uso racional de medicamentos na odontologia:...
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USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS NA ODONTOLOGIA:
conhecimentos, percepes e prticas
Renata Rodrigues de Figueiredo
Salvador - BA
Junho de 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE SADE COLETIVA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE
REA DE CONCENTRAO EM VIGILNCIA SANITRIA
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Renata Rodrigues de Figueiredo
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS NA ODONTOLOGIA:
conhecimentos, percepes e prticas
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Sade Coletiva do Instituto de Sade Coletiva da
Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para
obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva.
rea de concentrao: Vigilncia Sanitria
Orientao: Prof. Dr. Maria Ligia Rangel Santos
Salvador - BA
Junho de 2009
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Ficha Catalogrfica
Elaborao: Biblioteca do Instituto de Sade Coletiva
_____________________________________________________________ F475u Figueiredo, Renata Rodrigues de.
Uso racional de medicamentos na odontologia: conhecimentos, percepes
e prticas / Renata Rodrigues de Figueiredo. - Salvador: R.R. Figueiredo,
2009.
106f. Orientador(a): Prof. Dr. Maria Ligia Rangel Santos . Dissertao (mestrado) - Instituto de Sade Coletiva. Universidade Federal
da Bahia.
1. Uso de Medicamentos. 2. Cirurgio-dentista. 3. Propaganda de
Medicamentos. Prticas Odontolgicas. I. Ttulo.
CDU 614.3
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Dedicatria Dedico aos meus queridos familiares, que me
apiam nas minhas atividades e projetos, vibram por mim e completam minha vida.
Ao meu sobrinho Lucas, minha inspirao que nasceu na fase final da realizao deste trabalho.
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Agradecimentos
A Deus, obrigada por tudo.
minha me e ao Cassio, que me deram apoio e suporte para alcanar este objetivo.
s amigas Lorilei Wzorek e Fernanda Horne, farmacuticas, que muito contriburam durante todas
as fases deste trabalho.
Aos colegas do curso, especialmente s amigas Renata e Suzany, pelo apoio recproco.
minha orientadora, que soube intervir nas horas certas.
Aos cirurgies-dentistas que concederam as entrevistas e a todos que de alguma forma
colaboraram para a realizao deste estudo.
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A tendncia moderna, na teraputica geral e odontolgica, consiste no tratamento da molstia, sbre bases racionais. O moderno odontologista no
se contenta em saber apenas que tal agente cura tal enfermidade, quer saber por que.
Buckley, 1956
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RESUMO
O cirurgio-dentista faz uso de medicamentos comumente na prtica clnica e devem-se
observar critrios preconizados pela Organizao Mundial de Sade (OMS) para seu uso racional. Estudos apontam vrios problemas no uso de medicamentos pelo cirurgio-dentista e
que em geral est mal preparado para indicao e prescrio de frmacos para seus pacientes. Desta forma, importante anlise de seus conhecimentos, percepes e prticas sobre uso de medicamentos, sendo que o estudo objetivou descrever a percepo de cirurgies-dentistas
sobre medicamentos quanto ao uso racional, as fontes de informao utilizadas e a influncia da propaganda na prescrio. A pesquisa foi desenvolvida com abordagem qualitativa, com
coleta de dados realizada no Distrito Federal, por meio de entrevista individual, orientada por um roteiro semi-estruturado, com dez informantes-chave selecionados de acordo com fatores que podem estar relacionados a diferentes prticas e percepes. Para a anlise de contedo
dos dados obtidos pela pesquisa de campo foi utilizada a tcnica de anlise temtica. Os resultados mostraram que os entrevistados consideram seus conhecimentos sobre teraputica
medicamentosa insuficientes para uma correta e segura prescrio. Foi observado que o entendimento sobre uso racional de medicamentos limitado, se confunde com a deciso de utilizar os medicamentos somente quando necessrio, sendo que seus preceitos foram
parcialmente observados. A prescrio da dose correta foi a mais relacionada ao uso racional; o uso do medicamento apropriado s necessidades clnicas foi resumido indicao certa e
precisa; o tempo adequado de tratamento foi pouco destacado; e apenas um entrevistado relacionou o menor custo ao uso racional de medicamentos. Todos entrevistados desconhecem a proposta da OMS para o uso racional de medicamentos, bem como
estratgias, intervenes e instrumentos para a promoo do uso racional de medicamentos, o que restringe a participao na formulao destas polticas e a efetivao do uso racional de
medicamentos na odontologia. A fonte de informao sobre medicamentos mais utilizada pelos cirurgies-dentistas o Dicionrio de Especialidades Farmacuticas, seguida por pesquisas em sites de busca na Internet e livros didticos. Est presente a percepo da
influncia das estratgias promocionais da indstria farmacutica na prescrio odontolgica, principalmente pela divulgao de medicamentos novos por meio dos representantes da
indstria farmacutica, pela distribuio de amostras grtis, pela distribuio de receiturios prontos e no oferecimento de vantagens. A sensibilizao, a rpida prescrio e o uso amplamente difundido entre os cirurgies-dentistas dos antiinflamatrios inibidores seletivos
da COX-2 foram atribudos diretamente influncia da propaganda da indstria farmacutica na prescrio odontolgica. O estudo demonstrou a dependncia das informaes fornecidas
pela indstria farmacutica para o conhecimento e a atualizao profissional sobre medicamentos. necessrio o estabelecimento de uma poltica de comunicao, bem como aes de informao e educao acerca dos aspectos envolvidos no uso racional de
medicamentos junto aos cirurgies-dentistas. preciso intensificar a regulao e fiscalizao sobre a propaganda de medicamentos; que disponibilize aos cirurgies-dentistas fontes de
informao independentes sobre medicamentos; desenvolver aes que estimulem atitude crtica sobre as informaes fornecidas pela indstria farmacutica e a conduta baseada em evidncias cientficas; e estabelecer uma poltica de incluso destes profissionais prescritores
para o uso racional de medicamentos.
Palavras-chave: uso racional de medicamentos, cirurgio-dentista, difuso cientfica, propaganda de medicamentos, prticas odontolgicas.
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ABSTRACT
The dentist uses medicines commonly in clinical practice and the criteria recommended by the World Health Organization (WHO) should be observed for its rational use. Studies indicate
many problems in the use of medication by the dentist and that is because usually they are not prepared to indicate and prescribe medicines for their patients. Thus, the analysis of their
knowledge, perceptions and practices on medication use is very important, and the study aimed to describe the perception of dentists on medicines and its rational use, the source of information used and the influence of advertising on prescription. The research was conducted
with a qualitative approach, it was held at the Federal District of Brazil, through individual interviews, guided by a semi-structured script, with ten key informers selected according to
factors that may be related to different practices and perceptions. For the content analysis of the data obtained by the field research it was used the technique of thematic analysis. The results showed that the interviewees consider their knowledge of drug therapy insufficient for
a correct and safe prescription. It was observed that the understanding of rational use of drugs is limited, it is confused with the decision of using the medicines only when necessary,
because its precepts were partially observed. The prescription of the correct dose was the most related to rational use; the use of appropriate medications to clinical needs was limited to right and precise indication; the appropriate time of treatment was just posted; and only one
interviewee related the lowest cost to the rational use of medicines. All interviewees dont know the proposal of the WHO for the rational use of medicines, as well as the strategies,
interventions and tools to promote the rational use of medicines, which restricts the participation in the formulation of policies and effectiveness of the rational use of medicines in dentistry. The source of information on medicines most used by surgeons-dentists is the
Dicionrio de Especialidades Farmacuticas, followed by the research on the Internet and textbooks. The perception of the influence of promotional strategies of the pharmaceutical
industry on prescribing dental is present, especially for the dissemination of new drugs by the representatives of the pharmaceutical industry, given the distribution of free samples, the distribution of ready prescriptions and the offers of advantages. The awareness, fast
prescription and widespread use among dentists of anti-inflammatory selective inhibitors of COX-2 were directly attributed to the influence of pharmaceutical industry advertising
strategies on dental prescription. The study showed dependence on information provided by the pharmaceutical industry to update professional knowledge on medicines. It is necessary to establish a communication policy and actions of information and education about the issues
involved in the rational use of medicines with the dentists. We must strengthen the regulation and control on the advertising of medicines that provides to the dentists independent
medicines information, developing activities to stimulate critical attitude on the information provided by the pharmaceutical industry and conduct based on scientific evidence, and establish policies to include these professionals responsible for prescriptions in the rational
use of medicines.
Keywords: rational use of medicines, dentist, diffusion of science, drug advertising, dental practices.
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SUMRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS......................................................... 09
1 INTRODUO.................................................................................................... 10
2 OBJETIVOS......................................................................................................... 18
2.1 Objetivo geral....................................................................................................... 18
2.2 Objetivos especficos........................................................................................... 18
3 JUSTIFICATIVA................................................................................................. 19
4 MARCO REFERENCIAL.................................................................................. 21
4.1 O uso racional de medicamentos......................................................................... 21
4.2 Difuso cientfica, comunicao e o uso racional de medicamentos ................ 25
4.3 Os requisitos para o uso racional de medicamentos......................................... 29
4.4 Fontes de informao sobre medicamentos ....................................................... 31
4.5 O uso racional e a propaganda de medicamentos ............................................. 35
5 METODOLOGIA................................................................................................ 39
5.1 Aspectos ticos...................................................................................................... 41
6 RESULTADOS E DISCUSSO......................................................................... 43
6.1 Conhecimentos sobre terapia medicamentosa................................................... 43
6.1.1 Conhecimentos sobre os anestsicos locais........................................................... 45
6.2 O uso racional de medicamentos para os cirurgies-dentistas........................ 47
6.2.1 Os critrios e passos utilizados para o uso e prescrio de medicamentos............ 47
6.2.2 A definio de uso racional de medicamentos para os cirurgies-dentistas.......... 53
6.2.3 O conhecimento da proposta da OMS para o uso racional de medicamentos ..... 56
6.3 Fontes de informao sobre medicamentos utilizadas pelos cirurgies-
dentistas.................................................................................................................
60
6.4. A influncia das estratgias promocionais da indstria farmacutica na
prescrio odontolgica.......................................................................................
71
6.4.1 A percepo sobre as informaes fornecidas pela indstria farmacutica........... 82
7 CONCLUSES E RECOMENDAES.......................................................... 87
REFERNCIAS................................................................................................... 91
ANEXOS............................................................................................................... 104
Anexo A Parecer de Aprovao do Comit de tica em Pesquisa................ 104
Anexo B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................ 105
Anexo C Roteiro semi-estruturado para entrevista....................................... 106
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
CBM Compndio de Bulas de Medicamentos
CIM Centro de Informao sobre Medicamentos
CFO Conselho Federal de Odontologia
COX Cicloxigenase
DEF Dicionrio de Especialidades Farmacuticas
FDA Food and Drug Administration
OMS Organizao Mundial de Sade
RDC Resoluo da Diretoria Colegiada
Rename Relao Nacional de Medicamentos Essenciais
SUS Sistema nico de Sade
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1 INTRODUO
O uso de medicamentos uma preocupao mundial, sendo numerosos os estudos
sobre medicamentos, que se relacionam prtica mdica, ao uso racional, ao padro de
prescrio, que evidenciam as reaes adversas, o aumento da resistncia bacteriana e avaliam
as polticas farmacuticas, a questo do acesso aos medicamentos, a influncia da propaganda
na prescrio e consumo de medicamentos, dentre outros.
Em odontologia, pouco se tem analisado a insero do medicamento na prtica
clnica (CASTILHO, 1999). Provavelmente porque nas afeces bucais, os procedimentos
clnicos e/ou cirrgicos sejam imprescindveis para o sucesso do tratamento odontolgico e a
prescrio medicamentosa seja complementar. De acordo com Tortamano (2001), a
teraputica clnica ocupa papel de destaque nos tratamentos odontolgicos, ficando a
teraputica medicamentosa restrita ao papel de complementao clnica do profissional, mas o
que no quer dizer que no seja constantemente utilizada.
O cirurgio-dentista faz uso de medicamentos comumente na prtica clnica, como o
caso da administrao de solues anestsicas, imprescindvel para muitos procedimentos
odontolgicos, em virtude da dor. Desta forma, deve possuir timo conhecimento sobre a
farmacologia e toxicidade dos anestsicos locais, selecionando a soluo anestsica mais
apropriada ao tipo de procedimento e condio de sade do paciente (ANDRADE, 2006).
Alm do uso de medicamentos administrados pelos cirurgies-dentistas, a prescrio
medicamentosa amplamente utilizada por estes profissionais. A literatura odontolgica
mundial unnime em afirmar que os cirurgies-dentistas prescrevem com grande freqncia
antiinflamatrios, analgsicos e antibiticos/quimioterpicos (VILAA, 2003). Porm, o
autor tambm ressalta que existe concordncia geral de que o cirurgio-dentista est mal
preparado para a indicao e prescrio de frmacos para seus pacientes.
O cirurgio-dentista deve possuir uma srie de conhecimentos sobre farmacologia e
teraputica para uma prescrio adequada e racional. Estudos no Brasil demonstram que os
medicamentos mais prescritos pelos cirurgies-dentistas so analgsicos, antiinflamatrios e
antibiticos (SIXEL, 1995; CASTILHO, 1999; PACHECO, 2000; VILAA, 2003), sendo
indicados principalmente no manejo da dor (como para prevenir a dor, edema, eritema e
hipertermia local, de carter inflamatrio decorrente de uma interveno ou para controlar a
dor j instalada) e para prevenir e tratar processos infecciosos.
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Um estudo na Espanha em uma farmcia comunitria observou que uma porcentagem
relevante (11,2%) de todos os antibiticos so prescritos devido a infeces odontognicas e
que os odontlogos foram responsveis por 6,1% das prescries de antibiticos
(MACHUCA, 2000). Na Inglaterra, Palmer (2000) refere-se a um levantamento de que houve
prescrio de mais de 3,5 milhes de antibiticos por cirurgies-dentistas em 1997,
correspondendo a 7% da prescrio de todos antibiticos na comunidade e a um custo de 5,2
milhes de libras.
Porm, as pesquisas apontam srios problemas na prescrio odontolgica falta de
registro em pronturios, erros na estrutura formal e escolha dos medicamentos, despreparo
dos profissionais, prescries no condizentes com a literatura cientfica, grande variedade de
condutas de prescrio para uma mesma situao clnica, dentre outros produzindo impacto
na qualidade de vida dos pacientes e para a sade pblica (SIXEL, 1995; CASTILHO, 1999;
PACHECO, 2000; VILAA, 2003).
Dailey (2001) investigou a prescrio de antibiticos realizadas por cirurgies-
dentistas em 1069 consultas de urgncia. A maioria dos pacientes atendidos relatou dor e 35%
apresentavam pulpite, sendo que em 75% destes atendimentos, foram prescritos antibiticos
sem qualquer interveno cirrgica, o que demonstra prescrio inapropriada destes
medicamentos.
As conseqncias da m prtica de prescrio so tratamentos ineficazes e inseguros,
exacerbao ou prolongamento da doena, desconforto e dano ao paciente, custo demasiado
alto para o indivduo e o sistema de sade (MEHTA, 2004 apud WANNMACHER, 2007).
Como os frmacos so substncias estranhas ao organismo, diante de sua utilizao
existe o risco de desenvolvimento de efeitos prejudiciais ou indesejados, ou seja, reaes
adversas a medicamentos. Tais reaes constituem em importante problema para a rea de
sade, determinando sofrimento e piora da qualidade de vida, perda da confiana nos
prescritores, necessidade de exames e tratamentos adicionais, aumento de custos, de
hospitalizaes e eventualmente de mortalidade (WANNMACHER, 2007).
Alm das reaes adversas, existem outras preocupaes relacionadas ao uso de
medicamentos, como a resistncia microbiana, que um dos problemas de sade pblica mais
graves do mundo. Cresce a um ritmo acelerado, devido ao uso inapropriado de
antimicrobianos. A utilizao indiscriminada de antimicrobianos na prtica odontolgica,
tambm pode levar ao desenvolvimento de microorganismos resistentes e alterao da
microbiota oral, exigindo seu uso criterioso e adequado (MEDEIROS, 2008). Bresc-Salinas
(2006) afirma que o uso sistemtico por dentistas de antibiticos de amplo espectro para
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infeces leves resulta em um sobretratamento, que contribui para o aumento da resistncia
microbiana da flora bucal, repercutindo para outros ecossistemas.
Os antiinflamatrios no-esterides so frmacos de uso comum na odontologia, mas
s devem ser utilizados em processos inflamatrios clinicamente relevantes, em que dor,
edema e disfuno decorrentes trazem desconforto ao paciente. Os efeitos indesejveis so
comuns e correspondem principalmente a alteraes gstricas leves ou graves, risco
aumentado para acidentes vasculares, toxicidade renal, ao antiplaquetria e efeitos na
presso arterial (POVEDA RODA, 2007).
Alm disso, na prtica odontolgica comum a prescrio associada de
antiinflamatrios no-esteroidais e antibiticos, porm existem muitas interaes potenciais
entre essas duas categorias de medicamentos, sendo a mais comum a reduo da
biodisponibilidade dos antibiticos (POVEDA RODA, 2007b). Wannmacher (2007) ressalta
que em processos infecciosos, administrar antiinflamatrios em conjunto com antibiticos no
racional, j que a inflamao faz parte do mecanismo de defesa do organismo.
Os cursos de graduao pouco enfatizam a prescrio medicamentosa e a associao
da farmacologia bsica prtica odontolgica, ocasionando cirurgies-dentistas
despreparados para a prescrio correta e segura. A prescrio medicamentosa uma
realidade na prtica clnica do cirurgio-dentista. s vezes, o tratamento mais adequado
no-medicamentoso, mas quando indicado, devem-se utilizar critrios para seu uso racional,
sendo necessrio: prescrever o medicamento apropriado, que esteja disposto oportunamente e
a um preo acessvel, que se dispense nas condies devidas e que seja utilizado na dose e
intervalos indicados e durante o tempo prescrito (OMS, 1986).
A prtica odontolgica dos profissionais que atuam no Sistema nico de Sade
(SUS) possui especificidades que podem estar relacionadas a diferentes percepes com
relao ao uso racional de medicamentos, j que muitos atuam em hospitais, em equipes com
outros profissionais de sade e podem ter maior aproximao com as polticas pblicas de
sade. Por isso, alm dos cirurgies-dentistas que atuam no sistema privado, a pesquisa
tambm abrange profissionais que atuam no SUS. Estudos mostram que existem avanos
considerveis na insero da odontologia no SUS, com insero objetiva e orgnica das
prticas de sade bucal na sociedade, com prticas dirigidas aos conceitos bsicos do SUS,
que podem vir a constituir caminhos possveis para uma transformao da prtica em sade
bucal coletiva, mais de acordo com o projeto de vida e com as necessidades da populao
(CORDN, 1998).
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Porm observam-se dificuldades ligadas abordagem dos problemas de sade bucal
de forma coletiva e integral, falta de conscincia de trabalho em equipe multiprofissional e de
reorganizar as prticas de sade coletiva e da nfase das aes de promoo da sade. Muitas
vezes, se reproduz no espao pblico a mesma forma hegemnica do espao privado
(CORDN, 1998).
Existe desinteresse dos alunos de graduao pelas questes de sade coletiva, que
reflete uma construo de imagem social do cirurgio-dentista voltado a uma prtica
individualista, mercadolgica e tecnicista (ZILBOVICIUS, 2005). Na gesto da odontologia
no SUS, tambm apontada falta de capacitao especfica dos gestores para rea da
odontologia de sade pblica, com uma linha que se adeque s necessidades e tica do SUS
(KASPER, 2001).
Kasper (2001) investigou a prtica odontolgica no SUS, no Rio Grande do Sul e
mostrou que a prtica continua centrada na ateno bsica, entendida como realizao de
restauraes, profilaxia, extrao e atendimento de urgncia, havendo nfase em atividades
curativas, com prioridade para crianas e em alguns casos agregam-se grupos populacionais
como idosos e gestantes. No existe um mtodo coletivo de interveno ou aes integrais,
mas atividades soltas com conotao preventivo- informativa.
Cordn (1998) avaliou a prtica odontolgica por meio de observaes, entrevistas,
questionrios e documentos oficiais de treze municpios, de sete estados brasileiros e do DF.
A maioria dos municpios se preocupa com a universalidade e equidade nas sociedades onde
os profissionais trabalham, mas a ateno das crianas de 7 a 14 anos continuou prioritria.
Constatou certa abstrao com relao participao da classe de odontologia nos Conselhos
Municipais de Sade e dificuldades na abordagem da populao, cuja nfase continua sendo
corporativa, com o planejamento dominado pelos cirurgies-dentistas, sem a participao da
sociedade, com quase nenhuma autonomia, enraizada no nvel central. Destacou dificuldade
de se obter eficcia social, pois os resultados poltico-administrativos so pouco relevantes,
apesar de aumento dos aspectos preventivos e clnicos, a nfase curativa supera a promoo
da sade. Na anlise da questo financeira e do planejamento de sade bucal, ficou clara a
posio dos municpios com relao escassez de recursos e a contnua presso para
racionalizar os custos.
Zilbovicius (2005) analisou o processo de insero da sade bucal no SUS, no que
diz respeito universalizao da assistncia e busca por uma integralidade em municpios
do estado de So Paulo. Observou que a grande maioria (97,3%) das unidades bsicas de
sade mantm algum tipo assistncia de odontolgica. As aes coletivas so praticamente
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voltadas para crianas, no universalizando o acesso a estas aes s demais faixas etrias. A
presena de ambulatrios de especialidades em sade bucal foi constatada em apenas 19,6%
dos municpios, sendo que somente 52% dos municpios oferecem atendimentos
especializados. Dentre as especialidades odontolgicas oferecidas, apresentam endodontia
(29,7%), cirurgia oral menor (26,8%), prtese total (26,5%), periodontia (15,6%) e cirurgia
buco-maxilo-facial (10,1%).
Os processos de construo e insero da sade bucal no SUS apresentam srias
dificuldades em sua legitimao social. A relao social entre a categoria odontolgica e a
populao permanece exclusivamente tcnica e pouco participativa, apesar de alguns esforos
para superao (CORDN, 1998). Neste sentido, Zilbovicius (2005) afirma que apesar de
importantes iniciativas, como a implantao do programa Brasil Sorridente do Ministrio da
Sade, que propicia ateno bucal em vrios nveis de complexidade pelo pas, necessrio
fortalecimento do controle social e participao da sociedade para garantia de implantao
dessas medidas, conquista de melhor nvel de sade bucal e melhor vida social.
A Organizao Mundial de Sade (OMS) estima que mundialmente, mais da metade
de todos os medicamentos so prescritos, dispensados, ou vendidos inadequadamente, bem
como a metade dos pacientes no tomam seus medicamentos corretamente. Alm disso, cerca
de um tero da populao mundial no tem acesso aos medicamentos essenciais (OMS, 2002).
Para que o cirurgio-dentista racionalize a prescrio de medicamentos, necessrio
que perceba sua importncia, entendendo os problemas e a preocupao mundial relacionados
s prticas irracionais. Deve conhecer o real papel dos medicamentos no processo preveno e
tratamento, bem como os preceitos sobre a correta seleo, indicao, as interaes
medicamentosas, os efeitos nocivos, o controle dos frmacos e outros.
De acordo Wannmacher (1999), o dentista deve possuir os devidos conhecimentos
sobre os medicamentos, para que constitua seu prprio armamento teraputico, abrindo
caminho na selva mercadolgica dos medicamentos e safando-se da ofensiva propagandstica,
nem sempre concernente com os princpios cientficos e ticos.
O profissional deve receber formao e educao continuada adequadas para
identificar e resolver os problemas e avaliar a informao recebida de forma mais crtica. Esta
deve ser objetiva quanto eficcia, inocuidade e qualidade do medicamento e ser utilizada
corretamente. Existem muitas crticas propaganda da indstria farmacutica, devido ao seu
carter invasivo e falta de objetividade, apresentao de informaes parciais, sem
fundamentao cientfica e muitas vezes no pautada nos princpios bioticos.
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O principal objetivo da propaganda da indstria farmacutica manter e ampliar as
vendas. As estratgias de marketing so utilizadas muitas vezes com finalidades de
multiplicar lucros em detrimento da qualidade da informao veiculada, ocultando ou
diminuindo os aspectos negativos e superestimando benefcios dos produtos (MINISTRIO
DA SADE, 2005).
Por isso, dentre as principais intervenes para promover o uso mais racional dos
medicamentos, incluem-se a regulamentao apropriada das atividades relacionadas e o rigor
na aplicao. A regulamentao das atividades de todos os atores envolvidos no uso dos
medicamentos crtica para garantir o seu uso racional. Neste sentido, destacam-se como
medidas regulatrias o monitoramento e regulamentao da promoo de medicamentos.
(OMS, 2002).
A legislao brasileira, da Constituio s leis ordinrias e complementares, aponta a
obrigao do Estado em regulamentar e controlar a propaganda de medicamentos. Desde
cedo, foi incorporado ao esprito das leis o entendimento que tal propaganda traz em seu bojo
um risco sanitrio potencial e que os cidados devem ser protegidos na sua vulnerabilidade
(JESUS, 2003 apud RUBINSTEIN, 2007).
Sob a tica da defesa do interesse coletivo, a Constituio Federal de 1988 criou
limites propaganda de produtos, prticas e servios que possam ser nocivos sade e
determinou que a propaganda de medicamentos e terapias deve estar sujeita a restries legais
(NASCIMENTO, 2003).
A Assemblia Mundial de Sade aprovou os Critrios ticos para a Promoo de
Medicamentos (OMS, 1988). Considera promoo quaisquer atividades informativas e de
persuaso que realizam os produtores de medicamentos a fim de induzir a prescrio, a
proviso, a aquisio ou a utilizao de medicamentos.
A Lei 6.360 de 23 de setembro de 1976, que dispe sobre a vigilncia sanitria a que
ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacuticos, correlatos, cosmticos
saneantes e outros e o Decreto n 79.094/77, que a regulamenta, j contemplava a regulao
da rotulagem e publicidade de medicamentos. Previu a importncia da regulamentao da
propaganda, mesmo que estabelecendo regras limitadas.
O Cdigo de Defesa do Consumidor, institudo pela Lei n 8.078/90, trouxe
conquistas importantes, aplicveis propaganda de medicamentos, dentre elas o direito do
consumidor informao adequada, clara, certa e completa sobre produtos e servios e a
proibio da publicidade enganosa ou abusiva.
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Em 15 de julho de 1996, foi promulgada a Lei n 9.294 (BRASIL, 1996), que delimita
restries propaganda de produtos fumgenos, bebidas alcolicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrcolas (BRASIL, 1996). Considerando os textos legais, Nascimento (2003)
ressalta que h muito tempo o Estado brasileiro possua elementos suficientes para regular e
fiscalizar a propaganda de medicamentos no pas, porm foram constantemente
desrespeitados.
A partir de 2000, a regulamentao das propagandas de medicamentos passou a
abranger aspectos fundamentais com a publicao da Resoluo - RDC 102, em 30 de
novembro (BRASIL, 2000). A promoo no tica um problema em muitos pases e desta
forma a regulamentao deste segmento essencial, considerando os seus reflexos na sade
da populao (MINISTRIO DA SADE, 2005).
O Estado brasileiro vem assumindo cada vez mais a responsabilidade que lhe cabe na
proteo e preservao da sade da populao frente s propagandas de medicamentos,
restabelecendo assim, uma relao mais equilibrada e permeada pelos princpios da
beneficncia e respeito autonomia da populao (GARRAFA, 2007).
A atuao intensiva da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) na
fiscalizao da propaganda de medicamentos tem obtido bons resultados. Fagundes (2007)
observou que aps a publicao da Resoluo RDC 102/2000, a incluso de informaes
essenciais ao consumidor esto presentes em 79% das peas publicitrias, contra 28% antes
da edio da norma. A partir de junho de 2009, a propaganda e publicidade de medicamentos
dever se adequar Resoluo RDC n 96/2008, que atualizou e revogou a RDC n 102/2000,
ampliando exigncias ao setor e apresentando novas regras (BRASIL, 2008b).
Estima-se que a indstria farmacutica gasta em torno de 35% de sua arrecadao com
atividades de mercadizao, o dobro do investido em pesquisa e desenvolvimento de novos
medicamentos (SOBRAVIME, 2001). Para Nascimento (2003), existe um trip formado pela
indstria farmacutica, agncias de publicidade e empresas de comunicao, com vistas a
aumentar o consumo de medicamentos pela populao.
dever do Estado proteger a sade da populao, mediante estmulo prescrio
racional com provimento contnuo de informaes adequadas que orientem prescritores e
consumidores e mediante o controle sanitrio do medicamento em todo o ciclo produtivo, de
modo a prevenir riscos, minimizando os riscos inevitveis e garantindo a segurana no uso
desta tecnologia. A atuao do Estado deve difundir e sustentar uma tica da responsabilidade
pblica no lidar com um direito social e um bem to precioso que a sade da populao,
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especialmente quando mediada por intervenes tecnolgicas como o medicamento (COSTA,
2004).
No contexto atual de promoo do uso racional de medicamentos e frente aos fatores
constatados, importante anlise dos conhecimentos, percepes e prticas sobre uso de
medicamentos do cirurgio-dentista.
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2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Descrever a percepo do cirurgio-dentista sobre medicamentos quanto ao uso
racional, as fontes de informao e a influncia da propaganda na prescrio.
2.2 Objetivos Especficos
Avaliar os conhecimentos do cirurgio-dentista sobre o uso racional de medicamentos no
que se refere aos seus preceitos: uso do medicamento apropriado, em doses adequadas, no
tempo adequado e com menor custo;
Identificar e caracterizar as fontes de informao sobre medicamentos utilizadas pelo
cirurgio-dentista;
Analisar a percepo do cirurgio-dentista sobre a influncia das estratgias promocionais
da indstria farmacutica nas prticas de prescrio odontolgica.
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3 JUSTIFICATIVA
Castilho (1997) estudou a prtica da prescrio de antimicrobianos, analgsicos e
antiinflamatrios por cirurgies-dentistas clnicos gerais em Belo Horizonte, a partir de trs
situaes clnicas: abscessos periapicais agudos, alveolites e profilaxia antimicrobiana da
endocardite infecciosa. Analisou 163 questionrios preenchidos pelos profissionais
pesquisados. Observou que a conduta prescricional destes, muitas vezes, no coaduna com a
literatura cientfica, existe grande variedade de condutas de prescrio para uma mesma
situao clnica, com freqncia no h registro nas fichas clnicas as prescries
medicamentosas e que nem sempre so feitas por escrito, recaindo a deciso sobre quando e
como usar o medicamento sobre o paciente. Pesquisados relataram que os cirurgies-dentistas
prescrevem mal por se encontrarem pouco informados sobre farmacologia e teraputica e que
esto preocupados com a confiabilidade da propaganda farmacutica em odontologia.
Pacheco (2000), ao avaliar a prescrio de medicamentos feita por 77 cirurgies-
dentistas de Belo Horizonte/MG, concluiu que existe grande divergncia entre os
profissionais quanto s doses e indicao corretas para utilizao de medicamentos, em
especial dos antibiticos.
Aps anlise do perfil de prescrio de medicamentos por 143 cirurgies-dentistas de
Recife/PE, um estudo observou uso de ampla gama de medicamentos, muitas vezes utilizados
desnecessariamente ou no-utilizados quando o uso indicado pela literatura (HOLANDA,
2001). Ou seja, existem deficincias no conhecimento de patologias e da atuao dos
medicamentos para correta indicao.
Um estudo documentou as reaes adversas e interaes medicamentosas mais
comuns observadas por 100 dentistas no Rio de Janeiro e constatou grande dificuldade dos
profissionais em caracteriz-las (SIXEL, 1995). Ressalta que a prescrio de medicamentos
na clnica odontolgica foi bastante significativa, j que 54% dos entrevistados afirmaram
prescrever sempre.
Vilaa (2003) avaliou os conhecimentos de um total de 307 alunos da Macro-
Disciplina de Clnica Integrada de Ateno Primria, da Faculdade de Odontologia da UFMG,
em relao prescrio de antiinflamatrios, analgsicos e antibiticos, por meio da
utilizao de questionrios. Em relao ao protocolo de antibioticoterapia profiltica para
preveno da endocardite bacteriana, observou que os alunos questionados encontram-se
totalmente despreparados para realiz-la. Alm disso, os alunos no sabem realizar
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prescries, apresentando erros tanto na estrutura formal quanto no contedo e escolha do
medicamento. Concluiu que os alunos questionados no sabem prescrever antiinflamatrios,
analgsicos e antibiticos/quimioterpicos, fato este que implica no tratamento e cura de
patologias, produzindo impactos na qualidade de vida de seus clientes.
Segundo Barros (1995), estudos mostram que a propaganda consegue realmente
influenciar e alterar o padro de prescrio dos mdicos. Na odontologia, foi relatado que a
escolha quanto ao grupo farmacolgico pode ser influenciada por campanhas de marketing
e/ou merchandising das indstrias farmacuticas, que levam o cirurgio-dentista a prescrever
marcas comerciais mais famosas, gerando maior nus para o Estado, sistema pblico de
sade, e/ou para o bolso do cliente (ROLA, 1995; CASTILHO, 1997; LISBOA, 2001 apud
VILAA, 2003).
Os conhecimentos de farmacologia, de teraputica medicamentosa e as fontes de
informao sobre medicamentos na odontologia no so suficientes para a prtica da boa
prescrio, a qual tambm influenciada pela propaganda da indstria farmacutica.
Diante desta problemtica, demanda-se um conjunto de aes do governo para
promoo do uso racional de medicamentos na odontologia, sendo que o estudo se prope a
analisar a insero dos cirurgies-dentistas no contexto atual de promoo do uso racional de
medicamentos, analisando-se seus conhecimentos sobre o tema e a percepo sobre a
influncia da propaganda na prescrio odontolgica.
Partiu-se do pressuposto que os cirurgies-dentistas, apesar de prescritores, ficam s
margens das polticas e estratgias de promoo do uso racional de medicamentos, as quais
so praticamente voltadas aos mdicos e farmacuticos. A contribuio do estudo a de
conhecer a realidade sobre o tema para subsidiar aes de informao e educao a serem
desenvolvidas junto aos profissionais de odontologia, bem como para o aperfeioamento das
atividades de regulao sanitria de propaganda de medicamentos.
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4 MARCO REFERENCIAL
4.1 O uso racional de medicamentos
O uso racional de medicamentos significa que os pacientes recebam medicamentos
apropriados s suas necessidades clnicas, nas doses que satisfaam as necessidades
individuais, durante um perodo de tempo adequado e ao menor custo possvel para eles e
para a comunidade (OMS, 1986). Esta definio foi formulada na Conferncia de Expertos
para o Uso Racional de Medicamentos, realizada em Nairobi, 1985, servindo de base para a
estratgia em matria de medicamentos aprovada pela Assemblia Mundial de Sade e
posteriormente para a estratgia farmacutica da OMS.
Nessa Conferncia, reuniram-se representantes de governos, das indstrias
farmacuticas, organizaes de pacientes e consumidores, para o levantamento dos problemas
e mtodos para se assegurar o uso racional de medicamentos em toda sua complexidade. O
mais urgente seria garantir o acesso a preo acessvel dos 30-40 medicamentos essenciais aos
pases em desenvolvimento. Ao menos 75% do consumo mundial de medicamentos
correspondem aos pases desenvolvidos e os 25% restantes aos pases em desenvolvimento,
nos quais vivem trs quartos da populao, o que demonstra dois extremos: a falta de
medicamentos e o consumo demasiado (OMS, 1986).
Foram discutidos vrios temas importantes, como: o estabelecimento pelos governos
de polticas farmacuticas adequadas; a importncia e meios para regulamentao
farmacutica; a necessidade de reduo de custos; melhorar os sistemas de medicamentos
essenciais; as prticas de prescrio, que precisam ser melhoradas por meio de melhor
informao, capacitao e educao continuada; a promoo e publicidade de medicamentos
com critrios ticos por parte de representantes, na distribuio de amostras grtis e no
patrocnio de simpsios; estabelecimento de legislao apropriada; a informao farmacutica
adequada aos profissionais, pacientes e autoridades e a formao terico e prtica adequada a
todos profissionais de sade como requisito essencial para o uso racional de medicamentos
(OMS, 1986).
O uso racional de medicamentos acompanha sempre a prescrio racional. Os estudos
da poca demonstravam problemas extremamente preocupantes sobre as prticas de
prescrio, sendo os principais: a prescrio excessiva pacientes hospitalizados dos Estados
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Unidos recebiam o dobro de medicamentos dos pacientes da Esccia, o nmero de
medicamentos por prescrio em hospitais do sul do Brasil era 8,6, enquanto que na Sua era
de dois; a prescrio em quantidades insuficientes em pases em desenvolvimento, devido
falta de disponibilidade e as prescries incorretas a maior causa da resistncia aos
medicamentos, sendo que nos Estados Unidos se administravam indevidamente antibiticos
em mais de 60% dos pacientes hospitalizados, em 20 a 40% dos casos o tratamento estava em
desacordo com o diagnstico, na Frana, 35% das prescries continham irregularidades e na
ndia, mais de 30% das receitas continham antibiticos (OMS, 1986).
Mais recentemente, estatsticas da OMS mostram que mais de um tero da populao
mundial continua a carecer de medicamentos essenciais, podendo chegar a 50% em regies
pobres da sia e frica. Estima-se que at 75% dos antibiticos so prescritos
inapropriadamente e que cresce constantemente a resistncia da maioria dos microorganismos
causadores de enfermidades infecciosas prevalentes (WHO, 1999).
Foram estabelecidas polticas, estratgias, intervenes e recomendaes para
promover o uso mais racional de medicamentos, sendo que foram selecionadas para discusso
aquelas relacionadas diretamente com os objetivos do estudo. A difuso cientfica destas
polticas pblicas aos profissionais de sade e toda a comunidade extremamente importante
para que efetuem aes compatveis com o uso racional de medicamentos.
Segundo a Sobravime (2001), as polticas para promover o uso racional de
medicamentos e o acesso aos considerados essenciais devem ser feitas por meio de legislaes
e regulamentaes sobre reas crticas do campo farmacutico, destacando-se a seleo e
registro de medicamentos, a regulamentao da promoo comercial de produtos
farmacuticos, a regulamentao de preos, adaptaes dos acordos internacionais s
necessidades do pas, melhoria da formao de profissionais de sade, educao de
consumidores e disponibilidade de informao independente e completa.
Uma das principais intervenes proposta pela OMS a informao independente
sobre medicamentos. Com freqncia, a nica informao sobre medicamentos que os
profissionais recebem a fornecida pela indstria farmacutica e esta pode ser parcial (OMS,
2002). Costa (2000) afirma que o ponto de partida para uma reflexo acerca do medicamento
requer uma abordagem interdisciplinar orientada pela questo da informao para que se
possam abarcar suas complexidades.
Por isso, componente de outra interveno principal para promover o uso mais
racional dos medicamentos, destacam-se o monitoramento e a regulamentao da promoo
de medicamentos para garantir que seja tica e imparcial. Todas as alegaes promocionais
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devem ser fidedignas, precisas, verdadeiras, informativas, equilibradas, atualizadas,
comprovveis e criteriosas (OMS, 2002).
Aps anlise dos progressos realizados na aplicao da estratgia farmacutica da
OMS, concluiu-se que muitas das intervenes esto ao alcance de todos os Estados
Membros, mas no esto sendo efetivadas. Ressaltam que o uso irracional de medicamentos
continuar aumentando se medidas no forem adotadas, primeiro porque o uso de
medicamentos em pases em desenvolvimento e de economias de transio
significativamente pior no setor privado que no pblico e a participao do setor privado
cada vez maior em todo o mundo, e segundo porque as iniciativas principais buscam o acesso
sem abordar o problema fundamental de uso inadequado (OMS, 2007).
O Brasil possui um dos cinco maiores mercados farmacuticos do mundo, com vendas
que atingem 9,6 bilhes de dlares/ano (MINISTRIO DA SADE, 2001). Em 1998, foi
aprovada a Poltica Nacional de Medicamentos, por meio da Portaria n 3.916, cujo propsito
principal o de garantir a segurana, eficcia e qualidade dos medicamentos, a promoo do
uso racional e o acesso da populao queles considerados essenciais (BRASIL, 1998).
A promoo do uso racional de medicamentos uma das diretrizes e uma das
prioridades da Poltica Nacional de Medicamentos. As atividades devem envolver a
implementao da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), produtos
considerados bsicos e indispensveis para atender a maioria dos problemas de sade da
populao; as campanhas educativas; atividades dirigidas aos profissionais prescritores e
dispensadores; enfoque na adoo de medicamentos genricos e consolidao de seu uso;
elaborao e divulgao do Formulrio Teraputico Nacional; aes de farmacovigilncia e
estudos de farmacoepidemiologia e a propaganda de produtos farmacuticos deve se
enquadrar em todos os preceitos legais vigentes e padres ticos. Dentre as prioridades de
organizao das atividades de vigilncia sanitria de medicamentos, ressalta-se a
regulamentao e controle da propaganda realizada pelos fabricantes de medicamentos junto
aos prescritores (MINISTRIO DA SADE, 2001).
Os esforos governamentais e privados do Brasil para a promoo do uso racional de
medicamentos so reconhecidos atualmente como feitos notveis a nvel internacional, com
destaque para aes de educao de profissionais de sade (OPAS, 2007).
Entre 1999 e 2001, a OPAS/OMS financiou a participao de um grupo de
profissionais nos Cursos Latinoamericanos de Enseanza de La Farmacoterapia Racional,
organizados pela Universidade nacional de La Plata na Argentina (OPAS, 2007). Estes cursos,
dirigidos principalmente a mdicos e farmacuticos, utilizaram textos bsicos, que
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posteriormente foram traduzidos para o portugus como Guia para a Boa Prescrio Mdica e
Guia do Instrutor em Prticas da Boa Prescrio Mdica.
Para multiplicao de cursos no pas, em 2000 foi feito um curso-piloto para docentes
das Faculdades de Medicina, Farmcia e Odontologia da Universidade de Passo Fundo no Rio
Grande do Sul. Em 2002, realizaram-se dois cursos nacionais, no Rio de Janeiro e no Distrito
Federal (OPAS, 2007). A partir da, foi seguida a multiplicao regional no pas, com intuito
de aumentar o nmero de facilitadores, incluindo-se cursos virtuais para o uso racional de
medicamentos. Entre 2002 e 2006, com participantes de 21 dos 27 estados brasileiros, foram
realizados 16 cursos a nvel nacional, regional, estadual e institucional. Participaram 462
profissionais de sade e, como colaboradores, 309 estudantes universitrios (OPAS, 2007).
Adicionalmente, foram realizados cursos especficos para prescritores, que foram organizados
por instrutores locais comprometidos com a metodologia e disseminao do conhecimento.
Para a OPAS (2007), a utilizao de instrutores locais representa uma estratgia muito
importante no Brasil, pela sua dimenso continental e por contribuir para incrementar a
autonomia geogrfica e diminuir os custos.
Com grande interesse da populao, foram realizados em 2005 e 2007 os Congressos
Brasileiros Sobre o Uso Racional de Medicamentos, sendo que o prximo ser realizado em
outubro de 2009 (OPAS, 2007). Entre 2005 e 2006, profissionais de sade se reuniram em
quatro encontros regionais e um nacional, nos Seminrios de Propaganda e Uso Racional de
Medicamentos, para discusso do tema (BRASIL, 2006).
Tem sido desenvolvias e apoiadas vrias aes para qualificar os profissionais de
sade. importante destacar o respaldo poltico e financeiro para os cursos por parte de
instituies comprometidas com o uso racional de medicamentos, como o Ministrio da
Sade, a Anvisa, diferentes Universidades, Secretarias de Sade e Organismos de Cooperao
Tcnica Internacional, como a OPAS/OMS e o Departamento para o Desenvolvimento
Internacional do Reino Unido (OPAS, 2007).
Em junho de 2007, a Portaria n 1.555 instituiu o Comit Nacional para a Promoo
do Uso Racional de Medicamentos, de carter multisetorial, multidisciplinar, com
representantes governamentais e setoriais afins do tema. Possui a competncia de propor
estratgias e mecanismos de articulao, de monitoramento e de avaliao de aes destinadas
promoo do uso racional de medicamentos (BRASIL, 2007). O plano de ao constitudo
de quatro eixos principais: regulao, educao, informao e pesquisa (MINISTRIO DA
SADE, 2008).
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O Conselho Federal de Odontologia (CFO) possui representao no Comit,
importante para que a profisso seja includa de maneira mais profunda na discusso sobre a
promoo do uso racional de medicamentos e para que sejam destacadas as peculiaridades no
uso de medicamentos na rea de Odontologia. Alm disso, esto sendo reunidos esforos para
o aumento da divulgao e informao sobre o tema categoria e para o desenvolvimento de
aes voltadas ao cirurgio-dentista.
4.2 Difuso cientfica, comunicao e o uso racional de medicamentos
A difuso cientfica refere-se a todo e qualquer processo usado para a comunicao da
informao cientfica e tecnolgica, podendo ser orientada para o pblico em geral ou para
especialistas, sendo sinnimo de disseminao cientfica neste caso (BUENO, 1984 apud
ALBAGLI, 1996).
O progresso cientfico-tecnolgico e sua crescente insero na sociedade implicam em
sua assimilao pelos indivduos, os quais ampliam seus interesses em conhecer e controlar a
cincia. Desta forma, torna-se crucial o modo pelo qual a sociedade percebe a atividade
cientfica e absorve seus resultados, bem como os tipos e canais de informao cientfica a
que tem acesso (ALBAGLI, 1996).
A difuso cientfica tem sido apontada como instrumento ou movimento social capaz
de intermediar o fortalecimento da cidadania e a melhoria da sade da populao. Envolve
vrios aspectos, como educao, linguagem e comunicao, bem como a compreenso e
domnio pblico da cincia (BIZZO, 2002). Para a Sobravime (2001), a difuso da
informao cientfica um dos fatores para que ocorra a humanizao da assistncia
farmacutica.
A transmisso da informao cientfica pode ser direcionada aos estudantes,
populaes letradas ou no, agentes formuladores de polticas pblicas e at aos prprios
cientistas e tecnlogos. Possui papel importante, que vem evoluindo ao longo do tempo, pois
instrumentaliza os atores a melhor intervir no processo decisrio, amplia o conhecimento e a
compreenso sobre o processo cientfico, aumenta a conscincia do cidado, permite o acesso
dos profissionais da rea e do pblico s polticas pblicas e com isso, amplia a participao
da sociedade na formulao de polticas pblicas e nas escolhas tecnolgicas (ALBAGLI,
1996).
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As polticas configuram decises de carter geral que apontam os rumos e as linhas
estratgicas de atuao de uma determinada gesto. Assim, devem ser explicitadas, de forma a
tornar pblicas e expressas as intenes do Governo, a permitir o acesso da populao em
geral e dos formadores de opinio, a orientar o planejamento de programas, projetos e
atividades e a funcionar como orientadoras da ao do Governo, reduzindo descontinuidade e
potencializando recursos (MINISTRIO DA SADE, 2001).
Partindo-se da proposio de que as polticas pblicas s se constituem efetivamente
como tal quando saem do papel, quando circulam, adquirindo visibilidade e quando so
apropriadas pela populao a que se destinam, sendo convertidas em saberes e prticas, temos
que considerar que a comunicao inseparvel desse processo (ARAJO, 2007).
O modelo de comunicao mais adotado no campo das polticas pblicas,
especificamente na sade coletiva, um modelo bipolar, linear, unidirecional e vertical, no
dando conta da complexidade da prtica comunicativa e social (ARAJO, 2004). Desta
forma, diversos autores tm realizado anlise crtica dos modos de apropriao e uso da
comunicao, abrindo-se a discusso para novos modelos tericos e prticos de comunicao
em sade (RANGEL-S, 2007).
Neste sentido, Arajo (2004) desenvolveu um modelo terico de mercado simblico,
que representa os processos sociais de formao dos sentidos e a prtica comunicativa nos
processos de interveno social que concretizam as polticas pblicas. Neste modelo a
comunicao entendida operando ao modo de um mercado, onde os sentidos sociais bens
simblicos so produzidos, circulam e so consumidos. As mltiplas pessoas e comunidades
discursivas que participam deste mercado disputam o poder simblico, de fazer constituir
determinada viso da realidade. um mercado de desiguais, onde os interesses no so
harmnicos, remetendo-se para a noo de confronto e luta por posies de poder discursivo.
Entender o mercado simblico contribui para pensar estratgias de comunicao
necessrias para produzir e fazer circular discursos sociais competentes para a disputa de
sentidos na sociedade em geral e no territrio em particular (RANGEL-S, 2007).
Diante da complexidade comunicacional da sociedade contempornea, h estmulo
busca por abordagens mais abertas e plurais, que considerem sua polifonia, na qual vrias
vozes podem ser ouvidas, manifestando o carter plural de todo e qualquer discurso, em
disputa na sociedade (CARDOSO, 2007). Este processo faz com que a linguagem seja uma
arena de embates sociais, na qual so propostas, negociadas e ratificadas ou recusadas as
relaes de poder. Hoje, polifonia um conceito que no pode mais ser ignorado (ARAJO,
2007).
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Arajo (2003) acrescenta que considerar a polifonia reinante supe uma tolerncia
diversidade, algo que no muito bem visto quando se tem como cenrio os contextos
institucionais que, via de regra, produzem aes de interveno. E abrir mo do confortvel
lugar em que se ditam regras e modelos de comportamento para assumir uma concorrncia e
uma negociao contnua dos sentidos circulantes, no tranqilizador.
Nas instituies de sade, tem-se mantido hipertrofia da produo e do plo emissor e
pouca ateno aos processos e espaos de circulao. Desta forma, a capacidade dos discursos
institucionais produzirem efeitos fica seriamente comprometida, alm do problema da
incapacidade de competir com os discursos que veiculam interesses privatistas (CARDOSO,
2007).
Neste sentido, Lefvre (2007) ressalta que as relaes extremamente complexas entre
os quatro atores: o campo sanitrio, o mercado, o estado e a populao, so dificultadores da
comunicao em sade. Os atores so assimtricos, sendo que o mais importante o mercado,
o qual se torna cada vez mais forte. Por isso, um trabalho muito significativo do campo
sanitrio o de se posicionar no conflito entre a lgica do mercado e os interesses dos
consumidores de sade, sendo tarefa poltica muito importante aumentar a eficcia regulatria
do Estado na mdia.
De acordo com Costa (2004), a reflexo sobre as relaes sociais produo-consumo,
sobre as quais se produz e reproduz a sociedade do modo de produo capitalista, indicam a
produo de um sistema de necessidades, o qual cria um estado de permanente carncia,
caracterstico da sociedade de consumo e determinado por toda a organizao social. Na
sociedade capitalista, no so poupados os bens e servios de sade, tratados como um bem
de consumo como outro qualquer, inserido nas estratgias mercadolgicas (RANGEL-S,
2007).
Romper com a lgica instrumental impe a necessidade de investir tanto no campo da
produo do conhecimento, quanto na formao dos profissionais, a qual muitas vezes
inadequada e voltada exclusivamente para as necessidades do mercado (CARDOSO, 2007).
Um dos mais importantes desafios na relao entre profissionais de sade, no que se refere
comunicao, no dia a dia dos servios de sade, a possibilidade de realizar uma interao
significativa com pessoas e grupos populacionais, de modo a propiciar uma comunicao
efetiva (RANGEL-S, 2007).
O cirurgio dentista est em meio a um mercado com informaes oriundas de
diversas fontes, que apontam para vrios sentidos, dentre eles os interesses da indstria e da
populao. Diante das disputas que existem no interior do campo sanitrio, vai atribuir
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significados mais importantes a umas informaes do que a outras, de acordo com sua
formao profissional, tica e humanista. Desta forma, para que o cirurgio-dentista tome
decises fundamentadas e prescreva medicamentos de maneira racional, preciso receber
formao bsica e aplicada para o ato da prescrio, estar completamente familiarizado com
as propriedades farmacolgicas do medicamento, utilizar frequentemente meios de
atualizao profissional e ter acesso ao conhecimento tcnico-cientfico na rea.
Porm, existe uma fragmentao do ensino em farmacologia e distanciamento com a
teraputica medicamentosa (BRITTO, 1996). O ensino focado nos medicamentos, enquanto
que deveria partir do diagnstico, em direo ao medicamento. Muitas vezes espera-se que os
alunos simplesmente reproduzam a prtica de prescrio de seus professores ou que
reproduzam os padres vigentes, sem nenhuma explicao sobre o porqu de certos
tratamentos (OMS, 1998).
defendida a necessidade de se desvendarem, na educao e comunicao cientficas,
os mecanismos pelos quais os eventos de sade e doena ocorrem. Saber o como e o porqu,
exemplificados atravs de modelos, seria essencial para a alfabetizao em cincia
(FOUREZ,1995 apud BIZZO, 2002).
A prescrio racional de medicamentos provm de um processo dedutivo e lgico,
baseado em informaes abrangentes e objetivas, no sendo uma ao reflexa, uma receita
culinria, ou uma resposta a presses comerciais (OMS, 1998). A prescrio de receitas no
favorece a comunicao; obstaculiza o dilogo, a reflexo e a negociao que um processo
comunicacional genuno poderia compreender (FOUREZ, 1997 apud BIZZO, 2002).
preciso que as ferramentas sejam repassadas ao profissional, para que ele prprio reflita e siga
um processo de prescrio racional.
As tentativas de educao para a sade baseiam-se em mtodos transmissionais,
havendo predominantemente entre ns a essncia paternalista do modelo de educao em
sade (SAMPAIO, 2000 apud BIZZO, 2002). Manter o foco na transferncia do
conhecimento em vez de focalizar as habilidades de selecionar e prescrever o tratamento
correto contribui para a prescrio no-racional. Os profissionais deveriam ser ensinados a
como e no o que prescrever. Desta forma, preconizado o ensino da farmacoterapia baseado
em problemas, objetivando-se o desenvolvimento de habilidades para selecionar e prescrever
adequadamente tratamentos apropriados para os problemas clnicos e habilidades para avaliar
criticamente os novos frmacos ou tratamento no-medicamentoso, alm da literatura mdica,
das propagandas e dos padres de prescrio dos colegas (OMS, 2001).
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4.3 Os requisitos para o uso racional de medicamentos
O tratamento racional requer enfoques lgicos e bom senso e inclui vrios
componentes. Em primeiro lugar, o tratamento de escolha para um determinado caso clnico,
o chamado tratamento-I (individualizado), no necessariamente inclui o uso de
medicamentos. Para as situaes clnicas em que o tratamento com medicamentos
necessrio, o profissional deve selecionar um conjunto pessoal de medicamentos, aps
estudos e consultas a fontes de informao, que sero prescritos com regularidade, para os
casos clnicos mais comuns. So os medicamentos de primeira escolha, chamados de
medicamentos-I (individualizados), com os quais os profissionais devem estar familiarizados
e ter conhecimentos sobre substncia ativa, forma farmacutica, posologia-padro e durao-
padro para o tratamento (OMS, 1998).
Um conjunto apropriado de medicamentos-I cobrir a teraputica medicamentosa
correta em cerca de 80% dos casos, sem que qualquer ajuste seja feito (OMS, 2001).
Seguindo-se o processo de prescrio racional de medicamentos, para o tratamento do
paciente individualizado, necessrio seguir seis passos, seqenciados a seguir
(WANNMACHER, 2007; OMS, 1998).
Em primeiro lugar, preciso definir qual o problema do paciente. O diagnstico
correto se baseia em integrar vrias informaes, como a anamnese, queixa e histria clnica,
exame clnico, de laboratrio e complementares e outras investigaes. A partir do correto
diagnstico, segue-se ao tratamento.
O prximo passo identificar se a interveno medicamentosa necessria, j que
muitos casos clnicos podem ser solucionados com outras formas de terapia, ou at mesmo,
sem nenhum tratamento. Se houver indicao de uso de medicamentos, deve-se especificar o
objetivo teraputico, o que se quer com o tratamento. uma boa maneira de estruturar o
pensamento e de se concentrar no problema, alm de facilitar a escolha final e evitar muitas
vezes o uso desnecessrio de medicamentos.
No passo seguinte, deve ser selecionado o tratamento mais adequado individualmente,
para cada paciente, partindo-se da aplicabilidade do medicamento-I. A escolha feita
utilizando critrios de eficcia, convenincia, custo e segurana. A verificao da eficcia
inclui uma reviso das indicaes do medicamento e da convenincia da forma farmacutica.
A convenincia do medicamento importante por contribuir para a adeso ao tratamento e
consequentemente para sua eficcia. A anlise do custo e disponibilidade deve ser feita, pois o
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30
medicamento deve ser acessvel. A segurana se relaciona com as contra-indicaes, as
interaes medicamentosas e os grupos de alto risco. Alm disso, preciso verificar a
posologia-padro e a durao-padro de tratamento, sendo a adaptao da posologia a mais
comumente realizada. Este , provavelmente, o passo mais importante no processo de
prescrio racional.
Segue-se para a prescrio, a qual pressupe conhecimento real de farmacologia,
quanto a aes, efeitos e esquemas de administrao de medicamentos, para uma correta
definio da dose, via de administrao, mtodo, intervalo, cuidados e durao do tratamento.
O fornecimento de informaes, instrues e recomendaes ao paciente a prxima
etapa a ser seguida, pois contribui para a adeso ao tratamento. Em mdia, metade dos
pacientes no usa os medicamentos prescritos adequadamente, tomam irregularmente ou nem
sequer os tomam. Por isso, para se obter sucesso teraputico, o paciente deve receber
informao mnima sobre o tratamento, em linguagem clara, concisa, apropriada e inclusive, o
paciente deve participar da deciso do tratamento.
Por ltimo, o prescritor deve monitorar o tratamento, avaliar benefcios e efeitos
colaterais. Se o tratamento foi concludo e eficaz, pode ser suspenso. Se o tratamento no foi
eficaz, os fatores causais devem ser reconsiderados para determinar a razo para a falha e
proceder busca por solues.
Com relao aos anestsicos locais, so frmacos comumente empregados na
odontologia para alvio da dor. So substncias qumicas que, por meio de aes
farmacolgicas, promovem perda de sensibilidade em uma rea do corpo, bloqueando os
potenciais de ao de forma reversvel em todas as membranas excitveis (MALAMED,
2005).
A seleo dos anestsicos locais est basicamente relacionada a parmetros
farmacolgicos, como o incio e durao de efeito, e presena de condies clnicas
especficas, includas as caractersticas inerentes ao procedimento cirrgico, condies do
paciente e domnio da tcnica pelo profissional, natureza, localizao e durao do
procedimento determinam a tcnica anestsica e a escolha do frmaco, bem como condies
especiais do paciente devem ser consideradas (FERREIRA, 2007).
Malamed (2005) afirma que uma conduta racional para seleo de um anestsico local
inclui a avaliao da durao necessria do controle da dor, o potencial de dor aps o
tratamento, a possibilidade de automutilao no perodo ps-operatrio e a condio fsica do
paciente. Nesta, devem ser consideradas as contra-indicaes absolutas, que exigem que os
medicamentos prejudiciais no sejam administrados de modo algum e as contra-indicaes
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31
relativas, casos em que preferido evitar a administrao do medicamento, utilizar agente
alternativo, ou o medicamento deve ser empregado de forma muito criteriosa.
A dose dos anestsicos locais varia e depende da regio a ser anestesiada e da
vascularizao do tecido, do procedimento a ser realizado, da tolerncia individual e da
tcnica anestsica (MALAMED, 2005). Para o uso racional, deve ser administrada a menor
dose necessria para produzir uma anestesia eficaz. Deve-se considerar tambm a dose
mxima recomendada para cada anestsico local, calculada de acordo com o peso corporal.
Malamed (2005) ressalta que no h tendncia a se atingir doses mximas na maioria dos
procedimentos odontolgicos, mas ateno deve ser dedicada para administrao em crianas
e pacientes idosos ou debilitados.
Como os anestsicos locais injetveis possuem alguma ao vasodilatadora, so
adicionados vasoconstritores para equilibrar esta ao. Ferreira (2007) apresenta evidncias
que embasam o uso racional de vasoconstritores em associao a anestsicos locais, pois
aumentam a profundidade e prolongam a durao da anestesia, por haver esta ao efeito
vasolidatador do anestsico, reduzem a quantidade de anestsico necessria e servem como
agentes hemostticos, reduzindo o sangramento transoperatrio e facilitando o transcurso do
procedimento.
Com relao aos vasoconstritores, para Malamed (2005), na seleo de um
vasoconstritor, devem ser considerados a durao do procedimento odontolgico, a
necessidade de se obter hemostasia durante e aps os procedimentos nos quais o sangramento
representa um problema e a condio clnica do paciente.
4.4 Fontes de informao sobre medicamentos
Uma dificuldade para o uso racional de medicamentos a multiplicidade de produtos
farmacuticos existentes, agravada pela introduo agressiva no mercado de novos
medicamentos, devido aos avanos da tecnologia. O conhecimento farmacolgico sobre os
frmacos atualmente utilizados estar obsoleto dentro de cinco anos (OMS, 2001).
Existe grande volume de literatura que os profissionais da rea de sade tm que
assimilar e devido impossibilidade de leitura de tantos artigos publicados anualmente,
surgiu nos anos 90 um novo processo de reviso da evidncia cientfica, a medicina baseada
em evidncias, que utiliza reviso e anlise sistemtica e publica a evidncia relevante para as
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situaes clnicas especficas. A partir da disseminao desta evidncia, os profissionais
possuem subsdios para prestar o melhor cuidado aos pacientes (ISMAIL, 2004).
Aplicando estes princpios odontologia, foi desenvolvida a odontologia baseada em
evidncias. Opinies de expertos ou informaes baseadas em estudos de caso no so
consideradas suficientemente fortes para o processo de tomada de deciso. O conhecimento
gerado a partir da reviso dos estudos relevantes deve formar a base das decises clnicas. Os
estudantes de odontologia tm sido treinados a partir da experincia dos mestres (tanto
sucessos como falhas). No entanto, muitas vezes os professores so inconsistentes e
contraditrios e levam o aluno a pesquisar por opinies de expertos e aprender com a
experincia clnica, resultando em prticas no-racionais. O novo modelo de aprendizado,
baseado em problemas, com reviso sistemtica e crtica dos estudos cientficos pode ser um
veculo para a promoo da conduta baseada em evidncias (ISMAIL, 2004).
Barros (2004) ressalta que a indstria farmacutica vem se valendo das teses do
movimento da medicina baseada em evidncias, com a valorizao dos ensaios clnicos para
incrementar os argumentos publicitrios em favor de seus produtos, sendo mais uma
estratgia para aceitao do prescritor.
Existem diversas fontes de informao sobre medicamentos, algumas so superiores a
outras, de acordo com a qualidade da evidncia. Os ensaios clnicos randomizados, duplo-
cegos, controlados por placebo so superiores a opinio emitida por um nico indivduo
(OMS, 2001). Fuchs (2004) qualifica os estudos farmacolgico-clnicos em nveis que variam
de I ensaios clnicos randomizados a VI srie de casos.
De acordo com o nvel do estudo, so estabelecidos diferentes graus de recomendao
de condutas teraputicas. Estudos de nvel I possuem grau ou fora de recomendao A e
devem ser obrigatoriamente seguidos se no houver contra-indicao do paciente. No grau de
recomendao B, existe moderada evidncia para suportar o uso, mas podem ser teis. As de
grau C e D (estudos nvel IV e recomendaes de especialistas) fundamentam minimante as
condutas, existindo fraca evidncia para suportar o uso (FUCHS, 2004).
Wannmacher (2007) afirma que ao se selecionar fontes fidedignas, ticas e isentas, se
exclui qualquer informao proveniente do produtor de medicamentos, o qual tem interesses
comerciais que muitas vezes suplantam os de informar cientificamente. Mesmo artigos e
revistas especializadas, consensos, diretrizes nacionais e internacionais podem estar
permeados por interesses que no os cientficos (WANNMACHER 2007).
As fontes de informao da indstria farmacutica so consideradas de origem
comercial e incluem os manuais e guias teraputicos, boletins e impressos com propaganda,
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simpsios patrocinados pelos fabricantes, artigos ditos cientficos encomendados pelas
empresas farmacuticas (WANNMACHER, 2007). Cuidado especial deve ser dispensado
sobre a utilidade da informao obtida, devido a deficincias potenciais ou falta de
imparcialidade (ARAJO, 2002).
As fontes comerciais de informao esto facilmente disponveis por meio de todos os
canais de comunicao, verbais, escritos e eletrnicos, sendo as informaes distribudas por
vrios meios. Os representantes so geralmente muito eficazes na promoo de produtos
farmacuticos, sendo gasto, muitas vezes, mais de 50% do oramento profissional das
companhias farmacuticas em pases industrializados com pessoal de representao (OMS,
1998).
Os artigos originais, metanlises e revises sistemticas em peridicos cientficos
nacionais e internacionais, so considerados fontes primrias de informao cientfica. Muitos
esto disponveis na internet e possuem qualidade variada, sendo que as revistas indexadas e
que possuem corpo editorial so mais conceituadas (WANNMACHER, 2007). O profissional
precisa de tempo e conhecimento para avaliar e utilizar este tipo de literatura (ARAJO,
2002). Algumas revistas no so independentes bem como podem possuir suplementos
patrocinados pela indstria (OMS, 1998).
As fontes secundrias de informao sobre medicamentos consistem em servios de
indexao e compilao de sumrios (resumos), os quais levam identificao da literatura
primria (ARAJO, 2002). Como exemplos, podem ser citados MEDLINE, BIREME
(Biblioteca Regional de Medicina) e Index Medicus (ARAJO, 2002).
As fontes tercirias apresentam informao documentada em formato condensado. So
livros-textos ou outros tipos de bancos de dados baseados em literatura primria (ARAJO,
2002). So numerosas as publicaes, que incluem meios eletrnicos, utilizadas como fontes
de literatura secundria e terciria sobre medicamentos. No entanto, representam a
interpretao feita por um autor ao avaliar os resultados de estudos da literatura primria. Por
esta razo, seu valor reside na qualificao de quem as redigiu e interpretou, na existncia de
conflitos de interesse, no tipo de suporte financeiro recebido para a produo da informao e
de seu prprio grau de utilizao (ARAJO, 2002).
Para Wannmacher (2007), importante selecionar livros de referncia em
farmacologia clnica, especialmente os que utilizam o paradigma das condutas baseadas em
evidncias. Existem tambm outras fontes, como as listas de medicamentos essenciais, as
quais so baseadas em um consenso sobre o tratamento de escolha para as prioridades em
sade pblica; os formulrios teraputicos, que so abrangentes, objetivos, apresentam
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comparaes, avaliaes e alguns o custo; os protocolos clnicos; as diretrizes ou consensos
(guidelines), que podem auxiliar o cirurgio-dentista, mas muitas vezes esto baseados em
opinies de especialistas e no em evidncias consistentes; os boletins sobre medicamentos,
que podem ser uma fonte crtica de informao e ajudam os profissionais a se manterem
informados; os artigos de reviso ou compilaes de outras publicaes; os centros de
informao sobre medicamentos, informao oral em cursos e congressos (WANNMACHER,
2007).
Informao objetiva, comparativa, independente e com credibilidade indispensvel
para decises teraputicas apropriadas. Estas podem ser fornecidas mediante o
estabelecimento de Centros de Informao sobre Medicamentos (CIM), participao no
desenvolvimento de guias ou diretrizes de tratamento e de formulrios teraputicos, a
formao de Comisses de Farmcia e Teraputica, envolvimento com ensino e reunies
clnicas, pesquisas sobre a prtica e servios especializados prestados pela equipe dos Centros
de Informao sobre Medicamentos, desenvolvimento de um boletim nacional de informao
sobre medicamentos, disseminao de literatura cientfica independente sobre o uso racional
de medicamentos e os avanos teraputicos, organizao de programas de treinamento,
simpsios e leituras para os vrios grupos do pessoal da sade, desenvolvimento de guias de
tratamento e material educacional quanto ao uso apropriado de medicamentos para os
trabalhadores de sade (VIDOTTI, 2000).
No Brasil, foi elaborado o primeiro Formulrio Teraputico Nacional, um manual que
contm informaes teraputicas e farmacolgicas sobre os medicamentos da relao de
medicamentos essenciais, para promover o uso apropriado, seguro e efetivo dos
medicamentos e subsidiar os profissionais de sade na prescrio e dispensao. Fornece
informao imparcial sobre medicamentos, vindo a preencher uma lacuna, j que informaes
precisas e atualizadas sobre o assunto so limitadas e de difcil acesso (CEBRIM/CFF, 2008).
Para a tomada de deciso sobre tratamentos e uso racional de medicamentos os
profissionais de odontologia necessitam ampliar seus conhecimentos, por meio de busca,
coleta, anlise de informaes nas mais variadas formas de apresentao. Muitas vezes, no
contam com fontes independentes de informao sobre medicamentos, sendo que as
provenientes da indstria farmacutica esto facilmente disponveis, so atraentes e de fcil
digesto (OMS, 1998).
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4.5 O uso racional e a propaganda de medicamentos
necessrio considerar um fato fundamental para compreender as atividades
promocionais da indstria farmacutica: a indstria impelida pela busca do lucro
(LEXCHIN, 1997a). Apesar de invocar elevados objetivos humanitrios, de afirmar prover
imediata, detalhada e acurada informao para benefcio dos mdicos e pacientes, de
promover os produtos sob o pretexto de patrocinar ensaios clnicos e educao mdica
contnua, a nica vantagem da publicidade vai para as empresas farmacuticas (LEXCHIN,
1997a).
A maior parte dos investimentos da indstria farmacutica direcionada para a
comercializao e marketing e no para a investigao cientfica. O informe de uma
organizao dos Estados Unidos citado por Cas (2008) constatou que nove grandes
companhias de medicamentos destinaram em mdia 32% de seus investimentos em
marketing, publicidade e administrao, um total de 61.542 milhes de dlares e apenas 14%
em pesquisa e desenvolvimento, no ano de 2004.
Para Lomel (2000), evidente que a indstria farmacutica tem explorado muito
eficientemente a popular idia de que sade no tem preo e por isso no de se estranhar
que as indstrias farmacuticas registrem os mais altos ndices de rentabilidade do mundo,
com margens de lucro que vo de 27% a 43%.
O posicionamento da indstria farmacutica em relao s propagandas de
medicamentos basicamente guiado por preceitos econmicos e, por meio destas, aumenta-se
a carncia de sade (LEFVRE, 1991). Pelos amplos e crescentes espaos que vem de longa
data ocupando, constitui um dos mais poderosos e influentes ramos industriais. Pelas prticas
que adota ao erigir a lucratividade como mvel maior de sua atividade, tem sido incriminada
pela ampliao do uso inadequado e dos efeitos adversos dos frmacos, sobretudo ao
institucionalizar estratgias de comercializao e promoo intensificadoras da medicalizao
(BARROS, 2008).
As estratgias de promoo de vendas utilizadas pela indstria so diversificadas,
incluindo meios diretos e indiretos. Entre os meios indiretos esto o financiamento de
programas de educao continuada, de associaes profissionais ou de revistas mdicas, a
produo de material dito educativo, o relacionamento com autoridades sanitrias, polticos,
professores e especialistas famosos (HEMMINKU & PESONEN, 1977 apud BARROS,
2000). Entre os meios diretos incluem-se os propagandistas, anncios em revistas mdicas, a
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distribuio de amostras grtis, revistas e outros materiais impressos e atividades consideradas
de relaes pblicas que incluem brindes, financiamento de recepes e coquetis em
congressos e patrocnios de viagens (BARROS, 2000). Nos ltimos tempos, a Internet
tambm tem sido utilizada para promover medicamentos (SOBRAVIME, 2001).
Barros (2004) ressalta que o mdico continua sendo o alvo principal das propagandas
de medicamentos, em virtude do papel da prescrio, do carter multiplicador da receita e da
peculiaridade da ao do mdico como grande agente intermediador entre o setor industrial e
os consumidores. Existe diversificao das atividades promocionais e grande dispndio, com
privilgio aos propagandistas, com patrocnio de congressos e distribuio de amostras grtis
e brindes.
Moynihan (2008) chama a ateno para o formador de opinio, termo usado para
descrever os mdicos mais experientes que ajudam as empresas farmacuticas a vender
medicamentos. So especialistas influentes pagos pela indstria para informar os
profissionais e pblico, os quais chegam a receber US$2.500 por uma nica palestra, em
grande parte baseada em slides fornecidos pela empresa, podendo ser chamados tambm de
formadores de pensamento. Este um fenmeno mundial, sendo comum o trabalho em
conjunto com os funcionrios de marketing, para aumentarem as vendas.
A relao mdico-indstria comum na prtica mdica. Uma pesquisa nacional,
entrevistando mdicos nos Estados Unidos, mostrou que 78% dos mdicos entrevistados na
pesquisa recebem amostras grtis e que 35% recebem reembolso da indstria pelas despesas
com encontros profissionais ou educao continuada (CAMPBELL, 2007).
A interao com os representantes da indstria farmacutica impacta a prescrio de
medicamentos em termos de custo, de prescrio no-racional, de sensibilizao, preferncia
e rpida prescrio dos medicamentos novos e diminuio da prescrio dos medicamentos
genricos (WAZANA, 2000).
As amostras grtis de medicamentos so largamente utilizadas. O valor gasto nos
Estados Unidos com estas em 1996 totalizou mais de 4.9 bilhes de dlares e cresceu para
mais de 16.4 bilhes em 2004. Os estudos tm descrito muitos problemas associados, como
profissionais que desviam as amostras grtis para uso prprio ou revenda, a influncia dos
representantes farmacuticos na prescrio mdica e a contribuio para o incremento de uso
do medicamento e os custos dos seguros de sade (CUTRONA, 2008).
Nos estudos analisados por Wazana (2000), a participao em eventos patrocinados
pela indstria, financiamento de cursos e simpsios foi associado aumento de prescrio do
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medicamento do patrocinador, bem como o recebimento de representantes da indstria
farmacutica foi associado prescrio no racional.
Ao analisar anncios de medicamentos em trs revistas mdicas brasileiras, Barros
(2002) constatou que apenas em cerca de 20% dos anncios havia referncia a reaes
adversas, contra-indicaes e interaes medicamentosas, o que demonstra serem
tendenciosos e atenderem a propsitos mercadolgicos, no sendo um meio que subsidie a
prescrio e a utilizao correta e segura dos produtos anunciados.
As propagandas de medicamentos dirigidas classe mdica analisadas por Pizzol
(1998) apresentam principalmente as vantagens dos produtos, entretanto a ausncia de
precaues gerais na maioria das peas publicitrias um fato grave pelas possveis
consequncias relacionadas. preciso alertar o prescritor sobre os riscos relacionados e no
apenas as vantagens do produto. Alm do que, as propagandas indicam o medicamento como
ponto central e indispensvel no processo sade e doena e pelos argumentos visuais e no
visuais, tentam convencer os mdicos disso.
Entre as peas publicitrias de medicamentos monitoradas pela equipe de Soares
(2008), a irregularidade mais importante foi em relao s informaes prestadas aos
profissionais de sade, seja por meio de referncias bibliogrficas inexistentes, inacessveis ou
sem valor cientfico, seja por informao inadequada acerca das contra-indicaes,
advertncias e cuidados.
Inerentes s regras do jogo, as atividades publicitrias desempenham papel crucial na
ampliao da oferta e na induo ao consumo, com todas as suas conseqncias. Para Barros
(2008), a legislao brasileira tem sido pouco eficaz para coibir a violao das regras nas
peas publicitrias, sendo que o nus financeiro a partir da imposio de multas s empresas
que descumprem as normas de publicidade farmacutica no provoca reorientao de
comportamentos, entre outros motivos, porque o retorno advindo das vendas ampliadas
provavelmente cobre com ganhos adicionais o que foi despendido.
A estrutura quase monoplica da indstria farmacutica, com grande concentrao e
carter internacional, tem se constitudo um entrave ao cumprimento das leis que
regulamentam a propaganda e a comercializao de medicamentos, especialmente em pases
pobres e em desenvolvimento. O uso indevido de medicamentos e a proliferao de reaes
adversas so desdobramentos perversos deste quadro, com a automedicao e a prescrio
indevida assumindo ndices alarmantes (NASCIMENTO, 2005).
Os estudos realizados em muitos pases tem consistentemente demonstrado que os
mdicos quanto mais confiam na propaganda como sua fonte de informao sobre de
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medicamentos, menos se tornam preparados como prescritores (LEXCHIN, 1997b). Desta
forma, a propaganda da indstria farmacutica atua na contra-mo do uso racional de
medicamentos, pois afeta a qualidade da prescrio.
A publicidade massiva dos produtores um dos determinantes da irracionalidade no
uso dos medicamentos. Utilizam altos investimentos nas mais diversificadas e sofisticadas
estratgias, que terminam sendo custeadas pelos consumidores, sem que, em contrapartida,
haja disponibilidade de outras fontes de informao, principalmente para os responsveis para
a prescrio (BARROS, 2004).
Para Wannmacher (2007), o poder da propaganda da indstria farmacutica forte
condicionante do uso irracional de medicamentos, utilizam argumentos e falcias sobre os
medicamentos novos e mais caros, que permeiam boletins informativos, bulas e propagandas
pagas. Mais grave ainda so os resultados maquiados de trabalhos financiados pela indstria
farmacutica e publicados em revistas cientficas, condicionando a adoo teraputica de
profissionais que no fazem leitura crtica de tais artigos.
A informao objetiva e imparcial da qual necessitam os prescritores para o uso
racional de medicamentos est muito distante da disseminada pela indstria farmacutica. A
Sobravime (2001) listou vrias consequncias para a sade pblica da hipertrofiada e muitas
vezes distorcida promoo farmacutica: fracasso no tratamento por escolha inadequada do
medicamento; falta de observncia do tratamento por impossibilidade de comprar um
medicamento muito caro; exposies indevidas a reaes adversas; aumento da resistncia
bacteriana; pssimos hbitos de prescrio e consumo de medicamentos e desperdcio de
dinheiro do indivduo e da instituio com medicamentos inteis e desnecessrios.
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5 METODOLOGIA
O estudo foi desenvolvido com abordagem qualitativa, utilizando-se a entrevista como
tcnica de coleta de dados na fase de trabalho de campo, por possibilitar compreenso dos
mundos da vida do entrevistado e de grupos sociais especficos, suas crenas, atitudes, valores
e motivaes (GASKELL, 2003).
Para realizao das entrevistas, foram seguidas as orientaes propostas por Gaskell
(2003). Os tpicos guia especificados abordaram:
a importncia da prescrio de medicamentos na prtica clnica,
a existncia de dificuldades na prescrio de medicamentos,
o interesse no estudo da teraputica medicamentosa,
o entendimento sobre uso racional de medicamentos,
o conhecimento sobre a proposta da OMS para uso racional de medicamentos,
as fontes de informao sobre medicamentos utilizadas,
as estratgias promocionais da indstria farmacutica junto ao cirurgio-dentista,