usos e desusos da imagem iconizada de dilma … olavo... · quente, estimulante, acentua o destaque...
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USOS E DESUSOS DA IMAGEM ICONIZADA DE DILMA ROUSSEFF NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2010
Daiya Olavo Nakano (Design Gráfico 3º Ano - Universidade Estadual de Londrina)
INTRODUÇÃO
A bipolaridade presente nas eleições presidenciais de 2010, entre os
candidatos José Serra (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB) e Dilma Rousseff
(Partidos dos Trabalhadores), apontada por pesquisas eleitorais do período de julho a agosto
de 2010, indicavam um pequeno percentual de diferença de intenções de voto; segundo o
IBOPE, de 2 a 5 de agosto de 2010, a candidata petista contava com 44% das intenções de
voto, contra 39% do candidato do PSDB1 .
No dia 14 de agosto de 2010, a revista Época, da editora Globo, lançou no
mercado a edição nº 639, com a reportagem de capa “O Passado de Dilma” (figura 1). A
matéria então trazia uma reportagem iniciada por uma ilustração digital, criada a partir da foto
“três por quatro” (figura 2), que estampava a capa.
Figura 1: Capa da revista Época nº 639
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Figura 2: Ilustração digital
Esta ilustração foi criada especialmente para esta edição, sob a indicação do
diretor de arte da revista Marcos Marques, ao ilustrador Sattu Rodrigues2. Segundo o próprio
diretor, ao site O Globo3, em agosto de 2010:
Diante de uma foto com a importância histórica que esta tem, fica difícil conseguir algo melhor para colocar na capa. O que eu fiz foi melhorar o máximo a qualidade da foto 3×4, mantendo a originalidade. Para usar na abertura da matéria, pedi para o ilustrador Sattu fazer uma ilustração no estilo do Shepard. Gosto deste estilo que lembra os cartazes comunistas, mas tem um tratamento mais atual, não fica tão antigo. (MARQUES, 2010).
Um dia depois desta edição da revista Época ir às bancas, percebeu-se
primeiramente no ambiente virtual (comunidades virtuais, redes sociais) movimentações por
parte da comunidade militante e simpatizante da candidata Dilma Rousseff. Dois dias após, já
existiam sites (blogs) postos a divulgar a imagem produzida pela revista como imagem da
própria candidata, dessa vez, favorável a ela, como ícone de sua campanha.
O estudo a seguir é proposto como uma análise deste fenômeno de inversão
de valores, baseando-se no estudo da própria figura como forte signo representante que é: ele
como Imagem.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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A análise da imagem em si, proposta por este trabalho utiliza o ponto de
vista de Martine Joly3, como meio guia para a decomposição da Imagem produzida em pelo
menos duas faces – a peça como obra de comunicação visual e suas qualidades sígnicas.
Observações sobre a contextualização da imagem e seu papel no curso da
situação se aportam sobre o pensamento de Peter Burke4 e a respeito da função da imagem
como registro histórico.
METODOLOGIA DE ANÁLISE
Após uma breve observação sobre a situação da produção desta figura, é
importante a decomposição da mesma como forma de apresentar ao leitor suporte para a
compreensão dos meios de atuação sobre o observador e receptor da mensagem visual.
Segundo Joly, (2006, p. 92) este tipo de mensagem pode ser analisado sob três aspectos:
Mensagem plástica, mensagem icônica, e mensagem linguística. Sendo a primeira sobre seu
aspecto visual (cores, texturas, suporte), icônica referente às significações implícitas dos
signos inerentes e, linguística, no que diz respeito à polissemia da mensagem transmitida, ou
seja, suas várias possibilidades interpretativas.
Todos estes fatores reunidos têm como objetivo a decomposição da imagem
a fim de identificar os pontos de conexão dela para com o observador. No caso da imagem de
Dilma (a ilustração), é proposta uma visualização objetivas, baseando-se nos conceitos de
Joly, a fim de identificar posteriormente traços que possam talvez justificar conceitualmente o
apresso da militância para com esta imagem.
A IMAGEM E SUA PRODUÇÃO
Inicialmente, pode-se pensar no contexto eleitoral, na necessidade da
formação da identidade do candidato e do papel da mídia dentro deste cenário. A manipulação
da informação se iniciou no processo de escolha da fotografia para a produção da matéria a
ser veiculada no meio, no caso, a revista Época, devido à função referencial (Joly apud
Aumont, 1990) que uma imagem pode possuir, ou seja, por si só possui informações
referenciais à situação e contexto em que foram produzidas, e estas, dependendo do suporte
inserido, pode adquirir sentidos divergentes de seu original.
Para a correta compreensão de uma imagem, esta necessariamente precisa
estar inserida no contexto de sua produção; imagens utilizadas fora de seu tempo tendem a
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provocar errôneas interpretações por parte do expectador em relação à questão da
identificação dos “discursos” da imagem (BURKE, 2001, p. 180), ou seja, assim, a própria
ambientação, envolvendo cenário, situação emocional entre outros, influenciando no resultado
final.
A imagem em questão, primeiramente, a da capa, se trata de uma fotografia
3x4, extraída de um documento oficial como se pode ver no vídeo5 postado pela no canal
oficial da própria Época. Levando em consideração a situação em que fotografias
documentais são tiradas, tem-se a expressão séria no rosto da pessoa fotografada.
A reportagem na qual foi inserida como ilustrativa, trata-se um relato da
época da ditadura militar, mais especificamente entre os anos de 1967 e 1970, cujo subtítulo
diz que “... os processos da Justiça Militar revelam sobre a jovem que se tornou líder de uma
das organizações que pegaram em armas contra o Governo”, ou seja, parte de uma mídia
controversa à candidata.
A inserção desta imagem – a ilustração – no início desta reportagem, em
página inteira, tende a chamar a atenção do leitor como um retrato da mesma Dilma,
participante das ações relatadas. A utilização da cor vermelha ao fundo age neste momento
como um ícone para a imagem comunista, dito na época “perigo vermelho” e outras
expressões do tipo.
Outra importante associação visual para com as proporções e disposição
espacial da foto é com a foto de Alberto Korda, de Che Guevara, inclusive, em relação ao
olhar de ambos, na foto de Korda e na Ilustração de Sattu (figura 4).
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Figura 4: Fotografia de Che Guevara (Alberto Korda, 5 de março de 1960)
A ilustração de Sattu, tratando-se de uma estilização composta também
pela modificação de traços da face de Dilma, pode ser observada com modificação nos olhos
(figura 5), principalmente o esquerdo cuja pálpebra foi acentuada, cerrando mais o olhar; Nos
cabelos também se pode observar acentuação da forma (figura 6), bem como alteração de sua
proporção em relação ao rosto. Com a alteração do contraste nas sombras, o formato do rosto
também foi modificado, tornando-o menos arredondado, como a foto original sugere. Dessa
sombra, também se percebe alteração de formato do nariz e sobrancelha, testa, queixo, orelha.
Figura 5: Comparação da foto antes do retoque e ilustração
Todos estes aspectos observados, principalmente em relação ao formato do
rosto e as curvas arredondadas da fotografia original, levam ao espectador a imagem de uma
mulher mais madura e determinada, firme, conforme as linhas utilizadas pelo ilustrador que,
desta forma, deixou de lado o rosto redondo, característica da idade jovem da militante Dilma,
bem como a falta de nitidez provocada pela baixa qualidade da própria fotografia.
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Estas modificações todas são acentuadas ainda mais pelos “olhos” da
ilustração, que se posicionam no centro de atração da imagem e do rosto. Se antes estes olhos
estavam por baixo das lentes dos grande óculos, não se revelando claramente, na ilustração se
mostra claro, nítido e de posse de um olhar desafiador e seguro.
Figura 6: Comparação de cabelo, sombra e formato de rosto
O vermelho escolhido para o fundo provoca alto contraste, e sendo esta cor
quente, estimulante, acentua o destaque da imagem da candidata e, fazendo uma analise sobre
os signos plásticos, como sugere Joly (JOLY, p.100), temos a cor entre os fatores de
percepção da imagem. (tabela 1)
Significantes Plásticos Significados quadro Centralizado: presente
enquadramento Fechado no rosto e busto: proximidade ângulo de tomada frontal : rigidez, seriedade
composição Frontal: estático formas Massa: Rígida, dura
dimensões Média: realidade cores Quentes e intensas (vermelho e marrom escuro)
textura Granulado: envelhecido
Tabela 1: Tabela de Signos Plásticos
A cor vermelha nesta intensidade e sem variação tonal, combinado ao
acabamento rígido, remete à obra de Andy Warhol6 e o pop arte (figura 7), tal qual a obra de
Shepard Fairey7; Dado o apelo visual atual proporcionado por estas características, a
reprodutibilidade, (traço inerente à pop arte) da qual descende o trabalho de Fairey enquanto
produtor de sticker.
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Figura 7: Liz – Andy Warhol – Litografia sobre papel. Ano: 1964
Advindo do meio do skateboard, Fairey que hoje possui seu trabalho
reconhecido como ilustrador, teve seu trabalho desenvolvido no meio urbano, com a “cultura
de rua” de sticker, adesivo feito em papel, geralmente por meio de técnicas de fotocópias ou
stencil (espécie de molde cortado em chapas baratas e maleáveis (como acetato)) a fim da
reprodução barata em grande quantidade, sob a idéia de que a rua é um meio urbano público,
passiva de mensagens visuais ou escritas por seus utilizadores. Em 1989, Fairey produziu o
adesivo “Andre the Giant Has a Posse”, imagem que passou a ser impressa e reproduzida
inexplicavelmente, aparecendo em diversos pontos dos Estados Unidos, sem qualquer fim a
não ser a autodivulgação. Deste momento em diante, trabalha pessoalmente com temas
relacionados à política, e teve notoriedade em 2008, com a produção do cartaz em stencil com
a imagem “Hope” (Esperança) de Barack Obama (figura 8).
Figura 8: Hope – Shepard Fairey
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A DIFUSÃO DA IMAGEM
A imagem de Dilma produzida para Época então possui um traço simples ta
tais quais as referências apresentadas, o que a faz ser facilmente reproduzida, pensando-se no
meio físico (estamparia - figuras 9) ou, tanto quanto por vias virtuais sujeita à edições
simplistas como de fato aconteceu: a imagem se tornou tanto estampa para camiseta quanto
imagem virtual usada em avatares (tipo de imagem, geralmente icônica, utilizada em
programas de conversação, como forma de identificação do comunicador na web). (figura 10)
Figura 9: Telas prontas para estamparia
Figura 10: Perfil na rede social Twitter
Abaixo, podem ser observados alguns exemplos de fotos publicadas em
diários virtuais diversos, demonstrado o uso dessa camiseta por militantes da candidata,
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alterando sua legenda, demonstrando a versatilidade da informação visual proporcionada pela
ilustração. (figura 11).
Figura 11: fotos de militantes da candidata Dilma, trajando camiseta com a imagem
Assim como o trabalho de Fairey com relação à expressão visual na
ilustração, da esperança dirigida ao candidato, internautas brasileiros o mesmo fizeram com a
imagem de Dilma. Atribuíram à ilustração originalmente feita para mal associar a candidata,
elementos que de certa forma expressaram a esperança e os anseios da população com relação
a seu governo.
Foram produzidas inúmeras imagens que serviram para ilustrar postagens
em blogs, alguns álbuns fotográficos e programas de bate–papo, hora em tom político, hora
em tom de humor, a imagem feita por Sattu ganhou vida e força própria nas mãos dos
militantes e simpatizantes da candidata.
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Figura 12: Ilustração de Dilma em variadas versões, feitas por internautas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando o momento das eleições no qual foi publicada esta edição da
Época, pode-se compreender um momento de tentativas de oposição e construção ainda da
imagem das campanhas e dos candidatos, na tentativa de obter em alguns meses o resultado
favorável desejado.
O fato da veiculação da imagem por parte da revista Época - uma ilustração
de tamanha pregnância visual8 pode-se entender como uma estratégia de divulgação da
própria reportagem, no sentido de associar negativamente a imagem da candidata, porém, ao
ser publicada, possuindo em si tamanho apelo visual no sentido compositivo da imagem, sua
original intenção foi invertida e passou a possuir em si a personalidade de uma mulher
(primeira mulher candidata a presidente do país), forte, que, apesar de toda a turbulência
passada na juventude, firmava naquela imagem, a candidata que poderia representar o que o
eleitor desejasse. Ali era uma imagem, forte e acessível.
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REFERÊNCIAS
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BURKE, Peter. Testemunha Ocular. Tradução: Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru:
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http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/blogs-amigos/herchcovitch-vai-aproveitar-essa-
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JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Tradução: Marina Appenzeller. 10ª Edição,
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LOYOLA, Leandro, SILVA, Eumano, ROCHA, Leonel . Trecho da reportagem Dilma na
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18176,00-DILMA+NA+LUTA+ARMADA+TRECHO.html>. Acessado em 20 de março de
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MACK, Paulo. Ilustrações disponíveis download: imagens de Dilma Rousseff, em alta
resolução, para camisetas. Disponível em
<http://blogdomack.wordpress.com/2010/08/18/artistas-lancam-camisetas-e-defendem-
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TRÊS Vozes. Camisetas “Dilma Neles”. Disponível <
http://tresvozes.blogspot.com/2010/09/camiseta-dilma-neles_25.html>. Acessado em 29 de
março de 2011.
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1UNIVERSO Online – Eleições 2010 – Pesquisa Eleitoral. Disponível em <http://eleicoes.uol.com.br/2010/pesquisas-eleitorais/brasil-presidente-segundo-turno-ibope.jhtm> . Acessada em 20 de março de 2011. 2 SATTU Rodrigues. Portifólio digital disponível em http://www.sattu.xpg.com.br. 3 JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Tradução: Marina Appenzeller. 10ª Edição, Campinas: Papirus Editora, 2006. 4 BURKE, Peter. Testemunha Ocular. Tradução: Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004. 5 YOUTUBE. Saiba como foi feita a capa da edição 639 de Época. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=L2nWlP1A2Ao>. Acessado em 30 de março de 2011. 6 Andy Warhol: Pintor, fotógrafo e Cineasta norte americano, expoente do movimento Pop Art da década de 1960. 7 FAREY, Shepard. Galeria. Disponível em < http://obeygiant.com/archives > . Acessado em 20 de março de 2011. 8 Pregnância Visual: Princípio da simplificação natural da percepção. Quanto mais simples, mais facilmente é assimilada: desta forma, a parte mais facilmente compreendida em um desenho é a mais regular, que requer menos simplificação.
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