vanessa cristina da conceição
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UNIVERSIDADE DO CONTESTADO - UnC
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
VANESSA CRISTINA DA CONCEIÇÃO
O MOVIMENTO INTEGRALISTA EM CANOINHAS
CANOINHAS
2015
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VANESSA CRISTINA DA CONCEIÇÃO
O MOVIMENTO INTEGRALISTA EM CANOINHAS
Dissertação apresentada como exigência para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade do Contestado – UnC Campus Canoinhas, sob a orientação do professor Dr. Sandro Luiz Bazzanella. e coorientação do professor Dr. Alexandre Assis Tomporoski.
CANOINHAS
2015
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O MOVIMENTO INTEGRALISTA EM CANOINHAS
VANESSA CRISTINA DA CONCEIÇÃO
Este trabalho de Conclusão de Curso foi submetido ao processo de avaliação
pela Banca Examinadora para a obtenção do Título de:
Mestre em Desenvolvimento Regional
E aprovada na sua versão final em XX de XXXXXXX de 2015, atendendo às
normas da legislação vigente da Universidade do Contestado e Coordenação do
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional.
____________________________________________ Prof. Sandro Luis Bazzanella
Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________ Profº. Dr. Sandro Luiz Bazzanella (UnC)
Orientador
____________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Assis Tomporoski (UnC)
Co-orientador
____________________________________________ Prof Dr. Ilton César Martins (UNESPAR)
Membro externo
____________________________________________ Prof. Dr. Walter Marcos Knaesel Birkner (UnC)
Membro interno
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Ainda não entendo e acho que jamais compreenderei o motivo de você não estar presente no momento da finalização desta etapa tão importante da minha vida, onde você era a maior entusiasta. Quero acreditar que, de em algum lugar, você está vibrando junto comigo. Por isso dedico a você, minha mãe, Edla Maria Fleith da Conceição, este meu esforço, que também foi seu.
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AGRADECIMENTOS
É difícil, neste momento, mensurar a importância das pessoas envolvidas
nessa fase da minha vida. Este período foi marcado por experiências que me
fizeram crescer intelectual e pessoalmente.
Do primeiro ao último momento, a presença de minha família foi essencial. O
olhar, o carinho e as palavras de apoio foram muito válidos, sempre. Agradeço aos
meus pais, por nunca me deixarem desistir, e principalmente ao meu pai que, nos
últimos momentos, se mostrou a pessoa mais forte que já conheci, não me deixando
fraquejar diante de tantos momentos tristes. A você, minha filha, além de desculpar-
me pelas ausências, agradeço a compreensão e o apoio. Aos demais familiares,
estendo meu agradecimento pela força.
Algumas pessoas tiveram um papel imprescindível para que esse processo se
concretizasse. Inicio agradecendo a minha tia, Maria Rosicler Fleith Mazorca, pela
incansável luta a meu favor. Minha amiga do coração, Liz Regina Ghislandi, por me
fazer acreditar que eu seria capaz. Maria Helena Jenzura Moskwin, pela
preocupação, atenção e apoio. Aos professores e funcionários do Centro de
Educação de Jovens e Adultos (CEJA), que sempre me apoiaram. À professora
Maria Luiza Milani, que durante muito tempo me incentivou para que eu ingressasse
no programa e, durante o mesmo, mostrou-se uma pessoa especial, tanto
profissional quanto pessoalmente. Ao professor Argos Gumbovski, pela dedicação e
profissionalismo. À minha ex-aluna e agora colega de profissão, Ana Claudia Zan,
ao professor Ederson Luiz Matos Mota e a Gabriela Soares de Carvalho M. Reigosa
A. Bueno, pelo profissionalismo, e por me socorrerem, quando as correções eram
enviadas “para ontem”.
Em especial, agradeço a companhia e a amizade de meu colega de mestrado
e amigo do coração, Murilo Zielinski. O nosso dia a dia foi marcado por muitas
risadas, concentração, estudo e muitos sonhos. Nos momentos mais angustiantes
desse processo, você chorou e sorriu comigo, mesmo que o riso fosse de desespero
diante do que estava à nossa frente. Agradeço seu apoio, sua força e,
principalmente, seu companheirismo. Mesmo que a vida nos mostre caminhos
diferentes e distantes, jamais esquecerei o que passamos neste tempo.
Neste processo de aprendizagem, posso dizer que conheci o significado de
professores orientadores. Durante todo o processo, sempre me senti encorajada a
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prosseguir. Aos professores Sandro Luiz Bazzanella e Alexandre Assis Tomporoski,
agradeço a atenção dispensada, o apoio recebido e os inúmeros conhecimentos
apreendidos. Em especial, agradeço aos membros da banca, pela compreensão e
tempo dispendido.
Para finalizar, agradeço a todos os professores do programa de mestrado em
Desenvolvimento Regional, assim como a secretária Andressa Metzger, sempre
prestativa e eficiente.
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RESUMO
O movimento integralista, em Santa Catarina, contou com características peculiares em relação às demais regiões do país. No município de Canoinhas, Santa Catarina, o núcleo integralista foi composto, majoritariamente, pela população germânica, sendo em sua maioria, comerciantes e pequenos industriais. Desta forma, esta pesquisa visa compreender as relações entre germanismo e integralismo, observando os fatores externos, tais como a ascensão dos regimes totalitários, e as questões nacionais e regionais que influenciaram a estruturação do movimento no município. O fato do movimento integralista, em Canoinhas, ser identificado pela composição étnica e social dos seus membros, contrapondo-se aos ideais do movimento nacional, faz com que esta pesquisa objetive analisar as consequências de tal circunstância para o desenvolvimento regional.
Palavras-chave: Integralismo, Movimento Integralista, Germanismo
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ABSTRACT
The integralism movement in Santa Catarina had peculiar characteristics compared with the other regions of the country. In the city of Canoinhas, Santa Catarina, the integralist nucleus was composed, mostly, by Germanic people, in most cases merchants and small industrials. In this way, this research aims to understand the relations between germanism and integralism, noticing external factors, like the arise of totalitarian regimes, as well as national and regional questions that influenced in the structuring of the municipality. The fact of the integralism movement, in Canoinhas, being identified by the social and ethnic composition of its members, opposing to the national movement’s ideals, makes this research aim to analyze the consequences of its circumstance for the regional development
Keywords: Integralism, Integralism Movement, Germanism
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 21
2.1 MOVIMENTO INTEGRALISTA: CARACTERIZAÇÃO CONCEITUAL E
CONFORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA .................................................................... 21
2.1.1 Contexto Internacional...................................................................................... 22
2.1.2 O Contexto Nacional ........................................................................................ 26
2.1.2.1 A contribuição cultural e filosófica ................................................................. 31
2.1.3 Os Antecedentes do Movimento Integralista .................................................... 38
2.1.4 Os Ideólogos do Integralismo ........................................................................... 44
2.2 A FUNDAÇÃO DA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA ................................... 48
2.2.1 O Perfil Social dos Militantes Integralistas ........................................................ 57
2.2.2 A Expansão Ideológica do Movimento ............................................................. 61
2.2.3 Conflitos com a ANL e o Fechamento da AIB .................................................. 64
3 A FORMAÇÃO ANTROPOLÓGICA CATARINENSE ........................................... 67
3.1 A POPULAÇÃO DO PLANALTO CATARINENSE .............................................. 72
3.2 A VINDA DE IMIGRANTES EUROPEUS E A COLONIZAÇÃO DO VALE DO
ITAJAÍ E NORTE DO ESTADO ................................................................................. 75
3.3 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO SUL DO ESTADO ............................................... 80
3.4 COLONIZAÇÃO DO PLANALTO NORTE ........................................................... 85
3.5 O MEIO OESTE CATARINENSE E AS COMPANHIAS DE COLONIZAÇÃO ..... 91
4 O NASCIMENTO DA AIB EM SANTA CATARINA ............................................... 93
4.1 A QUESTÃO POLÍTICA .................................................................................... 100
4.1.1 Santa Catarina após o golpe de 1930 ............................................................ 103
4.1.2 As Ações do Partido Liberal nas Regiões de Colonização Alemã .................. 107
4.2 O INTEGRALISMO E A QUESTÃO DA NACIONALIDADE NAS COLÔNIAS
ALEMÃS .................................................................................................................. 110
4.2.1 Relações entre Integralismo, Fascismo e o Nacional-Socialismo .................. 124
4.3 AS PERSEGUIÇÕES À AIB E AS ELEIÇÕES DE 1936 ................................... 136
5 O INTEGRALISMO EM CANOINHAS ................................................................. 144
5.1 A INSTALAÇÃO DO NÚCLEO INTEGRALISTA EM CANOINHAS ................... 146
5.2 O MOVIMENTO INTEGRALISTA EM CANOINHAS E A IDENTIFICAÇÃO
ÉTNICA ................................................................................................................... 152
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5.3 AS QUESTÕES POLÍTICAS NACIONAIS E ESTADUAIS NO CONTEXTO
CANOINHENSE ...................................................................................................... 157
5.4 MOTIVOS DE ADESÃO AO MOVIMENTO INTEGRALISTA ............................ 161
5.5 AS PERSEGUIÇÕES AO MOVIMENTO ........................................................... 163
5.6 CONSEQUÊNCIAS DO MOVIMENTO.............................................................. 176
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 180
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 186
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1 INTRODUÇÃO
O surgimento de um movimento de tendências fascistas no Brasil, nas
primeiras décadas do século XX, ocorreu em um contexto marcado por mudanças
nas áreas econômica, política, social e cultural. O movimento integralista,
considerado o primeiro movimento político de massas no Brasil, surgiu no início dos
anos de 1930, influenciado por tendências de direita, que surgiram na Europa, como
uma das consequências da Primeira Guerra Mundial. A descrença na democracia e
no sistema capitalista liberal levou grande parte dos países europeus a aderirem às
ideologias de extrema direita, como no caso da Itália, Alemanha, Espanha e
Portugal. Tal ideologia, denominada de fascista, influenciou a criação de um
movimento com características semelhantes no Brasil, denominado Ação Integralista
Brasileira (AIB).
O ideário integralista tinha como princípios fundamentais uma nova ordem
política e social, alicerçado em ideias de um Estado forte, antidemocrático,
nacionalista, anticomunista, combatendo o liberalismo e o capitalismo desenfreado.
Defendia a ideia de um grande chefe para liderar a nação, composta por elementos
que formariam uma base étnica comum, eliminando a interferência estrangeira na
condução da política e da cultura brasileiras. Expressavam um ressentimento em
relação à cultura europeia, valorizando a cultura indígena, do caboclo, do sertanejo.
Em sua formação, em 1932, o movimento contava com aproximadamente vinte mil
inscritos, chegando a meio milhão de componentes no ano de 1937, espalhados em
todo país (TRINDADE, 1979).
A AIB iniciou suas atividades em São Paulo, porém proliferou rapidamente,
contando com núcleos integralistas em vários estados brasileiros. Mesmo recebendo
adesão em nível nacional, o movimento contava com especificidades regionais. Em
Santa Catarina, a adesão foi significativa, instalando-se com maior expressão nas
regiões de colonização europeia, tais como, o Vale do Itajaí, Norte e Sul do Estado.
Os estudos envolvendo o movimento integralista tiveram grande expansão
entre os anos de 1940 a 1970. Várias pesquisas foram realizadas na intenção de
compreender os fatores que levaram a esse movimento, bem como sua ideologia,
componentes, organização. Contudo, nesse primeiro momento, os pesquisadores
estudaram o movimento em nível nacional, não abordando especificidades locais,
fato que só recentemente começou a ocorrer. No sul do Brasil, em especial no
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estado de Santa Catarina, constituem exemplos desse viés as análises de René
Gertz (1987), Luiz Felipe Falcão (2000) e João Henrique Zanelatto (2012).
Entre os principais autores que abordaram o cenário nacional, o destaque vai
para o pesquisador Hélgio Trindade, que publicou, em 1979, a obra: “Integralismo: o
fascismo brasileiro na década de 30”. Esta obra é considerada por muitos
pesquisadores referência sobre o Movimento Integralista no Brasil. Conforme o
autor, esse estudo procura entender o ideário integralista e os fatores que levaram à
formação do mesmo, na década de 30, do século XX. Esses estudos estão voltados
para a história das ideias que formaram o movimento, analisando também o
movimento político em si, o que aponta para um estudo de história política. Trindade
cita a transformação social, econômica, cultural e política que o Brasil estava
vivenciando nas décadas de 1920 e 1930 como fator propulsor de uma nova
mentalidade na sociedade brasileira.
Em relação ao movimento integralista em Santa Catarina, Trindade ressaltou,
em sua obra, a necessidade de aprofundamento em relação ao tema, enfatizando
que o mesmo não foi seu objeto de pesquisa, mas que as especificidades da região,
somadas à emergência dos fascismos europeus, devem ser analisadas
conjuntamente. “Sobre este tema não basta somente constatar a receptividade dos
descendentes de imigrantes ao integralismo, mas torna-se necessário elucidar outro,
no Brasil, na mesma época, das secções do Partido Fascista italiano e do Partido
Nacional Socialista alemão” (TRINDADE,1979. p. 3). Parte desta pesquisa, aqui
apresentada, tenta preencher esta lacuna apontada por Trindade ainda em 1979,
avaliando a relação entre germanidade e integralismo, observando as
especificidades do movimento integralista em Santa Catarina, enfatizando o
município de Canoinhas, no que tange à forte presença de germânicos no
movimento.
A grande adesão de integrantes catarinenses ao movimento integralista já foi
motivo de várias pesquisas, que procuraram analisar especificidades do movimento
em algumas regiões do estado. Os estudos realizados por (LENZI, 1983, GERTZ,
1987, FALCÃO, 2000, ZANELATTO, 2012), no intuito de compreender os motivos da
adesão ao movimento em Santa Catarina, apresentaram alguns fatores, como:
motivações políticas decorrentes do Golpe de 1930, desânimo ou dúvida com a
política nacional daquele momento, medo do comunismo, incertezas quanto às
tensões econômicas e políticas internacionais e a identificação com discursos
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fascistas. Esses fatores surgem com maior ou menor intensidade, dependendo das
peculiaridades de cada região onde o movimento se instalou, ressaltando que o
lema “Deus, Pátria e Família” estava presente em todos os núcleos.
Uma das primeiras observações encontra-se no fato destas regiões
analisadas acolherem um grande número de imigrantes europeus, alemães e
descendentes, nas regiões denominadas de “colônias alemãs”, somado a grupos
menores de italianos e austríacos. Na região sul do estado, predominou a
colonização luso-brasileira, mas com grande número de colonos italianos e com um
menor grupo de alemães, assim como seus descendentes. A ligação desses
imigrantes com suas pátrias de origem fez com que muitos simpatizassem com os
movimentos de extrema direita que estavam ocorrendo, principalmente na Alemanha
e na Itália e, consequentemente simpatizaram com o integralismo, cujo discurso
tinha grande semelhança com o fascismo. Contudo, não se pode tomar essa
afirmação como único e principal motivo de adesão. Esta é a vertente do estudo de
René Gertz, em sua obra: “O Fascismo no Sul do Brasil”, editado em 1987.
Gertz investigou outros fatores que levaram imigrantes alemães e italianos a
aderirem ao movimento integralista, além da explicação de que a variável étnica
seria a principal motivação para a adesão. Em sua pesquisa, o autor verificou uma
ampla gama de fontes para tentar compreender a participação ou a alienação
política dos teutos, assim como sua relação com o germanismo, o nazismo e o
fascismo, e adesão ao integralismo. Porém, ressalta que, para entender a adesão
dos teutos ao integralismo, deve-se deixar de lado a variável étnica como
determinante e se aprofundar no estudo da realidade local, a partir da dinâmica
regional. “Estudar o integralismo nas regiões de colonização alemã no sul do Brasil
requer inicialmente uma introdução sobre a inserção política dos imigrantes e seus
descendentes à realidade brasileira” (GERTZ, 1987).
A pesquisa de Luiz Felipe Falcão, em sua obra “Ontem e Amanhã, diferença
cultural, tensões sociais e separatismo em Santa Catarina no século XX”, editado
em 2000, sobre a chegada do Integralismo em Santa Catarina, evidencia a adesão
por diferentes caminhos. Profissionais liberais, como o jornalista e comerciante José
Linhares (núcleo de Itajaí), o advogado, promotor, juiz de direito e chefe estadual de
polícia Othon Gama D’Eça (núcleo de Florianópolis) jovens assalariados (Jaraguá do
Sul, Timbó e São Bento do Sul) descendentes de imigrantes europeus (Joinville,
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Blumenau), pequenos proprietários do comércio local e funcionários públicos (núcleo
de Jaraguá do Sul) são exemplos de diferentes grupos que lideraram o movimento.
João Henrique Zanelatto, em sua obra “De olho no Poder: o integralismo e as
disputas políticas em Santa Catarina”, publicada em 2012, também faz uma análise
da expansão do integralismo e das especificidades das regiões Norte, Vale do Itajaí
e do Sul catarinense, seu principal objeto de estudo. O autor pretende ampliar o
olhar sobre o integralismo em Santa Catarina e apontar outras especificidades, isto
porque todas as análises produzidas sobre o integralismo no estado “[...] estão
centradas basicamente em duas regiões: Vale do Itajaí e norte do estado”
(ZANELATTO, 2012 p.28).
É de comum acordo, entre os autores citados nesta pesquisa, que o fato que
sinalizador de maior adesão política dos teutos em Santa Catarina se encontra após
o Golpe de 1930. A saída de Adolfo Konder do cargo de governador do estado,
substituído pela oligarquia Ramos, fará com que as colônias sofram um processo
violento de nacionalização. A família Konder representava o nordeste do estado,
região de colonização europeia, principalmente alemã e italiana, assentada na
agricultura, na pequena propriedade e na indústria. A família Ramos representava o
Planalto Catarinense, alicerçado em uma camada de latifundiários. Na década de
1930, faziam oposição ao governo estadual, liderado pelo Partido Republicano
Catarinense (PRC). Apoiavam Getúlio Vargas e eram articuladores da Aliança
Liberal no estado. Zanelatto (2012) chama a atenção para um fato interessante na
eleição presidencial de 1930, a expressiva votação para Getúlio Vargas, naquele
processo eleitoral, em algumas cidades catarinenses de colonização alemã,
contrariando o apoio oficial do governo catarinense a Júlio Prestes, sinalizando uma
insatisfação política relacionada ao governo estadual. “Esse fato pode ser
considerado como o embrião do surgimento de novos atores no cenário da política
catarinense e que, posteriormente, o integralismo se constituiria na voz desses
novos atores.” (ZANELATTO, 2012, p. 57)
A partir do momento em que o Partido Liberal encontra-se no poder político
estadual, inicia-se um processo de nacionalização forçada, atingindo os municípios
de colonização alemã, que preservavam traços culturais, resistindo à assimilação da
cultura nacional. Desta forma, grande parte da população alemã e teuto-brasileira
voltou-se contra o governo estadual, e, como não se sentia representada pelo PRC,
optou por aderir ao movimento integralista. Aqui está uma das contradições do
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movimento em Santa Catarina, pois na ideologia integralista pregava-se uma nação
formada por um grupo étnico comum, mistura das raças que integraram o país na
sua formação. Neste grupo, não se enquadravam as culturas estrangeiras. O
discurso integralista nestas regiões precisou “adaptar” sua ideologia, assim como, os
adeptos do movimento voltaram-se a outras questões mais relevantes do discurso
integralista, como a defesa de um governo forte, autoritário, com características
fascistas, onde os mesmos se sentiriam incorporados a esse Estado.
Nas eleições municipais de 1936, a AIB venceu as eleições em várias cidades
catarinenses, conseguindo eleger oito prefeitos, inclusive em Joinville, maior cidade
do estado, reduto do PRC. Após esse resultado, os integralistas são acusados de
hitleristas pela oposição, havendo desconfianças acerca do suposto envolvimento.
Os integralistas negavam estas afirmações, alegando que a grande adesão dos
teuto-alemães se justificava pelas insatisfações dos mesmos em relação aos
partidos tradicionais, pois após as eleições ficavam relegados ao esquecimento. “No
futuro ‘Estado Integral’, existirá a representação por classes profissionais, com que
se garantirá a possibilidade de os teuto-brasileiros, que em grande parte são
pequenos agricultores, se representarem” (GERTZ, 1987, p. 115)
Cabe destacar que, na mesma época em que surgia o movimento integralista
em Santa Catarina, o coronel Renato Tavares da Cunha Melo, Comandante da
Força Pública do Estado, fundou o Diretório Regional da Aliança Nacional
Libertadora, contando com vários adeptos, alguns já presentes no legislativo
catarinense, como o deputado estadual Cid Gonzaga (LENZI, 1983). A Aliança
Nacional Libertadora (ANL) surgiu como um movimento de orientação comunista e,
entre outros ideais, tinha como finalidade combater o fascismo e,
consequentemente, o integralismo. As cidades de Itajaí e São Francisco do Sul
concentravam a grande força da ANL em Santa Catarina, por se tratar de cidades
portuárias (LENZI, 1983).
Em relação ao Integralismo em Santa Catarina, muitos estudos foram feitos
na região do Vale do Itajaí, norte e sul do estado. Porém, no Planalto Norte, não há
muitos registros de estudos específicos sobre essa temática. Em Canoinhas, os
estudos a respeito do tema estão restritos a duas pesquisas. Uma delas intitulada:
“As interferências do movimento integralista na formação do homem de Canoinhas”,
(FUCK, 2004), para o qual as autoras realizaram entrevistas com lideranças locais,
deixando um material profícuo para a continuidade de estudos sobre o tema. A
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monografia: “O Movimento Integralista em Canoinhas na década de 30”,
(CONCEIÇÃO, 2005) analisa artigos de jornais da época e entrevistas com
moradores locais, conectando os acontecimentos políticos mundiais, nacionais e
regionais, com o intuito de compreender aspectos do movimento integralista em
Canoinhas.
O aprofundamento desta pesquisa contribuirá para entender as
especificidades desse movimento, as características políticas, econômicas e sociais
da região e, principalmente, a ligação dessas ideias no desenvolvimento político
local. Esta pesquisa poderá levar a novos estudos e interpretações sobre o tema e
suas variáveis. Na relevância prática, o presente estudo viabilizará a ampliação da
compreensão do passado da região do planalto norte de Santa Catarina, bem como
a identificação de problemas atuais decorrentes desse processo, os quais
constituem entraves ao amplo desenvolvimento da região. Esse processo permitirá
que os diversos segmentos da sociedade se tornem mais conscientes de seu papel
de protagonistas. A escrita da história regional receberá grande contribuição por
meio da identificação dos motivos que fomentaram um movimento de âmbito
nacional, com especificidades regionais, a surgir na região de Canoinhas, em um
momento de efervescência política, cultural e social no país, bem como das
consequências que o mesmo produziu na política regional.
Compreender a influência de fatores externos, como a ascensão do fascismo
na Europa, de fatos políticos nacionais, como a tomada de poder por Getúlio Vargas,
e suas ramificações no governo estadual, acrescidos de questões étnicas, como o
germanismo, além de outras peculiaridades regionais, contribuirá para a
reconstrução da história em nível nacional, estadual e municipal. A presente
pesquisa pretende compreender como o movimento integralista se estruturou em
Canoinhas, na década de 1930, formando um grupo de adeptos a um movimento de
dimensão nacional, que, além da influência de fatores políticos, econômicos e
sociais que vigoravam no país, também foi influenciado por fatores externos,
originados na Europa. A identificação da composição social e étnica dos integrantes,
assim como as características econômicas, sociais e políticas da região, no contexto
da década de 1930, deverão levar a uma compreensão deste fato.
Canoinhas, localizada no Planalto Norte Catarinense contava, no censo de
1920, com aproximadamente 20.000 habitantes, divididos entre as áreas rural e
urbana. Primeiramente, a região foi povoada por migrantes paulistas, paranaenses e
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sul-rio-grandenses, que acompanhavam o caminho dos tropeiros. Nesta época,
segunda metade do século XIX e início do século XX, o território onde se localizava
o município de Canoinhas estava em disputa entre dois estados, Paraná e Santa
Catarina, mais especificamente, no sul do Paraná e no norte de Santa Catarina, para
delimitação de suas fronteiras. Este fato contribuiu para que a região recebesse
poucos investimentos em políticas públicas. Sua população, muitas vezes, dependia
mais dos “favores” dos coronéis, do que das benesses do estado. A chegada de
imigrantes europeus na região, representada pela primeira leva de imigrantes
alemães assentada em Rio Negro, em 1829, foi ampliada, em fins do século XIX,
com a inserção de poloneses, alemães e ucranianos.
O movimento integralista, em Canoinhas, tomou grandes proporções,
principalmente por dois motivos. O primeiro, pelo fato de seus membros se
identificarem etnicamente com a descendência alemã e participarem, na sua grande
maioria, da classe média de comerciantes e pequenos industriais da região. O
segundo motivo refere-se às disputas político-ideológicas existentes em nível
nacional, e também presentes no município, entre membros da Aliança Nacional
Libertadora (ANL) e da extrema-direita integralista, fato que levou ao assassinato de
um funcionário do Ministério do Trabalho, o sr. Cid Vieira e do sr. Juventino Jungles,
membros da ANL. Este fato ocorreu em julho de 1935, em frente ao moinho de
Gustavo Schroeder Sobrinho, integrante do movimento integralista que, assim como
demais companheiros, foram acusados pelos homicídios.
Assim, o problema que embasa a presente pesquisa apresenta-se da
seguinte forma: Estando a adesão da maioria dos membros do movimento
integralista em Canoinhas relacionada com a identificação étnica e social,
contrapondo-se aos ideais do movimento nacional, de que forma a composição
desse grupo e sua trajetória política contribuiu – ou impôs entraves – ao
desenvolvimento regional?
Sendo uma pesquisa de caráter exploratória, qualitativa e descritiva, com
ênfase no estudo sobre a questão da Ação Integralista Brasileira, tendo como
objetivo compreender as especificidades da formação do movimento integralista em
Canoinhas; a metodologia adotada para a pesquisa consistiu na arqueologia
histórica, fazendo uso do método da análise do discurso. A arqueologia histórica é
um método de investigação que tem por objetivo entender como o homem constrói
sua própria existência, reconstruindo suas ideias e compreendendo o seu discurso.
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“Não é nada além e nada diferente de uma reescrita: isto é, na forma mantida da
exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito” (FOUCAULT, 199,7
p. 160).
Entendendo o discurso como uma prática que precisa ser analisada dentro de
um contexto próprio, a análise do mesmo deve ser feita de acordo com as regras
sociais daquele período em questão, situando o objeto no tempo e no espaço. O
mais importante, na análise de discurso é entender como ocorreu o aparecimento e
as transformações de regras, que fizeram surgir determinado conceito, pois em cada
formação discursiva os mesmos podem estar dispostos de maneiras diferentes, de
acordo com o campo de saber, assim como o que o diferencia e o que o aproxima
de outros campos do saber.
Na pesquisa em questão, será preciso identificar quais as relações e os
instrumentos de poder existentes na época, que colaboraram para a formação do
movimento Integralista, assim como analisar o decorrer dos fatos para compreender
a dissolução do movimento e a perseguição aos seus integrantes.
As fontes utilizadas foram periódicos locais, documentos judiciais (processo
crime envolvendo integralistas), cartas e documentos pessoais de integralistas, além
de fontes orais. Para este estudo, lançou-se mão de entrevistas realizadas nos anos
de 2004, 2005, 2014 e 2015. Foram utilizadas como fontes alguns trabalhos de
pesquisa realizados nos anos anteriores, onde foram selecionadas entrevistas com
moradores da região. Na pesquisa realizada por Márcia Allage Fuck, intitulada “As
interferências do movimento integralista na formação do homem de Canoinhas”,
realizada em 2004, foram realizadas cinco entrevistas, sendo elas: Sr.Liomar Dionis
Viertel, nascido em 1940, filho de Alfredo Viertel (1907-1998), natural de Joinville,
morador de Canoinhas desde 1928. Alfredo Viertel trabalhou na casa de comércio
da família Mayer e, posteriormente na casa de comércio do Sr. Albano Voigt, ambos
integralistas. Ruprecht Löefller (1918-2011), natural de Guaramirim, proprietário da
primeira cervejaria artesanal da região. Mário Rodrigues de Aguiar (1914-2010),
funcionário aposentado da Estação Ferroviária do distrito de Marcílio Dias,
integrante do movimento integralista. Familiares do Sr. Gustavo Schroeder Sobrinho
(1902-1945), integrante do movimento integralista, sua filha, Cecy Schroeder Allage
(1928) e o cunhado de Cecy S. Allage, Adalberto Nunes Allage (1916-2010).
Nos estudos realizados por Vanêssa Cristina da Conceição, em 2005, com o
tema “O Integralismo em Canoinhas na década de 1930”, a autora entrevistou o Sr.
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Aloysio Soares de Carvalho (1928), bancário aposentado, e o Sr. José Nascimento
(1910-2007), ambos não pertencentes ao movimento Integralista, porém, moradores
antigos de grande conhecimento e prestígio na cidade. As entrevistas com pessoas
não ligadas ao movimento tornam-se pertinentes por analisar pontos de vista de
sujeitos sem envolvimento emocional ou familiar tornando mais imparciais suas
opiniões. Além destas, a autora utilizou as entrevistas realizadas por Fuck, em 2004.
Nos anos de 2014 e 2015, as entrevistas foram realizadas por Conceição, com as
seguintes pessoas: Niceto Osmar Fuck, natural de Canoinhas nascido em 1950,
empresário do ramo madeireiro, filho de Jacó Fuck, integrante do Movimento
Integralista em Canoinhas; Marilsa Silveira Sena, 72 anos, professora aposentada,
cunhada do Sr. Niceto Osmar Fuck, moradora de Papanduva SC, Hélio Bastos,
natural de Porto União, nascido em 1925, funcionário aposentado do Banco do
Brasil, residente em Canoinhas desde 1928. Fernando Tokarski (1957), jornalista e
historiador, natural de Valões SC; Aloysio Soares de Carvalho (1928), natural de
Itajaí SC, bancário aposentado do Banco Inco (Banco da Indústria e Comércio de
Santa Catarina).
Além das fontes orais, foram utilizados, como fontes documentais, periódicos
locais e os autos do processo-crime ocorrido no município em julho de 1935. Na
década de 1930, Canoinhas contava com dois jornais locais, um deles era o Jornal
“Avante”, de propriedade do Sr. Pedro Torrens, natural de Joinville, que também
exercia o cargo de Secretário Municipal de Canoinhas. Este jornal exerceu suas
atividades de 1930 a 1935, quando o proprietário encerrou suas atividades nesta
cidade. O outro era o Jornal Barriga Verde, de propriedade do Sr. Albino Budant,
órgão do Partido Liberal Catarinense, que era o partido da situação no estado a
partir do Golpe de 1930. Mesmo sendo periódicos locais, as notícias ofereciam um
panorama nacional e mundial em relação à situação política e econômica a qual o
Brasil e a Europa estavam vivenciando, incluindo muitas informações sobre o
município, principalmente em relação à política local. O processo-crime, datado de
1935, contempla os autos do crime ocorrido em Canoinhas, envolvendo integrantes
da Ação Integralista Brasileira e simpatizantes da Ação Nacional Libertadora. Este
documento forneceu informações relevantes para compreender fatos específicos do
movimento na região.
Esta pesquisa está organizada em quatro capítulos. No primeiro, será abordado o
contexto universal após a Primeira Guerra Mundial, bem como suas consequências
19
políticas e econômicas, que resultaram na criação de ideologias de extrema-direita.
O contexto nacional das décadas de 1920 e 1930 também será explorado neste
capítulo, objetivando a compreensão do momento de efervescência política, social e
cultural que o país vivia, influenciando no nascimento de grupos e movimentos
políticos de esquerda e de direita. Assim como a análise dos conflitos políticos
decorrentes do Golpe de 1930 e o surgimento da ideologia integralista, na visão de
seus principais idealizadores: Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso. Deu-
se grande atenção à trajetória intelectual e política de Plinio Salgado, tendo como
objetivo compreender as influências e inspirações filosóficas, religiosas, sociológicas
e políticas que permearam sua vida nas primeiras décadas do século XX.
Complementando esse capítulo, será abordada a fundação da Ação Integralista
Brasileira, bem como o perfil de seus componentes em nível nacional e a expansão
do movimento pelo país.
No segundo capítulo, inicia-se o estudo sobre o estado de Santa Catarina, tendo
como ponto de partida a análise da sua composição antropológica, compreendendo
a sua formação étnico-cultural, identificando a influência desta conformação nos
aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais das diferentes regiões do estado.
Serão exploradas neste capítulo as sociedades indígenas do litoral e do planalto, a
presença das bandeiras vicentistas, as levas migratórias dos tropeiros e suas
influências nas regiões do planalto serrano e planalto norte. A contribuição da
presença da colonização açoriana no litoral para a formação das Câmaras
Municipais açorianas, gerando as principais lideranças políticas no estado. As levas
de imigrantes europeus nas regiões do Vale do Itajaí e do Sul do estado serão
analisadas com o objetivo de perceber a formação das colônias alemãs e a ligação
que as mesmas tiveram na adesão ao movimento integralista. Não obstante, a
região do planalto norte terá uma atenção especial em relação a essas análises. A
conformação étnica, social e política será abordada de forma a compreender o
mosaico étnico que vai se formando na região, assim como as questões ligadas à
luta pelas terras contestadas, onde o caboclo será o principal afetado, aumentando a
discriminação e o preconceito em relação ao mesmo. Para finalizar, este capítulo
abordar-se-á o povoamento da região do médio-oeste catarinense, consequência da
construção da estrada de ferro “São Paulo-Rio Grande”, e das companhias de
colonização, que dizimaram os nativos selvagens para abrigar colonos europeus.
20
O terceiro capítulo abordará o nascimento da AIB em Santa Catarina sendo
analisados os fatores que contribuíram com a fundação de núcleos integralistas nas
“colônias alemãs”, enfatizando Joinville e Blumenau. O mesmo ocorrendo com as
regiões do sul catarinense que aderiram ao movimento, observando as
características distintas entre estas e as colônias do Vale do Itajaí e do Norte do
Estado. Neste capítulo, também serão abordadas questões relacionadas à
identificação com os movimentos fascistas, as acusações de ligação com o Partido
Nacional Socialista Alemão, a campanha nacionalista imposta pelo governo Getúlio
Vargas e, em âmbito estadual pelo governo do partido liberal, assim como suas
consequências políticas.
O quarto capítulo é voltado especificamente ao movimento integralista em
Canoinhas. Neste momento, serão apresentadas as análises e observações de
entrevistas e artigos de jornais que retratam as características e especificidades do
movimento no município. As análises das fontes apresentadas neste capítulo,
primeiramente farão com que se entendam as motivações para a fundação do
movimento no município, seguido das observações a respeito da identidade étnica
com o movimento e o desenrolar de fatos que levaram à hostilidade e perseguição
ao movimento.
21
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 MOVIMENTO INTEGRALISTA: CARACTERIZAÇÃO CONCEITUAL E
CONFORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
A fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB) desencadeou, nos anos 30
do século XX, um dos maiores movimentos políticos de massa no Brasil (FREITAS,
1998). Tal organização nasceu influenciada por movimentos, que além de mudanças
no sistema político oligárquico vigente no país, defendiam o fim das amarras dos
modelos estrangeiros na cultura e na economia.
Em sua formação, em 1932, o movimento contava com aproximadamente
vinte mil inscritos, ultrapassando 400 mil componentes, no ano de 1937, espalhados
em todo país (FREITAS, 1998). Através de pesquisas realizadas por Trindade
(1979), compostas por documentos e entrevistas com ex-integralistas, nas regiões e
estados onde o movimento foi mais forte, como: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
Catarina, São Paulo, Guanabara, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Bahia e Ceará, tornou-se possível traçar o perfil social dos componentes. Em sua
maioria, o movimento era composto pela classe média urbana, em ascensão
naquela época. Trindade (1979), estabelece ainda, uma distinção no interior das
classes médias na década de 1930, dividindo-as em três grupos: 1) a média
burguesia dos profissionais liberais e oficiais das forças armadas (classe média
superior); 2) a pequena burguesia dos pequenos proprietários urbanos e rurais e, 3)
os burocratas do setor público/privado (classe média inferior).
Os dirigentes do movimento pertenciam à classe média urbana superior,
enquanto os dirigentes locais, à classe média inferior. Em sua obra, “O Integralismo
no Pós-guerra”, Calil (2001), analisa os dados levantados por Trindade 1979,
concluindo que: “a principal base de massas era constituída por uma classe média
emergente, temerosa com o avanço comunista, e buscando sua incorporação no
processo político”. (CALIL, 2001). Outro fator importante a ser ressaltado é a faixa
etária dos militantes, formada majoritariamente por jovens. Dados citados por
Trindade (1979) apontam que, em 1933, a maioria dos dirigentes locais tinha menos
de 25 anos, e entre os dirigentes regionais, três quartos tinha menos de 30 anos.
O ideário integralista tinha como princípios fundamentais uma nova ordem
política e social, alicerçado em ideais de um Estado forte, antidemocrático,
22
nacionalista, anticomunista, combatendo o liberalismo e o capitalismo desenfreado.
Defendia a ideia de um grande chefe para liderar a nação, composta por elementos
que formariam uma base étnica comum, eliminando a interferência estrangeira na
condução da política e da cultura brasileiras. Expressavam ressentimento em
relação à cultura europeia, valorizando a cultura indígena, do caboclo, do sertanejo
(TRINDADE, 1979).
Compreender o surgimento desse movimento e a adesão por parte
significativa da população brasileira, assim como suas especificidades regionais,
requer uma análise do contexto nacional e internacional do período, marcado por
mudanças na área econômica, política, social e cultural.
2.1.1 Contexto Internacional
O período após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi marcado por
descontentamentos e desconfianças em relação às políticas liberais e democráticas
em vários países, ou grupos políticos emergentes. Este momento representou um
retrocesso nos ideais políticos da democracia liberal, constituídas ao longo dos
séculos XVIII e XIX no Ocidente. A maioria dos países europeus começou a sofrer
críticas quanto às instituições básicas do governo liberal constitucional. Bertonha,
em sua obra: “Fascismo, Nazismo, Integralismo”, publicada em 2003, ressalta que o
modelo democrático começou a ser questionado antes e, durante a Primeira Guerra
Mundial, quando o mesmo se mostrou “incapaz de resolver os problemas de
desigualdades sociais na sociedade capitalista, e de impedir o morticínio da Primeira
Guerra Mundial” (BERTONHA, 2003, p. 9).
O historiador inglês Eric Hobsbawn (2005) observa a retirada e o
cerceamento das instituições políticas liberais em vários países europeus. Entre
1918 até meados de 1940, vinte e dois países dissolveram suas assembleias e seus
poderes constitucionais (HOBSBAWN, 2005). A principal ameaça às liberdades
democráticas vinha de movimentos da direita política, contrários e hostis às
instituições políticas liberais. Tais movimentos se caracterizavam como autoritários,
reacionários e anticomunistas.
O perigo vinha exclusivamente da direita. E essa direita representava não apenas uma ameaça ao governo constitucional e representativo, mas uma ameaça ideológica à civilização liberal como tal, e um movimento
23
potencialmente mundial, para o qual o rótulo ‘fascismo’ é ao mesmo tempo insuficiente, mas não irrelevante (HOBSBAWN, 2005, p.116).
A ascensão dos movimentos de direita, assentados em ideários
marcadamente antidemocráticos, contou com o apoio de grande parte da população
europeia que estava aflita e temerosa com o avanço das ideias socialistas. Estes
grupos utilizaram-se, ressalta Bertonha, de sentimentos e ideias que já estavam
presentes na sociedade europeia: “o ódio aos judeus, o nacionalismo, o desejo de
um governo ‘forte’ e de um líder providencial que cuidasse de todos como um pai”
(BERTONHA, 2003, p. 10).
O perigo de uma revolta social, a exemplo da Revolução Socialista na Rússia
levou a adesão de vários grupos sociais ao fascismo1. A aversão das diversas
variáveis fascistas, não era somente contra o discurso socialista, proferido pelos
partidos trabalhistas, mas por toda a organização operária. A politização do
operariado fez surgir grandes movimentos e exigências por parte dos trabalhadores,
o que causava apreensão entre os políticos de direita. “Não por acaso, no imediato
pós-guerra, a exigência principal dos agitadores socialistas desde 1889, foi
concedida quase em toda parte na Europa: o dia de trabalho de oito horas”.
(HOBSBAWN, 2005, p.128).
No Brasil, a fundação da Aliança Nacional Libertadora, ANL, em 1935,
provocou a ascensão da esquerda e, por derivações ideológicas opostas, conflitos
com AIB, Ação Integralista Brasileira. A propaganda anticomunista era de tal
magnitude dentro dos círculos integralistas, que livros anticomunistas eram vertidos
ao alemão para serem distribuídos nas regiões de colonização alemã, no sul do
Brasil. (TRINDADE, 1979).
A Igreja Católica Apostólica Romana, em grande parte, estava ligada aos
grupos de direita, o que a aproximava dos fascistas e de reacionários anacrônicos, o
que, segundo Hobsbawn: “era um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela
Revolução Francesa, por tudo o que, na sua opinião, dela derivava: democracia,
1Neste trabalho, o termo fascismo está relacionado a definição descrita por Bobbio (1994), do
Fascismo Histórico. Este movimento ocorreu na Europa entre os anos de 1919 e 1945, representado pelo Fascismo Italiano e nacional-socialismo alemão. De modo geral, fascismo é movimento composto pelas seguintes características: monopolização da representação política por parte de um partido único de massas; hierarquicamente organizado; por uma ideologia fundada no culto ao chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo. Bobbio, Norberto. (DICIONÁRIO DA POLÍTICA, 1994 p. 466).
24
liberalismo e, claro, mais marcadamente, o ‘comunismo ateu’” (HOBSBAWN, 2005,
p.118),
Os problemas econômicos envolvendo os países participantes da guerra,
principalmente as nações vencidas, acrescidas da depressão financeira da crise de
1929 explicam, em grande parte, a descrença na economia liberal. A direita, tendo
como representante o movimento fascista, defendia o fim da economia liberal, e a
esquerda ameaçava a ordem mundial, com seu discurso revolucionário. Cada classe
escolhia seguir o caminho que melhor lhe conviesse, ou melhor, de acordo com os
seus temores. Nesse momento, o medo do bolchevismo era o motivo mais forte para
que a grande parte da classe média apoiasse o fascismo (HOBSBAWN, 2005). Nas
pesquisas realizadas por Trindade, o mesmo observa que os principais motivos de
adesão ao Movimento Integralista foram respectivamente anticomunismo e simpatia
pelos fascismos europeus (TRINDADE, 1979).
Outro motivo de adesão aos fascismos, apresentado por Hobsbawn, em suas
análises, foi a consequência direta da Primeira Guerra Mundial, pois soldados
italianos e alemães “ressentiram-se de sua oportunidade perdida de heroísmo”.
Vários desses soldados, que lutaram na linha frente nas batalhas, compuseram o
corpo dos primeiros batalhões de ultranacionalistas, entre eles estava Adolf Hitler
(HOBSBAWN, 2005). Com o país destruído e humilhado diante da derrota aos
Aliados, com dívidas de guerra e a indústria desestruturada, havia miséria e
desolação em toda a Alemanha. As ideias da volta de uma Alemanha imperial,
extremamente autoritária, reacionária e militarista, ganhavam adeptos no país, nos
anos de 1920. (BERTONHA, 2003).
A vitória da direita no pós-guerra, na forma do fascismo, foi possível devido ao
colapso dos velhos regimes, e com eles das velhas classes dominantes, com
cidadãos desorientados e descontentes, humilhados no seu nacionalismo pelos
tratados de 1919, ameaçados por movimentos socialistas.
Essas eram as condições sob as quais as velhas elites governantes desamparadas sentiam-se tentadas a recorrer aos ultrarradicais, como fizeram os liberais italianos aos fascistas de Mussolini em1920-2, e os alemães aos nacional-socialistas de Hitler em 1932-3. Essas, pelo mesmo a princípio, foram as condições que transformaram movimentos da direita radical em poderosas forças organizadas e às vezes uniformizadas e paramilitares (squadristi; as tropas de assalto), ou, como na Alemanha durante a Grande Depressão, em maciços exércitos eleitorais [...] A novidade do fascismo era que, uma vez no poder, ele se recusava a jogar
25
segundo as regras dos velhos jogos políticos, e tomava posse completamente onde podia[...] (HOBSBAWN, 2005, p.129)
Na América Latina, o fascismo foi visto, por muitos, como uma salvação
política e econômica para os países em crise, como ocorreu na Itália e Alemanha,
principalmente após a ascensão de Hitler. Com o Führer, a Alemanha progrediu
economicamente e, principalmente, todo germânico voltou a ter orgulho de seu povo
e de seu país. A questão da raça ariana2, defendida como raça superior, começou a
ser aceita na Alemanha, muito antes de Hitler publicar Mein Kampf, obra
considerada a “bíblia nazista”, escrita por Adolf Hitler, na prisão, em 1924:
O que hoje se apresenta anos em matéria de cultura humana, em resultados colhidos no terreno da arte, da ciência e da técnica, é quase que exclusivamente produto da criação do Ariano. É sobre tal fato, porém que devemos apoiar a decisão de ter sido ele o fundador exclusivo da humanidade superior, representando assim o “tipo primitivo” daquilo que entendemos por “homem”. É ele o Prometeu da humanidade, e da sua fonte é que jorrou, em todas as épocas, a centelha do Gênio, acendendo sempre de novo aquele fogo de conhecimento que iluminou a noite dos tácitos mistérios, fazendo ascender o homem a uma situação de superioridade sobre os outros seres terrestres. Exclua-se ele e, talvez, depois de poucos milênios, descerão mais uma vez as trevas sobre a terra; a civilização humana chegará a seu termo e o mundo se tornará um deserto! (HITLER apud PUNSCHER, 2001, p. 215)
Esse discurso nacionalista e corporativista, tendo o seu chefe como o
“salvador da pátria”, provocou, em alguns países latino-americanos, a deificação de
líderes populistas que, dessa forma, conduziriam as massas.
Mas as massas que eles queriam mobilizar, e se viram mobilizando não eram as que temiam pelo que poderiam perder, mas sim as que nada
2Na Alemanha o desenvolvimento da eugenia como política de higiene social está ligado ao
pensamento germanófilo do francês Conde de Gobineau, exposto em: “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” publicado em 1858, antes mesmo da publicação da obra de Darwin e, do surgimento do próprio termo eugenia. A origem do racismo se perde nos tempos, mas Gobineau é certamente o fundador deste como teoria na contemporaneidade. A teoria de Gobineau traz a perspectiva de dominação de uma raça sobre as demais, dentro de um mesmo território, conforme sua superioridade, assim como o das nações umas às outras no colonialismo. Assim, os arianos, germânicos seriam a raça superior, e seu avanço seria impedido somente pela ação das raças inferiores, representadas pelos povos invasores. Diversos autores eugenistas eram conhecidos por Adolf Hitler, mas parece que ele tomou contato especialmente com uma obra durante seu tempo de prisão: “O Fundamento da Hereditariedade Humana e da Higiene Racial”, publicado em 1921 e escrito por três importantes eugenistas alemães: Erwin Baur, Fritz Lenz e Eugen Fisher, todos aliados da eugenia americana, que tinham por mentor a Charles Davenport, o principal eugenista americano. O ódio racial nutrido por Hitler passaria a receber toda a legitimidade que a ciência dá às ideologias que se revestem de sua imagem como fachada. A fusão do nacionalismo alemão e da eugenia estava começando. “Os pensadores que influenciaram a política de eugenia do nazismo”. Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes uma cultura em formação (MENEGAT, 2008)
26
tinham a perder. E os inimigos contra os quais eles as mobilizavam não eram estrangeiros e grupos de fora [...] mas a ‘oligarquia’- os ricos, a classe dominante local (HOBSBAWN, 2005, p. 137)
Stanley Hilton, um brasilianista, observa em sua obra: “O Brasil e a crise
Internacional”, publicada em 1977 que, no período denominado “entre-guerras”, a
América Latina viu surgir vários partidos nacionalistas de direita, “principalmente no
México com suas ‘camisas-douradas’ e, no Brasil, com seus ‘camisas-verdes’ ou
Integralistas.” Pelo menos, no Brasil, acredita o autor, o movimento chegou a ter um
“papel eminente na política nacional” (HILTON, 1977, p. 24)
Os fatores político-econômico-social e cultural, registrados na Europa nas
primeiras décadas do século XX, foram irradiados para todo o continente americano,
afetando de modos específicos alguns países. O Brasil sofreu influências culturais,
através dos antecedentes do Movimento Modernista. A política dos Estados
Totalitários incentivou a ideologia de movimentos de direita, principalmente do
movimento integralista, assim como a Revolução Russa influenciou os movimentos
de esquerda, principalmente a Aliança Nacional Libertadora. Estes fatores, aliados a
problemas econômicos de ordem internacional, fizeram o país sofrer mudanças, que
marcaram a sua história política.
2.1.2 O Contexto Nacional
Entre as décadas de 1910 e 1920, o Brasil viveu uma atmosfera de
mudanças, com movimentos sociais e políticos discutindo os novos rumos políticos e
econômicos que o país deveria seguir. O surgimento de novos personagens
históricos, como o intelectual cosmopolita, o militar insatisfeito com a corrupção
eleitoral e o ativista comunista, colocou em discussão a necessidade de se modificar
a estrutura econômica e política do Brasil (FREITAS, 1998). Todos esses elementos
ajudam a explicar o nascimento da ideologia e do movimento integralista.
Este período, que inicia com a Proclamação da República, em 1889, e segue
até 1930, é chamado, na perspectiva da análise histórica, como Primeira República.
Essa fase é marcada pelo poder político dos coronéis, fazendeiros da antiga Guarda
Nacional, criada no governo imperial para proteger as propriedades rurais. Desta
forma, esse período também foi chamado de “República dos Coronéis”, no qual
vigorava o clientelismo. Esse sistema gerava desigualdades sociais, falta de
27
serviços assistenciais do Estado, além da impossibilidade dos cidadãos de
exercerem seus direitos. O controle dos coronéis sobre os votantes tornava inviável
aos seus empregados exercerem a democracia, seu voto era trocado por favores,
formando, dessa forma, um grande contingente de analfabetos políticos. (FAUSTO,
2006).
Um exemplo do peso da questão econômica na política das oligarquias pode
ser analisado no caso do café. A partir de meados da primeira década do século XX,
intensificam-se as crises no setor cafeeiro fazendo com que as medidas
governamentais priorizem o atendimento a esse setor. “Enquanto isso, o país tinha
todo tipo de carência, desde saneamento básico, educação, saúde, até a ausência
de leis adequadas aos trabalhadores, pois muitos patrões ainda mantinham uma
mentalidade escravocrata” (FREITAS, 1998, p. 25).
Outro fator de relevância política e econômica neste contexto foi a
urbanização nas grandes cidades do país, como Rio de Janeiro e São Paulo,
iniciada no começo do século XX, ocasionada pelo aumento no setor terciário, ligada
à exportação do café, que contribuiu para o alargamento do mercado interno,
gerando a formação de um proletariado urbano (TRINDADE, 1979). O processo de
aceleração industrial no país surge após a Primeira Guerra Mundial, pois a mudança
no sistema de exportação de produtos primários e a escassez de capital
internacional forçaram a produção interna.
O esquema rígido, girando em torno da exportação dos produtos primários e importação dos produtos industriais, desaparece e, ao mesmo tempo, a entrada de capitais estrangeiros se interrompe. Neste contexto, a economia não tem outra alternativa, senão responder através da produção interna ao bloqueio do mercado internacional (SODRÉ apud TRINDADE 1979, p.8).
Esse crescimento industrial resultou na vinda de muitos imigrantes a várias
regiões, dentre elas, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os principais ramos industriais,
em plena atividade na época, eram o setor têxtil, em primeiro lugar, sobretudo o de
tecidos de algodão, seguido da alimentação, incluindo bebidas e vestuário
(FAUSTO, 2006). Dentre os operários contratados, grande parte era de imigrantes
europeus, ou de migrantes rurais de regiões mais atrasadas do país. Estudo
realizado por Simão, em 1920, retrata a importância da proporção de trabalhadores
estrangeiros: total de brasileiros 60,8% e de estrangeiros, 39,2%; entre os
28
trabalhadores com mais de 20 anos, a diferença é mínima: 91.739 brasileiros e
84.747 estrangeiros (SIMÃO apud TRINDADE, 1979).
As ideias nacionalistas começaram a surgir nesse período, Freitas (1998)
considera que, nesse momento, algumas pessoas tentavam definir a personalidade
da nação, descobrindo sua vocação econômica e a exaltação dos valores autênticos
da nossa brasilidade. Muitos acreditavam que a regeneração do país viria através
da educação militar, com o serviço militar obrigatório. A preocupação com os
movimentos sociais, principalmente de trabalhadores, que deveriam ser proibidos de
manifestarem-se nas ruas, demonstrava a aceitação autoritária para colocar ordem
no país (FREITAS, 1998).
Torna-se interessante observar que, nesse período, o movimento integralista
ainda não havia surgido, porém as discussões acerca de questões que surgiam no
seio das classes médias e intelectualizadas do país já estavam latentes nas
primeiras décadas do século XX. A postura de defesa do militarismo e do
autoritarismo esteve presente, anos mais tarde, no ideário da AIB, e foi uma das
bandeiras dos movimentos fascistas. Tanto nas entrevistas realizadas com
moradores de Canoinhas, em Santa Catarina, com ex-integrantes do movimento
integralista, ou descendentes dos mesmos, assim como nos estudos realizados em
regiões catarinenses adeptas ao integralismo, essa postura também é recorrente.
Ainda no que concerne ao discurso nacionalista, a questão da vocação
econômica no Brasil era debatida. Alguns estudiosos defendiam a vocação agrária
no país, acreditando que a difusão da pequena propriedade resolveria os problemas
sociais, pois acabaria com a fome no campo e projetaria o Brasil no cenário
internacional. Esta defesa do Brasil agrário com projeção internacional partia do
princípio de que havia uma divisão natural das nações. Dentro desse princípio
algumas nações produziriam bens e serviços e outras matérias-primas e alimentos.
(FREITAS, 1998).
A maioria dos movimentos sociais, que surgem a partir da década de 1920,
tem dentre seus objetivos, o de acabar com o jogo político dos coronéis. O
movimento tenentista representou essa tentativa de mudança. Entre suas
reivindicações estava uma nova inserção do exército entre os civis, e na condução
política do país. Os tenentes combatiam o monopólio do poder dos partidos
republicanos regionais e dos chefes políticos, que recorriam a fraudes eleitorais.
Plínio Salgado, líder do movimento integralista, em seu Manifesto Integralista de
29
1932, é enfático: “O Brasil não pode realizar a união íntima e perfeita de seus filhos,
enquanto existirem Estados lutando dentro do Estado; partidos políticos fracionando
a nação; classes lutando contra classes, indivíduos isolados exercendo ação
pessoal nas decisões do governo”. (MANIFESTO DE OUTUBRO 1932, cap. II in
SALGADO, 1932)
Stanley Hilton (1977) afirma que “a oposição mais vigorosa ao integralismo
veio dos governos estaduais, que se ressentiam da condenação, feita com vigor pelo
partido, das máquinas políticas estaduais como sendo contrárias ao interesse
nacional”. (HILTON, 1977, p. 28)
Durante o período de 1920 a 1930, vários movimentos tenentistas ocorreram
no país, tais como os levantes e as colunas, estendendo-se por muitos estados
brasileiros. Trindade (1979) chama a atenção para o fato de que as insatisfações
presentes nas classes médias urbanas, do comércio e das pequenas empresas, se
incorporam ao movimento tenentista. Por sua vez, o historiador Paulo Sérgio
Pinheiro, em sua tese de doutorado intitulada: “La Fin de La Première République au
Brésil; crise politique etrèvolution (1920-1930)”, apresentada em Paris, ressalta que
“o elemento comum às rebeliões dos anos 20 é a intenção de provocar, através de
um golpe de Estado, mudanças no seio do Estado, sem criar condições para que as
massas populares intervenham no processo de mudança política” (PINHEIRO apud
TRINDADE, 1979 p. 17). Freitas (1998) comenta que esses movimentos militares
foram utilizados pelo discurso integralista como a “propaganda do medo”,
assombrando a sociedade com a possibilidade de uma revolução destruir a
harmonia da nação cabocla. A presença dos militares na política só se efetiva após
a tomada de poder por Getúlio Vargas, em 1930, conduzindo a Aliança Nacional ao
poder.
As associações ou ligas de trabalhadores existiam no Brasil desde 1870,
contudo, é após o primeiro Congresso Socialista, em 1892, que se deu o surgimento
do Partido Socialista. Em um primeiro momento, a organização era formada por
trabalhadores urbanos, como tipógrafos e ferroviários e “as associações eram de
base exclusivamente urbana, reunindo intelectuais, membros das classes médias
que tentavam atrair elementos da classe operária em formação” (PINHEIRO, apud
TRINDADE 1979, p. 12). A formação desse operariado levou ao amadurecimento
das lutas sociais e das reivindicações operárias com mais vigor a partir do fim da
Primeira Guerra Mundial. Influenciados pelas vanguardas operárias anarquistas, os
30
operários promoveram greves, entre os anos de 1917 a 1920. Estes movimentos em
prol de melhorias trabalhistas foram vistos por grande parte da população como uma
ameaça socialista.
Até 1920, apesar do movimento operário ativo ser mais de anarquistas e anarco-sindicalistas, os católicos, os socialistas e os sem orientação política também participaram do funcionamento destes órgãos; depois de 1920, os comunistas lutarão para impor sua tática e dominar os sindicatos” (CARONE, 1970 p. 196).
Em 1922, foi fundado no país o Partido Comunista do Brasil (PCB), vindo a se
chamar mais tarde de Partido Comunista Brasileiro. Freitas (1998) destaca a
importância desse movimento como um modelo de organização revolucionária para
os trabalhadores do Brasil. Porém, frequentemente, o partido se encontrava na
clandestinidade. Mesmo com grandes esforços para unir os proletários em
organizações sindicais, ou partidos socialistas, “o movimento operário participará
apenas de maneira marginal na transformação do sistema político de 1930”3
(PINHEIRO apud TRINDADE 1979, p. 15). O momento de maior destaque dos
movimentos operários e de orientação marxista ocorreu com a criação da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), em 1935.
Observa-se que o Brasil das primeiras décadas do século XX passava por
transformações econômicas, que atingiram vários setores produtivos e da sociedade
brasileira. O início da industrialização, levando a um aumento da população urbana
nos grandes centros do país, resultou, dentre outros motivos, em um aumento de
consciência política entre os habitantes. Seja por meio de reunião entre operários, o
que desencadeou uma consciência operária, ou o início de uma maior
intelectualidade de classe média urbana. As oligarquias rurais, centradas em
algumas regiões do país, começaram a sofrer alguns desgastes, fruto de críticas de
3 O episódio conhecido como Golpe de 30, ocorreu no país após as eleições realizadas em 1º de
março de 1930. O candidato vencedor, apoiado pela oligarquia paulista, Júlio Prestes, venceu Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal, apoiado por classes dominantes regionais, não associadas ao setor cafeeiro, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraíba. As eleições foram fraudadas, como era comum no sistema eleitoral vigente na época. Porém, durante o ano foi se estruturando a tomada de poder pela Aliança Liberal. Tal fato iniciou no dia 3 de outubro de 1930, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, e no dia 4 de outubro se alastrou pelo Nordeste, em especial Paraíba e Recife. Este movimento tinha apoio do Exército, em especial os tenentes, e da Marinha que, em 24 de outubro de 1930, depôs o presidente da República, no Rio de Janeiro, Washington Luiz (Júlio Prestes iria assumir em novembro do mesmo ano) constituindo uma Junta Provisória de Governo. A revolução Constitucionalista ocorreu dois anos após o Golpe, quando o estado de São Paulo revolta-se com a politica autoritária de Getúlio Vargas, e do Governo Provisório exigindo a formação de uma Assembleia Constituinte e a volta do regime democrático no país
31
grupos oponentes, quase sempre compostos por membros de oligarquias menores e
da classe média urbana.
A descrença na democracia liberal, resultante da Primeira Guerra Mundial,
que levou à propagação de campanhas em prol de governos autoritários, chegou ao
Brasil por intermédio de intelectuais e artistas, que, através de movimentos culturais,
filosóficos e políticos, tentaram acabar com o regime político conhecido no Brasil por
Primeira República.
2.1.2.1 A contribuição cultural e filosófica
Dentre os vários fatores que marcaram as primeiras décadas do século XX no
Brasil, a evolução ideológica pode ser considerada um dos grandes estímulos para o
pensamento intelectual de Plinio Salgado4 e o nascimento do movimento integralista.
A evolução intelectual presente nos anos de 1920 caracteriza-se, de um lado pelo
enfoque sociológico na análise da sociedade brasileira, e de outro, pela tentativa de
criar um pensamento nacional autônomo, para solucionar os problemas brasileiros,
sem recorrer aos modelos estrangeiros (TRINDADE, 1979)
Através de seus romances, Plinio Salgado refletia seu pensamento e a
ideologia integralista. Na trilogia dos romances, “O Estrangeiro, O Esperado e
Cavaleiro de Itararé”, Salgado critica o comunismo e enaltece o nacionalismo. De
acordo com Trindade (1979), no romance “O Estrangeiro”, publicado em 1926, Plínio
Salgado preocupa-se com as regiões brasileiras que recebem imigrantes,
principalmente com São Paulo, com a assimilação dos mesmos à comunidade
nacional. A problemática do romance está em analisar como as várias correntes
migratórias que chegam a São Paulo, neste momento representando o Brasil, se
4 Plínio Salgado era filho de um grande chefe local, coronel da Antiga Guarda Nacional, no Vale do
Paraíba em São Paulo. Conviveu com a política desde cedo, porém sua ação política até 1930 é contraditória, pois está vinculada à tradição política paterna, à velha Republica oligárquica. Ao atingir maioridade participou da fundação do Partido Municipalista, em sua cidade de origem. O Partido Municipalista levava às ultimas consequências a ideia de que o interesse das pessoas se restringia ao seu ‘pequeno mundo’ e, que questões mais amplas, como os problemas nacionais e internacionais, na realidade não existiam, eram invenções perigosas do mundo moderno. O municipalismo não representava uma afronta ao coronelismo, mas na verdade uma defesa aos mesmos, pois os poderes oligárquicos já controlavam os municípios. (FREITAS, 1989). Quando jovem, Plínio Salgado muda para a capital do estado (São Paulo), fazendo parte do Partido Republicano Paulista. “No início de sua ação ideológica no seio do PRP, Salgado se engaja numa corrente que quer renovar o velho partido.” (TRINDADE, 1979). A tentativa de renovar o partido fracassa, mas Salgado fica no PRP até a Revolução de 1930.
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adaptam às diferentes origens, realizando uma fusão étnica. A mensagem do livro é
o nacionalismo.
O romance “O Esperado”, editado em 1931, publicado após a Revolução de
1930, teve alguns capítulos escritos na Europa. De natureza política, o romance
descreve o drama das massas disponíveis à espera de um messias. Salgado critica
a velha oligarquia, o imperialismo americano e inglês, as negociatas entre
multinacionais e políticos brasileiros da Primeira República. Nesta obra, Salgado
procura exprimir as insatisfações do povo brasileiro, na procura desordenada de
uma saída. No romance, o fascismo passa de uma ideologia exótica imposta pela
Europa para tornar-se aos poucos uma alternativa possível. (SALGADO, 1981).
O último romance da trilogia: “O Cavaleiro de Itararé”, foi lançado dois meses
após a fundação da AIB, em 1932, e faz uma análise crítica das revoluções
brasileiras. O romance se dirige à juventude brasileira civil e militar e foi escrito em
momentos de angústia, revolta e desilusão diante do panorama brasileiro. O título
refere-se a uma lenda do sertão paulista, onde o cavaleiro é um fantasma que, por
onde passa nas madrugadas, espalha a peste, as moléstias e todas as desgraças,
referindo-se às revoluções brasileiras. O personagem Maranduba é o autorretrato de
Salgado, um nacionalista que admirava os militares, os cientistas, os caboclos e, as
crianças. O tema do messianismo novamente aparece na figura de Maranduba,
quando ele sente que é preciso lutar pelas injustiças e cria a Associação dos
fósforos de Segurança, com hierarquia e uniforme. A organização fracassa e ele
retorna à solidão filosófica (SALGADO, 1955).
Nas primeiras décadas do século XX, a literatura brasileira preocupa-se com
algumas questões nacionais, vários ensaístas, literatos e sociólogos brasileiros
lançaram obras que refletiram a crescente consciência nacionalista brasileira.
A obra inicial para começar um movimento de valorização nacional foi: “Os
Sertões”, de Euclides da Cunha, em 1902, retratando o drama dos habitantes do
sertão, fazendo com que as elites intelectuais tomassem consciência do abandono
das regiões periféricas do país. “É o momento em que se dá, de um largo trecho do
país, um retrato cru, realista, com todas as suas misérias, mazelas, grandezas e
desesperos.” (BRITO, 1964 p. 26)
Monteiro Lobato, em 1918, lança “Urupês”, retratando o caboclo sob um olhar
diferente da visão romântica dos demais escritores da época, com o seu
33
personagem subalimentado e apático, “Jeca Tatu”. Nesta obra, Monteiro Lobato
refere-se ao caboclo como o “Ai Jesus!” nacional.
Porque a verdade nua manda dizer que entre as raças de variada matriz, formadoras da nacionalidade e metidas entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha no beiço, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz de evolução, impenetrável ao progresso. Feia e sorna, nada a põe de pé. (LOBATO, 1982, p. 146).
No prefácio da quarta edição de Urupês, após entrar em contato com estudos sobre
o saneamento no Brasil, Lobato chama a atenção para o problema da falta de
saneamento básico no país, enfatizando que o problema dos “jecas-tatus” era um
problema de saúde pública:
Com enorme virulência, Lobato atacou o "indianismo balsâmico" de José de Alencar, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, agora travestido em "caboclismo". E comparou o caboclo ao "sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas". Surgia o Jeca Tatu, nome que se generalizou no país todo como sinônimo de caipira, homem do interior. A repercussão foi grande e atingiu nível nacional, quando Lobato, já bastante conhecido, decidiu, em 1918, reunir seus artigos num livro, também intitulado Urupês. As três primeiras edições esgotaram-se rapidamente. Os jornais alimentaram a polêmica. Os saudosistas se indignaram: afinal, o caboclo era o "Ai-Jesus nacional", o queridinho do país. Mas veio a suprema consagração. Rui Barbosa, que jamais citara qualquer autor vivo, referiu-se a Jeca Tatu, "símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e embotamento" num discurso no Teatro Lírico. Mas a convivência com Arthur Neiva, Belisário Pena e outros pesquisadores e a leitura do livro de Pena, O saneamento do Brasil, já haviam levado Lobato a rever totalmente sua concepção de caboclo. E no prefácio à quarta edição de Urupês, ainda em 1918, penitenciou-se: "Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte" (PALMA, 2009).
Houve maior atenção com os temas nacionais, mas o caboclo era visto como
um ser inferior e incapaz, tal qual na região de Canoinhas, Santa Catarina, nos dias
atuais. O preconceito em relação ao caboclo, homem da terra, é marcante nas
entrevistas realizadas com cidadãos canoinhenses, descendentes de europeus. É
comum expressões como: “gente mais grosseira”, ou “As pessoas que tinham uma
visão maior não eram daqui. Eram tudo da Europa” (Entrevistas realizadas por
Conceição em 2005 e 2014).
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A Primeira Guerra Mundial refletiu, em muitos países, uma crescente
consciência nacionalista por parte da intelectualidade. No Brasil, diversas revistas
nacionalistas surgem nesse momento, além da fundação de clubes e ligas em
defesa do nativismo e do patriotismo.
A grande guerra ensinara ao mundo a inanidade dos tratados de paz - meros farrapos de papel. Miguel Calmon, que vira da França, a desesperada luta pela salvação de Paris, funda com Olavo Bilac e Coelho Neto, a Liga de Defesa Nacional, que é um sinal de alerta no Brasil pacifista e desprevenido. É o país que se prepara, ante as lições recentes, para as emergências guerreiras. Vão surgindo os tiros de guerras, a mocidade apresta-se no serviço militar. (BRITO, 1964, p. 75)
O discurso nacionalista surge entre os jovens brasileiros, fomentado pelas
palavras de jovens escritores como Oswald de Andrade e Mário de Moraes Andrade,
que utilizava o pseudônimo de Mario Sobral. Estudantes universitários militarizam-se
no Exército, formando um clima de nacionalismo exaltado. Um exemplo da influência
desses movimentos, no ideário integralista, pode ser observado no movimento
político organizado no Rio de Janeiro, em 1919, denominado: “Propaganda
Nativista”. Dentre seus ideais, estava a emancipação financeira e econômica do
Brasil; nacionalização absoluta da imprensa e do comércio de retalho; despertar o
sentimento de solidariedade entre os povos americanos, combatendo a influência
europeia; vedar aos estrangeiros o exercício de cargos eletivos e empregos
públicos, mesmo que naturalizados; restringir aos estrangeiros a aquisição de bens
e imóveis; intensificar, nas escolas, o ensino cívico e a propaganda dos ideais
nativistas (BOMILCAR apud TRINDADE, 1979).
Essas ideias tomam corpo e, no ano seguinte, é fundada a Ação Social
Nacionalista, descrita como uma instituição sem fins políticos, com o objetivo de
federar os movimentos nacionalistas, definida como “instituição defensiva de
estudos sociais e históricos, sem caráter político nem religioso”. Faziam parte desta
organização mais de cinquenta associações cívicas, inspiradas nos ideais da
“Propaganda Nativista”, nos “Mandamentos do Patriota Brasileiro” e no jornal Gil
Blas. Dentre as revistas, destaca-se o radicalismo da revista Braziléia (1917-1918,
1931-1933), pois combatia explicitamente a interferência dos portugueses na vida do
país e defendia uma política exclusivamente brasileira, aceitando publicar somente
artigos inspirados nos moldes do puro patriotismo, e que servissem de propaganda
aos ideais nacionalistas (TRINDADE, 1979)
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A formação das ligas patrióticas e nacionalistas, como a “Liga de Defesa
Nacional”, organizada por Olavo Bilac5, tinha um discurso extremamente cívico.
Dentre os objetivos presentes no estatuto estavam: o de manter em todo o país a
ideia da coesão e integridade nacional; propagar em todas as escolas a educação
cívica, o amor à justiça e culto ao patriotismo. Esta campanha de Bilac levou à
formação de uma liga de estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, em
1917, de cunho político, econômico e nacionalista. Lutavam contra os atentados
civis ou militares à soberania nacional e eram a favor do voto secreto e do
sentimento da unidade nacional (CARONE, 1976).
No ideário integralista, o culto aos “heróis nacionais” foi muito utilizado. Duque
de Caxias era apresentado como “símbolo do brasileiro que o integralismo prometia
construir”, assim como, destacavam-se José Bonifácio e Dom Pedro I, “pelos méritos
na preservação da unidade nacional” (CALIL, 2001, pp. 38-39).
A participação da classe artística e intelectual brasileira, entre as décadas de
1920 e 1930, foi fundamental na propagação e assimilação do ideário nacionalista e,
como consequência, do discurso integralista. Alguns integrantes do futuro
Movimento Modernista, como Oswald de Andrade, entraram em contato, no início do
século XX, na Europa, com um movimento de tendências modernistas, denominado
“futurismo”6. Porém, a influência futurista não fez do Movimento Modernista uma
cópia europeia, o modernismo era inspirado por uma corrente nacionalista, que
perfazia todo o seu discurso.
Nos anos de 1916 e 1917, alguns fatos tornam o movimento Modernista mais
forte, como o lançamento da “Revista do Brasil”, de orientação nacionalista, e o
estudo linguístico sobre o “Dialeto Caipira”, de Amadeu Amaral. Além da
aproximação dos escritores modernistas Mário e Oswald de Andrade, e o
lançamento do romance de Menotti Del Picchia, “Juca Mulato”, considerado o
precursor do modernismo. “Juca Mulato é um livro afortunado. Tanto a crítica quanto
5Olavo Bilac, poeta e jornalista, representante do movimento parnasianista, defendia o serviço militar
obrigatório como condição primeira para a formação da consciência nacional e da integração dos cidadãos. Sua luta pretendia integrar o exército e a Nação dentro de uma mesma concepção democrática, para “que o povo seja o exército e o exército seja o povo” (TRINDADE, 1979, p. 25) 6O Manifesto de fundação do Futurismo foi redigido e publicado por F. T. Marinetti, em 1909. Este
movimento de origem sociopolítica abraçou todas as artes e, no decorrer de cinco anos publicou vários manifestos. Estes manifestos proclamavam a glória do dinamismo, da juventude, da originalidade, do perigo, pediam a destruição de museus, bibliotecas e academias, dos sonhos, da tradição e da moral. O movimento em conjunto sobreviveu a Primeira Guerra Mundial, mas ficou desacreditado por apoiar o Partido Fascista Italiano, em 1919 (FOLIO, 2008).
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o público recebem-no entusiasticamente. No clima nacionalista de 1917, a obra
surge à hora propícia. A busca de uma constante brasileira, de um espírito nativo,
reclamada por tantos – parece encontrar nesse poema sua concretização.” (BRITO,
1964 p. 83).
Em 1922, o movimento lança um festival artístico e literário denominado: “A
Semana de Arte Moderna”, conhecida também como a “Semana de 22”. O
movimento contou com a presença de artistas, músicos e intelectuais, que lançaram
um apelo para acabar com os modelos e estereótipos estrangeiros, exaltando e
valorizando a cultura brasileira, composta da mistura de raças, valorizando o índio e
o caboclo. Este movimento teve várias ramificações, pendendo, com o tempo, mais
para o lado de agremiações e grupos políticos do que de movimentos artísticos.
As opções políticas dos modernistas se fazem tanto à esquerda como à direita, enquanto na Europa o futurismo italiano se identifica com o fascismo a maior parte dos surrealistas franceses se engaja na extrema-esquerda. A despeito dessas divergências ideológicas, todas as correntes modernistas apresentam um fundo comum: o nacionalismo (TRINDADE, 1979, p. 29)
A participação de Plínio Salgado foi mais representativa nas correntes pós-
modernistas. Iniciou no movimento nacionalista “Verde-amarelo”, distinguindo-se do
grupo Pau Brasil (primitivista). O grupo “Verde-amarelo”, depois de dois anos decide
“optar pela ação, colocando-se a serviço da análise, em profundidade, da vida
brasileira e de seus problemas”, fundando o grupo Anta. Os grupos se tornam
opostos em relação às tendências ideológicas: enquanto os componentes do
movimento Anta optam pela direita, os membros do grupo “Antropofagia” (antigo
grupo Pau Brasil) optam pela esquerda. (TRINDADE, 1979)
Plínio Salgado defendia a ideia da formação de uma nova raça sobre uma
base étnica comum. Acreditava que as diferenças étnicas e climáticas que existiam
no país formariam um tipo humano futuro, que seria dos mais inteligentes e
superiores, profetizando que ao caboclo estava destinado um grande papel no
mundo.
O Integralismo surgiu com a certeza de que o povo brasileiro não era um povo inteiramente perdido, pois o que faltava era algum ou alguns caboclos genuína e retintamente brasileiros, pelo nascimento, pelo convívio, pela formação desde a infância, pela comunhão de sentimentos com a grande terra e o grande povo, os quais despertassem que eles, caboclos, sentiam nas profundezas de suas próprias almas. ( SALGADO,1958, p. 118)
37
Calil (2001) enfatiza que Plínio Salgado propunha a revalorização do homem
simples do interior, por se tratar de uma “suposta encarnação de uma alma nacional
imutável e congelada no tempo” (CALIL, 2001, p. 38). Para Salgado, esta alma
nacional se completaria com o mito das três raças fundadoras da nacionalidade: o
branco, o negro e o índio: “vai buscar suas origens numa só base étnica inicial,
argamassada ao concurso das três raças formadoras e plasmada pelo gênio lusíada
numa expressão moral cristã e numa expressão política de unidade.” (SALGADO,
1958, p. 118).
Plínio Salgado também foi motivado pelo movimento de membros da Igreja
Católica, denominado de “renovação espiritual”, que iniciou na Europa, em fins do
século XIX, e conseguiu grande repercussão após a Primeira Guerra. O movimento
combatia a laicização, o naturalismo e o ceticismo que, no final do século XIX,
descristianizou as camadas intelectuais, tendo como objetivo “restaurar os valores
espirituais na poesia, prosa e na filosofia, contra o espírito naturalista e positivista
dominante”. (TRINDADE, 1979, p. 28). Este movimento de renovação espiritual no
Brasil ocorreu após a instauração da República, com a separação da Igreja e do
Estado. Muitos intelectuais se sensibilizaram com o apelo do movimento, iniciado
por um herdeiro da intelectualidade descristianizada, Júlio de Moraes Carneiro, o
padre Júlio Maria, que em um de seus discursos lançou o apelo: “É preciso
catolicizar o Brasil” (TRINDADE, 1979, p. 30)
O filósofo brasileiro Farias Brito7 (1861-1917) foi de importância singular na
propagação desse movimento, sendo que seus livros tiveram grande repercussão
entre a nova geração católica, principalmente sobre Jackson de Figueiredo (1891-
1928)8, e também sobre Plínio Salgado, que o considerava o inspirador da
concepção filosófica integralista. No Manifesto Integralista de 1932, Plínio Salgado
cita a sua influência na concepção do universo e do homem.
7 Farias Brito, embora não tenha participado diretamente da renovação católica, foi considerado
precursor da mesma pela sua crítica filosófica ao pensamento dominante da época: questionava a herança filosófica positivista, manifestava uma posição crítica com relação à democracia liberal e ao socialismo. Sua contribuição filosófica tornou-se mais importante após sua morte, pois foi considerado pelos intelectuais do Centro Dom Vital, o precursor do espiritualismo, e por Plinio Salgado, o inspirador da concepção filosófica do integralismo (TRINDADE, 1979). 8Jackson de Figueiredo é considerado a figura central da renovação católica. Converteu-se ao
catolicismo em 1916. Em seus escritos dominava o catolicismo, a contrarrevolução, a ordem e o nacionalismo. Era defensor intransigente da ordem e da autoridade, nacionalista radical, combatia a ameaça da maçonaria, do judaísmo e do protestantismo (TRINDADE, 1979).
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O seu capítulo 1º trata da concepção do Universo e do Homem. E aí se encontra a influência de Farias Brito quando, no seu livro ‘ A Verdade como regra das ações’, mostra que não podem existir normas de moralidade, sem que preliminarmente adotemos uma noção precisa de origem e da finalidade do Ser Humano. (SALGADO, 1958, p. 23).
O objetivo de Plinio Salgado, segundo Calil, era conseguir a aprovação da
hierarquia católica ao integralismo, buscando apresentar-se como “herdeiro e
legítimo representante da ortodoxia católica” (CALIL, 2001, p. 42). O movimento
intelectual e o movimento da renovação cristã foram pontos de referência no
pensamento ideológico do futuro movimento integralista. Na composição dos
ideólogos integralistas, ocorreram diferentes posições em relação a algumas
questões, as quais serão relatadas adiante, porém pode-se afirmar que todos foram
influenciados pelos movimentos intelectuais da época.
Os momentos que antecederam a criação do movimento foram cercados por
questões de ordem política e econômica, que levaram ao desgaste político das
oligarquias mandatárias do poder até então, levando o país a vivenciar um golpe
político em 1930 e várias mudanças de ordem social, política, econômica,
desencadeadas a partir deste fato.
2.1.3 Os Antecedentes do Movimento Integralista
O Movimento Integralista surgiu em 1932, em um momento conturbado na
vida política nacional. Nesse momento, o país estava vivenciando a Revolução
Constitucionalista em São Paulo, como consequência do golpe político liderado por
Getúlio Vargas, em 1930. O mentor intelectual do Movimento Integralista foi Plínio
Salgado, político e escritor. Lançou vários livros onde indicava sua preocupação com
questões políticas e sociais do Brasil, além de publicar vários artigos em jornais da
capital paulista. Como político, participou da fundação do Partido Municipalista, na
sua cidade natal, e mais tarde, em São Paulo, fez parte do PRP (Partido
Republicano Paulista).
Entre abril e outubro de 1930, Salgado partiu em viagem para o Oriente e à
Europa, decepcionado com o PRP e com os rumos que tomava a política nacional.
Aproveitou para analisar os rumos das experiências políticas europeias. A carta de
Plínio Salgado, datada em 04 de julho de 1930, de Milão, Itália, endereçada a
Manoel Pinto, colega de estudos, amigo de adolescência e, posteriormente, parceiro
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de Salgado em suas incursões políticas, revela boa parte dos temas favoritos do
futuro líder integralista. Na referida carta, Salgado criticava o sufrágio e o regime
democrático brasileiro, chamando este de “comédia democrática”. Chasin (1999)
relaciona essa crítica ao período conturbado que o Brasil estava vivendo
politicamente na década de 1920, principalmente quando analisado o trecho da carta
onde Salgado critica o sistema político adotado no país, após a República.
O Império legou à República um país unido, homogêneo, vibrando pelo mesmo coração; a República com mais vinte ou trinta anos terá completado sua obra de dissociação. Dissociação que se marca pelo cunho estadual da política, por sua gestão econômico-financeira, consultar exclusivamente interesses de grupos, pela ausência de um aparelho de função técnico comercial que seria precioso para a expansão no Exterior, pela situação deprimente dos nossos parlamentares, lacaios do poder ou demagogos liberais-democráticos, pelo fetichismo das fórmulas constitucionais, burladas frequentemente, mas respeitadas como Budas, o que ocasiona a descrença do Povo” (SALGADO ,1936 pp.18-21).
Após fazer toda essa análise sobre os problemas políticos do Brasil, Salgado
concluiu na carta que havia dois perigos rondando o país, o separatismo e o
bolchevismo, intensificando a crítica com o argumento de que esses perigos “os
governos não veem, não creem: - o espírito de regionalismo que se acentua dia a
dia e que nos leva a caminho do separatismo, e a questão social, que nos arrastará,
de um momento para outro, ao bolchevismo”. (SALGADO, 1936 pp. 18-21). Diante
desse quadro, Salgado ressalta que voltará ao Brasil, decidido a liderar um
movimento nacionalista:
Volto para o Brasil disposto a organizar as forças intelectuais esparsas, coordená-las dando-lhes uma direção e iniciando um apostolado [...] temos que dar ao povo brasileiro um ideal, que o conduza a uma finalidade histórica. Essa finalidade, capaz de levantar o povo é o Nacionalismo... (SALGADO, 1936 pp. 18-21).
O relato de Plinio Salgado quando do encontro com Mussolini, revela seu
entusiasmo ao relatar a aprovação do líder italiano quanto ao seu objetivo de reunir
as forças intelectuais esparsas: “também como eu, ele pensa que, antes da
organização de um partido, é necessário um movimento de ideias” (SALGADO, 1936
p. 19). Salgado não esconde a admiração em relação ao regime fascista, porém
ressalta que não é esse o regime que o Brasil necessita:
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Tenho estudado o fascismo; não é exatamente esse regime que precisamos por aí, mas é coisa semelhante. O fascismo aqui, veio no momento preciso, deslocando o centro da gravo entusiasmoidade politica, que passou da metafisica jurídica às instituições das realidades imperativas [...]. O fascismo não é propriamente uma ditadura (como está sendo o governo da Rússia enquanto não chega à pratica pura do Estado marxista), e sim um regime. Penso que o Ministério das Corporações é a máquina mais preciosa. O trabalho é perfeitamente organizado. O capital é admiravelmente bem controlado [...] (SALGADO 1936 pp. 18-21)
Chasin (1999) faz uma crítica em relação aos pesquisadores que colocam
esse momento como o início da ideia de um regime fascista no futuro movimento
integralista. Para ele, em primeiro lugar, no ano em que a carta foi escrita, 1930, o
fascismo não tinha se mostrado por inteiro, estando ainda na expectativa. Salgado
era tão somente um escritor e deputado desiludido com o seu partido, o PRP, e suas
opiniões e comentários foram pessoais e não públicos, visto que está se tratando de
uma carta enviada a um amigo. Chasin (1999) acredita que algumas coisas, no
fascismo, chamaram a atenção de Salgado, como um regime conduzido por um
estado forte e intervencionista, além da ideia de um parlamento formado pela
representação de classes. “Esta cousa seria preciosa no Brasil, em termos de
adoção por dois motivos: teríamos a precisão técnica nas leis, e amorteceríamos o
espírito regional nos parlamentos estaduais” (SALGADO apud CHASIN, 1999, p.
91).
Com a eclosão da Revolução 1930, Salgado acaba retornando ao Brasil, mas
não considerou oportuno fundar o integralismo naquele momento e, dedicou-se ao
jornalismo político. Redigindo uma nota política diária, no jornal “A Razão”9, sua
intenção era ativar os meios políticos e intelectuais, dentro de uma linha ideológica
do nacionalismo radical (CHASIN, 1999). Em seus artigos, Salgado fazia críticas ao
que ele considerava os entraves para o desenvolvimento do país, assim como,
propunha soluções. Estas opiniões vão se transformar, em grande parte no ideário
integralista. Salgado criticava, em quase todos os seus artigos, a falta de unidade
nacional, “a ausência de um pensamento coletivo do interesse nacional”, afirmando
que seu nacionalismo se inspirava no nacionalismo integral:
9O Jornal “A Razão” foi fundado em meados de 1931, por Alfredo Egydio de Souza Aranha, advogado
e banqueiro de São Paulo, amigo e admirador de Plínio Salgado. A orientação política do jornal ficou a cargo de Plínio Salgado, publicando notas diárias, onde fixa as bases politicas de sua ação futura (TRINDADE, 1979)
41
Quando dizemos interesses, referimo-nos a consciência de necessidades, a aspirações individuais, condicionadas nas expressões: geográficas de “localidade” e histórica de “classes”. Aludimos aos justos anseios do indivíduo e da sua família, assim como das pessoas que exercitam a sua atividade no mesmo circulo territorial ou na mesma esfera de trabalho e produção. Pois todo o nosso empenho deve ser o de realizar o máximo de aspirações individuais num máximo de aspirações coletivas, e quando dizemos máximo queremos com isso significar a necessária subordinação dos grupos ao pensamento dominante de disciplina e coordenação do Estado, como instrumento jurídico da Nação. (SALGADO, 1956, p.14).
Mesmo após a sede do jornal “A Razão” ter sofrido um incêndio, em maio de
1932, praticado por adeptos da Revolução Paulista, o objetivo de Salgado foi
alcançado, pois publicou mais de 300 artigos, conseguindo fixar as bases
ideológicas do integralismo, assim como, mantendo contato político com diversos
intelectuais do país, através da autonomia perante os revolucionários no poder
(TRINDADE, 1979).
Em relação ao liberalismo, as críticas sempre foram severas, denunciando os
principais entraves desse sistema: a liberdade política, o sufrágio universal e o
sistema partidário.
Nós, integralistas, que pretendemos realizar a verdadeira democracia, que não é a liberal, mas a orgânica, em consonância com o ritmo dos movimentos nacionais, condenamos todas as formas de liberalismo, porque atentam contra a dignidade humana e conduzem as massas para a degradação, como conduzem o homem à animalização completa. Combatemos o voto desmoralizado e a liberdade sem lastro, pois queremos o voto verdadeiro e a liberdade garantida. (SALGADO, 1956, p.18).
Em relação à negação ao sufrágio, Salgado argumentava que: “O sufrágio
universal, isto é, o direito de todos votarem no mesmo candidato, ainda que este não
seja de sua classe, criou o absurdo de um Estado fora das competições econômicas
e morais.” (SALGADO, 1933, p. 15). Há a ilusão da escolha mediante a vontade
geral, pois: “O voto, na liberal-democracia, é a vala-comum de todas as vontades.
Essa grande expressão amorfa, sem caracteres, denomina-se a ‘vontade geral’, e
dela procede, nas democracias, a ilusória ‘soberania nacional’.” (SALGADO, 1956,
p.14)
A oposição ao Estado Liberal decorre, principalmente, da falta de autonomia
do Estado mediante ao capitalismo internacional. Segundo Salgado, a democracia-
liberal estava a favor somente de banqueiros e industriais, deixando a maioria da
população à mercê da própria sorte.
42
Se o homem está desempregado, que suba e desça as escadas mendigando colocação. Se está enfermo e pobre, que recorra à caridade pública. (..) Se é operário ou camponês, e as fabricas e as fazendas já não têm serviço, que trate de cavar por si mesmo a sua vida. Se existe superprodução de mercadorias e de braços, o mais que o governo pode fazer é oferecer-se para queimar as mercadorias, não tardando que se ofereça a aproveitar a carne dos trabalhadores sem empregos para fazer sabão. E se há conflitos de classes que o problema seja resolvido à pata de cavalo. Ou então, que as indústrias rebentem, não podendo satisfazer às exigências do proletariado. E se há gente dormindo pelos bancos das avenidas, tal cousa não passa de uma fatalidade cujos desígnios os governos não podem contrariar... E isso é a liberal-democracia. O regime onde ninguém está garantido: nem o capitalista, nem o operário; nem o industrial, nem o comerciante, nem o agricultor (SALGADO, 1956, p.17).
Dessa forma, a doutrina integralista defende a intervenção do Estado, que
estará ao lado de todos os brasileiros, suprindo os interesses dos diferentes grupos
sociais, sendo, cada grupo, representado por sua classe profissional. No “Manifesto
Doutrinário” de 1932, é proposta esta divisão, onde a sociedade, dividida em classes
profissionais elege os seus representantes para o legislativo municipal, estadual,
federal, originando desse sistema os representantes do Congresso Nacional, e
finalmente do Chefe da Nação:
[...] a Nação precisa de organizar-se em classes profissionais. Cada brasileiro se inscreverá na sua classe. Essas classes elegem, cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nos Congressos Provinciais e nos Congressos Gerais. Os eleitos para as Câmaras Municipais elegem o seu presidente e o prefeito. Os eleitos para os congressos Provinciais elegem o governador da Província. Os eleitos para os Congressos Nacionais elegem o Chefe da Nação, perante o qual respondem os ministros de sua livre escolha. (MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 2º cap., in SALGADO, 1932).
Em 1932, Salgado escreve no jornal “A Razão” o artigo: “A Federação e o
Sufrágio”, publicado em 03 de fevereiro de 1931, comentando que o mundo
moderno se encontra diante de duas interpretações, Marx e o materialismo histórico,
ou a extrema-direita, afirmando que o homem e a sociedade objetivam os ideais
superiores de natureza intelectual, moral e espiritual (TRINDADE, 1979). Salgado
defendia a renúncia pessoal, para acabar com a democracia mentirosa, e a adoção
de um governo que proporcionaria o bem-estar a toda população, optando por um
governo de extrema-direita.
43
A questão social deve ser resolvida pela cooperação de todos, conforme a justiça e o desejo que cada um nutre de progredir e melhorar. O direito de propriedade é fundamental para nós, considerado no seu caráter natural e pessoal. O capitalismo atenta hoje contra esse direito, baseado como se acha no individualismo desenfreado, assinalador da fisionomia do sistema econômico liberal-democrático. Temos de adotar novos processos reguladores da produção e do comércio, de modo que o governo possa evitar os desequilíbrios nocivos à estabilidade social. (...) Nós não ensinamos ao operário a doutrina da covardia, da desilusão, do ódio, da renúncia, como o comunismo, ou a anarquia; a doutrina da submissão, do ostracismo inevitável, da conformação com as imposições dos políticos, como a democracia liberal. Nós ensinamos a doutrina da coragem, da esperança, do amor à Pátria, à Sociedade, à Vida, no que esta tem de mais belo e de conquistável, da ambição justa de progredir, de possuir os bens, de elevar-se, de elevar a família. Não destruímos a pessoa, como o comunismo; nem a oprimimos, como a liberal-democracia; dignificamo-la. (Manifesto Doutrinário, 7º cap. in SALGADO, 1932 ).
As declarações de Salgado, em seu artigo “Regimes Políticos”, de 21 de
outubro de 1931, citado em Trindade (1979) levam à corrente fascista, porém, com
ressalvas. Ele reconhece que “o fascismo é o Estado-síntese por excelência, o
Estado que traz em si, todas as fisionomias nacionais”. Porém, comenta que: “o que
há de essencial na doutrina fascista é perfeitamente aceitável, como concepção de
Estado [...], entretanto, o que esse regime tem de formal não pode, de nenhum
modo, se aplicar ao caso brasileiro” (SALGADO apud TRINDADE, 1979, p. 95).
Observa-se que Plínio Salgado defendia algumas mudanças no sistema
político vigente no país. Combatia a democracia e o modelo liberal-democrático,
assim como o capitalismo internacional. Porém, defendia um modelo capitalista mais
“humanizado” com grande controle estatal. Para Salgado, o modelo de Estado
Integral seria regido e administrado por um grupo de pessoas capacitadas, que de
forma indireta, através das categorias profissionais, escolheriam seus
representantes, sendo visto, por Plínio Salgado como uma forma de democracia. Os
indicados para governar a nação trabalhariam em prol do coletivo, o povo abriria
mão de algumas liberdades, em troca de um governo que promovesse a melhoria
das condições de vida de toda a população.
Além de Plínio Salgado, outros ideólogos contribuíram para a formação
ideológica da Ação Integralista Nacional. Como já citado anteriormente, havia
algumas divergências no pensamento político e econômico dos fundadores do
movimento, porém, todos compartilhavam da formação de um Estado Integral.
44
2.1.4 Os Ideólogos do Integralismo
Além de Plínio Salgado, responsável pela criação do movimento, faziam parte
da organização: Gustavo Barroso (1888-1957), que ocupou a Chefia do
Departamento de Milícia da AIB e Miguel Reale (1910-2006), que assumiu Chefia do
Departamento de Doutrina (CALIL, 2001).
Miguel Reale é citado por Freitas (1998), como o mais célebre jurista
integralista. Sua concepção de Estado é inspirada na visão de Mussolini, na Itália
fascista. Para Reale, citando Mussolini: “O Estado não é só presente, mas também
passado e, sobretudo, futuro. É o Estado que, transcendendo o limite breve das
vidas individuais, representa a consciência imanente da Nação...” (REALE apud
TRINDADE, 1979, p. 246). Em relação à composição para a formação do Estado,
defende um sistema democrático representativo, onde uma pluralidade de vontades
se articulam entre si, criando uma situação de “direito chamada Estado”
(TRINDADE, 1979, p. 246).
Foi defensor do Estado corporativo, onde o mesmo era baseado em
sindicatos. Defendia que, em cada cidade, a sociedade deveria se organizar em
sindicatos de acordo com sua profissão, como por exemplo: padeiros, engenheiros,
autorizados pelo governo integralista. Os sindicatos escolheriam seus
representantes que fariam parte do Conselho Municipal e este conselho organizaria
uma eleição indireta para o chefe de governo municipal (FREITAS, 1998). Esta
defesa da criação de sindicatos também estava presente na fala de Salgado. Porém,
ele dava maior ênfase na construção de um Estado que tivesse por modelo a
família, oferecendo a imagem de um grande chefe como um grande pai. “Mesmo
baseando-se na estrutura familiar os trabalhadores deveriam se organizar em
corporações profissionais. Esse Estado familiar-corporativo seria capaz de prevenir o
país em relação aos males vindos do estrangeiro” (FREITAS, 1998, p.48).
Em relação ao fascismo, Reale enaltecia o papel de Mussolini e o legado do
fascismo para o mundo. Referindo-se aos problemas ocorridos em decorrência da
Primeira Guerra Mundial, defende que para que este tipo de fato jamais aconteça
novamente é necessário: “um governo forte, um profundo senso de hierarquia e
disciplina, porque o equilíbrio não pode restabelecer-se espontaneamente sem
unidade de coordenação e direção. O novo modelo político a ser adotado é o do
Estado Integral” (TRINDADE, 1979, p. 249).
45
Em seu artigo, publicado em 1936, na revista “Panorama”, intitulado “Nós e os
Fascistas”, Miguel Reale, ao comentar a implementação das ideias fascistas no
Brasil, ressalta a relevância do corporativismo, enfatizando que o fascismo possui
valores universais que podem ser aplicados a todos os povos.
A experiência italiana demonstra que a revolução deve ser feita no sentido de dar uma base corporativa, e não mais partidária, à nova Democracia, tanto no setor dom ordenamento jurídico, da representação política, quanto no domínio das realizações econômicas. O Corporativismo, eis o objetivo final de ordem política. E Corporativismo implica autoridade do Estado, anti-individualismo, ordem, hierarquia, como condições de liberdades concretas. O Fascismo, destarte,
foi uma grande escola de dinamismo, de “vitalidade”. (REALE, 1936 p. 7).
Neste mesmo artigo, Reale define as relações entre o integralismo brasileiro e
o fascismo europeu: “Nada de extraordinário, por conseguinte, que sejamos
brasileiros, nacionalisticamente brasileiros e, ao mesmo, tempo, apresentemos
valores que se encontram também em movimentos fascistas europeus, como o de
Mussolini, de Hitler e de Salazar” (REALE, 1936 p.12). Porém, Miguel Reale
esclarece que não se trata de uma cópia ao modelo europeu, mas sim, a adoção de
algumas medidas já consideradas positivas em outros países.
Conciliar não, fundir as correntes contrárias que nos solicitam: a que vem de fora e a que vem da terra. A que importamos como alimento de cultura; e a que vivemos aqui como elemento de cultura. Alimento e elemento – não são apenas um mau trocadilho. São duas formas primárias de nosso espírito. Não podemos vivem sem os elementos locais primitivos, de uma mentalidade. Não podemos muito menos crescer sem alimentar esses elementos primários com a contribuição de cultura superior que o nosso espírito pede. Nós alimentamos os elementos político-sociais brasileiros com a lição da experiência alheia. Desde o início da propaganda, afirmamos o nosso propósito de tirar das experiências estrangeiras todo o sumo necessário ao desenvolvimento de nossa Pátria. (REALE, 1936 p. 4)
Já Plínio Salgado, ressalta Trindade, defende a construção de uma doutrina
política original, não mencionando referências fascistas na ideologia integralista.
Mesmo que sua admiração pelo fascismo seja conhecida, a mesma se fazia através
de correspondências e conversas informais, não nos discursos ou nos manifestos
integralistas (TRINDADE, 1979).
Outro ideólogo integralista, Gustavo Barroso, acima citado como um dos
líderes do movimento integralista foi ainda mais explícito quanto à sua admiração ao
46
fascismo. Em seu livro: “O Integralismo e o Mundo”, lançado em 1936, citado em
Trindade (1979), Gustavo Barroso exaltava a expansão do fascismo em 38 países.
Em relação aos traços comuns dos fascismos em expansão, relata estar convencido
que, no Brasil: “O Integralismo brasileiro é o que contém, de todos os movimentos
de caráter fascista, maior dose de espiritualidade e um corpo de doutrina mais
perfeito, indo desde a concepção do mundo e do homem à formação dos grupos
naturais e a solução dos grandes problemas materiais” (BARROSO apud
TRINDADE, 1979, p. 253).
Gustavo Barroso também assumia sua posição de aversão ao judaísmo.
Apontava o mesmo como responsável pelos problemas nacionais e internacionais.
Enfatizava que a questão não era racista, defendendo que seu antissemitismo era
político:
Entre nós o antissemitismo não pode provir de um sentimento racista, porque o brasileiro é eminentemente contrário a qualquer racismo [...]. O velho antissemita francês Drummond, autor de a França judaica, declarava: Os judeus entram pobres num país rico, e saem ricos dum país empobrecido... Por essas razões somos antijudaicos. Não o somos no sentido de perseguir judeus, mas no de esclarecer o povo brasileiro contra o perigo... (BARROSO apud TRINDADE, ano, p.244).
Assim como Plínio Salgado, Gustavo Barroso também defendia a
organização política dividida em classes profissionais, como defensoras dos
interesses dos diversos grupos existentes no país, e não apenas de um grupo
privilegiado.
O que se deve combater não é a denominada classe burguesa, porém a casta que quer sozinha governar o país. O Integralismo é contra a luta de classes e, portanto, contra o domínio duma casta. O governo deve ser exercido por uma elite recrutada em todas as classes e formada pelo estudo, pela luta, pelo trabalho e pelo sacrifício. NUNCA PELO DINHEIRO! A supremacia do dinheiro é ilegítima. A supremacia dos valores intelectuais e morais é legítima. O Integralismo quer e organizará um governo legítimo. (BARROSO, 1935, p. 137)
O teórico integralista Butler Maciel10 defende a tese de que se pode ser
nacionalista sem ser antissemita, citando o caso da Itália fascista, que mesmo
10
Anor Butler Maciel, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1930. Foi Procurador-Geral durante o período de 05 de agosto de 1939 a 27 de maio de 1941. Foi um dos fundadores do Movimento Integralista no Rio Grande do Sul, em 1934. http://www.mprs.mp.br/memorial/exprocurador?id=21 04/02/2015.
47
nacionalista ao extremo, não se tornou antissemita como a Alemanha. Dessa forma,
apoia a defesa do caldeamento étnico, já presente no romance de Salgado, “O
Estrangeiro”, de 1926, onde o autor defende que a etnia do povo brasileiro é o
cruzamento entre o português, o índio e o negro. Porém, condena “a formação de
guetos estrangeiros que recusam ser assimilados pela nação e cita como exemplo o
problema dos imigrantes alemães que, em função da nacional-socialista, poderiam
beneficiar-se de uma dupla nacionalidade” (TRINDADE, 1979, p. 216).
Essa colocação de Butler Maciel a respeito dos imigrantes alemães, e a
adesão ao movimento integralista são exploradas em vários estudos, que
demostram o fato de muitos militantes de origem alemã e italiana aderirem ao
movimento por se identificarem com os ideais fascistas de sua pátria de origem.
Outros estudos mostram um número significativo de descendentes que se opunham
às ideias nazifascistas e aderiram ao movimento integralista. Esse assunto será
explorado no capítulo específico sobre o Integralismo em Santa Catarina.
Edgar Carone em sua obra: “A República Nova”, descreve as diferenças entre
os ideólogos do integralismo, afirmando que: “existe o pensamento particularista de
cada um dos seus teóricos principais [...], Plínio Salgado com seu pseudo-
nacionalismo, Miguel Reale com a corrente antiliberal; Gustavo Barroso, com o
antijudaísmo [...]” (CARONE, 1976 p. 226). Porém, mesmo com pontos de vista
diferentes em alguns aspectos, todos os líderes do movimento eram contrários a
qualquer influência estrangeira na condução da política nacional. O discurso
nacionalista estava presente na fala de todos os doutrinadores, defendendo uma
“autêntica raça brasileira” (FREITAS, 1998).
A autêntica raça brasileira, segundo explica Salgado no “Manifesto da Legião
Revolucionária de São Paulo”, publicado em 1931, tem sua origem no índio
brasileiro. O índio, segundo Salgado, “influiu de certa forma na fixação do ariano e
marcou a denominação geográfica do continente como um sinal indelével de
presença. É o que poderemos chamar ‘o meio étnico’. A força da terra”. Nesse meio
étnico, Salgado argumenta que vivem todas as demais raças em igualdade de
posições, “como afirmação de uma larga política acolhedora do estrangeiro que aqui
se aclima”, processando assim, “a grande fusão, como até hoje tem sido feita”
(SALGADO, 1932, pp. 517-525). Diante dessa afirmação de Salgado, é possível
analisar a aceitação do estrangeiro, do mestiço, do imigrante, no discurso
48
integralista, desde que os mesmos se integrem à cultura nacional, formando um
único povo.
Os dirigentes integralistas estavam dispostos a realizar uma revolução
integral, controlada pelo Estado, tornando a “lógica integralista”, a lógica integral de
todos os brasileiros. “Todos? Sim todos, pois todo aquele que rejeitasse os
princípios da AIB era considerado inimigo, não do Integralismo, mas da nação”
(FREITAS, 1998, p. 45).
As bases ideológicas para a fundação do movimento integralista aqui se
apresentam com um forte caráter de união e unidade nacional. A defesa de um
Estado forte, que congrega todos os brasileiros, e é governado para o bem da
nação, em prol da unidade nacional. Essa é a tônica do futuro Estado Integralista,
idealizado por alguns teóricos e seguido por milhares de pessoas em todo o país.
2.2 A FUNDAÇÃO DA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA
O ano de 1932 ficou conhecido pelo levante paulista, denominado “Revolução
Constitucionalista de 1932”, ou “Revolução Paulista”. Os paulistas estavam
insatisfeitos com o governo federal, principalmente pela forma inconstitucional de
indicar interventores para o governo paulista. A bandeira para iniciar o movimento
era exigir a volta da democracia, a eleição para governador do estado e,
principalmente, substituir o Governo Discricionário por um governo legal (CHASIN,
1999).
Salgado e o grupo do jornal “A Razão” acharam interessante a ideia do
movimento. Porém, era preciso cautela, pois o Golpe de 1930 tinha conseguido
romper, de alguma forma, problemas políticos anteriores, “destruindo o sistema
político da Velha República” (TRINDADE, 1979, p. 81). Através de suas notas
diárias, o jornal passou a apoiar e colaborar, por um tempo, com o Governo
Provisório. Porém, Plínio Salgado percebeu que era preciso lutar por uma nova
revolução. Para ele, havia uma revolução subjacente dentro da “revolução oficial”.
Plínio Salgado insistia em utilizar o termo revolução, referindo-se a ela como:
[...] uma força nacional que deflagra e arrasta em impulsões imprevisíveis as energias sociais, até que uma mentalidade forte, dispondo de elementos materiais suficientes, possa impor uma coordenação, uma disciplina segundo os impositivos de uma consciência nova que se criou.
49
Suscitar o advento dessa consciência, eis a obra presente da Revolução (SALGADO apud TRINDADE, 1979, p. 88).
Vários grupos políticos antigos, partidários da Aliança Liberal, que apoiaram
Getúlio Vargas, estavam retornando à Arena Política. Desta forma, Plinio Salgado
visualizou o perigo de um retrocesso na política, com a volta das antigas elites
políticas, que foram afastadas no momento do Governo Provisório, após o Golpe de
1930. Plínio Salgado esperava que os partidos políticos tradicionais se agilizassem
para formar as bases da futura organização partidária, o que não ocorreu. Diante da
indiferença dos partidos políticos tradicionais, Plínio Salgado liderou uma campanha
contra a realização da Assembleia Constituinte, defendendo que aquele momento
não havia correntes políticas definidas.
Através das notas do jornal “A Razão”, chamadas “Diretrizes à Ditadura”, em
1931, citado em Trindade (1979), Plínio Salgado reforça seu apoio ao Governo
Provisório e defende a ditadura como forma de obter a verdadeira transformação do
Estado. Nas referidas notas, ainda defendia que a melhor maneira para transformar
o Estado era cercar-se de estudiosos dos problemas brasileiros, desta forma, os
rumos da revolução estariam bem trilhados. A intenção de Plínio Salgado, ao apoiar
o Governo Provisório, era fazer com que as antigas elites políticas não voltassem ao
poder e, também, ganhar a simpatia do Governo Provisório. Como o mesmo se
mantinha indiferente quanto aos seus “agrados”, Plinio Salgado parou de apoiar o
governo no jornal, organizando um movimento político independente:
Voltar, porém, e simplesmente, às normas da Constituição de 91 era renunciar à oportunidade que a Revolução de 30 oferecera para o início de uma vida nova, mais condizente com as realidades nacionais e as aspirações humanas manifestadas em todos os países. Assim pensava o grupo de “A Razão”; mas observando que, do lado dos revolucionários de 1930 (então divididos em numerosas facções, algumas sob influência marxista) nada havia a esperar, esse grupo resolver fundar uma associação de cultura, que servisse de ponto inicial a um movimento de opinião brasileira. (SALGADO, 1958, p. 16).
Dessa forma, valendo-se do momento oportuno, em fevereiro de 1932, no
salão do jornal “A Razão”, foi fundada a Sociedade de Estudos Políticos (SEP),
considerada a antecâmara do integralismo. No discurso de 12 de março de 1932,
Plínio Salgado define o papel da associação:
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Senhores, por toda a parte ouço a palavra revolução; de todos os lados nos chegam os ecos de ingentes reclamos que, em meio a confusão dominante no país desde outubro de 1930, apelam para o ‘ espírito revolucionário’. Na verdade tudo indica que o Brasil quer renovar-se, quer tomar posse de si mesmo, quer marchar resolutamente na História. Clama-se pela justiça social e por mais humana distribuição dos bens; exige-se do Estado que intervenha, com poderes mais amplos, tendentes a moderar os excessos do individualismo e a atender os interesses da coletividade. Neste momento, congrego-vos para estudarmos os problemas nacionais e traçarmos em consequência destes estudos, os rumos definitivos de uma política salvadora” (SALGADO, 1958, p.144).
Plínio Salgado utilizou a SEP para expandir a ideologia integralista, através de
ações práticas que conseguissem infiltrar em todas as camadas sociais, lançando
um movimento popular de difusão de novas ideias. “Criou-se uma nova seção, além
das várias comissões técnicas, denominada ‘Ação Integralista Brasileira’. Incumbia
aos encarregados dessa seção, levar ao povo, em linguagem simples, os resultados
dos estudos e os fundamentos doutrinários da Sociedade de Estudos Políticos.”
(SALGADO, 1958, p. 17).
Em 07 de outubro de 1932, foi lançado o “Manifesto de Outubro”, também
conhecido como “Manifesto Doutrinário”; este momento é considerado o lançamento
da Ação Integralista Brasileira, que durou cinco anos, sendo extinta, como partido
político por Getúlio Vargas, em dezembro de 1937, após o golpe do Estado Novo.
Este documento é considerado pelos integralistas como o documento-fonte do
movimento. O Manifesto é divido em dez tópicos ou capítulos, onde Plínio Salgado
pretendia fixar o perfil geral de uma doutrina. Os fundamentos gerais tinham como
base a concepção da individualidade humana, sob o título: “Concepção do Universo
e do Homem”, sintetizados na primeira frase: “Deus dirige os destinos dos Povos”
(MANIFESTO DOUTRINÁRIO,1932, 1º cap. in SALGADO, 1932). Fica claro nesse
capítulo, a visão ética e espiritualista do ser humano, influência do movimento
espiritualista em Salgado.
A concepção tradicional da doutrina social católica aparece em momentos
como: “o homem deve aplicar sobre a terra as virtudes que o elevam e o
aperfeiçoam” ou em outro momento, quando comenta o valor do trabalho e da
família: “o valor do homem deve ser avaliado por seu trabalho e sacrifício em favor
da Família, da Pátria e a Sociedade” (MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 1932, 1º, 8º
cap. in SALGADO, 1932). No discurso pliniano, a família é concebida como a
instituição primeira da sociedade, podendo ser analisada no discurso do Manifesto
de 1932 , a utilização da relação do Estado como uma grande família:
51
O Homem e sua família precederam o Estado. O Estado deve ser forte para manter o Homem íntegro e a sua família. Pois a família é que cria as virtudes que consolidam o Estado. O Estado mesmo é uma grande família, um conjunto de famílias. Com esse caráter é que ele tem autoridade para traçar rumos à Nação. Baseado no direito da família é que o Estado tem o dever de realizar a justiça social, representando as classes produtoras. (MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 1932, 8º cap. in SALGADO, 1932 ).
A ideia de obediência à hierarquia na organização da sociedade aparece na
afirmação das diferenças naturais entre os homens, ressaltando que na sociedade
integralista, harmonia e hierarquia são indissociáveis: “a igualdade dos homens deve
ser procurada, não mediante a tábua rasa do coletivismo, porém pela hierarquia das
virtudes.” (SALGADO, 1958 p. 23).
Este modelo de Estado familiar-corporativo, defendido por Plínio Salgado no
Manifesto de 1932, tem como objetivo principal criar a “Suprema Autoridade da
Nação”. Diante das atribuições e obrigações do Estado Integralista, o Manifesto
Doutrinário justifica o Princípio da Autoridade:
[...] precisamos da Autoridade capaz de tomar iniciativas em benefício de todos e de cada um: capaz de evitar que os ricos, os poderosos, os estrangeiros, os grupos políticos exerçam influencia nas decisões do governo, prejudicando os interesses fundamentais da Nação (MANIFESTO DOUTRINÁRIO,1932, 3º cap. in SALGADO, 1932).
Nesta afirmação, Salgado (1958) afirma a presença de Jackson de
Figueiredo, nas suas campanhas pela restauração do princípio de autoridade, sem a
qual, segundo ele “a liberdade dos maus, dos traficantes e dos imorais tripudiará
sobre os direitos dos bons, dos honestos e virtuosos.” (SALGADO, 1958 p. 25)
Sobre a análise da realidade, Salgado critica a falta de nacionalismo dos
brasileiros, e atribui aos fatores de ordem econômico-cultural à influência
estrangeira, principalmente dos Estados Unidos e Europa. “Nós somos contra a
influência perniciosa dessa pseudo-civilização, que nos quer estandardizar”
(MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 1932, 4º cap. in SALGADO, 1932). A crítica que
Salgado faz sobre os hábitos estrangeiros na sociedade brasileira, presentes no
Manifesto, demostra a influência que o movimento modernista causou na construção
de seu ideário, ressaltando a valorização da cultura nacional e criticando as
influências e hábitos cosmopolitas.
Os nossos lares estão impregnados de estrangeirismos: as suas palestras, o seu modo de encarar a vida, não são mais brasileiros. Os brasileiros das
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cidades não conhecem os pensadores, os escritores, os poetas nacionais. Eles se envergonham do caboclo e do negro da nossa terra. Eles adquiriram hábitos cosmopolitas [...]. Vieram a engendrar tudo o que é de fora, desprezando todas as iniciativas nacionais [...], céticos, desiludidos, esgotados de prazeres, tudo o que falam esses poderosos ou esses grandes e pequenos burgueses destila um veneno que corrói a alma da mocidade. Eles criaram preconceitos ridículos, originários de países capitalistas, que nos querem dominar, desprezaram todas as tradições. E procuram implantar a imoralidade de costumes [...] (MANIFESTO DOUTRINÁRIO 4º cap. in SALGADO, 1932 )
Plínio Salgado ressalta que, no 4º capítulo, a influência vem de Alberto
Torres, no seu livro: “O problema nacional brasileiro”, onde o mesmo: “combate o
cosmopolitismo, a nefasta influência estrangeira, assim como os absurdos
preconceitos de raça, que levaram muitos patrícios nossos a amesquinhar os
elementos formadores da Nacionalidade e aqueles que vieram, posteriormente,
integrar-se na comunhão da nossa Pátria.” (SALGADO, 1958 p. 25). Em resumo, o
Manifesto Integralista, também chamado de Manifesto Doutrinário, é definido por
Salgado como um manifesto com objetivo político:
[...] pelo Brasil Unido, pela Família, pela Prosperidade, pela organização e representação legítima e única das classes; pela extinção dos partidos; pela moral religiosa; pela participação direta de intelectuais no governo da Republica; pela abolição dos Estados dentro do Estado [...] contra a influência dos países capitalistas e sem tréguas contra o comunismo russo (MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 1932, 5º cap. in SALGADO, 1932).
O objetivo de um governo centralizado, extinguindo com a autonomia dos
estados, fato corrente nos governos regionais, movia-se de encontro com a politica
centralizadora e autoritária, que já estava em curso no Governo Provisório. Esta
crítica contra a autonomia dos governos estaduais rendeu muitos conflitos entre os
partidos políticos tradicionais e a nascente Aliança Liberal Conservadora (CALIL,
2001)
No ano seguinte ao lançamento do Manifesto Integralista, Miguel Reale
lançou o “Abecedário Integralista” em 1933, com o objetivo de especificar os ideais
do movimento, assim como, expor suas ideias. Reale, de origem marxista, defendia
um Estado sindical-corporativo, onde a base da construção estatal é a organização
sindical (TRINDADE, 1979). Para justificar sua opção pelo fascismo, Reale faz uma
análise histórica sobre o mundo após a Grande Guerra, onde a lição tirada desse
conflito “é a necessidade de uma restauração da autoridade do Estado” (TRINDADE,
1979 p. 223). Para ele, no pós-guerra é que nasce o Estado Moderno sob a forma
53
de fascismo ou de bolchevismo: “O primeiro marca a reação do Estado contra as
organizações que o queriam absorver; o segundo, a absorção da máquina do
Estado por uma das organizações: a do proletariado” (REALE, 1937, pp. 52-53).
O Estado soviético, após a Revolução Socialista de 1917, revelou ao mundo o
poder de mobilização da classe trabalhadora. Este temor da proletarização da classe
média aumentou após a crise internacional de 1929. Décio Saes, em sua obra:
“Classe média e política”, publicada em 1991, demonstra como o temor da
proletarização revelou-se como elemento mobilizador do integralismo:
Essa oscilação de setores liberais ou ‘populistas’ da classe média para posições antiproletárias e repressivas explica, de resto, a rápida conquista de uma base de ‘massa’ (aproximadamente, 500 mil membros), pela Ação Integralista Brasileira. E a construção da ANL, em 1935, apenas amplia a tendência anticomunista no seio da classe média, gerando um clima de confronto aberto entre duas posições (SAES, Décio in FAUSTO,1991).
Em relação às tendências fascistas, Miguel Reale (1934) apresentou duas: a
fascista radical, defensora do Estado totalitário e, a fascista moderada, que defende
um Estado Integral, na qual o mesmo se filiou. No Estado totalitário o indivíduo se
torna instrumento do Estado, é submetido à violência estatal, quando o mesmo se
rebela contra o Estado. Na tendência integral, ocorre uma maior autonomia do
indivíduo, pois se o indivíduo se subordina ao Estado “é porque entre o Estado e o
indivíduo se verifica uma cessão recíproca de faculdades para a realização dos fins
éticos comuns” (REALE 1934, p. 184). O integralismo visto dessa forma seria uma
modalidade de fascismo, porém sem aderir à violência totalitária. A maneira de
entender a influência do fascismo no movimento integralista, talvez esteja nessa
colocação de Reale: “o todo não deve absorver as “partes” (totalitarismo), mas
integrar os valores comuns, respeitando os valores específicos e exclusivos
(integralismo)” (REALE , 1934, p. 186).
A especificidade desse modelo de Estado Integral, proposto por Reale, seria o
Estado se submeter ao imperativo moral, baseado na ética e não na justiça. A
maneira de compor o governo seria através de uma forma de democracia, diferente
da conhecida pelo modelo liberal. Para ele, na democracia do Estado Integral, não
teria sufrágio universal, nem partidos políticos. As elites culturais dirigiriam o país,
criando condições para as capacidades individuais, ampliando, cada vez mais, o
54
círculo da classe dirigente. Haveria uma divisão institucional entre elite e massa,
uma vez que:
[...] o critério numérico deve ir cedendo lugar ao critério de competência. O Estado é uma pirâmide do ponto de vista do exercício da autoridade; democrático na base, nele deve ir diminuindo a participação direta do povo, à medida que se elevem os problemas a planos mais altos e mais complexos (REALE, 1934, p.60)
Dentro desse sistema democrático integralista, os órgãos representativos
seriam o do Presidente da União, a Câmara Corporativa Nacional e o Conselho
Nacional, ou o Senado. As escolhas se dariam via sufrágio restrito e hierárquico,
menos no nível municipal, para a escolha dos membros do Conselho Municipal, que
seria efetuado pelos membros do sindicato. Este Conselho, composto pelos
membros dos sindicatos escolheriam o Prefeito do Município (TRINDADE, 1979).
Para a escolha do governador da província, os representantes sindicais de
uma mesma profissão elegeriam os representantes provinciais. Estes, por sua vez,
formariam o Conselho Provincial, que elegeria o Governador. A reunião das
federações sindicais, reunidas de acordo com a profissão, seriam, dentro da
proposta de Reale, as estruturas mais importantes do Estado Corporativo Integral,
elegendo seus representantes na Câmara Corporativa Federal. Dentro da proposta
do Estado Integral, estava prevista também a formação de um Conselho Nacional ou
Senado, composto por representantes das corporações não econômicas (sociais e
culturais), com o propósito de controlar o estado de qualquer problema relevante,
para que a Câmara Corporativa Nacional defenda os interesses da Nação
(REALE, 1937).
Observa-se que as propostas de Plínio Salgado e Miguel Reale têm
semelhanças, no que se refere ao sistema eleitoral, formado por grupos de pessoas
que elegeriam representantes e esses, sucessivamente, de acordo com a sua classe
ou grupo sindical, chegariam a eleger o legislativo e o executivo federal. Para
ambos, esse sistema não caracteriza um sistema totalitário, pois há um sistema
democrático indireto, representativo, com objetivo de formar o Estado Integral.
A ideologia lançada no “Manifesto Integralista” de 1932, e o “Abecedário
Integralista” de 1933, levaram milhares de militantes de várias regiões do país a
pregar a doutrina arrebanhando muitos adeptos, que vieram a acreditar nesta
ideologia como uma saída para os problemas sociais e políticos do país.
55
Em 1936, a Ação Integralista Brasileira resolveu concorrer nas eleições
presidenciais de 1937. Era necessário, contudo, adaptar o ideário integralista do
Manifesto de 1932, para algo mais concreto, com propostas e programa de governo.
A Nação, entretanto, que já conhecia nossa doutrina, precisava conhecer o nosso programa de governo. Era forçoso consubstanciar em normas práticas de administração e de política os princípios doutrinários do Manifesto de Outubro. Sem esse instrumento, como compareceríamos aos comícios? (SALGADO, 1958, pp.75, 76).
Diante da situação, é lançado, em 1936 o Manifesto-Programa, contendo
basicamente os itens principais dos dois manifestos passados (Manifesto Doutrinário
de 1932 e Abecedário de 1933): a valorização do homem, da espiritualidade, críticas
ao liberalismo, ao comunismo e a afirmação da organização corporativa. A mudança
ocorre em relação ao programa governamental, onde o movimento passa a um
discurso baseado no direito, na disputa de poder pelas vias legais.
O Manifesto-Programa de 1936 tornou-se, com o tempo, mais do que uma plataforma de candidato, porque passou a constituir um documento-fonte, do qual derivaram, no transcurso de 1937 a 1946 e, posteriormente, até nossos dias, todas as reformas que assinalam as transformações políticas, administrativas e sociais brasileiras, quer durante a Ditadura, quer ma vigência do Regime Constitucional. (SALGADO, 1958, p. 74).
O manifesto-programa de 1936, no seu artigo 14, do capítulo II, propunha
soluções para problemas econômicos do país. Dentre as propostas, constava: “a
direta interferência das Corporações produtivas, através de seus valores técnicos; os
valores da Nação, colocado cada produto no quadro geral da economia do país, e os
interesses inerentes ao próprio produtor.” (SALGADO, 1958, p. 77). Na economia
interna, o Manifesto Programa, no artigo 6º, do cap. II, revela o projeto
nacionalizante da AIB: “Nacionalizar as minas e quedas d’agua, elaborando-se um
plano de aproveitamento da energia hidroelétrica e das riquezas do subsolo, a
indústria siderúrgica e a da extração do petróleo e da hulha e outros combustíveis.”
(SALGADO, 1958, p. 76).
Esta afirmação, em relação à economia, encontra-se em Sentinelo (2010),
onde afirma que a intenção do integralismo, para formar o Estado Integral era
nacionalizar bancos, minas, a energia elétrica e o petróleo, assim como, controlar as
redes de transportes e comunicações. O artigo cita também a afirmação de Levine,
em sua obra: “O Regime de Vargas: Os anos críticos, 1930-1938”, publicado em
56
1993, onde ressalta que ainda seria necessário ao movimento: “a revisão de todos
os contratos assinados com estrangeiros; a renegociação da dívida externa; a
reforma do sistema diplomático; uma legislação mais rigorosa para a imigração [...]”
(LEVINE apud SENTINELO, 2010 p.147).
É importante ressaltar que as propostas integralistas, em relação ao
capitalismo, referem-se às críticas em relação ao sistema liberal, presente no
mesmo, ao qual eles chamam de “capitalismo desenfreado”. Porém, em nenhum
momento, é proposta uma nova forma de modo de produção econômica, como o
socialismo, por exemplo. O integralismo não coloca em questão a iniciativa
individual, assim como defende a propriedade privada dos meios de produção e o
princípio do lucro. “O Integralismo pretende, portanto, transformar o capitalismo
liberal clássico num capitalismo nacional e social controlado pelo Estado Integral”
(TRINDADE, 1979, p. 235).
Estas questões, em relação ao programa de governo da AIB tornam-se uma
fonte de análise interessante para entender como o partido obteve tantos candidatos
eleitos ao legislativo e em alguns cargos do executivo. Através de observações
sobre as questões sociais, políticas e culturais das regiões envolvidas é possível
compreender de que forma as propostas de governo, ou o ideário integralista
influíram na decisão eleitoral. Nas eleições de 1936, a AIB elegeu 08 prefeitos e 72
vereadores em Santa Catarina, tornando-se a segunda maior força política do
estado. Em nível nacional, elegeram 351 vereadores e 22 prefeitos, significando
30% dos prefeitos e 20% dos vereadores de todo o país (SCHMOCKEL apud
ZANELATTO, 2012, p. 94).
O contexto de instabilidade política ocorrido após o Golpe de 1930 propiciou
uma abertura às ideias do movimento integralista. A democracia se mostrara frágil e
ineficiente, visto que não estava sendo respeitada, mediante a ação de um golpe de
estado. O governo em curso, representado pelo Governo Provisório, dissolveu o
Congresso Nacional, tendo Vargas assumido os poderes executivo, legislativo, os
estaduais e municipais, além de centralizar a economia nacional. A situação
financeira, em 1931, consequência da crise mundial, que iniciou em 1929, estava
insustentável (FAUSTO, 2006). Dentre as principais medidas desse momento, dizem
respeito às leis trabalhistas, atingindo uma grande massa de trabalhadores urbanos,
que se sentiram abraçados pelo presidente. “As associações de industriais e
comerciantes acabaram por aceitar a legislação trabalhista, embora a princípio
57
combatessem as medidas governamentais, especialmente aquelas que concediam
direitos aos trabalhadores” (FAUSTO, 2006, p.188). Para Plínio Salgado, o
descrédito em relação aos partidos políticos levou a população brasileira à apatia
política. O Integralismo surgiu como uma espécie de “luz no fim túnel”, dando
esperança de uma renovação política e social.
A ‘Ação Integralista Brasileira’ encontrou o povo brasileiro em completa disponibilidade doutrinária e sentimental. Descrente dos partidos, desde o Império, acabou descrendo do regime monárquico; desiludido com a Republica acabou desinteressando-se pelas novas formas de governo, acabou – ao cabo de 43 anos de comédia política – numa apatia dolorosa, num quotidianismo rasteiro de interesses vulgares, que o melancolizava intimamente, fazendo-o sonhar, em devaneios inconfessáveis, o advento de alguma coisa indefinida que talvez se definisse e o salvasse. (SALGADO, 1958, p. 117).
Dentre as classes que mais estavam sentindo as mudanças políticas e
econômicas despontaram as classes médias, e estas foram a base do movimento
integralista. As análises, quanto ao perfil dos integrantes, levam-nos a algumas
considerações relacionadas ao contexto nacional e adesão ao movimento.
2.2.1 O Perfil Social dos Militantes Integralistas
Para esta análise, nos baseamos em estudos realizados por Hégio Trindade,
presentes em sua obra de 1970. De acordo com os dados referentes à pesquisa
realizada pelo autor, a origem social dos integrantes revela que, nos cargos de
direção nacional e regional, a quase totalidade pertencia à média burguesia
intelectual, sendo a maioria de profissionais liberais. Também foi constatado um
grupo de jovens oficiais das forças armadas, provavelmente influenciados pelo
movimento tenentista, e também, ressalta Trindade, pela polarização dos
movimentos entre direita e esquerda, sendo o integralismo o representante das
ideologias de direita. (TRINDADE, 1979). Nos outros quadros de dirigentes,
preponderou a classe média da pequena burguesia, composta por comerciantes,
industriais e proprietários rurais.
Para compreender os resultados de sua pesquisa em relação à estrutura
sócio profissional dos militantes, Trindade (1979) especificou os grupos. A burguesia
era composta por grandes comerciantes, industriais e proprietários rurais. A média
burguesia intelectual era composta por profissionais liberais, escritores, professores,
58
universitários, altos funcionários, jornalistas e estudantes. Na média burguesia
militar, estavam incluídos os oficiais superiores do exército e da marinha. A pequena
burguesia de pequenos proprietários era formada por empregados do setor público
ou privado. Entre os militantes e dirigentes locais, a base social estava dividida em
duas categorias, sendo a maioria da classe média inferior, como pequenos
proprietários, empregados e funcionários, com alguma presença das camadas
populares, constituída de trabalhadores de pequenas e médias empresas e a
minoria composta por agricultores e alguns artesãos (TRINDADE,1979).
Analisando o perfil socioprofissional, os resultados levam a constatar que os
níveis de direção nacional e regional eram compostos pelas camadas intelectuais da
classe média superior, principalmente de profissionais liberais (57,1%), já a
burguesia comercial e industrial somam 13,3% e o grupo dos oficiais, 8,7%. Conclui-
se que dois terços dos dirigentes integralistas faziam parte da burguesia e da média
burguesia (TRINDADE,1979). Em síntese, a estrutura social dos integrantes era
formada por três camadas, nacional, regional e local. A camada superior, onde
estavam os dirigentes nacionais, era formada pela burguesia e média burguesia
urbana. A camada média, formada pelos dirigentes regionais era composta pela
média burguesia intelectual, burguesia e média burguesia dos oficiais. Na camada
inferior, a maioria era composta pela pequena burguesia e camadas populares.
“Essa estratificação é análoga à estrutura paramilitar da organização da milícia: as
elites intelectuais detêm o ‘comando’ e as camadas médias e populares não
intelectualizadas constituem a ‘tropa’” (TRINDADE, 1979, p. 137).
Trindade fornece uma análise importante sobre a classe média superior
durante a Primeira República. Segundo o autor, mesmo a direção dos Partidos
Republicanos estaduais contavam com a presença da classe média superior, já o
controle da direção do partido ficava com as oligarquias rurais ou a membros de
famílias dominantes no plano nacional e regional, e dos coronéis, no plano local
(TRINDADE,1979).
De acordo com Trindade (1979), Lipset (1960) afirma que o fascismo é
basicamente “um movimento de classe média apresentando um protesto contra o
capitalismo e o socialismo, contra grandes negócios e os grandes sindicatos”
(LIPSET apud TRINDADE, 1979, p. 138). Esta análise dos atores sociais italianos é
muito parecida com a pirâmide social dos militantes integralistas. Porém, na Itália e
na Alemanha houve uma participação relativamente importante da classe operária,
59
já no movimento integralista isto não ocorreu. Hilton aponta como motivo para a não
adesão, o caráter elitista do movimento. Mas, o fator mais importante para
esclarecer esse fato, foi o apoio legislativo oferecido pelo presidente Getúlio Vargas:
O presidente neutralizou os operários urbanos, ou ganhou adeptos pessoais entre eles, com uma série de medidas que lhes trouxe benefícios concretos em forma de diminuição das horas de trabalho, garantia de saúde e férias, e trato preferencial face aos estrangeiros. Tal progresso, [...] sem duvida enfraqueceu a força do apelo que os camisas-verdes dirigiam ao proletariado (HILTON, 1977, p.28).
Em relação ao nível de instrução, um quarto dos integralistas locais e três
quartos dos dirigentes nacionais e regionais possuíam curso superior. Quanto à
mobilidade social, Trindade constatou que os dirigentes nacionais/regionais eram
indivíduos em mobilidade ascendente, pois uma minoria apenas não subiu na escala
social (TRINDADE,1979).
A quase totalidade dos integrantes era cristã, com grande percentual da
religião católica e apenas nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina a
maioria era de protestantes nos integrantes de base. Interessante ressaltar que na
pesquisa de Trindade, em nível nacional, nenhum integralista pertencia à religião
judaica. Já na obra de Gertz: “O Fascismo no Sul do Brasil”, publicada em 1987, é
citada uma informação no Blumenauer Zeitung, periódico de Blumenau, onde
constata, que apesar do tom antissemita em alguns discursos integralistas, “alguns
dos poucos judeus que moravam nas colônias alemãs de Santa Catarina, aderiram
ao integralismo” (BLUMENAUER ZEITUNG apud GERTZ, 1987, p. 191).
Quanto à origem étnica entre os dirigentes, sobressai a etnia luso-brasileira,
enquanto que, na base, a maioria é de ascendência alemã. Trindade chama a
atenção para a divisão étnica entre os dirigentes e os militantes de base. Em
algumas zonas de colonização alemã, no Rio Grande do Sul, como São Leopoldo e
Novo Hamburgo, os dirigentes eram de origem luso-brasileira. Já nas zonas rurais
colonizadas por imigrantes, onde a comunidade era muito fechada, os núcleos eram
dirigidos por elementos da mesma etnia (TRINDADE, 1979).
A motivação maior dos entrevistados por Trindade foi o anticomunismo,
seguido da simpatia pelos regimes fascistas europeus, o nacionalismo e a oposição
ao sistema político. Em relação à simpatia ao fascismo europeu, Trindade acredita
que as notícias na imprensa (jornais e revistas) sobre o fascismo faziam com que
muitos brasileiros associassem o movimento ao integralismo e, sendo simpático
60
àquele, aderisse à AIB, muitas vezes por ver que o fascismo lutava contra o
liberalismo e o comunismo, fatores sobre os quais também eram contra (TRINDADE,
1979). Os motivos de adesão e a expansão do movimento tomaram características
específicas, diante de questões sociais, políticas ou culturais da região. Como
exemplo de algumas peculiaridades, Freitas comenta:
Na região nordeste, especificamente na Bahia, por exemplo, Antônio Risério nos ensina no Avant-garde na Bahia que o Integralismo misturou-se a outras ideias originadas no tenentismo, ou no combate ao tradicionalismo que oprimia as manifestações afro-brasileiras que sobreviveram para muito além dos anos 30. Dessa mistura nasceram fortes manifestações culturais em torno da Universidade da Bahia que, ao mesmo tempo, transformaram os hábitos culturais da cidade e incentivaram, mais tarde, o surgimento de vários artistas que atuariam com destaque nos anos 50 e 60. Já na região sudeste o Integralismo espalhou-se com características mais partidárias, assumindo a forma de partido político em muitas cidades. Nessa região onde o Integralismo chegava oferecia mais um espaço para manifestações de pessoas insatisfeitas [...] (FREITAS, 1987, p. 52).
Em Santa Catarina, estudos analisam diferentes motivos para a adesão ao
movimento. Em um primeiro momento, costuma-se fazer uma ligação entre o ideário
integralista e as regiões de colonização italiana e alemã, relacionando o fator étnico
e a identificação com os regimes totalitários, como os maiores motivadores de
adesão ao movimento. Porém, outros determinantes também foram analisados,
surgindo especificidades dentro do próprio estado.
Para René Gertz (1987), que analisou separadamente os movimentos
integralista, nazista e germanista, os motivos vão além da questão étnica. Porém, a
expansão do movimento entre os teutos não pode ser explicada apenas pela
orientação nazista. O autor ressalta que: “para entender a adesão dos teutos ao
integralismo deve-se deixar de lado a variável étnica como determinante, e se
aprofundar no estudo da realidade local, a partir da dinâmica regional” (GERTZ,
1987, p.131). Falcão, em sua obra “Entre ontem e amanhã: diferença cultural,
tensões sociais e separatismo em Santa Catarina no século XX”, publicada em
2000, observa a questão política catarinense nos anos 1930 e os fatos ocorridos na
Europa como fatores importantes para compreender o movimento em solo
catarinense: “Fatores como o desalento ante os rumos do movimento de 1930 e o
impacto dos episódios que transcorriam na Europa, aliados ao receio ante o
comunismo, parecem decisivos para compreender o interesse despertado pela AIB
em Santa Catarina” (FALCÃO, 2000, p.127). João Henrique Zanelatto, na obra “De
61
Olho no poder: o integralismo e as disputas políticas em Santa Catarina na Era
Vargas”, publicado em 2012, corrobora com o fato de questões políticas regionais
em Santa Catarina terem sido um dos motivos para adesão ao movimento, porém
chama atenção para o isolamento do colono, com a falta de atenção por parte do
governo do estado e a falta de opção política da classe média emergente.
A AIB se tornou um canal de expressão para grande parte da classe média,
segmento social que estava em franca expansão econômica, à procura de uma
posição de poder na sociedade, não encontrando vez nem voz nos partidos
tradicionais. Os partidos já existentes eram compostos, na sua grande maioria, pelos
mesmos nomes tradicionais da política, sem propostas novas ou intenção de
renovação. O integralismo surgia como o símbolo da renovação, da nova forma de
fazer política, com novos integrantes, oriundos da classe média, com direito à
participação política, dentro do que regia seu estatuto. Para os imigrantes europeus,
era o que estavam esperando, pois acreditavam que a AIB poderia responder às
inquietações presentes (ZANELATTO, 2012).
2.2.2 A Expansão Ideológica do Movimento
A organização integralista preocupava-se em formar seus militantes, dentro
de um esquema em que o mesmo se sentisse inteiramente envolvido com o
movimento. Com o objetivo de alcançar a obediência e devoção aos ideais
integralistas, foi organizada uma série de atividades e mecanismos para serem
seguidos por toda a sociedade integralista. Os rituais e a formação intelectual, física,
moral e cívica foram desenvolvidos por agentes socializadores, que conforme
Trindade, desenvolveram seus programas inspirados nos movimentos fascistas
europeus. Porém, não se tratava de copiar um modelo fascista, mas, sim, “adotar
mecanismos básicos da formação totalitária fascista” (TRINDADE, 1979, p. 188).
Dentre os princípios básicos estavam a obediência à hierarquia e a adoração
ao chefe. Adotaram como símbolo a letra grega sigma maiúscula, simbolizando a
soma, mostrando que o movimento era um somatório, integrando todas as forças em
prol do país. Este símbolo encontra-se presente em todos os emblemas e na
bandeira integralista, seguido do lema: “Deus, Pátria e Família”. Nos Protocolos e
Rituais Integralistas, a justificativa em relação à letra, também explica que: “é a letra
62
com a qual os primeiros cristãos da Grécia indicaram a palavra Deus”, e também
tem o significado de ser “a estrela Polar do hemisfério sul” (TRINDADE,1979).
O sinal que adotamos nos uniformes dos “camisas-verdes” e na bandeira do integralismo (sigma), indica em matemática o símbolo do calculo integral. Quer dizer que a nossa preocupação é somar tudo, considerar tudo, nem nos perdendo na esfera exclusivista da metafísica, nem nos deixando arrastas pela unilateralidade do materialismo. (SALGADO, 1956, p. 10).
A saudação com o braço esticado, lembrando a mesma saudação de Hitler na
Alemanha, é acompanhada do grito: “Anauê!”, que significa, na língua tupi, você é
meu parente. Além de ser uma saudação reservada às manifestações de alegria e
respeito, há também, de acordo com o protocolo, um respeito às hierarquias no
número de saudações. “A saudação entre os militantes dava-se através de um
‘Anauê!’ Na saudação ao Chefe Provincial dava-se um duplo ‘Anauê!’. O triplo era
reservado somente ao ‘chefe nacional’” (CALIL, 2001, p. 33)
As regras acompanhavam a vida social em todos os momentos. As sedes da
AIB deveriam seguir rígidas normas como: foto do Chefe Nacional, bandeira do
Brasil e do Integralismo, slogans na parede, relógio na parede com a frase: “A nossa
hora chegará”. Além de biblioteca com os principais documentos da AIB (manifestos,
regulamentos, estatuto), Constituição e Código Eleitoral. A vida do integralista ficava
regida pelos ritos, batizado e casamento. Estas cerimônias eram realizadas nos
templos cristãos, porém os integrantes deveriam se apresentar uniformizados. No
caso da noiva, no casamento civil, a mesma deveria vestir uma camisa verde, já na
cerimônia religiosa poderia ir vestida de branco, mas deveria ostentar o símbolo
integralista no lado esquerdo do peito, o noivo deveria estar sempre de uniforme
(TRINDADE,1979).
Nos rituais de iniciação, o processo se iniciava aos 04 anos de idade e
continuava até os 15 anos, época de entrar para a milícia. Neste período, o
“pliniano” passava por grupos diferentes, de acordo com a idade. O método de
socialização ideológica infantil envolvia atividades relacionadas ao esporte e à parte
intelectual, com instrução primária, educação moral e profissional. Além das crianças
e jovens, adultos também recebiam orientação intelectual. Um exemplo foram as
aulas ministradas por membros do movimento integralista nas colônias alemãs e
Gertz comenta: “O integralismo organizou aulas noturnas, mas quais ensinava o
português; os integralistas aprenderam o hino nacional, e – o que com certeza não
63
acontecia com outros partidos políticos – até o hino de Santa Catarina” (GERTZ,
1987, p. 187).
O aprendizado de culto ao chefe começava aos 06 anos, com uma série de
juramentos de fidelidade, sendo que os juramentos aumentavam em número e em
responsabilidades conforme a idade. Já o adulto ingressante tinha que responder a
seguinte pergunta: ‘Já pensou maduramente na responsabilidade que vai assumir?’
Se a resposta for positiva acrescenta: ‘Considero-o inscrito; deverá, porém, esperar
noventa dias para prestar juramento, em homenagem ao Chefe Nacional que o
esperou desde 07 de outubro de 1932’ (TRINDADE, 1974, p. 193).
Estes rituais foram organizados e compilados nos protocolos integralistas com
vistas a um movimento que perdurasse muitos anos, quiçá permanecesse para
sempre no país. Por esse motivo, observa-se que os rituais iniciavam na mais tenra
idade e continuavam acompanhando toda a vida do militante. Como o movimento
durou apenas seis anos, obviamente nenhum integrante cumpriu todas as etapas,
porém, acredita-se que, conforme a idade, cada integrante participava de alguns
rituais.
O uniforme era de uso cotidiano e obrigatório nas manifestações públicas,
exceto para militares e religiosos. O mesmo incluía camisa verde, gravata preta,
gorro verde, calças pretas ou brancas e cintos e sapatos pretos. Nos distritos rurais
permitia-se a calça cáqui. A cor verde evocava a cor síntese da brasilidade, porém
foram apelidados de “galinhas-verdes” por seus opositores. É possível perceber que
a vida cotidiana do membro integralista passava a ser regida pelo próprio
movimento, criando laços de identidade interna. “Esses laços eram reforçados por
atividades, aparentemente sem finalidade política, como piqueniques, passeios e
acampamentos” (CALIL, 2001, p. 33). A ligação entre os membros ficava associada
a laços familiares. Em vários depoimentos, membros integralistas comentam a
identificação do movimento com uma grande família. “Nós éramos uma imensa
família, nós éramos uma grande família. A gente estava conversando com alguém e
se dava conta que ele era integralista, já ficava irmão. Era assim. Veja a força. Já
era nosso irmão” (CALIL, 2001, p. 33).
A semelhança com os movimentos fascistas europeus, no que tange a
doutrinar seus seguidores, através de um programa ideológico que envolve todos os
aspectos da vida do indivíduo, está claramente presente. Em 1933, os integralistas
realizaram seu primeiro desfile em São Paulo, usando seus trajes verdes. Nos
64
desfiles, havia o objetivo de mostrar a força da AIB e algumas vezes eram
hostilizados, pois faziam disso uma provocação pública, principalmente à ANL.
O uso do uniforme foi aprovado pelo Ministério da Guerra, em 1934, porém
conforme analisa Freitas, “isso foi um grande equívoco, pois ao aprovar a
uniformização militar de uma organização civil, acabava admitindo a existência de
forças paramilitares na sociedade” (FREITAS, 1998, p. 55). Em 1935, a Assembleia
Nacional conseguiu incluir na Lei de Segurança Nacional um artigo autorizando só
os Estados a manterem milícias. Desta forma, o uso de uniforme e insígnias foi
proibido em locais públicos (HILTON, 1977)
Estas identificações ao movimento, como uniformes, desfiles, encontros com
a família, tornaram-se muito fortes em algumas regiões do país. Os militantes
incorporaram o movimento de tal forma, que brigas e até assassinatos ocorreram em
função de escolhas partidárias, principalmente entre integralistas e membros da
ANL, comumente chamados de comunistas. Estas brigas levaram o governo federal
a colocar na ilegalidade a ANL e, posteriormente, proibir o uso de uniformes e
desfiles da AIB, até chegar ao fechamento da mesma, em 1937, por motivos
políticos.
2.2.3 Conflitos com a ANL e o Fechamento da AIB
O aumento expressivo de adeptos ao regime ocasionou várias manifestações
pelo país, principalmente entre as organizações operárias e o Partido Comunista
contra a AIB. No dia 07 de outubro de 1934, ocorreu um confronto, na cidade de São
Paulo, entre os movimentos de esquerda e a AIB, resultando em mortos e feridos.
Em 1935, após a criação da Aliança Nacional Libertadora, os confrontos foram mais
acirrados. Os integralistas usavam desses incidentes para reforçar o discurso
anticomunista (FREITAS, 1998)
A falta de apoio dos operários à AIB deve muito ao caráter elitista da
propaganda integralista, acreditando que não precisariam da massa como apoio.
Salgado, em artigo datado de 8 de junho de 1937, na edição de “O Jornal”,
escreveu: “Não podemos, de maneira nenhuma, cortejar a massa popular. Ela é o
monstro inconsciente e estúpido” (SALGADO apud HILTON, 1977, p. 27). Os
sindicatos operários se voltavam contra a AIB, unidos ao Partido Comunista
Brasileiro e à ANL, que representavam as suas aspirações. Em 1936, dezessete
65
sindicatos paulistas anunciaram seu apoio a uma recomendação do Congresso no
sentido de prescrever a AIB. (HILTON, 1977).
Para o presidente da época, Getúlio Vargas, e grande parte dos militares, a
AIB era vista como aliada, pois continha muitos aspectos que eram simpáticos a ele,
principalmente o combate ao comunismo. O General Goés Monteiro, Ministro da
Guerra, do governo Vargas, foi quem defendeu o registro da AIB pelo Tribunal
Superior Eleitoral, além de sugerir, segundo Salgado, a cor do uniforme integralista.
Para responder aos clamores da população em relação aos conflitos entre
grupos extremistas, Getúlio Vargas proscreveu a Aliança Nacional Libertadora,
deixando livre a AIB. Questionado quanto à falta da tomada de atitude contra a AIB,
Vargas defendeu os integralistas, dizendo que “não havia provas de que os
integralistas fossem subversivos” (HILTON, 1977, p. 27). A intenção de tomar o
poder por parte dos comunistas culminou no chamado “Levante Comunista”, em
novembro de 1935. Esse movimento fracassou e, para os integralistas, este fato se
tornou mais um motivo para ampliar seu discurso anticomunista.
A AIB será posta na ilegalidade somente com o Golpe do Estado Novo, em
1937, onde Getúlio Vargas instaura um novo regime de governo, desta vez ditatorial;
estavam proibidos todos os partidos políticos, as milícias, organizações auxiliares
civis, assim como o uso de uniformes e insígnias (HILTON, 1977). Estas medidas
provocaram uma intensa campanha antiintegralista em todo o país principalmente
após a AIB ter tentado um Golpe Integralista, com o objetivo de frear o Estado Novo,
e fazer valer a Constituição de 1934.
O golpe contra o Estado Novo fracassou, porque, na visão de muitos, faltou
união entre os integralistas. Caso todos estivessem presentes, a chance de êxito era
grande, pois “tudo leva a crer que efetivamente ninguém esperava um levante
integralista” (ALVES apud CALIL, 2001 p. 74). Belmiro Valverde, ex-dirigente da AIB,
em entrevista no ano de 1959, comentou as falhas do movimento armado:
Muitas das pessoas que conosco conspiravam falhavam na hora H. Oficiais comprometidos não compareceram a seus postos de combate: civis, valentes quando das discussões e planejamento, sumiram no momento de perigo [...]. Desde o momento em que nos pusemos em marcha, não duvidei mais do fracasso da tentativa. Até a parte de transporte falhou. Na hora, os caminhões e automóveis prometidos não apareceram ( CALIL, 2001, p. 72)
66
A partir desse momento, os integralistas foram alvos de chacotas, atingindo o
seu chefe, seus símbolos e rituais, onde charges eram publicadas, ridicularizando
Plínio Salgado, e a sociedade reagia, hostilizando membros ou ex-membros do
partido, as perseguições e prisões ocorreram em todo o país. (CALIL, 2001).
Membros do movimento em Canoinhas foram perseguidos e presos, conforme
relatam os periódicos locais e as entrevistas com moradores locais. Alguns
moradores e membros do partido relatam a decepção em relação ao grande chefe.
O senhor Mário Rodrigues de Aguiar, residente em Canoinhas, Santa Catarina, em
entrevista à Márcia Allage Fuck, comentou que, por volta de 1948, ouviu seu chefe
perguntar ao Sr. Luiz Tack, o qual fora comprar passagem de trem na estação, em
Marcílio Dias, distrito de Canoinhas, se ele ainda lembrava de Plínio Salgado. O Sr.
Luiz Tack (chefe do integralismo em Canoinhas) teria sido “mal educado”, porque ao
dar a resposta, disse um palavrão e afirmou que Plínio havia traído seus
companheiros integralistas e, por esse motivo, não queria mais ouvir nem falar sobre
o assunto (FUCK, 2005, p. 66).
Plínio Salgado foi preso e depois partiu para o exílio em Portugal, onde se
dedicou a palestras e conferências. Escreveu obras de caráter espiritualista,
centrando sua argumentação “sobre o pretenso caráter democrático do integralismo,
no novo contexto da derrota internacional do fascismo” (CALIL, 2001, p. 83). Voltou
ao Brasil somente em 1946, mas, durante esse tempo, procedeu a reorganização do
Partido Integralista, que foi chamado de Partido de Representação Popular-PRP,
que se inseriu no contexto da redemocratização de 1945.
67
3 A FORMAÇÃO ANTROPOLÓGICA CATARINENSE
Para iniciar o estudo sobre o movimento integralista em Santa Catarina, é
preciso compreender a sua formação étnico-cultural, a qual indicará a influência
desta conformação nos diferentes aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais
das diferentes regiões do estado. Vale lembrar que, em relação ao movimento
integralista, as regiões em que o mesmo predominou foram o Vale do Itajaí, Norte e
Sul do Estado, com predominância de elementos europeus, alemães, italianos e
seus descendentes, e também de luso-brasileiros e, açorianos.
Sílvio Coelho dos Santos (1998) faz referência ao fato de que o Estado de
Santa Catarina está localizado na região sul do Brasil, entre os estados do Paraná
ao norte e Rio Grande do Sul, ao sul, abrangendo uma área de 95.442 km². Sua
população é marcada por um mosaico étnico-cultural, coexistindo lado a lado, os
mais diversos costumes e diferentes atividades econômicas. (SANTOS, 1998).
Sobre estes dados do espaço geográfico, Lago (2000) ressalta as seguintes
análises:
A extensão atual correspondente a 95.442 km², é pouco superior a 1,1% da superfície territorial do Brasil e a 16,57% da Região Sul. Nossos vizinhos nacionais parecem, relativamente, gigantes espaciais, pois a dimensão territorial de Santa Catarina é quase três vezes menor do que o Estado do Rio Grande do Sul (2,9) e pouco mais de duas vezes menor (2,09) do que o Estado do Paraná, com seus 199.323km² (LAGO, 2000).
Santa Catarina contava com habitantes nativos, quando da chegada dos
primeiros exploradores, as tribos indígenas Tupi-Guarani, denominada Carijó pelos
europeus, no litoral, e Xokleng e Kaingang nos campos e no planalto. Oswaldo
Rodrigues Cabral, em sua obra: “História de Santa Catarina”, publicada em 1968,
relata que “os aborígenes que viviam na costa ao sul de São Vicente, desde
Cananéia até Rio Grande, constituíam a nação carijó, à época descoberta, e todos
os que tiveram contatos com eles afirmaram que eram ‘ o melhor gentio da costa’”
(CABRAL, 1968, p. 29).
Santos (1998) enfatiza que os povos Kaingang e Xockleng viveram arredios
ao contato com os brancos por muitos anos. Por estarem vivendo nas regiões do
planalto, onde a economia era apenas a criação do gado, até o século XIX, eram
raríssimas as incursões em áreas com grande concentração indígena. Acreditava-se
68
que os índios eram originários de regiões distantes, e só passavam por esses locais
para alguma expedição de caça ou guerra. Somente quando se iniciou o processo
colonizador nestas áreas é que ocorreram acirradas disputadas entre o índio,
morador da região, vivendo da caça e da pesca, da coleta de frutos e de mel, ou
seja, de produtos essenciais para sua sobrevivência, e o colonizador europeu. Os
imigrantes colonizadores vieram se instalar na mesma região dos indígenas, com o
objetivo de desbravar e transformar a natureza e a floresta em um campo produtivo,
abrindo propriedades agrícolas, trazendo o progresso à região.
Na época das grandes navegações, séculos XV e XVI, o litoral catarinense
recebeu navegadores, náufragos e desterrados, que saíam da Europa descobrindo
novas rotas de comércio e novas terras para serem exploradas. Binot Paulmier de
Goneville, um navegador que aportou em 1505, na região hoje conhecida como São
Francisco do Sul, descreveu a terra como “de grande fertilidade, sendo numerosos
os animais e as árvores, abundantes peixes e aves, e habitadas por selvagens que
viviam da caça e da pesca, dos frutos da terra e de sua rudimentar agricultura, sem
grandes preocupações, levando a vida alegremente” (CABRAL, 1968, p. 18).
Lago (2000) observa que a intervenção indígena no estado ocorreu nos
aspectos culturais, porém, não foram perceptíveis grandes mudanças nos domínios
naturais. O autor argumenta que esse fato se deve a limitada alíquota tecnológica
que dispunham para alterar as condições nos domínios naturais. Os diferentes
grupos indígenas adaptavam-se ao local, diferentemente de outros grupos humanos
que adaptam o lugar as suas necessidades. Por esse motivo, essas populações são
chamadas de “populações naturais”, sendo mais caçadores e coletores do que
agrícolas. Os grupos linguísticos Tupi-guarani viviam de forma mais fixa em seus
locais de moradia, do que os habitantes do planalto, visto que o litoral lhes fornecia
mais alimentos. Já os indígenas dos campos e vales do Planalto, como Xokleng e
Kaingang, tinham um estilo de vida seminômade, alimentando-se do pinhão e da
mandioca (LAGO, 2000).
Santos (1998) relata que a Ilha de Santa Catarina, assim como todo o litoral
catarinense até Laguna, estava habitada por uma população indígena chamada
pelos europeus de carijó. Era uma população Tupi-Guarani, dividida em várias tribos
e aldeias. Ocupavam quase todo o litoral brasileiro. Esse grupo indígena já conhecia
a agricultura, eram sedentários e tinham como atividade básica para a subsistência,
a pesca. Relata Santos que os Carijó ou Tupi-Guarani foram os primeiros grupos
69
indígenas a fazer contato com os brancos, recebendo-os com cordialidade e
curiosidade. “Os náufragos da expedição de Solís, sobreviveram na Ilha de Santa
Catarina graças ao apoio oferecido pelos índios. Foram os índios que também
orientaram esses náufragos, especialmente Aleixo Garcia, para realizar as primeiras
explorações do interior” (SANTOS,1998, p. 22). O autor enfatiza que as informações
em relação aos indígenas, na maioria das vezes, é pobre ou errônea:
Não se pode mais pensar, pois, que os indígenas que habitavam o litoral do Brasil, e no nosso caso particular os de Santa Catarina, fossem um grupo de bárbaros, sem conhecimento de coisa alguma, vivendo sem organização e em grau de penúria. Os indígenas formavam sociedades organizadas e plenamente adaptadas ao ambiente americano. Haviam desenvolvido uma tecnologia adequada para este ambiente (SANTOS, 1998).
A conformação étnica da população catarinense, já citada como um mosaico
étnico-cultural resultou das diferentes levas imigratórias em regiões distintas do
Estado. Antes do processo de colonização, o litoral catarinense recebeu as
bandeiras vicentistas, onde fundaram a primeira póvoa no litoral catarinense, na ilha
de São Francisco, em 1658, na liderança de Manoel Lourenço de Andrade. Estes
paulistas, pertencentes à Capitania de São Vicente, vinham ao sul caçar índios para
vendê-los como escravos, nos mercados da Bahia e de São Vicente. Esta povoação
da ilha de São Francisco, em pouco tempo conseguiu lograr êxito: “tudo indica que,
em 1660, a povoação foi elevada à categoria de Vila e, em 1665, à de Paróquia”
(SANTOS, 1998, p. 41). Outros bandeirantes iniciaram povoações no litoral
catarinense. Francisco Dias Velho fixou-se na Ilha de Santa Catarina, entre os anos
de 1673 e 1675. Após sua morte, a póvoa acabou minguando e os poucos
habitantes voltaram para São Paulo. Na região de Laguna, Brito Peixoto, em 1684
iniciou o povoamento na região. Essas povoações, de acordo com Santos, foram as
bases da conquista portuguesa do Sul (SANTOS, 1998).
Com a criação da capitania de São Paulo, em 1709, Santa Catarina, que até
então estava sob jurisdição do Rio de Janeiro, passou a pertencer a jurisdição
paulista. Desta forma, assinala Cabral (1968), justifica-se a autoridade que os
governadores de São Paulo tiveram sobre as vilas de Santa Catarina (CABRAL,
1968). Em sua obra: “A Colonização de Santa Catarina”, editada em 1994, Walter
Fernando Piazza ressalta que, com a criação da Capitania de São Paulo, novos
povoadores deslocaram-se ao território catarinense, por volta de 1700. Vários
70
portugueses e luso-brasileiros estabeleceram-se na Ilha de Santa Catarina, assim
como, na Vila de Desterro (PIAZZA, 1994).
Lago refere-se ao movimento migratório das bandeiras de colonização, como
um momento de “transferências ecológicas” na região, reunindo novas pessoas, com
novas técnicas, como o uso de plantas e animais, e também uma troca de cultura
não material:
Vieram luso-brasileiros, africanos e afro-brasileiros, com animais, plantas domesticadas, difundindo técnicas agrícolas, criatórias, pesqueiras, de extrativismo vegetal, de processamento de matérias primas e, num sentido oposto, mas não antagônico, de assimilação de alíquotas tecnológicas da economia indígena, inclusive quanto ao conhecimento da flora de interesse farmacológico e culinário (LAGO, 2000, p. 75).
Em meados do século XVIII, inicia-se a fase de colonização no litoral
catarinense. Esta teve como objetivo povoar a região, como meio de defesa perante
os espanhóis que cobiçavam a área. Além da já citada intenção, também seria um
ponto de apoio para as funções militares portuguesas, principalmente no objetivo de
controlar a Bacia do Prata, onde haviam fundado a Colônia do Sacramento. Para
que tal objetivo obtivesse êxito, foram trazidos para a Ilha de Santa Catarina, os
moradores do Arquipélago dos Açores. Tal região situava-se no meio do Oceano
Atlântico, onde era povoada por portugueses desde o início do século XV. Açores
estava passando por problemas decorrentes de uma densidade demográfica
elevada, com escassez de terras cultiváveis e de criação, causando a miséria de
grande parte da população. Para Portugal, era a oportunidade de resolver dois
problemas de uma só vez: “diminuir a pressão demográfica no arquipélago, e
garantir a infraestrutura necessária aos seus projetos de expansão e domínio no Sul
do Brasil” (SANTOS, 1998, p. 56).
O Brigadeiro José da Silva Paes recebeu os primeiros açorianos na vila de
Nossa Senhora do Desterro, em 1748, onde foram se estabelecendo em torno de 60
casais, em locais denominados “freguesias”. Junto com os casais açorianos, vieram
alguns padres católicos que logo iniciaram as construções das igrejas paroquiais.
Estes vigários dinamizaram a vida social e cultural nas freguesias, sendo, muitas
vezes os professores do local (PIAZZA, 1994). Na fase inicial da colonização
açoriana, aponta Lago (2000) em meados do século XVIII, aportaram em Santa
Catarina mais de 6 mil pessoas. “As famílias tiveram pálido apoio oficial, mas sob a
71
condição de pequenos proprietários sesmeiros, de quinhões de terras localizadas
em vários lugares, principalmente em torno de N.S. do Desterro, a futura
Florianópolis” (LAGO, 2000, p. 76). Para Santos (1998), os açorianos passaram a
desempenhar o papel que lhes foi atribuído, o de servir de infraestrutura para os
projetos expansionistas portugueses, construindo fortes e fornecendo alimentos para
as tropas.
Cabral (1968) ressalta que a contribuição cultural dos açorianos teve sua
importância no sentido que: “emprestaram a terra os caracteres básicos da sua
cultura, dando à gente catarinense uma feição inconfundível” (CABRAL, 1968, p.
56). Os açorianos aperfeiçoaram técnicas para a transformação da mandioca, da
cana de açúcar, além de confecção de carroças, estábulos, engenhos, fortificações
e aquedutos.
As relações com o mar foram se ampliando, da técnica da coleta e de
rudimentares armadilhas para a captura de crustáceos e peixes, graças aos meios
de locomoção como canoas e as mais resistentes baleeiras, as redes de fibra de
algodão, anzóis e arpões inicialmente importados. A caça de mamíferos aquáticos,
baleias, que eram abundantes nestas latitudes, tornou-se o primeiro grande negócio
relacionado aos recursos marinhos, acionado por empresa que apenas utilizou o
estoque açoriano e afro-brasileiro como mão-de-obra. O óleo, obtido em ‘armações’,
teve importância na iluminação e como impermeabilizante em construções (LINS,
2000)
Neste processo de colonização açoriana, um dos elementos mais importantes
a ser analisado é o das Câmaras Municipais açorianas. De acordo com as
determinações régias, da Provisão de 9 de agosto de 1747, o Brigadeiro José da
Silva Paes recebeu a seguinte incumbência:
[...] fareis levantar logo uma companhia de ordenanças, nomeando oficiais, no caso em que não vão de cá nomeados, em cada uma das localidades em que se estabelecessem os ‘casais’” Porém, antes do embarque, o corregedor de cada uma das ilhas já deveria nomear, para cada navio, “dois ‘mandantes’, pessoas de ‘maior graduação e capacidade de governarem’, na viagem todas as famílias ou pessoas, que forem transportadas no navio. (PIAZZA,1994, p.45).
Esta informação nos dá subsídios para analisar o papel social e político dos
oficiais de Ordenanças, como lideranças sociais e políticas, a nível local. “Assim, as
principais lideranças políticas catarinenses, quer no Império (1822-1889), quer ainda
72
nos princípios do período republicano (1889-1930) são, preponderantemente, de raiz
açoriana” (PIAZZA, 1994, p. 69).
3.1 A POPULAÇÃO DO PLANALTO CATARINENSE
No que concerne à povoação do planalto catarinense, este iniciou-se em fins
do século XVIII, e foi motivada pela necessidade de abastecer a região das minas,
no Sudeste brasileiro. Após o intenso afluxo de pessoas para essas regiões, onde a
população não se dedicava nem à agricultura, nem à pecuária, somente à
mineração, ocorreu a necessidade de abastecer a região com produtos alimentícios.
Surgiu a figura do tropeiro, que percorria com suas tropas de mulas as trilhas entre
as fazendas, vilas e cidades. Neste contexto, o Rio Grande do Sul foi incorporado à
economia do Brasil Colonial, pois em função da necessidade de abastecimento na
região das minas, “os paulistas perceberam que seria um bom negócio capturar ou
comprar o gado que se criava à solta e, muitas vezes sem dono, nas pradarias do
Rio Grande, para vender para os tropeiros que abasteciam Minas Gerais” (SANTOS,
1998).
Um dos primeiros caminhos entre Santa Catarina e as estâncias do Rio
Grande foi o “Caminho do Viamão”, que ligava Laguna até as regiões de “vacarias”.
João de Magalhães, genro de um dos fundadores de Laguna, Francisco de Brito
Peixoto, chefiou uma tropa, denominada “frota”, em 1725, saindo de Laguna, fixando
“lagunistas” (gente de laguna) nos campos de Viamão. A família e os parentes de
Brito Peixoto se tornaram os primeiros estanceiros gaúchos. Ao adentrar no caminho
do Viamão, a “frota” encontrou gado “alçado” ou xucro, iniciando um processo de
integração social e econômica com os estancieiros que se fixavam nos campos
nativos do Rio Grande (PIAZZA,1994)
Em 1728, foi estabelecido um novo caminho, a partir dos campos de Lages,
que seguia por terra para Curitiba e São Paulo. Por esse caminho os lucros com o
comércio eram maiores, pois eliminavam os custos com frete marítimo, além de
evitar intermediários. Laguna entrou em decadência, e a região de Lages tornou-se
estratégica, o que fez com que o governador da província de São Paulo solicitasse a
criação de uma vila junto à estrada de tropas. Desta forma, foi enviado para a região
de Lages, Antônio Correia Pinto, que, em 1771 lavrou o termo de fundação da Vila
de Nossa Senhora dos Prazeres das Lages, efetuando assim, as possibilidades para
73
o povoamento do planalto catarinense. “Os campos de Curitibanos e Campos Novos
foram descobertos e povoados com fazendas. E toda região Oeste foi desbravada a
partir desses núcleos iniciais” (SANTOS, 1998, p.48-50).
Ao longo do caminho das tropas, na direção Norte, e ao longo dos tempos,
nasceram povoados, muitos dos quais evoluídos para vilas e cidades. E, antigas
trilhas indígenas, orientadas para Leste, passaram a ser percorridas por tropeiros,
abastecendo núcleos litorâneos de animais, carne e couro, mais tarde de erva-mate,
e destes obtendo sal, açúcar, fumo, tecidos e implementos agrícolas (LAGO, 2000).
Em torno do caminho das tropas, surgiram as fazendas de invernadas,
criadas para pouso e engorda de gado. Nesses lugares, era comum a socialização
entre viajantes dos diversos estados, principalmente Minas Gerais, São Paulo, e da
região dos Campos de Curitiba, e também muitos tropeiros do Rio Grande do Sul.
Esse contato facilitou a troca cultural entre ambos, formando as características do
homem do planalto catarinense. Machado (2004) comenta que o homem do planalto
serrano tinha ligações econômicas e sociais muito mais estreitas e intensas com os
paulistas ao norte, e ao sul, com os gaúchos, do que a leste, com as populações
litorâneas. “O isolamento imposto pela barreira física da Serra Geral contribuiu
bastante para isto, embora tenha existido um pequeno comércio entre o planalto e o
litoral desde o século XVIII” (MACHADO, 2004, p. 64).
Por seu turno, Sachet (1997) referindo-se ao povoamento do planalto,
enfatiza que o gado foi o responsável maior pela fundação das cidades de Lages,
Curitibanos e Campos Novos. É responsável, também, pela organização de um
modo de vida peculiar, que através dos tempos, passou por etapas bem
caracterizadas. Na primeira etapa, no século XVIII, o trabalho se resumia em
prender e conduzir o gado pelos tropeiros, para os centros consumidores de Curitiba
e São Paulo. A segunda etapa se caracterizou pela fundação dos núcleos
populacionais, ao longo do caminho das tropas. Neste momento inicia-se a vida nas
fazendas, caracterizada pelo peão, pelo laço, pelo charque e pelo comércio do sal.
Com o tempo essa sociedade, em fins do século XIX, iniciou o ciclo da madeira,
aumentando suas riquezas. A terceira etapa, Sachet caracteriza como o momento
da evolução econômica do ciclo da carne, com as fazendas sendo transformadas
em hotéis-fazenda. “Antes vivendo da exploração de seus recursos naturais, o
Planalto, agora, preserva-os e assenta sobre eles a economia do turismo, que quer
74
sentir-se livre. E cavalgar, pelas pradarias, como o faziam os campeiros, 200 anos
atrás” (SACHET, 1997, p. 28).
Cabral (1968) ressalta que o regime de latifúndio, era o que predominava no
planalto, na região que se encontrava sob a jurisdição catarinense. A formação
geográfica dos campos, próprios para a criação de gado, absorveu quase toda a
atividade dos moradores do planalto. “Da mesma forma que a ausência de capitais
determinava no litoral a decadência do regime sesmeeiro, favorecendo a instalação
da pequena propriedade rural, no planalto as condições de vida exigiram a
manutenção da grande propriedade, do latifúndio, sem o qual seria impossível a
existência da indústria pastoril” (CABRAL, 1968, p. 198).
Os primeiros povoamentos do planalto foram formados, no início do século
XIX, pelos tropeiros e fazendeiros que, conforme Machado (2004), vieram
primeiramente dos campos gerais do Paraná e, mais tarde, do planalto gaúcho.
Esses elementos trouxeram consigo escravos crioulos e africanos, mestiços
agregados, índios “administrados”. Durante todo o século XIX, a região recebeu um
grande número de migrantes de São Paulo, Paraná e do Rio Grande do Sul
(MACHADO, 2004). A partir de 1870, Machado ressalta o estabelecimento de novos
grupos sociais.
[...] uma camada social de pequenos e médios lavradores independentes, normalmente posseiros (mas muitos com posses legitimadas), principalmente nas regiões de matas e capoeiras do planalto médio e norte [...]. Esses lavradores, provenientes tanto do Paraná como do Rio Grande do Sul, aproveitavam os excedentes de suas lavouras e criações para vender viveres aos tropeiros em transito; praticavam a criação de suínos em encerras nos pinheirais [...]. Mais ao norte, nos valões dos rios Canoinhas e Paciência, e à oeste, em Campos Novos, também colhiam as folhas de erva-mate de ervais nativos e devolutos, para o beneficiamento doméstico e a venda a representantes de casas comerciais do litoral. (MACHADO, 2004, p.70).
Os moradores da região do Planalto adotaram hábitos considerados do “povo
do Rio Grande”, sendo na maioria das vezes, identificados mais como culturalmente
“gaúchos” do que catarinenses, visto que os hábitos europeus chegaram no século
XIX à região, enquanto que os costumes dos tropeiros já estavam presentes no povo
do interior. Santos (1998) analisa os costumes e hábitos da população do planalto,
reconhecendo que os mesmos estão relacionados com a atividade de criação de
gado. “As bombachas, o barbicacho, as botas, o poncho, o chimarrão, o churrasco
são alguns dos itens do vestuário e da alimentação que caracterizam a gente de
75
Lages, aproximando-a da população gaúcha. Mas, as origens desta gente estão em
São Paulo e não no Rio Grande” (SANTOS, 1998, p. 52).
Estas diferenças de hábitos e costumes entre os descendentes de paulistas,
rio-grandenses, mestiços (mescla de índios e negros) e os descendentes europeus,
principalmente alemães, italianos, poloneses, ucranianos, que se viram superiores
àqueles, permanecem como um traço cultural de algumas regiões. O descaso e a
exploração em relação ao modo de ser e de viver dos primeiros moradores da
região, chamados de caboclos, ficou expresso no conflito que ocorreu na região
fronteiriça entre Santa Catarina e Paraná, estendendo-se pelo planalto e meio oeste
do estado, no início do século XX, denominada Guerra do Contestado (1912-1916),
tema que será abordado no próximo capítulo.
3.2 A VINDA DE IMIGRANTES EUROPEUS E A COLONIZAÇÃO DO VALE DO
ITAJAÍ E NORTE DO ESTADO
A partir de tais perspectivas historiográficas, percebe-se até o momento, que
durante o período do Brasil colônia (1500 a 1822), o povoamento do estado de
Santa Catarina foi efetuado por bandeirantes paulistas, de origem luso-brasileira, e
por açorianos, de descendência portuguesa, compondo as regiões litorâneas e,
ensejando o povoamento do planalto. A partir de meados do século XIX, após o
processo de independência do Brasil (1822), novas levas de imigrantes chegam à
Santa Catarina, com objetivos diferentes dos bandeirantes, e com características
diferentes dos açorianos. Este momento é marcado pelo processo das chamadas
“colonizações europeias”, onde integraram-se ao país os alemães, os italianos, os
poloneses, dentre outros, que vieram em menor número. O processo imigratório
destas etnias se caracteriza inicialmente por se tratar de uma estratégia de
desenvolvimento de uma nação nova, onde glebas de terras foram negociadas
mediante contratos, com gerenciamento particular, ou subvencionado pelo Estado,
“abrindo oportunidades para investimentos privados, às empresas colonizadoras”
(LAGO, 2000, p. 78).
Piazza (2001) esclarece que um dos motivos da grande leva de imigrantes
europeus, a partir de 1850, está centrado na Lei de Terras, de 1850, onde a atenção
principal passou a ser a colonização estrangeira: “Esta lei dispunha sobre terras
devolutas no Império, determinando a medição, demarcação e utilização para
76
colonização. Especificava sobre a reserva de terras para indígenas, a fundação de
povoações, a aquisição de terras por estrangeiros e o ingresso de imigrantes
europeus às custas do Governo Imperial” (PIAZZA, 2001).
Por sua vez, Thomé (2004) cita Cabral (1970), para fazer referência ao
registrado do ano de 1828, como o ano da primeira leva de imigrantes, destinados à
fundação de dois núcleos coloniais na estrada de Desterro a Lages:
A determinação do Governo Imperial parece ter sido inspirada na ideia dos Governadores Soares de Coimbra e Miranda Ribeiro, pois, iniciando a sua politica de imigração, o governo destacara Santa Catarina para a localização de elementos alienígenas recrutados em outros países, destinados a fomentar a agricultura nacional e, a aumentar a densidade populacional da nação. Para a efetivação de seu programa, enviou para a Província 166 famílias alemãs, oriundas de Bremen, com um total de 523 pessoas. Foi este o primeiro grupo de colonos estrangeiros que chegou à Santa Catarina (CABRAL apud THOMÉ, 2004).
A área colonizada pelos imigrantes europeus consistia em toda a região
situada entre o litoral e o planalto catarinense. As colônias que mais obtiveram
sucesso foram àquelas situadas ao longo do Vale do Itajaí e do Norte do estado.
Santos (1998) ressalta a importância de atentar para a sucessão de colônias que
surgem no Vale do Itajaí. As atividades econômicas designadas aos colonos nessas
regiões eram todas voltadas à agricultura.
Assim, um casal se localizava num lote e iniciava seu desmembramento.
Chegavam os filhos, e o casal aumentava sua produção conforme as crianças iam
crescendo e cooperando no trabalho. Quando o primeiro chegava à idade de se
casar, ocorria a necessidade de adquirir um novo lote colonial. Era neste instante
que a frente agrícola avançava. O ciclo reiniciava-se. (SANTOS, 1998).
Lago (2000) chama a atenção para algumas diferenças entre a imigração
açoriana, as alemãs e italianas. O volume de imigrantes para as áreas do Vale do
Itajaí e do Norte do estado foi bem superior ao do litoral, ressaltando que as levas
continuaram a ocorrer durante quase cem anos. Estes últimos grupos possuíam
conhecimento agronômico, tecnológico, de processamento de matérias-primas e de
comercialização “bem mais diversificados e avançados, em relação aos nacionais
presentes e aos açorianos que chegaram um século antes” (LAGO, 2000, p. 78).
Esta observação também é compartilhada por Santos (1998), ressaltando que a
Europa vivia um momento de grande efervescência cultural e tecnológica quando da
imigração. Em relação ao Brasil, o padrão de vida europeu era bastante elevado. A
77
maioria da população vivia nas cidades, onde a vida cultural e artística era comum
nos centros urbanos. O contato com a tecnologia da época, proveniente da
Revolução Industrial foi trazida para o Brasil, “e foi especialmente isto que garantiu o
sucesso da maioria dos empreendimentos coloniais” (SANTOS, 1998, p. 82).
Estas informações, dentre outras causas, justificam o êxito dos principais
núcleos colônias europeus, principalmente de alemães, nas regiões do Vale do Itajaí
e Norte do estado. Celestino Sachet (1997) ressalta que do fruto dessa primeira leva
de imigrantes, surgiram duas personalidades catarinenses que escreveram parte da
História Política do final do século XIX e início do século XX:
O primeiro é Lauro Muller, nascido em Itajaí, em 1863, seus jovens pais se instalam em São Pedro de Alcântara, nos primeiros dias de povoamento. Como a colônia apresenta poucas perspectivas, transferem-se para Itajaí, onde Pedro Muller vai exercer a atividade de comerciante. O segundo é Felipe Schmidt, filho de Felipe e Felisbina Schmidt da primeira leva de imigrantes da colônia São Pedro de Alcântara. Também por falta de perspectivas, a família muda-se para Lages, terra natal de Felipe, nascido em 04 de maio de 1859 (SACHET, 1997, p. 98).
Sachet (1997) também ressalta a contribuição alemã no desenvolvimento
comercial e industrial catarinense, principalmente nas cidades de Joinville,
Blumenau e Brusque. Os colonos organizaram um sistema de compra e venda de
produtos agrícolas, onde as famílias entregavam o excedente da produção nas
casas de comércio, nas vilas e, em troca levavam para casa, tecidos para as roupas,
sal, foice e enxada para prosseguir seu trabalho na roça. Esse sistema ocorreu nos
primeiros anos de povoamento (1850 a 1880). (SACHET, 1997)
Em relação a Joinville, vale aqui lembrar o seu processo colonizador. As
terras hoje pertencentes a essa região, foram incialmente adquiridas com dinheiro
do dote de casamento da princesa D. Francisca Carolina, filha de D. Pedro I, com o
príncipe de Joinville, filho do rei da França, Luiz Felipe. O matrimônio ocorreu em
1843, partindo os noivos no mesmo ano para a Europa. Como os membros não
residiriam no Brasil, o dote fora recebido em dinheiro, para que fossem adquiridas
terras na Província de Santa Catarina (CABRAL, 1968). As terras foram escolhidas
pelo procurador, engenheiro Léonce Aubé, onde iniciaram as demarcações em
1845, sendo finalizadas em 1846 (SCHNEIDER, apud PIAZZA, 1994).
Com a Revolução ocorrida na França em 1848, o rei Luiz Felipe e toda sua
família, o que incluía o príncipe de Joinville e a princesa Dona Francisca, exilaram-
78
se na Inglaterra. Com a crise econômica que estavam passando, o príncipe de
Joinville solicitou a Léonce Aubé que firmasse um acordo de colonização junto ao
Senador Cristiano Matias Schroeder (CABRAL, 1968).
Dessa forma, foi fundada, em Hamburgo, a “Sociedade Colonizadora de
Hamburgo de 1849”, visando à exploração do patrimônio dotal, objetivando introduzir
1.500 pessoas em cinco anos. O contrato referente à colonização foi aprovado pelo
Governo Imperial, em 15.05.1850, tendo entre as cláusulas a proibição do emprego
do braço escravo na colônia. Em decreto de 16.09.1853, ficava assegurada a
proteção ao culto, além de estender a naturalização “após dois anos de residência,
aos que adquirissem terras na Colônia” (PIAZZA,1994, p. 137).
Em 9 de março de 1851 atracou na Colônia a barca norueguesa “Colon”,
contendo 118 imigrantes. Destes, 40 eram alemães, que se localizaram a sudoeste
da colônia, 80 suíços na linha oeste; e um número inicial de 61 noruegueses,
localizou-se ao norte. Estes noruegueses, no prazo de um ano, regressaram ao seu
destino de origem, a Califórnia, permanecendo apenas 9 imigrantes na colônia.
Ainda em 1851, chegaram mais 189 imigrantes, estando a colônia, um ano após os
primeiros imigrantes, contando com 25 quilômetros de estrada, “12 dos quais
buscando ganhar a Serra, em direção a Rio Negro, no Paraná. Já possuíam um
pequeno hospital, escolas e sua produção agrícola bastante promissora” (CABRAL,
1968, p. 214).
O caminho em direção ao planalto norte, mais especificamente em direção a
São Bento, muito agradou os imigrantes, “pois eram as montanhas e matas muito
semelhantes as das suas terras de origem, além de receberem tratamento equânime
da empresa colonizadora” (PIAZZA, 1994, p.142). Este caminho foi denominado
inicialmente de “Estrada da Mata”, mais tarde foi chamada de “Estrada Dona
Francisca”, delineando-se de acordo com as normas do Ministério da Agricultura,
pelo Aviso de 30.09.1867, até a vila de Rio Negro, no Paraná, num percurso de 146
quilômetros. A referida estrada facilitava o comércio entre o litoral e enriquecia a
colônia “Dona Francisca”, a qual foi transformada em “entreposto no comércio da
exportação de erva-mate, gerando capitais para o processo de industrialização”
(ALMEIDA, apud PIAZZA, 1994, p. 142).
Cabral analisa que, ao contrário das outras colônias que não tiveram
organização particular, exceto Blumenau, a Colônia Dona Francisca contou com um
regulamento próprio, pois no acordo, firmado entre o príncipe de Joinville e a
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Sociedade Hamburguesa, constava a garantia dos colonos de “se constituírem em
livres instituições comunais” (CABRAL, 1968, p. 125). Nesta união comunal, os
colonos declaravam seus atos absolutos, desde que não ferissem as leis brasileiras
e os estatutos da Sociedade. As primeiras sociedades foram fundadas na sede da
colônia, denominada Joinville. As sociedades, criadas em 1855 foram a “Sociedade
de Cultura” e a “Sociedade de Atiradores”. Ao lado da Colônia Dona Francisca,
ainda sob o domínio do patrimônio dotal do príncipe de Joinville, foi criado o
“Domínio Pirabeiraba”, o qual sempre teve sua vida ligada ao município de Joinville.
A colônia Dona Francisca foi a que mais incentivos e maior soma de benefícios
recebeu do estado de Santa Catarina, tendo sido visitada por dois Presidentes da
Província, além de vários agentes provinciais e imperiais. Ao completar dez anos de
fundação, a colônia contava com 3.000 habitantes, tinha conseguido completar sua
ligação com Curitiba, pela serra, já possuía um jornal de língua alemã, algumas
escolas e estabelecimentos comerciais, além de: “70 engenhos de mandioca e 32
engenhos de açúcar, havendo 5 fábricas de charutos, 1 de guarda-chuvas, 6 olarias,
2 estaleiros, além das pequenas fábricas de vinagre, sabão, louças de barro, cerveja
e, aumentado o número e a variedade de artífices” (CABRAL, 1968, p. 216).
Lago ressalta a capacidade de adaptação dos colonos europeus ao meio
ambiente apresentado, permitindo relações mais intensas e extensas dos recursos
naturais. Como alguns exemplos, cita o aproveitamento do amido puro da mandioca,
produzindo a fécula da mandioca, produto conhecido pelos europeus somente aqui
no Brasil. Os cereais foram utilizados para a fabricação da cerveja, o fumo para
charutos e depois cigarros, a utilização da carne suína para banha e para matéria
prima de embutidos, além do leite de vaca para a produção de queijos, estimulando
empresas comerciais nas sedes das colônias (LAGO, 2000)
A indústria têxtil catarinense, considerada um dos carros-chefes da economia
de Santa Catarina, surgiu da demanda de um bem escasso nas colônias, o
vestuário. Em 1880, nos festejos de trinta anos da fundação de Blumenau, os irmãos
Hering instalam a primeira indústria manufatureira de Santa Catarina, uma fábrica de
camisetas. Os próximos anos são seguidos da instalação da indústria e tecelagem
Karsten, que iniciou a fabricação de panos de algodão, e a Industrial Garcia,
também indústria de tecidos. Joinville, em 1881, recebe a colaboração do colono
Doehler, que abandonou o campo e partiu para o centro urbano exercer a profissão
que já tinha na Alemanha, ligada à produção têxtil. Além dessa atividade, em 1891,
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criou a Companhia Industrial, que iniciou o beneficiamento e comércio da erva-mate,
que “descia a serra” rumo ao Porto de São Francisco. Em 1892, Carlos Renaux,
instalado havia dez anos em Santa Catarina, instalou a primeira empresa de fiação
do estado, em Brusque. “Nasce o triângulo industrial – Brusque/Blumenau/Joinville-
máquina que movimentará a economia catarinense ao longo dos próximos 100 anos
de nossa História” (SACHET, 1997, p. 115).
3.3 A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO SUL DO ESTADO
A atuação dos imigrantes italianos em Santa Catarina necessita ser estudada
observando as especificidades do processo colonizador dos seus núcleos coloniais.
Essa observação, ressalta Piazza (1994), deve ser analisada por diferentes ângulos,
entre eles a situação socioeconômica e política do italiano nas suas regiões de
origem, além da estrutura de colonização no Brasil, os contratos efetuados entre a
Itália e o Brasil, em especial com a província de Santa Catarina, e os locais de
fixação das colônias.
A Itália forneceu um dos maiores contingentes de imigrantes em território
brasileiro. Um dos motivos foi a situação precária em que os italianos se
encontravam em seu país de origem, além da instabilidade política decorrente da
unificação dos reinos italianos, cita Piazza (2001). A primeira leva de imigrantes
italianos vindos à Santa Catarina foi originária da Sardenha, liderada pelo médico
Henrique Schütel, natural de Milão, que fundou a companhia colonizadora “Demaria
e Schütel”, Sociedade Particular de Colonização. Em 1836, a empresa chega em
Desterro com 186 colonos vindos da ilha da Sardenha, que se dirigem à colônia
Nova Itália, nos arredores do rio Tijucas. Apesar de ataques de índios, enchentes no
Rio Tijucas e, alguns desentendimentos entre os colonos, três anos após ser
fundada, contava com dois engenhos de farinha, dois de açúcar, três de farinha de
mandioca e duas serrarias (SACHET,1997).
Em comparação com as colônias alemãs do Vale do Itajaí e do Norte, o
desempenho das colônias italianas deixava muito a desejar. Várias questões eram
elencadas para a falta de desenvolvimento: “Falha o Império em conseguir terras
para povoar; falha a Província em possibilitar que as colônias instaladas se povoem,
se desenvolvam e transformem proletários em proprietários” (SACHET, 1997, p.
121). A situação só mudou a partir de 1875, com uma nova proposta colonizadora.
81
A partir de 1875, chegaram a Santa Catarina novas levas de imigrantes
italianos. Esta operação foi resultado do Contrato entre o Governo Imperial e o
Comendador Joaquim Caetano Pinto Junior, autorizando o mesmo a introduzir no
Império cem mil imigrantes europeus, no prazo de dez anos, em conformidade com
as cláusulas assinadas. Este primeiro contrato, entre a companhia colonizadora e o
Governo Imperial, em 1874, estabeleceu deveres de ambas as partes, além de dar
liberdade ao imigrante de fixar-se em qualquer terra do governo, assim como, de
optar por ficar no campo ou deslocar-se para a cidade. Porém, deixava claro que,
como os imigrantes viriam espontaneamente, sem compromisso, sem contrato, não
poderiam fazer nenhuma reclamação ao Governo. O Governo Imperial, por sua vez,
“concederá gratuitamente aos imigrantes hospedagem e alimentação durante os
primeiros oito dias de sua chegada, e transporte até as colônias do Estado a que se
destinarem” (PIAZZA, 1994, p. 182).
A análise que João Cardoso de Menezes Souza, em sua obra: “Theses sobre
a colonização no Brasil”, publicada em 1875, citada em Piazza (1984), faz algumas
considerações: por esse contrato o imigrante chega sem despesas, sem obrigação
de ir a um ponto determinado, livre de compromissos, podendo escolher qual campo
de atividade, e qual estabelecimento agrícola, particular ou oficial deseja, e esperar
na hospedaria do governo, sem despesas, o melhor lugar para se fixar. “Ainda será
gratuito o transporte, se preferir empregar-se n’alguma colônia do Estado, onde lhe
darão um lote de terras, de que se constituirá pleno proprietário” (PIAZZA, 1994, p.
185). Fazendo uma primeira leitura, o imigrante estava sendo bem amparado.
Porém, Souza questiona: “onde está o escritório de imigração, dotado de todos os
elementos de informação e com agências nas províncias, por meio do qual o
imigrante chega ao conhecimento dos estabelecimentos agrícolas que mais
condizem com seus meios, tendências e vocação ao trabalho, dos salários, que aí
costumam pagar?” (PIAZZA, 1994, p. 185). Através destas e outras análises é
possível compreender que Souza já previa os dois principais problemas na
execução dos núcleos coloniais: “o desconhecimento completo, por parte dos
imigrantes, da realidade brasileira em que se integrariam, e a falta de previsão
governamental para alojar os elementos que iam chegando da Europa” (PIAZZA,
1994, p. 185).
A maioria dos imigrantes italianos que se instalou em Santa Catarina, veio da
região de Trento, ao norte da Itália. A economia da região girava em torno da
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indústria da seda e, em 1875, foi registrado um ano de crise na produção. Outras
atividades, como fábricas de chapéus e de cerveja, fabrico de veludo, curtumes,
faziam com que essa população vivesse em uma economia sazonal, mudando de
região, conforme tivesse trabalho, muitas vezes em regiões vizinhas ou nas
fronteiras com outros países (PIAZZA, 1994). Após a unificação da Itália, em 1860,
ocorreu um novo momento político administrativo na região, marcado,
principalmente por novos impostos, além de atritos entre trabalhadores e os grandes
proprietários. Uma das saídas foi incentivar a imigração, “pelo menos nas duas
zonas mais pobres: Vêneto e Trentino” (SACHET, 1997, p. 122).
Em janeiro de 1875, desembarcaram 27 famílias de italianos em Blumenau,
fixando moradia em Rio dos Cedros. Outro grupo de 300 trentinos rumou para o lado
de Brusque e, instalaram-se no vale do Rio do Braço. Em 1876, o Vale do Tubarão é
visitado pelo presidente da província, que relatou ficar impressionado com a
fertilidade das terras e alto vazio demográfico do local. No ano seguinte, 1877, levas
de imigrantes italianos desembarcam em Laguna e seguem para Tubarão,
Azambuja e proximidades do rio Pedras Grandes. Em 1879, algumas famílias de
italianos que não encontravam lotes disponíveis em Urussanga, se embrenham
mato-a-dentro e fundam o núcleo de Criciúma (SACHET, 1997).
Observa-se assim, que muitas regiões do sul de Santa Catarina foram
tomadas por levas de imigrantes italianos, todos trabalhando na agricultura. Algumas
regiões conseguiram lograr êxito em alguns anos, como o caso de Azambuja,
Urussanga e Criciúma, possuíam engenhos de açúcar, olaria, alambiques, ferrarias
e fábricas de cerveja.
Zanelatto (2012) observa a colonização italiana no sul de Santa Catarina a
partir de 1873, enfatizando que a mesma ocorreu de forma diferenciada da
colonização luso-brasileira na região. No caso da imigração italiana, “o território da
região foi demarcado tanto pelo governo quanto por empresas privadas que
formaram companhias de colonização e, posteriormente, venderam aos colonos os
lotes, que variavam de 25 a 30 hectares, constituindo dessa forma dezenas de
núcleos espalhados por toda a região” (ZANELATTO, 2012, p. 106). A maioria dos
núcleos italianos permaneceu isolada nas zonas rurais, não conseguindo autonomia
política e econômica, diferente das regiões colonizadas no Vale do Itajaí e Norte do
Estado. Em 1934, somente três colônias foram elevadas à condição de município,
Laguna, Tubarão e Araranguá (ZANELATTO, 2012).
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Sachet (1997) relata a visão do cônsul italiano em Florianópolis, Gherardo Pio
de Savóia, quando de sua viagem ao Vale do Itajaí. Em relação à situação de Nova
Trento, município que, em 1893, abrigava 5 mil habitantes, sendo que 3 mil eram
trentinos e 1.125 de outras regiões da Itália, afirmava que viviam da agricultura, em
uma situação precária em decorrência da má qualidade da terra, além da colônia
estar distante dos mercados e pelos elevados impostos. Em Brusque, relatou que o
aspecto era de um vilarejo da Bavária, onde os poucos imigrantes italianos eram
operários e comerciantes. Porém, o comércio forte estava nas mãos dos alemães,
“que consideram os italianos seus melhores clientes, pela pontualidade nos
pagamentos e pelo prazer de fazerem compras” (SACHET, 1997, p. 137). Ressalta
também a presença forte da igreja católica, reclamando que os padres jesuítas
sugam os bens dos colonos na construção de igrejas, capelas, oratórios e
conventos. Acreditava o cônsul que, no dia em que o colono “tiver cancelado
qualquer traço de italianidade, por águas abaixo irá o sentimento religioso e a fé
católica” (SACHET, 1997, p. 138)
A problemática da imigração italiana no Brasil foi ressaltada por Piazza
(1994), quando analisa cartas enviadas por Joaquim Caetano Pinto Junior, às
autoridades competentes no Brasil e na Itália. Em um momento, na carta enviada ao
Ministro da Agricultura, Tomás José Coelho de Almeida, datada de Paris, a 19 de
novembro de 1875, estando em posse do Museu Imperial de Petrópolis RJ, o
mesmo expressa repulsa quanto ao Governo Imperial em relação a cláusula que
trata do custo do imigrante, o qual deve ser ressarcido o contratante. Ele relata que
tem conseguido fazer com que os imigrantes paguem do próprio bolso o transporte
até a fronteira francesa, e algumas vezes até o porto de embarque. Algumas vezes,
o contratante pagou com seu próprio dinheiro, despesas que estavam a cargo do
Governo Provincial, e conclui dizendo: “Por tudo quanto venho de ter a honra de
expor... prova de que o espírito do Contrato não foi, nem podia ser, o de eu tomar a
obrigação de dar transporte grátis aos emigrantes, e que se isso tenho feito, tem
sido espontaneamente, por encarar esta questão largamente, como o interesse de
nosso pais o exige” (PIAZZA, 1997, p. 187).
Em outro documento, datado em 18 de abril de 1876, ao Ministro da
Agricultura Tomás José Coelho de Almeida, Joaquim Caetano Pinto Junior reclama
da falta de pagamento correspondente ao envio de imigrantes, e logo após ressalta
o cuidado que tem com a seleção de imigrantes enviados ao Brasil, não aceitando
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solteiros, mesmo que contra a sua vontade, selecionando somente “famílias de
procedência notoriamente conhecidas, de gente pacífica, laboriosa e morigerada”
(PIAZZA, 1997, p. 188). Enfatiza na mesma correspondência o cuidado que se deve
ter no tratamento com os imigrantes, não esquecendo dos favores que devem ser
concedidos aos mesmos, ressaltando que, o não cumprimento, ou da demora em tal
“levantariam queixas que se traduzem na Europa da maneira que mais convém aos
nossos concorrentes, que são numerosos” (PIAZZA, 1997, p. 187).
A grande leva de imigrantes italianos, muitas vezes influenciada pelas
propagandas a respeito da América, feitas pelo Brasil, para conseguir mão-de-obra
nas lavouras de café, no sudeste, principalmente em São Paulo, fez o governo
brasileiro, nos anos de 1877 a 1880, restringir a entrada dos mesmos. O governo
italiano, ressalta Piazza (1994), tomou poucas medidas legislativas para
regulamentar a imigração. Por meio de circulares, o governo italiano, a pedido do
governo brasileiro, desaconselhava a emigração para o Brasil. Mesmo tendo sido
proibida a emigração, a partir de 13 de março de 1889, muitos italianos deixavam a
Itália em busca de uma vida melhor na América (PIAZZA, 1994). Esta preocupação
em relação ao grande contingente de imigrantes italianos foi registrada em Cabral
(1968), quando a administração da colônia Brusque advertia para os problemas de
falta de estrutura para abrigar, na colônia de Nova Trento, tantos italianos.
Enquanto a Direção da Colônia Brusque apelava para o Governo, a fim de
que não lhe mandasse mais imigrantes, pois não havia mais terras demarcadas
onde localizá-los, os navios continuavam a desembarcar em Itajaí e Desterro levas e
levas de imigrantes, principalmente italianos, franceses, sardos e austríacos, em
virtude de um contrato feito pelo Governo Imperial com a firma Caetano Pinto
(CABRAL, 1968).
Observa-se que os problemas da imigração italiana no Brasil estão
relacionados à falta de estrutura burocrático-administrativa do Governo Provincial,
além das questões não cumpridas, ou mal interpretadas entre contratado e
contratante, das más intenções dos aliciadores de colonos e da luta dos países
europeus em defesa de seus súditos. Piazza (1994) acrescenta que a “Grande
Colonização” italiana, em Santa Catarina, obteve resultados díspares, em
decorrência da prematura saturação das colônias, consequência do despreparo da
administração brasileira, gerando descontentamento em grande parte dos colonos.
Os italianos fixaram-se nos núcleos de Blumenau, às margens dos tributários do rio
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Itajaí-açu, em Brusque, nas margens do rio Itajaí-mirim e dois afluentes, no vale do
rio Tijucas, e por último, às margens do rio Luiz Alves, originando a colônia do
mesmo nome.
3.4 COLONIZAÇÃO DO PLANALTO NORTE
Em relação à colonização do planalto catarinense, Cabral (1968) ressalta que,
somente no início do século XX, com o acordo de limites, entre Paraná e Santa
Catarina, assinado em 1916, Santa Catarina inicia efetivamente a colonização desta
região, com o estabelecimento de empresas e companhias concessionárias de
serviços de colonização. Estas empresas transportaram imigrantes do Rio Grande
do Sul para terras desbravadas e a desbravar, a maioria, descendentes de italianos
e alemães (CABRAL, 1968).
Porém, em meados do século XIX, a região de fronteira entre Paraná e Santa
Catarina, nas margens do Rio Negro, recebeu o primeiro grupo de alemães que
fixaram moradia na região, tendo como registro deste fato, o mês de fevereiro de
1829. Na história oficial catarinense, a fundação da primeira colônia de imigrantes
alemães no estado, foi a Colônia São Pedro de Alcântara, fundada no dia 1º de
março de 1829, entre Desterro e Lages. Esta variação de apenas alguns dias é
registrada por Nilson Thomé (2004), onde o autor analisou documentos que
registram a chegada de alemães nas margens do Rio Negro, à época província de
São Paulo, antes dos alemães, que se fixaram na colônia de São Pedro de
Alcântara. Mesmo sendo, na época, pertencente à Província de São Paulo, e
posteriormente à Província do Paraná, esta região do rio Negro passou para o
domínio catarinense após a decisão da questão de limites entre os dois estados.
Dessa forma, o autor considera esta a primeira região a receber imigrantes alemães
nas terras catarinenses (THOMÉ,2004).
Na análise de Raul d’Almeida, em sua obra: “História de Rio Negro”,
publicada em 1976, ressalta que, após o acordo de 1916, o município de Rio Negro
perdeu mais de dois terços do seu território, sendo criado o município de Mafra, em
terras catarinenses, causando ressentimentos com o estado vizinho, após decisão
judicial:
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Se até aí a cidade era ponto de convergência do comércio oriundo da grande zona ao sul do rio, agora só pela metade, passou a se ver isolada, posta ao fundo do seu próprio Município. E, no centro da cidade (que foi convertida em duas com a criação de Mafra) surgiram as famosas “barreiras de fiscalização” do transito interestadual. Não é preciso descrever o mal-estar que semelhante situação criou aos habitantes de Rio Negro. Foi muito desprezo a uma população merecedora, por todos os títulos, de um destino melhor (D’ALMEIDA apud THOMÉ, 2004, p. 44).
A região em disputa situava-se no planalto serrano, entre os rios Uruguai e
Iguaçu, a oeste e ao sul de Rio Negro, no Paraná. A origem da disputa reside no fato
de estarem essas regiões em jogo de interesses econômicos e indefinições
territoriais. Machado (2004) observa que no início do século XIX, o território
catarinense restringia-se ao litoral, conseguindo a anexação de Lages, apenas em
1820, sendo, desta forma, desmembrado da província de São Paulo. Porém, “a
indefinição quanto aos limites do território do termo municipal de Lages, e a
ocupação do Iguaçu e dos Campos de Palmas pelos paulistas e paranaenses fariam
com que esta questão fosse objeto de polêmica durante todo o século XIX”
(MACHADO, 2004, p. 125).
Enquanto Santa Catarina argumentava pelo cumprimento das instruções
coloniais, que garantiriam o domínio sobre todo o território circunscrito aos limites
naturais ao sul dos rios Negro e Iguaçu, os paranaenses defendiam sua jurisdição
sobre todo o planalto não pertencente a Lages, principalmente aos Campos de
Palmas. Os paranaenses defendiam sua jurisdição, baseando-se em outros
documentos coloniais, acrescidos do argumento do uti possidetis (a ocupação e
colonização de fato) que eram realizadas majoritariamente por criadores e
lavradores paulistas e paranaenses (MACHADO, 2004).
A questão econômica envolvendo essa região estava centrada na produção e
comércio de erva-mate e extração madeireira, visto que, conforme Machado, o
principal produto de exportação entre o final do século XIX e início do século XX, era
erva-mate (MACHADO, 2004). A cobrança dos tributos efetuada pelos estados de
Santa Catarina e Paraná era motivos de atritos, pois Santa Catarina sempre
tributava a menos a erva-mate que era levada ao porto de São Francisco, através da
estrada “Dona Francisca”, a partir de sua abertura em 1873. Os donos de engenho
de beneficiamento de Curitiba, Antonina, Morretes e Paranaguá, que pagavam um
alto imposto pela exportação no estado do Paraná, faziam sua rota através da
estrada catarinense, também chamada “caminho da serra”. Para isso transferiram
87
para a vila de Joinville os seus engenhos, efetuando o processo de exportação pelo
porto de São Francisco. Desta forma, o porto de Paranaguá foi prejudicado,
diminuindo a receita do Paraná (SANTOS, 1998).
Machado (2004) comenta que o governo do Paraná tentava inibir que os
produtores paranaenses tributassem seus produtos em barreiras fiscais
catarinenses, “principalmente entre Canoinhas e São Bento do Sul, onde havia uma
saliência paranaense no espaço ocupado por Três Barras, Itaiópolis e Papanduva”
(MACHADO, 2004, p.128). Um comerciante de Joinville, destacado pelo governo
catarinense para analisar os problemas relacionados à fiscalização nas fronteiras
entre os dois estados, concluiu que seria necessária a conclusão da construção de
um trecho de estrada de rodagem, que ligaria a Vila de Canoinhas à estação de
ferro do mesmo nome, diminuindo mais ainda os impostos do mate, fazendo com
que, desta forma, a produção de mate do Paraná fosse despachada por São
Francisco e Joinville, lucrando com isso o estado catarinense (MACHADO, 2004).
Observa-se, através dessas informações, que o território disputado pelos dois
estados, constituía grande riqueza natural e que era necessária muita força política
para ganhar essa questão. Desde o momento da criação da Província do Paraná,
em 1835, a disputa pela área pretendida por este o estado do Paraná e Santa
Catarina foi marcada por muitos conflitos, levando à violência, discussões e mortes
em alguns momentos. Uma das sugestões levantada por alguns políticos era o
arbitramento, onde um membro decidiria a questão após julgar todos os lados
envolvidos. Porém, a proposta não seguiu adiante (SACHET, 1997).
Machado (2004) ressalta que o estado catarinense era mais pobre e menos
populoso que o estado do Paraná, além de não possuir um número tão grande e
poderoso de coronéis locais. O Planalto catarinense não dispunha de um grande
número de coronéis, capazes de mobilizar peões e agregados; esta fraqueza
“provinha do perfil social da população, da existência de muitos posseiros e
pequenos lavradores independentes” (MACHADO, 2004, p. 129). Em relação ao
Paraná, com histórico de latifúndios comandados por coronéis, a situação, nesse
momento era favorável a eles, restando aos catarinenses tentar soluções pacíficas,
via justiça institucionalizada.
As localidades catarinenses localizadas próximas às divisas com o Paraná, evitavam, sempre que possível atritar-se diretamente com as autoridades vizinhas. Era uma espécie de “tática de contemporização”, uma política do
88
lado mais fraco, já que o Paraná dispunha não só de uma política mais numerosa e atuante, mas de oficiais da antiga Guarda Nacional [...] que podiam mobilizar grandes contingentes de capangas à disposição das autoridades paranaenses (MACHADO, 2004, p. 129).
Em 1889, o advogado catarinense José da Silva Mafra lançou o livro:
“Exposição histórico-jurídica por parte do estado de Santa Catarina sobre a questão
de limites com o Paraná, submetida, por acordo de ambos estados, à decisão
arbitral”, onde consegue, através de seus argumentos, provar que, historicamente,
essa região em litígio pertencia a Santa Catarina. O Supremo Tribunal Federal dá
ganho de causa a Santa Catarina, o qual não foi aceito pelo Paraná, que irá
contestar três vezes a decisão do judiciário. Enquanto isso, muita violência e
impasse nas regiões contestadas (SACHET,1997).
Foi nesse cenário de incertezas, que eclodiu, no ano de 1912, um conflito em
Santa Catarina, ocasionado pela revolta de moradores locais com a tomada de
terras por uma empresa norte-americana. Esta guerra ocorreu em vários territórios
do estado catarinense, inclusive nas regiões contestadas, sendo por esse motivo,
chamada de “Guerra do Contestado”, “Conflito do Contestado”, “Movimento
Sertanejo”, “Guerra dos Jagunços”, e outras denominações afins. Esse fato gerou
inúmeras consequências no estado, principalmente na região em que é objeto deste
estudo, décadas antes do surgimento do movimento integralista na região.
A partir da assinatura do Acordo de Limites, em 1916, onde Santa Catarina
ficou com 28.000km² e Paraná 20.000 km², do total de 48.000 km² do território
disputado pelos dois estados, o governo de Santa Catarina organizou a
incorporação dos municípios, que estavam sob jurisdição paranaense, criando, em
1917, os municípios de Mafra, Porto União, Joaçaba e Chapecó (SANTOS, 1998).
A região onde se localiza Mafra já existia desde 1827, era uma localidade
criada às margens do Rio Negro, com o objetivo de abrigar imigrantes alemães. Em
1870, Rio Negro foi elevado a Município, ocupando a sua sede, os dois lados do rio.
As levas de imigrantes se intensificaram, com a vinda de bucovinos, vindos da
região da Bucóvia, em 1877, seguido de poloneses, em 1891, e de russos e rutenos
em 1895. As principais atividades econômicas giravam em torno da extração da
madeira e da erva-mate (CABRAL,1968). Com o acordo firmado entre os dois
estados em 1916, o lado esquerdo do Rio Negro passou para a jurisdição
catarinense, batizado com o nome de Mafra. Além deste município, Machado (2004)
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ressalta que “a antiga saliência paranaense formada pelas vilas de Três Barras,
Papanduva e Itaiópolis foi entregue integralmente para Santa Catarina, o mesmo
acontecendo com os vales do Timbó e Paciência” (MACHADO, 2004, p. 137).
A Colônia Lucena, conforme Piazza (2001), foi criada em 1891, na parte sul
do Rio Negro, sendo colonizada por poloneses. Em 1896, foi emancipada de Rio
Negro e tornou-se sede do município de Itaiópolis. Após o Acordo de Limites entre
Paraná e Santa Catarina, em 1916, o município passou a integrar o quadro político-
administrativo catarinense. Cabral (1968) oferece mais informações a respeito dos
primeiros colonos que chegaram à região, em 1891, ressaltando que, inicialmente, a
colônia era de competência do governo federal, passando, mais tarde, a
competência ao governo paranaense.
Os primeiros colonos chegaram em 1891, e eram de origem inglesa, ex-trabalhadores das fábricas de Londres, acrescidos de alguns polacos e russos. Em 1895, o governo passou para o estado os encargos da mesma, desistindo dos serviços de colonização da zona. Sob a direção do Estado foram então encaminhadas para o núcleo algumas famílias rutenas, vindas de São Paulo e já ajeitas a vida agrícola. Dois anos mais tarde, uma nova remessa se fez, contando então com elementos de origem polonesa. Além desses, pela mesma época, se localizaram em Lucena muitos alemães que haviam saído de São Bento, aumentando assim a população (CABRAL, 1968, p. 307).
A localização da colônia penetrava em uma região extremamente importante
para os índios botocudos (índios xockleng, que foram apelidados assim pelos
europeus), pois ali estavam os antigos cemitérios desse povo, considerado um
território sagrado (WACHOWCZ apud PIAZZA, 1994, p.240). Este fato vem
causando, até os dias atuais, conflitos entre moradores locais e índios na região. Em
relação à economia, a colônia extraía erva-mate, exportando parte significativa da
produção, além de cultivar produtos agrícolas como milho, feijão, centeio e batata.
Grande praga de gafanhotos, ratos e lagartas, além de enchentes, prejudicaram o
desenvolvimento da região (PIAZZA, 1994).
A região, onde atualmente se encontram os municípios de Porto União e
União da Vitória, antigamente estavam unidos com a denominação de Porto União
da Vitória, que desde 1855 pertencia ao município de Palmas, no Paraná. Em 1881,
sob a liderança do Coronel Amazonas de Araújo Marcondes, o povoamento iniciou
um processo de desenvolvimento e, em algumas décadas, se tornou um ponto
geográfico importante na região. A estrada de ferro São Paulo – Rio Grande,
90
construída no início do século XX, passou pela região, além de estradas que partiam
desses pontos para regiões sertanejas, e tornou-se o centro da navegação fluvial do
Iguaçu. Em 1890, a região foi elevada à categoria de município e, em 1891, iniciou a
vinda de colonos alemães, trazidos pelo Coronel Marcondes de Joinville. Nos anos
seguintes, novas levas, parentes dos primeiros imigrantes alemães, vieram colonizar
a região; em 1911 e 1926, chegaram levas de imigrantes poloneses, vindos de
Rebouças, no Paraná (CABRAL, 1968).
Em 1916, com o Acordo de Limites, o município de Porto União da Vitória foi
dividido pelos trilhos da estrada de ferro, formando os municípios de Porto União,
sob jurisdição catarinense, e União da Vitória, pertencendo ao estado do Paraná
(SACHET,1997). Os municípios paranaenses de Palmas e Clevelândia foram
divididos, surgindo ao sul da região oeste o município de Chapecó (MACHADO,
2004). O município de Chapecó foi criado em 1917, com sede na localidade de
“Passo Bormann”, passando, em 1938, a chamar-se Chapecó (PIAZZA, 1994, p.
308). Este município deu origem a vários outros, em 1953: Palmitos, Xaxim, Mondaí,
Dionísio Cerqueira, São Carlos, Xanxerê, São Miguel d’Oeste e Itapiranga. A
colonização destes locais ficou a cargo de várias companhias de colonização, que
encamparam a missão colonizadora no Oeste. A maioria dos colonos era
descendente das colônias velhas do Rio Grande do Sul, havendo também, em
número menor, descendentes de imigrantes alemães (CABRAL, 1968).
Correa (2000) enfatiza que o território catarinense só se estruturou após a
assinatura do Tratado de Limites com o Paraná. As áreas definidas como
catarinense foram as pertencentes ao Centro-oeste e Oeste de Santa Catarina. As
pessoas que habitavam essas áreas sofreram um processo chamado de
“catarinização”, que também envolveu os imigrantes, que foram chegando nestas
regiões, a partir desse momento, incrementando a produção agrícola e industrial.
Somente a partir destes acontecimentos, o Litoral passou a tomar
conhecimento oficial da existência dos “irmãos” do Oeste, desconhecidos e
estranhos à convivência com o mar. Em 1929, o governo Adolpho Konder resolveu
embrenhar-se pelo interior adentro e tomar posse definitivamente do homem e das
terras, implantando, no Extremo Oeste, um cartório de registro civil, para que a nova
população passasse a ser catarinense, e uma delegacia de policia para implantar a
ordem provinda do Litoral. Essa política foi logo abortada no ano seguinte pelos
representantes gaúchos da Revolução de 1930, pois não lhes interessava a
91
“catarinização” dos gaúchos do Oeste de Santa Catarina (CORREA, apud SANTOS,
2000).
3.5 O MEIO OESTE CATARINENSE E AS COMPANHIAS DE COLONIZAÇÃO
O povoamento da região do médio-oeste catarinense efetivou-se após a
construção da estrada de ferro “São Paulo – Rio Grande”, iniciada ainda no século
XIX. Porém, em Santa Catarina, suas obras deram início nos primeiros anos do
século XX. Entre os acordos feitos entre o Governo Federal e a empresa norte-
americana Brazil Railway Company, parte do pagamento pelos serviços prestados
pela companhia seria em terras ao longo da ferrovia, sendo de até 15 km de cada
lado. Para administrar estas terras foi criada a “Brazil Development e Colonization”,
empresa que ficou responsável por efetuar o acordo em relação à posse das
mesmas, desalojando e expulsando muitos agricultores e pequenos fazendeiros
destas regiões. A consequência deste ato, entre outros, deu origem à Guerra do
Contestado (PIAZZA, 1994)
Afora o inegável desenvolvimento econômico, político e social que ocorreu
nas regiões do planalto e oeste catarinense, assim como a exploração e usurpação
das terras de moradores locais, os caboclos do sertão, as comunidades indígenas
sofreram um processo de extermínio em consequência da colonização europeia. Os
conflitos ocorreram em diversas regiões, onde o branco colonizador utilizou armas
de fogo para afugentar os “selvagens”. Como os indígenas foram perdendo muitas
terras e, consequentemente, diminuiu o acesso às suas necessidades alimentares,
os mesmos começaram a assaltar as propriedades dos colonos. Atacavam as roças,
matavam o gado.
As colônias de colonização acharam que a solução estava em dizimar esses
“nativos selvagens”, pois provocaram assombro nos locais, causando medo e temor
entre os colonos europeus. Esta atitude era compactuada pela sociedade, pois os
matadores de índios (bugres), chamados de “bugreiros”, eram contratados entre a
população, sendo essa atividade considerada uma profissão (SANTOS, 1998).
Santos (1999) ressalta que foi nos primeiros anos do século XX, que ocorreu
a tentativa de se acabar com violência utilizada pelos bugreiros contra os Xockleng.
“Uma ‘Liga Patriótica para a Catequese dos Silvícolas’ foi criada, em 1907, em
Florianópolis sob a liderança de positivistas e maçons” (SANTOS, 2000, p. 25). Em
92
1910, foi criado o Sistema de Proteção ao Índio (SPI), com o intuito de pacificar os
conflitos com indígenas, criado pelo governo federal. Em 1914, em função dos bons
frutos do Sistema de Proteção ao Índio, uma parte dos Xockleng “foi atraída para o
contato com os brancos, mas a violência que atingia os indígenas ainda não acabou”
(SANTOS, 2000, p. 25).
Diante destas informações a respeito da povoação e colonização do estado
de Santa Catarina, é possível fazer algumas considerações. O êxito nas colônias de
imigrantes europeus dependeu da organização e administração das empresas
colonizadoras, do apoio dos governos federal e estadual, além da capacidade dos
colonos de adaptar-se ao meio em que se encontravam e conseguir desenvolver
economicamente a região. A carga cultural trazida pelos europeus, principalmente
pelos alemães, foi fundamental para o desenvolvimento dos núcleos coloniais.
Em relação ao domínio político no estado, interessante perceber a presença
dos luso-brasileiros na capital do estado, que já vieram designados de Portugal a
administrar politicamente a região. Fato que permaneceu durante muitas décadas,
onde o poder político foi disputado por elementos teuto-brasileiros do Vale do Itajaí e
descendentes de bandeirantes e luso-brasileiros do Planalto Serrano. Esse quadro
político ainda se reflete no estado.
A região do Planalto foi composta inicialmente por migrantes paulistas,
gaúchos e mineiros, mais tarde sofrendo a colonização de alemães, poloneses,
seguido de italianos. Porém, o fato mais marcante dessa região encontra-se no
poder exercido por coronéis, donos de terras e dos seus agregados, surgindo o
sistema coronelista e patriarcal, demarcando de forma inequívoca a ausência, senão
omissão, do Estado na região, fato que manifesta efetivamente, ou de forma mais
contundente, após o acordo de limites que se efetiva após o fim do conflito do
contestado. Essas e outras discussões a respeito dessa região serão abordadas no
terceiro capítulo. Neste momento, o objetivo é compreender como o movimento
integralista se estrutura no estado.
93
4 O NASCIMENTO DA AIB EM SANTA CATARINA
Em Santa Catarina, a adesão ao movimento integralista foi significativa,
instalando-se com maior expressão nas colônias de origem germânica, como
Blumenau, Joinville, Jaraguá, Rio do Sul, São Bento e Canoinhas. Porém, em outras
regiões do estado como Criciúma, Campos Novos, Itajaí, Lages, Laguna,
Curitibanos, Itaiópolis, São Francisco, Caçador, Chapecó, Concórdia, Mafra, Porto
União, Tijucas e São Joaquim, também havia núcleos integralistas.
Os primeiros núcleos integralistas surgiram em 1934, na capital do Estado e
em Itajaí. Segundo Gertz (1987), o integralismo começou a estruturar-se em
Florianópolis, em abril de 1934, sob a liderança de Othon Gama D’Eça (GERTZ,
1987). Falcão (2000) destaca que o movimento chegou a Santa Catarina por vários
caminhos. Em Itajaí começou a ser organizado em janeiro de 1934, com Juventino
Linhares (1896-1968), proprietário do jornal “O Pharol”, alastrando-se para as
colônias de origem germânica (FALCÃO, 2000).
A adesão do movimento em Santa Catarina tornou o estado o terceiro maior
contingente de militantes filiados à AIB, ficando atrás somente de São Paulo e Bahia
(GERTZ, 1987). Os dados revelam que havia 32.898 inscritos na AIB em 39
municípios do estado. Deste total de inscritos, oito municípios catarinenses
agregavam 23.646 integralistas, o que equivale a 71,8% do total de militantes. Esses
municípios eram colonizados por elementos de imigração europeia, quase a
totalidade de alemães (KUHNE apud GERTZ, 1987).
Compreender como um movimento de ideologia nacionalista que, entre outros
ideais, tinha por objetivo valorizar o caboclo, o homem da terra, o índio, e a fusão
dos grupos que formam a identidade brasileira, incorporou-se na sociedade de
colonização europeia, torna-se uma questão bastante complexa. Os europeus das
colônias alemãs, na maioria das vezes, não sentiam-se pertencentes ao país a que
vieram trabalhar e viver, não obstante, preservavam a memória de sua terra natal,
não deixando de cultuar seus costumes e tradições. Desta forma, não incorporavam
a cultura local e/ou nacional, por entendê-la como inferior à sua. Para entender a
adesão a um movimento de cunho nacionalista é preciso analisar as características
políticas, econômicas, étnicas e culturais das regiões e da sociedade que as
compunham, e que diferenciam estes dos demais grupos integralistas ao redor do
país.
94
Para Ribas (1943), os primeiros núcleos foram fundados em regiões onde “o
elemento étnico supera os demais. O grupo de Blumenau teve por fundadores três
brasileiros de descendência alemã” (RIBAS apud LENZI, 1983, p. 125). Dentre os
documentos analisados, no ano de 1933, Ribas apresenta a seguinte informação:
“em Santa Catarina, nós camisas-verdes, já temos 26 grupos de localidades e no
país somos 182.000” (RIBAS apud LENZI, 1983, p. 125).
Lages também contava com um núcleo integralista e era visto como o centro
mais nacionalista, tendo como comandante da Milícia-Integralista, o engenheiro
alemão, Hans Walter Taggesell, seguido dos seguintes membros: Mário Augusto de
Souza (português de nascimento), Elizário Camargo Branco, Armindo Ranzolin,
entre outros. Esta informação a respeito do núcleo de Lages, considerado “o
verdadeiro reduto do sentimento brasileiro e liberal-democrático” (LENZI, 1983, p.
125), começa a dar uma ideia da dificuldade em se encontrar um perfil regional ou
étnico que dê conta de explicar a enorme adesão da AIB no estado. No caso
específico de Lages, basta observar que o líder do movimento, considerado
extremamente nativista é um descendente de alemão, além do fato da região ser
reduto de ideias liberal-democráticas, que vão contra a ideologia integralista. No
decorrer desta pesquisa, outros dados e informações se farão presentes para
analisar essas e outras questões.
A implantação do movimento integralista em Santa Catarina é comumente
vista como uma ligação direta entre imigrantes alemães e italianos, e sua
identificação com o discurso fascista. Além desta ligação, outras causas podem ser
elencadas como fatores que impulsionaram a adesão ao movimento, observando
que, mesmo dentro do estado, as razões para a expansão tiveram causas
específicas. Segundo Gertz, “o nazismo pode ter influenciado ideologicamente o
integralismo nas colônias, mas a expansão não pode ser explicada pelo apoio ou
orientação nazista. A explicação mais plausível estava no dinamismo e na política
regional” (GERTZ,1987, p. 28).
Estudos como o de Falcão (2000) evidenciam a adesão por diferentes
caminhos. Profissionais liberais, como o jornalista e comerciante José Linhares, do
núcleo de Itajaí, o advogado, promotor, juiz de direito e chefe estadual de polícia
Othon Gama D’Eça, do núcleo de Florianópolis, jovens assalariados de Jaraguá do
Sul, Timbó e São Bento do Sul, descendentes de imigrantes europeus de Joinville e
Blumenau, pequenos proprietários do comércio local e funcionários públicos do
95
núcleo de Jaraguá do Sul são exemplos de diferentes grupos que lideraram o
movimento.
Gertz destaca que o integralista típico de Santa Catarina é uma pessoa jovem
em processo de ascensão social. Em relação à composição social, o referido autor
esclarece que: “O cerne era constituído de classes médias e operárias, enquanto a
liderança de seus oponentes era das classes economicamente dominantes.”
(GERTZ, 1987, p. 197). Havia também uma grande adesão nas áreas agrícolas que
começaram a industrializar sua produção, formando pequenas indústrias
alimentícias, como em Indaial, Rio do Sul e Timbó. O motivo dessa adesão estava
em perceber que o integralismo combinava com “dinamismo econômico, mais que
com crise e estagnação” (GERTZ, 1987, p.198).
Em suas análises, Gertz (1987) enfatiza que a questão étnica vem
acompanhada de um fator cultural próprio dos imigrantes teutos, o dinamismo
econômico. Para este autor, as razões para a adesão devem ser analisadas dentro
de um contexto local, quase sempre envolvendo o fator político e econômico como
central para o desenvolvimento das colônias, fator este que estava sendo deixado
de lado pelas forças políticas tradicionais.
Falcão (2000) traçou perfis diferenciados dentre os componentes do
integralismo em Santa Catarina, dividindo-os em três grupos. Na análise do primeiro
grupo observa a presença de funcionários públicos militares ou civis, profissionais
liberais, vindos de famílias conhecidas. A faixa etária estava mais para a meia idade
e a velhice, tinham estabilidade financeira e estavam desiludidos com os rumos do
país no pós-1930. Foram nomes de destaque desse grupo: Othon Gama D’Eça, de
Florianópolis, Carlos Remor de Laguna e Juventino Linhares, de Itajaí.
No segundo grupo, estavam “os pequenos proprietários e funcionários
públicos [...] descendentes de imigrantes alemães e italianos, com idade entre 20 a
30 anos, também desiludidos com os rumos da política no país no pós-1930,
influenciados pelos fascismos europeus e receosos com o avanço comunista”
(ZANELATTO, 2012, p.40). Importante perceber os exemplos desse perfil de
integralista, entre eles: Aristides Largura “inspetor de ensino do governo estadual” e
Carlos Brandes “proprietário de Farmácia”, ambos eleitos prefeitos nas eleições de
1936 em Joinville e Timbó, e Ricardo Gruenwaldt “proprietário de farmácia” e
presidente da Câmara de Vereadores em Jaraguá do Sul. O terceiro grupo era mais
numeroso, composto por pequenos proprietários urbanos e rurais, descendentes de
96
imigrantes alemães e italianos, poloneses ou de outras origens, estabelecidos
principalmente no Vale do Itajaí e nordeste e sul do estado (ZANELATTO, 2012)
Falcão (2000) destaca as semelhanças existentes entre os membros desse
terceiro grupo, eram pequenos proprietários rurais e urbanos, estabelecidos por todo
interior, mas em zonas de concentração importantes, como o Vale do Itajaí, em
cidades como Blumenau, Brusque e circunvizinhanças. No nordeste do estado em
cidades como: Joinville, Jaraguá do Sul e imediações e, em cidades do sul do
estado como: Araranguá e Criciúma.
Outro elemento que aproximava este terceiro grupo está vinculado ao fato de
que eram cidades, naquele contexto das primeiras décadas do século XX,
pequenas, menos populosas que o campo. Vale lembrar, naquele contexto temporal,
que a população era eminentemente rural. A realidade do campo era marcada pela
proximidade em função da precária malha viária para a época. Havia relações
comerciais entre campo e cidade, e uma organização social comunitária: festas de
igreja, bailes, sociedades de atiradores. Identificavam-se pela sua origem, seu estilo
de vida, aspirações e sonhos compartilhados.
Outra questão importante de ser observada e analisada reside no fato de que
estas municipalidades e localidades eram bem servidas de informações, por meio de
jornais e panfletos. As ideias proliferavam em conversas de grupos de amigos, no
armazém, ou mesmo na Igreja, o que revela a manifestação do espírito e o
comprometimento público em tais comunidades. O sentimento de identificação pela
condição de origem e, por interesses em comum, fez com que esse grupo
procurasse um meio político para ampliar sua autonomia e para obter maior inserção
na sociedade brasileira, mantendo seus laços culturais com a terra natal (FALCÃO,
2000).
Um exemplo destas relações está em Zanelatto (2012), onde o autor relata a
importância dos eventos religiosos nas colônias do sul do estado. A igreja católica
tornou-se um canal importante de difusão do integralismo. Assim como nas vendas e
armazéns, as pessoas se encontravam muito nas missas e nas festas, momentos
em que todas as famílias confraternizavam-se. Estes momentos de encontro entre
os colonos propiciou a propagação dos ideais do movimento. A Igreja Católica,
através dos padres não se mostrava abertamente favorável ao movimento. Porém,
não se opunha ao fato dos membros da AIB fazerem propagandas nos encontros
97
religiosos, nem aos fiéis. Participavam das missas com uniforme integralista e após
o término das mesmas faziam desfiles ou reuniões do partido.
Em relação aos perfis dos integralistas, selecionados em grupos por Falcão
(2000), ressalta-se que o propósito da divisão em grupos não objetivava nenhuma
tipologia de enquadramento, em termos de classes ou de frações de classes,
apenas uma maneira de explicitar motivos de adesão. Dessa forma, cita outros tipos
de integralistas como:
[...] militares de carreira, estudantes de Direito de Florianópolis [...] industriais como Carlos Broedbeck (Araranguá), Francisco Ferreira de Souza (Canoinhas) Otto Schloesser e Guilherme Renaux (ambos de Brusque), sem que isso indique uma adesão maciça dos donos de industrias ao integralismo, pois em cidades como Blumenau e Joinville sua fração mais tradicional e poderosa não apoiou a AIB” (FALCÃO, 2000, p. 186).
Com estas descrições de Falcão em relação aos adeptos do movimento,
observa-se que, de acordo com o local e a situação política, econômica, ou cultural
em que se encontrava determinado grupo, o integralismo surgia como a melhor
opção. Nas regiões de colonização alemã, Falcão enfatiza o fator de inserção social
e política dos imigrantes à adesão ao movimento. Desta forma, ao longo deste
trabalho, talvez seja possível perceber como um fator, ou vários deles, podem ser
suficientes para a adesão de um grupo ao movimento, sem que isso seja regra, ou
ocorra em outros grupos.
O integralismo no sul do estado se estruturou de maneira diferente,
demarcando assim, mais uma vez, as diferenças do movimento em cada região. Em
alguns locais manifestou-se a presença dos luso-brasileiros. Porém, a maior força do
movimento estava nas zonas de colonização italiana no interior dos municípios.
Diferente das colônias alemãs do Vale do Itajaí e do Norte do estado, onde o
predomínio político era do partido republicano, até o movimento de 1930, no sul do
estado, a liderança era do partido Liberal, dessa forma, as mudanças ocorridas após
1930, com a entrada dos liberais no governo estadual, favoreceram politicamente a
região.
O historiador Zanelatto (2012) traçou dois perfis de integralistas, um na área
urbana e outro na área rural. Nas áreas urbanas, os integrantes concentravam-se
entre os comerciantes e profissionais liberais. Nas áreas rurais, os integralistas eram
os pequenos agricultores isolados nas colônias. Através de atas das reuniões de
98
alguns subnúcleos, é possível observar a presença de luso-brasileiros,
descendentes de imigrantes alemães, poloneses, com preponderância para os
descendentes de italianos, todos de regiões agrícolas, reforçando a observação de
que, a maioria dos descendentes de imigrantes que aderiram ao integralismo, era de
pequenos agricultores.
Alguns imigrantes italianos, no início do século XX, conseguiram acumular
recursos financeiros, e foram para os núcleos urbanos, enriquecendo com o trabalho
no comércio. Para conseguirem capital, fizeram negociações com o seu próprio lote
na colônia. Após quitarem suas dívidas com as companhias de colonização,
venderam, alugaram, ou arrendaram os lotes aos seus filhos, e foram trabalhar com
o comércio nas áreas urbanas. Os imigrantes que não conseguiram pagar seus lotes
ao estado, ou às companhias particulares de colonização, acabaram ficando no
interior, conformando-se com a situação da maioria dos colonos (DALL’ALBA apud
ZANELATTO, 2012).
Os imigrantes que se voltaram ao comércio enriqueceram nas cidades,
formando uma classe de imigrantes que se destacou economicamente em um local
dominado pelos luso-brasileiros, principalmente em cidades como Laguna, Tubarão
e, Araranguá. Estes dois grupos, com interesses diferentes, lutavam para conseguir
o poder, disputando e negociando os espaços de poder local.
É óbvio que o imigrante e o nacional possuíam perspectivas diferentes, Mas ambos estão agora num mesmo espaço. O jogo do poder, as estratégias de controle, a luta pela melhoria das qualidades de vida, a posse definitiva da propriedade, os casamentos, a educação, a criação de infraestrutura etc., exigirão estratégias de ambos os lados para que a organização desses elementos responda aos interesses dos sujeitos envolvidos nesse espaço (SILVA apud ZANELATTO, 2012, p. 173).
Esses grupos de imigrantes se destacaram após os anos de 1930, tornando-
se grandes empresários e industriais da região. Politicamente optaram, ou pelo
integralismo ou pelo Partido Liberal (ZANELATTO, 2012). As opções políticas e o
papel do integralismo nestas regiões serão abordadas nas análises das eleições
municipais de 1936, que ocorreram no estado.
Nas regiões de Urussanga, Orleans e Criciúma, havia uma divisão entre o
mundo rural dos imigrantes, e o mundo urbano dos lusos. Os imigrantes
continuaram nas colônias, enquanto os luso-brasileiros dominavam o comércio e a
política nos municípios. Nas primeiras décadas do século XX, a exploração de
99
carvão, especialmente com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), fez surgir nestas
regiões vultuosos investimentos, atraindo migrantes, elites locais e empresários de
outras regiões do estado, e também do exterior. Nessas regiões, o integralismo não
conseguiu adesão significativa nos meios urbanos, pois as forças político-
econômicas na região, principalmente do Partido Liberal, eram muito fortes. Ou seja,
nestas regiões, a AIB ficou condicionada às zonas rurais, tornando esse fato uma
especificidade do movimento, pois em outras regiões a adesão partiu de núcleos
urbanos e rurais. Em alguns desses núcleos rurais, o contato com o integralismo fez
com que, pela primeira vez, muitos imigrantes tivessem uma experiência de
discussão e participação na política partidária local (ZANELATTO, 2012).
Com essas análises de Zanelatto sobre as colônias do sul de Santa Catarina,
é possível compreender aspectos políticos, econômicos, antropológicos e culturais a
respeito da expansão do integralismo na região. Ou dito de outro modo, que a
questão étnico-cultural não se situa como motivo de adesão. Isto não significa que
não houve identificação dos ideais integralistas com o fascismo porém, em suas
considerações, os fatores econômicos e políticos superam as diferenças étnicas. A
luta pelo poder local e as influências seculares do Partido Liberal na região,
compreendem motivos mais significativos que os demais.
Além dos fatores acima relacionados, os autores que contribuem com essa
pesquisa, como Gertz (1987), Falcão (2000) e Zanelatto (2012), apresentam a
situação política nacional, após o Golpe de 1930, como uma das razões que
influenciaram a formação da AIB em Santa Catarina. A mudança que ocorreu no
controle político estadual afetou diretamente as colônias alemãs. Para Gertz,
“Quando os Ramos, chegaram ao poder, iniciaram sua indistinta hostilidade contra
as ‘colônias alemãs’. Assim, para os cidadãos destas áreas se tornou difícil
continuar apoiando o governo. A alternativa que se lhes apresentava era o
integralismo”.(GERTZ, 1987, p. 202). Por seu turno, Falcão ressalta que:
[...] muitas lideranças ficaram sem uma referência clara de ação política, uma vez que o governo Vargas e seus aliados locais do Partido Liberal Catarinense, titubeavam em implementar as reformas prometidas e, por seu turno, o antigo PRC não se mostrava como uma alternativa viável (quer pelas críticas aos desmandos e fraudes que marcaram a Primeira Republica, quer pela desarticulação após o triunfo militar do adversário)” (FALCÃO, 2000, p. 126).
100
As intervenções realizadas pelo governo estadual, a partir da nomeação dos
interventores do Partido Liberal, acrescidas da política nacionalista imposta por
Getúlio Vargas e levada a cabo, com certa violência pelos governos estadual e
municipal, a partir de 1930, desencadearam o fortalecimento do integralismo.
As questões étnico-raciais são provocadas, levando a uma série de reações,
que vão desde a defesa do “sangue alemão” e do germanismo, assim como, da
vontade de integrar-se à nação brasileira sem perder os laços da pátria de origem.
Este é o contexto de maior efervescência do movimento integralista.
4.1 A QUESTÃO POLÍTICA
Para melhor compreensão do efeito político e social que o Golpe de 1930
trouxe ao estado catarinense, serão analisados alguns aspectos de sua
conformação política no período específico.
Com o início da República, em 1889, o poder político estadual passa a ser
governado pelo Partido Republicano Catarinense (PRC)11, comandado por Lauro
Muller, Esteves Junior, Hercílio Luz, entre outros, (LENZI,1983) que controlaram os
rumos administrativos do Estado, durante toda a Primeira República. A ruptura só
ocorreu com a fundação da Reação Republicana, em 1921, fundada por Nereu
Ramos, e a criação do Partido Liberal Catarinense, em 1922, culminando com a
Aliança Liberal, em 1929 (ZANELATTO, 2012).
Lauro Severiano Muller (1863-1926) foi o primeiro governador do Estado,
cargo que assumiu duas vezes (1889-1891; 1902), foi ministro da Viação e do
Exterior nos governos dos presidentes Rodrigues Alves (1902-1906), Hermes da
Fonseca (1910-1914) e Wenceslau Braz (1914-1918), além de ocupar o cargo de
deputado federal (1890) e senador (1899). Era chefe supremo do partido, controlava
na esfera federal, a indicação de candidatos a governadores, vices, deputados
federais e senadores. Hercílio Pedro da Luz (1860-1924) foi governador do estado
por três vezes (1894-1898; 1918-1922; 1922-1924), senador por três legislaturas
11
O Partido Republicano Catarinense (PRC), liderado pela família Konder, representava o nordeste catarinense, com predomínio de imigrantes alemães e italianos, que desenvolviam a agricultura com base na pequena propriedade e a indústria. O Partido Liberal, liderado pela família Ramos do planalto catarinense, representava as oligarquias latifundiárias do Planalto Serrano. Zanelatto (2012 p. 58).
101
(1900, 1905, 1915) e uma como deputado federal. Comandava o partido no âmbito
estadual, indicando candidatos a deputado estadual.
Os dois principais políticos catarinenses do início do século XX, de modo
geral, conseguiam se entender rumo aos destinos políticos do estado, porém, em
alguns momentos, houve cisões no partido. Em 1909, na campanha para presidente
da República, Hercílio Luz apoiou o candidato da oposição, Rui Barbosa, junto com
os irmãos Konder, os demais membros do partido apoiaram o candidato oficial,
Hermes da Fonseca. “Começam a aparecer, então, no reduto de Lauro Muller, Itajaí,
as lideranças políticas dos irmãos Konder, Marcos, Adolfo e Victor” (LENZI, 1983).
Em 1921, ocorreu no poder político catarinense outra cisão, Nereu Ramos
fundou a Reação Republicana12, apoiando Nilo Peçanha, que era oposição à
presidência. Hercílio Luz, Adolpho Konder, além dos adversários dos Ramos em
Lages, Otacílio Costa e Caetano Costa, apoiaram Arthur Bernardes, candidato da
situação política nacional (ZANELATTO, 2012).
Arthur Bernardes saiu-se vencedor na disputa presidencial, desta forma, o
poder dos republicanos no estado, liderados por Hercílio Luz, permanece fortalecido.
Hercílio Luz inicia um novo governo em Santa Catarina, em 1922, porém é afastado
por motivo de doença, vindo a falecer em 1924. A morte de Hercílio Luz, em 1924, e
de Lauro Muller, em 1926, abriu espaço para novas lideranças no estado. No Vale
do Itajaí, a família Konder e no Planalto Serrano a família Ramos. Em 1926, Adolpho
Konder chega ao poder no estado e, neste contexto, os irmãos Konder irão
comandar o poder político catarinense até 1930 (ZANELATTO, 2012).
Em nível nacional, o país vivenciava o início de um novo momento em sua
história política. Em 1929, os partidos estavam se mobilizando para a escolha de
candidatos à presidência da República, para as eleições de março de 1930. As
elites, compostas pelas oligarquias agrárias, organizavam-se em torno de grupos
políticos de acordo com seus interesses e as suas conveniências. Sem voto secreto,
as eleições eram fraudulentas, e os membros do Partido Republicano manipulavam
nos estados o processo eleitoral (LENZI, 1983).
A crise econômica de 1929, cujo epicentro foi a quebra da economia dos
Estados Unidos, impactou a economia brasileira, atingindo principalmente as
12
A Reação Republicana foi a reorganização partidária do Partido Republicano Catarinense, liderada por republicanos históricos, após a tomada de poder por Getúlio Vargas. O PRC perdeu o poder no estado após 1930, que foi passado ao Partido Liberal. Lenzi, 1983 p.104.
102
oligarquias cafeeiras, em grande parte situadas no Estado de São Paulo. Além da
questão econômica, ocorreu a crise na política do café-com-leite, que se
caracterizava pela alternância no poder entre as oligarquias mineira e paulista. A
cisão no Partido Republicano ocorreu devido a insistência de parte do partido em
apoiar a candidatura do paulista Júlio Prestes. Políticos descontentes fundaram a
Aliança Liberal, tendo como candidatos à presidente e vice, Getúlio Vargas e João
Pessoa, respectivamente. “O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das
classes dominantes regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo
sensibilizar a classe média” (FAUSTO, 2006 p. 178). Para Lenzi, “a ideologia dos
aliancistas não era muito distinta do situacionismo republicano. A disputa
desenvolvia-se em torno do poder e não apresentava programas reformistas”
(LENZI, 1983 p. 94).
Em Santa Catarina, a família Ramos (Vidal de Oliveira Ramos e Nereu de
Oliveira Ramos) e Henrique Rupp Junior, em 1929, fundaram e comandaram a
Aliança Liberal no estado, provocando mais uma cisão no Partido Republicano. Nas
eleições de 1930, Fulvio Aducci, do Partido Republicano, venceu a disputa para o
cargo de governador do estado, apoiado por Adolpho Konder, que fez seu sucessor.
Porém, o novo governador ficou somente 37 dias no poder; foi deposto pela
Revolução de 1930.
Nas eleições nacionais, a Aliança Liberal apoiou Getúlio Vargas e o Partido
Republicano, o candidato republicano Júlio Prestes. Venceu Júlio Prestes, sob
intensas denúncias de fraude. Porém, Fausto (2006) ressalta que “as ‘máquinas
eleitorais’ produziram votos em todos os estados, inclusive no Rio Grande do Sul,
onde Getúlio teria vencido por 298.627 votos contra 982” (FAUSTO, 2006, p. 179).
Júlio Prestes venceu em Santa Catarina por significativa maioria, mas em
Blumenau e Joinville, Getúlio Vargas recebeu praticamente 50% dos votos,
respectivamente, Joinville 50,8% e Blumenau 52,2% (GERTZ, 1987). Esse
resultado, segundo Zanelatto (2012), representou uma insatisfação política,
principalmente das colônias alemãs, mesmo antes do nascimento do integralismo.
Observando, porém, que as lideranças oficiais das colônias alemãs, apoiaram Júlio
Prestes, por este ser contrário ao candidato apoiado pelas oligarquias do Planalto
Serrano, principalmente de Lages, especificamente a Família Ramos. Nota-se aqui
uma divisão dentro das próprias colônias alemãs, os grupos com maior capacidade
de estruturação econômica, aparentemente estavam aliados ao Partido
103
Republicano, de Adolfo Konder. Já os grupos menos favorecidos não apoiavam o
governo estadual, pois se viam abandonados quanto às suas reivindicações. Esses
grupos irão vislumbrar, com a presença do integralismo, um canal de expressão de
suas insatisfações políticas (ZANELATTO, 2012).
Este contexto político, por que passa neste momento o estado de Santa
Catarina, revela uma mudança nas lideranças políticas estaduais que irá impactar
diretamente nas colônias alemãs. O enfraquecimento do Partido Republicano, e a
consequente tomada de poder pelos liberais, irá revelar a engrenagem do jogo
político no estado. Os interesses coletivos, em nome de uma prosperidade
econômica em todo estado, resvalam nos interesses individuais de grupos políticos,
ora de um partido, ora de outro, porém os dois são compostos pelas elites políticas,
industriais ou agrárias. O movimento integralista vai conseguir congregar os
excluídos desse processo político, além da maioria que vai sofrer com as medidas
tomadas pelo governo liberal.
4.1.1 Santa Catarina após o golpe de 1930
Durante o ano de 1930, vários grupos inconformados com o resultado das
eleições presidenciais, influenciados pelos movimentos ocorridos na década de
1920, como o movimento tenentista, organizaram um levante para retirar
Washington Luiz da presidência. Seu mandato havia iniciado em 1926 com término
previsto para outubro de 1930, onde assumiria o presidente eleito em março de
1930, Júlio Prestes. O movimento organizado pelas oligarquias do Rio Grande do
Sul, Rio de Janeiro e Paraíba, objetivava impedir a posse de Júlio Prestes, levando
ao cargo da presidência, o candidato opositor nas eleições de 1930, Getúlio Vargas.
Este movimento, conhecido como Golpe de 1930, efetivou-se em outubro de 1930 e
Getúlio Vargas assume a presidência em novembro do mesmo ano.
Este primeiro momento, chamado de Governo Provisório, foi de mudança nos
setores políticos de todas as esferas, nacional, estadual e municipal. Os resultados
da eleição de 1930 foram revogados, instituindo-se interventores nos estados e
municípios, no lugar dos governadores e prefeitos. Os reflexos desta instabilidade
política no âmbito nacional em Santa Catarina, fez com que o poder do Partido
Republicano declinasse. Fúlvio Aducci é retirado do cargo de governador, sendo
nomeado o gaúcho general Ptolomeu Assis Brasil como interventor. Em 1932, Assis
104
Brasil renunciou, sendo indicado o seu irmão para o cargo, o major Rui Zubaran. O
mesmo ficou seis meses no cargo, pediu exoneração em março de 1933, sendo
substituído pelo catarinense Aristiliano Ramos, da Aliança Liberal.
Durante a gestão de Rui Zubaran, no período de outubro de 1932 a março de
1933, o estado viveu uma intensa movimentação política na intenção de substituí-lo
por um catarinense. Várias forças políticas se articularam, e o estado viveu um dos
momentos de maior efervescência política. No final do governo de Zubaran, estes
grupos políticos estavam preparando-se para a eleição dos deputados estaduais
para a Assembleia Constituinte, que ocorreria em março de 1933 (ZANELATTO,
2012).
Nas eleições estaduais de 1933, para a formação da Assembleia Constituinte,
o Partido Liberal obteve o maior número de votos, porém, em Joinville e Blumenau,
ganhou o Partido Republicano. Diante desse fato, em fevereiro de 1934, o
interventor do estado, Aristiliano Ramos, desmembrou várias áreas dos dois
munícipios. Esta vitória do Partido Republicano representa ser uma resposta às
medidas repressivas que o governo estadual iniciou em 1931. Entre elas estão o
aumento de impostos sobre o capital, que atingiu principalmente a indústria, base da
economia das colônias alemãs, além da proibição das escolas alemãs e,
principalmente, o desmembramento de 3.750 km² do município de Blumenau, para
constituir o município de Rio do Sul (GERTZ, 1987).
Em outubro de 1934, realizaram-se eleições para escolher os constituintes
estaduais. Vários partidos lançaram candidatos, representando uma abertura política
nunca vista antes no estado. Este cenário de pluripartidarismo contrastava com a
política anterior a 1930, onde havia somente um partido forte, o Partido Republicano,
e sua oposição começou a se organizar em 1920 tendo como expoente o Partido
Liberal, porém ainda de forma inexpressiva. Foi nesse ambiente político e cultural
que o movimento integralista começou a se organizar no estado. Sua participação se
iniciou nas eleições para a Câmara dos Deputados e a Assembleia Constituinte
Estadual, em 1934. A AIB conseguiu lançar um número expressivo de candidatos,
visto que ainda estava se estruturando no estado. Na sua composição estavam
desde operários a empresários, ressaltando os pertencentes aos setores médios da
sociedade. No Jornal Anauê, de Joinville, do dia 13 de outubro de 1934, é expressa
a participação dos candidatos integralistas, ressaltando as suas origens sociais:
105
Nenhum medalhão, nem nome conhecido. Todos, gente nova que não se aluga, nem se vende e que colocou os interesses vitaes da nacionalidade muito acima das competições e dos interesses de indivíduos (ANAUÊ, Joinville 13 de outubro de 1934, Ano I, n.12 apud ZANELATTO, 2012. p.65).
O resultado das eleições levou a uma análise do papel da AIB nesse pleito.
Mesmo tendo conseguido apenas 2.425 votos, foram esses que deram a vitória ao
Partido Liberal. O Partido Republicano perdeu votos para a AIB principalmente nos
locais onde antes era seu grande sítio eleitoral. Em Blumenau, a AIB recebeu 20%
dos votos e, em Brusque perto de 30%. Essas porcentagens a menos para o Partido
Republicano favoreceram a vitória do Partido Liberal. Enquanto os grandes partidos
se digladiavam para a eleição indireta do governador do estado, a AIB, que não
havia conseguido eleger nenhum deputado, aproveitou o momento para se expandir
no estado (ZANELATTO, 2012).
A maior demonstração de força da AIB se concretizou com a realização do
Primeiro Congresso Integralista das Províncias Meridionais, em Blumenau, nos dias
7 e 8 de outubro de 1935. O público que prestigiou o evento veio de diferentes
regiões do estado, e também de outras regiões do país, participaram 260 núcleos
integralistas. Sobre o transporte, o jornal Anauê divulgou desta maneira os meios
utilizados e o número de participantes:
232 vagões com 56 passageiros, três aviões com seis passageiros, quatro navios com 120 passageiros, 250 ônibus com 30 passageiros, 210 caminhões com 32 passageiros, 310 automóveis com cinco passageiros, cinco embarcações fluviais com 400 passageiros, 1.200 ciclistas, 100 carroças com 12 passageiros e 300 pedestres, totalizando 42.570 participantes no congresso (ANAUÊ, 1935 apud ZANELATTO, 2012 p. 79).
O jornal Blumenauer Zeintung calculou entre 25.000 a 30.000 pessoas nas
ruas, que desfilaram com seus uniformes e a braçadeira do sigma, destacando que
Blumenau nunca tinha visto um movimento como aquele e que tão logo não
acontecerá de novo. (FALCÃO, 2000). O jornal A Gazeta (adversária da AIB) cita
40.000 participantes, dados extraídos do Diário da Tarde. O Jornal O Pharol, fez
uma referência, tempos depois, sobre o filme “A marcha dos 42.000 milicianos em
Blumenau”, porém sua exibição foi proibida em Santa Catarina e no Paraná
(FALCÃO, 2000, p. 192).
A cidade precisou organizar mutirões para auxiliar nas acomodações e
alimentação para todos, nestes quesitos o núcleo de Blumenau solicitou ajuda a
106
todos os núcleos do estado. Quem não pode contribuir com dinheiro, doou galinha,
nata, leite, ovos, enfim, todos uniram-se em torno de um objetivo comum. Foram
elogiados pela organização e disciplina. Os desfiles, com os integrantes
uniformizados, como se fossem fardas, demonstraram união e força, conseguindo
arrebanhar mais adeptos e aumentando o sentido de pertencimento e
comprometimento à AIB (ZANELATTO, 2012).
Estas informações a respeito da organização do Congresso Integralista em
Blumenau levam a algumas considerações. Primeiro, em relação ao número de
participantes e as formas com que chegaram até o local. Os relatórios em relação ao
número de participantes chegam entre 30.000 a 40.000 pessoas, integrantes de 260
núcleos de todo o Brasil, de diferentes grupos étnicos e credos (ZANELATTO,
2012). Esse fato mostra aos integralistas catarinenses a força do movimento, e a
integração e o respeito étnico-cultural do integralismo. Observa-se que as pessoas
não pouparam esforços para chegar, além de perceber, pelos meios de transporte,
que os níveis socioeconômicos variavam.
Segundo, o sentimento de solidariedade entre os núcleos, ajudando como
podiam, fez com que os integrantes se sentissem pertencendo a uma comunidade, a
um grande grupo. Esse sentimento talvez faltasse a esses imigrantes, e o
integralismo proporcionou isso, sentirem-se como uma grande família. Esse talvez
seja um ponto onde muitos aderiram sem se preocupar com o restante da ideologia
integralista, os mesmos precisavam se identificar com um grupo que tivesse
algumas, ou muitas coisas em comum. Terceiro, os rituais, gestos, indumentárias e
discursos lembravam os movimentos fascistas, o que fazia com que se sentissem
identificados com sua terra natal.
O crescimento da AIB no estado fez com que, pela primeira vez em Santa
Catarina, um grupo político fora dos círculos políticos tradicionais conseguisse atrair,
pelo discurso, grande parte da população. Esse fato, que assustava as elites
políticas tradicionais, principalmente do Partido Republicano, veio seguido de outro
agravante de ordem política, a ascensão do Partido Liberal. As ações tomadas pelos
liberais nas regiões de colonização alemã, de tradição política republicana, são
consideradas por muitos como o principal motivo de adesão ao integralismo.
107
4.1.2 As Ações do Partido Liberal nas Regiões de Colonização Alemã
As ações tomadas pelos interventores em Santa Catarina tiveram significativo
impacto em algumas localidades, principalmente no Vale do Itajaí e Nordeste do
estado, sendo esse um dos maiores motivos, da expansão do integralismo nessas
regiões. Dentre as primeiras medidas do Governo Provisório de Getúlio Vargas
(1930-1934), estava a nomeação de interventores nos estados, por indicação do
chefe do executivo federal:
De acordo com a lei orgânica ou Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1931, era de competência do governo federal nomear interventores de sua confiança para cada Estado, incumbindo-os de exercer, como ele próprio, atribuições executivas e legislativas, e, também, autorizando-os a nomear, a seu turno, os prefeitos para os diversos municípios ( ZANELATTO, 2012, p. 69).
Blumenau foi o município mais castigado pelos interventores. Foram
nomeados seis prefeitos de 1930 até as eleições de 1936. Como represália ao
resultado das eleições para a Assembleia Constituinte em 1933, em Joinville e
Blumenau, onde o Partido Liberal não foi vencedor, o interventor do estado,
Aristiliano Ramos, em fevereiro de 1934, desanexou parte do município de Joinville
e mais uma porção territorial significativa de Blumenau, além da primeira divisão
feita em 1931, com o desmembramento de Rio do Sul. Aristiliano Ramos iniciou o
processo de desmembramento do território, que passou de 10.375 km², em 1930,
para 1.650 km², em 1934. (ZANELATTO, 2012). A reação da população foi imediata,
provocando um movimento de repúdio, com comércio e indústrias fechadas.
Passeatas foram realizadas com o slogan: “Por Blumenau Unido”. Durante uma
semana, a cidade parecia uma praça de guerra. Fizeram parte desse movimento
antigas elites políticas do Partido Republicano Catarinense, dentre outras figuras
importantes no cenário político local. (GERTZ, 1987). Foi enviada uma comissão a
Florianópolis para negociar com o governador, não sendo recebida pelo mesmo. O
governo estadual ordenou o envio de uma seção da Polícia Militar, para ocupar
Blumenau. “Nos setores palacianos, esse movimento era propagandeado como
consequência do ‘movimento hitlerista’” (ZANELATTO, 2012).
Em outros estados, a relação com os imigrantes e o governo estadual era
amistosa, a exemplo do Rio Grande do Sul. As relações abaladas entre os teutos e o
108
governo estadual, foram relatadas pelo embaixador alemão Schmidt-Elskop, em abril
de 1935. Enquanto no Rio Grande do Sul o mesmo foi recebido cordialmente por
Flores da Cunha, em Santa Catarina, o governador do estado, Aristiliano Ramos,
negou-se a recebê-lo, alegando que sua agenda estava muito tomada. (GERTZ,
1987). O cônsul alemão relatou à embaixada as críticas sobre a política de
imigração e o favorecimento político de certas regiões do estado, feitas por
Aristiliano Ramos, em Lages:
Cidadãos de Santa Catarina! Se sois meus amigos ou meus adversários, numa coisa não podereis negar: se eu e meus amigos tivéssemos estado no poder nos últimos decênios, não teria acontecido a entrega das mais férteis áreas litorâneas aos estrangeiros e vocês saberiam hoje onde colocar seus pés, para sair da miséria em que vocês se encontram (GERTZ, 1987, p.67).
O estabelecimento de imigrantes alemães no Vale do Itajaí era permitido sem
nenhum problema, ou empecilho, pelos grupos políticos que governaram o estado
até 1930, estendendo-se até 1932, mesmo com a presença de interventores.
Somente, do início do governo de Aristiliano Ramos, a partir de 1932, é que não foi
mais permitido tais iniciativas. Some-se a essa atitude, o fato de a Constituição de
1934, passar a restringir a entrada de imigrantes ao país (ZANELATTO, 2012). Além
dessas medidas, Aristiliano Ramos exigiu que os professores das redes particulares
de ensino, no prazo de cinco semanas, prestassem exame de língua portuguesa,
sendo ameaçados de serem impedidos de continuar a exercer a atividade docente,
caso não fossem aprovados. Outra medida tomada foi o aumento de impostos sobre
o capital, prejudicando os municípios mais industrializados do nordeste do estado,
onde a maioria era de origem teuta (GERTZ, 1987).
Em Santa Catarina, havia uma polarização econômica regional; o Planalto
Serrano era composto, em sua maioria, por latifundiários, descendentes das
oligarquias luso-brasileiras, enquanto o nordeste se apresentava como emergente
centro industrial do estado, tendo as suas maiores indústrias fundadas por
imigrantes europeus. O nordeste, durante a Primeira República foi se modernizando
e enriquecendo, enquanto o Planalto Serrano continuava desenvolvendo uma
economia nos moldes tradicionais, vinculados a agricultura e a agropecuária. Marcos
Konder, industrial, foi superintendente municipal em Itajaí, no período de 1915 a
1930; em sua autobiografia, publicada em 1954, declarou que “seu esforço político
109
sempre se caracterizou pela luta por impostos baixos sobre o capital e impostos
mais altos sobre a terra.” (KONDER, apud GERTZ, 1987, p. 59). Por esse motivo, as
medidas tomadas por Aristiliano Ramos, a partir de 1932, se apresentam como uma
espécie de vingança aos anos que ficaram sob o poder dos políticos ligados ao
nordeste do estado.
Em relação ao desmembramento de Blumenau, a justificativa do governo
federal era no sentido de nacionalizar a zona colonial alemã, com o objetivo de
facilitar o contato com a população não integrada no espírito nacional (FROTSCHER
apud ZANELATTO). Muitas pessoas em Blumenau e Joinville interpretaram essa
atitude como uma tentativa de enfraquecer o deutschtum (germanidade)13, como
parte da política de nacionalização estipulada e estimulada pelo governo de Getúlio
Vargas. Para a historiadora Cynthia Machado Campos, um dos motivos para as
intervenções nas regiões do Vale do Itajaí, está ligado à dispersão e autonomia do
funcionamento das instituições nos núcleos coloniais. O governo federal visava
nacionalizar o grande núcleo industrial construído pelos alemães. Ressalta, porém,
que o maior motivo da luta dos teutos em Santa Catarina “foi pela manutenção de
práticas culturais autônomas frente a um movimento de caráter homogeneizante,
referenciado nos países da brasilidade” (CAMPOS, 1998 p.126).
A partir destas relações de poder, a AIB se tornou um canal de expressão
para grande parte da classe média, segmento social que estava em franca expansão
econômica, a procura de uma posição de poder na sociedade, não encontrando vez
nem voz nos partidos tradicionais. Essa característica de classe média ascendente e
descrente da velha política, assim como temerosa com a expansão dos discursos
socialistas é citada no prefácio da segunda edição da obra de Trindade (1974) por
Juan Linz, da Yale University. O mesmo observa a obra Intervista Sul de De Felice,
de Renzio De Felice, publicada em 1975, e assinala motivos coincidentes da adesão
ao fascismo na Itália, com os citados por Trindade como fatores de adesão ao
Integralismo no Brasil: “As vítimas da depressão não eram classes médias
decadentes, derrotadas, mas uma classe média ascendente nas cidades italianas do
norte e do campo que se voltaram contra a velha classe política e a nascente e
ameaçadora classe trabalhadora” (TRINDADE 1974, p. XV)
13
O Deutschum significa para o alemão a preservação de sua cultura e de suas origens independente do lugar onde nasceu ou se está vivendo (GERTZ, 1987).
110
Os partidos já existentes eram compostos, na sua grande maioria, pelos
mesmos nomes tradicionais da política, sem propostas novas ou intenção de
renovação. O integralismo surgia como o símbolo da renovação, da nova forma de
fazer política, com novos integrantes, oriundos da classe média, com direito à
participação política, dentro do que regia seu estatuto. Para os imigrantes europeus,
era o que estavam esperando, pois acreditavam que a AIB poderia responder às
inquietações presentes (ZANELATTO, 2012).
As ações do Partido Liberal nas regiões de colonização alemã do Vale do
Itajaí e Norte do estado atingiram principalmente a classe média, composta de
pequenos industriais, comerciantes e profissionais liberais. Além das medidas
econômicas, as intenções do governo estadual vinham de encontro com a política
nacional de nacionalização, o que feriu os interesses econômicos, políticos e
culturais, principalmente de Blumenau, região que se destacava industrialmente no
estado.
Neste momento, torna-se imperativo entender como o programa nacionalista
da década de 1930 feriu com os valores alemães. É preciso compreender a visão
dos imigrantes alemães em relação ao sentimento nacional e quais as formas ou
ações que os mesmos tomaram no Brasil, desde os primeiros colonizadores, em
meados do século XIX, até o surgimento do integralismo, nos anos de 1930.
4.2 O INTEGRALISMO E A QUESTÃO DA NACIONALIDADE NAS COLÔNIAS
ALEMÃS
A região sul do Brasil foi, sem dúvida, a que mais recebeu imigrantes
alemães. De acordo com os dados do censo de 1940, em relação aos alemães
natos, havia em São Paulo 33.397, no Rio Grande do Sul 15.279, no Paraná 12.343,
em Santa Catarina 11.293 e grupos menores em outros estados. (DIÉGUES JR.
apud GERTZ, 1987).
O alto índice de crescimento vegetativo da população de descendência
alemã, em média de 9 filhos por família, fez com que os números de teutos ao longo
de décadas tenham crescido significativamente. Porém não é possível ter dados
exatos, pois os filhos de imigrantes que nasciam no Brasil, eram registrados como
brasileiros, não havendo distinção que pudesse ser analisada nos censos, pois os
mesmos não se preocupavam em pesquisar a origem étnica. Os dados que se
111
apresentam desta época, são apenas estimativas, quase todas feitas por alemães
ou teutos. (GERTZ, 1987).
Dietrich, em sua dissertação de doutorado, intitulada “O Nazismo Tropical”,
defendida em 2007, cita dados do relatório enviado por um alemão que esteve em
Santa Catarina, em 1935. O enviado da Alemanha Arthur Schmidt-Elskopf,
descreveu em seu relatório que havia nas colônias alemãs entre 800 a 900 mil
almas, mas destas somente 100 mil eram Reiscsdeutsche (alemães de nascimento)
(DIETRICH, 2007). Diante de vários estudos citados em Gertz, quase todos
realizados por alemães, o autor conclui que o número de teutos no Rio Grande do
Sul deve ter sido em torno de 600.000, enquanto que, em Santa Catarina,
provavelmente 220.000 imigrantes alemães na década de 1930 (ROCHE apud
GERTZ 1987).
No sul catarinense, a colonização europeia iniciou em 1873, no Vale do
Braço do Norte, com imigrantes alemães que começaram uma colonização
espontânea, vindos de São Pedro de Alcântara14 e Teresópolis. A vinda desses
imigrantes, ressalta Dall’alba (2005), foi uma articulação do padre alemão Guilherme
Frederico Clemente Roher. Esses imigrantes, em sua maioria, eram católicos
(DALL’ALBA apud ZANELATTO, 2012).
É comum referir-se ao termo alemão a qualquer descendente de alemão,
porém Gertz ressalta que, em seu trabalho, utilizou da seguinte terminologia:
“alemães são pessoas que passageira ou definitivamente instaladas no Brasil,
possuem cidadania alemã; teuto-brasileiros são os descendentes de alemães,
nascidos no Brasil, teutos engloba todas as pessoas de etnia alemã” (GERTZ, 1987,
p. 11). É baseada nesta terminologia utilizada por Gertz, que esta pesquisa foi
permeada.
Essas terminologias em torno de termos como alemão, teuto-brasileiro,
“brasileiro de sangue alemão” foram bastante estudadas na tentativa de tentar
compreender como os imigrantes alemães se sentiam dentro do Brasil e, da mesma
forma, como o país os enxergava e, consequentemente, os tratava.
Para os alemães, a nacionalidade está vinculada ao direito de sangue,
enquanto que cidadania ao direito do Estado. Para o alemão não importa onde ele
14
São Pedro de Alcântara foi a primeira colônia alemã de Santa Catarina, fundada em 1829, localizava-se entre a Ilha do Desterro, capital da província, e Lages, a cidade que representava o centro do planalto (GERTZ, 1987, p. 21)
112
tenha nascido, seu sangue é sempre alemão. Desta forma, é inevitável preservar
seus costumes, sua língua, seus hábitos, como uma forma de preservar suas
origens. Porém, estas atitudes não fazem com que o alemão seja um traidor da
pátria onde vive, pois conforme analisa Seyfert (1981), os mesmos podem formar
uma unidade nacional sem se constituírem, necessariamente, em traidores dos
Estados dos quais são cidadãos:
Isso remete ao outro conceito - pátria - implícito na categorização étnica e no próprio Deutschtum. Ao destacar o papel civilizador dos colonos, a ideologia étnica também ressaltou o progresso material das colônias e o significado disso para a nova pátria; um progresso posto como dever do cidadão que trabalha por seu país. Se por um lado a etnicidade supõe o pertencimento à nação alemã pelo direito de sangue, por outro a ideia de nova pátria no Brasil afirma a condição de brasileiros. (SEYFERT, 1993, p. 7).
Dessa forma, conforme a observação de Seyfert (1993), os alemães tem uma
noção de duplo pertencimento, pois mesmo sendo cidadão brasileiro e cumprindo
com todas as obrigações como tal, continuava sendo alemão.
Em sua tese de doutorado, intitulada “O Integralismo e a questão Racial. A
Intolerância como princípio”, defendida em 2004, Natália dos Reis Cruz cita uma
descrição de um relatório investigativo, produzido pela polícia política de Vargas,
durante o Estado Novo, elencando alguns costumes preservados pelos alemães no
Brasil.
Mantêm os alemães em nosso território com o fim do culto à raça, os mesmos costumes e hábitos de sua terra natal, costumes e hábitos esses que para os mesmos são considerados sagrados. Dentre esses, evidenciam-se os seguintes: armamento - nas sociedades de atiradores; música – em todos os ambientes; comércio – desde o estilo da montagem ao estabelecimento; festas particulares – ambiente puramente alemão; escolas – desde os programas; religião – culto e prédiga em língua germânica; medicina – médicos, terapêutica e técnica germânicos; família – adultério tolerado; educação física – métodos germânicos (CRUZ, 2004, p.20).
Estes costumes prevalecem, de alguma forma, até hoje nos municípios que
foram colonizados por alemães. As sociedades de Tiro, as bandas de música, as
festas, as comidas e trajes típicos em dias comemorativos, além da arquitetura e
decoração das casas, tipicamente germânicas. O interessante perceber é que a
comunidade germânica abre suas festas, exibe sua cultura através da dança, das
comidas, das “bandinhas”, e dos desfiles típicos para toda população. Exemplos em
113
Santa Catarina são as festas populares, como a Oktoberfest, em Blumenau, Festa
das Flores, em Joinville, Festa do Marreco, em Brusque, entre outras, de menor
porte, nos municípios do interior.
Várias levas de imigrantes alemães foram chegando ao Brasil, em momentos
diferentes da história, por isso não é possível generalizar as atitudes, os
comportamentos e a reação dos mesmos face ao desenrolar dos acontecimentos no
país. “Havia descendentes de primeiras levas migratórias, chegadas no final do
século passado e imigrantes recém-chegados depois da Grande Guerra, bem como
havia alemães provenientes do extinto Império Áustro-húngaro e poloneses da
Prússia [...]” (FALCÃO, 2000, p.130).
As colônias alemãs do Vale do Itajaí e Norte do estado foram descritas por
viajantes, visitantes, políticos, enfim, por várias pessoas ou grupo de pessoas que
tiveram visões diferentes a respeito das mesmas. Nos anos de 1920, um viajante
norte-americano faz a seguinte observação:
Quando o viajante chega às colônias de Santa Catarina, parece que ele foi transportado para outro país. Que diferença...! Nas colônias alemãs existem as melhores estradas de terra do Brasil. Não posso elogiá-las suficientemente. São tão boas quanto as melhores de seu tipo em qualquer parte do mundo. (NASH apud GERTZ, 1987, p.23).
Esta observação é compartilhada por um viajante brasileiro, que compara
Santa Catarina e o Paraná, dizendo que, no Paraná, nas vendas ao longo da
estrada só se encontra “balas de rifle e de revólver e cachaça” enquanto que nas
colônias alemãs de São Bento, Joinville, Blumenau, Brusque “reinava uma grande
abundância de alimentos, difícil de ser imaginada até mesmo pelas populações
paulistas...”. Continua suas observações elogiando as estradas, e termina citando
Blumenau onde “podia-se tomar ótimas refeições a preços ínfimos”. (BERLINCK
apud GERTZ, 1987, p.23).
Assim como havia elogios às colônias, muitos brasileiros não gostavam da
presença dos alemães. As reações adversas à presença de imigrantes europeus
surgiram nas diversas colônias. Nas colônias alemães do Vale do Itajaí e do Norte
do estado havia muitas reclamações sobre o isolamento do colono e a não
integração dos mesmos com o país que os acolheu. Muitos criticavam que os
imigrantes alemães estavam no Brasil, mas não se sentiam como tal, fechavam-se
em seus núcleos, sem se esforçar para adaptar-se à língua e aos costumes de seu
114
local. Mesmo nascendo no Brasil, não deixavam de lado a sua cultura, sentindo-se
pertencentes à pátria de origem dos seus antecedentes. Gerhard Brunn, em sua
obra Deutschland und Brasilien, publicada em 1971, analisa um trecho do “Jornal do
Comércio”, observando que o mesmo refletia a preocupação dos brasileiros, em
relação ao comportamento do imigrante alemão:
Não é de admirar que a absorção (dos alemães) pelo elemento nacional é impossível e que esta população de 350.000 almas, que aumenta dia a dia, está geograficamente bem próxima de nós, mas permaneça totalmente estranha a nós, em virtude dos seus costumes e tradições e se constituía em nosso meio num elemento hostil e que possivelmente pode estreitar ainda mais as relações com sua pátria de origem (BRUNN apud GERTZ, 1987, p. 24).
Nas colônias do sul do estado, formadas principalmente por núcleos de
italianos, a não aceitação por parte dos luso-brasileiros, residentes em algumas
cidades próximas das colônias, foi um dos maiores entraves aos colonos, pois as
colônias eram vistas apenas como despesas para o estado. Na imprensa de
Laguna, faziam-se os seguintes questionamentos: “Não tem o Brasil miseráveis que
chega? Por que introduzir esses esfarrapados italianos, à custa de enormes somas
de erário público, que serão sempre um peso para a nação?” (DALL’ALBA apud
ZANELATTO p. 140). Esse pensamento dos lusos da região sul em relação às
colônias italianas começou a mudar a partir de 1888, quando os comerciantes das
cidades de Laguna, Tubarão e Araranguá, iniciaram a comercialização de produtos
com as colônias. Isso fez com que os próprios comerciantes começassem a
incentivar a vinda de imigrantes à região.
Nas colônias alemãs, um dos principais entraves ao bom relacionamento
entre brasileiros, imigrantes e seus descendentes girava em torno do
questionamento em relação ao sentido de lealdade e pertencimento, por parte dos
mesmos, entre o país onde nasceram e a pátria que lhes acolheu. A questão da
nacionalização e da pátria para os alemães necessita ser bem explorada nesse
momento como forma de compreensão de como os mesmos entendiam e
manifestavam esses sentimentos. Em relação à identidade teuto-brasileira, segundo
Giralda Seyfert, envolve o princípio do Deutschum, a germanidade, não facilmente
compreensível pelos brasileiros. Havia três formas de estabelecer a nacionalidade
para o alemão:
115
Dois conceitos são fundamentais na definição dessa especificidade: nação e pátria, traduzidas na própria categoria de identificação criada pelas lideranças locais - Deutschbrásilianer. A nova pátria é a colônia, a nova cidadania a brasileira, mas a etnia continua sendo alemã; o ato de emigrar significou o rompimento com o país de origem, mas não com o Volk (povo/etnia) alemão. O pertencimento sugerido por tal categoria remete, por um lado, a uma entidade supraterritorial -. a nação alemã, concebida como entidade cultural e lingüística que une um povo de mesma origem - e, por outro lado, à cidadania e a um território considerado como Heimat ou Vaterland - o Estado brasileiro. Sob o viés do Deutschtum a ideia de nação tem um conteúdo étnico irredutível na perspectiva teuto-brasileira, sem ser expressamente conceituada. Supõe uma coincidência entre nação e Volk - a existência de um povo alemão racial e culturalmente definido. O pertencimento nacional é atribuído pelo direito de sangue que une todos os alemães numa grande Volksgemeinschaft (comunidade nacional). (SEYFERT, 1993, p.6).
A declaração citada pelo germanista Rudol Batke, na obra de Cruz (2004),
confirma a análise de Seyfert (1993), onde os laços de sangue ultrapassam a
questão de cidadania ou nacionalidade. Este conceito reforça, entre alguns grupos
no Brasil, principalmente os liberais, defensores do nativismo, a oposição aos
núcleos alemães, pois alegavam que os mesmos não tinham sentimentos de
patriotismo e nacionalismo em relação ao Brasil, motivo pelo qual o governo
getulista promoveu a campanha de nacionalização.
O conceito ‘alemães brasileiros’ é, segundo minha convicção, indefinível e sou da opinião que se devia prescrevê-lo no sentido de uma indispensável simplificação de conceitos. Conheço no Brasil alemães natos e teuto-brasileiros, ambos fazem parte da etnia alemã e pertencem, portanto, ao mesmo conceito de povo [...] O povo alemão não é somente um conceito de Estado válido para a Alemanha, e que abrange os súditos do Estado alemão, mas sim um conceito de homens, independente da cidadania, e que se deriva no sangue, espécie da cultura e da língua. (BATKE apud CRUZ, 2004 p. 141).
O processo de imigração das colônias alemãs na região sul do Brasil, desde o
início do século XIX, não conseguiu produzir uma inserção total dos mesmos ao
país. Na maioria das vezes, os relatos dão conta do isolamento do colono, que
continuava falando a língua alemã, não aceitando escolas nacionais e por esse
motivo, construindo suas escolas, preservando somente seus costumes, chamando
a isso de “quistos étnicos”.
A questão da não aceitação de escolas públicas pelos imigrantes remete ao
fato de que, quando os primeiros alemães chegaram, perceberam um sistema
educacional muito atrasado, e sem expectativas de investimentos por parte do
governo. Desta forma, resolveram construir suas próprias escolas. “Às vezes alguns
116
dos imigrantes mostrava inclinação para o exercício da função de professores, às
vezes aqueles que sabiam ler e escrever assumiam esta função em rodízio, sem
abandonar sua profissão efetiva” (GERTZ, 1987, p. 70).
Cruz (2004) ressalta a importância da escola e da igreja para a preservação
do germanismo, através da música, da dança, da imprensa e da língua alemã. “Os
teuto-brasileiros assumiram comunitariamente a questão escolar, eliminando o
analfabetismo em muitos núcleos rurais” (KREUTZ apud CRUZ 2004 p. 136). Esse
sistema de escolas particulares foi tão expressivo nas regiões de colonização alemã
que, em 1917, em Blumenau, havia 10 escolas públicas e 113 escolas privadas, com
520 alunos matriculados nas escolas públicas e 5.011 alunos matriculados nas
escolas particulares. Em Joinville as escolas públicas eram em número de 05 e as
escolas privadas 64, com 303 alunos matriculados nas escolas públicas e 3.238
alunos matriculados nas escolas particulares (FOUQUET apud GERTZ, 1987, p. 70).
O Estado do Rio Grande do Sul, cujo número de escolas particulares
assemelhava-se com o de Santa Catarina, baixou um decreto, em 1864 aprovando a
instalação dessas escolas, pois, desta forma, livrava-se do ônus financeiro, mesmo
que o ensino fosse realizado somente em alemão (MACIEL apud GERTZ, 1987). A
omissão do Estado em relação à oferta de serviços públicos levou os próprios
imigrantes a se organizarem, mantendo, dessa forma, sua língua materna e as
instituições comunitárias alemãs:
Deve ser destacado que as instituições comunitárias não foram criadas com o propósito de assegurar a especificidade étnica, embora mais tarde tenham servido a essa finalidade. A "escola alemã", por exemplo, veio suprir uma lacuna - a falta de escolas públicas em número suficiente para atender à demanda, mas também contribuiu bastante para a preservação do uso cotidiano do idioma alemão. (SEYFERT, 1993, p.5).
No estado de Santa Catarina, se apresentava um sistema parecido com o do
governo do Estado do Rio Grande do Sul. Até 1935, havia 610 escolas particulares,
sendo 263 subvencionadas com verbas públicas (RAMOS apud GERTZ, 1987 p.
70). Em muitas escolas das comunidades alemãs, o material escolar era fornecido
pela Alemanha que, em alguns casos, também enviava professores.
Em relação à língua, havia no estado de Santa Catarina, desde 1910 uma
supervisão estatal nas escolas particulares; a exigência oficial era o ensino da língua
portuguesa, mesmo que o alemão fosse a língua regular. Esta informação vem
117
seguida da afirmação de que, em Santa Catarina, a maioria dos teutos falava
português, somente as regiões mais isoladas cultivavam só o alemão. Gertz (1987),
em suas análises, argumenta que, nos escritos da época, tem-se a seguinte
observação: “a progressão da urbanização significa uma simultânea regressão na
conservação e cultivo de língua alemã” (GERTZ, 1987.p. 71). Levando em
consideração a industrialização que se desenvolvia nas cidades de Blumenau e
Joinville, nos anos de 1930, era pouco provável que alguém não soubesse falar a
língua portuguesa.
Após 1938, com a campanha nacionalista de Getúlio Vargas, durante o
Estado Novo, a legislação federal e os decretos estaduais inviabilizavam todas as
escolas etnicamente orientadas. As unidades escolares deveriam ter nomes
brasileiros, assim como professores e diretores deveriam ser brasileiros natos ou
naturalizados, graduados em escolas brasileiras, com as aulas ministradas em
português, sendo vetado o ensino de línguas estrangeiras aos menores de 14 anos
(SEYFERT apud CRUZ, 2004, p. 160).
As colônias do sul do estado não contavam com esse sistema educacional e
apoio do governo estadual. A maioria dos colonos era analfabeta, tinha grande
dificuldade em administrar a comercialização de sua produção nos centros urbanos,
e ressentia-se quanto ao tratamento autoritário recebido pelos gerenciadores das
colônias. (ZANELATTO, 2012). Em geral, em relação às colônias alemãs, os colonos
italianos se sentiram abandonados por parte do Estado, além de não possuir
autonomia política como ocorria com Blumenau e Joinville, e possuir menos escolas
com grande índice de analfabetismo. Não só as colônias italianas sentiam-se
abandonadas, os núcleos alemães do Vale do Braço do Norte foram relatados pelo
cônsul italiano Gherardo Pio de Savoia como tendo sido: “Deixados ao léu, sem
organização, sem vias de comunicação, sem o apoio direto da Alemanha, essas
colônias tiveram um perfil semelhante ao das colônias italianas, de progresso lento e
quase estagnação” (DALL’ALBA apud ZANELATTO, 2012, p.141).
A maneira que os colonos italianos perceberam ser a única saída para o seu
desenvolvimento foi a criação, em 1891, da Federação de Cooperativas das
Colônias do Sul do Estado de Santa Catarina e a associação “Societá di Mutuo
Socorro Fratellanza Italiana”, influenciada pelo cônsul italiano em Florianópolis,
Alberto Rotti. Através das mesmas, fortaleceram política e economicamente os
núcleos coloniais, mantendo vivos os laços de amor para com a pátria Itália, unindo-
118
se para sustentarem-se e protegerem-se; em relação à educação “buscaram além
de mútuo socorro e beneficência, a criação de escolas para educação de seus
filhos” (MARZANO, 1985 p. 114).
Este sistema de associação e federação se espalhou por todas as colônias
italianas de Santa Catarina, tornando os ítalo-brasileiros mais fortes, com um
sentimento de identidade coletiva. Essa força não foi bem vista pelas autoridades
locais e regionais, pois representava uma ameaça aos poderes constituídos
(BALDIN, 1999 p. 114). Dois anos após ser constituída a cooperativa, depois de
sofrer inúmeros ataques das autoridades locais e estaduais, que a acusavam de
fascista a mesma teve que ser desfeita. Manteve-se apenas a Associação das
Colônias, com funções meramente culturais e sociais, não envolvendo-se em
questões políticas (ZANELATTO, 2012).
As consequências da dificuldade de assimilação dos imigrantes à cultura local
e o desapego aos costumes de seus antepassados, por um lado, e por outro lado, a
não aceitação por parte da população local aos estrangeiros, são questões
abordadas pelo pesquisador Emílio Willems, em um artigo publicado em 1949,
citada na obra de Gertz (1984), cujo título assim se apresenta Zur sozialen
Anpassung der Deutschein in Brasilien. Segundo ele, essas questões sinalizam
para uma sociedade de conflitos onde não ocorre a assimilação dos estrangeiros ao
país que os recebe. De início, ele constata que no Brasil, como em muitos países
românicos, predomina a “filosofia da assimilação”, que procura promover a absorção
dos grupos de imigrantes e “desconhece qualquer possibilidade de existência
paralela de culturas”. A idealização de uma sociedade culturalmente homogênea,
segundo ele, é tão forte, “que todos os elementos que não se enquadrem num
esquema preestabelecido são vistos como nocivos ou perigosos” (WILLEMS apud
GERTZ, 1984, p. 26)
Falcão cita a edição do jornal ‘O Jaraguá’, de 21 de setembro de 1935, onde
um artigo publicado em alemão, com o título, “Das Nationalizerungsproblem” (“O
problema da nacionalização”), corrobora com a afirmação de Willems, pois expressa
a sensação/percepção de imigrantes, que não conseguiam se sentir acolhidos no
país, após a campanha de nacionalização criada no governo de Getúlio Vargas.
As pessoas que falaram sobre a nacionalização não queriam dizer outra coisa que a obrigatoriedade brutal e imediata do uso da língua do país, sem, no entanto, criar as mínimas condições para isto. Segundo a lei que pressão
119
vira contrapressão, o resultado foi que todos os grupos populacionais se isolaram em si mesmos e se fecharam contra os de outra língua. Dentro dos assim chamados quistos étnicos dominava uma sensação na qual as plantinhas do sentimento nacional e do amor à pátria não encontravam solo fértil, enquanto a propaganda antinacionalista crescia desenfreadamente. [...] Cada um se sentiu estrangeiro, era visto como estrangeiro, e na realidade era estrangeiro. Os políticos nacionais falaram então de corpos estranhos no Estado e no perigo estrangeiro, tendo como alvo, sobretudo, brasileiros de origem italiana, alemã e polonesas (‘O JARAGUÁ’ apud FALCÃO, 2000, p. 151).
Esta questão será um grande motivo de adesão ao integralismo por parte dos
imigrantes e seus descendentes. A necessidade de se sentir parte atuante do país,
mantendo seus costumes, inclusive sua língua, aparecerá como um dos maiores
motivos de simpatia ao movimento. A participação ou alienação dos imigrantes e
descendentes europeus na esfera política dividiu opiniões, principalmente entre os
alemães e seus descendentes. Em alguns momentos, reclamam da falta de
participação dos colonos, assim como outros criticam a participação dos mesmos,
alegando que, desta forma, perderam a cultura germânica, “misturando-se” à nova
cultura. Na declaração a seguir, citada no documento presente em Gertz (1987):
D.S. Zur heutigen politischen Lage des Deutschtums in Brasilien. In: Der
Auslandsdeutsche,(1937), observa-se uma crítica à participação dos teutos na
política, deixando de lado a preservação do Deutschtum (germanismo), envolvendo-
se com questões que supostamente não lhe pertenceriam, levando “homens de
origem alemã se transformarem em coveiros do seu próprio Volkstum” (etnia) e se
envolvessem “de tal maneira na torrente dos partidos políticos dos diversos Estados,
que se transformavam em militantes partidários que não se distinguem dos políticos
luso-brasileiros esquecendo que o grupo alemão, ao qual se pertence, originalmente
nada tinha a ver com o referido partido” (GERTZ, 1987, p. 29).
Esta declaração parte dos membros do nacional-socialismo, ou partido
nazista alemão, que defendia o Deutschum e, dentro de suas normas, proibia o
envolvimento de qualquer alemão em assuntos políticos fora da Alemanha. Porém,
mesmo que se considere o argumento acima, ele não é prova cabal do fato.
Participar do movimento integralista infringia diretamente um dos princípios do nacional-socialismo no exterior. Como solidariedade à Gastland (terra de hospedagem), era vedada aos partidários a participação na política local. Os nazistas deveriam se manter neutros com relação à política interna e não poderiam divulgar suas ideias a estrangeiros (EHRLICH apud DIETRICH, 2007, p. 213).
120
Muitos teutos defendiam a ideia de que os mesmos deveriam se abster de
atividades relacionadas à política. Deveriam deixar isso aos brasileiros e
preocuparem-se com seus afazeres. Gertz (1987) cita o exemplo de um pastor
luterano do Rio Grande do Sul, que faz a seguinte observação em relação aos
membros de sua comunidade:
Os membros das comunidades sinodais eram em sua grande maioria cidadãos brasileiros, pois tinham nascido no Brasil. Conservavam em larga escala a língua e os costumes dos antepassados, mas eram bons cidadãos, pois trabalhavam e criavam riquezas econômicas, através da agricultura, do artesanato e da indústria. Pagavam impostos e enviavam os filhos para o serviço militar no exército brasileiro. Eram trabalhadores pacíficos e nunca organizavam revoluções contra os governos estadual ou federal, quanto à política deixavam que seus cidadãos de origem lusitana cuidassem dela (BERGER apud GERTZ, 1987,p. 31).
Esta declaração é ontológica, pois mesmo sendo de um bispo rio-grandense,
declarações e manifestações dessa natureza, não foram muito diferentes em várias
regiões de Santa Catarina. Era como se o imigrante quisesse dizer que cumpre com
suas obrigações como cidadão, mas o interesse maior está no seu trabalho sem
envolvimento político. Esta observação é compartilhada na opinião de Egon
Schaden, em sua obra “O estudo sócio antropológico da aculturação dos alemães
no Brasil”, publicado no II Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, em Recife, no ano
de 1974. O autor observa que a maioria dos imigrantes eram agricultores, fixaram-se
em regiões com grande homogeneidade étnica, sentiram-se num estado de
“isolamento geográfico-cultural e linguístico, o que teve como consequência o
abstencionismo político” (SCHADEN apud GERTZ, 1987, p. 32).
Uma das explicações para o isolamento do colono alemão está na falta de
atenção do estado para inseri-los na sociedade, fazendo com que os mesmos se
sentissem cidadãos de segunda classe. Cruz (2004) expõe a condição de colonos
alemães que vieram ao Brasil, por determinação do imperador D. João VI, no
período joanino (1808-1820) com o objetivo de aumentar a população branca, em
detrimento à negra escrava, e à indígena. Os espaços escolhidos foram onde havia
aldeias indígenas, contribuindo para a eliminação das mesmas. O sistema era o de
pequena propriedade, aceitando apenas mão de obra livre. Dessa forma o número
de filhos por família era elevado. Com o tempo esses filhos foram enviados a pontos
de fronteira com países hispânicos, com o objetivo de povoar e proteger o território
brasileiro. Esses grupos coloniais sempre ficaram isolados, além de parecerem, aos
121
olhos dos brasileiros, inferiores, pois trabalhavam na terra ao invés de ter escravos
para esse serviço, “... passaram a ser vistos como seres de segunda categoria,
tendo como agravante o fato de serem dissidentes religiosos, não estando
integrados à vida religiosa da maioria da população” (CRUZ, 2004 p. 137).
Quando o processo de nacionalização surge em 1930, os mesmos sentem-se
violentados em seu modo de viver, pois não houve um projeto de nacionalização
com respeito às tradições por eles preservadas. A proposta integralista surge como
a solução, pois propõe a inserção dos colonos à pátria, respeitando a pátria de seus
antepassados.
Sem dúvida, o integralismo é igual em todo Brasil, mas, sem duvida também, determinados indivíduos encaminham-se e entusiasmam-se mais diante de uma ou de outra de suas faces... Assim é que ao teuto a ideia de PÁTRIA produziu tamanha impressão que nem todos os outros brasileiros, que julgam pátria a coisa mais natural do mundo, poderão compreender nitidamente [...] o teuto não tinha pátria. [...] Com isso não afirmo que o teuto tivesse perfeita noção do que lhe faltava. [...] De um lado, a pátria dos seus antepassados expendia os esforços no sentido de conservar e estreitar os laços que lá o prendiam, enquanto que aqui procuravam nacionaliza-lo por meios poucos adequados... (‘O JARAGUÁ’, apud FALCÃO 2000, p. 150).
Dentro do conjunto de colônias alemãs de Santa Catarina, há peculiaridades
que fazem com que algumas situações relacionadas às questões de participação
política se distingam das demais, permitindo-nos compreender o destaque das
mesmas, dentre elas destacam-se Joinville e Blumenau.
A colônia de Joinville era mantida e administrada por uma companhia de
colonização alemã, possuindo, através de um estatuto, o status de
autoadministração. O poder legislativo era concentrado na comuna, composta pelos
colonos, que nomeavam um conselho comunal, composto de 5 membros que
administravam a colônia.
Existia uma justiça local que somente não tinha competência em casos de faltas graves ou crimes, por exemplo, reincidência em caso de roubo, homicídio ou incêndio criminoso, casos que deveriam ser encaminhados aos tribunais ordinários. Todo colono com mais de 20 anos era eleitor e passível de ser eleito e não podia recusar qualquer cargo (GERTZ, 1987 p.36).
122
A colônia de Joinville foi elevada a município autônomo em 1866, sendo eleito
o primeiro conselho municipal em 1868, onde os sete conselheiros municipais
tinham nomes alemães. (ENTRES apud GERTZ, 1987, p.37).
A colônia de Blumenau, fundada em 1850, por uma companhia de
colonização, liderada pelo médico Dr. Hermann Blumenau, não gozou das mesmas
autonomias que a colônia de Joinville. Algum tempo após sua fundação, a colônia,
que era de uma companhia particular de colonização alemã, sofreu dificuldades
financeiras e foi repassada ao Estado. A colônia tornou-se município em 1880, e em
seu quadro na câmara municipal, em 1882, contava com 4 teutos e 3 lusos, também
foram eleitos juízes de paz, sendo 3 teutos e 1 luso-brasileiro (SILVA, 1954 p. 37).
Mesmo estando na posição de colônia imperial, Blumenau conseguia resolver
algumas questões relacionadas a vida da colônia com soluções locais. “A justiça era
ali aplicada via de regra, de acordo com princípios que levavam em consideração a
realidade local” (WILLEMS, 1980 p. 508)
Estas situações específicas das colônias de Joinville e Blumenau devem-se
muito ao nível cultural dos seus colonizadores. O fundador de Blumenau tinha
formação superior e trouxe com ele o grande naturalista Fritz Muller15. Em Joinville
os registros da primeira leva contam com 17 pessoas e somente 3 agricultores. “Em
uma lista posterior, em 1852, dentre os imigrantes encontram-se médicos, tenentes,
químicos, doutores em ciências jurídicas, pastores, arquitetos, engenheiros e, um
barão” (SCHROEDER apud GERTZ, 1987, p. 37)
Os dados referentes à participação política, social e econômica dos alemães
e seus descendentes em Santa Catarina revelam a importância que os mesmos
tiveram no passado e continuam mantendo até hoje no estado.
A Assembleia Estadual de Santa Catarina, de 1895 a 1930, contou com um
total de 137 deputados, 26 deles com nomes alemães, lembrando que os deputados
15
Johann Friedrich Theodor Müller, mais conhecido como Fritz Müller, nasceu na aldeia de Windischolzhausen, próximo a Erfurt, na Alemanha, em 31 de março de 1822. Chegou no Brasil em 22 de 1852. Fritz Müller publicou mais de 250 trabalhos científicos e uma coletânea de poesias infantis, além de inúmeras notas e artigos. Naturalizou-se cidadão brasileiro em 09 de agosto de 1856, deixando desta forma de ser cidadão alemão. Foi pesquisador itinerante do Museu Nacional do Rio de Janeiro, trocou inúmeras correspondências com Charles Darwin ao qual dedicou um trabalho com crustáceos realizado em Desterro, reforçando as ideias de Darwin. Recebeu dois títulos de Doutor Honoris Causa de universidades alemãs (Bonn e Tübingen). Foi juiz de paz em Blumenau (SC) e presidente da Câmara de Vereadores. Fritz Müller veio a falecer no dia 21 de maio de 1897, aos 75 anos, em Blumenau (SC). Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006 http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/atividades/TEXTOS/texto_745.html acesso 01/02/2015
123
que, além do alemão, tinham sobrenomes de outra origem étnica, não foram
computados como descendentes de alemães. Dentre os nomes das grandes
famílias que dominaram e dominam de alguma forma a política estadual, de origem
alemã, a maioria encontra-se nas regiões do Vale do Itajaí, cuja base econômica é o
comércio e a indústria. Lauro Müller era de uma família que inicialmente começou na
agricultura em São Pedro de Alcântara, posteriormente mudando-se para Itajaí,
trabalhando com comércio. Hercílio Luz tinha base política em Blumenau. A
tradicional família Konder era de Itajaí. Porém, Victor Konder foi deputado estadual
representando Blumenau. Em se tratando do executivo municipal, não era diferente,
em 1935 “num total de 40 prefeitos, 19 eram luso-brasileiros, 06 com nomes
italianos, 01 com nome de outra origem e 14 com nomes alemães, um percentual de
35% portanto” (ENTRES apud GERTZ, 1987, p.50).
Através de todas essas informações a respeito da instalação e
desenvolvimento das colônias europeias, em especial as alemãs do Vale do Itajaí,
Norte e Nordeste do estado, dando conta do excelente progresso da maioria delas,
mostrando o colono como um homem de fibra e trabalhador, porém, extremamente
fechado em sua cultura, mesmo que, por motivos involuntários, a questão a ser
entendida neste momento é a adesão ao integralismo, visto pelo lado étnico-cultural.
Um dos pontos enfatizados e combatidos pelo ideário integralista foi a
questão da identidade nacional. Nos mais diversos artigos publicados por Plínio
Salgado, e nos “Manifestos Integralistas” observa-se o apelo ao nacionalismo: “O
nacionalismo para nós não é apenas o culto da Bandeira e do Hino Nacional: é a
profunda consciência das nossas necessidades, do caráter, das tendências, das
aspirações da Pátria e do valor da raça” (MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 4º cap. In
SALGADO, 1932). Em relação à valorização do homem brasileiro: “Pretendemos
tomar como base o homem de nossa terra, na sua realidade histórica, geográfica,
econômica, na sua índole, no seu caráter, nas suas aspirações [...]” (MANIFESTO
DOUTRINÁRIO, 10º cap. in SALGADO, 1932). Em relação às influências
estrangeiras, o Manifesto de 1932 alertava para o perigo das mesmas, porém
ressaltava que o problema não é o estrangeiro (imigrante) que vem para trabalhar no
país, mas sim, ao modelo econômico de países europeus e norte- americanos.
O cosmopolitismo, isto é, a influência estrangeira, é um mal de morte para o nosso nacionalismo. Combatê-lo é o nosso dever. E isso não quer dizer má vontade para com as Nações amigas, para com os filhos de outros países,
124
que aqui também trabalham objetivando o engrandecimento da Nação Brasileira e cujos descendentes estão integrados em nossa própria vida de povo. Referimo-nos aos costumes, que estão enraizados, principalmente em nossa burguesia, embevecida por essa civilização que esta periclitando na Europa e nos estados Unidos. (MANIFESTO DOUTRINÁRIO, 1932, 4º cap. in SALGADO, 1932 ).
Dessa forma, a aceitação desse movimento em regiões de colonização
alemã, com descendentes que continuavam a venerar sua cultura e a pátria de
origem de seus antepassados como a sua legítima pátria, torna-se, no mínimo,
contraditória.
As questões relacionadas ao nacionalismo e ao deutschum são questionadas,
nesse momento, entre os adeptos do movimento e a oposição ao mesmo. Vários
estudos analisam uma questão complexa de ser entendida; as perguntas giram em
torno de questões como: os descendentes alemães aderiram ao movimento por
identificarem-se com suas origens étnicas? Ou, deixaram de lado os valores
pregados pelo germanismo para adotarem uma ideologia mais próxima a eles? Ou
ainda, o integralismo era aliado do fascismo e por esse motivo conseguiu tantos
adeptos alemães e teuto-brasileiros? O movimento integralista mudou sua ideologia
para atrair os teutos de Santa Catarina?
O estudo das situações específicas de cada região em questão, é de
fundamental importância para a compreensão desses contrastes ideológicos do
movimento em relação à ideologia nacional.
4.2.1 Relações entre Integralismo, Fascismo e o Nacional-Socialismo
A atuação dos movimentos fascistas na Europa, entre os anos de 1920 e
1930, era acompanhada com expectativa e aprovação por grande parte dos
imigrantes europeus e seus descendentes, em todo o Brasil. Em Santa Catarina, a
admiração despertada pelos regimes fascistas ocorreu em todo o estado, e não
somente em colônias alemãs e italianas. Os discursos do antiliberalismo e
anticomunismo agradavam, assim como os bons resultados dos regimes totalitários
na Europa.
Os motivos para essa admiração levam em conta dois principais fatores com
que o mundo ocidental estava vivendo após a Primeira Guerra Mundial, o temor do
comunismo e a descrença na democracia liberal. O discurso fascista ia de encontro
125
a esses temores de grande parte da população, e era seguido pelo discurso
integralista. Através do medo e da ameaça comunista, o movimento conseguiu
atingir algumas instituições, como a Igreja e a família, com o lema: “Deus, pátria e
família”. Pois, na visão de um anticomunista, o comunismo é inimigo da família, quer
dissolvê-la, entregando a educação dos filhos ao Estado. Além disso, pregava o fim
dos laços do matrimônio, pregando o amor livre, postulando a cobiça à mulher do
próximo, “estimulando a ruptura dos indissolúveis laços do matrimônio e, por meio
disto, instituindo a desonra e o amor livre como norma geral de conduta” (FALCÃO,
2000, p.140).
O governo fascista italiano, com o objetivo de ampliar sua influência no Brasil,
criou organismos de socialização fascistas, potencializando o serviço consular e
trabalhando nos tradicionais foros da vida na colônia, as escolas, as associações e
os jornais. Conforme o governo fascista, em 1934, havia 75 fascio16 organizados em
todo território nacional (BERTONHA, apud ZANELATTO, 2012). Em Santa Catarina
havia registro de cinco fascio, sendo quatro na região sul do estado, em Urussanga,
Nova Veneza, Laguna e Meleiro (TRENTO, 1989 p. 313). O perfil social destes
fascistas compreendia características de uma classe média, de profissionais liberais
e pequenos comerciantes, ligados à indústria e ao comércio, médicos, advogados,
agentes consulares, ou seja, pequenas elites locais e seus descendentes
(ZANELATTO, 2012).
Falcão (2000) reuniu vários fragmentos de artigos de jornais do estado, onde
é possível observar como a admiração pelos regimes fascistas atingiu diferentes
segmentos políticos e sociais em Santa Catarina. Nesta publicação do jornal “o
Farol” de Itajaí, em dezembro de 1933, Plínio Salgado advertia para as únicas
opções disponíveis ao Brasil, ou seja, o comunismo e o fascismo:
[...] A primeira é incompatível para os nossos sentimentos, com a nossa educação, com as tradições da nossa história, e será, si encontrar prosélitos, combatida a ferro e fogo. A segunda, vive latente entre as nossas populações, desde o intelectual das cidades até o caboclo rustico, que já aprendeu a admirar Hitler e Mussolini [...] (‘O FAROL’ apud FALCÃO, 2000 p. 127)
16
Em Itália, coligação de diversos grupos políticos em volta de uma ação comum. "fáscio", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/f%C3%A1scio [consultado em 10-11-2015].
126
Quando Plínio Salgado apresenta o comunismo, ele é taxativo em dizer que o
mesmo é contra as “tradições da nossa história”, relacionando essas tradições aos
valores cristãos. A partir do momento em que se reporta ao fascismo, ele afirma que
o mesmo já está presente na sociedade e é conhecido “desde o intelectual até
caboclo”. Desta forma, seu discurso tem o objetivo de reforçar a população que este
movimento está presente, e não que ele “quer se fazer presente” e, principalmente,
deixar claro que os brasileiros também simpatizam com o movimento, admirando
Hitler e Mussolini.
Os jornais que publicavam elogios ao fascismo, chamavam a atenção dos
leitores para analisar, que, “além dos resultados materiais obtidos na recuperação
econômica da Itália e da Alemanha, como a rápida redução do desemprego e da
inflação, implantara um almejado clima de paz social (obtido, é claro, com feroz
repressão a qualquer oposição)” (FALCÃO, 2000, p. 128).
O Jornal “O Jaraguá”, de 26 de maio de 1934, publicou:
Depois que Mussolini mostrou para diversos sociólogos a visão de mundo fascista, iniciaram-se, em consequência da falência da ideologia liberal-democrática, movimentos parecidos com maior ou menor sucesso. De todos estes, interessa-nos mais, e o que vimos com simpatia o início, o crescimento e as vitórias, é o nacional-socialismo na Alemanha. Certamente, nenhum teuto-brasileiro poderia deixar de acompanhar alegremente o crescimento da onda marrom de eleição para eleição. Nós já nos acostumamos a ver o nacional-socialismo como a parte sadia do povo alemão [...] (“O JARAGUÁ” apud FALCÃO p. 185) .
A imprensa local e estadual enfatizavam grandes feitos de Mussolini e da
Nova Itália, na edição do jornal ‘O Estado’ editado em Florianópolis, em 1936,
Zanelatto ressalta que Mussolini foi comparado a Napoleão, reverenciado como o
homem do momento, tendo assegurado seu lugar “na galeria dos vultos da
humanidade” (‘O ESTADO’, apud ZANELATTO, 2012, p. 217).
Jornais de várias cidades como Joinville, Jaraguá do Sul e Blumenau
abordavam opiniões semelhantes, noticiando com grande fervor os feitos do
nacional-socialismo, além da reprodução dos discursos proferidos pelas autoridades
do III Reich.
Hitler mostrou ao mundo que o partido nacional-socialista, que foi alvo de zombarias por toda parte como inimigo da cultura, foi o único portador de autentica cultura, cuja disposição de sacríficos sem limites salvou não só a Alemanha, mas toda a Europa [...] de uma ruina terrível” (BLUMENAUER ZEITUNG, apud FALCÃO, 2000, p. 185).
127
Os jornais “O Mineiro” de Criciúma; “O Correio” de Orleans e o “Correio do
Sul” de Laguna, desde 1926, publicavam artigos e notas enaltecendo Mussolini e o
estado fascista, e criticando quem via nesse movimento “apenas uma simples
revolta contra o comunismo e as deficiências da liberal-democracia” (ZANELATTO,
2012, p. 217). Em relação ao seu líder, um artigo intitulado “O Estado fascista”
ressaltava: “Mussolini é o exemplar típico representativo, de uma nova geração
italiana a qual, superada a grande provação da guerra, pretende elevar ao justo nível
de grande nação moderna a Pátria comum” (“O MINEIRO”, apud ZANELATTO 2012,
p. 217).
Os três jornais citados acima, de circulação na região sul do estado, editavam
suas matérias na língua portuguesa, o que significa, segundo Zanelatto (2012), que
eram voltados ao público luso-brasileiro, simpático ao fascismo. O semanário La
Tribuna, o único editado em língua italiana, era destinado especialmente aos
imigrantes italianos; em suas edições, exaltava o dirigente fascista, o herói, o
homem do século, que criou a Nova Itália. No artigo de 1º de fevereiro de 1932,
todos os elogios eram dados ao Duce, capaz de dar a sua vida para salvar a pátria.
O artigo foi assinado por José Diniz, membro da Academia de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina, que ao finalizar o texto afirma seu amor à
pátria, no entanto, cita Zanelatto, “parecia desejar que o Brasil tivesse um dirigente
como o líder fascista” (ZANELATTO, 2012, p.216).
Jornais da capital como o “República”, vinculado ao governo do estado, “A
Gazeta” próximo do governo e uma espécie de órgão oficioso deste a partir de fins
de 1937, e o Diário da Tarde, ligado aos antigos republicanos também refletiam
simpatia e admiração ao fascismo. Em 21 de julho de 1935 o jornal “República”
estampou na capa um retrato de Benito Mussolini, publicando a frequência, horários
e a programação da rádio alemã e rádio italiana para a América do Sul. O periódico
“A Gazeta” manteve sua aproximação com a Alemanha, até as vésperas do
rompimento diplomático do Brasil com as forças do Eixo (FALCÃO, 2000, p.131).
Dessa forma, é possível afirmar que quase toda a imprensa catarinense
exaltava a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, independente de sua filiação
partidária. Importante lembrar que nesse período não era proibido ou perigoso
demostrar sua admiração com os regimes fascistas. Isso só ocorreu com a
decretação do Estado Novo, em 1938 e a declaração de Guerra do Brasil em 1942
aos países do Eixo (Japão, Itália e Alemanha).
128
Este desejo, de que o Brasil tivesse um dirigente como um líder fascista,
expressa o momento político que o país estava passando. A tomada de poder por
Getúlio Vargas, em 1930, deixou grande parte do país esperançosa, aguardando
mudanças profundas na política do país. Passados dois anos, em 1932, as
insatisfações começaram a aparecer, posto que o governo não tomava atitudes
democráticas para de fato, fazer uma mudança política. Essas insatisfações e
indefinições políticas revelam-se nas admirações aos líderes totalitários, onde há um
chefe que está levando o país a bons patamares econômicos e políticos, nem que
para isso, a liberdade seja deixada de lado.
Em relação ao Partido Nazista, ou Partido Nacional-Socialista, mesmo
havendo um universo de aproximadamente um milhão de teuto-brasileiros vivendo
no país, entre eles, 80.000 que se instalaram entre 1914 a 1918 até 1933, e destes,
25.000 imigrantes eram nascidos na Alemanha, o número de ingressantes no partido
nacional-socialista foi de, no máximo, 3.100 membros, sendo que, em Santa
Catarina, esse número não passou de 400 filiados. (GERTZ, 1987)
A organização do partido nazista já ocorria em Santa Catarina antes da
tomada de poder na Alemanha. Na década de 1920, havia reuniões do partido em
Blumenau. Zanelatto (2012) cita uma análise de Perazzo (1999) sobre os integrantes
do partido em Santa Catarina: “constituíam um distinto grupo social urbano:
mantinham ligações diretas com empresas e consulados alemães, dependendo
deles para a sustentação econômica dentro da colônia alemã.” (ZANELATTO, 2012,
p. 201).
Para o grupo de historiadores e memorialistas citados abaixo, não há dúvidas
que o integralismo era um movimento fascista sustentado pela Alemanha, com o
objetivo de formar um Império Alemão no sul do Brasil. Para Paul Frischauer (1944),
o integralismo “teria se constituído em uma ‘quinta coluna’, a disposição dos
interesses imperialistas do Terceiro Reich” (FRISCHAUER, 1944, p. 327). Leôncio
Basbaum (1965) afirma que, observando onde o integralismo teve mais adeptos, já é
possível entender a ligação entre ambos. (BASBAUM, 1965).
O historiador Edgar Carone (1976) também vê ligações entre nazismo e
integralismo. Como exemplo ele cita que, enquanto a AIB não era proibida, em
Santa Catarina, era editado um jornal integralista de língua alemã, o “Blumenauer
Zeitung”. Também comenta que eram realizadas palestras sobre racismo alemão e
integralismo. Sobre o jornal integralista “A Ofensiva”, Carone afirma que o mesmo
129
era mantido financeiramente pelas publicidades de empresas alemãs. “Além de
ideias e instruções, teria sido canalizado dinheiro para os integralistas através do
Banco Alemão Transatlântico.” (CARONE, 1976, p. 212).
Ribas observa que, além dos integralistas utilizarem muitos rituais e símbolos
no mesmo estilo do nazismo, seus discursos faziam questão de mostrar as
semelhanças entre ambos, através de propagandas em alemão, enaltecendo a
figura de Adolf Hitler:
Se você é um alemão nacional-socialista e é agradecido à sua Pátria de origem, seu braço se levanta para Hitler que fez a Alemanha livre do caos marxista e comunista [...], então ingresse para as camisas-verdes lideradas por Plínio Salgado. O integralismo é um apelo do Brasil para todos que são aqui nascidos! É um chamado da terra que te acolheu de forma hospitaleira [...] (RIBAS, 1944, p.137).
Estes discursos, utilizados pelo integralismo em Santa Catarina revelam a
flexibilidade na ideologia do movimento, no intuito de congregar os teutos para a
AIB. Os integralistas propagavam que só a AIB preservaria o Deutschum, fato que
era desacreditado na Alemanha. Para a revista alemã Deutschum in Ausland
“sempre haveria diferença entre os brasileiros integralistas e os ‘outros’, um grupo
de alemães e seu Deutschum não seriam valorizados” (DIETRICH, 2007).
Com relação ao governo alemão, o mesmo nunca foi simpático ao
integralismo, pois o mesmo feria o princípio do Deutschum, na ideologia integralista,
o movimento não aceitaria uma cultura totalmente alemã, e sim uma fusão étnica
entre os cidadãos brasileiros. Desta forma, os estudos, que se apoiam na não
ligação entre nazismo e integralismo, entendem que o movimento era simpático às
ideias fascistas, e alguns membros poderiam sim, ter mantido contato com
integralistas, mas de forma individual, “não uma colaboração de bases amplas com
fins golpistas” (MAGNUS apud GERTZ, 1987, p.121).
Mesmo havendo muitas evidências na ligação entre nacional-socialismo e
integralismo, Dietrich (2007) cita o estudo de Natália Cruz: “Nazismo e integralismo:
proximidades e conflitos”, onde a autora faz o seguinte comentário:
[...] não se pode desconsiderar que a relação entre o nazismo e o integralismo também era marcada por desconfianças mútuas, já que o integralismo, como movimento, extremamente nacionalista, temia a influência imperialista do Reich Alemão, e o nazismo não simpatizava com a ideia integralista de nacionalização das minorias étnicas no Brasil, o que
130
incluiria a assimilação cultural dos alemães residentes no país (Dietrich, 2007, p.208).
Nas análises das autoridades policiais realizadas por João Kühne, na obra O
Punhal nazista no Coração do Brasil, citadas em Gertz (1987), o autor afirma a
ligação entre integralismo e nacional-socialismo, apresentando provas de ligações
cordiais entre líderes integralistas e nazistas, e cita a observação de que o jornal
Blumenauer Zientung “fazia propaganda tanto para o nazismo quanto para o
fascismo” (GERTZ, 1987, p. 126). Porém, na mesma obra, há contradições quando
o autor cita alguns fatos, como uma carta de partidários nazistas comentando a
traição do professor Griebel. O mesmo, que pertencia a NSDAP, desentendeu-se
com o partido e, como represália, entrou para o movimento integralista. Também é
citada uma carta, de 1935, da Frente Alemã de Trabalho (DA), comentando a filiação
de um dos membros ao integralismo, que escreve no final da carta:
Naturalmente devemos levar em conta todos os momentos que levaram um companheiro a voltar-se à AIB. Se isto ocorreu exclusivamente por necessidade econômica, isto é, se um companheiro talvez perdesse o emprego, caso não se filiasse à AIB, penso que devemos tolerar a coisa” (KÜHNE apud GERTZ, 1987, p. 126).
O relato de Grete Baumgarten Medeiros, filha do vereador integralista Alfredo
Baumgarten, de Blumenau, em depoimento concedido à Sueli Petri, em 12 de maio
de 1994, reforça a linha da não ligação entre nazistas e integralistas. Mesmo sendo
descendente de alemães, comentou que seu pai sempre frisava que eles eram
brasileiros. “Nossa divergência mesmo, do nosso grupo daqui [...] era contra os
nazistas. Nós éramos inimigos dos nazistas, pois eles eram nossos concorrentes e
nós nunca compactuamos com aquilo. E outro (inimigo) era o Nereu Ramos, que
combatia muito” (FALCÃO, 2000, p. 162). Em outro momento da entrevista, Grete
lembra que teve vários amigos nazistas, e que muitos colonos “ingressaram mesmo
no integralismo, esperando que fosse coisa parecida com o nazismo, porque o
nazismo estava levantando a Alemanha, e eles achavam que íamos fazer o mesmo
aqui.” (FALCÃO, 2000).
Em outra entrevista relatada por Falcão, em 1996, Egon Stein, conta que seu
pai, Alberto Stein, foi preso já no Estado Novo, na Ilha dos Guarás, em Florianópolis,
junto com alemães acusados de fazer propaganda nazista. Seu Alberto ficou
indignado e exigiu falar com Nereu Ramos, por não aceitar ficar preso “com aqueles
131
alemães, pois afinal era um preso politico brasileiro e exigia que assim fosse tratado”
(FALCÃO, 2000, p. 163).
Havia, entre muitos integralistas, principalmente das zonas rurais, uma
simpatia pelo nazismo e pelo integralismo. Erna Ziebell, agricultora, junto com toda a
família, da região de Hamonia17, eram membros da AIB, porém relata que seu pai
“era integralista e fascista ao mesmo tempo, pois gostava de Hitler, mas queria que
seus filhos aprendessem português e História do Brasil” Através do relato abaixo ela
exprime o sentimento de muitos teutos que viviam em regiões mais isoladas (rurais)
de Santa Catarina: “Eu gostava muito do uniforme e de marchar pelas estradas do
interior de Hamonia. Nós nos reuníamos no Salão Ponto Chique, e depois de cada
encontro havia a dança, ao som de gaita, tambor e sopro. Era valsa, polca, marcha,
tudo alemão. Nós queríamos muito bem o Brasil, embora o nosso amor estivesse
com a Alemanha.” (FALCÃO, 2000, p. 163).
De acordo com informações do Capitão Antônio de Lara Ribas, da Força
Policial de Santa Catarina, datadas de 1944, várias cidades tiveram a participação
de alemães nazistas na fundação dos núcleos integralistas. Dentre elas, segundo
Ribas, destacava-se Canoinhas, onde o núcleo integralista contava com 8 membros
nazistas e 24 alemães integralistas. (RIBAS, 1944).
Em relação às informações, comentários e análises sobre a participação do
partido nacional-socialista, apoiado em documentos, periódicos, fatos empíricos e,
algumas vezes, formulando hipóteses sobre tentativas de golpe ou de formação de
um império alemão no sul do Brasil, são divergentes. A maioria dos estudos
identifica a questão étnica como fator principal, tanto na adesão dos teutos ao
integralismo, como a não adesão de alemães ligados à NSDAP (National
Sozialistische Deutsche Arbeiter Partei, ou Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães) à AIB.
O Nacional-socialismo defendia uma raça pura enquanto que o integralismo
pregava, em Santa Catarina, uma associação de raças. “Os alemães e teuto-
brasileiros atraídos pela doutrina racial hitlerista encaravam com apreensão o
florescente partido integralista, cuja insistência na fusão das raças estava em
‘flagrante contraste’ com as crenças nazistas” (Der Auslanddeutsche apud HILTON,
1977, p. 35).
17
Hamonia foi distrito de Blumenau até 1931, quando o município foi desmembrado. Nesta ocasião, Hamonia deixa de ser distrito, sendo criado o município de Ibirama (ZANELATTO, 2012, p.70)
132
Através da análise das atas do Ministério das Relações Exteriores da
Alemanha, Dietrich observou que o governo nacional-socialista estava monitorando
o crescimento e o desenvolvimento do integralismo no Brasil, desde 1935, através
de suas associações no exterior. O mesmo era contrário à adesão de qualquer
alemão ou descendente ao movimento, alegando que o mesmo iria afetar o
deutschum. Pediam atenção especial à juventude alemã que, em parte, aderiu ao
integralismo. (DIETRICH, 2007, p. 210).
A adesão dos teutos ao movimento integralista e as críticas dos defensores
do deutschum são analisadas por Gertz (1984) na obra de Maria Kahle, escritora e
jornalista alemã que vivera no Brasil durante a Primeira Guerra Mundial. Maria Kahle
retornou ao Brasil em 1934, por conta de uma incumbência do governo alemão, para
analisar e explicar aos alemães e seus descendentes a “Nova Alemanha”. Dentre os
relatórios dos dados referentes às colônias alemãs, Maria Kahle analisou os motivos
da adesão dos teutos ao integralismo.
Segundo ela, o fato é explicável psicologicamente, pois muitos teuto-brasileiros estão influenciados pelo nacional-socialismo, mas em virtude da sua cidadania brasileira não podem ingressa a NSDAP. Sobretudo a juventude que não tem condições de distinguir visões de mundo diferentes, deixando levar-se pelas formas exteriores do integralismo: uniforme, saudação, desfiles e cantos (GERTZ, 1984, p. 154).
Maria Khale ressalta que o fator mais preocupante em relação ao integralismo
é em relação a não preservação da raça alemã, como defende o nacional-
socialismo. “[...] o nativismo que está fortemente representado no integralismo
pressiona para uma miscigenação de todos os grupos étnicos que vivem no Brasil,
ultimamente até negros e judeus são admitidos como membros” (KHALE apud
GERTZ, p. 154). Para Hilton (1977), havia choque entre o nacionalismo integralista e
os interesses alemães no Brasil: “O nacionalismo dos integralistas chocava-se
frontalmente com os interesses culturais alemães no Brasil, pois, em seu desejo de
forjar uma nação unida, os camisas-verdes insistiam na assimilação de todas as
‘colônias estrangeiras’” (HILTON, 1977, p. 34).
Nas colônias alemãs, “no cotidiano de alemães e teuto-brasileiros, os
discursos se misturavam e a colaboração se dava em diferentes níveis” (DIETRICH,
2007 p. 211). As ordens vindas da Alemanha eram obedecidas de maneira diversa,
como se estivessem se adaptando à realidade local. Alguns exemplos desse
133
relaxamento às medidas restritivas do nacional-socialismo alemão podem ser
verificados no jornal Blumenauer Zientung, que era considerado um jornal
integralista, mas fazia reverências ao nazismo, assim como a sede do movimento
integralista e nazista funcionando no mesmo local, em Rio do Sul, tendo o sigma e a
suástica na fachada. (DIETRICH, 2007).
Segundo o relatório da visita do enviado da Alemanha, a Santa Catarina,
Arthur Schmidt-Elskop, em 1935, em conversa com Victor Konder, em Blumenau, o
mesmo comentou a integração dos teuto-brasileiros ao integralismo e a reação dos
mesmos com os alemães de nascimento. Ressaltou que não era fácil aos
descendentes de alemães participarem do movimento, pois seu chefe, Plínio
Salgado, afirmava que o movimento nada tinha a ver com o socialismo ou com o
fascismo. Dessa forma, ressaltava Konder:
[...] os problemas para os teuto-brasileiros, estava em, por um lado, desobedecer o princípio da não-intervenção política exigida pelo partido nacional-socialista, e o segundo era que o integralismo, enquanto corrente nacionalista, pregava um Brasil para brasileiros, portanto sendo completamente inimigo das minorias nacionais que residiam no Brasil, caso dos alemães, apesar de eles declarem o contrário (DIETRICH, 2007 p. 232).
Defensores do Deutschum, os irmãos Konder faziam um discurso chamando
a atenção para o perigo de um governo totalitário. Falcão comenta que os
germanistas, percebendo que perderiam suas bases de apoio, transferem para a
AIB suas denúncias e críticas. O deputado estadual Marcos Konder, líder da minoria,
em discurso durante a promulgação da Constituição estadual, em 1935, alertava que
a democracia estava ameaçada, à esquerda pelo comunismo e à direita por uma
ditadura pessoal. Atacou o comunismo, chamando-o de “capa disfarçada do
Bolchevismo Russo” e o integralismo de “travesti brasileiro, inadaptável às nossas
condições”, alertando que tanto o Fascismo quanto o Nazismo eram totalmente
estranhos às realidades brasileiras. Ressaltava, porém, que se o integralismo
corrigisse de seu programa o item onde tratava da questão étnica, em “abranger
num só pensamento povoações de caráter étnico tão diferente e de interesses
sociais e econômicos tão diversos”, sendo considerada por Konder impossível de
ser praticada, assim como a ditadura pessoal, o mesmo teria plenas condições de
“ser considerado uma nova modalidade de Democracia”, e com isto, nada impediria
134
que os integralistas formassem “com os democratas uma Frente Única contra os
comunistas” (KONDER apud FALCÃO, 2000, p. 145-146.)
No discurso de Marcos Konder, transparece a preocupação com a expansão
da AIB, por esse motivo, mesmo a atacando, pondera que, se os mesmos não
defendessem a centralização e um sistema ditatorial de governo, assim como
compreendessem e respeitassem a etnia alemã, poderiam estar juntos
politicamente. Konder também ataca, em seu discurso, a política nacionalista
extremada de Nereu Ramos, diz concordar com o ensino da língua portuguesa nas
escolas, desde que não deixassem de lado o alemão: “O Brasil não é somente dos
brasileiros natos; o Brasil é também dos que são brasileiros pelo trabalho e pelo
coração” (KONDER apud FALCÃO, 2000, p. 191).
Diferentemente do nazismo, que negava qualquer ligação com o integralismo,
atacando-o veementemente, o fascismo italiano, optou por apoiar o movimento,
pelos motivos expostos a seguir. O relatório do vice-cônsul italiano no Brasil, Guido
Zecchin, em 1935, revelou que o fascismo não estava obtendo êxito nas colônias
rurais de Santa Catarina e, de modo geral, no Brasil, sua presença não estava
sendo tão expressiva como desejava a Itália. A questão analisava que a primeira
geração de imigrantes vivia basicamente nas colônias, não tinham instrução e
preservava sua identidade italiana, a segunda geração já se sentia mais brasileira
que italiana, mas preservava ligações culturais com a pátria dos ancestrais,
enquanto que a terceira geração só se identificava com o Brasil (ZANELATTO,
2012). Bertonha (2000) concorda com Gertz (1987), quando observa que a adesão
ao integralismo vai além da questão étnica. No caso dos italianos, a adesão ao
fascismo variou de acordo com a região e o meio social onde os imigrantes estavam
inseridos.
No tocante à receptividade dos italianos do Brasil à propaganda fascista, é patente que ela foi muito variável em intensidade e que também oscilou fortemente segundo critérios sociais, geracionais, regionais e outros. Nesse sentido, é evidente uma forte popularidade do regime e da ideologia fascista entre os italianos natos e pertencentes às classes burguesas e médias das colônias (e, em especial, a de São Paulo), enquanto o grosso dos trabalhadores urbanos e rurais e os filhos de italianos manifestaram uma certa simpatia pelo Fascismo (normalmente mediada pelo resgate do orgulho da origem italiana que a ativíssima política externa do Fascismo proporcionava), mas sem uma adesão direta. (BERTONHA, 2000 p.14).
135
Por esse motivo, o ideário integralista foi apoiado pelos fascistas, e recebido
com grande entusiasmo pelos colonos italianos, pois identificava o discurso
integralista com o fascismo italiano, porém, como se sentiam brasileiros, gostavam
do nacionalismo pregado pela AIB, pois preservariam sua cultura, mas estariam
inseridos no país, como partícipes da política. O governo italiano apoiou o
integralismo, pois viam no movimento uma forma de aumentar sua influência no
país. Era desejo do governo italiano uma aliança entre a AIB e Vargas, pois
acreditavam que, dessa forma, se firmaria o fascismo no Brasil. Viam com bons
olhos a adesão da coletividade italiana ao integralismo, como uma forma de conter a
influência nazista no movimento e ao mesmo tempo inserir os descendentes de
italianos na vida política brasileira num sentido pró-fascismo. (ZANELATTO, 2012).
A embaixada italiana também colaborou financeiramente com o movimento;
50 mil libras, em julho de 1937, e uma subvenção especial de 579 contos, em agosto
de 1937 (CERVO,1992, p.148). Plínio Salgado tinha estreitas relações com
Mussolini, sendo assim, entende-se que, no país, o movimento teve grande apoio do
fascismo italiano. Bertonha (2000) colabora com essas informações, ressaltando:
O governo italiano enviou um emissário ao País, o dr. Gomes, para estudar o Integralismo, e este se impressionou com o movimento, defendendo o apoio ao mesmo para facilitar o seu controle, aumentar a influência italiana na política brasileira e, no limite, levar o Brasil para a órbita do Eixo. Com isso, um subsídio financeiro passou a ser transferido regularmente dos cofres italianos para os integralistas, apoiando o seu esforço para se tornar um movimento político organizado. (BERTONHA, 2000 p. 15).
Em relação ao fascismo em Santa Catarina, as informações levam a crer que
não houve relação entre este e o Partido Integralista, pois o movimento fascista foi
atuante antes do integralismo, perdendo forças em 1932. Desta forma, quando o
integralismo inicia na região, em 1935, o movimento fascista não estava mais
atuante.
A não integração dos núcleos coloniais com o fascismo possivelmente
ocorreu por se tratar de regiões rurais, com pequenos proprietários, relativamente
isolados em núcleos coloniais com pouca instrução, onde os mesmos não foram
atraídos pelo movimento. O fascismo se concentrou em grandes centros urbanos
como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os núcleos fascistas em
Santa Catarina optaram pelos partidos tradicionais, após 1930, e não pelo
integralismo.
136
A ação do fascismo em Santa Catarina serviu para difundir a ideia do
governo autoritário, presente posteriormente no integralismo e no Estado Novo. “O
esforço fascista de controlar as mentes e as almas dos italianos e seus filhos no
Brasil não foi, assim, coroado de êxito, mas colaborou decisivamente para o reforço
da cultura política de direita no Brasil do período” (BERTONHA, 2000, p.15).
A relação entre integralismo e os movimentos totalitários europeus, o
fascismo e o nazismo, se inserem no contexto específico dessas regiões, aliadas ao
grande sucesso desses movimentos na Europa em detrimento às instabilidades
políticas no Brasil.
A identificação dos imigrantes com os discursos fascistas realizados por Plinio
Salgado, aliada ao desejo de sentir-se pertencente ao Brasil, foi selada com as
promessas do movimento do respeito às tradições dos mesmos. Em relação aos
alemães que defendiam o deutschum, não aceitando a presença de alemães e
teutos no integralismo, com o receio da mistura da raça pura, mostra uma divisão de
atitude entre alemães e teutos. Muitos teutos, não podendo participar do NSDAP,
aderiram ao integralismo, outros aderiram por entender que se tratava da mesma
coisa (fascismo e integralismo), outros apenas por serem imigrantes europeus
querendo uma pátria.
Os resultados dessas adesões apareceram nas eleições municipais de 1936,
onde o movimento mostrou sua força politica. As ações dos prefeitos e vereadores
integralistas não foram possíveis de ser analisados, pois o Estado Novo, decretado
por Getúlio Vargas, em 1937, retirou os eleitos do poder.
4.3 AS PERSEGUIÇÕES À AIB E AS ELEIÇÕES DE 1936
A partir de 1935, com a posse de Nereu Ramos, governo e oposição
começaram a atacar a AIB. Em Florianópolis, os integralistas tiveram que abandonar
a sede, pois a mesma se encontrava em um prédio público, a sede foi para o
casarão da família de Othon Gama D’Eça. O jornal onde a AIB tinha uma coluna
diária, “A Gazeta”, além de suspender a coluna, iniciou uma série de ataques ao
movimento, inclusive denunciando Othon Gama D’Eça de corrupção, enquanto o
mesmo era chefe da Polícia do Estado, em 1927 (ZANELATTO, 2012). Além dessas
medidas, foram proibidas a colocação de cartazes em cafés e portas de edifício, o
uso de uniformes e distintivos, além de comitivas e passeatas. A justificativa para
137
tais atitudes estava no intuito de evitar confrontos entre aliancistas e integralistas.
(FALCÃO, 2000).
Estas medidas tomadas pelo governo estadual vieram na esteira da Lei de
Segurança Nacional (LSN), sancionada por Getúlio Vargas no início de 1935. Diante
dessa lei, greves de funcionários públicos, organização de associações ou partidos
com o objetivo de subverter a ordem política ou social; propaganda subversiva e
incitação ao ódio estavam proibidas (FAUSTO, 2006).
Vários núcleos descumpriram essas ordens; em Joinville, por exemplo,
Aristides Largura, inspetor escolar e futuro prefeito integralista, foi transferido para
Blumenau. Em São Bento, Canoinhas e Laguna houve prisão de diversos
integralistas. Além de transferência e demissão de professores e inspetores de
ensino. (ZANELATTO, 2012). Contudo, nem as críticas realizadas por políticos
adversários, nem as medidas tomadas pelo governo do estado, fizeram com que o
movimento definhasse, pelo contrário, ele se espalha rápido pelo interior do estado.
Os locais escolhidos para a maior propagação do movimento era nos armazéns, que
também serviam de hospedaria e, nos finais de semana, viravam salões de baile.
Esses locais eram pontos de encontro no final do dia, onde tomavam um gole de
cachaça e comentavam sobre as últimas notícias. (FALCÃO, 2000).
As eleições municipais de 1936 foram consideradas pelo integralismo como
uma “prova de fogo”, um termômetro para medir a receptividade do movimento
através do voto. A AIB obteve significativa votação no estado, sendo vencedora em
alguns munícipios, conseguindo eleger 8 prefeitos (Blumenau, Joinville, Jaraguá do
Sul, Brusque, Timbó, São Bento do Sul, Rio do Sul e Hamonia), 72 vereadores e
dezenas de juízes de paz. Os números mais surpreendentes estão em Blumenau,
Joinville e Jaraguá do Sul. Em Blumenau, a AIB venceu em todas as sessões
eleitorais, desbancando os liberais e os republicanos, obtendo a maioria da Câmara
de vereadores (11 vereadores integralistas do total de 15 cadeiras) (FALCÃO, 2000).
O integralismo no sul do estado não conseguiu uma força política nas zonas
urbanas, visto o grande poder exercido pelos liberais, porém demonstrou sua força
nas eleições, lançando candidatos próprios em cinco municípios; os liberais
lançaram candidatos próprios em todos os municípios e os republicanos apenas um
candidato. Nos cinco municípios em que disputaram as eleições para prefeito
(Laguna, Araranguá, Orleans, Criciúma e Imaruí) os integralistas tiveram boa
138
votação, lançaram candidatos a vereadores em todos os municípios e conseguiram
eleger 12 vereadores. (ZANELATTO, 2012).
Nos municípios de Urussanga, Orleans e Criciúma, habitados por imigrantes
europeus, o integralismo foi organizado nos núcleos e subnúcleos, principalmente
das áreas rurais, sendo uma especificidade do movimento, pois a maioria era de
pequenos agricultores. Nas eleições municipais de 1936 os integralistas elegeram,
nas três cidades, quatro vereadores, sendo três em Orleans e dois em Criciúma. Em
Laguna, houve conflito e dissidência no Partido Liberal, brigas acirradas entre as
elites políticas e econômicas da região; venceu a dissidência do partido com o
candidato Giocondo Tasso, cujo pai era fascista, mas, nos anos de 1930, estreitou
laços com o Partido Liberal. O mesmo foi nomeado superintendente em 1933, eleito
prefeito em 1936 e nomeado por Nereu Ramos em 1937. (ZANELATTO, 2012).
No município de Tubarão, o integralismo foi dirigido por um luso-brasileiro,
porém o forte desempenho político e econômico do partido liberal impossibilitou
maior adesão a AIB. Em Araranguá, as instabilidades políticas após 1930, foram
propícias ao movimento integralista. O mesmo foi fundado em 1934, com a liderança
de Jaime Wendhausen, o movimento se espalhou ligeiramente para o interior do
município, fundando vários subnúcleos. Nas eleições de 1936, a AIB lançou Jaime
Wendhausen para prefeito concorrendo com Caetano Lummertz do Partido Liberal.
Nesta disputa, mesmo não vencendo o candidato a prefeito, o integralismo garantiu
três vereadores. (ZANELATTO, 2012).
A primeira observação pertinente sobre os prefeitos eleitos da AIB em Santa
Catarina, é perceber que não são todos teuto-brasileiros; esta descendência étnica
esteve presente nos prefeitos de Blumenau, Jaraguá do Sul, Timbó e Hansa-
Hamônia. Nos municípios de Joinville e Rodeio, os prefeitos eram ítalo-brasileiros,
em São Bento do Sul e Rio do Sul, tinham descendência luso-brasileira.
De acordo com a publicação do jornal O Jaraguá, de 2 de maio de 1936,
foram 30 vereadores no Vale do Itajaí, 25 vereadores no norte, 12 vereadores no
sul, quatro vereadores no oeste, dois vereadores na Grande Florianópolis e um
vereador no Planalto. (“O JARAGUÁ” apud ZANELATTO, 2012).
Além de já citada eleição em Blumenau, que elegeu 11 vereadores do total de
15; o munícipio de Joinville elegeu 9 vereadores no total de 15; Jaraguá 5
vereadores no total de 7; São Bento do Sul conseguiu eleger 5 vereadores; Brusque
4 vereadores; Hamônia (4); Rio do Sul (4); Timbó (4); Orleans (3); Imaruí (3);
139
Araranguá (3); Indaial (3); Canoinhas (2); Gaspar (2); Biguassú (2); Campo Alegre
(2); Itaiópolis (2); Chapecó (2); Criciúma (2); Curitibanos (1); Cruzeiro (atual
Joaçaba) (1); Laguna (1); Concórdia (1). AIém desses eleitos, os integralistas
receberam adesão de vereadores eleitos em outras legendas, como “Ottocar
Gruber (Porto União), Urbano Gastaldão (Urussanga) e Germano Wuenche
(Itaiópolis), que teria arrastado consigo toda a Câmara Municipal.” (FALCÃO, 2000,
p. 194).
Os resultados dessa eleição levaram a algumas observações em relação aos
perfis dos eleitores integralistas. Em algumas regiões como Blumenau e Joinville, os
votos vieram tanto do centro urbano como da área rural, em outras regiões, como
Jaraguá do Sul, a maior votação veio do interior do município. Nos munícipios com
grande colonização de luso-brasileiros, como Florianópolis, a AIB não saiu
vencedora, mostrando o controle dos políticos tradicionais. Falcão ressalta que a
grande votação de luso-brasileiros nos munícipios do sul do estado (Araranguá,
Orleans e Rodeio) foi obtida com apoio dos ítalo-brasileiros. (FALCÃO, 2000).
O vereador mais votado em Blumenau foi o integralista luso-brasileiro, ex-
professor primário, escrivão, que trabalhava como jornalista e advogado, José
Ferreira de Souza e, por já haver confessado saber muito pouco da língua alemã,
seus discursos provavelmente foram em português, demonstrando com isso que, a
maioria do seu eleitorado já estava habituada com a língua portuguesa, e não levou
em conta, na hora da escolha do seu candidato, o fato do mesmo não saber a língua
de origem da maioria da população. Da mesma forma, aconteceu com Aristides
Largura, professor e inspetor escolar, candidato integralista eleito em Joinville, que
não entendia nada de alemão, recorrendo muitas vezes a intérpretes.
(GERTZ,1987). Estes dois fatos demonstram que, nas antigas colônias alemãs, não
foi o fator étnico que prevaleceu na hora da escolha do candidato. Em seu estudo
intitulado “Integralismo, Círculo Operário Católico e Sindicatos em Joinville (1931-
1948)”, Florianópolis, 2011, Daniely Wendland observa que, em Joinville, nas duas
chapas concorrentes, havia sobrenomes alemães, não significando a presença de
distinção entre as duas candidaturas em relação à questão étnica. (WENDLAND,
2011).
Em relação à origem social dos candidatos integralistas vencedores, além de
sua origem étnica revelar pessoas de classe média, sem famílias tradicionais no
município, muitos deles vinham de outras cidades do estado. Aristides Largura era
140
natural de Blumenau, trabalhava em Joinville como inspetor escolar e, por
intermédio de Nereu Ramos, havia sido transferido para Blumenau, em 1933, para
que se afastasse da AIB, o que não aconteceu, sendo demitido posteriormente. Os
líderes da economia joinvillense, mesmo inimigos políticos, se uniram para tentar
derrotar o candidato integralista, foi o caso de Max Colin (Partido Republicano),
Hans Jordan (Partido Liberal), Frederico Hübner, além do vigário da paróquia, que
apoiaram Sérgio da Fonseca Vieira, da Frente Única pró-Joinville. Para eles, o
primordial naquele momento era evitar que o governo municipal caísse em mãos de
quem “cujo berço não se localiza aqui.” (KOLONIE-ZEITUNG apud GERTZ, 1987, p.
198).
Durante sua pesquisa, Wendland (2011) estudou a vida e a história política de
Aristides Largura. Como inspetor de ensino, Largura visitou todas as escolas de
Joinville e pôde entrar em contato com muito estrangeiros e descendentes que não
estavam assimilados ao contexto nacional. Largura comenta que os mesmos não
representavam perigo algum, não sendo necessárias as medidas restritivas com
relação à língua alemã, como ocorria nas regiões de colonização germânica, sempre
que podia tentava inseri-los na sociedade. Além de conhecer bem o interior do
município, estabelecendo contato com os agricultores, Largura também conviveu
com operários das fábricas, fator que ajudou na sua eleição. “ O fato de Aristides
Largura ter conhecido a Joinville dos agricultores e a dos trabalhadores fabris pode
ajudar a explicar a vitória integralista em 15 das 20 seções eleitorais, em uma
disputa onde o candidato vitorioso residia em Blumenau e voltou a Joinville apenas
15 dias antes das eleições.” (WENDLAND, 2011, p.48).
Blumenau apresentava a mesma questão em relação aos candidatos. O
candidato integralista, Alberto Stein, teuto-brasileiro, era natural de Itajaí, onde
trabalhava na marinha mercante; após abandonar a profissão, seguiu para
Blumenau trabalhar como funcionário na firma Malburg, que se dedicava à
navegação (BLUMENAU em CADERNOS, apud GERTZ, 1987, p. 199). O candidato
concorrente era Germano Beduschi, comerciante, envolvido com a administração
local. Em sua campanha, lançava um apelo para que fossem preservados os
interesses econômicos da comunidade. Sua candidatura era apoiada pelos
industriais mais importantes do município, como o presidente e vice da Associação
Industrial e Comercial de Blumenau. Entre os candidatos a Câmara de Vereadores,
vários nomes de famílias tradicionais, advogados, industriais e grandes
141
comerciantes (importação e exportação). (GERTZ, 1987, p.199). Entre os candidatos
a vereadores integralistas estavam professores, operários, mecânicos, guarda-livros,
fotógrafos, agricultores, funcionários públicos, sapateiros e bancários.
Estes resultados mostraram a insatisfação com as lideranças tradicionais,
enxergando, no integralismo, uma nova alternativa política. Em outras cidades do
estado como Jaraguá do Sul e São Bento, os candidatos integralistas também não
eram de famílias tradicionais, fato que levou empresários e industriais dos dois
municípios a promoverem campanhas para seus candidatos com o lema de que
deve-se votar em seus candidatos pois “prosperaram aqui e contribuíram com suas
forças e seu trabalho honesto para o progresso.” (KOLONIE-ZEITUNG apud
GERTZ, 1987, p. 200).
Os opositores do integralismo em São Bento, homens como Max Leppper,
Jorge Zipperer, Wenzell Kahlhofer, entre outros influentes na economia local,
organizaram uma estratégia para tentar impedir a candidatura de muitos
integralistas, exigindo em suas manifestações públicas que os candidatos a cargos
municipais: “1º) não dependessem do salário dos cargos para a sua subsistência. 2º)
deveriam ter aprendido a trabalhar sistematicamente em sua profissão, 3º) não
deveriam depender de ‘parentescos pessoais’” (JORNAL VOLKSZEITUNG apud
GERTZ, 1987, p. 201).
Como essa manifestação partiu das classes economicamente mais poderosas
no município, entende-se que os mesmos, obviamente, teriam condições de cumprir
os dois primeiros itens, e que a oposição não estava apta a cumprir estes requisitos,
sendo, dessa forma, de baixa condição econômica e social.
Além do fator étnico não ter sido o principal motivo da escolha, também não
pode ser considerado como motivo decisório os planos de governo dos prefeitos e
vereadores. De modo geral, não havia promessas de governo. Um exemplo citado
em Gertz (1987) foi um discurso do líder integralista e candidato a prefeito por São
Bento, Antônio Venera dos Santos, que iniciou com retóricas poéticas como: “Meus
caros companheiros, Anauê! Pedaço querido da terra brasileira, tu te espalhas no
céu azul, que abençoa teus filhos nas tardes temperadas de fevereiro...” e terminou
prometendo “escolas para teus filhos, para que aprendam a ser filhos dignos do
Brasil; estradas para teus carros.” (VOLKSZEITUNG apud GERTZ, 1987 p. 182).
Dias antes desse discurso, os candidatos a vereadores do município
lançaram uma publicação no jornal, explicando aos eleitores que o objetivo final não
142
era o pequeno munícipio, mas o bem de todo o país, em nome do Estado
Integralista, para formar um todo uno e coeso. Por esse motivo, não fazem
promessas eleitorais “A única promessa que uma câmara municipal integralista pode
fazer é honestidade, integridade, trabalho e mais trabalho em favor do bem comum.”
(VOLKSZEITUNG apud GERTZ, 1987, p. 182). No discurso de posse, o vereador
José Ferreira da Silva também enfatiza que nada promete, mas fará de tudo a
serviço do povo. “Nada prometemos, pois nem sabemos o que podemos realizar no
difícil momento por que passa o país; mas assumimos o compromisso – e o juramos
aqui diante de Deus e da Pátria – de pôr tudo o que somos e temos a serviço do
nosso povo.” (BLUMENAUER ZEITUNG apud GERTZ, 1987, p. 183).
Estas análises, em relação à diversidade de eleitorado integralista, propõe
algumas reavaliações sobre os estudos direcionados ao seu perfil. Falcão
argumenta não ser possível concordar com René Gertz (1987) no sentido de
estabelecer um padrão de perfil integralista, quando o mesmo afirma que: “o
integralista é uma pessoa jovem em ascensão social, oriundo das classes médias e
operárias” (FALCÃO, 2000, p. 195), pois na maioria dos municípios os indícios
revelam que a maioria dos eleitores era de pequenos proprietários rurais ou
urbanos. Porém em relação à idade, o mesmo não justifica suas observações.
Mesmo com alguns questionamentos em relação ao perfil integralista no
estado, o fato incontestável está na confirmação da maior aceitação e votação do
movimento integralista em regiões de colonização alemã ou italiana. Este fato
revoltou os setores políticos tradicionais, tanto estaduais quanto federais, que mais
do que nunca começaram a fazer ataques aos teutos e ítalo-brasileiros, e à AIB.
Marques Reis, ministro da Viação e Obras Públicas, afirmou, em entrevista, que em
Santa Catarina o Integralismo representava apenas os descendentes de italianos e
alemães, pois a AIB, através de sua propaganda, “contribuía para mantê-los à
margem da sociedade brasileira.” (‘O FAROL’ apud FALCÃO 2000, p. 157).
Alguns políticos referiam-se à eleição em Santa Catarina como uma vitória do
nazismo alemão, inclusive alguns periódicos locais como “A Notícia”, em 6 de março
de 1936, atribuiu a derrota governista em Joinville à traição dos funcionários, à falta
de campanha política da União Republicana no interior, e principalmente aos
colonos:
143
[...] elementos ligados, através das tradições de sangue, à mentalidade afeita à disciplina militarizada, que exclui a vontade individual, o conhecimento, o raciocínio, para só determinar a obediência, sem restrições e sem resistência, por este elemento de deficiente cultura cívica (JORNAL ‘A NOTÍCIA’ apud FALCÃO, 2000, p. 195).
Após os dados referentes às eleições e as reações dos setores tradicionais
da politica catarinense, é possível deixar para segundo plano o fator étnico-cultural
entre os motivos de adesão ao integralismo. A falta de participação política e de
apoio às classes médias que surgiam neste contexto, principalmente de
descendentes alemães e italianos, aliado ao programa nacionalista radical impetrado
por Aristiliano e Nereu Ramos, podem ser considerados os principais motivos da
grande aceitação da AIB no estado. Ressalta-se, porém, que cada local pode ter
uma especificidade, podendo gerar novas variáveis de adesão ao movimento. É o
caso do munícipio de Canoinhas, localizado no Planalto Norte, interior de Santa
Catarina, colonizado por imigrantes alemães, italianos, poloneses e árabes, e que
congregava um núcleo integralista, nos anos de 1930. Os motivos de adesão, as
especificidades desse núcleo e as consequências do movimento para a região serão
expostas no próximo capítulo.
144
5 O INTEGRALISMO EM CANOINHAS
O município de Canoinhas presenciou, nos anos de 1930, a criação e
expansão de um núcleo integralista na região. Conforme censo demográfico de
1920, Canoinhas (incluindo Três Barras e Papanduva) contava com um total de
20.800 habitantes (MACHADO, 2004). A região abrigava uma população de
diversidade étnica, distribuída entre remanescentes de indígenas, caboclos e
europeus. Dentre os imigrantes europeus, os poloneses e alemães compunham a
maioria da população, incluindo ainda, em menor número, imigrantes ucranianos e
sírio-libaneses. (JORNAL CORREIO DO NORTE, 12 de setembro de 2011).
A vinda dos primeiros alemães e teuto-brasileiros, de acordo com as
informações do Jornal Correio do Norte, 2011, ocorreu no início do século XX. Estes
vieram de São Bento do Sul para Canoinhas, fugindo de uma epidemia de tifo, que
assolava a região. Além de Canoinhas, muitos desses alemães e descendentes
estabeleceram-se no distrito de Marcílio Dias, onde, em 1913, Bernardo Olsen
trouxe famílias de São Bento do Sul e fundou a Colônia São Bernardo, hoje Marcílio
Dias. Interessante ressaltar que, além do grupo de germânicos, que vieram de São
Bento do Sul para Canoinhas, o fundador oficial do município, Francisco de Paula
Pereira, após desavenças políticas, também migrou daquela cidade para o povoado
de Canoinhas, em 1898. (JORNAL CORREIO DO NORTE, 12 de setembro de
2011).
Em 1902, o povoado de Canoinhas tornou-se distrito de Curitibanos, sendo
emancipado em 1911, na gestão do prefeito de Curitibanos, coronel Francisco
Ferreira de Albuquerque. O primeiro prefeito do município de Canoinhas foi o Major
Manoel Thomaz Vieira, comerciante, fazendeiro, político e major da Guarda
Nacional. O mesmo era filiado ao Partido Republicano Catarinense (PRC) e
compadre do coronel Albuquerque, e atuava como cabo eleitoral do mesmo na
região. (JORNAL CORREIO DO NORTE, 12 de setembro de 2011). Estas
informações levam a perceber que o município de Canoinhas foi criado a partir de
conchavos políticos, liderados por grandes proprietários de terras da região. Estes
dominavam, politicamente, extensas regiões, quase todas carentes de políticas
públicas desenvolvidas pelos poderes estadual e federal.
Após a Guerra do Contestado (1912-1916) e o Acordo de Limites (1917),
firmado entre Paraná e Santa Catarina, o município de Canoinhas passou a ser
145
governado pelo comerciante e fazendeiro Otávio Xavier Rauen (1919-1922), natural
de Rio Negro, nomeado por Manoel Thomás Vieira. (JORNAL CORREIO DO
NORTE, 12 de setembro de 2011). É neste contexto político que os imigrantes e
descendentes aportam na região. Inicialmente, sem grandes poderes políticos e
econômicos, porém, com o passar dos anos, lutam por seu espaço político.
As primeiras notícias em relação à fundação da AIB em Canoinhas datam de
setembro de 1934. Naquela ocasião, o jornal “Avante” publicou convite para a
reunião onde seria discutida a fundação da AIB no município. O redator do jornal
agradece e revela publicamente que comparecerá, mostrando simpatia ao
movimento. Torna-se interessante observar que, desde o primeiro momento em que
surge a publicação da fundação da AIB em Canoinhas, frisa-se o combate ao
comunismo, ressaltando os valores cristãos como o lema: “Deus, Pátria e Família”.
Ação Integralista Brasileira. Conforme convite que recebemos, terá lugar hoje, às 11 horas, no Restaurante Guarany, a reunião para se tratar da fundação, em Canoinhas, de um núcleo da Ação Integralista Brasileira. Propondo-se combater o comunismo e o materialismo, e tendo como lema: “Deus, Pátria e Família”, certamente grande será o número de pessoas que hoje ali acorrerão, a fim de se inscreverem como soldados do novo partido, que tem como chefe supremo Plínio Salgado. Agradecemos o convite, compareceremos. (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente, 30 de setembro de1934).
A afirmação: “certamente será grande o número de participantes”, além de
demonstrar apoio ao movimento por parte do jornal, sugere uma possível aceitação
de parte da população. Com o passar do tempo, e dos acontecimentos, que serão
explanados posteriormente, o mesmo jornal passou a atacar e criticar as ações do
partido integralista.
Em dezembro de 1934, uma nota no jornal “Avante”, com a inscrição “A
Pedido”, fez esclarecimentos em relação à Ação Integralista brasileira. Esta matéria
foi elaborada por dirigentes estaduais, contendo as vinte e quatro respostas mais
importantes para entender o movimento.
A PEDIDO AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA. ‘O Integralista é o soldado de Deus e da Pátria, Homem Novo do Brasil, que vai construir uma grande Nação’. Plínio Salgado. Fala de amar a pátria, ser contra o internacionalismo, manter a família, evitar excesso de liberdade, ‘[...] pois o excesso pode resultar no abuso dos mais favorecidos pela fortuna ou pelas circunstancias fortuitas contra os mais fracos.’ Contra o sufrágio universal, eleições diretas, que na verdade aniquilam a democracia. A vontade do povo deve manifestar-se através da expressão dos interesses de cada
146
classe profissional – cada classe representa uma atividade de produção nacional. Sobre a questão do trabalho dos intelectuais, respondem que os intelectuais são trabalhadores, que lutam, assim como o integralista deve lutar pela união do país, através do corporativismo. Há um grande apelo à mocidade através de um grande movimento de renovação social, econômica e política. Este movimento deve ser combatido, disciplinado. ‘A Ação deve vencer por que é por Deus, pela pátria e família. Anauê!’ (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente, 27 de dezembro de 1934).
Analisando esta passagem, retirada do texto jornalístico, percebe-se que a
mesma faz esclarecimentos dos pontos mais relevantes defendidos pelo movimento.
Exemplarmente, pode-se destacar a justificativa contra a democracia e o excesso de
liberdade, questões defendidas também pelos regimes totalitários, bem como o
apoio à família, como alicerce da sociedade, fortalecida pela presença da religião.
Observa-se o incentivo à participação da juventude, como símbolo do futuro do país,
tipo de discurso muito enfatizado por Benito Mussolini, na Itália. Interessante
ressaltar a defesa em prol do trabalho dos intelectuais, o que sugere que os mesmos
poderiam ter sofrido algumas críticas e, desta forma, estavam justificando a
participação dos mesmos nos quadros nacional e estadual do movimento. Torna-se
pertinente analisar que esta publicação, que foi matéria paga, demonstra a
necessidade de tais esclarecimentos à população, popularizando o movimento por
meio da disseminação de seus principais objetivos.
5.1 A INSTALAÇÃO DO NÚCLEO INTEGRALISTA EM CANOINHAS
A inserção do movimento integralista em Canoinhas, ao que tudo indica,
ocorreu através da propagação de ideias através de jornais e de pessoas de regiões
próximas, provavelmente de São Bento do Sul, Campo Alegre e Joinville, onde
vários teutos, moradores de Canoinhas, tinham parentes e conhecidos, o que
tornava viável a circulação de notícias, informações e divulgação de ideias. Como
exemplo, pode-se citar a família Buschle, que estabeleceu-se primeiramente em
Campo Alegre; esta família teve laços matrimoniais com a família Fuck. Outro
exemplo são os moradores do distrito de Marcílio Dias, grande reduto de
integralistas, que eram originários de São Bento do Sul. Nestes dois municípios,
dentre outros, havia núcleos integralistas de grande expressão.
147
A sede da AIB em Canoinhas estava localizada no Salão da família Fuck,
situado na esquina das ruas Caetano Costa com Frei Menandro Kamps, no centro
de Canoinhas, próximo à Igreja Matriz Cristo Rei. Niceto Osmar Fuck, filho de um
dos líderes do movimento, o Sr. Jacó Fuck, em entrevista, relatou lembrar-se que
sua mãe comentava “que tinha muita reunião política ali”. Fuck acredita que era
muito forte o núcleo integralista em Canoinhas. O município, nesta época, era um
centro econômico dinâmico, devido às ervateiras e madeireiras, e despontava entre
os demais municípios da região como uma liderança econômica e política. (FUCK,
2014).
Em relação à participação no movimento, os registros sinalizam uma
presença maciça de descendentes europeus, a grande maioria de teuto-brasileiros,
os quais desenvolviam atividades econômicas similares. Os principais membros
citados em jornais e entrevistas foram: Luiz Tack, comerciante, Frederico Kohler,
comerciante, Alfredo Mayer, comerciante, Gustavo Schroeder Sobrinho,
comerciante, Henrique Marzall, padeiro, Afonso Voigt, comerciário, Fernando Weger,
comerciante, Jacó Fuck, comerciante, Paulo Fischer, comerciante, João Reinert,
agricultor, Alfredo Stulzer, empregado na Casa de Comércio dos irmãos Fuck, Fritz
Kohler, comerciante. (FUCK, 2004, CONCEIÇÃO, 2005)
O líder do movimento integralista em Canoinhas era Luiz Tack, proprietário de
uma casa comercial, e o mesmo foi descrito nas entrevistas de maneira diversa, de
acordo com a visão que os mesmos tinham do movimento. Para Aloysio Soares de
Carvalho (2005), Luiz Tack foi um boêmio, gostava de beber e escrever poemas e
crônicas, chegando a lançar um livreto sobre o integralismo. Conta que o livro foi
bem aceito pelas irmãs do Colégio “Sagrado Coração de Jesus”, pois, segundo
Carvalho, o lema “Deus, Pátria e Família” soava muito bem, além de todas elas
terem vindo da Alemanha. (CONCEIÇÃO, 2005, p.93).
Na visão de Niceto Osmar Fuck, Luiz Tack era uma pessoa muito culta,
dominava algumas línguas, por isso traduzia livros em francês e alemão. Fuck
acredita que a liderança que Tack exercia, era mais pela sua erudição, pois
“economicamente nunca foi muito forte, como a família Fuck era, na época, mas
era uma mente assim... pensava muito, tinha muita cultura.” (FUCK, 2014).
Além de Luiz Tack, muitos integrantes participavam ativamente da vida social
no município, sendo em conselhos municipais ou movimentos religiosos. O jornal
“Avante” de 12 de agosto de 1934, ou seja, um mês antes da publicação da
148
fundação da AIB em Canoinhas, registrou o resultado da eleição da Liga Eleitoral
Católica, constando alguns nomes de futuros integralistas, como Luiz Tack e
Frederico Kohler.
Ilmo Sr. Pedro Torrens [...] Tenho a satisfação de comunicar-vos que em reunião realizada em 29 de julho p. findo foi votada e eleita a nova diretoria da Liga Eleitoral Católica desta cidade, ficando assim constituída: Presidente: Luiz Tack, Secretário: João Seleme, e Tesoureiro Gentil Mellin, e por deliberação destas foram nomeados ‘vogaes’ os senhores, Frederico Kohler, Agenor Vieira Corte, Guilherme Groscopf, Albino Budant, Antonio Burgart e Antonio Abílio Correa. Espera a nova diretoria cumprir fielmente os princípios da Liga e ter em V.S. um dedicado amigo. Atenciosamente. João Seleme-secretário (Avante! Órgão Noticioso e Independente. Canoinhas, 12 de agosto de 1934).
Além da presença na Liga Eleitoral Católica, Frederico Kohler e Alfredo Mayer
são nomes que aparecem como membros do Conselho Consultivo Municipal, em
edições do jornal “Avante”. As notícias primeiramente anunciaram a filiação dos dois
senhores ao partido integralista, em 13 de junho de 1935, ressaltando que ambos
faziam parte do Conselho Consultivo Municipal e eram filiados ao Partido Liberal.
Treze dias após, no dia 26 de junho, o mesmo jornal anunciava a exoneração de
seus cargos. Esta atitude se deve, provavelmente, às medidas restritivas aos
movimentos comunista e integralista decretadas em nível federal e estadual.
Em entrevista, Aloysio Soares de Carvalho, enfatiza que o movimento
integralista teve apoio de alguns membros da Igreja Católica, mesmo havendo, no
movimento, muitos membros da Igreja luterana. Ele acredita que o envolvimento
com a Igreja Católica teve início com o Frei Aurélio Stulzer, irmão de Alfredo Stulzer,
que era cunhado de Luiz Tack. Com a chegada do Frei Anacleto Wiltuchenig, em
fevereiro de 1935, a propagação das ideias aumentou, pois o mesmo apoiou
abertamente o movimento. Conta Soares, que após a prisão de vários integralistas,
este vigário precisou ser transferido de paróquia. (CONCEIÇÃO, 2005). Niceto O.
Fuck corrobora com esta afirmação, quando comenta que “esse pessoal todo do
partido era da igreja católica, eram adeptos cem por cento, todos os padres sempre
estavam com eles, as irmãs que vieram da Europa também estavam em contato
direto com o integralismo.” (FUCK, 2014). O entrevistado complementa, afirmando
que os padres eram contrários aos comunistas e à maçonaria. Quando questionado
149
se a maçonaria teve alguma influência política nesse momento em Canoinhas, ele
responde que não, pois achava que nem havia se instalado ainda no município18.
Através destas informações, constata-se que o movimento se constituiu de
alemães e seus descendentes, e havia entre eles uma ligação de parentesco e
sentimento de identidade étnica muito forte. Essas observações se fazem mais
presentes ao longo da pesquisa, como na observação do Sr. Hélio Bastos, o mesmo
lembra que a sede dos integralistas ficava na esquina próxima à sua casa, e quando
perguntado se fazia parte do movimento, ele respondeu que era só coisa de alemão.
“Aqui o que era alemão ia, o que não era não, nem falavam nem nada. Só diziam o
seguinte: Se um da família queria entrar, vocês não entrem, porque o negócio não é
aqui do Brasil.” (Bastos, 2014).
O sr. Aloysio Soares de Carvalho (2015) explicou que sua família, mesmo
sendo de ascendentes alemães e franceses, não aderiu ao integralismo, assim
como, segundo ele, outras no município. Ele não tem certeza do motivo, porém
lembra que a família dele falava muito bem do Getúlio Vargas, e como este era
contrário ao movimento integralista, a família também ficou contrária ao movimento.
Aqui observa-se que este não poderia ser o motivo inicial para a não adesão ao
movimento, pois Getúlio Vargas só perseguiu o movimento integralista após 1937, e
em Canoinhas, o movimento começou em 1934.
Na fala de Carvalho (2015), o mesmo reitera várias vezes que o movimento
era fascista, radical, extremista, e tinha como objetivo tomar o poder político no
Brasil. Ao analisar as matérias jornalísticas entre os anos de 1934 a 1938, várias
vezes o movimento é retratado da forma como Carvalho o cita. Com o título
“Violência Infecunda”, no editorial do jornal Avante, datado de 26 de junho de 1935,
os ataques são aos partidos extremistas e aos seus chefes: “[...] por espírito de
imitação, alguns indivíduos divorciados dos sentimentos de seu povo querem
arrastar a nação brasileira a uma política de ferocidade”. Em nenhum momento é
citado nome de movimento ou de líderes, porém termina com a seguinte
observação: “[...] São salvadores ridículos, na maioria cavalheiros falidos na
profissão, que buscam no exibicionismo dessas fórmulas emprestadas do
18
A Loja maçônica em Canoinhas só estabeleceu-se no município na década de 1950, porém já havia lojas maçônicas em Porto União SC e Rio Negro PR, cidades vizinhas a Canoinhas, onde vários canoinhenses fizeram sua iniciação nessa ordem.
150
estrangeiro, consolar a própria incapacidade [...].” (Avante! Órgão Noticioso e
Independente, Canoinhas, 26 de junho de 1935).
Além da matéria citada acima, durante o ano de 1935, várias outras insistem
em criticar o Integralismo, fato que intriga e leva a questionar como, com tantas
críticas, o movimento conseguiu uma força relativamente grande na região. Em maio
do referido ano, um extenso artigo, publicado no Jornal “Avante”, com o título
“Integralismo: partido dos descontentes” iniciou com a observação de que, no Brasil,
a finalidade das organizações partidárias, infelizmente, é a ambição do mando e a
vontade de governar, ressaltando que o integralismo só se difere dos outros nas
características militaristas:
[...] Nesta situação se acha a Ação Integralista Brasileira, partido político que surgiu com o advento da nova república, fruto da Revolução de Outubro de 1930. Difere tal agremiação das suas congêneres, tão somente num aspecto: a sua feição militarista. O seu programa de engrandecer o Brasil e reformar seus costumes, também é o programa dos demais núcleos partidários. [...] A feição militarista é, como dizíamos, o seu principal aspecto. É por assim dizer um arremedo do Nazismo de Hitler e do Fascismo de Mussolini. Não quer isso dizer que haja qualquer afinidade entre aquele e estes. [...] Realmente a indumentária original, o rufo dos tambores e a marcha cadenciada, a dois de fundo, devem atrair, certamente os nossos patrícios, principalmente a camada menos culta. (Avante! Órgão Noticioso e Independente. Canoinhas, 18 de maio de 1935).
Interessante perceber que, neste momento, as duas matérias jornalísticas
acima citadas, remetem os partidários integralistas a pessoas falidas, desiludidas
profissional, política ou socialmente, referindo-se também a pessoas menos cultas.
A opinião a esse respeito, do mesmo artigo citado acima, em maio de 1935, termina
da seguinte forma:
Por outro aspecto devemos estudar a nível de agremiação e este é o mais interessante. Está ela atraindo para o seu seio os elementos descontentes de outras facções. Desiludidos das posições que desejariam conquistar, elementos vários de outros partidos procuram envergar a camisa cor de azeitona e fazem profissão de fé no Integralismo, como o náufrago que, nas vagas do oceano enfurecido, procura um ponto de apoio para se livrar do abismo certo e fatal. Eis porque o Partido Integralista é o partido dos descontentes e desiludidos. Reformemos os nossos costumes, alfabetizando o nosso povo. Os partidos virão depois, com camisa ou sem ela. (Jornal Avante, 18 de maio de 1935)
A fala do Sr. Niceto Osmar Fuck (2014) mostra uma visão diferente desta
relatada na matéria jornalística. O mesmo identifica os partidários integralistas, como
151
pessoas cultas, estudadas, enquanto se refere ao eleitorado de Getúlio Vargas,
citando, como exemplo, os trabalhadores das madeireiras da época, considerado,
por ele, um povo mais inculto em relação aos integralistas.
A juventude que estudava e que tinha um pouco de sangue europeu, era toda integralista. Eram pessoas com um nível educacional bem melhor. Pelo que a gente via, todo mundo que tinha uma cultura acima da média, que se destacava, defendiam muito mais forte a doutrina do Plinio Salgado, isso eu lembro bem. [...] E aí tinha o pessoal do Getúlio Vargas, tudo trabalhadores, esses não queriam nem saber[...] isso foi longe aqui em Canoinhas.” (FUCK, 15 de dezembro de 2014)
Abaixo, a matéria, de 26 de julho de 1935, insiste em afirmar que a camada
menos culta estava aderindo ao movimento. Em artigo de 26 de julho de 1935, o
Jornal “Avante” publicou uma matéria com o título “Corsários Verdes”, acusando o
movimento de arrebanhar adeptos dentre as camadas mais simples da população,
vista como incapaz de analisar criticamente as propostas do partido. Assim como,
acusavam o movimento de ser financiado pelo capitalismo judeu.
O nosso povo simples do interior é o mais procurado pelos agentes do maléfico partido, não poucos sendo já os que se submeteram às tendenciosas injunções dos inescrupulosos corsários verdes que, por não encontrar motivos para atacar a pública administração, culpam-na da baixa de preço da erva-mate, de cujo benefício vive grande parte do nosso povo, que simples e ordeiro, é assediado com invenções tais e outros absurdos, veiculados por certos descontentes, esperançosos de galgarem a direção do município.[...] É dever de todo brasileiro digno de prestigiar os poderes constituídos e não causar anormalidade, dando seu beneplácito às hostes estrangeiras, agenciadas pelo capitalismo judeu, que pretende nos aniquilar e desmoralizar.[...] Guerra, pois ao integralismo ou outra qualquer inovação perniciosa, pois somos um povo livre e prezamos nossa raça e os nossos costumes. (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente 26 de julho de 1935).
Em relação ao povo simples do interior, a matéria pode estar se referindo aos
colonos alemães que moravam em localidades como na Fartura, onde havia
moradores que se dedicavam à economia da erva-mate e madeira. Eram chamados
“colonos fortes”, como lembrou Fernando Tokarski (2015). Talvez na visão de
alguns, foram considerados “povo simples do interior”, porém economicamente,
segundo Tokarski, mantinham produção agropastoril significativa. Analisando o
trecho da notícia: “não causar anormalidade, dando seu beneplácito às hostes
estrangeiras”, visualiza-se mais uma vez, a identificação do movimento com
elementos alemães e seus respectivos descendentes. Quando questionado acerca
da acusação de ligação com o capitalismo judeu, Niceto Osmar Fuck (2014)
152
declarou que isso nunca ocorreu, pelo menos em Canoinhas. Ainda segundo ele,
alemães e judeus nunca tiveram nenhum tipo de relação comercial, profissional ou
pessoal. Segundo ele, os judeus “são uma raça” que não se mistura com ninguém,
vivem o mundo deles.
Tinha um pouco de sírios, mas eram poucos, e eram bem reservados, era outra forma de trabalhar e de viver, não eram empreendedores, era só comércio, eles experimentaram indústria, mas não foram muito bem. Depois teve o Zugmann (indústria madeireira) aqui, onde a rivalidade era maior era com o Zugmann que eram judeus. E esses daí não se misturavam de forma nenhuma, nem no comércio, nada, nada, nada, a ideologia deles era totalmente diferente. São mais voltados pra si, não para o próximo. (FUCK, 2015).
Como não há outra fonte jornalística que confronte as matérias do jornal
Avante, pode-se deduzir que o movimento integralista obteve um crescimento
expressivo na cidade, o que preocupava certos setores da sociedade. Como as
informações confirmam serem os líderes, comerciantes e pequenos industriais,
acredita-se que as classes altas, aliadas aos partidos tradicionais, estavam se
sentindo ameaçadas.
Além da identificação com uma classe econômica e profissional, no caso dos
integralistas canoinhenses, o fator étnico parece ter sido um condicionante para a
adesão ao movimento, apontando para uma questão de identificação étnica e social.
5.2 O MOVIMENTO INTEGRALISTA EM CANOINHAS E A IDENTIFICAÇÃO
ÉTNICA
Para analisar os motivos que levaram este grupo, em especial, a formar um
núcleo integralista em Canoinhas, é preciso observar, primeiramente, o contexto
europeu. Neste momento, a crise da democracia liberal e a ascensão dos
movimentos totalitários estavam muito fortes em países como Alemanha, Itália,
Espanha e Portugal. Os alemães e teutos de Canoinhas tinham uma ligação muito
grande com a sua terra de origem, assim como grande parte dos imigrantes alemães
e teutos que viviam em Santa Catarina, questão já abordada em capítulos
anteriores. As informações chegavam via jornal e rádio, em língua alemã; o sucesso
econômico da Alemanha empolgava os imigrantes, mesmo antes do movimento
integralista. Na pesquisa realizada por Conceição (2005, p.91), verifica-se a
153
referência a uma pequena notícia publicada no jornal “Avante”, em 1930, onde se
pode perceber como era demonstrada a Alemanha para a população canoinhense,
principalmente com a expressão “país das realizações”: “Uma viagem pela
Alemanha – projeções de 300 belíssimos quadros. Nem pais, nem crianças, não
devem perder esta oportunidade que nos ensina e nos dá uma ideia das belezas da
Alemanha, país das realizações.” (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente, 20 de
fevereiro 1930).
A empolgação pela terra de origem, e o sentimento de superioridade de
alguns alemães e teutos, assim como o incômodo que isso causava à população
local, considerada “brasileira”, podem ser observadas em uma carta enviada ao
jornal “Avante” .Esta carta foi publicada no dia 27 de setembro de 1930, por alguém
que se identificava como Aymoré, do qual não foi obtido mais informações, porém, o
fato do autor ter se utilizado de um codinome indígena ressalta a brasilidade
presente no discurso nacionalista. O mesmo reclamava dos discursos nacionalistas
e fascistas feitos por um grupo de alemães, em um bar, no centro de Canoinhas, de
propriedade do Senhor Veith Vollrath. Conforme informações de Tokarski (2015),
Vollrath tinha um bar e confeitaria, além de uma marcenaria. O mesmo também era
músico e integrava a Banda Bollmann. Em relação à sua participação no movimento,
acredita-se que, por ser alemão e atender o grupo integralista em seu
estabelecimento, o mesmo era integrante, porém seu nome não é citado entre os
líderes da AIB. Para o historiador canoinhense, Fernando Tokarski, “a sua influência
provavelmente foi crucial para a divulgação e afirmação do integralismo no
município” (TOKARSKI, 2015). Analisando a carta, entende-se que os “alemães”
encontravam-se nesse local, como era de costume na época e, através de suas
conversas, irritaram alguns canoinhenses, considerados os “brasileiros”.
[...] Sabemos também que esse grupo compõe-se de um número não muito elevado de alemães que se dizem nacionalistas, ou fascistas, e que vivem a discutir essa questão de nacionalismo radical antissemítico, Capacetes de Aço, Imperialismo, A Kulten, não sabemos mais o quê. Esses estrangeiros pouco agradecidos, pouco gratos e desabusados mesmo, deviam antes de tudo discutirem aqui, tomarem uma resolução: ou voltar para a terra de origem para lá pregarem o seu nacionalismo, que é aqui complemente inócuo, pois a sua terra deve muito precisar de seus serviços nesta hora difícil para o mundo, ou, então, o que é verdadeiro, atuarem-se ao trabalho sem discussões políticas de qualquer natureza, na crescente grandeza do país que os recebeu com tanto agrado como fizeram os Hoepcke, os Jordan, os Hering e tantos outros. [...]. Não queremos saber se o estrangeiro Fulano ou Beltrano é fascista, socialista ou antinacionalista, ou o que for. Queremos apenas que o Sr. Beltrano aqui fique para conosco na
154
melhor harmonia, respeitando as nossas instituições e nossas leis, colaborando, enfim, para a sua e a nossa prosperidade. [...] Damos-lhe toda a liberdade, todas as garantias: pedimo-lhes ordem-trabalho-respeito. Absolutamente não exigimos que esqueçam de suas pátrias. Ame cada um a sua, como nós amamos a nossa. Quem não estiver satisfeito e pense d’outra maneira, deve tomar o vapor e voltar à Pátria. Os nossos portos estão sempre abertos para quem chega e para quem sabe. Aymoré (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente, 27 setembro de 1930)
Quando o autor da carta refere-se a “esse grupo”, supõe-se que poderiam ser
adeptos do fascismo, ou pelo menos, simpatizantes, que mais tarde aderiram ao
nazismo. Pois conforme informação já citada no segundo capítulo, através do
relatório do Capitão Antônio de Lara Ribas, da Força Policial de Santa Catarina,
datado de 1944, em Canoinhas havia oito membros do NSDAP. (RIBAS,1944).
Também é plausível supor que fossem apenas imigrantes e seus descendentes
exaltando sua pátria de origem. Pelo discurso do autor (Aymoré), entende-se que
existia uma divisão, ou separação, entre brasileiros e “alemães”, os quais se sentiam
superiores aos demais. Porém, também é possível analisar nesse discurso que não
há contrariedade em relação a amar a sua pátria, mas pedem respeito às leis e ao
povo brasileiro. Enfatizando que são bem vindos se quiserem trabalhar e
engrandecer o lugar onde vivem, ou seja, havia uma aceitação ao descendente
alemão, assim como uma negação ao sentimento de superioridade existente entre
eles. Não obstante, o fato de deixar claro o desejo que os mesmos trabalhem e não
participem da política: “...atuarem-se ao trabalho sem discussões políticas de
qualquer natureza, na crescente grandeza do país”, revela a insatisfação que os
mesmos terão mais tarde com a fundação da AIB pelos imigrantes alemães.
Esta afirmação do autor da referida carta sobre alemães sentirem-se
diferentes do restante da população, pode ser analisada nos relatos de alguns
entrevistados. Aloysio Soares de Carvalho, referindo-se aos alemães, disse que,
mesmo sendo descendente desta etnia, os considera “muito teimosos e racistas”
(CONCEIÇÃO, 2005, p. 93) Hélio Bastos (2014) também se refere aos alemães
como racistas, contando uma passagem que não lhe sai da memória:
Houve uma festa bem grande aqui em Canoinhas, onde hoje se encontra a firma do Miguel Procopiak, meu cunhado. Naquela época era quase tudo esses alemães de lá, vieram fazer uma churrascada. [...] Tinha um senhor aqui, um tal de Cunha, era o único preto que existia em Canoinhas, sabe o que fizeram com ele? Puseram numa jaula e diziam que era um macaco. (Bastos, 2014).
155
Essas expressões pejorativas em relação aos caboclos, negros e brasileiros,
de um modo geral, são comuns em vários momentos de outras entrevistas. Na
entrevista com Niceto Osmar Fuck (2014), essa questão aparece quando o mesmo
comenta: “As pessoas que tinham uma visão maior não eram daqui. Eram tudo da
Europa.” A cunhada de Niceto O. Fuck, Marilsa Silveira Sena, 72 anos, professora
aposentada, colabora com a entrevista acrescentando, em relação aos casamentos
Interétnicos: “Os pais não queriam que casasse com brasileiro, porque era gente
mais grosseira” (SENA, 2014). Este fato revela o alto grau de racismo que ainda
prevalece em Canoinhas, e Carvalho (2015) afirma que os alemães e seus
descendentes continuam sendo racistas, preconceituosos, desprezando qualquer
pessoa que não seja de sua raça. Para ele, “esse erro é clamoroso no mundo
inteiro, não só em nosso município, ou no Brasil, mas no mundo”. Esta observação
não tira o mérito das qualidades dos alemães que, segundo ele, deram um grande
exemplo ao município de organização, trabalho e persistência.
Os alemães e teuto-brasileiros, que residiam em Canoinhas, criaram
sociedades esportivas e recreativas no município. Esses locais, Carvalho declarou
em entrevista (2005), foram utilizados pelos integralistas, como por exemplo, a
Sociedade Beneficente Operária (SBO), fundada por alemães, em 1922. Ali havia
um salão para dança, onde também ocorriam grandes comícios e reuniões. O Sr.
Gustavo Schroeder Sobrinho, integrante do movimento, de acordo com informações
de Fuck (2004) administrava o cinema da SBO, onde era responsável pela escolha e
solicitação dos filmes que seriam exibidos. A associação tinha um caráter de ajuda
mútua a seus associados. Dentre outros objetivos, era atender a família em caso de
morte do associado menos favorecido, arcando com as despesas de funeral e uma
ajuda de custo nos meses seguintes, até que a situação da família se normalizasse
(FUCK, 2004). Esta informação de Liomar Viertel, também está presente na matéria
do Jornal Correio do Norte, com o título “Vida Social”. Nesta matéria, registra-se que
a ideia da criação de uma sociedade como a SBO partiu dos senhores: Carlos
Stange, Frederico Quandt, Francisco Fuck, Otto Hoffmann e Jacob Fuck. Dentre as
finalidades estavam o auxílio aos associados em caso de doença e falecimento,
além de proporcionar aos membros e familiares, assistência médica, hospitalar,
farmacêutica e odontológica (Jornal Correio do Norte, 12 de setembro de 2011).
Além desse salão, havia uma sala grande de ginástica, com vários aparelhos,
onde os integralistas, segundo Carvalho, “faziam treinamento de guerra”
156
(CONCEIÇÃO, 2005, p. 94). Falcão (2000) refere-se à “Ginástica Jahnn”, em
Canoinhas, como sendo uma das sociedades que sofreram intervenções em suas
diretorias, na campanha nacionalista iniciada por Nereu Ramos, em 1938.
Amparados numa rígida censura à imprensa, que previa a prisão imediata do responsável pelo jornal que publicasse qualquer restrição à campanha, militares passaram a comandar os municípios das zonas coloniais, empossando novas diretorias nas escolas e nas sociedades recreativas (como na Ginástica Jahhn, em Canoinhas), alterando a denominação de conhecidos centros culturais [...] e interferindo nos mais variados aspectos da vida quotidiana (FALCÃO, 2000, p. 170)
Fuck (2004) refere-se a essa sociedade Deutcher Thumverein Jahn, onde os
alemães costumavam fazer ginástica sem a conotação de culto à beleza do corpo, e
sim, com a finalidade de manter a saúde e promover o atletismo. Ressalta também
que os alemães fundaram, em 1922, o “Clube do Tiro”, onde participavam de
competições de tiro ao alvo. Nestes campeonatos, eram escolhidos o rei e a rainha
do tiro, prática que sobreviveu até os dias de hoje no município.
De acordo com Fernando Tokarski (2015), a “Ginástica Jahnn” era um braço
da SBO, embora tivesse seu próprio estatuto e, em tese, se dedicasse apenas ao
atletismo e aos exercícios físicos. A maioria dos integrantes da “Ginástica Jahnn” era
de germânicos e descendentes. Provavelmente, essa sociedade refere-se à sala de
ginástica, citada por Aloísio Soares de Carvalho.
Percebe-se que essas associações foram criadas nas primeiras décadas do
século XX, o que permite supor uma grande organização por parte dos alemães e
seus descendentes no município. Assim como, um sentimento de união entre os
mesmos, compartilhando dos mesmos locais para eventos esportivos e culturais
onde preservavam os hábitos e costumes de seu povo de origem. Além disso, a
referência à ajuda aos familiares de associados menos favorecidos merece duas
observações. A primeira é de que nem todos os alemães e descendentes
pertenciam às classes econômicas mais favorecidas na região. A segunda
observação reforça a ideia de uma associação organizada para atender as
necessidades de seu grupo étnico, pois pelas informações até então obtidas, os
membros eram somente de origem alemã e austríaca. (TOKARSKI, 2015). Por outro
lado, também se pode analisar a formação de locais exclusivos para esses grupos,
como uma forma de separação ou divisão étnica.
157
5.3 AS QUESTÕES POLÍTICAS NACIONAIS E ESTADUAIS NO CONTEXTO
CANOINHENSE
Além do contexto europeu, que influenciava as atitudes dos alemães e seus
descendentes em Canoinhas, as questões políticas nacionais motivaram a
disseminação de movimentos como o comunismo e o integralismo. O país estava
passando por momentos de instabilidade política, ocasionada pelo Golpe de 1930, e,
consequentemente, pela Revolução Constitucionalista de 1932. As notícias do jornal
“Avante”, em 1932, demonstram apoio às movimentações favoráveis a uma
constituição, criticando, ao mesmo tempo, o autoritarismo de Getúlio Vargas, e a
política regional vigente antes do Movimento de 1930:
A constituinte Ninguém poderá afirmar no Brasil uma ditadura, ou seja, aquilo que significa governo absoluto, pessoal, intransigente em que domina irrefragavelmente a vontade de um só homem. Todo bom brasileiro não quererá voltar ao tempo em que, por simples telegramas de chefes regionais, intervendo a verdade das urnas, com a maior naturalidade e ousadia, se constituíram governos. Pleiteiam a imediata constitucionalização os remanescentes do antigo regime. (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente, 17 de março de 1932)
A crítica às oligarquias estaduais, na expressão “simples telegramas de
chefes regionais”, corrobora com o discurso integralista, que defende a eliminação
dos poderes políticos estaduais, centralizando o poder executivo nacional e
integrando todas as regiões em um único projeto de desenvolvimento para o país.
Porém, há que se analisar que esta notícia refere-se ao momento em que não havia
se consolidado o movimento integralista, mas as ideias a esse respeito estavam
presentes nos artigos de Plínio Salgado, publicados em jornais, como “A Razão”
(1931-1932) editado em São Paulo. Este periódico não chegava a Canoinhas, mas
acredita-se que, em centros maiores do estado de Santa Catarina, os futuros líderes
da AIB mantinham contato com este e outros periódicos de âmbito nacional. Isso
pode ser percebido na fala de Adalberto Nunes Allage, quando afirma que o
movimento integralista em Canoinhas iniciou com “pregadores da doutrina, que
foram instruídos em locais mais desenvolvidos.” (FUCK, 2004, p. 63).
As manifestações ocorridas em São Paulo, em 1932, com a Revolução
Constitucionalista repercutiram em todo o país. Analisando a notícia abaixo, de 21
de julho de 1932, é possível observar que o autor é contra a manifestação e
158
demonstra apoio a Getúlio Vargas, no sentido de aguardar a nova constituição,
conforme compromisso firmado pelo presidente com a nação. Este discurso também
era pregado por Plínio Salgado, pois o mesmo acreditava ser melhor apoiar o
presidente e esperar a melhor hora para elaborar uma constituição, do que “regredir”
ao período dos governos oligárquicos estaduais.
[...] ameaçando tudo desagregar, como romper ainda fortes elos que formam a cadeia da unidade e estrutura deste gigante, chamado Brasil. [...]. O verdadeiro patriotismo aconselha a todo brasileiro contemporizar com o Dr. Getúlio Vargas, no poder, até que ele, conforme solene compromisso assumido com a nação e para cuja realização tudo dispõe possa vir a restabelecer o regime constitucional, com o que evitar-se-ia tão inútil derramamento de sangue irmão. (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente 21 jul.1932)
A simpatia à figura de Getúlio Vargas e a esperança em um governo
constitucional era muito forte na região, podendo ser observada nas entrevistas de
José Nascimento e Aloysio Soares de Carvalho. No relato do Sr. José Nascimento,
em entrevista em 2005, o mesmo declarou que lutou a favor de Getúlio Vargas, em
São Paulo. Para ele, este era o motivo para não aderirem ao movimento chamado
de “galinhas verdes”, mas ficar ao lado do presidente Getúlio Vargas. Já para
Aloysio Soares de Carvalho, somente Getúlio Vargas tiraria o Brasil das garras dos
extremismos que estavam chegando ao país.
Em nível estadual, as intervenções federais, ocorridas após 1930, levaram à
tomada de poder pelo Partido Liberal, compondo todos os cargos do executivo,
estadual e municipal. Antigos líderes do Partido Republicano Estadual, perderam
poder político neste momento. Neste panorama, a prefeitura de Canoinhas ficou a
cargo de Álvaro Soares Machado, farmacêutico, egresso de Campo Alegre, indicado
pelo Partido Liberal, e governou de 29 de abril de 1933 a 14 de abril de 1936. Neste
período, em algumas situações, tomou posse, como prefeito interino, o Sr. Pedro
Torrens, entre 19 e 20 de fevereiro de 1931 e, em 17 de agosto de 193619.
No município, a filiação partidária era defendida de tal forma, que muitas
vezes as discussões e rixas políticas geraram conflitos com vítimas fatais, como o
caso do assassinato do Sr. Cid Vieira e do Sr. Juventino Jungles. Os defensores de
Getúlio Vargas, grande parte da classe operária e trabalhadores urbanos de modo
geral, simpatizavam mais com o getulismo do que com o integralismo. As medidas
19
(Prefeitura Municipal de Canoinhas, http://www.pmc.sc.gov.br/ acesso em 18/02/2015).
159
tomadas por este presidente, principalmente ligadas às leis trabalhistas, os
favoreceram, em contrapartida, estas leis prejudicaram os empregadores, até então
acostumados com uma legislação trabalhista mais branda.
Alguns partidários de Getúlio Vargas o viam como aquele que veio salvar o
Brasil das garras do comunismo, e por isso merecia toda lealdade. Seu José
Nascimento, quando questionado sobre o movimento integralista, disse não lembrar-
se do movimento. Porém, quando foi citado o termo “galinhas-verdes”, o mesmo
lembrou-se que havia muitos desses aqui em Canoinhas, que andavam desfilando
seus uniformes, inclusive mulheres e crianças, e encontravam-se no “salão dos
Fuck”. Porém, ressaltou que sua família não participou, pois não gostava desse
movimento. Para ele esse movimento era contra Getúlio Vargas, assim como um
outro “um tal de Prestes.” (CONCEIÇÃO, 2005).
O movimento comunista, ou pelo menos as ideias comunistas estavam
presentes em Canoinhas, no mesmo período em que surgiu o integralismo. A esse
respeito, as opiniões dos entrevistados em relação aos participantes divergem.
Segundo memórias do Sr. Ruprecht Loeffler (2005), havia em Canoinhas o partido
comunista, do qual faziam parte Telêmaco Cordeiro e Honório Tanus. Esse partido
entrava em conflito com os integralistas, e declarou recordar-se que houve um
tiroteio entre eles, onde foram mortos dois comunistas. (FUCK, 2004).
O tiroteio a que o entrevistado se refere, ocorreu em frente ao moinho do
integralista Gustavo Schroeder Sobrinho. Neste episódio, ocorrido em julho de 1935,
após discussões entre membros da Ação Integralista Brasileira e da Aliança
Nacional Libertadora, ocorreu o assassinato de dois membros da ANL por membros
da AIB. De acordo com o despacho de pronúncia, proferido na data de 31 de
outubro de 1935, pelo juiz de direito Dr. Oscar Leitão, em relação a esse crime, os
nomes de Honório Tanus e Telêmaco Cordeiro são citados como membros da
Aliança Nacional Libertadora.
Para Aloísio Soares de Carvalho (2015), Honório Tanus e Telêmaco Cordeiro
não eram simpatizantes do comunismo, e nas suas memórias não lembra ter havido
partido comunista, nem alguma movimentação ou grupo com essa ideologia em
Canoinhas. Ainda segundo Soares (2015), o sr. Honório Tanus trabalhava na casa
de comércio de seu pai e jamais participou de movimentos comunistas, ou fez parte
da Aliança Nacional Libertadora. Telêmaco Cordeiro também era comerciante, e
Soares (2015) afirma que nunca ouviu falar que fosse ligado à ANL ou a algum
160
grupo simpatizante do partido comunista. Porém, Carvalho complementa que os
alemães adotaram o integralismo, pela identificação com o nazismo, e como este
era contrário ao comunismo, o mesmo se tornou inimigo ideológico dos integralistas.
(CARVALHO, 2015).
Na fala do Sr. Mário Rodrigues de Aguiar, funcionário aposentado da Estação
Ferroviária de Marcílio Dias, antigo morador do distrito de Marcílio Dias na década
de 1930, um dos grandes redutos do integralismo, o mesmo relatou que, em
Canoinhas, havia duas divisões na política: o Integralismo e o Comunismo; quem
não era de um partido era de outro. Na visão dele, o integralismo era forte, mas o
comunismo era mais forte, porém, era um movimento clandestino. (FUCK, 2005).
Diante desses relatos, é possível reconhecer que havia um movimento de
tendências comunistas em Canoinhas, mesmo havendo divergências de
informações a respeito de seus componentes, como nas afirmações do Sr. Mário
Aguiar e do Sr. Ruprecht Loefler, ou da negação de sua existência, como na
entrevista do Sr. Aloísio S. Carvalho. Em relação à ligação entre fascismo/nazismo e
integralismo, as opiniões são quase unânimes:
Não restava outra saída, pois jamais apoiariam um regime comunista, além disso, ouviam rádio em língua alemã todos os dias, e recebiam jornais alemães exaltando a figura do Führer. O movimento era a cópia da doutrina hitlerista e o partido hitlerista ou o Nacional-Socialismo, estava presente em Canoinhas nos membros da AIB. (CARVALHO apud CONCEIÇÃO, 2005, p. 93).
Carvalho (2015) ressaltou que algumas famílias de descendência alemã, tal
qual a dele, ficaram ao lado de Getúlio Vargas, ou seja, através dessa informação
deduz-se que havia outra escolha política. Para ele, a razão de adesão dos teutos
não tinha nada a ver com uma luta contra o comunismo, mas, sim, a obsessão pela
conquista do poder político no município. Essa afirmação do entrevistado, em
relação ao apoio ao governo Getulista, lança uma questão que poderá ser analisada
em outros estudos, pois foge da explicação mais aceita até o momento, de que a
identidade étnico-cultural dos teuto-brasileiros fez surgir, em Canoinhas, um
movimento político ideológico.
161
5.4 MOTIVOS DE ADESÃO AO MOVIMENTO INTEGRALISTA
As declarações da maioria dos entrevistados, em relação à adesão dos
alemães e seus descendentes ao integralismo, revela principalmente a oposição ao
comunismo, fato presenciado em todo o Brasil, além do repúdio a algumas medidas
tomadas pelo Governo de Getúlio Vargas, no processo de nacionalização e,
principalmente, a identificação étnico-cultural.
Quando questionado o Sr. Niceto O. Fuck (2014), sobre o motivo dos alemães
terem aderido ao integralismo, o mesmo respondeu que praticamente todo alemão
tinha aderido, porque já estava no sangue do alemão. Outro motivo que, para o
entrevistado, explica a adesão da maioria dos alemães de Santa Catarina ao
Integralismo, foi a identificação entre o discurso integralista com o seu país de
origem.
Por que lá sempre foram muito corretos, muito desenvolvidos, então eles se consideravam alemães brasileiros. Aqui era tudo o contrário, eles nunca conseguiam se integrar totalmente com o mundo daqui, por causa da diferença de ideologia, de cultura, de ensino, a forma de trabalhar, de ser como um todo. Tanto assim que o Plinio Salgado também era, ele foi longe com o integralismo, ele foi candidato a presidente da república. (FUCK, 2014).
A declaração de Fuck demonstra que a falta de identificação com a cultura
nacional, assim como, com o modo de vida de outros moradores da região, faziam
com que os mesmos se afastassem do restante da população. Através de sua fala, o
Integralismo, em Santa Catarina, e especificamente em Canoinhas, teve o papel
integrador neste grupo étnico. Este grupo utilizou-se de parte do discurso
integralista, ou seja, o que melhor lhe convinha, neste caso, as ideias totalitárias.
Tokarski (2015) explica que:
O integralismo foi bastante forte em Canoinhas, fruto da grande presença da colonização germânica no município, sobretudo de alemães propriamente ditos e de austríacos. Esses agricultores e artífices faziam parte da principal classe econômico-social que mais incidência teve no movimento. Um dos locais, onde a presença do integralismo foi marcante em Canoinhas, situava-se na localidade de ‘Fartura’. (TOKARSKI, 2015).
Carvalho (2015) comenta que moravam nesta localidade (Fartura) as famílias
Kohler, Friedrich, entre outras e acredita que as mesmas eram ligadas ao
162
movimento. Ainda de acordo com Tokarski (2015), nessa região, havia muitos
ervateiros, inclusive de outras descendências, além da alemã. O nome de Francisco
Ferreira de Souza é citado por Tokarski, como um dos integrantes da localidade de
Fartura. Isso chama a atenção, por ser o único nome de um participante do
movimento que não tem descendência teuto-brasileira.
Francisco Ferreira de Souza residia no bairro rural de Fartura, onde também moravam alguns de descendência germânica, inclusive proprietários de serrarias e ‘colonos fortes’. Ele foi grandemente influenciado por esse grupo e se tornou um dos mais abnegados integralistas locais. (TOKARSKI, 2015).
Já em Falcão (2000), o nome de Francisco Ferreira de Souza é citado como
um industrial de Canoinhas. O autor comenta casos de integrantes de Santa
Catarina, que fogem do integralista típico, que seria o agricultor ou comerciante.
Entre os exemplos, além do caso do industrial canoinhense, são citados os
industriais Otto Schloesser e Guilherme Renaux, ambos de Brusque. Porém, o autor
deixa claro que isto “não significa uma adesão maciça dos donos de indústrias ao
integralismo, pois em cidades como Blumenau e Joinville sua fração mais tradicional
e poderosa não apoiou a AIB.” (FALCÃO, 2000, p. 185).
Nos relatos de membros da família do integralista Gustavo Schroeder
Sobrinho, o mesmo foi um grande empreendedor no município. De acordo com
depoimento de sua filha, Cecy Schroeder Allage, na pesquisa de Fuck (2004),
dentre suas iniciativas estavam: a criação de uma gasosaria, uma casa de comércio,
chamada na época de “secos e molhados”, pois se vendia de tudo, inclusive porcos
abatidos no açougue da própria família, que funcionava atrás da casa. Por um tempo
foi proprietário de uma torrefação de café e de um moinho de trigo. Ainda segundo
sua filha, Cecy, o Sr. Gustavo Schroeder Sobrinho era um homem à frente de sua
época, era um líder comunitário. Conforme relatos de seu pai, naquela época havia
muita corrupção, e ele sempre ficava em defesa dos pequenos comerciantes, “que
eram aterrorizados por fiscais inescrupulosos e recorda-se que seu pai, uma vez,
falou aos mesmos: Vocês pensam que isso aqui é terra de índios? Certamente,
acredita Cecy, essa atitude lhe granjeou a antipatia dos fiscais.” (FUCK, 2004 p.
71).
Aloysio Soares de Carvalho também ressalta a questão dos impostos, onde,
para ele, os empregadores não queriam aceitar a legislação aprovada por Getúlio
163
Vargas, principalmente porque “esses alemães eram grandes industriais da região,
que tratavam seus empregados em regime de semiescravidão.” (CONCEIÇÃO,
2005). Soares chega a afirmar que o movimento integralista em Canoinhas “foi uma
farsa, criada por seus dirigentes para atingir as classes que se sentiram lesadas pelo
governo getulista, e assim os ajudariam na revolução que planejavam fazer para
tomar o poder no país.” (CONCEIÇÃO, 2005).
Para Mário Rodrigues de Aguiar, integrante do movimento, a adesão ao
integralismo ocorreu porque os moradores da região próxima a Canoinhas
acreditavam que o movimento era do bem, e as famílias que participavam eram
religiosas e se uniam em torno das ideias do partido, principalmente a de combater
os comunistas, que eram considerados do mal. Lembra-se que as mulheres
integralistas eram fanáticas e participavam uniformizadas em reuniões e desfiles,
além de cantarem hinos e fazer festas para reunir os companheiros. (FUCK, 2004).
O relato do Sr. Mário Aguiar mostra que havia um grupo de descendentes de
alemães, que viviam como empregados ou pequenos proprietários rurais, no distrito
de Marcílio Dias. Observa-se que os motivos de adesão desse grupo diferem do
grupo de comerciantes e industriais da zona urbana do município. Para eles, o
sentimento de pertencimento e identidade étnico-cultural foram os principais
motivos, não havendo questões econômicas ou políticas envolvidas na opção
adotada pelos mesmos.
Pelo que se pôde observar, a adesão ao movimento surgiu mais em torno de
uma identificação étnico-cultural, do que da própria ideologia nacional do
movimento. Aliás, aqui está uma das contradições com a ideologia integralista, que
pregava a identificação de uma raça única, através da fusão das raças que viviam
no país. Assim como nos núcleos coloniais do Vale do Itajaí e do Norte do estado,
em Canoinhas também houve uma segregação, ou uma distinção étnica que uniu os
adeptos do movimento. Chegava-se a confundir integralismo com identificação
étnica. Nos relatos do Sr. Hélio Bastos, o mesmo declarou que “mesmo quem não
era integralista, se fosse alemão, eles já diziam que era.” (BASTOS, 2014).
5.5 AS PERSEGUIÇÕES AO MOVIMENTO
As manifestações públicas de integralistas e comunistas tornaram-se
frequentes e mais violentas em todo o Brasil, a partir de 1935, momento em que foi
164
criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Como citado anteriormente, o Jornal
“Avante” iniciou uma série de críticas ao movimento integralista, como também
publicava notícias de conflitos violentos entre policiais e integralistas em várias
regiões do país.
Neste contexto de conflitos sociais, Getúlio Vargas sancionou, em 1935, a Lei
de Segurança Nacional (LSN). Diante dessa lei, greves de funcionários públicos,
organização de associações ou partidos políticos com o objetivo de subverter a
ordem política ou social; propaganda subversiva e incitação ao ódio estavam
proibidas. (FAUSTO, 2006 p. 197). A edição de 1º de junho de 1935, do jornal
“Avante”, publicou um aviso em relação a esta lei:
A Lei de Segurança Nacional e o Integralismo As delegacias de Polícia do Estado receberam instruções rigorosas no sentido de fielmente observarem o que dispõe o artigo 47 desse parágrafo, da chamada Lei de Segurança Nacional. Por tal motivo, em caso algum, com exceção dos Tiros de Guerra e Escoteiros, poderão ser consentidas paradas com aspecto militar, podendo, entretanto, ser toleradas as paradas esportivas com os respectivos uniformes, em campo próprio, mas sem formações ou marchas de caráter militar. O porte marcial integralista deixou, pois de existir. (JORNAL AVANTE, 01 de jun. 1935).
Cerca de um mês após a publicação desta medida, Canoinhas amanheceu
com a notícia de dois homicídios ocorridos em frente ao moinho de propriedade do
Sr. Gustavo Schroeder Sobrinho que, juntamente com mais membros do movimento
Integralista, supostamente haviam provocado a morte de dois membros da ANL.
NOITE RUBRA Autoridades Policiais que chegam – reforçando o destacamento local. As prisões efetuadas. Procedendo de Porto União, chegou esta manhã, um contingente de praças da Força Pública, acompanhado do Tenente Thimóteo Braz Moreira, Delegado Especial, com jurisdição neste Município. Hoje à tarde, pelo trem, chegou o Sr. Cap. A. Lara Ribas, Delegado Regional desta Circunscrição. Essas dignas autoridades vem apurar as responsabilidades da estúpida e sangrenta selvageria, verdadeira chacina levada a efeito na noite de quinta-feira, quando tombara duas vidas, de cujo desenrolar damos notícia na quarta página. As pessoas recolhidas e sobre as quais há indícios de autoria dos assassinatos, são os seguintes: Luiz Tack, Gustavo Schroeder Sobrinho, Henrique Marzall, Affonso Voigt e F. Veger, todos pertencentes à Ação Integralista Brasileira.O povo aguarda ansioso a ação da justiça, para conhecer os verdadeiros criminosos, confiantes na integridade das nossas autoridades. (Avante! Órgão Noticioso e Independente. Ano Vi, n.º 214. Canoinhas, 06 de julho de 1935).
165
Este fato tomou grandes proporções por envolver pessoas de relevante
posição social e econômica na sociedade, sendo uma das vítimas, funcionário
contratado do Ministério do Trabalho, Sr. Cid Vieira. De acordo com o Despacho de
Pronúncia, prolatado pelo M.M. Juiz de Direito da Comarca, no processo crime
instaurado contra os assassinos de Cid Vieira e Juventino Jungles, figuras em
evidência do núcleo integralista local foram os responsáveis por tais atos. O fato foi
motivado por questões políticas. O grupo liderado por Cid Vieira e Juventino
Jungles estava colando cartazes da ANL pela cidade e quando o fizeram na casa de
comércio de Frederico Kohler, integralista, o mesmo não gostou e o arrancou. O
próximo local foi o moinho do Gustavo Schroeder Sobrinho, onde este,
acompanhado de Luiz Tack, os aguardavam no andar superior do estabelecimento.
A partir desse momento, várias testemunhas afirmaram que de dentro do moinho
foram disparados vários tiros, que vitimaram Cid Vieira e Juventino Jungles. Os
acusados foram presos, tendo sido concedido habeas corpus, alguns dias depois,
para aguardarem o julgamento.
Ao saber do habeas corpus concedido aos integralistas, um artigo no Jornal
“Avante”, de 10 de julho de 1935, cujo título foi “Anauê!”, faz críticas à decisão
judicial, mesmo entendendo que estes são os imperativos da lei. Fazendo um apelo
para que a polícia vigie os passos daqueles que cometeram tal selvageria.
“Cumpre às autoridades policiais acompanhar os passos dos elementos integralistas para evitar novos assassinatos, pois que tais elementos dizem seus inimigos todos aqueles que não os acompanharem. E declarando seus inimigos taxam os não integralistas – de comunistas.” (Avante! Órgão Noticioso e Independente. Canoinhas, 10 de julho de 1935).
Este incidente, que resultou no assassinato de duas pessoas, foi visto pelos
integralistas como uma provocação por parte dos membros da ANL, que estavam
fazendo propaganda do movimento, colando cartazes em locais de propriedade dos
integralistas. Mais do que isso, para eles, o grupo de aliancistas pretendiam
incendiar o moinho. Na narrativa de Cecy Schroeder Allage, filha de Gustavo
Schroeder Sobrinho, a versão para o crime, relatada pelo seu pai, enfatiza a
motivação político-ideológica, tentando defender-se e eximindo-se da culpa.
Reinaldo Kruger, seu amigo, ouviu uma conversa de bar e avisou-o das intenções de um grupo de adversários, no caso, comunistas, os quais pretendiam fazer uma tocaia no moinho para incendiá-lo durante a noite,
166
mesmo sabendo que estaria funcionando em regime de “serão”. Naquele tempo, a luz era muito precária, fornecida por uma pequena usina movida a lenha. Acobertados pela escuridão, foram chegando os atacantes. Gustavo Schroeder Sobrinho (proprietário), Luiz Tack, Afonso Voigt e Henrique Marzall estavam de prontidão e prevenidos contra o ataque do qual tinham sido avisados. Durante a madrugada houve tiros, e ao amanhecer encontraram um homem morto, o qual fazia parte dos opositores. Essa pessoa estava com uma capa de montaria, agachado na valeta ao lado do moinho, e levou um tiro bem no meio da testa, quando acendeu um cigarro. Consta que foi morto pelos próprios companheiros, pensando tratar-se de um dos contrários visados. (FUCK, 2005, p. 71)
Para a justiça, essa versão não foi aceita. Diante de tantas evidências e
testemunhas, os réus foram indiciados como coautores.
Analisando o Despacho de Pronúncia, é possível encontrar claramente a
posição social dos líderes integralistas. No documento, o juiz ressalta a importância
que esses “criminosos” tinham na sociedade, enfatizando o fato de serem teuto-
brasileiros, povo ordeiro e pacato, afirmando que o motivo que os levou a agirem
dessa forma não foi a falta de índole ou caráter, mas sim, o fato de os mesmos
terem aderido à política.
O que surpreende em tudo isso é o fato de se verem envolvidos em tão deprimente episódio pessoas de origem teuto-brasileira. Em geral esse elemento que tão bons serviços vem prestando ao país e especialmente ao nosso Estado, em virtude de sua persistência no trabalho quotidiano, é ordeiro e pacato. Mas a política, infelizmente, oblitera o caráter, escurece a razão e aniquila o raciocínio e uma vez chegando a esse ponto, o homem que antes fora um exemplo de virtudes, se transforma, tornando-se capaz de todos os desatinos. (DESPACHO DE PRONÚNCIA, outubro de 1935, p.2).
Estas afirmações em relação ao comportamento e caráter dos integralistas
revela tratar-se de pessoas reconhecidas socialmente, obtendo prestígio pelo seu
trabalho e seu comportamento. Através do termo “largo conceito” utilizado pelo juiz,
conclui-se que faziam parte de classes favorecidas: “[...] é lamentável que os
sumariados que, antes do sucedido, gozavam no nosso meio de largo conceito, se
associassem, naquele momento, para a prática do mal, enveredando pela estrada
tortuosa do crime.” (DESPACHO DE PRONÚNCIA, outubro de 1935, p.7).
No momento em que é vetada a presença de testemunhas que fazem parte
do movimento integralista, também é possível perceber que os líderes integralistas,
eram pessoas que gozavam de prestígio e distinção social. O juiz se pronuncia da
seguinte forma: “Embora tais testemunhas sejam pessoas qualificadas e de conceito
na cidade [...] sob o ponto de vista jurídico, os seus depoimentos não podem
167
merecer credibilidade necessária.” (DESPACHO DE PRONÚNCIA, outubro de 1935,
p.7).
Algumas testemunhas, durante o processo-crime, acusaram os réus de
defenderem o integralismo de tal forma que andavam armados. Nos autos da
denúncia, o Juiz de Direito Oscar Leitão enfatizou que os depoimentos levaram-no a
compreender que alguns destes membros integralistas, por andarem armados, já
revelavam más intenções quanto aos seus opositores. As acusações dão conta de
que Gustavo Schroeder Sobrinho portava um revólver embaixo da camisa, para
defender a camisa verde. Da mesma forma, testemunhas declararam que Luiz Tack
afirmava ter somente três coisas a fazer: morrer, matar ou ir para a cadeia. Estes
depoimentos levaram o juiz à seguinte afirmação: “[...] esses fatos vêm demonstrar
à sociedade que os denunciados se achavam dispostos a todo sacrifício em defesa
de seu credo político e por ele se achavam fanatizados.” (DESPACHO DE
PRONÚNCIA, outubro de 1935, p.3).
Em mais um momento, o juiz classifica os réus integralistas de fanáticos,
questionando inclusive as declarações de Plínio Salgado, onde o mesmo afirmava
não haver violência em Santa Catarina, por parte dos integralistas. Além disso, o juiz
Oscar Leitão refere-se aos seus integrantes como “fiéis vassalos”, ressaltando o fato
de os mesmos não entenderem a orientação do seu chefe.
[...] vejo quanto se equivocou o chefe nacional do Integralismo, de quem os réus são fieis vassalos, sendo um deles até o seu orientador nesta comarca, quando, em recente carta ao Sr. Dr. Chefe de Polícia do Estado, assim se exprimiu: ‘Nunca assisti a um conflito em Santa Catarina. Os jornais às vezes noticiam ataques de comunistas a camisas verdes indefesos, em vários pontos do país. Mas, em Santa Catarina nem isso, pois o integralismo exige que conquistemos os corações, os cérebros, os espíritos por meios pacíficos. Nunca vi região do Brasil onde essa exigência fosse cumprida tão à risca’ – Assim não entenderam, todavia, os quatro indiciados que, desprezando os meios pacíficos aconselhados pelo seu chefe, lançaram mão da violência e da ameaça, abatendo mortalmente feridos duas vítimas indefesas. (DESPACHO DE PRONÚNCIA, outubro de 1935, p.3).
Os acusados foram pronunciados como coautores e enviados ao presídio de
Joinville. De acordo com Nascimento e Tomporoski (2014, p.15): “Os réus foram
presos após a pronúncia e, posteriormente, conduzidos à prisão de Joinville, exceto
Luiz Tack, que fugiu da cidade.”
168
Em dezembro de 1935, devido à preocupação com uma possível retaliação
por parte dos integralistas, foi solicitado o desaforamento do processo-crime, desta
forma o mesmo foi enviado à Comarca de Mafra, para julgamento.
Em dezembro de 1935 foi realizado pedido de desaforamento do processo-crime em razão do receio de perturbação da ordem por parte dos integralistas, que, como visto, se dispunham a qualquer coisa para a defesa e apoio de seus companheiros. O processo, dessa forma, foi remetido à comarca de Mafra para julgamento. (NASCIMENTO, TOMPOROSKI ,2014).
A filha de Gustavo Schroeder Sobrinho, Cecy Schroeder Allage, conta que os
acusados foram transferidos para o presídio político em Joinville. Lá ficaram
esperando julgamento por mais ou menos dois anos. O julgamento ocorreu na
comarca de Mafra, onde foram todos absolvidos. “A notícia do resultado do júri foi
anunciada na casa comercial de Luiz Tack, onde todos estavam reunidos; foi uma
euforia geral.” (FUCK, 2005, p. 72).
O Sr. Hélio Bastos fez o seguinte comentário a respeito do crime: “Aquele
crime, vieram dois camaradas, não sei de onde que apareceram, e diziam que eles
eram comunistas, e que perseguiam os alemães.” Sobre os autores do crime disse:
“Ninguém sabe na verdade quem foi [...] quando vi nós estávamos vendo a matança, já digo, era tiro pra tudo quanto é lado, nós éramos piá, morávamos lá perto do posto Esso, era perto de uma vez. [...] Aí, resultado: quando aconteceu que mataram o rapaz, aí todo mundo se trancou, ninguém falava nada, tinham medo. [...] Então meu pai como advogado sempre dizia: não se meta nessas coisas meu filho, não se meta. Por que isso aqui vai virar coisa feia, eu tô sabendo”. (BASTOS, 2014).
Este medo a que se refere Bastos pode ter levado, por exemplo, à limitação
das organizações e de participação política nos anos seguintes.
Outra análise dos fatos deve ser observada, levando-se em conta a questão
econômica e legal em relação aos industriais e comerciantes do município. De
acordo com as entrevistas, uma das maiores queixas dos industriais e comerciantes
de Canoinhas contra o governo de Getúlio Vargas estava relacionada às questões
trabalhistas. Segundo memórias do Sr. Ruprecht Loeffler, em entrevista realizada
em 2004, “os fiscais do governo ameaçavam os comerciantes que não registravam
seus empregados e que não usavam os selos de tributo em notas fiscais.” (FUCK,
2004). Em relato já mencionado, a filha de Gustavo Schroeder Sobrinho afirmou que
seu pai era perseguido e ameaçado por advogar em prol dos comerciantes, que
169
eram perseguidos pelos fiscais da fazenda, em relação a registro de empregados e
controle de selos em notas fiscais. “Infelizmente, com essa atitude de proteção aos
mais fracos, angariou antipatias com graves consequências.” (FUCK, 2004). Aloysio
Soares de Carvalho, em entrevista à Conceição (2005), também argumenta que as
maiores reclamações dos integralistas, que eram, na maioria, comerciantes e
industriais na região, estava relacionada à legislação trabalhista. “Com a
Constituição de 1934 e as novas Leis Trabalhistas, os alemães ficaram contra
Vargas, pois não aceitavam cumprir essas leis.” (CONCEIÇÃO, 2005, p. 94).
Carvalho (2015) complementa que a questão do cumprimento de leis trabalhistas
levou muito tempo para ser efetivamente levada a sério. Este fato ocorria com todas
as empresas da região, sendo elas de diferentes proprietários.
O meu primeiro emprego foi em 1944 na Cooperativa do Mate, na época tinha 2.200 associados. Todos os produtores de erva-mate da região eram associados, entre eles haviam produtores de várias descendências, além de moradores locais, chamados pejorativamente de caboclos, por serem descendentes de portugueses, com índios, bugres, enfim, brasileiros. Nesta cooperativa trabalhei dois anos sem ser registrado. Quando entrei no Banco Inco, em 1946, também fiquei seis meses sem registro. Foi muito difícil os empregadores cumprirem as leis trabalhistas, pois era tradição na região contratar empregados sem registro, muitas vezes, em regime de semiescravidão. Isso não acontecia somente com empregadores alemães, mas com todos na região. (CARVALHO, 2015).
Fuck (2014), em relação à justiça trabalhista comentou:
“eles cobravam muito forte aqui [...] qualquer coisa que não tivesse direito era chamado pelo Ministério do trabalho [...]. A maior parte era de gente que vinha da Europa pra cá no sentido de melhorar a vida [...] começaram do zero, mas no momento que tinham empregados, tinham que cumprir as leis.” (FUCK, 2014).
E continua seu comentário, ao mesmo tempo em que analisa as
consequências das leis trabalhistas na década de 1930, dá sua opinião em relação
ao momento atual, afirmando que:
“Nem os integralistas e ninguém tá muito favorável, pois é uma das piores leis trabalhistas do mundo, são extremamente paternalistas. Até hoje nada muda, o juiz vai sempre do lado do empregado, não interessa se o patrão tá cheio de razão”. (FUCK,2014).
Com estas informações, e o agravante da vítima ser um funcionário do
Ministério do Trabalho, questiona-se o fato de ser apenas uma coincidência ou haver
170
outras intenções no homicídio. Conforme o jornalista e historiador Tokarski: “É certo
que ainda hoje há muita nebulosidade sobre esse assunto, um dos mais intrincados
da História de Canoinhas”.
Voltando aos fatos de 1935, dias após o crime, o Chefe de Polícia do estado
de Santa Catarina baixou uma portaria que, segundo o documento, o fizera a pedido
dos delegados de alguns municípios catarinenses, no qual se encontrava
Canoinhas. Este decreto proibia qualquer manifestação pública da Ação Integralista
Brasileira, sem prévia autorização, além da proibição do uso de uniformes e
insígnias, com o objetivo de manter a ordem pública.
Proibindo o uso de camisas verdes Chefatura de Polícia Portaria N. 147 O Doutor Chefe de Polícia, tendo em vista as representações e pedido de providências feitos pelos Delegados de Polícia dos municípios de Joinville, Rio do Sul, São Bento, Gaspar, Hamonia, Canoinhas e Jaraguá, para evitar perturbação da ordem pública naqueles municípios provocada por elementos partidários da Ação Integralista Brasileira registrada como partido político, nos termos da legislação em vigor, não escapa por isso de serem os seus atos e atitudes de seus partidários fiscalizados e controlados pelas autoridades policiais, pois a estas cabe o dever de zelar pela tranqüilidade pública, onde quer que ela periclite; [...] RESOLVE Baixar as presentes instruções, em aditamento às contidas no Edital de 16-7-35. I – Nenhum “meeting” de caráter político será permitido sem prévio requerimento escrito e dirigido a esta Chefia, que apreciará o pedido e decidi-lo-à, de acordo com as necessidades da garantia da ordem e Segurança Pública; II – Ficam terminantemente proibidos até segunda ordem o uso de uniformes, e os ostensivos agrupamentos, desfiles e caravanas promovidas por elementos partidários da AIB, neste Estado; III – Às autoridades policiais desta capital e do interior cabe o estrito dever de cumprirem e fazerem cumprir as presentes instruções, de acordo com a Lei de Segurança Nacional. CUMPRA-SE Claribalte Galvão Chefe de Polícia (JORNAL AVANTE!, Canoinhas, 10 de julho de 1935).
Os ânimos dos integralistas não se abateram com estas medidas, e nem após
as prisões de alguns membros. Mesmo com críticas e acusações, os mesmos
fizeram uma demonstração de força, no dia 7 de setembro de 1935, desafiando os
decretos baixados no mesmo ano, e acima citados.
Desfilaram os Integralistas: Ao terminar a primeira parte do programa de festa de 7 de Setembro, pelas 11:30 horas, quando debandava, em alegre revoada, apareceu na praça Lauro Muller a milícia integralista local uniformizada, em formatura militar, a
171
quatro de fundo, que tendo percorrido algumas ruas da cidade, demandava o campo de esportes da Sociedade Ginástica. A muitos surpreendeu a marcha dos soldados do Sigma, que garbosos, tendo à frente uma cavalaria e a bandeira nacional, mostravam-se convictos de que ninguém proibiria como aconteceu, a sua primeira demonstração de força. E assim, pródigos, em sua saudação de estilo, os soldados do pelotão local mostraram aos que não sabiam que os integralistas podem desfilar militarmente formados. Muitos surpreenderam-se com aquele inédito espetáculo, sabido como é que a Chefia de Polícia do Estado vem proibindo ostensivos atos e aparatosas reuniões integralistas em outras localidades. Registramos, apenas, o sucedido. (AVANTE! Órgão Noticioso e Independente. Canoinhas, 14 de setembro de 1935).
Esta atitude revela que, mesmo com a prisão de alguns membros, o
movimento, além de permanecer forte na cidade, ainda ameaçava as ordens
policiais. Não foi possível encontrar informações sobre a consequência deste ato, o
que leva-nos a crer que não houve maiores retaliações por parte da polícia. Porém,
os ataques, por meio dos jornais, continuavam.
Nas eleições municipais de 1936, as informações obtidas em Falcão (2000)
revelam que, em Canoinhas foram eleitos dois vereadores integralistas. Tokarski, em
seu livro “Cronografia do Contestado”, publicado em 2002, lista os vereadores
eleitos em 1936, porém não informa o partido. O nome de Alfredo Mayer, já citado
como integrante do movimento, é um dos eleitos. O único sobrenome alemão que
aparece, além de Alfredo Mayer, é o de Augusto Kruger; acredita-se que este seja o
outro vereador integralista eleito. Neste ano, não foram encontradas edições de
periódicos na Biblioteca Pública de Canoinhas, local onde estão arquivadas as
outras edições, para que fosse possível analisar a dimensão desse resultado. Sabe-
se somente que o jornal “Avante” encerrou suas atividades em Canoinhas em 1936,
e o jornal “Barriga Verde” iniciou suas atividades em 1937. O jornal “Barriga Verde”,
órgão do Partido Liberal Catarinense, era de propriedade do Sr. Albino Budant.
Em seus artigos, o periódico enaltecia a figura de Getúlio Vargas e criticava
as atitudes da AIB na região. Na primeira edição, em 1º de agosto de 1937, o editor
conclamava a população a lutar contra o integralismo e o comunismo:
“Canoinhenses – Tens o dever de amparar a democracia, combatendo com devoção
os extremismos, ou seja, o integralismo e o comunismo” (JORNAL BARRIGA
VERDE, 01º agosto de 1937). Nesta mesma edição, segue um artigo onde é
possível perceber a força que o movimento integralista continuava tendo no
munícipio, mesmo observando certo exagero nos números publicados por membros
172
da AIB. Este artigo insere-se no contexto dos preparativos para a eleição
presidencial, que deveria ocorrer em 1937, processo interrompido pelo Golpe do
Estado Novo.
DEVAGAR COM O ANDOR O Senhor Rocha Loures que segundo nos informaram é um homem de grande inteligência e cultura em uma interessante entrevista que forneceu à folha integralista de Joinville sobre o movimento do ‘sigma’ em Canoinhas exagerou um bocado as cousas de nossa terra. Disse aquele senhor que mais de 1000 pessoas assistiram a sua ‘falação’ nos salões da S.B.O., quando na realidade, naquele salão não é possível a entrada de mais de 500 pessoas e [...] não vimos ninguém nas ruas [...]. Afirmou ainda que o sigma vencerá as eleições neste município. Sobre o assunto descanse o distinto senhor, porque a informação que lhe forneceram a respeito é simplesmente ridícula, tal o seu exagero. [...] Informamos desde já que o município de Canoinhas não dará 25% dos seus votos ao candidato verde. Isso porque o candidato do povo de Canoinhas é o candidato do povo de todo o Brasil, o grande brasileiro Dr. José Américo de Almeida. [...] Canoinhas não é verde, e muito menos vermelha. Canoinhas apoia a democracia e por ela é capas de todos os sacrifícios. (Jornal Barriga Verde, 01 de agosto de 1937).
Uma observação pertinente a fazer em relação a esta matéria é o fato do Sr.
Rocha Loures, integralista de Joinville ter vindo a Canoinhas, encontrar-se com
militantes, em uma “falação” na SBO. Além do mais, este fato foi notícia nos jornais
joinvillenses, mostrando, com isso, a significância que o movimento integralista em
Canoinhas tinha perante os centros maiores.
Como os integralistas não tinham periódicos na cidade, o jornal local, ligado
ao partido liberal, continuava a criticar os movimentos, tanto integralista como as
ideias socialistas. Durante as edições, no ano de 1937, o Jornal “Barriga Verde”,
comunicava aos seus leitores o perigo integralista e comunista, aconselhando a
população canoinhense a ficar alerta em relação às falsas promessas, e confiar no
governo:
A Nação deve confiar no governo O combate ao comunismo tem sido verdadeiro cavalo de batalha usado pelo bando verde, para transformar a pátria brasileira em nação escravizada pelos caprichos de um ridículo chefe supremo [...]. O povo brasileiro sabe perfeitamente que o Komintern deseja escravizar o Brasil, custe o que custar. Não é preciso que os verdes apregoem causa de todos conhecida. [...] Para combater o comunismo, o integralismo é perfeitamente dispensável. [...] A nação deve confiar, o governo está alerta e saberá reagir em tempo, às tentativas de esquerda. [...] Deixemos falar os integralistas, não demos ouvidos às suas explorações, ao seu “cavalo de batalha”. (JORNAL BARRIGA VERDE, 23 de agosto de 1937).
173
A afirmação de que, para combater o comunismo, não é preciso do
integralismo, denota o discurso utilizado pelos integralistas, registrado nas
entrevistas, onde grande parte da adesão foi em relação ao combate ao
comunismo.
Em setembro de 1937, tornou-se pública, em nota jornalística, a ilegalidade
do partido integralista: “[...] O governo federal declarou que o integralismo está fora
da lei, por estar em desacordo com a constituição. Alguns bispos e outras figuras do
catolicismo brasileiro declararam que o integralismo está em desacordo com os
interesses da Santa Igreja [...]”. (JORNAL BARRIGA VERDE, 06 de setembro de
1937). Para Fuck (2014), “Getúlio Vargas tinha medo de um que golpe derrubasse
ele, por que ele era um ditador, ele tinha medo de que um golpe dos integralistas,
por isso ele começou a combater”.
O discurso anticomunista permeou todo o período em questão, desde as
primeiras décadas do século XX até o fim do período varguista. Tanto integralistas
como varguistas tinham este inimigo em comum, porém, o governo de Getúlio
Vargas utilizou-se do mesmo como justificativa para o golpe de estado de 1937, que
iniciou o período ditatorial denominado Estado Novo (1937-1945). A suposta
ameaça comunista foi comunicada em 04 de outubro de 1937:
Em virtude da tremenda conspiração da extrema esquerda descoberta pelas altas autoridades militares, o Governo Federal decretou o estado de guerra para todo o território nacional, pelo prazo de 90 dias. A campanha democrática presidencial não será prejudicada. (JORNAL BARRIGA VERDE, 04 de outubro de 1937).
Interessante perceber como as medidas tomadas pelo governo federal, foram
lançadas aos poucos, preparando a população para o golpe, justificando-o como
essencial para o bem de todo o país. “Reforma na Constituição – [...] cogita-se
reformar a constituição, inclusive a prorrogação do mandato presidencial caso não
seja possível evitar uma campanha política agitada, que poderá causar sérios
prejuízos à coletividade.” (JORNAL BARRIGA VERDE, 01 de novembro de 1937).
No dia 15 de novembro de 1937, é anunciada a nova constituição federal:
Nova Constituição Nacional O Doutor Getúlio Vargas, falando aos representantes diplomáticos estrangeiros disse que a nova constituição nacional não é fascista, nem integralista, mas sim brasileira, sendo o governo democrático presidencial, federativo e parlamentar; acentuou que o governo continuará o combate
174
firme e sem tréguas ao comunismo, para que o dispõe agora de leis e forças suficientes. (JORNAL BARRIGA VERDE, 15 de novembro de 1937).
Em decorrência deste fato, membros da AIB passaram a ser perseguidos, e a
sede de Canoinhas foi fechada no dia 06 de dezembro de 1937. Aloysio Soares de
Carvalho (2015), quando questionado sobre o destino dos militantes integralistas
com o fechamento da AIB, respondeu que, em relação ao desenvolvimento
econômico e social, os ex-integralistas continuaram com suas atividades comerciais
na região, adaptando-se “na marra” à nova política getulista, principalmente aos
direitos trabalhistas.
Os alemães e descendentes, incluindo a maioria dos integralistas, passaram
a ser hostilizados, primeiramente, pelo fechamento da AIB, e alguns anos depois
durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil declarou-se inimigo dos países
do Eixo, Alemanha, Itália e Japão. Os relatos dos teutos que viveram esse momento
na região, demonstram sentimentos complexos, pois os mesmos estavam sendo
agredidos na própria terra onde nasceram. Porém, sentiam-se sempre alemães
brasileiros.
Cecy S. Allage relata que seu pai, Gustavo Schroeder Sobrinho, foi preso
novamente, em 1942, por aproximadamente três meses.
Era a época da Segunda Guerra Mundial, e o motivo da prisão poderia ser a origem alemã ou o passado integralista, ou ambas as coisas. [...] Apesar de não manter mais vínculo com o partido, o qual estava extinto há algum tempo, as marcas ficaram [...] as pessoas de sobrenome alemão e, principalmente os que tinham sido integralistas sofreram perseguições e foram presas. (FUCK, 2004).
Luiz Tack, que também foi preso nessa época, escreveu várias cartas e as
deixou sob os cuidados de seu amigo, o Sr. Marcos Sussembach, com a
recomendação de nunca serem entregues a ninguém. Somente em 2004, estas
cartas foram entregues à Márcia Allage Fuck, neta de Gustavo Schroeder, para que
fossem utilizadas em seu trabalho de pesquisa sobre o Integralismo em Canoinhas.
Luiz Tack escreveu as mesmas em alemão, as quais foram traduzidas pela família
de Márcia A. Fuck. Suas cartas eram escritas em forma de versos rimados. Em uma
das cartas, datada de 1942, o título diz o seguinte: “Como era no Hospício Oscar
Schneider no ano de 1942”. Tack utilizou de bom humor, revelando, em tom de
brincadeira, as características de cada um:
175
Na guerra havia muitos presos, colocados no hospício, mas nenhum deles era louco de verdade, [...] ali confinados deixariam o país livre da praga. De Porto União e Canoinhas tem muitos olhando pela grade. De Itaiópolis, a cidade dos poloneses, tem alguns jogando baralho. [...] Alemães agora são perigosos para o país [...] Mas também há japoneses e italianos, e brasileiros, só pra achincalhar. [...] Ele gostava muito do verde, e por causa dessa cor que ele veio parar na cadeia [...] As moças acham ele muito gostoso, mas agora, quem gosta dele é a polícia. [...] Pelo destino nós fomos duramente atingidos. Suportamos isso porque temos a esperança de que a verdade e a justiça não morram, permaneçam por toda a eternidade. (FUCK, 2004 p. 78).
Através desses fragmentos pôde-se perceber que havia presos da região,
alemães e poloneses, mas também havia italianos, japoneses e, em tom de
brincadeira, mas provavelmente, era o pensamento comum entre eles, um brasileiro
“só pra achincalhar”. Em relação aos poloneses de Itaiópolis, a que Luiz Tack se
refere, o núcleo integralista naquela região era bastante significativo, já em
Canoinhas, de acordo com Fernando Tokarski, não foram muitos os poloneses que
aderiram; ele lembra que seu avô, Alberto Tokarski, no início, chegou a fazer parte
do movimento, influenciado por um amigo e compadre, Francisco Fuck, e depois se
afastou. (TOKARSKI, 2015). A esperança que a verdade e a justiça sejam feitas,
como citada na última frase, retrata a certeza de ser inocente. Visto que o autor da
mesma estava consciente de que tal conteúdo não seria publicado, compreende-se
tratar de desabafos e não de apelos para convencer quem quer que fosse da sua
inocência.
Niceto O. Fuck (2014) comenta que, como nasceu em 1940, apenas lembra
do que seu pai comentava sobre as perseguições que a família sofreu, por ser
descendente de alemães e o pai ter sido integralista. Interessante que,
diferentemente do Sr. Gustavo Schroeder, que pelo relato de sua filha, não adotou
outra ideologia partidária, ou a outro partido político com ideologia semelhante, a
maioria dos integralistas filiou-se ao PSD.
Meu pai foi político, fez parte do integralismo [...] como eles falavam alemão e quando foi declarado que o Brasil declarou guerra à Alemanha, não podia mais se reunir o partido integralista. E os policiais vinham na varanda da casa do meu pai e da minha mãe escutar quem estava falando em alemão. Quem estava falando em alemão ia preso, aí ele foi preso por causa disso, ele ficou não sei quantos dias na cadeia, por causa do integralismo. Porque ele era, ele era meio um líder por aí porque ele falava muito bem, eu me lembro que ele falava, ele sempre teve partido político, depois foi pro PSD. [...] E aí tinha o pessoal do PTB que eram tudo trabalhadores, esses eram Getúlio Vargas [...] Aí tinha a UDN que era um partido já mais da elite, e PSD Partido Social Democrata, que era o partido da classe média. [...] Em
176
Canoinhas os integralistas foram todos pro PSD, não só Canoinhas como Papanduva e Três Barras. (FUCK, 2015).
Hélio Bastos corrobora com esta informação, quando comenta que, com o fim
do integralismo, “alguns foram embora para a Alemanha, mas os que ficaram foram
tudo para o PSD, a maioria”. (BASTOS, 2014).
5.6 CONSEQUÊNCIAS DO MOVIMENTO
Ao analisar os nomes dos integrantes do movimento integralista, percebe-se
que a maioria das famílias permaneceu em Canoinhas, continuando com suas
atividades ligadas ao comércio e à indústria, principalmente de madeira e erva-mate.
Quando perguntado ao Sr. Niceto O. Fuck, sócio de empresas madeireiras e
ervateiras, se o discurso integralista permaneceu em Canoinhas, ou se tem algo da
ideologia do movimento na região, o mesmo respondeu:
Tem porque, se você for ver a maioria do nosso empresariado aqui, tem sangue europeu, eles continuam com o mesmo discurso, mas sem dúvida nenhuma... Até hoje eles são contra toda essa burocracia do governo, ninguém é feliz com isso aí e clamam por reforma de tudo que é tipo, elas não acontecem, o país só sofre com isso, tá se desindustrializando hoje de uma forma enorme, porque .nessas áreas aí. Por exemplo, essa área de impostos aí. [...] Esses sindicatos...todo mundo é contra.... se você ver aquela carta inteira ali do meu avô, [carta escrita quando o avô chegou em Campo Alegre em 1898] nós continuamos igual eles.....é contra corrupção, é contra pagamento de impostos, essa burocracia aí, que é uma desorganização que ninguém entende, e coisa muito pior né? Lá na Alemanha é tudo certinho... O desenvolvimento comercial e industrial econômico, cultural está assentado mais de tudo é no partido do Plínio Salgado, não é nos outros. Quem criou raízes também é Juscelino, foi um governo independente, que trouxe desenvolvimento, depois que acabou, que eles foram cassados eles foram tudo pro PSD. Deram continuidade no PSD, que apoiou também o Juscelino (FUCK, 2014)
Percebe-se que a visão que o Sr. Niceto Fuck (2014) tem como ideologia
integralista, é a superioridade do “povo alemão”. O mesmo cita o descontentamento
com o governo atual, como altos impostos e corrupção, como se este fosse o
principal motivo à época para a adesão ao integralismo. Desta forma, observa-se
em seu discurso, que o mesmo relaciona os ideais do movimento integralista às
ações do governo alemão. A admiração ao desenvolvimento econômico e cultural da
Alemanha revela um sentimento de desprezo à política nacional, discurso recorrente
entre os integralistas de Santa Catarina.
177
Para Aloysio Soares de Carvalho (2015), após o fechamento da AIB, as
filiações partidárias foram mais por envolvimentos pessoais e/ou familiares, do que
por ideologia política. Em relação à UDN, a maioria da descendência alemã aliou-se
a esse partido. Como exemplo, citou o caso do canoinhense Renaux Cubas, que foi
eleito deputado estadual pela UDN, sendo que o mesmo era sogro de Alfredo
Mayer, que foi vereador pelo Partido Integralista. O chefe do PSD em Canoinhas foi
o Dr. Orty de Magalhães Machado, filho de Álvaro Soares Machado, prefeito
municipal, na década de 1930. Orty de Magalhães Machado foi eleito deputado
estadual no ano de 1947.
Pelas entrevistas, percebe-se que a maioria dos integrantes da AIB optou por
filiar-se ao PSD. Acredita-se que os mesmos participaram e participam, direta ou
indiretamente, dos rumos políticos e econômicos de Canoinhas. Em se tratando de
desenvolvimento econômico na região, a filha de Gustavo Schroeder Sobrinho, Cecy
Allage, comenta que seu pai, após ser libertado da acusação do crime ocorrido em
1935, iniciou algumas atividades como: gasosaria, sorveteria, venda de erva-mate,
compra e venda de nó de pinho. Em relação à erva-mate, vendia inclusive erva crua,
destinada à extração da cafeína, feita por uma fábrica em Marcílio Dias, distrito de
Canoinhas. Além disso, explorava uma fonte de água mineral sulfurosa encontrada
no bairro Água Verde, pela sonda de perfuração de petróleo da Petrobrás. Esta água
era de qualidade medicinal, e o mesmo a comercializava, engarrafada e gaseificada,
com o nome de “Ouro Verde” (FUCK, 2004).
Em conjunto com outros empreendedores canoinhenses, tinha projetos
interessantes e ousados para a época:
Naquela época, a Saúde Pública começou a exigir que os estabelecimentos comerciais tivessem seus pisos cimentados, ou de cerâmica. Como a maioria deles era de madeira e possuía porão embaixo de um piso que não era laje, tornava-se difícil atender a essa exigência. Em vista disso surgiu a primeira associação comercial encabeçada por meu pai [Gustavo Schroeder] juntamente com Feres Couri, Alfredo Mayer, Adolfo Voigt, Albano Voigt e João Abrão Seleme, entre outros. O plano seria o de construir um único e grande estabelecimento, com setores definidos (secos e molhados, tecidos, sapataria, etc) a exemplo dos shoppings de hoje. Idealizaram também um sistema de troca de informações cadastrais dos clientes, à semelhança do atual Seproc. Como esse empreendimento envolvia muitas pessoas, e muitos palpites eram dados, a coisa não se concretizou (FUCK, 2004 p. 72).
178
Importante ressaltar, neste momento, que o ímpeto empreendedor do Sr.
Gustavo Schroeder Sobrinho não o exime, juntamente com demais ex-integralistas,
de atos criminosos, que vitimaram dois membros da ANL, em 1935. Estas
informações partem de pessoa ligada à família de Schroeder, as quais devem ser
analisadas de forma ponderada, compreendendo o sentimento que envolve tal
depoimento.
Porém, ao verificar as ideias de Gustavo Schroeder e demais imigrantes,
analisadas por Cecy Allage, observa-se que a ideia tomou forma com a Associação
Empresarial de Canoinhas (ACIC). A mesma foi fundada em 1956, porém a ideia de
uma entidade que abrigasse os diferentes segmentos empresariais e comerciais da
região já vinha desde 1946, dez anos antes da fundação.
De acordo com a matéria do dia 12 de setembro de 2011, do jornal Correio do
Norte, as mudanças, promovidas pelo governo de Getúlio Vargas, fizeram com que
os empresários se unissem para enfrentá-las. As leis trouxeram benefícios aos
trabalhadores, desta forma, “o cenário de mudanças exigia da classe empresarial
uma medida que fortalecesse o setor e evitasse o maior número possível de
falências. Era preciso unir para se fazer ouvir. Se o governo queria fazer cobranças,
que cumprisse com suas obrigações” (JORNAL CORREIO DO NORTE, 12 de
setembro de 2011).
Uma das primeiras medidas tomadas pela ACIC foi melhorar a distribuição da
energia elétrica, motivo pelo qual as empresas só podiam trabalhar à noite e pela
madrugada, pois como a voltagem era muito fraca, durante o dia não era possível
produzir. Várias reuniões ocorreram com empresários locais, e somente em 1959
conseguiram extinguir a antiga empresa, chamada de Força e Luz, e inaugurar a
Celesc. “A empresa Fuck foi a primeira a instalar a energia elétrica da Celesc,
passando de 2,8 mil para 13,2 mil wolts. A vinda da Celesc, por sinal, impulsionou a
criação do Parque Industrial nº 1, em 1968, onde está instalada a matriz da Fuck e
da Lavrasul (antiga Zugmann Painéis).” (JORNAL CORREIO DO NORTE, 12 de
setembro de 2011).
A ACIC, ao longo dos anos, colaborou para a vinda de unidades do Sebrae,
Junta Comercial, fundou na região o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Em
1980, os lojistas de Canoinhas, juntamente com um grupo de empresários, criaram a
Câmara de Lojistas de Canoinhas (CDL), com o intuito de proteger o lojista,
principalmente com consultas ao SPC, além de trabalhos sociais, palestras e
179
treinamentos. Para Romeu Vier, ex-presidente da ACIC: “As grandes decisões
passam pela ACIC. Depois do poder público, a ACIC é a legítima representante do
município” (JORNAL CORREIO DO NORTE, 12 de setembro de 2011).
Estas declarações, na matéria relacionada aos 100 anos do município de
Canoinhas, no Jornal Correio do Norte, demonstram que a classe empresarial e
comercial do município organizou-se ao longo das décadas, para protegerem seus
objetivos, dentre eles o lucro da produção e das vendas. Para o desenvolvimento
econômico do município, este fator tem grande importância, porém, ao analisar o
desenvolvimento regional de Canoinhas, deve-se ir além destas iniciativas,
observando se essas empresas contribuem para o desenvolvimento social dos seus
funcionários e, consequentemente, para o município como um todo.
Observando a origem étnica da atual Associação Empresarial de Canoinhas
(ACIC), percebe-se a grande presença de descendentes alemães, inclusive alguns
sobrenomes de antigos integralistas, como os Fuck e Sussembach. Obviamente,
não se pode medir a força política e econômica de um município apenas por uma
associação, assim como, não é possível medir o grau de ligação entre os ideais
integralistas apenas pelos sobrenomes alemães. Porém, sendo a ACIC uma das
associações que mais abriga representantes da indústria e do comércio local, o fato
de apresentar, em sua diretoria, grande número de descendentes de alemães, pode
demonstrar que, mesmo perseguidos pela sua opção política, e pela sua etnia, na
Segunda Guerra Mundial, sua presença continua significativa na sociedade
canoinhense.
A presença do espírito de empreendedorismo permanece no município, em
grande parte nos descendentes de europeus. Porém, o preconceito em relação aos
povos nativos ou descendentes de indígenas e portugueses, assim como o mito de
supremacia racial alemã, também sobrevive no contexto atual.
180
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreender a inserção do Integralismo em Canoinhas, e as influências
do componente étnico sobre esse processo, torna-se imprescindível analisar,
primeiramente, as semelhanças que o movimento apresentou em relação ao âmbito
nacional e estadual, para depois chegar às especificidades locais e regionais. Em
relação à composição de seus integrantes, os resultados obtidos corroboram com os
dados da pesquisa realizada por Trindade (1979), onde foi identificada a grande
presença da classe média urbana nos diferentes locais onde ocorreu o Integralismo.
Porém, a composição étnica, principalmente de alemães e teuto-brasileiros pode ser
caracterizada como uma especificidade dos estados do sul do Brasil, principalmente
em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em Canoinhas, em relação ao componente étnico, através das entrevistas e
das matérias jornalísticas, constatou-se que os alemães e teuto-brasileiros formaram
uma identidade própria, alicerçada em elementos culturais e sociais e em
organizações fundadas por membros dessa etnia, a partir das quais fortaleciam seus
laços. Como, por exemplo, a Sociedade Beneficente Operária, o Clube de Ginástica
Jhann, a festa do Tiro e o culto da língua pátria. Economicamente, os militantes
estavam dispostos num cenário de dinamismo econômico, buscando ações que os
favorecessem. Desta forma, reconheciam-se como classe econômica, o que também
os identificava etnicamente, por serem, grande parte dos comerciantes e pequenos
industriais, da mesma origem étnica. Faltava a esse grupo maior representação
política, para ampliar sua autonomia, sem deixar de lado os laços com a terra natal.
Esta busca por identificar-se a um grupo pode ser observada nas declarações
do Sr. Mário Rodrigues de Aguiar, morador de Marcílio Dias, segundo o qual as
mulheres adoravam desfilar seus uniformes e que todos se reuniam para cantar
hinos e fazer festa para encontrar os companheiros. Sr. José Nascimento também
citou os desfiles, uniformes e as reuniões nos salões de baile da família Fuck.
Torna-se curioso perceber que os ideais pregados pelo Manifesto Integralista
(1932), e mantidos na maioria dos estados, em Santa Catarina, foram adaptados
para conseguir integrantes ao movimento. A questão da defesa da raça brasileira,
mistura dos povos que compuseram o país: o negro, o índio e o mestiço, foi
modificada nas regiões de colonização alemã. Neste discurso, os imigrantes
europeus fariam parte desta nova raça, pois estariam incorporados ao país e o
181
integralismo respeitaria suas tradições, seus costumes, desde que os mesmos se
incorporassem ao espírito nacional. Esta proposta agradou o imigrante alemão, pois
preservaria o seu deutchum, sem deixar de fazer parte do país em que está vivendo.
Seu sangue continuava alemão, mas estava inserido política e economicamente no
município e a adesão era pela identidade étnica e o espírito de grupo. O discurso
pregado pelos integralistas, em Santa Catarina, tornava-se sedutor aos imigrantes
europeus. Esta é a principal contradição do ideal Integralista em Canoinhas e, de
modo geral, em todo o estado catarinense, pois pregava o nacionalismo em
detrimento ao elemento estrangeiro.
Em relação à adesão às ideias autoritárias, de direita, e a identificação com o
fascismo, percebe-se que os participantes do movimento integralista em Canoinhas
tinham os mesmos temores que grande parte da sociedade europeia, onde a classe
média em ascensão temia a sindicalização e a organização operária, principalmente
na Alemanha e na Itália, tendo aversão ao discurso socialista. No Brasil, as
condições econômicas e políticas, que o país viveu nas primeiras décadas do século
XX, levaram a direita a um discurso militarista e autoritário, incitando movimentos de
direita como o integralismo. A relação entre o integralismo e os regimes totalitários
foi levantada no terceiro capítulo desta pesquisa, onde se destacou que muitos
participantes do movimento integralista, em regiões catarinenses de origem alemã,
adotaram o movimento por simpatizarem com o nazismo e/ou por sentirem-se mais
próximos do seu país de origem. Em Canoinhas, é possível reconhecer um discurso
de superioridade e de identificação à “raça alemã”, em algumas entrevistas e
matérias jornalísticas. A expressão utilizada pelo Sr. Niceto O. Fuck, para justificar
por que os alemães e descendentes tinham aderido ao integralismo mostra essa
ideia: “[...] já está no sangue alemão [...] se na Europa a Alemanha tinha aderido[...]
então nós também”.(FUCK, 2015).
No momento em que o movimento integralista ganha notoriedade em Santa
Catarina, o nazismo estava mostrando-se o melhor programa para a Alemanha, e
quiçá para a Europa, como solução para livrar-se de sua crise econômica,
levantando o moral de todos os alemães, em todas as partes do mundo. Desta
forma, torna-se compreensível a ligação entre nazismo e integralismo. Tal era a
aceitação destes movimentos que, antes da Segunda Guerra Mundial, muitos jornais
catarinenses, mesmo da situação, estampavam elogios ao nazismo e ao fascismo.
Fuck (2014) complementa a argumentação da adesão ao Integralismo por parte dos
182
alemães, dizendo se tratar de um movimento baseado nas ideias de
desenvolvimento do povo alemão: “Porque lá sempre foram muito corretos, muito
desenvolvidos, então eles se consideravam alemães brasileiros”.
As ideias de superioridade racial dos alemães e seus descendentes, em
Canoinhas, foram motivos de desagrados por parte da população local. Isto está
presente em várias matérias jornalísticas, inclusive uma publicada ainda no ano de
1930, na qual um cidadão de codinome Aymoré reclama dos alemães que só
ficavam enaltecendo sua pátria, esquecendo-se de valorizar o país que os acolheu.
(JORNAL AVANTE, 27 de setembro de 1930). Após a propagação do Integralismo
no município, as críticas do jornal Avante sempre se reportaram ao movimento como
ideias vindas de fora, de outro país, de pessoas que não valorizam sua terra. Em
outro momento, o jornal lança um apelo para que a população não se iluda com
ideias estrangeiras. Sendo o jornal de propriedade de um membro do Partido
Liberal, entende-se que o integralismo tornou-se um movimento forte, capaz de
ameaçar os poderes há muito tempo estabelecidos na região.
Torna-se interessante ressaltar que, nas notícias jornalísticas, antes do
Integralismo, os nomes de futuros integralistas são citados como pessoas de grande
prestígio na sociedade, pois estavam presentes em órgãos da administração
municipal, eram integrantes do Partido Liberal e membros do Conselho Consultivo
Municipal e da Liga Eleitoral Católica. Após a adesão ao movimento integralista,
foram destituídos de tais funções, obviamente por não pertencerem mais à mesma
ideologia política. As críticas se aprofundaram após o crime, envolvendo integralistas
e aliancistas, onde os mesmos começaram a receber pesadas críticas. Estas nada
tinham a ver com a origem étnica de seus integrantes, mas sim, do conteúdo
ideológico envolvido no crime. Porém, como a maioria dos integrantes era de
origem alemã e austríaca, pode-se supor que os mesmos sofriam acusações ou
represálias por fazerem parte de um movimento que era composto por assassinos,
como o jornal da época os apresentava. Mas isto não arrefeceu os ânimos dos
integrantes, que permaneceram presentes em manifestações públicas, com a
intenção de mostrar a força e a disposição de seus integrantes.
As alterações sociais, econômicas e políticas, que surgiram em Santa
Catarina, após a tomada de poder por Getúlio Vargas, afetaram, de modo
diferenciado, algumas regiões. Nas colônias do sul do estado, não houve grandes
problemas, pois o domínio político da região já pertencia ao Partido Liberal, ou seja,
183
ao partido da situação naquele momento. Nas colônias alemãs do Vale do Itajaí, o
sofrimento vivenciado pelos alemães e teuto-brasileiros, principalmente em Joinville
e Blumenau, decorrentes das ações voltadas à nacionalização imposta pela política
varguista foram aplicadas, de modo agressivo, pelo governo estadual de Aristiliano
Ramos. Nesta pesquisa, os entrevistados reportaram-se mais às perseguições
sofridas pelos germânicos, italianos e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945). Porém, é sabido que, durante a Campanha de Nacionalização,
encampada por Getúlio Vargas, a partir de 1938, os imigrantes e descendentes
alemães sofreram pressões do estado, como por exemplo, o fechamento da escola
alemã luterana, que funcionava junto à Igreja Luterana.
As principais queixas relatadas por entrevistados e analisadas nos periódicos,
no governo de Getúlio Vargas, na década de 1930, foram as leis trabalhistas e a
sindicalização compulsória. Os comerciantes, industriais, empregadores, de modo
geral, não aceitaram facilmente as novas condições com que teriam que tratar seus
empregados, assim como as multas que receberiam, caso não as cumprissem. Nas
declarações do Sr. Aloysio Soares de Carvalho, fica evidenciado que não eram
apenas os integralistas, ou só os empregadores alemães que não queriam cumprir
as leis trabalhistas. Era comum a todas as empresas tratarem seus empregados em
regime de semiescravidão, ou então, pagar salários baixos, sem garantias
trabalhistas. O empresário Niceto O. Fuck relatou que o judiciário ficava “em cima”
para ver se estavam cumprindo as leis, isso já nas décadas de 1940 e 1950.
Desta forma, torna-se compreensível entender que os empregados ficaram
aliados politicamente a Getúlio Vargas, enquanto que a classe empregadora
necessitava de um “braço forte” politicamente para defender seus interesses. As
alternativas poderiam ficar em partidos tradicionais, como o PRC (Partido
Republicano Catarinense), nesse momento sem muita força política, ou o PL
(Partido Liberal), que compunha a base de apoio de Getúlio Vargas. Para a classe
sem muita expressão política, o Partido Integralista surgiu como a melhor opção.
Além da questão identitária, pode-se inferir outro fator que, de algum modo,
está ligado à questão étnica, visto que a maior parte dos integralistas pertencia à
mesma classe econômica e social, de comerciantes e pequenos industriais,
empregadores insatisfeitos com as leis impostas pela política varguista que viam na
ascensão política, um modo de defender seus interesses. O movimento Integralista
em Canoinhas pode ser considerado um movimento político com uma forte
184
identidade étnica, além da característica de identidade de classe, no caso,
comerciantes e pequenos industriais.
A luta contra o comunismo, pregada pelo Integralismo, em nível nacional,
estava presente no discurso integralista municipal, sendo uma das bandeiras para
conseguir adeptos que, além de se identificarem etnicamente, eram influenciados
pelos discursos nazistas. As disputas ideológicas que o país enfrentava entre a
Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB) ocorreram
em Canoinhas de uma maneira violenta para os padrões da época. Através da
análise do Despacho de Pronúncia referente ao assassinato, impetrado por
membros do movimento integralista canoinhense, de dois membros da ANL,
observa-se que o mesmo foi motivado por questões político-ideológicas, ou seja, a
propaganda dos membros da ANL em prédios de proprietários da AIB.
Neste processo, várias vezes os membros do movimento integralista são
retratados como pessoas de respeito e de importância econômica no
desenvolvimento do município. Mesmo após a prisão dos acusados, e das medidas
policiais proibindo demonstrações públicas de força, os membros do partido
desfilaram, no dia 7 de setembro de 1935, desafiando ordens policiais. Isto leva a
pensar nos motivos que os levaram a agir desta forma, sem medo de serem
repreendidos. Assim como, no julgamento dos acusados dos assassinatos em 1935,
que foi transferido de Canoinhas para Mafra, onde todos foram absolvidos. O que
deixa interrogações sobre a influência que os mesmos detinham no município.
Os atores, deste momento vivido em Canoinhas, pertencentes ao
Integralismo, na década de 1930, continuaram residindo no município. Alguns
descendentes enveredaram para a política, porém, a maioria continuou nas suas
atividades comerciais e industriais. Muitos se tornaram grandes empresários na
região, diversificando suas atividades econômicas, além de influenciar nas decisões
políticas do município. Observando-se por este prisma, o fator empreendedor dos
descendentes do movimento integralista continua presente, contribuindo para o
desenvolvimento econômico da região. Por outro lado, as resistências quanto às leis
trabalhistas persistem, assim como, a falta de investimento sociocultural no
município e de assistência social aos seus empregados. As empresas que investem
no bem-estar dos funcionários, assim como no incentivo às capacitações e ao
ensino formal, além de patrocinar eventos culturais e sociais no município, na
maioria, não pertencem a esses grupos.
185
O preconceito racial e social continua muito presente no município, não só
entre os germânicos, mas em relação aos descendentes de povos nativos da região,
que não possuem ascendência europeia. A imagem, deixada no passado, de
círculos étnicos preconceituosos, permanece e é repassada de geração em geração.
Muitas vezes, a exclusão ocorre entre grupos econômicos e sociais, que deixam o
fator étnico de lado, porém, se identificam pela classe social. Assim como no
Integralismo em Canoinhas, os grupos econômicos e sociais tradicionais ou
emergentes, nos dias atuais, lutam para preservar seus interesses, enquanto grupos
de menor expressão econômica, política e/ou social, continuam reproduzindo a
dependência em relação a estes.
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