uso racional de antibióticos: uma experiência para educação em

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TEMAS LIVRES FREE THEMES 1323 1 Programa de Mestrado em Ciências da Saúde, Curso de Farmácia, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Av. José Acácio Moreira 787. 88704-900, Tubarão, SC. [email protected] 2 Unidade Acadêmica da Saúde, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). 3 Curso de Farmácia, Programa de Mestrado em Ciências da Saúde, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Uso Racional de Antibióticos: uma experiência para educação em saúde com escolares Rational Use of Antibiotics: an experiment for the health education of schoolchildren Resumo A promoção do uso racional de antibi- óticos pode ser realizada de forma a conscientizar profissionais de saúde e usuários através de ações educativas. Objetivo: Relatar a experiência de construção de um instrumento de educação em saúde sobre o uso racional de antibióticos com escolares do ensino fundamental. Métodos: As ati- vidades iniciaram-se pela definição dos objetivos, seleção da melhor estratégia e programação das atividades com as assistentes pedagógicas das es- colas. Após definir a estratégia a ser adotada como história em quadrinhos, trabalhou-se com as cri- anças nas etapas de contextualização, construção da sequência da história e sua ilustração. Resul- tados: Os objetivos previstos para a história fo- ram alcançados, com a mesma retratando aspec- tos previstos no conceito de uso racional de medi- camentos da Organização Mundial de Saúde. Ob- tiveram-se seis histórias e foi selecionada aquela que mais se adequou aos objetivos iniciais. Con- clusão: A experiência demonstra uma maneira de desenvolver ações de educação em saúde em inte- ração com a comunidade, utilizando oficinas lú- dicas. Além disso, permitiu identificar limitações e potencialidades para a utilização de estratégias de educação em saúde, que podem ser realizadas com crianças da mesma faixa etária, sobre dife- rentes temas. Palavras-chave Educação em saúde, Criança, Agentes antibacterianos Abstract The promotion of the rational use of antibiotics can be conducted to ensure that health professionals and users become aware of its im- portance through educational activities. The scope of this paper was to report on the experiment of developing a tool for health education for prima- ry school children on the rational use of antibiot- ics. The activities began by defining objectives, selecting the best strategy and planning activities with the guidance of teaching assistants in schools. After defining that the strategy to be adopted would be a comic strip, we worked together with the children on the steps of contextualization, se- quence construction and its illustration. All the goals established for the story were achieved, since it represented aspects envisaged in the concept of rational use of medicines recommended by the World Health Organization. At the end, the story that best matched the intended purposes was se- lected to be turned into a comic book. The experi- ence showed a way to develop health education activities in interaction with the community, using recreational workshops. Beside this, it made it possible to identify the limitations and poten- tial for using education action strategies on other topics with children of the same age group. Key words Health education, Child, Anti-bac- terial agents Bruna Werner Dandolini 1 Lilian de Bem Batista 1 Lúcia Helena Fernandes de Souza 2 Dayani Galato 3 Anna Paula Piovezan 3

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1 Programa de Mestrado em

Ciências da Saúde, Curso de

Farmácia, Universidade do

Sul de Santa Catarina

(UNISUL). Av. José Acácio

Moreira 787. 88704-900,

Tubarão, SC.

[email protected] Unidade Acadêmica da

Saúde, Universidade do Sul

de Santa Catarina

(UNISUL).3 Curso de Farmácia,

Programa de Mestrado em

Ciências da Saúde,

Universidade do Sul de

Santa Catarina (UNISUL).

Uso Racional de Antibióticos:uma experiência para educação em saúde com escolares

Rational Use of Antibiotics:an experiment for the health education of schoolchildren

Resumo A promoção do uso racional de antibi-

óticos pode ser realizada de forma a conscientizar

profissionais de saúde e usuários através de ações

educativas. Objetivo: Relatar a experiência de

construção de um instrumento de educação em

saúde sobre o uso racional de antibióticos com

escolares do ensino fundamental. Métodos: As ati-

vidades iniciaram-se pela definição dos objetivos,

seleção da melhor estratégia e programação das

atividades com as assistentes pedagógicas das es-

colas. Após definir a estratégia a ser adotada como

história em quadrinhos, trabalhou-se com as cri-

anças nas etapas de contextualização, construção

da sequência da história e sua ilustração. Resul-

tados: Os objetivos previstos para a história fo-

ram alcançados, com a mesma retratando aspec-

tos previstos no conceito de uso racional de medi-

camentos da Organização Mundial de Saúde. Ob-

tiveram-se seis histórias e foi selecionada aquela

que mais se adequou aos objetivos iniciais. Con-

clusão: A experiência demonstra uma maneira de

desenvolver ações de educação em saúde em inte-

ração com a comunidade, utilizando oficinas lú-

dicas. Além disso, permitiu identificar limitações

e potencialidades para a utilização de estratégias

de educação em saúde, que podem ser realizadas

com crianças da mesma faixa etária, sobre dife-

rentes temas.

Palavras-chave Educação em saúde, Criança,

Agentes antibacterianos

Abstract The promotion of the rational use of

antibiotics can be conducted to ensure that health

professionals and users become aware of its im-

portance through educational activities. The scope

of this paper was to report on the experiment of

developing a tool for health education for prima-

ry school children on the rational use of antibiot-

ics. The activities began by defining objectives,

selecting the best strategy and planning activities

with the guidance of teaching assistants in schools.

After defining that the strategy to be adopted

would be a comic strip, we worked together with

the children on the steps of contextualization, se-

quence construction and its illustration. All the

goals established for the story were achieved, since

it represented aspects envisaged in the concept of

rational use of medicines recommended by the

World Health Organization. At the end, the story

that best matched the intended purposes was se-

lected to be turned into a comic book. The experi-

ence showed a way to develop health education

activities in interaction with the community,

using recreational workshops. Beside this, it made

it possible to identify the limitations and poten-

tial for using education action strategies on other

topics with children of the same age group.

Key words Health education, Child, Anti-bac-

terial agents

Bruna Werner Dandolini 1

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Introdução

Para a Organização Mundial de Saúde o UsoRacional de Medicamentos é uma necessidade quevem sendo alertada já há algum tempo1, tendoem vista os problemas observados com o usoinadequado dos mesmos. De acordo com docu-mentos oficiais desta organização2, em todo omundo mais de 50% de todos os medicamentossão receitados, dispensados e vendidos de formainadequada, enquanto a maioria da populaçãomundial carece de acesso aos mesmos. Se de umlado este fenômeno contribui para o aumentodos gastos de recursos públicos com saúde, dooutro lado traz prejuízos à população. Estes po-dem ser em decorrência do mascaramento dequestões sociais do processo saúde/doença3, doaparecimento de reações indesejadas4 ou da au-sência de resultados positivos para o tratamen-to. Neste último caso, um dos principais exem-plos seria o do uso indiscriminado dos antibióti-cos, que tem como resultado uma maior resis-tência microbiana5.

No Brasil, o uso irracional dos medicamen-tos é fortemente influenciado por questões comoa automedicação6 e a propaganda e publicidadetendenciosas7, que como consequência podemocasionar intoxicações e até mesmo mortes8. Umadas estratégias capazes de impedir tal fenômeno,que é estimulada internacionalmente, é o de edu-cação dos usuários sobre medicamentos9, sendoque esta medida pode ser aplicada tanto indivi-dual como coletivamente, e pode ser capaz degerar mudanças de comportamentos e atitudespara a melhoria de condições de saúde. Estas açõesde educação em saúde envolvem a aprendizagemde diferentes aspectos das doenças e integram ocampo da promoção da saúde, levando em con-sideração os conhecimentos de determinada po-pulação, criando vínculos entre sua maneira depensar e de agir no cotidiano, não apenas emsituações de doenças10.

Resultados benéficos de campanhas destanatureza têm sido demonstrados em vários paí-ses, tanto na comunidade11 quanto nas escolas12,13.No Brasil, tais ações também foram empreendi-das com resultados positivos entre as crianças, edentre estas podemos citar aquelas realizadascom o objetivo de aumentar a competência noautocuidado da asma14 e de implementar hábi-tos para o manejo da obesidade15. Assim, dife-

rentes órgãos de saúde incentivam sua práticanos mais diversos ambientes, como instrumentode transformação das práticas inadequadas desaúde.

Um destes ambientes pode ser a escola, pois amesma é reconhecida como um espaço propíciopara tais atividades de promoção e prevenção,além de possuir uma responsabilidade social nestesentido16,17. Além disto, este tipo de ação encon-tra-se em consonância com o preconizado pelasdiretrizes da meta ‘saúde para o ano 2000’ umavez que visa à educação como forma de preven-ção e de controle de problema de saúde, envolvediferentes setores da comunidade além da esferada saúde, e promove a participação comunitáriano planejamento dos mesmos18. Em concordân-cia com o acima exposto, este estudo teve comoobjetivo relatar a experiência de desenvolvimen-to de um instrumento de educação em saúde comescolares do ensino fundamental sobre o usoracional de antibióticos.

Materiais e métodos

Para o desenvolvimento da estratégia educativaproposta, seguiu-se uma abordagem qualitativabaseada no relato de experiência19, na qual ospesquisadores e participantes representativos dasituação ou do problema estão envolvidos demodo cooperativo ou participativo, orientadapara a elaboração de diagnósticos, identificaçãode problemas e busca de soluções.

Foram sujeitos deste estudo as crianças regu-larmente matriculadas no quarto ano do ensinofundamental, de uma escola particular do muni-cípio de Tubarão, ao sul de Santa Catarina, Bra-sil. Os procedimentos adotados para a execuçãodeste estudo foram aprovados pelo Comitê deÉtica em Pesquisa da UNISUL.

O grupo de trabalho envolvido no desenvol-vimento destas atividades se constituiu de duasprofessoras e duas acadêmicas do Curso de Far-mácia da Universidade do Sul de Santa Catarina(UNISUL), além da Assistente Pedagógica daUnidade Acadêmica (UnA) da Saúde desta insti-tuição. Na escola, as atividades foram norteadaspela respectiva orientadora pedagógica.

As etapas adotadas para o desenvolvimentodesta estratégia de educação em saúde estão apre-sentadas a seguir.

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Descrição da Experiência

Etapas de Planejamento- Sem a Participação das Crianças

Definição dos objetivos a serematingidos com a estratégia educativaPara a elaboração da história em quadrinhos,

os autores selecionaram tópicos relativos ao UsoRacional de Antibióticos, com base no que é dis-cutido na literatura acerca de os principais pro-blemas encontrados em relação a esta classe demedicamentos. Utilizou-se como norteador oconceito da Organização Mundial de Saúde deque “O uso racional de medicamentos parte doprincípio que o paciente recebe o medicamentoapropriado para suas necessidades clínicas, nasdoses individualmente requeridas para um ade-quado período de tempo e a um baixo custo paraele e sua comunidade”9.

Neste caso, estabeleceu-se que a história de-veria abordar as seguintes questões: a prescriçãodo antibiótico por um médico, a aquisição doantibiótico apenas com a prescrição médica, ocuidado com a posologia prescrita para o antibi-ótico. Ao abordar estas questões, se pretendeuque a atividade desenvolvesse nas crianças as ca-pacidades de: a) atribuir a profissional da áreada saúde capacitado, neste caso o médico, a res-ponsabilidade pela prescrição de antibióticos; b)identificar que a compra de antibióticos na far-mácia deve ser feita apenas sob prescrição médi-ca; e, finalmente, c) identificar que o tratamentoeficaz com antibióticos depende da utilização dosmesmos na posologia adequada e determinadapelo médico prescritor.

Seleção da estratégia educativaA escolha do tipo de estratégia educativa a ser

desenvolvida no estudo levou em consideração aorientação pedagógica para a faixa etária envolvi-da, além das características da turma alvo de alu-nos20. Desta forma, optou-se pela elaboração deuma história em quadrinhos, que possuiria osbenefícios de envolver todas as crianças da tur-ma, bem como de poder ser executada dentro deum período de tempo convidativo às crianças.

Implementação- Envolvendo a Participação das Crianças

A elaboração da história em quadrinhos foirealizada em duas etapas, em dois encontros decerca de uma hora e meia cada. As reuniões comas crianças só aconteceram após minuciosa or-

ganização das atividades, que foram planejadasem conjunto com o orientador pedagógico daescola. Nesta organização estava contemplada aforma de abordagem das crianças a fim de atingiros objetivos previstos para cada uma das sessões.

Definição da Sequênciada História em QuadrinhosO primeiro encontro foi realizado num espa-

ço da escola denominado de Sala de Vivências, eteve a finalidade de apresentar o trabalho às cri-anças e coletar dados da realidade das mesmas,transcrevendo-os para a sequência da história aser contada em acordo com os objetivos estabe-lecidos para a mesma. Nesta etapa, estiverampresentes 23 alunos, do total de 26 matriculadosna turma. O grupo de autores introduziu a pro-blemática apresentando um teatro, com cerca dedez minutos de duração, como forma de contex-tualização do tema.

Terminado o teatro, abriu-se espaço para re-tirar dúvidas das crianças sobre o assunto e soli-citou-se o auxílio das mesmas para a construçãoda sequência da história em quadrinhos. Ummoderador conduziu o questionamento aos alu-nos com relação à sequência da história em qua-drinhos, bem como das características físicas dospersonagens e dos ambientes da história. Os da-dos foram sendo registrados por uma segundapessoa, que também auxiliou o moderador nodirecionamento das questões.

Ilustração da História em QuadrinhosO segundo encontro foi idealizado com o

objetivo de serem realizadas as ilustrações da his-tória em quadrinhos, cuja sequência foi elabora-da na semana anterior. Estiveram presentes 24crianças, que foram divididas em seis equipes dequatro alunos. Para cada grupo foi distribuídomaterial de desenho e pintura, bem como umresumo do encontro anterior que relembrava asequência e os personagens, assim como as ca-racterísticas físicas dos mesmos e dos ambientesda história. Ao final do encontro, obtiveram-seseis ilustrações diferentes para a história, con-tendo os desenhos e as falas.

Análise dos Dados– Avaliação das Histórias

Para avaliação dos resultados obtidos com ailustração da história em quadrinhos pelas cri-anças, levou-se em consideração primeiramenteos critérios definidos com os estudantes, relacio-nados à caracterização dos personagens e às fa-

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ses da história. Em segundo lugar, se os dese-nhos e as falas refletiam os objetivos traçadosinicialmente para esta ferramenta de educaçãoem saúde, com relação ao Uso Racional de Anti-bióticos, baseado no conceito da OrganizaçãoMundial de Saúde1.

Considerações Éticas da Pesquisa

Os procedimentos adotados para a execuçãodeste estudo foram aprovados pelo Comitê deÉtica em Pesquisa da UNISUL.

Os resultados desta experiência foram devol-vidos às crianças participantes e socializadas comos demais alunos da escola.

Resultados

Como mencionado no relato da construção daferramenta, o encontro inicial com as criançasda primeira escola começou com a apresentaçãode um teatro, com o objetivo de criar um contex-to para a participação das mesmas nas ativida-des previstas. Após a apresentação do teatro pelogrupo de pesquisadores, algumas questões fo-ram levantadas pelos alunos: “E se o farmacêuti-co vender o antibiótico sem receita?”, “Por quetenho que tomar meu remédio uma hora antesde comer?”, “E vírus, é tratado com o quê?”. Osautores responderam às perguntas e iniciaram otrabalho de construção da história em quadri-nhos, conforme segue.

Sequência da Históriae Características dos Personagens

A sequência e os personagens da história emquadrinhos ficaram assim estabelecidos: 1) emcasa, uma criança está doente e pede um ‘remédio’à mãe; 2) a mãe explica que só o médico poderiasaber qual o melhor medicamento para ela e aleva ao consultório; 3) no consultório, o médicoexamina a criança, explica que ela está com umainfecção e prescreve um antibiótico; 4) na farmá-cia, o farmacêutico exige a prescrição médica parao antibiótico e explica a importância de usar cor-retamente o medicamento; 5) novamente em casa,a criança está brincando e não quer tomar o anti-biótico, a mãe insiste, lembrando o que o farma-cêutico informou e a criança o aceita; 6) com otratamento, a criança melhora da doença e vaicomemorar num parque de diversões.

Quanto às características dos personagensenvolvidos e dos ambientes onde a história se

passa, quando houve divergências entre os par-ticipantes foi solicitada a intervenção da profes-sora que estava responsável pela turma para con-duzir a discussão no sentido de que as criançaschegassem a um consenso. Obtiveram-se as se-guintes respostas: o paciente seria uma menina,o cuidador seria a mãe, o paciente estaria apre-sentando sintomas como tosse, dor de gargantae gripe. Sobre as características dos personagensdecidiu-se: o médico seria gordo, careca e usariajaleco; em seu consultório haveria computador,instrumentos para exames e brinquedos, pois setratava de um especialista para crianças. Quantoao farmacêutico, seria um homem magro e cal-vo, que também usava jaleco.

As crianças também citaram muitos detalhesque poderiam estar representados nos quadri-nhos, por exemplo, que o médico poderia ter umestetoscópio no pescoço e em seu consultóriopoderia haver um diploma na parede, um porta-retratos sobre a mesa, entre outros.

Produção das Histórias em Quadrinhos

Conforme pode ser observado na Figura 1,as falas e as características dos personagens eambientes da história que foram levantadas noencontro inicial se refletiram, de maneiras distin-tas, nas ilustrações que foram realizadas no se-gundo encontro pelos alunos. Nesta figura sãoapresentados desenhos de cada uma das seis his-tórias construídas, representando o consultóriomédico, mostrando semelhança entre os perso-nagens envolvidos, características dos persona-gens e de suas falas.

Representação dos Objetivos Previstosna História em Quadrinhos

Com relação aos objetivos previstos inicial-mente para a história em quadrinhos foram atin-gidos, uma vez que as ilustrações contemplaram,conforme pode ser visto nos desenhos apresen-tados na Figura 2: um médico examinando opaciente e prescrevendo o medicamento (painéisa e b), o farmacêutico exigindo a prescrição mé-dica (painéis c e d), o paciente sendo lembradosobre a importância do uso do medicamento naposologia e pelo tempo determinado pelo médi-co (painéis e e f).

Nas ilustrações desta figura, as falas que for-talecem estas ideias também estão em acordo como conceito da Organização Mundial de Saúde1,conforme pode ser acompanhado a seguir. Nospainéis a e b, com relação ao personagem médico,

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as respectivas falas são: “Hum, ela está com infec-ção na garganta. Ela tem que tomar antibiótico” e“Hum... esta é a receita”. Entende-se que estes qua-dros refletem, no primeiro caso a importância dodiagnóstico pelo médico, e no segundo caso a com-petência deste profissional em prescrever o medi-camento antibiótico. Já com relação ao persona-gem farmacêutico, nos painéis c e d os mesmosfalam, respectivamente, “Me dá a receita” e “A re-ceita, por favor”. Estas cenas levam à ponderaçãode que o medicamento antibiótico não pode servendido sem a prescrição médica. Finalmente, nopainel e a personagem mãe diz “Filha, hora doremédio” e a filha responde “Tá bem”; e, no painelf, o personagem médico diz “Menina, você temque tomar remédio na hora certa e no tempo cer-to” e a filha responde “ok”. Estas falas levam àsobre a importância do uso do medicamento naposologia adequada.

Finalização das atividades

Após a ilustração das histórias em quadri-nhos pelas crianças, selecionou-se aquela que

melhor representava os objetivos previstos paraa mesma tanto em termos de sequência como dafala dos personagens. A mesma foi então digita-lizada e diagramada no formato de uma históriaem quadrinhos, para que seja posteriormenteavaliada a eficácia da mesma em campanhas deeducação sobre uso racional de antibióticos comescolares da rede pública e privada do municípioenvolvido.

Finalmente, como forma de devolução àscrianças que participaram das atividades, pro-moveu-se um encontro final dos pesquisadorescom as mesmas, durante uma das atividades desala de aula. Nesta reunião, houve uma confra-ternização com distribuição de brindes na formade materiais escolares (canetas, lápis e cadernos),bem como a devolução das histórias aos alunos,agora montadas em cartazes ampliados, que fo-ram exibidos na escola para apreciação dos de-mais estudantes. Esta atividade foi previamenteplanejada com a orientadora pedagógica da es-cola e teve o objetivo de transformar num mo-mento lúdico a ocasião de devolução dos resul-tados aos participantes. Destaca-se que a mesma

Figura 1. Representação das características dos personagens e ambientes da história em quadrinhos

construída no primeiro encontro com os escolares.

Ilustração do consultório médico nas diferentes histórias em quadrinhos construídas pelas crianças.

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foi planejada sem o conhecimento dos sujeitosda pesquisa (crianças), e que a obtenção dos re-sultados da pesquisa não esteve vinculada à par-ticipação das crianças neste evento.

Discussão

O presente trabalho demonstra a possibilidadede interação entre diferentes setores da comuni-

dade na construção de uma estratégia educativapara crianças, numa área de grande importânciapara a saúde pública que é o uso racional de me-dicamentos. A educação em saúde com criançasvem sendo realizada com sucesso em diferentespaíses, sendo que no Brasil, na maioria das vezes,os trabalhos que avaliam esta prática o fazem apartir de atividades com grupos específicos, comoaqueles com asma14 ou considerados obesos15.Sobre as ações em saúde na escola, podem ser

Figura 2. Representação de que todos os objetivos previstos para a estratégia educativa sobre uso racional de

antibióticos foram alcançados.

Ilustração de partes das diferentes histórias em quadrinhos construídas pelas crianças.

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relatados exemplos de resultados positivos decampanhas educativas para a prevenção de do-enças infecciosas e parasitárias21,22; no entanto,até o presente momento não foram encontradosestudos abordando o tema dos medicamentos.

Sobre a importância de trabalhos realizadoscom crianças, no presente estudo, este públicofoi escolhido por duas razões, primeiro porquenum futuro próximo esta será a geração respon-sável pela compra de medicamentos. Em segun-do lugar, por acreditar-se que até mesmo na ida-de infantil estas podem servir de instrumento detransformação de hábitos na família e na socie-dade, uma vez que também possuem capacidadecrítica e reflexiva. Além disso, com relação à es-tratégia educativa realizada em nosso estudo naforma de uma história em quadrinhos, sabe-seque outras abordagens têm sido empregadas comsucesso por outros autores. Dentre estas podemser citadas as peças de teatro23, manejo e obser-vação do objeto de estudo24, palestras e carta-zes22, entre outros. Finalmente, a importância darealização de trabalhos desta natureza com cri-anças é fortalecida pelas campanhas promovi-das recentemente por órgãos nacionais e inter-nacionais com o objetivo de institucionalizarações para reduzir a vulnerabilidade dos jovensàs doenças sexualmente transmissíveis25. Ainda,está em acordo também com o preconizado peloMinistério da Saúde, ao lançar a Estratégia dasEscolas Promotoras de Saúde, dentro da Políticade Promoção à Saúde26.

Com relação ao tema em questão, o uso in-discriminado de antibióticos é registrado tantoem nível hospitalar27 como na comunidade28. Estefato torna-se especialmente relevante, uma vezque no campo desta classe de medicamentos, asações que são tomadas frente a um paciente po-dem repercutir em toda uma comunidade, prin-cipalmente no tocante à resistência bacteriana29,podendo acarretar em danos ainda mais gravesaos indivíduos30.

Quanto às limitações do estudo, em primeirolugar cabe lembrar que no presente trabalho nãofoi possível desenvolver uma reflexão mais exten-sa e crítica sobre a problemática do uso racionalde medicamentos com as crianças envolvidas,anteriormente à construção da história em qua-drinhos; o assunto foi abordado sob um conjun-to de tópicos selecionados previamente pelos pes-quisadores e contextualizado na forma de teatro.

A importância da inter-relação entre pesquisado-res e comunidade, em ações que partem das reaisnecessidades destes últimos é muito bem comen-tada por Cyrino e Pereira31. Outra situação quemerece consideração foi o fato de que as criançasreproduziram na história, parcialmente, a sequ-ência do teatro apresentado pelo grupo de traba-lho para introduzir as atividades. Em nossa opi-nião, contudo, isto reforça a ideia de outros auto-res, de que esta abordagem na forma de peça tea-tral também seja uma estratégia útil para a reali-zação de campanhas educativas em saúde32. Fi-nalmente, por tratar-se de um relato de experiên-cia sobre a construção de uma estratégia educati-va, os resultados atuais não nos permitem refletirmais amplamente sobre a possibilidade da mes-ma em promover mudanças na prática do usoracional de antibióticos, que segundo Tripp33 deveconstituir-se em etapa finalizadora do processode pesquisa-ação. No entanto, novos estudos es-tão sendo conduzidos pelo grupo com este obje-tivo, obedecendo metodologia mais adequada àavaliação de eficácia desta estratégia educativa, jáque conforme Franco34, uma das característicasdeste tipo de pesquisa é a continuidade das açõesque permitam o aprofundamento e a apreensãode conhecimento por parte dos pesquisadores edos participantes envolvidos.

Em conclusão, através desta experiência foipossível desenvolver uma estratégia de educaçãoem saúde com escolares de ensino fundamental,na forma de história em quadrinhos. A utilidadeda mesma para o conhecimento deste públicofoi constatada, uma vez que as histórias retrata-ram pontos importantes dentro do conceito deuso racional de medicamentos tais como seleçãoadequada do fármaco pelo médico, a venda domedicamento apenas sob prescrição e a utiliza-ção do mesmo dentro da posologia adequada.

A partir destas considerações, os pesquisa-dores percebem evidências para o estímulo àsações multidisciplinares desenvolvidas por pro-fissionais de saúde e da área acadêmica junto àsescolas, como forma de implantar a educaçãoem saúde sobre diferentes temas. Além disso,sugerem que sempre que possível os pesquisa-dores possam projetar suas ações a partir de re-flexões com os grupos a serem envolvidos, acer-ca de suas necessidades, com o tempo necessárioà observação, ao planejamento, à implantação eà avaliação de resultados.

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Colaboradores

BW Dandolini, LB Batista, LHF Souza, D Gala-to e AP Piovezan participaram igualmente de to-das as etapas de elaboração do artigo.

Agradecimentos

Agradecemos à orientadora pedagógica MariléiaMendes Goulart e à farmacêutica Thaís dos San-tos Corrêa.

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Artigo apresentado em 22/03/2011Aprovado em 05/04/2011Versão final apresentada em 14/04/2011

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