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  • Direitos tnicos no Brasil e na Colmbia

    Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 6, n. 14, p. 93-123, nov. 2000

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    * Assessor de Koinonia, Doutorando em Antropologia Social.

    DIREITOS TNICOS NO BRASIL E NA COLMBIA: NOTASCOMPARATIVAS SOBRE HIBRIDIZAO, SEGMENTAO

    E MOBILIZAO POLTICA DE NDIOS E NEGROS

    Jos Maurcio Andion ArrutiUniversidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional* Brasil

    Resumo: A Carta Constitucional brasileira de 1988 e a colombiana de 1991,reconheceram pela primeira vez em ambos os casos, um lugar especfico para osdireitos culturais e fundirios de suas comunidades negras. Nesses dois casos, taisinovaes legais e polticas, bastante influenciadas pelo acmulo das lutas indgenas,responderam a mudanas operadas em seus campos polticos, mas tambm produziramnovas mudanas que atingiram tanto novas realidades locais quanto o campoacadmico. Esse texto toma por base anlises etnogrficas de duas situaes, uma emcada um desses pases, em que agrupamentos rurais de negros esto, alm dessaanalogia legal, em relao de segmentao, de hibridao e de transferncia deconhecimentos estratgicos com comunidades indgenas. A partir desses exemplosetnogrficos, proposto um exerccio comparativo cujo objetivo esboar um quadrodos novos problemas analticos e tericos motivados pelos fluxos de cultura, deestratgias sociais e, hoje, de mediadores entre tais agrupamentos tnicos no Brasile na Colmbia.

    Palavras-chave: Brasil, Colmbia, comunidades negras e indgenas, direitosfundirios.

    Abstract: The Brazilian Constitution of 1988 and the colombian of 1991, recognizedfor the first time in both cases, a especific place for its black communities cultural andland rights. In this two cases, such legal and political innovations, strongly influencedby the accumulation of indigenous fights, answered to changes made in their politicalfields, but also produced new changes that reached as much the new local realitys asthe academic field. This text takes as basis ethnographical analysis of two situations,

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    one in each of this countries, where of countryside grouping black people are, beyondthis legal analogy, into segmentation and hybridation relationship as well astransference of strategycal knowledge with indigenous communities. Starting fromthis ethnographical examples, we propose a comparative exercise with the objectiveof drafting a picture of the new analytical and theoretical problems caused by theflow of culture, social strategys and, today, of mediators between such ethnicalgrouping people in Brazil and Colombia.

    Keywords: black and indigenous communities, Brazil, Colombia, land rights.

    Apresentao

    Esse um exerccio exploratrio que no pretende uma comparao sis-temtica, mas uma primeira confrontao de duas situaes sociais emergen-tes. Trataremos da mobilizao dos agrupamentos rurais de negros colombia-nos e brasileiros pela conquista de territrios de uso comum, as fontes legaisdessa mobilizao, sua relao com a mobilizao das comunidades indgenas,assim como das estratgias polticas, administrativas e jurdicas a que os Esta-dos Nacionais em que se localizam lanam mo para lidar com a novidade queessas mobilizaes polticas de carter tnico representam.

    As atuais Cartas Constitucionais colombiana (1991) brasileira (1988) atri-buem, pela primeira vez, um lugar especfico para o reconhecimento dos direi-tos culturais e fundirios de suas comunidades negras. Ainda que a segundatenha sido mais clara, ampla e precisa na atribuio desses direitos, gostaria dedestacar desde j duas caractersticas comuns a ambas. Primeiro, tais inova-es constitucionais no apenas responderam a mudanas operadas naquelescampos polticos nacionais ou mesmo no contexto internacional; elas sobretudocriaram realidades l onde pretendiam apenas reconhec-las, alterando situ-aes de fato no plano local, ao mesmo tempo em que impondo novas questesaos seus ordenamentos jurdicos nacionais e ao campo acadmico. Segundo, aaparente originalidade de tais inovaes frente a um ordenamento jurdico lar-gamente omisso com relao existncia e situao vivida por suas popula-es afrodescendentes, s pode ser compreendida em funo dos acmulosrealizados pela questo indgena, isto , no plano do direito e das polticasindgena e indigenista.

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    O segundo ponto especialmente importante porque, para alm dessaanalogia formal, relativa aos lugares que essas populaes ocupam no imagin-rio, nos processos histricos de dominao e no atual quadro poltico de seusrespectivos pases, podemos observar numerosas e variadas situaes em quepopulaes negras e indgenas vivem uma estreita interao. Tal interao, quetem repercusses sobre seus processos de mobilizao poltica e conquista dedireitos territoriais, faz com que o quadro das questes comparativas amplie-seem direo aos fluxos de cultura, de estratgias sociais e mediadores entreessas comunidades.

    essa mistura e esse trnsito que esse texto pretende explorar. Paraisso, ser apresentado um sumrio histrico da questo em cada pas, tomandocomo ponto de partida suas inovaes legislativas e um extrato de etnografiasrelativas s situaes concretas de contato entre grupos indgenas e negros. Aofinal, apresentamos uma rpida recapitulao dos pontos comparveis, por se-melhana ou contraste, que nos permitiro propor ou repor questes de ordemanaltica.

    Colmbia: o artigo 55 e o novo campo de definies

    A Constituio colombiana de 1991 notabilizou-se pelo fato de ter reco-nhecido, de uma forma praticamente indita, a natureza pluritnica e multiculturalda sua nao, dando um lugar especfico tanto s comunidades indgenas, quantos comunidades negras. Tal reconhecimento veio acompanhado ainda de umanova poltica fundiria, que pode levar ao reconhecimento de quase um quartodo territrio nacional como resguardo indigena (cerca de 2% da populaocolombiana), assim como institui uma nova figura de direito territorial, que be-neficia as comunidades negras rurais (cerca de 10% a 12% da populao).

    Tais inovaes legais, que tinham por objetivo encaminhar o processo depaz interno ao pas, ampliando o quadro de interlocutores da sociedade civilcomo forma de fazer frente guerrilha, foi fortemente influenciado pelas orga-nizaes indgenas que, mobilizadas desde a dcada de 1960, tiveram forterepresentao no processo de elaborao constituinte. Mas o mesmo no sedeu com as ainda frgeis organizaes negras. Apesar de alguns candidatosterem feito campanha sob a bandeira da negritude, a baixa politizao da ques-to no permitiu que qualquer um deles fosse eleito, ficando a representao da

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    1 A exceo era o grupo tnico isleo raizal, um grupo negro de lngua inglesa que ocupa um pequenoarquiplago a oeste da Nicargua, mas que dependente da Colmbia.

    2 O artigo constitucional transitrio no 55 reconhece s comunidades negras que ocupam terras baldiasnas zonas rurais e ribeirinhas dos rios do litoral Pacfico, de acordo com suas prticas tradicionais deproduo, o direito propriedade coletiva sobre as reas que far demarcar a mesma lei.

    causa negra nas mos de um jovem poltico indgena Ember, eleito com votostambm da populao negra do Choc (Wade, 1994,1997).

    Essa fragilidade da representao poltica negra reflete-se no sinuoso per-curso que tais conquistas constitucionais tiveram que percorrer. Durante ostrabalhos preliminares da Assemblia Constituinte, um grupo de militantes eestudiosos da questo negra apresentou Comisso de Igualdade um docu-mento que fazia propostas relativas s populaes indgenas, negras e de ou-tros grupos tnicos. O documento rompia, ento, com a tendncia dominantede s se falar de grupo tnico com relao aos grupos indgenas, atribuindo atodos o mesmo estatuto. Mais adiante, porm, durante os trabalhos efetivos daConstituinte, tal documento foi ignorado no processo de elaborao de um novodocumento, produzido por dois delegados indgenas, que apresentava uma pro-posta relativa apenas aos grupos indgenas, usando o termo outros grupostnicos de forma genrica e indefinida, sem fazer qualquer outra referncia spopulaes negras.1 Apesar dessas dificuldades, uma aliana negro-indgena,apoiada em outros segmentos polticos, permitiu a aprovao do artigo constitu-cional transitrio no. 55, que previa a criao de uma Comisso especial pararedigir o projeto de lei que regulamentaria os direitos territoriais das comunida-des negras rurais da costa do Pacfico.2

    Vindo no sentido de regulamentar esse artigo, a lei 70, de 1993, define ascomunidades negras como o conjunto de famlias de ascendnciaafrocolombiana que possuem uma cultura prpria, compartilham de uma hist-ria e tm suas prprias tradies e costumes dentro da tradio campo-povoa-do e conservam conscincia de identidade que as distingue de outros grupostnicos. Apoiando e regulamentando tais inovaes legais, foram decretadasum srie de normas: sobre o Direito de Propriedade Coletiva (decreto 1745),sobre a criao de um instituto de pesquisas responsvel tambm pela etno-educao (decreto 2249), sobre a representao dessas comunidades negras eindgenas no interior dos organismos governamentais de desenvolvimento (de-creto 2314), assim como sobre a criao de um espao de interlocuo entre

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    essas comunidades e o Estado, pensados enquanto instancias territoriais enacionais (decreto 1371).

    Em todos esses dispositivos legais, porm, os legisladores pressupem aexistncias de formas coletivas de regulao do acesso terra. Pressupos-to que antes de respaldar-se empiricamente, aponta para a importao do mo-delo utilizado pela legislao relativa aos grupos indgenas. Dado o desconheci-mento da realidade dessas comunidades, so as analogias com a experinciaacumulada junto s comunidades indgenas que tm levado formulao de umcorpo normativo: a ausncia dos ttulos individuais de propriedade associada existncia de normas coletivas de uso; tais normas, supostas como comuni-trias, levam a imaginar, por sua vez, a existncia prvia de instancias soci-ais mais ou menos formalizadas e encarregadas de fazerem respeitar taisnormas. Chegando a esse ponto, os legisladores deliberaram pela necessidadede criar os Conselhos Comunitrios, atribuindo-lhes a funo de instncia deorganizao, tomada de deciso e interlocuo com o Estado por parte daspopulaes negras contempladas pela Lei 70 (Hoffmann, 1998). Assim, attulo de adaptar-se para o dilogo com as comunidades negras do pacfico, oEstado colombiano inventa, por meio de uma srie de silogismos que partem deuma duvidosa da analogia com a situao indgena, um determinado tipo deorganizao social e poltica a qual, em realidade, aquelas comunidades deve-ro adaptar-se.

    Tais silogismos, no entanto, no do conta de todas as questes impostaspor esse reordenamento jurdico e, como as formas legais tradicionais que alegislao supe no so descritas nem a Lei 70 nem nos decretos que aregulamentam, tal legislao ao mesmo tempo em que abre um novo campo dedireitos, abre tambm um vazio conceitual e um novo campo de investimentodas cincias sociais: a necessidade de definio imposta por essa nova legisla-o fez com que as tradicionais questes dos antroplogos acerca da diversida-de da organizao social, da normatividade e da transmisso do patrimniomaterial e simblico dos grupos sociais, at ento voltadas apenas aos gruposindgenas, passassem a ser postas tambm com relao s comunidades ne-gras do Pacfico (Camacho, 1999).

    Uma primeira experincia que teve por objetivo cobrir parte do vazio deconhecimento etnolgico sobre as formas locais de regular o acesso terra,que , simultaneamente, um vazio de regras para a tomada de deciso, tem

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    3 Como ficar mais claro adiante, cimarronismo o neologismo hispnico que corresponde aoquilombismo no caso do portugus.

    lugar entre 1995 e 1997. O Projeto de Zoneamento Ecolgico da Regio doPacfico Colombiano, coordenado pelo IGAC, no marco do Programa Ambientalde Manejo dos Recursos Naturais do Ministrio do Meio Ambiente colombianotinha por objetivo promover a participao comunitria e institucional das co-munidades negras e indgenas no processo de zoneamento, na busca de con-senso e instrumentos prticos. Esses objetivos respondiam s necessidadesimpostas por uma outra lei, decorrente daquelas inovaes, a lei 99 de 1993,segundo a qual aquelas comunidades ascendiam ao estatuto de co-formuladorase gestoras dos planos, programas e projetos de desenvolvimento que incidissemem seus territrios, de forma anloga s administraes municipais (Vargas, 1999).

    Tais instncias de tomada de deciso, no entanto, em nome de estaremreconhecendo a legitimidade de estruturas tradicionais, como foi dito, pare-cem estar produzindo novos padres de organizao que vo se impor ao planolocal. Por meio deles, como chama ateno Hoffmann, o Estado colombianoestaria mesmo instituindo, no sentido forte do termo, tais comunidades negras,em grande parte por meio da reproduo de um modelo indgena. Um modeloque se fez dominante por ser aquele que tem orientado as rotinas de represen-tao poltica tanto na atuao da Igreja e dos parlamentares simpatizantes,quanto no mbito da administrao governamental de polticas pblicas especi-ais. A prpria Lei 70 parece conter uma leitura implcita da cultura negra nostermos j estabelecidos para a cultura indgena, quando a define por um certonmero de caractersticas associadas imagem dos guardies da terra: laosde ancestralidade, uma cultura prpria, tradies e costumes, ocupao coleti-va da terra e formas de produo tradicionais (Hoffmann, 1998). Definioque, alis, no se encaixa no tipo de identidade desenhada pela ideologia danegritude que vinha se delineando desde os anos 70 com base no cimaronismoe que exclui boa parte daqueles que adotaram essa bandeira.3

    A emergncia de um movimento negro na Colmbia na dcada de 1960,principalmente por influncia do movimento negro americano e da descolonizaoafricana, no encontrou maior respaldo na populao negra em geral. Umaideologia da negritude de maior penetrao s surgiria nas dcadas seguintes,

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    ligada metfora do cimarronismo e ao surgimento, em 1982, da organiza-o Cimarron, nascida a partir de um grupo de estudos formado por estudan-tes oriundos da regio do Pacfico, mas que ao longo dos anos, mantendo umaestrutura bastante descentralizada, se expandiu na forma de pequenos gruposde estudo por todo o pas. Baseado na simbologia de resistncia do escravofugido e dos palenques (mocambos), o cimarronismo marcou toda uma ge-rao de jovens negros cultos e urbanizados (Wade, 1994, 1997). O Palenquede San Baslio, o maior e mais combativo da Colmbia, existente at hoje e, deforma mais ampla, toda a costa do Pacfico, para onde migrou, durante a se-gunda metade do sculo XIX, a maior parte dos descendentes de escravoslibertos, fugidos (marrons) ou emancipados em 1851, ocupavam nesse imagi-nrio um lugar de destaque. Na Costa do Pacfico, onde 93% da populao sonegros e 60% rural, se constituram comunidades negras rurais combaixssimo ndice de mestiagem.

    Essa regio sempre foi de importncia econmica residual, assim comosua populao ocupou uma espcie de no-lugar frente ideologia e polticanacionais. No entanto, para ela que o artigo 55 e a lei 70 esto voltados,apropriando-se da ideologia cimarronista, mas dando-lhe um contedo maisrestrito, ao assumir um perfil regional. Tal interesse pela regio, segundo Wade,parece tambm estar ligado a novas razes de Estado, de natureza econmicae geopoltica. Desde a dcada de 1970, o Estado colombiano tem incentivadoum novo afluxo de migrantes brancos e mestios para a regio, dando incio auma srie de projetos de reordenamento territorial com vistas ao aproveita-mento de seus recursos naturais, o que tem ampliado a rea de tenso j exis-tente entre ndios e negros.

    Dada a estrutura de relaes historicamente estabelecida na regio, ondeos negros ficam como uma espcie de intermedirios entre a economia mone-tria (branca) e a economia de subsistncia (indgena), eles assumiram o lugarde principais agentes locais desse processo de avano do Estado e do merca-do. Em resposta a esse avano, esse perodo tambm foi marcado pelo avanoda mobilizao indgena, surgida na dcada de 1960 pela definio de seusresguardos (reservas). Como as terras ocupadas pelos negros nunca foramlegalizadas ou oficialmente reconhecidas e, no plano local, eles so classifica-dos pelas organizaes indgenas como invasores, um certo nmero dessesresguardos indgenas incluiu no interior de suas fronteiras populaes negras,

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    que passaram ento a serem ameaadas de expulso (Wade, 1994, 1997). Talsituao , portanto, profundamente alterada pelo artigo 55 e pela lei 70, aofazer com que tais populaes negras tambm passassem a ter reconhecidosos seus direitos territoriais.

    Os Ember e os negro-colombianos do Choc

    Segundo Losonczy (1997), a histria do povoamento bi-tnico do Rio Cap um exemplo tpico do processo ocorrido em outros rios da regio do Choc.Como vimos, no Choc rural, regio sobre a qual a lei 70 tem aplicao direta,negros e ndios (ember) tm pesos demogrficos desiguais, francamente fa-vorvel aos primeiros. Sua coexistncia baseia-se em uma rigorosa separaoespacial e sexual, ao mesmo tempo em que em um sistema de trocas denso,permeado pelo conflito. O estado atual dessas relaes parece resultar de umequilbrio dinmico entre continuidade e ruptura com relao sociedade colo-nial que as reuniu no Choc fora.

    A chegada das primeiras famlias negras, trazidas para a extrao de ouroimplicou um regime de ocupao do espao em que os Ember concentraram-se em duas pequenas unidades residenciais espacialmente afastadas, localiza-das nas terras altas, enquanto os negros formaram aglomerados nas terrasbaixas. As famlias negras, alm uso intermitente de toda a margem a montantedesse rio, usam um sistema de plantio rotativo nas terras altas, enquanto osndios concentram-se na caa e no servio de transporte, decorrente de suasconstantes viagens entre os rios, cabendo s famlias negras a permanenteiniciativa pelas trocas intertnicas.

    O regime escravista no Choc caracterizou-se por uma explorao aurferadispersa e relativamente autnoma, dado o absentesmo dos proprietrios. Aorganizao das comunidades negro-colombianas se deu em agrupamentosfamiliares multicentrados, fluidos e dispersos pelos diferentes afluentes do rioCap, o que acabou por atribuir um lugar central aos rios e seus afluentes tantoem sua organizao social, quanto na definio de suas identidades: diz-se per-tencer a um rio, alm de considerarem-se chocoense, adscrio tnica queabarca todos os negros originrios da regio (exclui, portanto, ndios e brancos)e aqueles morenos que migraram para a periferia da capital Quibd, ondeseus bairros continuam reproduzindo, em miniatura, a organizao espacial dos

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    4 Cabe aqui uma rpida considerao sobre o uso que a autora faz da idia de mal-entendido, j queno caso, ele parece servir sobretudo para tornar etnologicamente interessante o que de fato deinteresse sociolgico e poltico. Ao recorrer idia, a autora no discute a prpria compreenso queas duas partes tm (ou no) da disputa em que esto engajadas pela legitimidade de seus direitos sobrea terra. Remeter a idia do direito originrio a um mito Ember significa eliminar o problemada reapropriao pragmtica que essa concepo pode representar com relao aos discursos histo-ricamente situados dos prprios brancos (agncias do governo, ONGs) ou de suas prprias organi-zaes polticas. Os prprios Ember e os Waunan esto organizados, desde os anos 80, em tornode uma entidade indgena regional OREWA (membro da Organizao Nacional Indgena Colombi-ana ONIC). Essa orgaizao tm desempenhado a importante funo de contrabalanar a tendn-cia desses grupos atomizao decorrente dos seus conflitos internos, assim como tem representa-do suas demandas por educao bilnge, demarcao de terras e autonomia poltica e cultural sautoridades nacionais.

    seus rios de origem. O cerne da organizao social negra do Choc a suavasta rede de parentescos, estabelecidos seja por consanginidade ou pelocompadrio, que d coerncia aos grupos locais e ao conjunto multicomunalchocoano.

    Ainda que a presena indgena montante do Cap seja apenas ligeira-mente anterior chegada dos negros, essa anterioridade ganha estatuto mticopara os indgenas. A conscincia dessa anterioridade que, segundo Losonczy,teria permanecido intacta durante o perodo colonial, atualmente seria tem-perada pela vontade de salvaguardar sua distino cultural e sua autonomia.Segundo essa viso mtica, se as terras baixas lhes escapam em benefcio dosnegros (os ndios nunca quiseram disputar espao na explorao do ouro) asaltas eram suas, no s as que eles efetivamente ocupam, mas tambm as quepermanecem livres (reserva de caa e madeira preservada no espao entresuas residncias, segundo o seu modelo tradicional de ocupao dispersa) e asque tambm so utilizadas pelos negros. Assim, segundo os Ember, os negrosusariam a terra apenas por uma espcie de concesso sua, uma espcie dedom permanente que demanda, por sua vez, uma troca compensatria per-manente, dando origem ao tipo de postura particular dos indgenas frente aosseus vizinhos. Mas como, ao contrrio, para os negros, o que d direito terrano a origem, mas o trabalho, nasceria da, segundo a autora, o mal-entendi-do que marca toda a estrutura de trocas intertnicas.4

    A histrica tenso entre ndios e negros, derivada principalmente dasobreposio de seus territrios, foi mediada por um sistema de trocas restritas

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    5 O inverso, porm, nunca acontece, o que revela uma das assimetrias das trocas intertnicas. Para osnegros do Choc seu apadrinhamento completaria a pessoa indgena, tanto em termos espirituais,quanto civis, j que, de um lado, a nominao de um indivduo a materializao de seu ombre(alma que todo ser adquire no momento do nascimento) e, de outro, eles se assumem comointermedirios entre os selvagens e as instituies nacionais. Para o indgena, por outro lado, onome cristo uma espcie de nome-tampo, que esconde o verdadeiro nome indgena, preser-vando-o dos ataques de espritos malficos.

    cujos limites so tanto sociais (possveis apenas em situaes bem definidas) ematrimoniais (ambos os grupos considerarem o casamento intertnico extre-mamente perigoso do ponto de vista mgico), quanto lexicais e gramaticais (oespanhol utilizado em sua comunicao reduzido ao essencial e conjugadosempre no gerndio). Em meio a essa radical descontinuidade, o espao detrocas aberto por dois campos rituais faz-se fundamental. Instrumentalizadospelos recursos dos brancos, os negros podem curar as doenas infecciosas dosEmber, enquanto estes, por meio do seu xamanismo, se fazem responsveispor restabelecer o equilbrio entre o mundo dos homens e dos seres da floresta,que tambm molestam os negros. Alm disso, por meio do compadrio que tecea trama da organizao social negro-chocoense, as famlias Ember tambmso introduzidas no mbito de tais alianas rituais: criou-se o costume dos ndiosconvidarem casais negros, com quem partilham de um mesmo territrio, paraapadrinhar seus filhos.5 O resultado dessas trocas rituais (de parentesco e decura) a criao de uma rede de afinidades justamente entre aquelas famliasque, por delimitarem territrios que se sobrepem, esto na iminncia de umconflito.

    Assim, o conflito em torno dos critrios de legitimao sobre a posse daterra s no leva a uma soluo violenta em funo da abundncia de terras edos outros bens trocados entre esses grupos, em especial os servios teraputicosrecprocos e complementares. Nesse caso, segundo Losonczy, o sincretismoserve como uma soluo cultural para o conflito social iminente, frente ao tensopartilhamento de um territrio comum, que ambos consideram seu. Alm disso,parece ser possvel afirmar que contribua para um certo equilbrio de forasentre tais grupos, to desiguais do ponto de vista demogrfico e material, umadesigualdade jurdica que desde os anos 60 tm favorecido os indgenas, ao lhesreconhecer o direito sobre as terras. sobre esse conjunto de relaes que anova poltica territorial colombiana, assim como a verso ampliada de seus

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    multiculturalismo, vem incidir, ao reconhecer s comunidades negras direitoscorrespondentes e, de certa forma concorrentes.

    Frente a essas dificuldades, a Igreja Catlica, que j havia trabalhado paraa organizao das entidades de representao primeiro indgenas e depois ne-gras, passa a promover o que foi chamado de processo de colaborao, oque levou, em 1989, ao Primeiro Encontro pela Unidade e Defesa das Comuni-dades Negras e Indgenas. No segundo Encontro, em 1990, apesar das tensesintertnicas no terem sido eliminadas, tal movimento fundou o Acadesan (As-sociao Camponesa do Rio San Juan), organizao de natureza intertnicaque fez campanha pelo reconhecimento do Gran Territorio Waunan-Negrodel Bajo San Juan (Wade). Trata-se de mais uma instncia de associao quevem se agregar de forma confusa ao conjunto de possibilidades disponveis atais agrupamentos sociais. Em confronto com sua organizao anterior, essen-cialmente dispersa e mvel, amarrada apenas por meio de laos de parentes-co em grande parte rituais (o compadrio), tais agrupamentos se deparam com anecessidade de organizaes multinucleares com carter representativo e po-der decisrio. Assim que no depoimento de uma liderana do Palenque SanMario, consta na sua lista de dificuldades a serem superadas, justamente agrande variedade de recortes de pertencimento poltico identitrios concorren-tes entre si no momento de definirem-se as unidades de mobilizao, tomadasde deciso e mesmo de titulao coletiva: as famlias extensas, os igaraps, asmargens dos rios (que em alguns casos j contam com organizaes de repre-sentao coletiva) ou os espaos multicentrados e mesmo multitnicos produzi-dos atualmente, a partir de semelhanas culturais e de injunes conjunturaisde carter poltico, motivadas especificamente por tal processo.

    Brasil: o artigo 68 e o largo campo das indefinies

    A legislao brasileira que reconhece os direitos territoriais de comunida-des negras rurais est longe de alcanar a relativa preciso vista no caso co-lombiano. O artigo 68 das ADCTs continua sendo o nico texto oficial sobre otema e nele aqueles que so os sujeitos dos novos direitos, so definidos pormeio de uma categoria residual, a de remanescentes, tendo em vista a cate-goria histrica de quilombos. Esta segunda categoria, caudatria de uma le-gislao repressiva de origem colonial que para ser eficaz se fazia genrica e

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    exterior queles a quem designava, remete a um tipo de formao social hist-rica que, a princpio, teria desaparecido com a prpria escravido e que secaracterizou justamente pela busca de invisibilidade frente ao Estado. Almdisso, quanto mais os historiadores se debruam sobre a documentao (queganhou novo impulso com a prpria Constituio), menos homognea a idiaque resulta de seus estudos sobre os quilombos.

    Frente a essas dificuldades que se estabeleceu o debate entre dois pro-jetos de lei que bem expressa a dupla origem do uso do termo quilombo no seiodos movimentos sociais. Um apresentado pela senadora Benedita da Silva, doPT, importante figura da poltica de bases tnicas do estado do Rio de Janeiro,enquanto o outro proposto pelo deputado federal Alcides Modesto, tambmdo Partido dos Trabalhadores (PT), ex-proco militante das lutas camponesasdo serto nordestino, dentre as quais Rio das Rs (BA), que depois de 1988tornou-se um dos casos mais eminentes de comunidade remanescente dequilombo. A seguir procurarei esclarecer ento, porque, apesar de tudo isso, aconstituinte de 1988 chegou quela formulao do artigo 68 das ADCTs.

    A dcada de 80 e a constituinte foram marcadas pelo processo deredemocratizao e, como um de seus corolrios, pela retomada das discus-ses sobre uma reforma agrria ampla e democrtica. Esse foi um momentode vigoroso avano dos movimentos campons, indgena e de categorias detrabalhadores at ento sub-representados, como os atingidos por barragens,os seringueiros e garimpeiros. Frente a essa mobilizao e renovao de seusquadros polticos, o Ministrio da Reforma Agrria e os rgos fundirios a eleligados so obrigados a reconhecer a necessidade, apontada pela militncia epor setores acadmicos, de reconhecer a existncia e dar uma definiooperacional para as ocupaes especiais, isto , aquelas ocupaes fundiriasque no se encaixavam nas categorias censitrias ou cadastrais at ento utili-zadas pelos rgos governamentais. Entre essas ocupaes especiais esta-vam aquelas entregues a, ou adquiridas por famlias de ex-escravos, ou antigosescravos organizados em quilombos, com ou sem dipomao legal (Almeida,1999). Como parte da presso popular por essa mudana de postura dos r-gos oficiais, em 1986, no Maranho, organizado o I Encontro de Comunida-des Negras Rurais, que repete-se em 1988, simultaneamente ao I Encontro deRazes Negras no Par. Depois da constituio, em 1990, seria formada aAssociao de Comunidades de Remanescentes de Quilombos de Oriximin, a

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    6 Para sustentar sua definio, o autor recorreu, como reforo poltico e potico de sua argumenta-o, a manifestaes anteriores, como as do Movimento Negro Unificado Contra o Racismo e aDiscriminao Racial e do sambista Candeia, fundador da Escola de Samba (Grmio RecreativoArte Negra) Quilombo, ambas do ano de 1978. O que chama ateno para um contexto em queo tema parece ter ganho certa evidncia e que ainda precisa ser melhor situado.

    primeira do gnero (Marin, 1995). H portanto, entre aquelas primeiras mobili-zaes e a reapropriao do termo quilombo por tais grupos camponeses, umespao que no preenchido ao ficarmos apenas no plano das discusses so-bre as citadas ocupaes especiais. Para compreender o surgimento da figu-ra legal e poltica dos remanescentes de quilombos necessrio fazer refe-rncia a um outro contexto.

    Apesar desse no ser o lugar para reconstituir o percurso que a metforados quilombos (e, dentro dela, do Quilombo dos Palmares) desenhou no campodos movimentos sociais no Brasil at alcanar o estatuto de tema constitucio-nal, apontarei, muito brevemente, alguns marcos importantes, com o objetivo decompreender o crescimento de sua fora e a variedade de seus contedos.

    Ainda que no tenha sido o primeiro a surgir, o Livro de Edson Carneiro,O Quilombo de Palmares, escrito em 1944, foi o primeiro texto de flego erigor historiogrfico sobre o tema, marcando toda a bibliografia seguinte. Suahistria , em si mesma, indicativa da simbologia a que o tema dos quilombosesteve associado: escrito em 1944 como metfora da resistncia ao EstadoNovo, ele foi publicado primeiro no Mxico e s depois da queda do regimevarguista, em 1947, foi publicado no Brasil, com uma dedicatria AstrogildoPereira, lder comunista que teria sido o primeiro a propor uma interpretaoclassista da luta de Palmares, em 1929 (Oliveira, 1988).

    Quando chegamos ao final da dcada de 70 e incio de 80, a metfora dosquilombos parece j ter sido definitivamente apropriada como cone da resis-tncia negra, ganhando a sua especificidade no campo das lutas sociais, alte-rando mas preservando em parte seu comunismo genrico ou primitivo.Em 1980, Abdias do Nascimento publicava O Quilombismo, no qual buscoudefinir justamente o contedo simblico que deveria ser atribudo aosquilombos:6 movimento social de resistncia fsica e cultural da populaonegra que se estruturou no s na forma dos grupos fugidos para o interior dasmatas na poca da escravido, mas tambm, em um sentido bastante ampliado,

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    na forma de todo e qualquer grupo tolerado pela ordem dominante em funode suas declaradas finalidades religiosas, recreativas, beneficentes, esportivasetc. Desde j, uma ressemantizao que buscava retirar o termo histrico deseu historicismo para ganhar sentido poltico: Quilombo no significa escravofugido. Quilombo quer dizer reunio fraterna e livre, solidariedade, convivncia,comunho existencial (Nascimento, 1980, p. 263). A partir da, Abdias propeque o quilombismo seja adotado como um projeto de revoluo no violen-ta dos negros brasileiros, que teria por objetivo a criao de uma sociedade (oEstado Nacional Quilombista) marcada pela recuperao do comunitarismoda tradio africana, no que se incluiria a articulao dos diversos nveis devida com vistas a assegurar a realizao completa do ser humano e pela propri-edade coletiva de todos os meios de produo.

    No ano seguinte, 1981, na data da morte de Zumbi dos Palmares, que oMovimento Negro Unificado (MNU) havia declarado, pouco tempo antes, comoverdadeiro dia da conscincia negra, celebrou-se no Recife a primeira missano Brasil e, possivelmente, em todo o mundo catlico, em que altos represen-tantes da Igreja, diante de um multido de cerca de 8 mil pessoas, sepenitenciaram e pediram perdo pelo posicionamento histrico da Igreja diantedos negros, da frica e, em especial, dos negros aquilombados, reconhecidoscomo os maiores inimigos da empresa crist durante sculos. Foi a Missa dosQuilombos, que se tornou um marco no revisionismo histrico da Igreja noBrasil e que props uma reapropriao simblica das lutas e da vida do negrocontemporneo, de forma a tom-las como dado cultural que deveria ser inse-rido na reflexo dos agentes eclesiais engajados socialmente, at ento refrat-rios questo racial. Assim, na mesma linha de reapropriao do simbolismoquilombola, o foco da Missa dos Quilombos no era apenas a memria histri-ca, mas sobretudo um estilo de vida presente, que se fazia resistente e deveriaser reconhecido como tal para que pudesse se transformar em uma luta cultu-ral consciente de si mesma: Quilombo no Brasil atualidade, no passado(Hoornaert, 1982, p. 12).

    Apesar dessa mobilizao, o artigo constitucional transitrio 68, que tratadesse tema, s seria objeto de uma ateno mais ampla em 1995, ano do cen-tenrio de Zumbi dos Palmares e novo marco das comemoraes da conscin-cia negra no Brasil. Nesse ano inicia-se a discusso relativa regulamentaodo artigo, levando a uma grande visibilidade do debate e sua ampla repercus-

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    7 Desde de 1977, a comunidade de Rio das Rs vivia um conflito com grileiros de suas terras quechegou a ser vrias vezes noticiado na imprensa regional. Nunca, porm, tais notcias fizeramreferncia a sua condio de negros, tratando-os simplesmente como posseiros, trabalhadoresrurais, famlias humildes etc. apenas depois de 1992, quando da mudana de postura dasComisso Pastoral da Terra e Comisso Evanglica dos Direitos da Terra que lhes prestavamassessoria e de 1993, quando da abertura de processo pela Procuradoria Geral da Repblica em defesadaquelas famlias, que elas ganham visibilidade tnica, j em funo da demanda por uma resoluodo conflito via aplicao do artigo 68 (Steil, 1998).

    so, na forma inclusive de uma franca expanso do nmero das ComunidadesRemanescentes de Quilombos de que se tinha notcia. Ao longo da segundametade dos anos 90, tais comunidades remanescentes transbordam os limi-tes do Maranho e do Par para atingir os estados mais insuspeitos, como o RioGrande do Sul ou So Paulo.

    Como o novo dispositivo de aplicao efetivamente nacional, h umagrande indeterminao quanto ao nmero e localizao dessas comunidades.Assim, enquanto crescem as dvidas relativas aos instrumentos e procedimen-tos de aplicao do artigo constitucional, crescem tambm as expectativas so-ciais com relao sua aplicao. O rgo governamental responsvel pelotema, por seu turno, tem trabalhado na ampliao dessa expectativa social, aomultiplicar os atos oficiais de reconhecimento de comunidades remanescentesde quilombos sem demonstrar ter as condies de promover a continuidade aoprocesso, que deve levar regularizao das terras dessas comunidades. De-pois do primeiro despacho da Fundao Cultural palmares (FCP) aprovandoum relatrio de identificao e reconhecimento territorial de comunidadequilombola em fins de 1995, a FCP s publicaria outros cinco despachos em1997, quando ento uma nova lista de comunidades a serem reconhecidas foiorganizada, chegando ao nmero de 50 reas.

    Para ilustrar o fenmeno criador daqueles atos que a princpio so pen-sados apenas como o reconhecimento de uma situao dada, tomemos oexemplo do estado da Bahia, que se encontra em um lugar intermedirio comrelao aos outros estados no que diz respeito ao nmero de comunidadesestimadas e ao nvel de organizao do governo e das organizaes do movi-mento social com relao questo.

    O primeiro despacho da FCP de 1995, teve por objeto justamente acomunidade de Rio das Rs, localizada em Bom Jesus da Lapa (BA)7 e, no

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    incio de 1997, entre os outros cinco despachos, estava includa a comunida-de Sacotiaba, tambm baiana. Na lista de 50 reas, por sua vez, encontram-seoutras trs localizadas na Bahia: Pau DArco e Parateca (dois ncleos cont-guos Rio das Rs considerados como uma mesma rea), Mangal (margem doSo Francisco oposta Bom Jesus da Lapa) e Arraial de Contas (em Bananal,pouco acima de Bom Jesus da Lapa), todas envolvidas em conflitos fundirios.Mas isso parece estar longe de esgotar o repertrio disponvel: o MovimentoNegro Unificado, por exemplo, costuma trabalhar com a estimativa de 120comunidades para o conjunto do estado. Nmero que fruto de uma contamuito genrica, feita a partir de critrios estranhos aos que hoje esto sendousados para a identificao das comunidades remanescentes de quilombos.Sua origem um levantamento preliminar do Instituto de Terras da Bahia(Interba), realizado em 1986, por meio de uma consulta aos rgos ligados questo fundiria no interior do estado: Comisso Pastoral da Terra (CPT),Sindicato do Trabalhadores Rurais (STR), Empresa de Assistncia TcnicaRural (Emater), Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (Incra),municpios etc. A inteno do levantamento era identificar comunidades pass-veis de regularizao fundiria por meio dos trmites ordinrios, mas nenhumdaqueles 120 registros, que se concentravam na regio do So Francisco, foiposteriormente checado por aquele ou qualquer outro. Um novo levantamentooficial comeou a ser organizado pelo Incra-BA. Em uma outra lista, organiza-da mais recentemente, se incluem um conjunto de 15 comunidades em Lagesdos Negros e outra por um ncleo semi-urbano, em Campo Formoso. Nosltimos encontros da Comisso Nacional Provisria das Comunidades Rema-nescentes de Quilombos, algumas organizaes apontaram para nova disper-so geogrfica dos registros, como a CPT de Caetit, que apresentou uma listacom 18 comunidades localizadas no centro-sul do estado.

    Tudo isso permite afirmar que os trabalhos de identificao emapeamento de comunidades remanescentes de quilombos em uma deter-minada regio no registram uma situao dada, mas so uns dos princi-pais elementos a alterarem o estado da questo, na medida em que servemcomo propagadores eles mesmos de mais informaes sobre o tema em rincesonde elas at ento no haviam chegado ou como demonstrao da importn-cia, positividade e utilidade da demanda para comunidades que at ento noacreditavam nela ou temiam suas conseqncias. Enfim, dada a novidade des-

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    se dispositivo jurdico, faltam informaes suficientes no s sobre as comuni-dades, mas tambm para as comunidades. Quando falamos desses levanta-mentos, no falamos de um nmero desconhecido, mas de um nmeroindeterminado de comunidades, que os prprios trabalhos de pesquisa alteramao mesmo tempo em que ajudam a definir.

    Finalmente, como contraponto situao descrita para o rio Cap, a partirda etnografia de Losonczy, passo descrio da situao vivida pelas popula-es negra e indgena do baixo So Francisco, no serto sergipano de Porto daFolha, a partir de minha prpria experincia etnogrfica. A diferena com rela-o ao exemplo colombiano, no entanto, de que em nossa descrio partire-mos diretamente para a crnica dos efeitos locais do artigo 68.

    Os Xoc e os negros do Mocambo de Porto da Folha

    O processo que levou identificao do Mocambo como comunidaderemanescente de quilombos esteve estreitamente associado luta mais anti-ga e eminente dos ndios Xoc, de quem so vizinhos e aparentados, mas tam-bm de quem tomaram de emprstimo no s parte de seu know how deluta, mas tambm o tipo de disposio criada junto opinio pblica estadualcom relao lutas de carter tnico pela terra.

    Tais populaes ocupam reas contguas s margens do rio So Franciscoe, pelo menos desde 1850, ambas populaes vivem dramas semelhantes eparalelos quanto expropriao das terras que ocupam. Com o avano dasfazendas de gado pela regio a partir daquela data, tanto a Misso indgena foidada como oficialmente extinta e teve suas terras arrendadas pela prefeitura afazendeiros da regio, quanto as famlias negras foram expropriadas de seuspequenos ranchos e submetidas ao regime de trabalho dos novos proprietriosde suas antigas terras. Trata-se de uma longa histria comum, na qual taispopulaes esto ligadas pela memria relativa violncia das elites estaduais,mas tambm por um numero relativamente constante de casamentos mistos,que deram origem a laos sempre ambguos entre ndios e negros.

    Nas dcadas de 1940 e 1950, por exemplo, no incio da organizao pol-tica dos camponeses no Nordeste, esboa-se uma luta comum a ambas ascomunidades sob o rtulo de trabalhadores rurais. Depois disto, nas dcadasde 1970 e 1980, a experincia de mobilizao poltica promovida pela equipe da

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    pastoral renovada e pelo Conselho Indigenista Missionrio (Cimi) entre osXoc leva a que esses rejeitem tais laos matrimoniais como deslegitimadoresde sua nova identidade afirmada. Finalmente, desde o incio da dcada atual, aestratgia dos novos proprietrios, que reiniciaram a expropriao dos ltimosrecursos territoriais das famlias negras como forma de evitar que estes seguis-sem o exemplo indgena, paradoxalmente, desencadeou novas identificaesentre as duas comunidades, fazendo com que a luta indgena reverberassesobre seus vizinhos.

    Uma retomada do avano expropriatrio dos fazendeiros locais sobre asterras das famlias negras fez com que estas reconhecessem a definitiva falnciados laos de compadrio e cooperao subordinada que ainda mediava suas rela-es com aqueles proprietrios. Tm incio ento, a mobilizao poltica da co-munidade, cuja primeira dificuldade foi definir o tipo de encaminhamento queseria dado s suas demandas. As possibilidades eram: 1) ou permaneciam narea em litgio, forando o proprietrio a chegar a um acordo relativo s indeniza-es; 2) ou reivindicavam o reconhecimento como remanescentes de quilombos;3) ou avaliavam a rea total de que necessitam e pedirem sua desapropriao aoIncra, para fim de Reforma Agrria. A primeira opo significava manter-se nombito de uma estratgia trabalhista, como queriam os fazendeiros locais, ab-dicando da reivindicao sobre a terra. A segunda opo era fruto das notciasrecentes e ainda vagas sobre as perspectivas abertas pelos primeiros casos emque o artigo 68 era aplicado em situaes de litgio, no Maranho, no Par e naBahia. Ficava claro que, para os agentes pastorais que lhes davam assistncia, altima opo citada era a preferencial, no s por ser a via na qual j dispunhamde um know-how acumulado, mas tambm porque a idia de uma identificaocomo remanescentes de quilombos no fazia parte do tipo de representaoque as famlias do Mocambo tinham ou gostariam de produzir sobre si mesmas. Aresistncia daquelas famlias sugesto de se pensarem como quilombolas erato grande que chegou-se a discutir a possibilidade de alterao do nome dacomunidade, de Mocambo para Mundo Novo.

    Em funo do lugar de vanguarda que os Xoc ocupavam com relao aoMocambo, a comunidade negra buscava cada vez mais a participao de con-selheiros indgenas em suas reunies, o que levou realizao de reunies daslideranas negras no interior da rea indgena e at mesmo promoo deaes conjuntas por parte de ambas comunidades, seja em representaes jun-

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    8 Tal procedimento no era arbitrrio, j que no corpo constitucional o artigo 216 (Sesso II: DaCultura), em seu pargrafo 5o, realizava muito claramente essa associao entre o tema dosquilombos e os procedimentos relativos ao patrimnio: Ficam tombados todos os documentose os stios detentores de reminiscncias histricas dos antigos quilombos. As discusses sobre osremanescentes ainda no superaram essa ambigidade.

    to s autoridades, seja em aes prticas de invaso das terras em litgio. Issoacabou levando a que tal associao de esforos e conexo de estratgiasabrisse a possibilidade de uma literal identificao entre ambas. No final do anode 1993, comisses do Mocambo e dos Xoc renem-se com o objetivo deavaliar a possibilidade das reivindicaes territoriais dos Xoc (cujas terras jestavam demarcadas, mas ainda precisavam ser desintrusadas) fossem am-pliadas, como forma de abarcar tambm as terras e a populao do Mocambo.Ou seja, tratava-se de avaliar a possibilidade de transformar suas antigas liga-es de parentesco e seu atual vnculo poltico em uma espcie de continuoidentitrio, como uma quarta alternativa de encaminhamento do conflito. Cabelembrar a existncia de precedentes geograficamente prximos, onde diferen-tes populaes deram origem a grupos mistos compartilhando do mesmo terri-trio, como os Kariri-Xoc e os Xucuru-Kariri. Nesse caso, no entanto, a rela-o se dava entre uma populao cabocla j reconhecida como indgena eoutra, tradicionalmente reconhecida como de pretos. No fica claro se foiexclusivamente por esses motivos, mas tal opo foi eliminada definitivamentedepois que a Fundao Nacional do ndio (Funai), vrias vezes consultada du-rante os seis meses seguintes, recusou terminantemente a proposta, fechandotodas as condies prticas daquela reconverso de uma aliana poltica emcomposio tnica.

    Aos poucos a alternativa aberta pelo artigo 68 apresentava-se como ocaminho mais adequado luta do Mocambo. De fato, depois de assumir ortulo de remanescentes de quilombos, aquela populao entra em contatocom um amplo leque de novos aliados e, em 1994, ao contrrio do que aconte-cera dois anos antes, sindicatos, entidades de direitos humanos, do meio educa-cional, partidos polticos, o prprio governo do estado e, finalmente, o movimen-to negro passam a dar amplo apoio quela comunidade. Da mesma forma, noplano interno, a mobilizao ganha um novo flego e um novo carter, levando estruturao de um campo poltico mais claramente definido e progressiva-mente autonomizado com relao ao clientelismo poltico local.

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    Ao mesmo tempo, o Incra-SE recua nas posies assumidas (j haviauma percia tcnica que reconhecia a rea em litgio como passvel de reformaagrria), passando suas atribuies Fundao Cultural Palmares que, em umprimeiro momento, constitui uma subcomisso de estudos em associao como Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico (Iphan), para o estudo da situa-o. A arquiteta do Iphan incumbida da percia, reproduz o procedimento utili-zado nos processos de tombamento de bens histricos relativos ao patrimniocultural brasileiro e no seu relatrio relata no ter identificado construesanteriores ao incio deste sculo, nem traos de cultos afro-brasileiros, de-clarando-se incapaz de formular um parecer sobre a autenticidade daquelesremanescentes (Santos, 1994).8 Em um segundo momento, depois de algu-mas mudanas nos seus quadros funcionais, na qual foram absorvidos antrop-logos e ex-funcionrios da Funai, a FCP passa a adotar os procedimentos to-mados ao modelo do indigenismo e, em lugar do convnio com o Iphan, passa aatender s novas demandas por meio de um convnio com a Associao Bra-sileira de Antropologia.9

    Assim, o Mocambo passa a receber as visitas de um antroplogo em 1995e, em 1997, consegue o despacho de identificao e reconhecimento territorial.O impacto desse reconhecimento oficial quase imediato sobre a organizaointerna do grupo: cria-se uma nova associao, pautada em um modelo deestatuto fornecido pela Articulao Nacional de Remanescentes de Quilombos;surge um grupo de lideranas e porta-vozes do grupo (entre os quais algunsjovem ganham grande destaque) onde antes existiam apenas os cabeas querespondiam por suas prprias famlias; estabelecida uma memria histricapara o grupo a partir do que antes eram apenas cacos de lembranas familiaresdispersas; h a retomada de parte de seu territrio tradicional que, ainda semregularizao, reordenado segundo uma negociao entre a memria de comoera no tempo dos antigos e os projetos de desenvolvimento que passam alhes ser oferecidos. So geradas tambm tenses internas, motivadas pelasdiferenas de estilos e concepes de organizao social e procedimentospolticos entre jovens e velhos; pela oposio entre as famlias negras e os defora ou entre os que esto na luta e os que so contra ela; pela pretenso

    9 Chega a haver mesmo uma tendncia em reproduzir internamente a estrutura de trabalho do rgoindigenista oficial, aparentemente estancada na gesto seguinte.

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    a direitos diferenciados entre famlias que um dia compraram suas terras dosantigos fazendeiros e aquelas que apenas so posseiros; pela forte resistnciaimposta pela antiga associao de moradores, estreitamente vinculada a laosde clientelismos locais e mesmo estaduais.

    Alm desses, surgiram tambm conflitos entre negros e ndios, quereconverteram a recente aliana em um novo campo de tenses, motivados poruma srie de fatores, como: a substituio de lideranas indgenas, com a as-censo de um grupo menos vinculado aos pretos; as comparaes de agen-tes externos (alguns responsveis pelo acesso a recursos materiais) entre orpido avano na organizao social e econmica do Mocambo em contrastecom a aparente improdutividade econmica dos Xoc, h tantos anos apoiadospela Funai; a discusso sobre os critrios de definio dos direitos tnicos eterritoriais das famlias mistas negro-indgena no interior de cada uma das re-as; finalmente, a retomada da discusso sobre a extenso original das terrasindgenas, mas agora utilizada como forma de deslegitimar a constituio de umterritrio negro. Paradoxalmente, esse campo de tenses tem permitido queagentes at ento reconhecidos como inimigos de ambas as comunidades,retornem cena por meio de alianas pontuais com grupos familiares tantoindgenas quanto negros.

    Alm dessas, relativas s suas relaes intra e intertnicas, as repercussesdo reconhecimento do Mocambo como comunidade remanescente de quilombostiveram alcance tambm regional. Como em Sergipe o movimento negro rela-tivamente diminuto, a Universidade pouco aparelhada e as organizaes domovimento social encontram-se em um momento refluxo, as informaes sobrea existncia de outras comunidades so muito limitadas. Apesar do Mocambo, osrgo estaduais, tanto do executivo quanto do legislativo e do judicirio continuamindiferentes e mesmo resistentes com relao ao tema. No h levantamentosoficiais e o precedente do Mocambo apenas muito lentamente vai sendo conhe-cido por outras comunidades em situaes comparveis. Atualmente h certadiscusso em torno de quatro comunidades negras rurais, sendo que uma delasrecentemente parece ter descartado essa possibilidade mais em funo do anda-mento de seu processo no interior do Incra, que por falta de elementos para umaargumentao suficiente identificao e reconhecimento territorial comoquilombola. Uma outra conseqncia socialmente relevante da expanso datemtica quilombola em Sergipe, no entanto, a percepo de que outras comu-

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    nidades, j contempladas com a regularizao de suas terras via assentamen-tos do Incra, poderiam ter sido classificadas originalmente da mesma forma.Isso tm levado adoo da questo cultural negra como um item importantena pauta poltica da mobilizao camponesa daquele estado.

    Para uma perspectiva comparada

    O que se segue pode servir como uma primeira pauta para um trabalhoefetivamente comparativo entre o processo de reconhecimento de direitosterritoriais de comunidades negras rurais na Colmbia e no Brasil, ou simples-mente como um quadro de fundo sobre o qual a anlise das situaes particu-lares venha ganhar maior nitidez e preciso. De qualquer forma, nosso objetivonesse texto estabelecer alguns parmetros bsicos para uma perspectivacomparada. Comearemos pelos pontos dessemelhantes para depois, guarda-das tais particularidades, sugerirmos algumas analogias.

    Particularidades

    Com relao ao que podemos distinguir como os precedentes daquelesprocessos de reconhecimento de direitos, no campo das investigaes acad-micas, em 1991 a Colmbia j apresentava um considervel acmulo de estudosantropolgicos exatamente sobre as populaes que seriam contempladas no ar-tigo constitucional, isto , as comunidades negras rurais do Pacfico. Tais estudosestavam profundamente marcados pelo paradigma estabelecido pela antropolo-gia dos grupos indgenas, deixando um grande vazio com relao s populaesnegras urbanas ou semi-urbanas. No Brasil, ao contrrio, quando surgem os es-tudos sobre a populao negra em moldes acadmicos, eles sero quase exclusi-vamente dirigidos para o contexto urbano. Principalmente depois da dcada de1950, tais estudos enfatizam as questes do preconceito racial e da mobilidadesocial, distanciando-se muito de uma abordagem etnolgica, que s seria contem-plada, mesmo assim por um crculo muito circunscrito de trabalhos, ao longo dadcada de 80. As primeiras abordagens sobre comunidades negras rurais emtermos de etnicidade seriam quase simultneos ao perodo da Constituio de1988, ano em que se comemorou tambm o centenrio da Abolio, trazendocom isso, uma grande e especial ateno ao tema.

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    10 Em uma coletnea recente (Reis; Gomes, 1996) foram reunidos exemplos de quilombos que nospermitiriam falar de um amplo leque tipolgico. Os exemplos vo desde uma organizao territorialde grande escala, militarizada, produtivamente autnoma e regida por uma hierarquia de chefias quereproduz o modelo estatal (ou como querem alguns, especificamente o modelo africano de Estado),que o exemplo do famoso quilombo dos Palmares; at minsculas associaes de escravos fugidos,sem base fsica, que viviam de assaltos a estradas e da solidariedade das senzalas, mas que so damesma forma classificados como quilombos nos documentos histricos.

    Disso decorre que a legislao colombiana reconhece os direitos territoriaisde um grupo populacional tanto social quanto geogrfica e historicamente bemdefinido. Isso faz com que no haja maiores dvidas sobre quem so os sujeitosdesses novos direitos, nem para os legisladores, nem para as agncias de apoioou para os cientistas sociais que tem trabalhado com o tema, sem falar naquelesque so os prprios beneficiados. As questes que dominam o campo de debatescolombiano sobre o tema so, por isso, relativas s formas pelas quais se dar asua regularizao fundiria, como tais comunidades administraro a grande auto-nomia (a autogesto) que passam a ter, quais as suas instncias de representa-o, quais os canais formais de relacionamento com os poderes de Estado etc.

    A situao no Brasil bastante diferente, caracterizando-se pela largaindefinio sobre quais e quantas seriam as comunidades beneficiadas pelanova legislao. A prpria categoria escolhida para nomear aqueles que seroos sujeitos dos novos direitos revela essa indefinio. A Constituio fala emremanescentes, tendo em vista uma outra noo, a de quilombos, que porsua vez caudatria de uma legislao repressiva de origem colonial, cujaeficcia dependia de sua generalidade e exterioridade com relao queles aquem se dirigia. No mais, o termo quilombo remete a um tipo de formaosocial e histrica que, a princpio, teria desaparecido com a prpria escravidoe que se caracterizou justamente pela busca de invisibilidade frente ao Estado.Isso tem feito com que, no Brasil, quanto mais os historiadores se debrucemsobre a documentao (que ganhou novo impulso com a prpria Constituio),menos homognea seja a idia que resulta de seus estudos, inviabilizando umadefinio precisa e homognea do que foram os quilombos.10

    A resposta encontrada para essa indefinio, partindo da dmarcheindigenista, foi a de recorrer aos profissionais da antropologia, dado o acmulode experincia que esses j apresentavam junto a processos semelhantes rela-tivos a populaes indgenas, que passam a ter a atribuio de identificar tais

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    remanescentes. Em geral, o critrio utilizado tambm nesse caso o da auto-atribuio, convertendo um problema que era de tipologia e morfologia histri-ca em um problema de identidade tnica. Dessa forma, alm das questesrelativas ao reconhecimento e regularizao fundiria, s formas de orga-nizao, gesto e representao, a questo dos remanescentes de quilombosno Brasil enfrenta o problema da identificao desses sujeitos, o que temdelineado um campo especfico de especialistas, disputado por antroplogos,socilogos, historiadores e arquelogos, assim como por agncias governamen-tais e no-governamentais.

    Isso tudo faz com que, de um lado, tenhamos na Colmbia, um universomais ou menos evidente e estvel de comunidades negras rurais que sabidamenteso sujeitos daqueles novos direitos; enquanto, de outro lado, no Brasil o univer-so dessas comunidades ainda se apresenta absolutamente em aberto, tantoqualitativa quanto quantitativamente falando, disperso por todo o territrio naci-onal e sujeito a todas as variaes de condies scio-histricas, ambientais epolticas que nele se abrigam.

    Quanto s motivaes levaram ao reconhecimento de tais direitosterritoriais, elas esto em um caso e em outro associadas a contextos e motiva-es muito distintas. Na Colmbia trata-se da presso imposta sobre o Estadopela violncia interna, concentrada nas regies rurais, que ao final da dcadade 80 foge ao seu controle e impe a busca de novos canais e formas derelao com a sociedade civil. Isso levou a uma ampla reviso poltica quetrouxe para dentro do ordenamento jurdico nacional as idias de autonomia eautogesto dos grupos indgenas e camponeses, assim como a noo demulticulturalismo, com todas as decorrncias institucionais disso, ainda em ple-no desdobramento. Nesse quadro, o reconhecimento dos direitos territoriaisnegros ganha razes que so independentes da baixa politizao do tema e dafragilidade da representao parlamentar negra, como se percebe pelo sinuosopercurso que tais conquistas tiveram que cobrir.

    No Brasil, o contexto mais amplo est relacionado chamadaredemocratizao do pas, associada anistia poltica e ao impulso de revisodas instituies e normas vigentes. Nesse momento, h tambm uma retomadado movimento campons e da campanha pela reforma agrria, em que ganhouvoz a exigncia de uma ampliao das categorias descritivas oficiais sobre asformas de posse e uso da terra. De outro lado, como o ano de 1988 foi tambm

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    dedicado a uma ampla celebrao nacional pelo centenrio da abolio da es-cravatura, a questo negra ganhou uma visibilidade que a tornou quase obriga-tria mesmo para aqueles polticos sem qualquer relao histrica com o tema.O resultado foi uma Constituio apelidada de cidad e tomada como exem-plo da possibilidade de reais avanos institucionais em direo da plena conso-lidao democrtica. Mas, apesar da politizao do tema e de esta ter sidoconsiderada uma Constituio avanada nos planos poltico e social, ao con-trrio da colombiana, seu texto continuou trabalhando com a diferena culturalcomo algo residual, como parte componente de uma identidade cultural nica,alis exaltada naquele contexto. Isso fez com que o reconhecimento dos direi-tos territoriais dos chamados remanescentes de quilombos fosse visto nocomo originrio de uma diferena cultural no presente, mas no mesmo plano deoutras reparaes de erros histricos.

    Apesar disso, enquanto na Colmbia o artigo 55 foi imediatamente feitoobjeto de debate, sendo regulamentado por meio da lei 70 em 1993, apenas doisanos depois da Constituio; no Brasil, o artigo 68 ficou um longo tempo semprovocar qualquer debate, s ganhando espao poltico e repercusso socialsete anos depois. Foi no ano de 1995, no bojo das comemoraes do tricentenriode Zumbi dos Palmares, que os projetos para sua regulamentao foram apre-sentados e uma parcela mais expressiva de grupos da sociedade civil tomaconhecimento de suas potencialidades quanto resoluo de conflitos fundiriosou fonte de maior ateno dos poderes pblicos sobre populaes carentes. Foiapenas depois desse ano tambm que a presena de demandas pelo reconheci-mento como remanescentes de quilombos generalizou-se por comunidades detodos os estados do pas.

    Assim, de um lado, temos um processo de titulao que se sustenta naorganizao de conselhos comunitrios, responsveis por todo o trabalho deargumentao sobre a forma e extenso das reas reivindicadas, que ento apresentado ao rgo fundirio nacional, o Incora, para dar lugar demarca-o oficial; de outro, temos um processo de identificao e mapeamentodas comunidades por parte de diferentes agncias estatais ou no, seguidas dostrabalhos de percia antropolgica ou etnohistrica, sobre os quais as as-sociaes comunitrias, criadas por exigncia do modelo de titulao e, mui-tas vezes, no bojo do prprio processo de identificao, tm pouco controle.Enquanto na Colmbia previsto aos conselhos comunitrios um lugar entre

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    as agncias responsveis pela tomada de deciso quanto ao desenvolvimentode sua regio;11 no Brasil, as associaes comunitrias no tm fruns regi-onais, reunindo-se apenas anualmente em uma nacional de carter informal,que no desempenha papel normativo sobre as associaes ou representati-vo frente ao Estado.

    Analogias

    H, porm, uma srie de convergncias e analogias entre essas situaesnacionais. Em ambas a experincia histrica de fuga da escravido, tornadasmbolo de uma deseja negao radical da ordem vigente, reapropriada pelamilitncia poltica negra nos anos 60 e 70. Na busca por vocabulrios eparadigmas prprios, capazes de as retirar da dependncia das palavras deordem do movimento negro norte americano, os movimentos negros no Brasil ena Colmbia, ambos exclusivamente urbanos, tomam os quilombos, mocambos,cimarrones e palenques como sua fonte de inspirao original. As metforas doquilombismo e do cimarronismo so associadas a uma pequena mitologiacujo foco ou imagem sntese a de uma grande comunidade de negros fugidos,notabilizada por sua capacidade de resistncia ao assdio militar ou econmicoda sociedade colonial e nacional e pela suposta reproduo de um modo de vidaafricano na Amrica: no caso brasileiro, o Quilombo dos Palmares, no casocolombiano, o Palenque de San Baslio.

    Finalmente, na dcada de 1990, essa metfora ganha fora normativa aolongo dos respectivos processos de reviso daqueles ordenamentos jurdicos na-cionais, dando origem, em conexo com demandas de grupos rurais, a novascategorias de direito fundirio e, associadas a elas, a novas categorias populacionais.Tal ganho no plano normativo imprime, porm, perdas no plano simblico, ao

    11 O Projeto de Zoneamento Ecolgico da Regio do Pacfico Colombiano, por exemplo, coordenadopelo IGAC, no marco do Programa Ambiental de Manejo dos Recursos Naturais do Ministrio doMeio Ambiente colombiano, tinha por objetivo promover a participao comunitria e institucionaldas comunidades negras e indgenas no processo de zoneamento, na busca de consenso e instrumen-tos prticos. Esses objetivos respondiam s necessidades impostas por uma outra lei, decorrentedaquelas inovaes, a lei 99 de 1993, segundo a qual aquelas comunidades ascendiam ao estatuto decoformuladoras de planos, programas e projetos de desenvolvimento que incidissem em seus terri-trios, de forma anloga s administraes municipais (Vargas, 1999).

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    restringir o campo de significados dado quela simbologia pelos movimentos ne-gros (sempre urbanos), mais potica ou ideolgica que sociolgica.

    Se o vazio de conhecimento qualificado sobre a situao das comunidadesnegras rurais mais evidente no caso Brasileiro que no colombiano, as citadasformas tradicionais, supostas pelos legisladores colombianos, no so descri-tas ou suficientemente definidas nem na Constituio, nem na sua legislaocomplementar. Isso faz com que tal legislao, tanto no Brasil quanto na Co-lmbia, ao mesmo tempo em que abre um novo campo de direitos, abra tam-bm um vazio conceitual que coincide com um novo campo de investimentodas cincias sociais.

    Em funo da novidade que representa para tais Estados Nacionais epara seus movimentos negros, a territorialidade negra rural passa a ser aborda-da a partir de um modelo pr-existente e consagrado na legislao nacional einternacional: o modelo indgena ou indigenista. Com isso, a tais comunidadesnegras rurais passam a ser atribudas qualidades e problemas que at entorestringiam-se s populaes aborgenes, associadas imagem de guardis daterra: laos de ancestralidade, uma cultura prpria, tradies e costumes, ocu-pao coletiva da terra e formas de produo tradicionais, questes relativas autonomia poltica e econmica etc. O que define substantivamente o universode interlocutores, mediadores, especialistas e agncias de Estado, no sem con-flito com relao ao mbito das respectivas competncias, todas ainda em adap-tao a esse novo e hbrido objeto de interveno.

    A dificuldade de contato entre as comunidades contempladas por essesnovos direitos e o seu restrito acesso educao formal, entre outros fatores,presentes tanto no Brasil quanto na Colmbia, condicionam o amplo conhecimen-to por elas das novas possibilidades abertas. Alm disso, a dificuldade de organi-zao de suas prprias agncias de representao, a morosidade no surgimentode lideranas de destaque regional ou nacional, a carncia de recursos paraviabilizar a organizao comunitria ou multicomunitria, tm levado sua de-pendncia das entidades governamentais ou no governamentais de apoio (medi-ao) e financiamento. Tais entidades, por sua vez, podem assumir um cartermais ou menos assistencialista, desenvolvimentista, racializante etc., em funoda vinculao de suas pautas de trabalho s pautas das agncias humanitrias ede cooperao internacionais, responsveis por suas fontes de recursos. Isso fazcom que o perfil que tais mobilizaes negras rurais assumem deve ser compre-

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    endido no apenas como a manifestao de demandas intestinas, que teriam sidocaladas durante todos esses anos passados, mas tambm, em uma parte conside-rvel, como produto dessa conexo entre micro e macro processos, resultantesde relaes globalizadas. Um ponto que, apesar de tudo que j foi dito sobre aglobalizao, ainda difcil de abordar sociolgica ou etnologicamente.

    Como corolrio das consideraes anteriores, parece confirmada ade-quao e mesmo a funcionalidade dessas novas formas de organizao scio-econmica e de resoluo de conflitos, baseadas em microcoletividades relati-vamente autnomas, a uma estratgia muito mais ampla, hoje designada comoneoliberal. Como sugere C. Gros (1994), o modelo de Estado preconizado porela seria o de uma agncia bem mais distanciada das questes locais, repassadorade responsabilidades, com limitadas funes de regulao do fluxo de capitais econflitos em que tais coletividades passariam a estar inseridas.

    Tal adequao e funcionalidade se dariam em dois sentidos. Primeiro, taismovimentos seriam uma resposta s novas necessidades de organizao socialimpostas pelas dificuldade das organizaes camponesas se manterem no planonacional em termos de um sindicalismo combativo. Da tambm uma importanteinverso na prtica dos movimentos indgenas atuais: em lugar de surgirem comotentativas de uma volta ao passado, se apresentam como demandas por moderni-zao e por incluso social, via educao, sade e apoio produo. Segundo,como sugere Gros, nesse novo modelo de Estado o reconhecimento das organi-zaes indgenas (e negras rurais) permitiria reduzir a interveno estatal, tornan-do-a uma interveno de baixa intensidade, frente a qual as prprias comunida-des seriam obrigadas uma contra-partida at ento inexistente. Isso aliviaria acarga de conflito normalmente depositada sobre o Estado quando este intervmdiretamente, administrando recursos ou executando projetos. Explicaria tambmporque as organizaes indgenas no so concesses, mas exigncias dessenovo Estado: quando elas no existem preciso cri-las.

    Finalmente, a etnizao dos conflitos fundirios em que tais populaesnegras esto envolvidas pode ser vista sob duas perspectivas que, como nocaso indgena, correspondem aproximadamente a duas escalas de observao.Em uma, apoiada em um recorte muito genrico e internacionalista, h a produ-o de uma macro-identidade que se ope das populaes brancas europiasou europeizadas, que ultrapassa fronteiras nacionais e recortes etnolgicos paraligar grupos muito distintos, sob categorias correntes como a de povos tradici-

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    onais, populaes tnicas ou mesmo povos autctones, como que em umarecaptura, com os sinais invertidos, da categoria de primitivos.

    Em outra, voltada ao plano local, h a produo de identidades excludentes,que renem e separam populaes vizinhas, por meio de pertencimentos cultu-rais e territoriais demarcados por particularidades aparentemente substantivas,como cor, origem, cultura material, lngua etc. Digo aparentemente substanti-vas porque sabemos que, nesses casos, ainda que se faa referncia a fatos eexperincias reais e diferenas concretas, as fronteiras que elas demarcamno esto predeterminadas por tais experincias e diferenas. Elas dependemsobretudo de uma casustica, definida em funo dos novos recursos materiaise simblicos disponibilizados, assim como das categorias classificatrias quelhes servem como referncia.

    Temos assim, um movimento de recuperao das diferenas culturais queleva simultaneamente a amplas conexes verticais, entre grupos muito diferentespor todo o globo, mas tambm ao particularismo horizontal, quando geram, ali-mentam ou acirram minsculos conflitos fronteirios e identitrios. Uma parado-xal composio entre tendncias globais e paroquiais, frente a qual o Estado e apoltica nacionais assumem posturas ambguas. Os novos direitos (indgenas nasdcadas de 60 e 70 e negros nos anos 90) tm por efeito promover uma confusoou sobreposio entre identidade e terra que leva ao desequilbrio do regime derelaes estabelecido ao longo de uma secular histria de convivncia.

    O mesmo regime que promove o direito a territrios de uso comum econsuetudinrio, tambm promove a indistino entre algo essencialmenterelacional, mutvel e plstico como as identidades sociais, de um lado e, deoutro, algo que tende a ser fixo, substantivo e delimitado por fronteiras precisas,como a terra. Nesse segundo caso, no se trata nem mesmo do amplo concei-to de territrio, ao qual todas essas iniciativas parecem remeter, mas da suacristalizao jurdico-administrativa na forma de reas reservadas (ou res-guardos) que, por norma estatal, devem ser exclusivas a pessoas de uma mes-ma identificao. Uma mimetizao e cristalizao de identidades e terri-trios que tm implicaes polticas importantes, como a promoo de prticasde excluso pautadas em critrios substantivos (apresentados como tnicos) eformalmente estabelecidos, onde antes existia o compartilhamento de territri-os vizinhos ou sobrepostos, administrado por meio de um complexo jogo decompensaes entre laos rituais, parentesco e alianas conjunturais.

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