suasposies, ver Souza (2003,p. 23-61).

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    to em que encontra Robespierre. Condu-zido pelos acasos da vida poltica de seutempo a ser membro de um tribunal re-volucionrio, o personagem s encarnarseu novo papel de maneira decidida quan-

    do passar a represent-lo como parte deum concerto universal destinado a con-duzir a humanidade a um novo patamar.O terror surge no horizonte do pintor,quando seu desejo de preservar a obra daRevoluo d as mos a uma nova meta-fsica, que se sobrepe a todo e qualquerimperativo de prudncia ou bom senso,que, no territrio aberto da ao livre,costuma servir de freio para os excessosdos atores convertidos abstratamente a

    um novo iderio. Se Gamelin j se mos-trava resistente ao pragmatismo do paide sua amada, o jacobinismo de 1993 se-r a porta de sada da realidade cotidiana,para o mergulho definitivo no reino uni-versal do terror e do voluntarismo.

    A descrio do processo de imer-so do personagem no mundo do jacobi-nismo lembra as palavras dirigidas porSaint-Just a Robespierre em uma cartade 10 de agosto de 1790:

    Vs que sustentais a ptria contra a tor-rente do despotismo e da intriga, vs queconheo com a um deus, pelas maravilhas;endereo-me a vs, senhor, para suplic-lode reunir-se a mim para salvar meu triste

    pas (Saint-Just, 1968, p. 370-371).

    como a um deus que Gamelin escutaRobespierre e se sente salvo do mundocomplexo da ao poltica no qual estive-ra perdido:

    Evaristo escutou e compreendeu. At en-to ele havia acusado a Gironda de prepa-rar a restaurao da monarquia ou otriunfo da faco dos Orlans e de prepa-rar a runa da cidade herica, que havialiberado a Frana e que um dia livraria ouniverso. Agora, com a voz do sbio, eledescobria verdades mais altas e mais pu-ras; ele concebia uma metafsica revolucio-nria, que elevava seu esprito para almdas grosseiras contingncias, ao abrigo doserros dos sentidos, na regio das certezasabsolutas. As coisas so em seu natural

    misturadas e cheias de confuso; a comple-xidade dos fatos tal que neles nos perde-mos. Robespierre os simplificava, apresen-tava o bem e o mal em frmulas simples eclaras(France, 1989, p. 165).

    O jacobinismo assim um proces-so de destruio do mundo da ao. En-quanto esteve confuso, Gamelin eracapaz de escutar os argumentos contr-rios s suas idias e compartilhar os espa-os comuns da cidade, mesmo com aque-les que discordavam de sua f na Revolu-o. A partir do momento em que deixa aesfera da ao, ou se preferirmos, em quedeixade interagir no mundo pblico comas armas da razo prtica, ele se torna in-capaz de viver num espao democrtico.No reino das verdades, o diferente algo

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    a ser eliminado. Num sentido muito cla-ro, o jacobinismo se converte para elenuma salvao da poltica, numa reden-o para as dificuldades de se viver inten-samente os impasses de uma sociedade

    poltica. Dizendo de outra forma, o jaco-binismo necessariamente um caminhopara a destruio da arena pblica, e nosua realizao. Nos termos de nossos ar-gumentos, ele uma teoria anti-republi-cana, e no sua realizao plena comopretenderam alguns.

    4

    O estudo das duas figuras tipo empreendi-

    do at aqui permite visualizar o impasseno qual se encontram os que gostariamde afirmar um modelo de repblica base-ado no elogio da participao e na prece-dncia da ao na definio da relaodos indivduos com o mundo poltico.Como vimos, a simples afirmao de quea participao nos negcios pblicos um bem em si mesmo esbarra no fato deque as sociedades contemporneas dei-xam pouco espao para a interao diretados indivduos com os mecanismos dedeciso tanto em mbito nacional quan-to internacional. O fenmeno observadodesde o sculo XVIII por pensadoresfranceses, neles includo Rousseau, deque a democracia direta dos antigos setornou um modelo irrealizvel nas na-

    es de grandes dimenses se mostrouainda mais radical nas sociedades de mas-sa. O que importa, no entanto, nesse mo-mento, notar que os modelos de rela-o indivduo-sociedade estudados so o

    produto de concepes sobre os funda-mentos das sociedades polticas, que nopodem ser aceitos como parte de umanatureza intrnseca de nosso tempo. Co-mo sugere Charles Taylor, o que est emquesto na verdade uma disputa entre oque chama de ontologias concorrentes(Taylor, 2000, p. 198-199).

    Uma concluso de nosso percurso a de que a plena realizao das figuras ti-po aqui estudadas conduz destruio

    das sociedades livres e impede o desen-volvimento de qualquer uma de suas for-mas. Tanto a pura apatia quanto a entregatotal ao e idia de construo volun-tarista dos laos sociais incapacitam osatores a respeitar o valor bsico da liber-dade, independentemente de que ela sejaconcebida maneira dos liberais comoausncia de constrangimento ou ma-neira dos defensores da repblica.

    Nesse sentido, preciso afirmar

    que o heri revolucionrio jacobino fru-to de um republicanismo quese destri aose realizar. Insistir, portanto, em acusar oanacronismo das concepes republica-nas atuais com base nos resultados daao dos jacobinos tomados na acepoanteriormente estudada lanar mo de

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    um procedimento retrico, que deixa delado no apenas a crtica que os republica-nos franceses do sculo XIX fizeram aosprodutos mais diretos do voluntarismodos partidrios de Robespierre, mas o fato

    essencial de que no h razo histrica v-lida para associar jacobinismo e repbli-ca como se fossem sinnimos. No ha menor dvida de que o ator heri estinscrito no campo das possibilidades dosdefensores do republicanismo, mas nocomo sua sntese, e sim como seu limite.O cidado perdido no plo da identidadecoletiva no mais um cidado livre e porisso deixou de poder agir na cidade, tendocomo respaldo essencial sua condio de

    agente livre. Ao pender para o lado nsdeseu prato, a balana deixa de representaruma sociedade republicana.

    Da mesma forma, um conjunto decidados apticos e capazes apenas de semobilizar para a defesa de seus interessesparticulares uma presa fcil para os que visam interesses globais, que vo muitoalm das fronteiras nacionais. A destrui-o do plo nsda balana deixa os indiv-duos isolados e sujeitos apenas vontade

    dos governantes de respeitar os contratosestabelecidos com a maioria silenciosa.A simples confiana na neutralidade dasinstituies democrticas representativasno se mostrou um freio adequado paralidar com as imposies de interesses infi-nitamente mais bem articulados do que os

    dos indivduos atomizados. Tambm nes-se caso, ao pender definitivamente para oplo do eu, a abalana se destri, levandoconsigo as democracias liberais.

    O que estamos propondo, portan-

    to, que nenhumasociedade pode convi-ver com um desequilbrio total entre osdois plos. claro que os defensoresmais radicais dos dois modelos insistiramque os defeitos no so simtricos e queapenas os excessos dos defensores da te-se oposta representa um risco para a vidanas sociedades democrticas. Nossa hi-ptese que essa aposta representa umrisco para a liberdade, que no pode serenfrentado seno com o abandono dos

    dois extremos.Com isso, no entanto, no quere-mos dizer que seja possvel uma espciede mediania, que representaria um equil-brio perfeito para a vida poltica. Talvez ocaminho mais saudvel e plausvel parauma vida poltica vivida segundo valorescaros tradio republicana continue aexigir o respeito indeterminao da aoe a ateno pluralidade e diferena, queconstitui o solo da cidadania nas socieda-

    des industriais contemporneas. Sem a to-lerncia ao outro, a aceitao dos riscosinerentes ao pblica e o amor da liber-dade, estamos condenados a viver em si-mulacros do que foi em alguns momentosda Histria a marca de sociedades republi-canas e democrticas.

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    Referncias bibliogrficas

    E-mail de contato do autor:

    [email protected]

    Artigo recebido em maio de 2006

    e aprovado em julho de 2006.