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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
O Envio do Messias:
Uma anlise de Joo 7 luz do contexto histrico e
literrio
Vanderson Eduardo Domingues
So Bernardo do Campo
2013
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VANDERSON EDUARDO DOMINGUES
O Envio do Messias:
Uma anlise de Joo 7 luz do contexto histrico e
literrio
Dissertao apresentada Banca Examinadora da
Universidade Metodista de So Paulo, como
exigncia parcial do Programa de Ps-Graduao
em Cincias da Religio, para obteno do grau de
Mestre, sob a orientao do Prof. Dr. Paulo
Augusto de Souza Nogueira.
So Bernardo do Campo
2013
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rea de Concentrao: Linguagens da Religio (Novo Testamento)
Data de defesa: 22 de fevereiro de 2013.
Resultado: ________________________
Paulo Augusto de Souza nogueira Prof. Dr. _____________________
(Universidade Metodista de So Paulo)
Prof. Dr. Roberto Pereyra Suarez. Prof. Dr. _____________________
(Universidade Adventista de So Paulo)
Prof. Dr Paulo Garcia Prof. Dr. _____________________
(Universidade Metodista de So Paulo)
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A dissertao de mestrado sob o ttulo: O Envio do Messias: Uma anlise de Joo 7 luz
do contexto histrico e literrio, elaborada por: Vanderson Eduardo Domingues, foi
apresentada e aprovada em 10 de Abril de 2013, perante banca examinadora composta por:
Prof. Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Paulo
Roberto Garcia (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Roberto Pereyra Suarez (Titular/UNASP).
__________________________________________
Prof/a. Dr/a. Paulo Augusto de Souza Nogueira
Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________
Prof/a. Dr/a. Leonildo Silveira Campos
Coordenador/a do Programa de Ps-Graduao
Programa: Ps Graduao em Cincia da Religio
rea de Concentrao: Linguagens da Religio
Linha de Pesquisa: Literatura e Religio do Mundo Bblico
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AUTORIZAO
Autorizo, para fins acadmicos ou cientficos, a reproduo parcial ou total desta
dissertao por processos fotocopiadores ou eletrnicos, desde que citada a fonte.
So Bernardo do Campo (SP), 22 de fevereiro de 2013.
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Dedico este trabalho a minha querida esposa
Tania Cardoso Domingues,
com quem tanto tenho aprendido.
Voc me incentiva a seguir a despeito das dificuldades.
Sou tudo o que sou, porque voc tudo para mim.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, criador e mantenedor da vida, que concede conhecimento e
sabedoria aos homens.
Instituio Metodista de Ensino, representada pelo programa de Ps-Graduao em
Cincias da Religio, que sempre me proporcionou a oportunidade de crescer em um
ambiente acadmico respeitvel, bem como aos professores, que foram mais que mestres e
me guiaram academicamente; tambm minha gratido aos funcionrios da Biblioteca, que
sempre estiveram prontos a ajudar.
Ao meu orientador, Dr. Paulo Augusto de Souza Nogueira, que sempre instruiu,
direcionou e acreditou em meu trabalho.
Ao Dr. Roberto Pereyra, pelo constante incentivo, e que sempre ser meu exemplo de
humildade e academicismo.
Ao Pastor e Professor Jorge Mrio de Oliveira, meu exemplo de ser humano e pastor,
que me ensina sobre a vida e sobre acreditar sempre.
Aos meus amigos: Sideli Biazzi e Jonatan Munhoz, por sempre estarem comigo mesmo
em meio s dificuldades; Klaudinei e Fabiola Engelmann, amigos mais chegados que
irmos; Tatiane e Claudio, pelo cuidado frequente e por torcerem por mim em todos os
momentos; Alessandro e Lucilene Xavier, por tornarem a vida melhor e mais feliz;
Romercina Queiroz, exemplo no trabalho e no comprometimento com uma causa; Rafael
Reis, modelo de cristianismo e f. E ao meu tio Abel Paulo Domingues, meu exemplo
desde a infncia.
Vocs sempre acreditaram em mim. Quem tem amigos nunca est s.
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Anseio pela revelao, que em parte alguma arde com mais belo alento do que no Novo
Testamento.
Almejo abrir o bsico texto e transpor o sagrado original, com sentimento puro e honesto
para meu idioma natal.
Escrito est: Era no incio o verbo. J paro e me critico acerbo; como hei de dar ao
verbo to alto apreo? De outra interpretao careo.
Se me ilumina o Gnio imenso. Escrito est era no incio o senso! Porm pesa o teor
inicial com calma plena. No se apressure a tua pena.
o senso que tudo cria? Dever opor. Era no incio e energia! Mas, j enquanto assim o
retifico, diz-me algo que to pouco nisso fico.
O Gnio me auxilia e sereno escrevo vendo a direo: Era no incio a ao
Fausto de Goethe
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DOMINGUES, Vanderson Eduardo. O Envio do Messias: Uma anlise de Joo 7 luz do
contexto histrico e literrio. Dissertao de Mestrado em Cincias da Religio.
Universidade Metodista de So Paulo. So Bernardo do Campo-SP, 2013.
RESUMO
A presente dissertao objetiva demonstrar as causas do conflito da comunidade
joanina na segunda metade do sculo I, bem como revelar as estratgias de releitura da
histria de Jesus a partir do prisma do autor do QE para combater os inimigos da comunidade,
assegurar-lhes a f, fortalecer os perseguidos e duvidosos e formar uma cristologia
solidificada em um pensamento soteriolgico quanto a pessoa de Jesus como Messias. Para
tanto pretende-se analisar a pluralidade sociopoltica e religiosa da Palestina no sculo I,
demonstrando como o meio influenciou a escolha do autor do QE ao redigir um texto de
forma a fazer uma releitura da vida de Jesus em defesa da f de sua comunidade. Tambm
sero estudadas as vozes em conflito dentro do texto e as vozes discordantes que cercam a
percope, buscando entend-las a partir do texto do QE, pois este o elemento mais palpvel
de que dispomos para o estudo dos conflitos e motivos que geraram esse evangelho. Para
melhor expor e entender o argumento de defesa do autor que representa a comunidade
joanina, ser desenvolvido um estudo sobre o uso dos verbos pe,mpw e avposte,llw no texto do QE, especialmente no captulo 7, com o intuito de mostrar como o autor entendia este
Jesus Messias e como isto moldou sua teologia.
Palavras-chaves: comunidade joanina, conflito, pluralidade, cristologia, Messias, identidade,
pe,mpw e avposte,llw (enviar).
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DOMINGUES, Vanderson Eduardo. O Envio do Messias: Uma anlise de Joo 7 luz do
contexto histrico e literrio. Dissertao de Mestrado em Cincias da Religio.
Universidade Metodista de So Paulo. So Bernardo do Campo-SP, 2013.
ABSTRACT
This dissertation aims to demonstrate the causes of conflict within the Johannine
community in the second half of the first century, as well as to reveal the re-reading strategies
on the story of Jesus Christ from the perspective of the author of the Fourth Gospel (QE) in
order to fight the community enemies and ensure their faith, to strengthen the persecuted and
doubtful members and to form a solidified Christology in a soteriological thought as to Jesus
as the Messiah. For that effect this study intends to analyse the sociopolitical and religious
plurality of Palestine in the first century, demonstrating how the environment influenced the
QE author's choice into writing a text in order to look back on Jesus life in favour of their
community faith. Both the conflicting voices within the text and those surrounding the
pericope will be studied, seeking to determine the origin of these conflicts starting from the
QE text, bearing in mind this is the most tangible element available for the interpretation of
the conflicts and reasons generating this gospel. In order to better expose and understand the
authors defence on behalf of the Johannine community, a research will be developed on the
use of verbs pe,mpw and avposte,llw, along the QE text, especially chapter 7, aiming to
expose how the author understood this Jesus Messiah and the way it shaped his theology.
Keywords: Johannine Community, conflict, plurality, Christology, Messiah, identity, pe,mpw
and avposte,llw (send).
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 O uso do verbo pe,mpw ................................................................................... 80 Quadro 2 O uso do verbo avposte,llw............................................................................. 83
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SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................................... 13
1 JUDEUS E JUDASMOS, CRISTOS E CRISTIANISMOS: ANLISE DO
CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA COMUNIDADE JOANINA NO SCULO I ... 17
1.1 Introduo ...................................................................................................................... 17
1.2 Ambiente sociocultural e poltico do Imprio Romano ............................................. 17
1.3 Ambiente sociocultural da Palestina no sculo I......... ............................................... 21
1.3.1 A pluralidade do judasmo no sculo I .................................................................... 23
1.3.2 A pluralidade do cristianismo no sculo I .............................................................. 26
1.4 Concluso parcial......... ................................................................................................. 29
2 ANLISE EXEGTICA: ASPECTOS ESTRUTURAIS DA PASSAGEM ................ 31
2.1 O Texto Grego ............................................................................................................... 31
2.2 A Traduo da Percope .............................................................................................. 34
2.3 Localizao e Diviso da Percope no QE .................................................................. 37
2.3.1 Introduo 1.3.1 A pluralidade do judasmo no sculo I ........................................ 37
2.3.2 Localizao da Percope no QE .............................................................................. 38
2.4 A Diviso da Percope .................................................................................................. 41
2.5 Diviso e Breve Anlise da Percope ........................................................................... 44
2.6 Concluso parcial ......................................................................................................... 49
3 ANLISE HISTRICO-LITERRIA. VOZES EM CONFLITO DENTRO
DO TEXTO ......................................................................................................................... 51
3.1 Introduo .................................................................................................................... 51
3.2 Os Judeus no QE .......................................................................................................... 53
3.3 Os Batistas no QE ........................................................................................................ 57
3.4 Os Samaritanos no QE ................................................................................................ 62
3.5 A Comunidade no QE .................................................................................................. 67
3.6 Concluso parcial ......................................................................................................... 70
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4 O TEMA DO ENVIO NO QE: ANLISE DE pe,mpw e avposte,llw no QE .................................................................................................................................. 72 4.1 Introduo ..................................................................................................................... 72
4.2 Aspectos estruturais ..................................................................................................... 72
4.3 O Messias de Joo no contexto de Joo 7 .................................................................... 75
4.4 O uso de pe,mpw e avposte,llw no AT e LXX ............................................................... 76
4.4.1 O significado de Shalah no Antigo Testamento ...................................................... 76
4.4.2 O uso de pe,mpw e avposte,llw na Septuaginta ...................................................... 77
4.5 O uso de pe,mpw e avposte,llw no QE ....................................................................... 79
4.6 Anlise de pe,mpw e avposte,llw na discusso da origem do Messias em Joo 7 ... 86
4.7 Concluso parcial ......................................................................................................... 89
CONCLUSO FINAL .......................................................................................................... 90
REFERNCIAS ................................................................................................................... 94
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INTRODUO
O Quarto Evangelho (QE)1 retrata de maneira intensa o tema do envio do Messias
como revelador e redentor. Este um tema que percorre quase todo o evangelho, porm
percebe-se que o foco da discusso a respeito da origem e misso desse Messias ganha maior
destaque nos captulos 5 a 9 do Quarto Evangelho. Na discusso desse tema, o autor do QE
trabalha, de maneira proeminente, as discusses com diversos grupos sobre a origem e a
misso do enviado do Pai, fazendo uso significativo de dois verbos para expressar a ideia da
misso do Filho: pe,mpw e avpostellw.
Em Joo 7:28 e 29 encontramos as seguintes palavras: Clamava, pois, Jesus no
templo, ensinando e dizendo: Vs me conheceis e sabeis de onde eu sou; e eu no vim de
mim mesmo, mas, aquele que me enviou verdadeiro, o qual vs no conheceis. Mas eu o
conheo, porque dele sou, e ele me enviou.
Assim, em torno do tema do Messias como enviado diversas questes aparecem, tais
como: Sob qual perspectiva o autor do Quarto Evangelho est discutindo o tema do envio do
Messias? Nesta percope, as vozes em conflito representam grupos em conflito dentro de uma
comunidade? Os termos pe,mpw e avpe,stellw (enviar),to usados pelo autor nesta discusso,
seriam iguais em sentido, expressando a mesma ideia sem qualquer significado adicional?
Estaria o evangelista querendo expressar algo mais profundo ao utilizar esses termos sua
disposio? Que ideias eles carregam consigo? Quais lies podem advir desta discusso em
prol dos estudos atuais?
Diversos estudos tm sido desenvolvidos, especialmente a partir da dcada de 1960,
propondo os conflitos refletidos no Quarto Evangelho como um ponto de partida para se
entender o objetivo e os destinatrios do livro, bem como o contexto em que estes viviam.
1 Ao longo desta pesquisa ser ultizada a sigla QE para falar do evangelho conhecido como o Evangelho de
Joo.
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O presente trabalho, porm, alm de reunir as principais teorias em torno do QE,
apresenta uma discusso do texto em si com vistas aprendizagem do contedo. Alm disso,
tomando o texto como objeto de pesquisa, levanta hipteses sobre possveis solues
histricas.
Ao tratar da questo do envio do Messias, Rudolf Bultmann, por exemplo, diz que a
atividade de Cristo no Quarto Evangelho o leitmotiv desse livro (1925, apud POLIN,
1969, p. 114); contudo, completa afirmando que esse Messias apresentado no QE como o
revelador enviado de Deus nada revela, sendo somente revelador simplesmente
apresentando o fato sem descrever contedo algum. Em vista disso, com base no seu
argumento do mito gnstico, Bultmann conclui que nesse mito desmitologizado por Joo, a
revelao no consistia em nada mais do que algo sem contedo (2001, p. 78-9).
Por outro lado, Brown (1966) acredita que a discusso em torno do enviado no QE,
divulgada unicamente por meio desse Evangelho como o cenrio do encontro com a
samaritana, a forte nfase no Batista e o conflito com os lderes judaicos , pode apenas
refletir os vrios estgios da composio do Evangelho (p. 42-51). Seria o revelador
apresentado no QE apenas um revelador sem contedo? As discusses (vozes em conflito) em
torno do Messias enviado poderiam estar desvelando um momento de dvida quanto crena
em Jesus na comunidade que estava recebendo o livro? Poderia estar ocorrendo um conflito
entre grupos dentro da comunidade? Por que o autor faz uso permanente dos verbos pe,mpw e
avpe,stellw (enviar) para tratar do envio do Messias? Quais dados histricos podem ser
encontrados a partir dessa tenso entre os lderes judaicos e a comunidade joanina? Por que o
tema de um redentor enviado do cu percorre o QE inserido direta ou indiretamente nas
discusses em torno do livro? A discusso em torno da pessoa do Messias reflete um
momento em que se fazia necessrio dar respostas aos oponentes e membros da comunidade
joanina que enfrentavam amargos dias por causa do confronto com lderes judaicos ps 70
d.C?
Em busca de respostas a tais questionamentos, o presente trabalho se apresenta da
seguinte forma:
A seo 1 objetiva esclarecer a situao histrica da Palestina no sculo I. Para tanto,
ser feita uma anlise desde os tempos dos Macabeus, passando pelos dias de Jesus at o fim
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do sculo I d.C, buscando entender a formao e o desenvolvimento desse ambiente nos dias
do autor do QE. Nenhum texto nasce por obra do acaso; assim foi com o texto do QE, que
certamente reflete com intensidade o ambiente em que foi produzido. Em vista disso, ao se
compreender o contexto histrico em relao aos contextos religiosos, polticos e sociais da
Palestina entre os sculos 1 a.C e 1 a.D, em um cenrio dominado pelo imprio Romano, ser
possvel demonstrar que o QE retrata fortemente o seu ambiente, e que seu estilo controverso
est ligado ao momento histrico vivenciado pela comunidade.
Em seguida a seo 2 empreender uma anlise exegtica dos aspectos estruturais de
Joo 7, pois este captulo contm um rico material que leva a um esclarecimento maior sobre
a questo central do conflito enfrentado pela comunidade, interna e externamente. Esta seo
pretende contribuir para a delimitao do texto, utilizando as ferramentas adequadas da
exegese. Para delimitar o objeto da pesquisa ser utilizado o texto grego, de fundamental
importncia, pois na traduo pode-se perder algum aspecto textual importante. Desse modo,
a traduo mais prxima possvel do original poder ajudar a atingir o objetivo desta pesquisa.
Na seo 3, depois de esclarecido o ambiente histrico da comunidade e estruturada a
percope, ser ento feita uma anlise das vozes em conflito dentro do texto, objetivando
revelar os inimigos da comunidade e as questes envolvidas nos muitos debates. Tais
conflitos aparecem nos textos do QE como uma releitura da histria de Jesus, para que a
comunidade entenda a partir do prisma do autor do QE que os seus inimigos na poca
eram semelhantes aos que o personagem central de sua f (Jesus) havia enfrentado.
Os conflitos so desenvolvidos em uma esfera externa comunidade, sem esquecer,
porm, da existncia dos conflitos internos que terminariam por gerar uma cristologia mais
profunda e declaraes cristolgicas e soteriolgicas que definiriam a identidade da
comunidade joanina.
Depois de localizada, estruturada e delimitada a percope, a seo 4 mostrar como o
QE descreve a pessoa do Messias, sua origem e misso, a partir do uso dos verbos pe,mpw, e
avpe,stellw, explicando tambm o porqu do uso de dois verbos que se traduzem com o
mesmo sentido, bem como a importncia de se considerar o Messias como vindo de Deus
para o tema do envio e para os conflitos dentro da comunidade joanina.
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Finalmente, a partir dos dados levantados, a concluso pretende evidenciar que os
conflitos da comunidade em grande medida resultantes da influncia do contexto e da
mensagem centrada em um Messias que diferia da perpectiva judaica geraram a necessidade
de defesa da comunidade e sua estruturao cristolgica e soteriolgica. A viso de um
Messias-Deus era central para esta comunidade, como o autor declara em Joo 17:3: Au[th
de, evstin h` aivw,nioj zwh,( i[na ginw,skwsi,n se to.n mo,non avlhqino.n qeo,n( kai. o]n
avpe,steilaj VIhsou/n cristo,n (E a vida eterna esta: que conheam a Ti nico Deus
verdadeiro e a Jesus aquele que tu enviaste). Ao entender essa afirmao, a comunidade
tambm faz a sua declarao de f ao declarar que:
(1 Jo 4:14) kai. h`mei/j teqea,meqa kai. marturou/men o[ti o` path.r avpe,stalken to.n
ui`o.n swth/ra tou/ ko,smou
(E ns temos visto e testificamos que o Pai enviou seu Filho como Salvador do
mundo).
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1 JUDEUS E JUDASMOS, CRISTOS E CRISTIANISMOS: ANLISE DO
CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA COMUNIDADE JOANINA NO SCULO I
1.1 Introduo
Como nenhum texto nasce fora de seu contexto, torna-se importante analisar o
ambiente sociopoltico e religioso em que foi produzido o QE para uma compreenso mais
adequada da viso joanina sobre o Messias. Nascimento (2010) afirma que o conhecimento
deste contexto que ajuda a entender melhor a natureza e o sentido do Jesus joanino. J
Gonzlez (1989, p. 15) sustenta que a igreja nunca foi uma comunidade desprovida do contato
exterior, e que para compreend-la em seus primrdios necessrio olhar o contexto em que
ela se desenvolveu.
A realidade plurirreligiosa que se firmava no sculo I assim descrita por Mesters e
Orofino (1995): O que mais impressiona e chama a ateno nestes primeiros quarenta anos
das comunidades crists a diversidade de grupos, movimentos tendncias e doutrinas. Parte
desta diversidade herana do judasmo: Fariseus (At 15:55), Joanitas (At 19:1-7), Proslitos
(At 13:43), Tementes a Deus (At 10:1, 18:7), Samaritanos (At 8:5-6; Jo 4:39-40),
movimentos messinicos (Mt 24:4-5; 23-24), os falsos irmos (Gl 2:4, 2 Cor 11:26), os
chamados Baalamitas (Ap 2:14), desconhecidos para ns e outros (1995, p. 43). nesse
contexto pluralista do sculo I, dominado pelos romanos, e nos dias de Csar Augusto
(GONZLEZ, 1989, p. 10), que comea a surgir o cristianismo que daria origem
comunidade joanina em estudo e viso messinica sobre Jesus.
1.2 Ambiente sociocultural e poltico do Imprio Romano
A Palestina, terra onde se firmou o judasmo e nasceu o cristianismo, foi cenrio de
inmeras batalhas devido sua posio geogrfica, que facilitava a rota comercial. Foi por
isso cobiada por muitos imprios, que a invadiram sucessivamente. No sculo IV a.C, ao
derrotar os persas e estender seus domnios para o leste, Alexandre tomou posse tambm da
Palestina
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(BRIGHT, 2003, p. 491)2. Segundo Gonzlez (1989), as conquistas macednicas no tinham
somente cunho de poderio militar, pois queriam unir o mundo sob uma mesma cultura
grega (p. 16). No entanto, aps a morte de Alexandre, a dinastia ptolomaica herdou essas
terras, e por um longo perodo teve que lutar para defend-las das invases dos selucidas.
LORTZ (1982) reporta que, no momento histrico em que nascia o cristianismo, o
mundo encontrava-se dominado pelos romanos3, pois na Judeia este domnio comeara com a
conquista da regio pelo general Pompeu, em 63 a.C (SCARDELAI, 2008a, p. 114), sob o
imprio de Csar Augusto (27 a.C-14 d.C) (GONZLEZ, 1989, p. 10). Em geral, sabe-se que
os romanos eram tolerantes em relao religio e aos costumes dos povos conquistados,
tendo assim permitido que os judeus mantivessem sua filosofia religiosa.
Outro aspecto importante que caracterizou o primeiro sculo d.C foi a unidade poltica
(nunca antes vista) que os romanos haviam dado s terras da bacia do Mediterrneo
(GONZLEZ, 1989, p. 22). Isto permitia que habitantes de uma regio viajassem para outras
partes do Mediterrneo sem sofrer represlias, fato este que tambm beneficiava a fcil
circulao do cristianismo. A Pax Romana (Paz Romana) era a base para que os subordinados
a Roma pudessem exercer sua religio, proporcionando assim ao cristianismo certa liberdade
para propagar (ao menos em seu incio) sua crena. Roma havia concedido ao povo judeu a
chamada religio-licita4; sob esta gide, como inicialmente o cristianismo era visto como um
segmento do judasmo, os cristos tiveram os mesmos privilgios religiosos que os judeus, ou
seja, em um primeiro momento foi benfico ao cristianismo ser comparado ou mesmo
confundido com o judasmo.
Gonzlez (1989, p. 25) afirma ainda que os romanos apoiavam o sincretismo (uma
mistura indiscriminada de religies), pois isso facilitava os seus interesses no sentido de que
seus sditos pensassem que ainda que seus deuses tivessem diferentes nomes, no final eram
todos os mesmos deuses. Contudo, Roma no proporcionou aos povos que estavam sob o seu
jugo e mesmo aos judeus a sua cultura poltica. O ambiente do mundo dominado por
2 BRIGHT afirma que Alexandre dominou o mundo aps vencer o rei Dario III em 333 a.C, tendo a seguir
conquistado a Palestina. 3 Segundo LORTZ, Jesus de fato nasceu sob o domnio do Imprio Romano.
4 A expresso religio-licita designava um estatuto privilegiado que na Roma Antiga era atribudo a certas
religies. Tal estatuto garantia aos praticantes e aderentes gozar de privilgios como a coleta de impostos e a
dispensa de servio militar ou do culto imperial oficial.
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Roma tambm foi marcado pela forte influncia da cultura grega5. Diversas religies de
mistrios dominavam as massas, apregoando prticas msticas e cerimnias secretas e
dramticas que realavam as ideias concernentes perpetuao da vida (NICHOLS, 2004, p.
23)6. Foi nesse ambiente plural que o cristianismo surgiu para alcanar suas primeiras
conquistas, em um mundo regido por vrios interesses e curiosidades religiosas.
A pluralidade do pensamento religioso no foi a nica herana deixada pelos gregos.
Sua cultura, to admirada e acatada por vrios povos, proporcionou a expanso da lngua por
todo o imprio. Latourette (2006) diz que o grego era falado entre um ou mais grupos na
maioria das cidades romanas (p. 27). Tal foi a influncia da lngua grega, que o Novo
Testamento foi escrito em grego Koin.
Vale lembrar tambm que, embora nos primrdios do cristianismo as condies de
relativa liberdade criada pelo mundo greco-romano favorecessem a difuso de uma crena,
isto no implicava necessariamente que o cristianismo haveria de triunfar (LATOURETTE,
2006, p. 29), pois Roma mantinha um culto do Estado o culto ao imperador, pelo qual o
prprio Csar Augusto, que trouxera a paz ao imprio, era venerado por muitos como uma
encarnao da divindade. Nesse contexto, esttuas de imperadores eram erigidas nas diversas
cidades para fins de adorao, enquanto vrias outras religies competiam no mundo greco-
romano pela ateno popular.
As filosofias gregas de maior proeminncia no sculo I a.C eram o estoicismo e o
epicurismo. A primeira considerava Deus como permeando todas as coisas, sustentava que o
homem devia viver de acordo com a razo, e que este autocontrole tornaria o indivduo
independente das coisas exteriores. J o epicurismo defendia o viver simples, pregando que o
homem poderia dominar seus desejos.
5 Para maiores detalhes sobre a influncia grega no Imprio Romano e no judasmo, ver: LORTZ (1982, p. 45-
52). Uma anlise interessante tambm encontrada em LEIPOLDT e GRUDMANN (1973, p. 123-200). Ver
tambm SCARDELAI (2008a, p. 107-167). 6 Segundo NICHOLS, o orfismo era uma das religies gregas que ensinavam as doutrinas da salvao e vida
aps a morte. As religies orientais espalhavam-se pelo Mediterrneo e conseguiam maiores adeptos. Da Frgia
vinha o culto da Me dos Deuses e o culto a tis; do Egito, o culto a sis, Serpis e Osris. O autor afirma que
essas religies tinham semelhanas superficiais com o cristianismo por organizarem sociedades que agrupavam
pessoas independentes de etnias ou posio social.
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Nesse imprio recm-formatado, com heranas de uma filosofia grega e dominado
pela pluralidade religiosa sob um contexto social de domnio romano, o cristianismo deu seus
primeiros passos para se tornar uma religio com bases slidas e chegar posteriormente a
alcanar posio de destaque dentro do Imprio Romano.
Em contrapartida, o texto do QE reflete negativamente a presena dos romanos na
Palestina. Pixley (2002, p. 97) sustenta que o QE antes de tudo um evangelho escrito para
aprofundar a f dos leitores, estando, porm, carregado do ambiente em que foi escrito. O QE
mais do que qualquer outro evangelho ressalta negativamente a participao do Imprio
Romano na vida da comunidade. A crucificao de Jesus um bom exemplo, pois este o
evangelho que mais destaca a participao de Pilatos (representando Roma) no julgamento de
Jesus (Jo 18:28-40 ao 19:1-42). No episdio da captura de Jesus, o autor do QE joga sobre
Roma a responsabilidade de sua priso, pois enquanto os sinticos testemunham uma
multido armada enviada pelo Sindrio (Mc 14:43) , o QE fala de uma corte que
correspondia dcima parte de uma legio (Jo 18:3)7.
O QE tambm d nfase ao termo ko,smoj, que pode ser traduzido tanto como mundo,
ordem ou estado. Ainda segundo Pixley (2002, p. 102), esse evangelho tem a ver com Roma,
pois Jesus deixa claro que sua paz no como a Pax Romana. Em suma, o autor considera o
Imprio Romano como um pano de fundo para o QE, e vai mais alm ao afirmar que o QE
est em conexo com o tema do envio e misso de Jesus, ou seja, libertar seu povo de algo
obviamente maior que a opresso polticossocial exercida pelo imprio. Efetivamente, no se
pode negar que o contedo joanino encontra-se carregado do ambiente imposto pelos
romanos; portanto, essa nfase negativa dada pelo autor um bom indcio para se entender o
contexto dos leitores do QE.
Mesmo a expectativa messinica do cristianismo, que de certa forma fora herdada do
judasmo, no representava algo exclusivo aos judeus ou cristos, ou mesmo entre os povos e
religies prximas Palestina. Suetnio (2012) narra a expectativa messinica, embora um
tanto modificada, existente no mundo romano, ao afirmar que aumentou-se em todo Oriente
7 Enquanto Joo gasta 54 versculos enfatizando a participao romana na crucificao de Jesus, Mateus usa
apenas 42 ((Mt 27:2-44), Marcos descreve a participao romana em 45 versos (Mc 15:1-45) e Lucas utiliza 52
versos (Lc 23:1-52).
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a antiga e constante opinio de que estava escrito na histria do mundo, que da Judia viriam
naquele tempo os dominadores do mundo.
1.3 Ambiente sociocultural da Palestina no sculo I
A Palestina do sculo I d.C representou um resultado hostil do que acontecera desde
323 a.C, quando por ocasio da morte de Alexandre a regio foi dominada pelas dinastias
ptolomaica e selucida. O domnio de Ptolomeu naquela regio durou aproximadamente um
sculo, embora pouco se saiba sobre esse perodo em relao Palestina. Pelo menos duas
fontes lanam luz sobre o que acontecia na poca: (1) Segundo os papiros de Zeno, os
ptolomeus fizeram poucas mudanas administrativas em sua poca; (2) No ano de 223 a.C,
sob o domnio de Antoco, o Grande (223 a.C - 187 a.C), os selucidas ocuparam a regio.
De acordo com a narrativa de Josfo (2004, p. 538-552), os judeus apoiaram as
investidas dos selucidas contra os ptolomeus (GUNDRY, 2003, p. 3-11)8. Este primeiro
apoio judaico rendeu-lhes alguns favores por parte de Antoco, que permitiu aos judeus
refugiados voltarem Palestina, suspendeu os impostos por trs anos e em seguida os reduziu,
alm de dar-lhes liberdade para viverem sob suas crenas. No entanto, a paz pouco durou,
pois, sob o reinado de Antoco IV (Epfanes) (175 a.C - 163 a.C), que adotara uma poltica de
unificao do reino visando preparar-se contra os invasores partos, tambm preveniu-se
quanto s pretenses de retomada da Palestina por parte do rei Ptolomeu VI e contra Roma. O
rei comeou ento a buscar recursos financeiros para custear a invaso, e o Templo de
Jerusalm no foi poupado.
O livro de Macabeus 4:1-6 narra que o sumo sacerdote Onias foi a Antioquia falar
com Antoco IV sobre a necessidade de manter a paz. Naquele tempo, a figura do sumo
sacerdote dominava o poder cultural, poltico e religioso (LEIPOLDT e GRUNDMANN,
1973, p. 123). Apesar disso, Onias acabou sendo assassinado. Na ocasio, seu irmo Josu
(conhecido como Jaso) ofereceu a Antoco uma grande quantia de dinheiro, buscando em
troca auxlio para assumir o cargo de sumo sacerdote (BRIGHT, 2003, p. 500). As
interferncias de Antoco na comunidade dos judeus provocaram grande revolta, culminando
8 GUNDRY faz uma clara dissertao das tentativas selucidas para conquistar a Palestina, quer por
invaso quer por alianas matrimoniais; porm, todas resultaram em fracasso at que Antoco III
derrotou o Egito em 198 a.C. Aps a conquista da Palestina por Antoco, entre os judeus surgiram
duas faces: A Casa de Onias (que apoiava o Egito) e a Casa de Tobias (que apoiava a Sria).
-
22
com o episdio em que o rei mandou saquear o Templo (Mc 1:17-24; 2Mc 5:15-21), em 169
a.C, ao retornar de uma invaso ao Egito tudo planejado de comum acordo com o sumo
sacerdote Menelau. Posteriormente, Antoco IV publicaria um edito anulando a concesso
feita por seu pai (Antoco III) aos judeus, e que lhes autorizava a prtica livre de sua religio.
Havia motivos, portanto, para que os judeus enxergassem a cultura helenista como
uma ameaa f monotesta de Israel (GONZLEZ, 1989, p. 16). O grande pice da luta dos
judeus contra a presena dos gregos (helenistas) ocorreu na poca dos Macabeus. O sumo
sacerdote Matias, posteriormente seguido por seus trs filhos, revoltou-se contra Antoco
Epifnio, que tentara perverter a religio dos judeus, finalmente conquistando a liberdade
judaica, ao menos momentaneamente.
Com a ascenso do Imprio Romano, permitindo aos judeus processarem seus
prprios credos, a tenso diminuiu; contudo, o dio dos judeus contra os romanos tambm foi
intenso, culminando com a revolta armada do ano 70 d.C, quando Tito destruiu a cidade
completamente. Desse modo, em meio s lutas e tenses ento existentes, o judasmo ia
tomando sua forma legalista.
Ao tratar do propsito do QE, Robinson (1962, p. 107-110) alerta que atentar para o
destino e propsito do QE pode ampliar a viso do contexto em que vivia aquela comunidade,
e at mesmo abrir novos horizontes para o estudo literrio desse evangelho. De fato, Robinson
est correto em sua viso, mas vale lembrar que seu argumento pode ser visto como uma via
de mo dupla, pois, se o QE pode ampliar a viso do contexto histrico, da mesma forma o
contexto histrico pode ampliar a viso no estudo dos temas contidos no QE.
Como j dito acima, a presena poltica de Roma na Palestina existia desde 63 a.C,
quando Pompeu ocupou a regio. Esse status quo alterou no somente a poltica, mas tambm
o mundo social judaico de forma decisiva. Naturalmente, o surgimento do cristianismo
enfrentou as marcas dessa ocupao (MGUEZ, 1995, p. 303). O autor segue afirmando que
no pode ser ignorada a influncia do ambiente, que pode mostrar ou levar a entender
algumas posies dentro do cristianismo e, por conseguinte, a posio que o autor do QE
exprime frente tal ocupao (p. 308).
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23
1.3.1 A pluralidade do judasmo no sculo I
Flvio Josfo (2004, p. 826-7), grande historiador judeu do sculo I, descreveu a
pluralidade de grupos judaicos de seu tempo caracterizando os essnios como um grupo
sediado em Qunram, incluindo os fariseus, os saduceus e um grupo revolucionrio a quarta
filosofia. Alm dos citados, Josfo tambm se referia a outros grupos menores classificados
como bandidos, mas que alegavam ser heris populares.
Scardelai (2008a, p. 115) afirma que, no perodo que se seguiu revolta macabaica
(165 a.C) e s fases inicial e intermediria da ocupao romana (65 a.C - 73 d.C), a terra de
Israel foi abalada por intensa fermentao religiosa, propiciando novas formulaes de
crenas, dissidncias e padres de organizao (p. 115). Nos dias referentes a Jesus, a religio
judaica contava com quatro frentes principais, grupos que defendiam seus pontos de vista
dentro do judasmo: (1) os fariseus, que contavam com o apoio do povo; (2) os saduceus, que
representavam a aristocracia israelita e comandavam o Templo; (3) os zelotes, que se
opunham rigorosamente ao domnio estrangeiro; e (4) os essnios, que se apartavam do
contato com os gentios e a sociedade a fim de manter a pureza.
A situao do judasmo no primeiro sculo d.C. foi muito bem descrita por Mesters e
Orofino (1995, p. 43): O que mais impressiona e chama a ateno nestes primeiros quarenta
anos de histria das comunidades crists a diversidade de grupos, movimentos, tendncias e
doutrinas.
Parte dessa diversidade herana do judasmo: Fariseus (At 15:5), Proslitos (At
13:43), Tementes a Deus (At 10:1, 18:7 e 22:8), Samaritanos (At 8:5-6, Jo 4:39-40),
movimentos messinicos (Mt 24:4,5, 23,24) e os falsos irmos (Gl 2:4, 2 Cor 11:26). Outros
grupos possivelmente existiram, mas so desconhecidos para ns (SCARDELAI, 2008a, p.
115-129)9. Outra parte dessa diversidade deriva da origem diversificada das pessoas e lugares:
algumas eram comunidades fundadas por Jesus na Galileia, outras por Paulo, outras por
Apolo, outras por Pedro (I Cor 1:12), outras ligadas a Joo, a Tiago (AT 12;9, 21:18, Gl 1:19,
2:9) e aos irmos de Jesus (Mc 3:31-35). A pluralidade religiosa da poca tambm foi fruto da
insero do mundo helenista e da assimilao da cultura na vida das comunidades os
9 SCARDELAI expe os quatro principais grupos religiosos do sculo como essnios, fariseus, saduceus, e o
quarto grupo como os revoltosos.
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24
Nicolatas (Ap 2:6) e os Gnsticos (Col 2:16-19). No fcil reconstruir o iderio de todos
esses movimentos e grupos, pois alguns so aceitos com naturalidade, outros condenados
como herticos (MESTERS e OROFINO, 1995, p. 34-44).
Dentro do texto bblico, o leitor mais atento facilmente nota a pluralidade do judasmo
no primeiro sculo. Packer, Tenner e White (1991, p. 80-9) afirmam que no tempo de Jesus
trs principais faces representavam o judasmo: os fariseus, os saduceus e os essnios.
Ainda no tempo da revolta dos Macabeus, os fariseus surgiram a partir dos hassidim10
,
na poca considerados mestres das tradies orais dos rabis. Os hassidim formavam um
partido de grande influncia dentro da comunidade judaica; supe-se, tambm, que seus
membros eram artfices e mercadores da classe mdia. Flvio Josfo (2004, p. 827) relata um
pouco dessa influncia farisaica ao afirmar que quando o povo judeu enfrentava uma
importante deciso, eles se apoiavam na opinio dos fariseus, de preferncia a opinio do
sumo sacerdote. Josfo estima que cerca de seis mil fariseus viviam na Palestina na primeira
metade do sculo I.
No que se refere s crenas, os fariseus acreditavam que os justos viveriam aps a
morte (Atos 23:8) e os maus receberiam o castigo eterno. Embora Packer et al. (1991, p. 90)
afirmem que enquanto os ensinamentos de Jesus em relao ao sbado, comida e ao respeito
pelos mais velhos concordavam com os ensinos dos fariseus, os evangelhos cannicos
apresentam evidncias de que essa concordncia era parcial, pois Jesus fora acusado pelos
fariseus de transgredir o sbado, por no guard-lo da forma como eles requeriam (Joo 8:5-6
e 5:16) (texto bblico). Alm disso, em Mateus 23 Jesus tambm censurou muitos
ensinamentos dos fariseus.
J os saduceus surgiram logo aps a expulso dos srios da Palestina pelos Macabeus
(PACKER et al., 1991, p. 90), mas alguns intelectuais judaicos continuaram a disseminar a
influncia helenista entre os judeus da surgiu a seita dos saduceus. possvel que o
10
Hassidim o termo hebraico para santos (PACKER et al., 1991, p. 87). Segundo Harris (1998), o termo
hasd significa aquele que piedoso ou santo. O termo pharisaios (Farisai/oj) proveniente de uma palavra aramaica peras (encontrada em Dn 5:28), significando separar, devido a um diferente modo de vida em relao ao pblico geral... os progenitores do partido fariseus eram os hassideus, proveniente da palavra chassidim, ou seja, os piedosos, e eram uma sociedade de homens zelosos da religio que agiam sob a direo dos escribas (Dicionrio VINI, 2002, p. 643).
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25
significado de saduceu derive da palavra hebraica saddig, que significa justo, ou do
nome zadoque, uma vez que o comando do Templo estava a cargo dos saduceus. Packer et al.
(1991, p. 90) afirmam que os saduceus rejeitavam a tradio dos rabis e se firmaram na Lei de
Moiss, condenando qualquer ensino que no se baseasse nessa Lei.
No que tange aos ensinamentos, os saduceus combatiam os fariseus por verem nos
ensinos farisaicos as filosofias persa e assria, e achavam que os fariseus eram traidores da
tradio judaica (Packer et al. (1991); ademais, rejeitavam a crena dos anjos, dos demnios e
da ressurreio (Mt 22:23-32, Atos 23:8). As crenas dos saduceus quanto morte eram
muito semelhantes aos ensinamentos de Epicuro, que sustentava que a morte da alma ocorria
juntamente com a morte do corpo (Packer et al., 1991, p. 90).
Assim como os fariseus, que surgiram dos hassidim, os essnios eram considerados
como os radicais dentre os justos. Os essnios viam-se como os depositrios de misteriosas
verdades que governariam a vida de Israel quando o Messias chegasse. Segundo Josfo (2004,
p. 827), a comunidade essnia, que chegava a quatro mil membros, vivia em regies do
deserto e em nmero menor nas imediaes de Jerusalm; eram exmios escribas e foram
os responsveis pelos escritos do Mar Morto.
Alm dos trs grupos principais citados por Packer et al. (1991), os autores
acrescentam um quarto grupo, os zelotes, que ambicionavam restaurar seu prprio governo
em Israel, libertando a nao do jugo inimigo. Seu lder mais conhecido foi Judas, o Galileu
(At 5:37). Quando Augusto convocou a populao para o recenseamento (Lc 2:1), foi Judas
quem liderou uma revolta contra os romanos, porm sem sucesso (p. 94). Os zelotes tambm
ficaram conhecidos como sicrios11
porque, durante o tempo em que Flix foi procurador da
Judeia, enfrentaram o exrcito romano na guerra de 66-70 d.C, refugiando-se em Massada.
Outro grupo existente no sculo I eram os herodianos, um grupo poltico formado por
judeus de diversas seitas e que como o nome sugere apoiavam a dinastia de Herodes, o
Grande. Preferiam viver sob o jugo de Herodes, ainda que opressivo, a se sujeitar s opresses
11
O termo sicrios significa gente de adaga, pois eles circulavam entre as multides em grandes festas e
matavam desprevenidamente os simpatizantes dos romanos, utilizando-se de adagas que carregavam ocultas por
entre as roupas.
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26
romanas (PACKER et al., 1991, p. 98-9). Embora o Novo Testamento no se refira s crenas
dos herodianos, eles so citados por trs vezes na Bblia (Mt 22:16, Mc 3:6, 12:13).
Os samaritanos tambm representavam um grupo de destaque, embora fossem
rejeitados pelos judeus por descenderem de um grupo misto de israelitas e assrios; adoravam
a Deus no Monte Gerezim, onde tinham um Templo. No livro de Eclesistico eles so
chamados de o povo estpido que habita em Siqum (Ecl 50:25-26). Packer et al. (1991, p.
98) sustentam que Jesus rejeitou os samaritanos; porm, como ser analisado na terceira seo
desta dissertao, o QE se esfora para aproximar Jesus dos samaritanos.
O judasmo do sculo I demonstrou ser uma religio bastante sectria. De acordo com
Packer et al. (1991), essa pluralidade judaica tornou sinuoso o caminho reto e estreito que o
Antigo Testamento estabelecera (p. 99). Os autores sugerem que, nessa pluralidade, dentro do
judasmo havia muitos elementos msticos, uma herana vinda do exlio. Segundo eles,
alguns judeus protegiam a f envolvendo-a na astrologia e no ocultismo. Como exemplo,
citam msticos judeus que compilaram as crenas pags em grupos de escritos
deuterocannicos e pseudoepgrafos, como fez Tobias ao promover a astrologia e o
zoroastrismo, oriundos da Prsia (p. 81-2).
Alm de revelarem as diversas vises correntes na comunidade judaica, estes tipos de
judasmo nos levam ao seguinte questionamento: por que uma religio to plural rejeitaria o
cristianismo, principalmente no contexto da comunidade joanina, se ele poderia ser
considerado apenas como mais um sectarismo judeu? A resposta para tal indagao exige que
avancemos nesta pesquisa, buscando encontrar elementos dentro do QE que indiquem o
porqu da perseguio e da rejeio ao cristianismo por parte dos lderes judaicos em uma
religio to pluralista.
1.3.2 A pluralidade do cristianismo no sculo I
No seu incio, o cristianismo no era to diferente do mundo que o cercava. Em sua
obra sobre o Quarto Evangelho, Veloso (1984) faz uma explanao que pode contribuir
significativamente para os objetivos deste trabalho. De maneira bastante ampla, ele expe as
questes de debate em torno do QE e afirma que o propsito e os destinatrios desse
evangelho esto diretamente relacionados (p. 7). O autor considera que o QE foi escrito com
os seguintes propsitos apologticos:
-
27
1- Contra os discpulos de Joo: a existncia dos discpulos de Joo Batista pode ter
chegado ao ano 300, ocasionando grande confuso com os cristos na Palestina e na Sria, e o
mesmo pode ter ocorrido na sia Menor (p. 7). Em Atos 19:1-7 surge uma meno aos
seguidores de Joo Batista. Com base em As homilias pseudoclementinas, Veloso mostra
que a rivalidade entre os cristos e os discpulos de Batista girava em torno da pessoa do
Messias, que para o primeiro grupo era Jesus e para o segundo era o prprio Joo. Neste ponto
o autor concorda com Brown (1966, p. XVIII) no sentido de que as aparies de Joo Batista
no QE foram feitas com a inteno de combater um conflito existente entre os seguidores de
ambos (p. 8);
2- Contra os cristos herticos: a hiptese de que o QE teria sido escrito para refutar
ideias de cristos hereges presentes na comunidade no encontra apoio dentro do prprio
evangelho. Segundo Veloso, fala pouco contra as ideias de Cerinto e mesmo que apaream
refutaes aos ebionitas ou aos gnsticos, no so suficientes para justificar a tese de que esta
era a principal preocupao de Joo (p. 8);
3- Contra os judeus: necessrio admitir uma crtica do evangelho contra a posio
religiosa do judasmo; no entanto, Veloso lembra que, no QE, nenhuma hiptese deve ser
considerada de maneira independente das demais.
Em sua referenciada obra A Comunidade do Discpulo Amado (2000), Raymond
Brown ressalta a pluralidade dos grupos que diziam acreditar em Jesus, afirmando que o
autor do quarto evangelho escreve sobre um grupo que dizia acreditar em Jesus, mas que no
eram verdadeiros crentes (p. 74). De fato, o QE reflete o pensamento desse grupo de judeus
em Joo 8:31: Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam acreditado nele: se vs
permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discpulos. Brown (p. 74-92)
tambm sugere um outro grupo12
revelado no texto de Joo 14: 9, pelo qual Felipe, apesar de
ter permanecido junto a Jesus durante longo tempo, ainda no O conhecia, representando
assim um grupo de cristos que no tinham uma compreenso correta sobre Ele. O autor
aponta, ainda, para um terceiro grupo em Joo 12:41-42, onde se l: Contudo muitos dentre
as autoridades creram nele, contudo no o confessavam para no serem expulsos da sinagoga.
Porque amaram mais a glria dos homens que a glria de Deus. Em vista disso, Brown
12
importante destacar que BROWN (2000) reconhece a existncia de seis grupos em volta da comunidade
joanina: os trs primeiros grupos so os chamados de no crentes: o mundo, os judeus e os adeptos de Joo
Batista (p. 64-73).
-
28
declara terem existido trs grupos de cristos no primeiro sculo, fora dos crculos joaninos,
que ele denomina como (1) criptocristos, (2) cristos judeus de f inadequada e (3) cristos
das igrejas apostlicas.
O primeiro grupo os criptocristos corresponde a um grupo de judeus que se sentia
atrado pela mensagem de Jesus como Messias; embora cressem nEle como o Messias, no o
confessavam ou seguiam publicamente13
, isto devido ao medo dos judeus. Em 8:31 e 12:42-
43, o QE declara que este grupo temia ser expulso da sinagoga. Brown (2000) sugere que
estes judeus, embora vissem Jesus como o Messias, no o confessavam publicamente o que,
na realidade, indicava que no criam nEle verdadeiramente. De acordo com o autor, fizeram
a opo de serem conhecidos como discpulos de Moiss e no como discpulos de algum
que no sabiam de onde (Jo 9:28).
J os cristos judeus de f inadequada representam aqueles que publicamente seguiam
Jesus, embora de acordo com Joo 6:60-66 no tivessem uma compreenso clara de quem
Ele era. Pensavam, porm, que era um tipo de Messias rei-blico e no o filho de Deus.
Faziam parte deste grupo os doze discpulos (Jo 6:67), o que revela que mesmo estes no
tinham o verdadeiro entendimento de quem era Ele (6:50-52).
O terceiro grupo classificado por Brown (2000, p. 84-92) como os cristos das
igrejas apostlicas, apresentados em Joo 6:60-69. Este grupo tem Pedro como seu porta-voz
em 6:68, em que ele declara sua crena no Messias para a seguir neg-lo em Joo 18:25-27.
Este mesmo grupo abandona o Messias em 16:31, sendo que dele faz parte Felipe, que
como dito acima depois de longo tempo andando com Jesus, ainda no O conhecia (Jo
14:9).
Paulo Garcia (2008) afirma que o judasmo do primeiro sculo estava cercado de um
grande nmero de movimentos e que de fato entender essa pluralidade judaica no incio do
sculo I um primeiro limite para entender os conflitos que cercavam o ministrio de Jesus e
de seus seguidores. Obviamente, pode-se depreender que, se esses grupos tanto judaicos
quanto cristos comearam a se destacar perante tantos outros grupos, foram os seus
13
BROWN evita classificar Nicodemos como um criptocristo. Para ele, Nicodemos ilustra uma classe de
pessoas que no entenderam totalmente quem era Jesus, mas sua compreenso foi aumentando gradualmente at
O reconhecerem publicamente.
-
29
ensinamentos diante dos conflitos entre grupos religiosos que geraram uma diversidade de
movimentos e interpretaes. Para Garcia, o principal foco de posicionamento desses grupos
girava em torno da lei e do Templo (p. 91-7).
Se a pluralidade religiosa existente na Palestina durante o primeiro sculo era centrada
em torno do Templo e da lei, como afirma Garcia, o ensaio de Scardelai (2008b) amplia essa
tenso do Templo, ou mais propriamente as transformaes que ocorriam por ocasio do fim
do segundo Templo em torno da crena do Messiasrei e do Messias Sofredor14
.
O fato que a viso plural do surgimento do cristianismo ajuda-nos a entender um
pouco mais sobre o conflito existente dentro da comunidade. Richards (1995, p. 8) lembra que
muitos tm uma falsa imagem do cristianismo como movimento nico, com uma s estrutura
e corpo doutrinrio, acreditando que a pluralidade crist veio a existir depois da sua afirmao
como religio. Ao contrrio, desde o seu incio o cristianismo seguiu vrias tendncias e
diversos modelos eclesiolgicos. O autor alerta para uma viso errnea das fontes apcrifas
como posteriores e herticas (p. 8), ao passo que muitas literaturas apcrifas so to
antigas como os cannicos e contm informaes autnticas e verdadeiras sobre as origens do
cristianismo. Se Richards revela-se um pouco exagerado em sua posio sobre a antiguidade
dos apcrifos, isto discutvel; mas certamente os evangelhos apcrifos mostram uma viso
crist diversificada nos sculos II, III e IV, que provavelmente refletia um cristianismo plural
que surgiu ainda no sculo I d.C.
1.4 Concluso Parcial
Embora o texto do QE seja considerado como o mais importante para a anlise do
conceito messinico no livro, no se pode ignorar o ambiente cultural em que essa obra foi
produzida, ou seja, o contexto sociopoltico e religioso da Palestina no sculo I d.C. Em vista
disso, a presente anlise pretende lanar fundamentos e auxiliar no entendimento das muitas
declaraes do autor do QE, bem como na compreenso das citaes que abordam o Imprio
Romano, os judeus, os lderes judaicos, o Messias e a pluralidade religiosa existente naquele
sculo.
14
Textos do AT, como Isaas 53, apontam para um Messias servo sofredor, ao contrrio da expectativa de um rei
blico. Para melhor anlise dos dois conceitos messinicos, ver SCARDELAI (2008b, p. 9-21).
-
30
As informaes contidas no QE e mesmo em outras partes do Novo Testamento como,
por exemplo, o livro de Atos, indicam que seria uma simplificao falar de judasmo e
cristianismo como movimentos religiosos concntricos e nicos; ao contrrio, a histria
contada e as evidncias presentes no texto bblico revelam ser mais apropriado falar em
judasmos e cristianismos15
. Tal pluralidade refora a tese de que o autor do QE lidava mais
com os problemas internos da comunidade, pois os problemas externos possivelmente
apresentavam um menor nmero de problemas. Tais conflitos baseavam-se principalmente na
postura dos grupos que tentavam firmar sua identidade e crena em torno do Templo, da Lei e
do Messias.....................................................................................................................................
15
A expresso judasmos e cristianismos utilizada por MGUEZ (1995, p. 23-33).
-
2 ANLISE EXEGTICA: ASPECTOS ESTRUTURAIS DA PASSAGEM
2.1 O Texto Grego
1 Kai. meta. tau/ta periepa,tei o` VIhsou/j evn th/| Galilai,a|\ ouv ga.r h;qelen evn th/|
VIoudai,a| peripatei/n( o[ti evzh,toun auvto.n oi` VIoudai/oi avpoktei/nai
2 +Hn de. evggu.j h` e`orth. tw/n VIoudai,wn h` Skhnophgi,a
3 ei=pon ou=n pro.j auvto.n oi` avdelfoi. auvtou/\ meta,bhqi evnteu/qen kai. u[page eivj th.n
VIoudai,an( i[na kai. oi` maqhtai, sou qewrh,sousin sou/ ta. e;rga a] poiei/j\
4 -
ouvdei.j ga,r ti evn kruptw/| poiei/ kai. zhtei/ auvto.j evn parrhsi,a| ei=nai eiv tau/ta
poiei/j( fane,rwson seauto.n tw/| ko,smw|
5 ouvde. ga.r oi` avdelfoi. auvtou/ evpi,steuon eivj auvto,n
6 le,gei ou=n auvtoi/j o` VIhsou/j\ o` kairo.j o` evmo.j ou;pw pa,restin( o` de. kairo.j o`
u`me,teroj pa,ntote, evstin e[toimoj
7 ouv du,natai o` ko,smoj misei/n u`ma/j( evme. de. misei/( o[ti evgw. marturw/ peri. auvtou/
o[ti ta. e;rga auvtou/ ponhra, evstin
8 u`mei/j avna,bhte eivj th.n e`orth,n\ evgw. ouvk avnabai,nw eivj th.n e`orth.n tau,thn( o[ti o`
evmo.j kairo.j ou;pw peplh,rwtai
9 tau/ta de. eivpw.n auvto.j e;meinen evn th/| Galilai,a|
10 ~Wj de. avne,bhsan oi` avdelfoi. auvtou/ eivj th.n e`orth,n( to,te kai. auvto.j avne,bh ouv
fanerw/j avlla. w`j evn kruptw/|
11 oi` ou=n VIoudai/oi evzh,toun auvto.n evn th/| e`orth/| kai. e;legon\ pou/ evstin evkei/noj
12 kai. goggusmo.j peri. auvtou/ h=n polu.j evn toi/j o;cloij\ oi` me.n e;legon o[ti avgaqo,j
evstin( a;lloi de. e;legon\ ou;( avlla. plana/| to.n o;clon
13 ouvdei.j me,ntoi parrhsi,a| evla,lei peri. auvtou/ dia. to.n fo,bon tw/n VIoudai,wn
14 :Hdh de. th/j e`orth/j mesou,shj avne,bh VIhsou/j eivj to. i`ero.n kai. evdi,dasken
-
32
15 evqau,mazon ou=n oi` VIoudai/oi le,gontej\ pw/j ou-toj gra,mmata oi=den mh.
memaqhkw,j
16 avpekri,qh ou=n auvtoi/j o` VIhsou/j kai. ei=pen h` evmh. didach. ouvk e;stin evmh. avlla.
tou/ pe,myanto,j me\
17 eva,n tij qe,lh| to. qe,lhma auvtou/ poiei/n( gnw,setai peri. th/j didach/j po,teron evk tou/
qeou/ evstin h' evgw. avpV evmautou/ lalw/
18 o` avfV e`autou/ lalw/n th.n do,xan th.n ivdi,an zhtei/\ o` de. zhtw/n th.n do,xan tou/
pe,myantoj auvto.n ou-toj avlhqh,j evstin kai. avdiki,a evn auvtw/| ouvk e;stin
19 Ouv Mwu?sh/j de,dwken u`mi/n to.n no,mon kai. ouvdei.j evx u`mw/n poiei/ to.n
no,mon ti, me zhtei/te avpoktei/nai
20 avpekri,qh o` o;cloj\ daimo,nion e;ceij\ ti,j se zhtei/ avpoktei/nai
21 avpekri,qh VIhsou/j kai. ei=pen auvtoi/j\ e]n e;rgon evpoi,hsa kai. pa,ntej qauma,zete
22 dia. tou/to Mwu?sh/j de,dwken u`mi/n th.n peritomh,n& ouvc o[ti evk tou/ Mwu?se,wj
evsti.n avllV evk tw/n pate,rwn& kai. evn sabba,tw| perite,mnete a;nqrwpon
23 eiv peritomh.n lamba,nei a;nqrwpoj evn sabba,tw| i[na mh. luqh/| o` no,moj Mwu?se,wj(
evmoi. cola/te o[ti o[lon a;nqrwpon u`gih/ evpoi,hsa evn sabba,tw|
24 mh. kri,nete katV o;yin( avlla. th.n dikai,an kri,sin kri,nete
25 :Elegon ou=n tinej evk tw/n ~Ierosolumitw/n\ ouvc ou-to,j evstin o]n zhtou/sin
avpoktei/nai
26 kai. i;de parrhsi,a| lalei/ kai. ouvde.n auvtw/| le,gousin mh,pote avlhqw/j e;gnwsan oi`
a;rcontej o[ti ou-to,j evstin o` cristo,j
27 avlla. tou/ton oi;damen po,qen evsti,n\ o` de. cristo.j o[tan e;rchtai ouvdei.j ginw,skei
po,qen evsti,n
28 e;kraxen ou=n evn tw/| i`erw/| dida,skwn o` VIhsou/j kai. le,gwn\ kavme. oi;date kai. oi;date
po,qen eivmi,\ kai. avpV evmautou/ ouvk evlh,luqa( avllV e;stin avlhqino.j o` pe,myaj me( o]n
u`mei/j ouvk oi;date\
29 evgw. oi=da auvto,n( o[ti parV auvtou/ eivmi kavkei/no,j me avpe,steilen
30 VEzh,toun ou=n auvto.n pia,sai( kai. ouvdei.j evpe,balen evpV auvto.n th.n cei/ra( o[ti
ou;pw evlhlu,qei h` w[ra auvtou/
-
33
31 VEk tou/ o;clou de. polloi. evpi,steusan eivj auvto.n kai. e;legon\ o` cristo.j o[tan e;lqh| mh.
plei,ona shmei/a poih,sei w-n ou-toj evpoi,hsen
-
33
32 h;kousan oi` Farisai/oi tou/ o;clou goggu,zontoj peri. auvtou/ tau/ta( kai. avpe,steilan oi`
avrcierei/j kai. oi` Farisai/oi u`phre,taj i[na pia,swsin auvto,n
33 ei=pen ou=n o` VIhsou/j\ e;ti cro,non mikro.n meqV u`mw/n eivmi kai. u`pa,gw pro.j to.n
pe,myanta, me
34 zhth,sete, me kai. ouvc eu`rh,sete, me( kai. o[pou eivmi. evgw. u`mei/j ouv du,nasqe
evlqei/n
35 ei=pon ou=n oi` VIoudai/oi pro.j e`autou,j\ pou/ ou-toj me,llei poreu,esqai o[ti h`mei/j ouvc
eu`rh,somen auvto,n mh. eivj th.n diaspora.n tw/n ~Ellh,nwn me,llei poreu,esqai kai.
dida,skein tou.j {Ellhnaj
36 ti,j evstin o` lo,goj ou-toj o]n ei=pen\ zhth,sete, me kai. ouvc eu`rh,sete, me( kai. o[pou
eivmi. evgw. u`mei/j ouv du,nasqe evlqei/n
37 VEn de. th/| evsca,th| h`me,ra| th/| mega,lh| th/j e`orth/j ei`sth,kei o` VIhsou/j kai. e;kraxen
le,gwn\ eva,n tij diya/| evrce,sqw pro,j me kai. pine,tw
38 o` pisteu,wn eivj evme,( kaqw.j ei=pen h` grafh,( potamoi. evk th/j koili,aj auvtou/
r`eu,sousin u[datoj zw/ntoj
39 tou/to de. ei=pen peri. tou/ pneu,matoj o] e;mellon lamba,nein oi` pisteu,santej eivj auvto,n\
ou;pw ga.r h=n pneu/ma( o[ti VIhsou/j ouvde,pw evdoxa,sqh
40 VEk tou/ o;clou ou=n avkou,santej tw/n lo,gwn tou,twn e;legon\ ou-to,j evstin avlhqw/j o`
profh,thj\
41 a;lloi e;legon\ ou-to,j evstin o` cristo,j( oi` de. e;legon\ mh. ga.r evk th/j Galilai,aj o` cristo.j
e;rcetai
42 ouvc h` grafh. ei=pen o[ti evk tou/ spe,rmatoj Daui.d kai. avpo. Bhqle,em th/j kw,mhj o[pou
h=n Daui.d e;rcetai o` cristo,j
43 sci,sma ou=n evge,neto evn tw/| o;clw| diV auvto,n\
44 tine.j de. h;qelon evx auvtw/n pia,sai auvto,n( avllV ouvdei.j evpe,balen evpV auvto.n ta.j
cei/raj
45 +Hlqon ou=n oi` u`phre,tai pro.j tou.j avrcierei/j kai. Farisai,ouj( kai. ei=pon auvtoi/j
evkei/noi\ dia. ti, ouvk hvga,gete auvto,n
46 avpekri,qhsan oi` u`phre,tai\ ouvde,pote evla,lhsen ou[twj a;nqrwpoj
-
34
47 avpekri,qhsan ou=n auvtoi/j oi` Farisai/oi\ mh. kai. u`mei/j pepla,nhsqe
48 mh, tij evk tw/n avrco,ntwn evpi,steusen eivj auvto.n h' evk tw/n Farisai,wn
-
34
49 avlla. o` o;cloj ou-toj o` mh. ginw,skwn to.n no,mon evpa,ratoi, eivsin
50 le,gei Niko,dhmoj pro.j auvtou,j( o` evlqw.n pro.j auvto.n to. pro,teron( ei-j w'n evx
auvtw/n\
51 mh. o` no,moj h`mw/n kri,nei to.n a;nqrwpon eva.n mh. avkou,sh| prw/ton parV auvtou/
kai. gnw/| ti, poiei/
52 avpekri,qhsan kai. ei=pan auvtw/|\ mh. kai. su. evk th/j Galilai,aj ei= evrau,nhson kai. i;de
o[ti evk th/j Galilai,aj profh,thj ouvk evgei,retai
53 kai. evporeu,qhsan e[kastoj eivj to.n oi=kon auvtou/(
2.2 Traduo da Percope
1 E Depois destas coisas, Jesus andava pela Galilia, porque no desejava percorrer a Judia,
porque os judeus procuravam mat-lo.
2 Estava prxima a festa dos judeus, a dos tabernculos.
3 Disseram, pois, seus irmos a ele: sai daqui e vai para a Judia para que tambm os teus
discpulos vejam as obras que tu fazes.
4 Ningum, pois, h que procure ser conhecido em pblico e, contudo, realize os seus feitos
em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo.
5 Pois nem mesmo os seus irmos acreditavam nele.
6 Disse-lhes, pois, Jesus: O meu tempo ainda no chegado, mas o vosso sempre est
presente.
7 O Mundo no pode odiar a vocs, mas, a mim odeia, porque eu testemunho concernente a
ele que as obras dele so ms.
8 Subi vs para a festa, eu no subo para a festa porque o meu tempo ainda no est
cumprido.
9 Tendo dito estas coisas, ele permaneceu na Galilia.
10 Mas quando subiram os irmos dele para a festa, ento ele subiu no publicamente, mas, em
oculto.
11 Os Judeus o procuravam na festa e diziam: Onde est aquele?
-
35
12 E havia muita murmurao a respeito dele entre a multido. Uns diziam: Ele bom. E
outros: No, antes, engana o povo.
13 Ningum, todavia, falava abertamente a respeito dele por causa do medo dos judeus.
14 E j estando no meio da festa, subiu Jesus para o Templo e ensinava.
15 Admiravam-se pois os judeus dizendo: Como este conhece letras no tendo aprendido?
16 Respondeu a eles Jesus e disse, o meu ensino no meu, mas daquele que me enviou.
17 Se algum quiser a vontade dele fazer saber a respeito do meu ensino, se de Deus ou se
eu falo de mim mesmo.
18 O Que fala de si mesmo busca sua prpria glria, mas, o que procura a glria daquele que o
enviou, este verdadeiro e nele no h injustia.
19 No vos deu Moiss a lei? E nenhum de vocs a pratica. Por que a mim procurais matar?
20 Respondeu o povo: tens demnio. Quem procura te matar?
21 Respondeu Jesus e disse a eles: Uma s obra fiz e todos vos admirais?
22 Por isso Moiss vos deu a circunciso (no que seja de Moiss, mas dos patriarcas) no
sbado circuncidais um homem.
23 Se um homem recebe a circunciso no sbado, para que a lei de Moiss no seja quebrada,
comigo estais irados porque um homem fiz ficar saudvel no sbado?
24 No julgueis pela aparncia, mas, pelo justo juizo julgai.
25 Diziam, pois, alguns de Jerusalm; No este a quem procuram matar?
26 Ser que verdadeiramente reconhecem os lideres que este o Cristo? Eis que ele fala
abertamente, e nada lhe dizem. Porventura, reconhecem verdadeiramente as autoridades que
este o Cristo?
27 Mas este sabemos de onde , quando vier o Cristo ningum saber de onde ele .
28 Clamou, pois, Jesus no Templo ensinando e dizendo: A mim conhecei e sabeis de onde eu
sou e de mim mesmo no vim; mas verdadeiro o que me enviou, o qual vs no o conheceis.
29 Eu o conheo, porque sou da parte daquele que me enviou.
-
36
30 Procuravam prend-lo, mas, ningum ps a mo sobre, porque ainda no tinha chegado
asua hora.
31 Muitos da multido creram nele e diziam: O Cristo quando vier far maiores sinais do que
este?
32 Ouviram os fariseus a multido murmurando estas coisas a respeito dele enviaram os
sacerdotes e os fariseus, oficiais para o prenderem.
33 Disse, pois, Jesus: Ainda pouco tempo estou com vocs e vou para o que me enviou.
34 Buscareis a mim e no me encontrareis e onde eu estou vs no podeis ir.
35 Disseram pois os judeus a si mesmos: para onde este ir que ns no o encontraremos? Ser
que ir para a dispora dos gregos e os ensinar?
36 Que palavra esta que ele diz? Buscarei a mim e no me achareis e onde eu estou vs no
podeis ir?
37 No ltimo dia da grande festa, Jesus colocou-se em p e clamou dizendo: Se algum estiver
com sede venha a mim e beba.
38 O que cr em mim como diz a escritura, do seu interior fluiro rios de gua viva.
39 E Isto dizia com respeito ao Esprito que iriam receber os que creram nele, pois ainda no
havia o Espirito, porque Jesus ainda no tinha sido glorificado.
40 A multido pois tendo ouvido estas palavras diziam: Este verdadeiramente o profeta.
41 Outros diziam: este o Cristo, e outros diziam: Vir o Cristo da Galilia?
42 No diz a Escritura que da descendncia de Davi e da aldeia de Belm de onde era Davi
que vem o Cristo?
43 Houve, pois, diviso na multido por causa dele.
44 Alguns queriam prend-lo, mas, ningum ps a mo nele.
45 Voltaram, pois, os guardas aos dos principais sacerdotes e fariseus, e estes lhes
perguntaram: Por que no o trouxestes?
46 Responderam os oficiais: Nenhum homem falou como ele.
47 Responderam, pois, os fariseus: tambm no fostes vs enganados?
-
37
48 Ser que algum das autoridades ou dos fariseus acreditou nele?
49 Mas a multido que no conhece a Lei est amaldioada.
50 Disse lhes Nicodemos, o que antes veio a ele, sendo um deles:
51 Ser que a nossa lei julga um homem sem o ouvir primeiro e saber o que ele fez?
52 Responderam e disseram a ele: Tambm no s tu da Galilia? Examina e v que da
Galilia no se levanta profeta.
53 E Cada um foi para sua casa (dele)
2.3 Localizao e Diviso da Percope no QE
2.3.1 Introduo
Como foi demonstrado na primeira seo, o QE foi escrito do ponto de vista de uma
comunidade que lutava por sua identidade em um ambiente altamente pluralista e cheio de
contendas. Obviamente, no meio dessas lutas entre diversas opinies religiosas, o autor do QE
escolheu o texto apresentado como o evangelho de Joo como fonte de argumentos contra os
crticos da sua confisso, fossem eles de fora ou de dentro da comunidade.
Nascimento (2010) pensa que o autor do QE escolheu um conflito especfico entre
muitos outros existentes no contexto da mesma e com arte literria (que chamamos de
estratgia) colocou por escrito (p. 93), acrescentando que, entre os captulos 7 e 8, o autor do
QE reuniu boa parte do que ele tinha a dizer em resposta s objees judaicas contra as
pretenses messinicas sustentadas por Jesus (p. 94). Se assim for, os captulos 7 e 8 do QE
so centrais nas discusses tanto da comunidade quanto na questo em torno da origem deste
Jesus que declara ser o Messias vindo do cu. De fato, considerando todo o contexto do QE,
fica claro que o texto foi produzido com o seguinte objetivo descrito em Joo 21:31: Estes,
porm, foram escritos para que creiais que Jesus o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, tenhais vida em seu nome; ou seja, o objetivo maior e central do autor do QE era
levar seus leitores a adotarem ou a manterem a crena de que Jesus era o Messias, e que essa
crena resultasse em vida eterna.
-
38
2.3.2 Localizao da Percope no QE
Dentre as questes a analisar sobre o captulo 7 do QE esto: ele encontra-se solto no
livro, comeando em 7:1 e terminando em 7:53? Ou forma uma unidade literria junto com o
captulo 8, tendo o captulo 9 como complemento, caracterizando-se, portanto, como uma
estrutura ampla dentro do livro? Poderia o captulo 7 do QE fazer parte de uma estrutura
maior dentro do livro?
O captulo 7 situa-se dentro do bloco denominado a fonte dos sinais (Jo 1:19-12:50),
tambm conhecido como obra de Jesus e conflito com o judasmo (NASCIMENTO, 2010,
p. 94).
Schnackenburg (1980) sustenta que o captulo 7 o retrato de uma luta entre a f e a
incredulidade na caminhada de Jesus at a cruz, mas o autor lembra que olhar o captulo 7
somente sob essa perspectiva pode ser um equvoco, pois ao Evangelista interessa mais a
automanifestao de Jesus e seu eco no mundo (p.196), ou seja, o tema do Messias e sua
origem so o pano de fundo histrico para a discusso presente no captulo 7.
A percope comea em 7:1 com uma clara mudana de ambiente, localizao
geogrfica e personagens, e por estar implcita uma passagem de tempo (dias). Tal mudana
ocorre aps um duro discurso de Jesus aos seus seguidores e o seu abandono por eles (Jo
6:66). Nota-se tambm que a expresso inicial do captulo meta. tau/ta (depois disto) se repete
no incio de outras sees do QE (Jo 5:1 e 6:1), confirmando a mudana de tempo, visto que o
captulo 6 colocara Jesus em Jerusalm na Festa da Pscoa, considerando que a Festa dos
Tabernculos ocorria aproximadamente seis meses depois da Pscoa (BROWN, 1966, p. 306).
Novamente, pode-se observar que os captulos 7 e 8 formam uma s unidade dentro do
QE, que contm a descrio da controvrsia em Jerusalm, com a diviso do material dos
captulos organizada em tpicos.16
O texto comea com Jesus indo para Jerusalm aps uma
discusso com seus irmos (7:1-13); em seguida Ele se envolve em outra discusso durante a
16
Conquanto vrias sugestes de diviso por tpicos sejam sugeridas por diversos autores renomados, a partir da anlise dessa obra o presente trabalho d sua prpria sugesto de tpicos tendo em vista o objetivo proposto.
Para um estudo sobre sugestes de divises por tpicos, ver: BARRETT (1956, p. 254-275); BRUCE (1987, p.
151-182); CARSON (2007, p. 305-359); MURRAY (1987, p. 105); REYNOLDS [1911?], p. 323-342.
-
39
Festa em Jerusalm (Jo 7:14-36), discusso essa que se estende at o ltimo dia da festa (Jo
7:37-52) e culmina em fortes declaraes com respeito origem de Jesus e sua pessoa (Jo
8:12-59). exatamente no meio dessa discusso que surge o texto da mulher adltera, em que
Jesus questionado a pr em prtica seus ensinos e crenas (Jo 7:53- 8:11); porm, 8:12
retoma a discusso do captulo 7 sobre a pessoa de Jesus.
Ambos os captulos 7 e 8 esto permeados por uma srie de breves dilogos. O
leitor atento tambm poder perceber uma linguagem comum aos dois captulos, revelando
uma continuidade da ideia central do discurso, iniciado no captulo 7 e interrompido pelo
relato da adltera17
.
Alguns pontos comuns entre os dois captulos so: o tema da origem e ocultamento do
Messias aparecem em Joo 7:10 e 8:59 (KONINGS, 2000, p. 193). Tambm em Joo 7:29 e
8: 18 surge a questo da origem de Jesus como Messias e a quem ele testifica. Nas passagens
7:33-36 e 8:21-22 Jesus diz que iria se retirar, e para onde iria no poderiam ir; aqui, o centro
do dilogo a partida de Jesus, e que Ele iria para o lugar de onde viera.
O mesmo ocorre em 8:13-15, 42, em comparao a 7:28-29: o testemunho de Jesus era
verdadeiro devido quele que O enviara. Em suma, h elementos de ligao entre 7:1-52 e
8:12-59 que podem indicar que esses textos pertenciam a uma mesma seo. Brown (1966, p.
349) acredita que o evangelista estava descrevendo a mesma cena de duas formas. Bultmann
(1971, p. 105) cr simplesmente que o autor do QE est repetindo por duas vezes o que foi
dito.
Nascimento (2010), em sua esclarecedora tese doutoral, aponta alguns elementos
temticos e textuais de unidade entre os captulos 8 e 9, ligados organicamente pelo tema do
pecado (a`marti,a|) que aparece nos textos de Joo 8:21, 24, 34 e 9:24 e 31. O autor afirma
que dois outros temas aparecem repetidos no bloco de 7 a 10: (1) ci,sma ou=n evge,neto =
houve
17
Para uma maior anlise da Percope da Adltera ver: BARRETT (1956, p. 490); BROWN (1966, p.
332-33); BRUCE (1987, p. 351-2); CARSON (2007, p. 334); METZGER (1994, p. 219-22);
PAROSHI (2007, p. 200).
-
40
dissenso (Jo 7:43 e 10:19), e (2) Daimo,nion e;ceij = demnio tens (Jo 7:20, 8:49, 52 e
10:20). No entanto, Nascimento lembra que apesar desses temas estarem unidos por tempo,
lugares e pessoas envolvidas na discusso, eles diferem porque, nos captulos 7 e 8, se trata
de uma controvrsia com Jesus, enquanto o captulo 9 trata de uma dissenso a propsito de
Jesus (p. 96).
Por sua vez, Martyn (1968) distingue o captulo 9 da unidade dos captulos anteriores,
sob o argumento de que os captulos de 5 a 7 so mais variados e complexos que o captulo 9.
Esse autor separa dois ciclos no bloco 5 a 10, afirmando que o bloco A comea no captulo 5
e o bloco B comea no captulo 9, sendo que cada ciclo comea no sbado e termina com uma
perseguio a Jesus (p. 149-152).
Finalmente, as margens da percope proposta (Jo7:1- 8:59) revelam uma introduo e
uma concluso, ambas tratando do mesmo assunto:
(Jo 7:1b) o[ti evzh,toun auvto.n oi` VIoudai/oi avpoktei/nai / porque os judeus
queriam mat-lo.
(Jo 8:59) +Hran ou=n li,qouj i[na ba,lwsin evpV auvto,n\/ pegaram pedras para atirar
nele.
Em vista disso, o captulo 9 deve ser separado dos captulos 7 e 8, pois embora estes
ltimos pertenam ao bloco maior de 5 a 10 , em seu contexto micro devem ser vistos como
uma unidade separada dos captulos 5 e 6 e dos captulos 9 e 10.
Pode-se perceber, entretanto, que a percope em anlise (Joo 7) est localizada dentro
da unidade de 5 a 10, contendo elementos que ligam esses captulos entre si, com temas
como: a Lei, o Messias, que se fazia igual a Deus (Jo 5: 18, 8:19 e 10:30), a origem desse
Messias (Jo 7:28-29 e 8:16), a ameaa de restries para quem seguisse Jesus (Jo 7:13 e 9:22),
apedrejamento (Jo 8: 59, 10:31), e luz do mundo (Joo 8: 12 e 9:5); portanto, o captulo 7
apresenta, dentro desse bloco maior (5 a 10), o centro da discusso para a comunidade
joanina.
Dodd (1977) sustenta que, neste bloco, os captulos 7 e 8 so centrais, com uma
aparncia de material disparatado. Em suas palavras, o evangelista reuniu nesta percope boa
-
41
parte do que ele tinha a dizer em resposta s objees judaicas contra as pretenses messinicas
sustentadas por Jesus (p. 456). Vidal (1997) lana luz sobre esses conflitos ao sustentar que o
desaparecimento da primeira gerao de cristos e a preocupao de uma gerao que sentia a
necessidade de justificar sua crena atual, e que sofria a expulso do seio do judasmo, marcaram
o incio daquilo que mais tarde se tornaria a beno sobre os hereges (Birkat haminin). A
delicada situao poltica, social e religiosa daquela poca so a chave para hoje se compreender
o tom geral dos escritos joaninos, que j no correspondia renovao das tradies bsicas, mas
significavam a substituio dele (p. 23-4).
2.4 A Diviso da Percope
Embora esta pesquisa reconhea o bloco geral dos captulos 5-10 e a unidade literria de
7 e 8, a delimitao, diviso e estudo da percope ser reservada para os versos que
compreendem de Joo 7:1 a 7:53. A razo para tal delimitao no vasto campo de estudo que a
percope oferece firma-se em uma subdiviso da unidade 7-8 com elemento geogrfico e cada
um foi para sua casa (Jo 7:53).
Dodd (1977, p. 448-9)18
divide o captulo 7 em seis partes:
1. Introduo: Joo 7:1-10;
2. Cena durante a Festa, na ausncia de Jesus: Joo 7:11-13;
3. Primeiro Dilogo: Jesus na Festa; tema: Moiss e Cristo: Joo 7:14-24;
4. Segundo Dilogo: as pretenses messinicas de Jesus. Os interlocutores so
principalmente hierosolimitas, a multido, os fariseus ou judeus. Jesus faz apenas
duas breves intervenes;
5. Terceiro Dilogo: introduzido por um dito oracular de Jesus e continuado pela
multido; tema: as pretenses messinicas de Jesus;
18
DODD faz sua diviso considerando o captulo 8; portanto, ele acrescenta mais trs divises.
-
42
6. Quarto dilogo: o mesmo tema prossegue. Os interlocutores so os sumos-sacerdotes
e os fariseus, seus u`phre,tai (ajudantes, auxiliares) e o senador Nicodemos. Jesus
est fora da cena.
Brown (1966, p. 310-331) sugere a diviso desse captulo com uma introduo e duas
cenas, com suas subdivises:
1. Introduo (Jo 7:1-13): Jesus ir festa?
2. Cena 1 (Jo 7:14-36):
(a) Direito de Jesus de ensinar, a retomada da questo do sbado (14-24);
(b) A origem de Jesus, seu retorno para o Pai (25-36).
3. Cena 2: Jesus no ltimo dia da festa (Jo 7:37-52)
(a) Jesus, a fonte de gua viva (37-39);
(b) Reao s declaraes de Jesus. (40-52).
Barrett (1956, p. 260) divide o mesmo captulo em duas partes: 1. A ida para
Jerusalm; 2. A Controvrsia em Jerusalm. Para esse autor, a discusso no captulo 7 vai
culminar com a seo do captulo 8:12-59, que ele chama de: Quem Jesus?
Outra proposta sugestiva vem de Schnackenburg (1980, p. 195), que divide esse captulo
da seguinte forma:
1. Antes da Festa: Conversao de Jesus com seus irmos incrdulos e a opinio em
Jerusalm (7:1-13);
2. Jesus em Jerusalm no meio da semana da festa (7:14, 25-36);
3. O ltimo dia e o dia pice da Festa (7:37-42).19
Aps anlise das diversas propostas de diviso da percope, a sugesto desta pesquisa no
dista das propostas j expostas por estudiosos do QE, ou seja: a percope deve ser dividida em
19
Muitas sugestes de divises so sugeridas por especialistas da rea. Para uma anlise mais ampla,
alm das obras citadas ver: MARTYN (1968, p. 50); VELOSO (1984, p. 180-192); CARSON (2007, p.
305-337); BRUCE (1987, p. 150-168).
-
43
trs partes: (1) A ida para Jerusalm (7:1-13); (2) A discusso em Jerusalm durante a Festa
(7:14- 36); e (3) O ltimo dia da Festa (7: 37-52).
A percope apresenta algumas caractersticas estilsticas significativas do QE, as quais
muito podem contribuir no s para o estudo do QE como tambm para a pesquisa sobre o
Messias e as discusses que giram em torno deste tema. Brown (2004, p. 459-463) faz uma
excelente condensao das caractersticas literrias do QE, que sero expostas a seguir e
apresentadas dentro da percope em anlise.
1- Formato Potico: este estilo est muito presente no prlogo joanino, e at
mesmo marcado por estrofes. Basta um bom conhecimento do grego e uma breve leitura
para se perceber uma estrutura potica no prlogo do QE :
1 VEn avrch/| h=n o` lo,goj( kai. o` lo,goj h=n pro.j to.n qeo,n( kai. qeo.j h=n o` lo,goj 2 ou-toj h=n evn avrch/| pro.j to.n qeo,n
3 pa,nta diV auvtou/ evge,neto( kai. cwri.j auvtou/ evge,neto ouvde. e[n o] ge,gonen
4 evn auvtw/| zwh. h=n( kai. h` zwh. h=n to. fw/j tw/n avnqrw,pwn\
5 kai. to. fw/j evn th/| skoti,a| fai,nei( kai. h` skoti,a auvto. ouv kate,laben
6 VEge,neto a;nqrwpoj( avpestalme,noj para. qeou/( o;noma auvtw/| VIwa,nnhj\
7 ou-toj h=lqen eivj marturi,an i[na marturh,sh| peri. tou/ fwto,j( i[na pa,ntej
pisteu,swsin diV auvtou/
8 ouvk h=n evkei/noj to. fw/j( avllV i[na marturh,sh| peri. tou/ fwto,j
Brown (2004) salienta, porm, que nos discursos joaninos ocorre o que alguns
chamariam de discurso semipotico, que tem como caracterstica potica no as rimas, nem o
paralelismo, mas sim o ritmo, isto , linhas de extenso aproximada com cada uma delas
constituindo uma orao. O autor ainda ressalta que, embora sua teoria seja questionada, os
discursos joaninos deveriam ser impressos em formato potico;
2- Mal-entendido: Os discursos do QE esto repletos de mal-entendidos: no
captulo 7, Jesus profere verdades que seus ouvintes no compreendem, diz aos seus
ouvintes que ele vem da parte daquele que O enviou e seus ouvintes no entendem, pelo
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menos no incio (Jo 7:28-29); acrescenta que para onde Ele vai seus ouvintes no podem
ir (Jo 7:34-35); tambm promete rios de gua viva e o autor do QE explica que Ele falava
sobre o Esprito que haveria de enviar (Jo 7:38-39);
3- Duplos significados: Brown afirma que os duplos significados levam
algumas vezes a mal-entendidos; em outras, mostram um aspecto multifacetado da
revelao. Para o autor, este estilo literrio revela os nveis temporais da redao do QE
ora o autor fala sobre o contexto histrico de Jesus, ora escreve refletindo a situao da
comunidade do QE;
4- Ironia: este estilo literrio apresenta-se no QE ao colocar, na boca dos
inimigos de Jesus, frases incrdulas, vexatrias quando Jesus falava seus inimigos no
compreendiam. Isto exposto pelo autor do QE como uma forma de mostrar que os
inimigos da comunidade no tinham entendimento das coisas do alto/sagradas (Jo 7:35);
5- Incluses e transies: formas cuidadosas feitas pelo autor, que insere sua
explicao no final de um discurso de Jesus, ou dilogo, seja para fazer ligao com uma
outra seo, seja porque ele conclui o que aconteceu antes ou introduz o que ir acontecer
depois;
6- Parnteses e nota de rodap: notas explicativas que o autor insere,
explicando termos e citaes semticas (Jo 9:7), e mesmo esclarecendo frases de Jesus de
um ponto de vista posterior (Jo 7:39). Estas explicaes, inseridas no texto, refletem uma
tentativa de firmar sua teologia.
2.5 Diviso e breve anlise da Percope
Segundo Lindars (1981, p. 277), o captulo 7 juntamente com o captulo subsequente
configura-se como o mais difcil do QE. Ele contm dilogos que tratam da perspectiva
messinica, da reao de grande parcela da populao da poca em oposio a Jesus, reao essa
que cresce devido sua identidade e origem. Como citado acima, este trabalho analisar o
captulo 7 com a seguinte sugesto de diviso: (1) A ida para Jerusalm (7:1-13); (2) A discusso
em Jerusalm durante a Festa (7:14- 36); e (3) O ltimo dia da Festa (7: 37- 52).
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(1) A ida para Jerusalm (7:1-13): o captulo comea afirmando que Jesus j no
queria andar pela Judia (Jo 7:1b). Barrett (1956, p. 255) diz que a expresso peripatei/n
(andar) usada algumas vezes por Joo simbolicamente significando andar tanto em luz como
em trevas, mas tambm traz o significado de conduzir a vida ou passar um tempo. Exemplo
mais claro pode ser encontrado em Joo 11:54.
J em Joo 7:2 (Estava prxima a Festa dos Tabernculos) do Quarto Evangelho o
versculo se inicia aps uma ruptura de tempo, desde o evento anterior, nos captulos 5 e 6, e
revela um rpido debate entre Jesus e seus irmos, que pedem para que Ele se dirija a Jerusalm
a fim de mostrar suas obras por ocasio da festa. Essa festa compunha-se de uma peregrinao de
oito dias, quando os judeus subiam a Jerusalm para celebrar a colheita das uvas de
setembro/outubro (BROWN, 2004, p. 459-463); tambm era marcada pelos rogos em favor das
chuvas. Como uma procisso diria saa da fonte de Silo e levava gua at o Templo, era a
oportunidade para Jesus dizer que Ele era a fonte da gua e convidar o povo a beber dEle (Jo
7:37-38).
Em Joo 7:3, o QE usa tambm o termo odiar nos lbios de Jesus: ouv du,natai o`
ko,smoj misei/n u`ma/j( (No pode o mundo vos odiar), expresso que tambm aparece em Joo
3:20: pa/j ga.r o` fau/la pra,sswn misei/ to. fw/j (Pois todo aquele que faz o mal odeia a luz),
mostrando que aqueles que no sofriam o dio e perseguio do mundo (ko,smoj) no faziam
parte da luz. Outros textos que trazem o termo (mise,w) no QE refletem um conforto aos que
eram perseguidos na comunidade, como lhes dizendo que os que sofrem a perseguio so os
que pertencem luz ( Jo 15:18, 19, 23, 24, 25, e 17:14).
Barrett (1956, p. 256) tambm sugere que a expresso oi delfoi (os irmos) em 7:3, que
aparece rapidamente em 2:12, se refere aos irmos de Jesus como famlia sangunea. O texto
mostra a incredulidade deles na pessoa de Jesus (Joo 7:5). Explicando melhor, na expresso
fane,rwson seauto.n tw/| ko,smw| (manifesta-te ao mundo) Martyn (1968, p. 57) sugere que seus
irmos falam do mundo sem reconhecerem que eles representavam o mundo incrdulo aqui se
apresenta uma ironia joanina. Este autor sustenta que o captulo 7, juntamente com o captulo 5
forma um drama de dois nveis. O captulo 7 revela os atos de cura de