verbete para o glossário gris - representação / imagem
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O artigo traz um apanhado com verbetes sobre representação e imagens.TRANSCRIPT
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Verbete para o glossário Gris - Representação / Imagem
Por Laura Guimarães Corrêa e Fabrício Silveira
O conceito de representação é marcado por seu caráter complexo e
polissêmico, a depender do campo de estudos no qual se inscreve (sociologia,
antropologia, semiótica, linguística, psicologia, filosofia).
Em muitas áreas do conhecimento (notadamente a filosofia e a semiótica), o
termo representação liga-se à ideia de substituição. Diz-se, pois, de algo que está no
lugar de alguma coisa que não está presente. Sendo assim, é usado, na maioria das
vezes, como sinônimo de signo.
Partindo-se dessa seara, encontramos já consolidada a proposição de
representações visuais: sínteses imagéticas (retratos, obras de artes, gravuras) alçadas
como dispositivos miméticos para representar pessoas, grupos, culturas, povos,
objetos e até ideias abstratas. Para tanto, recorrem e fazem referência direta ao
conjunto dos estoques de significado cujas propriedades técnicas e estilísticas
referem-se a um modo particular de perceber e projetar esquemas, modelos e visões
de mundo.
Entretanto, enquanto vocábulo portador de ambigüidades, representação
também se refere, como o atesta Stuart Hall (1997), ao processo pelo qual os
membros de uma cultura usam a linguagem para produzir sentido. Sentido que, por
sua vez, institui duas outras possibilidades interpretativas para o termo em questão:
(a) representar alguma coisa refere-se ao processo de descrevê-la, chamá-la à mente
pela descrição, retrato ou imaginação. Ex: “esta pintura representa o assassinato de
Abel por Caim”; e (b) representar também significa simbolizar, substituir. Ex: No
cristianismo, a cruz representa o sofrimento e a crucificação de Cristo. Acepções que
em seu conjunto remetem para o potencial heurístico das representações, uma vez que
estas se postam enquanto formulações ao mesmo tempo “transmissoras de mensagens
enunciadas claramente, que visam seduzir e convencer, e tradutoras, a despeito de si
mesmas, de convenções partilhadas que permitem que elas sejam compreendidas,
recebidas, decifráveis”. (CHARTIER, 1993, p.407).
Não por acaso o conceito representação se faz próximo da ideia de imagem, e
também, não por acaso, fala-se muito de ambos no interior das ciências humanas.
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Realidade visualizada de maneira clara no campo da Psicologia (os estudos sobre as
representações sociais são um bom exemplo), na História (com as proposições da
nova história e também com os estudos pioneiros da École des Annales), na Filosofia
(em especial no campo da estética) e também na Sociologia (cujos estudos pioneiros
de Durkheim alimentaram toda uma tradição de pensamento que se reverbera ainda
hoje em pesquisas de antropologia urbana e da sociologia do imaginário).
Tomando como referência este conjunto de disciplinas, tanto o conceito de
representação quanto o de imagem têm sido tratados de forma abrangente pelos
estudos comunicacionais. Naquilo que se refere às “representações”, elas “podem ser
tomadas como sinônimo de signos, imagens, formas ou conteúdos de pensamento,
atividade representacional dos indivíduos, conjunto de ideias desenvolvidas por uma
sociedade". (FRANÇA, 2004, p. 14) Em suma, tudo aquilo que, imbuído de sentido e
formalizado por alguma modalidade da linguagem, nos conecta e nos permite
estabelecer relações com a cultura e com o mundo.
No entanto, essa possibilidade de conexão com a cultura e com o mundo é
tratada de maneira distinta no próprio campo comunicacional. Há um olhar micro-
sociológico que irá pensar a representação como sinônimo de encenação: “a própria
vida é uma encenação dramática." (GOFFMAN, 2004, p.71) e outro que irá tomá-la
como ícone – uma espécie de cópia do real – cujo foco centra-se nas suas nuances
estéticas e miméticas, relegando os traços valorativos (no sentido de normas e
valores) e culturais a um segundo plano.
Nestes termos, e em decorrência das referências pragmáticas, praxiológicas e
micro-sociológicas que sustentam a visada interpretativa das pesquisas levadas a cabo
pelo GRIS, os conceitos de imagem e representação, quer no plano teórico, quer no
plano metodológico se reportam a uma perspectiva “macro”, cujos referenciais
histórico-culturais indicam e modulam distintas possibilidades elucidativas para uma
mesma realidade/situação sócio-cumunicativa. Isto porque, como o foi dito por
Goffman (2004, p.71): "na medida em que uma representação ressalta os valores
oficiais comuns da sociedade em que se processa, podemos considerá-la, à maneira
de Durkheim e Radcliffe-Brown, como uma cerimônia, um rejuvenescimento e
afirmação expressivos dos valores morais da comunidade."
Sintetizando: na perspectiva adotada pelo Gris, representações e imagens são
formas simbólicas que expressam e constroem a cultura nas sociedades. Referencial
que tem como gênese os estudos de Durkheim sobre as representações coletivas – o
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produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas
no tempo – e suas atualizações promovidas por Serge Moscovici (1967) no âmbito da
psicologia social. Reorientando o conceito durkheimiano a partir das formulações
propostas por Piaget e por Lévy-Brühl, Moscovici torna explícito que seu interesse
não é mais buscar compreender as representações erigidas por sociedades primitivas
ou os fatos sociais que condicionavam os sistemas culturais de épocas remotas, mas
sim as representações que se dão a ver em nossa sociedade presente, aquelas:
[...] do nosso solo político, científico e humano, que nem sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que as tornasse tradições imitáveis. E sua importância continua a crescer, em proporção direta à heterogeneidade e flutuação dos sistemas unificadores – ciências oficiais, religiões, ideologias – e às mudanças pelas quais eles devem passar a fim de penetrar na vida cotidiana e se tornar parte da realidade comum. (MOSCOVICI, 1984, p.18-19 apud SÁ, 2004, p.22).
Guinada teórico-conceitual ensejada graças à complexificação das sociedades
contemporâneas e à irrupção de modos de vida pautados por outra ordem de
fenômenos sociais, estes menos estáticos, coercitivos e estruturados que aqueles
descritos por Durkheim. Isto porque, se para Durkheim as representações coletivas
apresentavam-se como instâncias de valorização do simbólico coletivo tomadas
enquanto princípio orientador da realidade social, emanando daí seu potencial
sintetizador dos elementos dispersos no meio e na vida coletiva, cujo produto
remeteria à natureza supra-individual do humano ao postar-se como instrumento de
intelecção do mundo e de comunicação/coesão entre as razões individuais que nele
co-habitam, fazendo-se notar, assim, como formas estáveis da compreensão coletiva,
as representações sociais na visada proposta por Serge Moscovici ligar-se-iam a
formas de criações sociais imersas no domínio das injunções políticas, culturais e
históricas que caracterizam a modernidade. Nestes termos, a psicologia social
moscoviciana reorienta a visada funcionalista dos pressupostos durkheimianos
enfatizando que as estruturas representacionais não devem ser tomadas como
unidades coesas que se legitimam através do seu poder de coerção uma vez que
emergem e se fazem notar no âmbito dos pontos de conflitos instituídos e instituintes
da própria cultura.
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Razão pela qual as representações não devem ser tomadas como dados ou
entidades explicativas absolutas, mas fenômenos que apresentam tensões e conflitos
em suas estruturas e mecanismos internos. Formulação que nos permite apontar que
as representações estão o tempo todo em circulação na sociedade e são materializadas
em imagens, textos, objetos e práticas dos sujeitos. Daí o motivo pelo qual não se
deve, também, abandonar o pressuposto de que as representações não são
entidades/enunciados/projeções estáticas, uma vez que são construídas e reconstruídas
nas experiências e interações comunicativas entre pessoas e grupos, seja nas relações
face a face ou por meio dos dispositivos midiáticos.
Dito dessa forma, o estudo das representações se apresenta como área de
fundamental importância para o campo da comunicação, uma vez que as instâncias
midiáticas, sejam estas o jornalismo, a publicidade, as narrativas ficcionais, estão
constantemente oferecendo, reutilizando e se apropriando de representações
imagéticas e textuais para construir seus discursos e promover a interação com seus
públicos. Sendo assim, seja sob a forma de fotografias, clichês, frases prontas,
provérbios ou gestos rituais, as representações da/na mídia falam da sociedade em que
vivemos e nos conta sobre nós, sobre o outro, sobre quem somos, sobre como agimos,
pensamos, sentimos. Esse não é um movimento unidirecional, e sim marcado pela
reflexividade posto que imagens e representações "são produzidas no bojo de
processos sociais, espelhando diferenças e movimentos da sociedade." (FRANÇA,
2004, p.19)
Referências Bibliográficas
1. CHARTIER, Roger. Imagens. In: BURGUIÈRE, André (Org.). Dicionário das
ciências históricas. Rio de Janeiro: IMAGO, 1993, p.405-408.
2. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estud. av. [online]. 1991, v.5,
n.11, p.173-191. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v5n11/v5n11a10.pdf,
Acessado em: 21/03/2012.
3. DURKHEIM, Émile. Formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na
Austrália. In: Émile Durkheim. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p.203-245. (Os
pensadores).
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4. FRANCA, V. R. V. Representações, mediações e práticas comunicativas. In:
PEREIRA, M.; GOMES, R. C.; FIGUEIREDO, V. F.. (Orgs.). Comunicação,
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Editora Idéias & Letras, 2004, p. 13-26.
5. GINZBURG, Carlo. Representação: a palavra, a ideia, a coisa. In: Olhos de
madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001,
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6. GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes,
2004.
7. HALL, Stuart. Representation: cultural representations and signifying practices.
London: Sage ; Open University Press, 1997.
8. JODELET, Denise (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001.
9. JODELET, Denise. Les représentations sociales dans le chanp de la culture. Social
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10. MOSCOVICI, Serge. Das representações coletivas às representações sociais:
elementos para uma história. In: JODELET, Denise (Org.). As representações sociais.
Rio de Janeiro: UERJ, 2001, p.45-66.
11. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social.
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12. SÁ, Celso Pereira de. Representações sociais: o conceito e o estado atual da
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(Org.). Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver. Belo Horizonte:
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