vida jagunça (a saga de margarosa)
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Autora: Liliana AlegreTRANSCRIPT
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Vida Jagunça
(A saga de Margarosa)
Autor Liliana Elisabeth Alegre.
Personagens primários:
As vendedoras de Cordel:
Mariana
Filhas :
Maria das Dores
Maria dos Anjos
Maria das graças
Juvêncio
Personagens secundários:
Margarosa
Meninas do sertão
Rendeiras
Jagunço Mirosmar
Maria jagunça
Velho
Comadres.
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Vida Jagunça
(A saga de Margarosa)
A chegada dos contadores de história e vendedores de cordel.
As vendedoras de cordéis chegam à cidade. A trupe é composta por Mariana,
suas filhas e o menino Juvêncio seu afilhado. Eles chegam puxando a pequena
carroça onde cabaças e pandeiros se misturam com colorido de fitas e flores.
As três filhas são conhecida como as três Marias. Maria das graças, Maria dos
Anjos e Maria das Dores.
Mariana, Juvêncio e Das Dores passam a montar o local de trabalho com um
painel de tecido onde na frente são colocados algumas almofadas de rendeiras
cabaças e pandeiros e estendem seu varal de livros de cordel enquanto as
outras filhas se encarregam de chamar o povo.
Das Graças - Chegue mais meu povo!
Que tem história de montão
contando toda a sina de quem vive no sertão.
Só um conto - por um conto levam um conto.
Dos Anjos - Mulher de Deus tome tento.
Deixe o povo se abancar.
Deixe ficar no conforto para depois negociar
Pois se assusta vão embora.
Daí que vamos nos lascar.
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Das Graças- Ora essa! Vê quem fala!
Quer me ensinar a negociar?
Vive deitada na rede e nem gosta de trabalhar
Quer me ensinar a vender quem nunca pode comprar
E se compra é no fiado e nunca volta pagar
Dos Anjos- Escute aqui abusada
Eu não lhe devo satisfação
Nunca aprendeu a ler e quer me ensinar a lição?
Quem não serve de empregado quer dar uma de patrão.
To perdendo a paciência e não custa meter lhe a mão.
Das Dores( intervindo)- Desse jeito não dá jeito e se as duas se atracar
Isso aqui vai virar rinha
E se o povo começar a apostar?
Não vai sobrar um tostão para o cordel comprar.
Das Graças- Pensando bem é verdade e penso que ela tem razão
Das Dores- Se a gente quer vender é melhor ter educação.
Dos Anjos- Se a gente sair de tapa. No tabefe ou bofetão.
Pior que perder a venda é a gente perder a razão
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Das Dores- Vamos deixar de conversa
Não vamos perder mais tempo.
Pois é vendendo esta arte
que a gente tira o sustento.
Se abracem e façam as pazes
que todos ficam a contento.
Das Graças- Eu vou começar de novo agora nesse momento.
Chegue mais meu povo, que tem história de montão.
Que conta a triste sina de quem vive no sertão.
Dos Anjos- Como eles vão comprar se não conhece a história?
Das Dores -A gente conta uma pra eles e daí eles compram as outras.
Das Graças- Chame o menino Juvêncio e vamos amarrar o nosso cordel.
(Gritam)- Juvêncio
Juvêncio- Corujas de mau agouro.
Não me deixam descansar.
È só eu pensar em rede
que já começam a piar
Dos Anjos-Eu pio e tu cale o bico
Se quer continuar comendo
È melhor vir trabalhar
Trate de amarrar o cordel
para a história começar
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Juvêncio- Se o feito é desta feita.
Bichinha tu podes deixa.
Deixa que eu amarre daqui
Mas tu que amarres de lá.
Todos -“ Vem chegando Margarosa pra sua história contar.”
2-Apresentação
Entra Mariana e se junta com Juvêncio tocando o pandeiro e as meninas os
acompanham com cabaças.
( Versos cantado pelo grupo)
Eu Venho lá de outras bandas
Eu venho de lá pra cá
Arrastando meu cordel
Pra muita história contar
Eu conto e não invento ponto
Mas num ponto hei de parar
Pois esta vida é jagunça
Que vem doida pra matar
Meu cordel tem a poeira
De estrada de sertão
Fazendo sua parada
Onde me der à benção
De oferecer pousada
Eu deixo por gratidão
A cada um uma história
Que conto com exatidão
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Nesta vida que é jagunça
De sol semente e solidão.
3-Transformam em personagens da história
(Neste ponto todos passam a viver os personagens da historia contada)
A saga de Margarosa
1-O nascimento
Margarosa - Eu não sei se é direito o que dizem que Deus escreve certo por
linhas tortas, pois quando ele escreveu minha vida ele fez
mesmo foi garrancho. Pois penso que a vida de uns e escreveu
com letras redondinhas e a minha ele rabiscou foi de qualquer
jeito. Se pensarem que resmungo feito uma mamangava eu lhes
mostro que tenho razão.
Das graças- Como tudo começa um começo, começo é do nascimento. Neste
sertão onde tantas crianças não vingam é fácil lembrar uma que
vingou. A mãe embuchou e já tinha 45 anos idos. Como se isso
fosse pouco, o nascimento é que foi pior...
Juvencio - Sai da frente... Sinhá Maróca parteira vem chegando Sebo na
canela Sinhá maróca. Corre ou não dá tempo.
Sinhá Maróca vem sem pressa com seu avental florido, trazendo uma bacia
cheia com os equipamentos para ajudar no parto.
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Sinhá Maróca ( Dos Anjos) - Menino desarvorado que corre feito pé de vento
pois se o bichinho quer nascer ele que me espere.
Sinhá maróca vai para trás do painel
(Off)-Mulher grita-Valha me Deus, eu vou morrer!...
Sinhá maróca( Dos Anjos) - Vai não, Fia de Deus o bichinho tá entalado, mas
deixa que desentalo este cabra e é já.
Começa o desespero e falatório
Das Dores- Alguém dá uma vela pra rezar pra nossa senhora do bom parto
Dos Anjos - Chama a Dona Benditinha benzedeira pra ajudar.
Das Graças- Não carece não, demora muito, mas vamos rezar que é melhor.
Sinhá Maróca (Dos Anjos)- Vamos lá gente, quem tiver alguma coisa aí
amarrada no corpo pode soltar que senão dá azar e
amarra o parto e o bichinho não nasce.
E as mulheres desamarram seus lenços e laços.
(Off)- Padim Ciço me ajuda...
Sinhá Maróca (Dos Anjos)- Valha-me santinho, pois o bichinho tinhoso não
quer nascer de jeito nenhum...
(Off) Choro de criança...
Sinhá Maróca (Dos Anjos) - Nasceu!... Nasceu...Menina muié! Cabrita da
moléstia já nasceu tentando homicídio, quase
mata a mãe.- Eita! Pobre criança coloca nome de
flor que é pra ver se desenfeia.
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Margarosa- Minha mãe queria Margarida e meu pai que eu fosse Rosa
(falatório)
Margarida-Rosa- rosa -margarida- rosa...
Margarosa- Depois de mais de uma semana de pendenga me Chamaram de
“Margarosa”.
Das Dores- Ô mãe santa! Tratava ainda como se fosse obra do divino.
Das graças- A mãe que era galega ficou ainda mais branquinha.
Juvencio- O sangue demorou mais de mês pra voltar a correr direito nos
caniços das vêias
2-A infância
Margarosa - Como se isso fosse pouco, com o passar dos dias fui ganhando
uma cor escurinha por demais. Meu pai que também era galego
começou a olhar desconfiado e começou a exigir satisfação e não
havia maneira dele acreditar que a cor era castigo de uma
promessa não cumprida .Desse jeito fui crescendo e fui amargando
a vida enquanto eles foram vivendo um de cara amarrado com o
outro e cada um me olhando como se de tudo eu fosse culpada.
Das Dores - Aos sete anos, mal aprendeu as escritas e teve que deixar o
estudo e ir para o roçado, pois o pai caiu no mundo, deitou cabelo
na saroba, deu pé, sumiu.
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Das graças- Assim com sete anos ganhou seu primeiro presente
Margarosa - uma enxada,
Dos Anjos- com oito...
margarosa- um facão de corte.
Das Dores - Com nove...
margarosa -Um machado.
Juvêncio - E com dez anos já ganhava o pão suado.
Margarosa - A ultima lembrança que tenho meu pai é ele montado, trotando
em seu cavalo com seu velho gibão e chapéu de couro indo e sumindo aos
poucos lá ao longe na poeira no fim da estrada.
5- Sonhos de meninas do Sertão.
Cantiga de roda tocada com pandeiro e colheres de pau (maculelê)
Quem não sabe fazer renda.
Quem não sabe namorar
Tem que virar rezadeira
Ficar velha sem casar
Meu padrinho, meu padrinho.
Tenha pena de quem chora
Pois a mágoa vira água
Que o olho joga fora.
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Das Dores - Quando eu me casar vai ser é com coronel. Não vou buscar água
na cacimba, não vou lavar roupa na tina. Vou ser é dona de engenho, e ter
muitos vestidos do melhor tecido vindo da capital e vai ser um mais lindo que o
outro e vou é andar nos trinques. Vou ser cheia dos brincos, colares e anéis.
Vou andar de chapéu emplumado, sapato de fivela e as meias serão tão finas
quanto será minhas mãos.
Das Graças e Dos Anjos - Ah, mais vai!
Das Dores- Margarosa vem brincar?
Das Graças e Dos Anjos - Margarosa brinca não!
(música)
Quem não sabe fazer renda.
Quem não sabe namorar
Tem que virar rezadeira
Ficar velha sem casar...
Dos Anjos
Eu vou me casar é com moço de cidade que há de me levar pra longe desse
lugar. Na cidade hei de ter uma linda casa com uma varanda enorme, onde vou
amarrar minha rede e descansar nas tardes de sol. Todo dia vou tomar banho
de cheiro e meu cabelo vai ficar lindo e claro como cabelo de espiga nova e
minha pele há de ficar branca e macia como algodão. Vou viver de sombra e
água fresca. Todo o mundo que passar vai me cumprimentar com respeito, os
homens tirando o chapéu e as mulheres me acenando as mãos.
Das Graças e Das Dores- Ah, mas vai!..
Dos Anjos - Margarosa vem brincar?
Das Graças e Das Dores - Margarosa brinca não!
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Quem não sabe fazer renda.
Quem não sabe namorar
Tem que virar rezadeira
Ficar velha sem casar
Das Graças-
Minha mãe quer que eu me case, mas eu não quero me casar. Quero mesmo
é estudar e já estou até aprendendo as primeiras letras. Vou morar na capital
hei de ter um bom trabalho e ser chamada de senhorinha. Homem pra falar
comigo vai se ajoelhar, vai ter que fazer minhas vontades e só me agradar. Vou
sair pra passear de guarda sol enfeitado e não vou sacolejando em cima de
burro, cavalo ou de carroção, pois eu vou mesmo é de carro de motor.
Dos Anjos e Das Dores-Ah, mas vai!
Das Graças - Margarosa vem brincar?
Dos Anjos e Das Dores - Margarosa brinca não!
(Saem cantando até as almofadas e bilros de rendeiras.)
Quem não sabe fazer renda...
...Vou levando minha sina
E no céu em riba deu
Hei de ter felicidade
Que padim me prometeu.
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3- A Mãe
Margarosa- Era eu minha Mãe e a vida.
A Vida foi roubando a infância.
Era eu na lavoura. Era minha mãe nas rendas.
Eu ouvindo ao longe brincadeiras que não eram minhas.
Era Minha mãe vendo entre os dedos sua vida passar.
A renda enredava os sonhos e a lavoura barganhava com nosso
Sustento.O tempo ia tirando o doce da vida e colocando na cana e
botando o amargo na vida da gente.
Representação de mulheres rendeiras
As atrizes atrás das almofadas de rendas batem cabaças ou colheres de pau
produzindo o som dos bilros.
(Musica ritmada pelo som dos bilros)
A rede vai a rede vai/ a renda vem, a renda vem. A rede que enreda a renda /que é renda que não enreda ninguém. 2x
Margarosa - Mainha vivia sempre de olhos baixos o tronco e a cabeça
curvados sobre a enorme almofada com seus casulos de fios
enquanto tecia suas rendas.
Das Graças - A lida difícil debaixo do sol dessa vida jagunça castiga e
envelhece a gente dia a dia antes mesmo de ter idade de ser
velho. O corpo curvo a pele marcada não combinam com a
agilidade das mãos.
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A rede vai a rede vai/ a renda vem, a renda vem. A rede que enreda a renda /que é renda que não enreda ninguém.
Margarosa- Enquanto tecia, ela que já não ria e falava pouco, ficava fechada
em seus pensamentos. Tecia como se o mundo dependesse da
agilidade dos seus dedos para continuar girando.
Dos Anjos- Os dedos dançam no emaranhado de fios seguindo o som dos
bilros, como agulhas de pau, batendo uns nos outros, o barulho
não combina com o sol que queima lá fora, pois lembra a chuva
caindo no beiral da casa.
A renda vai a rede vem/ a rede que enreda a renda /que é renda /que não enreda ninguém
Margarosa- A única coisa a que dava atenção, além da renda que tecia, era
uma pequena caixa de madeira entalhada onde guardava uns
trocados de dinheiro resultado da venda de seu trabalho que eu
levava ao mercado da cidade. Um dia encontrei a caixinha e minha
mãe, caídas uma ao lado da outra. Corri para a janela e vi ao longe
um homem trotando em seu cavalo com seu velho gibão e chapéu
de couro indo e sumindo aos poucos lá ao longe no fim da estrada.
(Silencio)
Todos - Acho que o mundo parou de girar
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4-Trabalhadoras de usina de cana de açúcar.
(versos cantados)
Vai gemendo a moenda
Vou gemendo minha sina
Que o sol dessa vida
Castiga e ensina
Que a vida da gente é engenho de usina. 2X
Versos narrados
(Das Dores)
Quando ha chuva no sertão, a vida faz melhorar.
A gente vê pau florando e tudo parece cantar
Quando chove, no sertão tudo muda de lugar.
Vou pedindo a Padim Ciço
Pra tudo abençoar
Que a vida da gente é engenho de usina 2x
(Dos Anjos)
Quando chove no sertão tudo parece mudar
Tem cacimba se enchendo e gado no campo a pastar
Muita cana pra usina e rapadura no embornal
Vou pedindo a Padim Ciço
Pra sorte continuar.
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Que a vida da gente é engenho de usina.2X
(Das Graças)
Quando chove tudo é festa para o povo do lugar
Os homens vão ao roçado e as mulheres cozinhar.
Bota a lenha no fogo e só o fogo aumentar
Viúva vai se assanhando e moça nova quer casar
E pede pra Padim Ciço, pra sua sorte mudar.
(verso cantado )
Vai gemendo a moenda
Vou gemendo minha sina
Que o sol dessa vida
Castiga e ensina
Que vida da gente é engenho de usina(2x)
5- Vida de Margarosa
Das Dores
Pelas virgens do descaso.
Da até pra desconfiar deste fogão apagado
Talvez ninguém compreenda porque ele tá sem fogo?
Espera aí que vão contar.
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Como dois e um são três.
Tudo que conta é verdade.
Nisso pode acreditar.
Margarosa - Tinha eu 14 anos, sozinha no mundo de meu Deus tendo eu
que me arranjar. Num dia desses de sol de rachar macuco eu fui
até a ribeirinha buscar água pra lavar a roupa que tava uma
inhaca de suja. Foi quando ali apareceu montado em seu cavalo o
negro Jagunço que carregava no lombo o peso de muitas mortes
e a graça do nome de Mirosmar. Apeou do cavalo de trabuco nas
costas que quando eu lhe olhei nos olhos meu coração ficou
troncho e frouxo.
Das Dores- Igual semente dentro de jatobá maduro,
Margarosa- as minhas pernas bambearam...
Dos Anjos- ...Feito caniço no vento,
Margarosa- Eu tremi feito doida...igual...igual...
Das Graças- ...vara verde nas mãos de Dona Calmosa tangendo a educação
dos meninos.
Juntas- Porque não fugiu?
Margarosa- Tentei correr, mas que jeito? Eu tava era ruim de pernas e ele era
bom de corda, me pegou no laço igual égua fugida. Atarracou-me
nos braços e disse:
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Juvêncio(Jagunço)- Gostei de ti o menina, bichinha tu vai ser minha pelo
resto de sua vida.
Margarosa- Pobre de mim, sem ninguém pra socorrer.
Sem ninguém pra me ajudar.
Todos- Pois ninguém em juízo perfeito enfrentaria Mirosmar.
Das Dores- Assim assinou sua sina, naquele dia na ribeirinha, quando
Encontrou Mirosmar
Margarosa- pois o desgraçado jagunço resolveu me desposar.
Dos Anjos- Se ao menos fosse cangaceiro feito lampião, Corisco ou canário.
Margarosa- Eu viveria no inferno, mas seria igual Maria Bonita, Jovina,
Catarina ou Dadá. Mas o Desgraçado era jagunço do ruim, de
buraco no coração que recebe pra matar.
Das Dores- Se tu não sabes pra jagunço só três coisas interessam fazer.
Sair montado a cavalo pela estrada tramando tocaia pra selar a má
sina de alguém. Montar na mulher fazendo filho ou comer feito um
cão danado.
Margarosa- E de fato era assim. Saia e voltava doido de fome. No caminho
sempre caçava um bicho pra jantar. Porque jagunço é assim, vê o
bicho de légua e puxa o trabuco e acerta o tiro bem no meio da
testa e daí era só pegar o bicho pelas orelhas e jogar no meu pé
dando ordem de patrão.
Juvêncio (jagunço) -Vê limpa direito e não erre no cozido não quero mole
feito lama e nem duro de quebrar dente.
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Margarosa- Cortei tanta barriga de tanto bicho que já não sei nem contar.
E se acaso a comida não agradasse lá vinha chicote em meu
lombo. Eu chorava a dor junto a dor da minha sina sem
ninguém pra me ajudar.
Todos- Pois até o doido mais doido, não enfrentava Mirosmar.
6- Margarosa se transforma em Maria Jagunça
Dois pandeiros ( desafio de repentistas)
1-Vi o homem feito bicho
2- Que a mulher destratou
1-Viu a flor virando espinho
2 Quando ela se rebelou
1 e 2 Não viu mais comida no fogo /Nem a roupa mais lavou
1-Onde não vi o carinho
2-O Amor, fé e gratidão.
1-Vi homem perdendo o respeito
2-Mulher perdendo a razão
1-Vi gente mudando a sina
2-Debaixo do sol da vida
1e2-Tornando se opressora /Quem era um dia oprimida
Margarosa-Tudo que é bom e justo vem de encontro, um dia eu fiquei sabendo
do boato que corria lá pras bandas da vila do araçá. Que tinha tal
lobisomem que todo mundo tava doido pra pegar. Daí me veio o
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pensamento, e se o tal lobisomem fosse o jagunço Mirosmar?
(Inicia a transformação de Margarosa em jagunça).
Chocalhos com cabeças (Suspense)
Margarosa-Numa noite ele voltava sem ninguém lhe ver chegar
De tanto ouvir de tocaia aprendi a tocaiar.
Atraí-lhe pro Galinheiro e foi só ele entrar
Fui puxando da peixeira e destripei Mirosmar.
Pratiquei usar a peixeira cortando bucho de bicho
que mandava preparar
Herdei trabuco, chapéu, um cavalo e um embornal.
Deixo sem fogo o fogão e a roupa sem lavar
Vou seguindo outra sina
E tu podes acreditar.
Virei Maria jagunça viúva de Mirosmar.
Chocalhos e Sons
Margarosa- Tentei outra Sorte e mudar minha sina, mas alguma coisa tava
sempre aqui, entalada no gorgomilo... E eu sabia o que era!
As pendengas que tinha que acertar com meu pai
7-O acerto de contas com o pai
Tropel de cavalos ( Sonoplastia produzida com cabaças)
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Das Graças -Não digo que deixou pra trás uma vida, porque quem deixa vida
pra trás é defunto. Mas deixou tudo o que tinha, e era pouco, e só
deus sabe se um dia voltaria. Arrumou a bagagem e montou a
cavalo e saiu trotando disposta a fazer o diabo neste mundo de
Deus.
Margarosa- Peguei caminho, cortei atalho de sol no lombo dia após dia.
A noite ia trocando de lua e eu seguindo caminho pra onde a sorte
me levava.
Seguindo em frente.( Tropel de cavalos)
Das Dores - Banhava em riacho e muitos dias comendo poeira e bebendo
vento. Quanto mais a solidão lhe batia e o sol queimava mais ela
endurecia o coração. Caçava bicho na caatinga pra comer e
assim treinava a pontaria. Foi ficando tão boa no trabuco como
era na peixeira.
Seguindo em frente. (Tropel de cavalos)
Margarosa - Tinha que resolver minhas pendengas e por isso em cada vila
que passava, parava e procurava por meu pai. Dava nome e
descrição. Um dia, numa dessas paradas descobri que o velho
estava a um quarto de milha de onde eu me encontrava.
Seguindo em frente. (Tropel de cavalos)
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Dos Anjos- Chegando ao lugar deparou, no meio de um pasto, uma casa de
pau a pique aproximou e pela janela viu sua miséria interior e lá
reconheceu pendurada na parede um gibão e um chapéu de couro
empoeirado e carcomido do tempo.
Margarosa - Vi um velho sentado na varandinha me aproximei e vi que estava,
além de velho, um tanto cego e muito doente. Perguntei seu nome
e ele não respondeu. Inchou-me as ventas, ajeitei o trabuco e
perguntei:
-Velho tu sabe quem sou eu?
Ele levantou sua mão, tremendo para o céu e me disse:
Juvêncio (velho) - Sei! Tu és aquela que veio me tirar o fardo, tu é aquela que
vem me tirar esta dor que tanto me pune. Tu és a morte que
eu tanto espero.
Margarosa -Eu não disse uma palavra, mas baixei o trabuco e saí sem dizer
adeus. Não tirei lhe a vida porque neste mundo jurei que jamais
cumpriria um só desejo seu. Não lhe devia obediência e nem
cumpriria suas vontades.
Montei meu cavalo e segui em frente. (Tropel de cavalos se afastando)
A vida que escreve a sorte
Vai riscando tudo
Desenhando a morte
Não sou a queda sou o tiro
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Não sou ferida sou a bala.
Eu sou todos os desatinos
Quem escreve o destino.
Onde as palavras que calam
8-O Povo do Sertão
Das Graças - Contamos a história, mas ainda não contei como conhecemos a
jagunça. Foi quando ficou 197 dias sem cair uma gota d’água no
chão. Tu te lembras Dos Anjos?
Dos Anjos - Foi!...Resolvemos se ajuntar pra pedir aos santos pra levar um
recado pra Nosso Senhor, pra ajudar a gente naquela seca
Jagunça que vem doida levando a vida onde passa com seus
passos rijos.
Das Graças- Juntou tudo que é gente das redondezas, no terreiro do
compadre Genival pra cumprir a rezaria. Cada um trouxe um
santo de sua devoção e pra ninguém ficar descontente
resolvemos rezar pra todos os santos dos presentes
participantes. Santo de leste a oeste, norte a sul e de A ao Z do
dicionário dos devotos.
Das Dores- E dona Candoca, queria que colocasse no rol dos santos seu
falecido marido, dizendo que ele era um homem santo de bom.
Arre égua! Bastou pra aparecer tudo o que é nome de pai, filho é
espírito santo. E pra não haver discórdia ficou decidido! Como
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todo mundo que morre vira santo, rezaria também pras almas.
Dos Anjos- Na confiança de depois da reza tudo melhorar, cada um foi pra
casa pegar o pouco de comida que restava pra alimentar os
rezadores. E de pouco em pouco formou foi um banquete.
Juntos- (batida de pandeiro) Reza vai, reza vem, reza vai, reza vem....
Das Graças- A barriga roncando feito maraca... Paramos para comer.
Canjiquinha e Macaxeira, carne de Sol e farinha de pau.
Juntos-(batida de pandeiro) Prosa vai, prosa vem,Prosa vai, prosa vem.
Das Dores- Acenderam a fogueira no meio do terreiro pra iluminar a Santaria.
Voltamos às reza!
Juntos (batida de pandeiro) - Reza que Reza Canta Que Canta...
Dos Anjos- Paramos de Novo pra comer a raspinha do banquete e dar
descanso aos santos. Serviram umas cachacinhas e...
Juntos (batida de pandeiro) ...Bebe que bebe, bebe que bebe.
Das graças- Compadre Genival puxou do fole da sanfona pra distrair os
rezadores e o Juca que levou a viola acompanhou e comadre
Emerenciana foi logo entregando o pandeiro ao menino Zuia. E a
rezaria virou foi um santo forró.
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Dos Anjos- Foi então que eu mais Jerê e mais dona Carmosa vimos ali
encostada num canto aquela mulher jagunça armada até os dentes,
aquela visão arrepiou dos pés a cabeça. Fiquei matutando-será que
era alma penada do bando de lampião? Quem mandou rezar pras
almas!...
Das Dores- Acabou o forró! O povo tremia na pontaria da Jagunça e já
pensando que ia falar pessoalmente com o altíssimo. Foi quando
aconteceu o fato.
A jagunça aproxima e coloca no fogo seu embornal,cantil, facão e trabuco. Ajoelha e pede com devoção
Margarosa (Jagunça) -Padim padre Cícero, aqui tem tudo que eu tenho e sei
que é pouco mas é tudo que posso oferecer. Eu lhe peço
que ampare esse povo nesta vida que é mais jagunça
que eu.(sai)
Das Graças- E o céu escureceu.
Era relâmpago e trovão como machado de
fogo cortando a seca no chão.
Dos Anjos- E a chuva então desceu e regou o chão.
E choveu a noite inteira,
quase que inunda o sertão.
Das Dores- Bem cedinho juntou todo mundo e foi até a beira do rio que tinha
enchido e lá estava pendurado em sua margem - o cantil, o
chapéu e o embornal.
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Das Graças- Dizem que foi Padim Ciço que devolveu e só levou lá
pro céu o facão e o trabuco porque só quem pode levar a gente
desta vida jagunça é Deus.
9 - final
(Entra Margarosa com vestido de laços e fitas)
Juvêncio-
A jagunça vendo a alegria
deste povo em devoção
Aprendeu que nesta vida
A melhor arma é o perdão
Voltou a ser Margarosa
Esqueceu a solidão
Virou uma moça dengosa
Que ajuda na plantação.
10-Canto final
Desamarro meu cordel
E vou pra outro lugar
Amarrar outro cordel
E outra história contar
Vou pedindo a Padre Ciço.
Pra ele abençoar